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fp oLOssARIO DF TERMOS Do DiscURSO

- Tico da Anilise de Discurso (AD), percebemos que 0 “consenso social” sobre a representagdo de um imaginario € 0 efeito de meméria produzide dentro de uma formagaio discursiva que se pretende hegeménica Pa"? 208 i 4} oLossAnio DE-TERMOS Do DiscURSO af determinada sociedade. Levando em conta as consideragdes acima, Pécheux ({1983] 1999) entende que o “efeito de consenso” produz uma imagem cujo sentido se apresenta imobilizado, causando, assim, 0 efeito de um imaginario social desse objeto. Eo imaginario que a meméria social (entrecruzada com a histéria) preservard e fard circular, ou, como afirma Mariani (1998, p. 34): “Naturaliza-se, assim, um sentido ‘comum’? 4 sociedade, ou, em outras palavras, mantém-se imaginariamente o fio de uma logica narrativa”. A partir de Mariani (1998, p. 34), observamos que a meméria so- cial é apenas uma meméria possivel, um modo particular de repetigao, de linearizar narrativas, sentidos, assim como de manté-los constituindo uma meméria histérica oficial. Por isso, a AD, propondo-se como uma leitura critica, busca evitar os sentidos legitimados, estagnados no curso temporal, ea repetigo de uma narrativa oficial, passando a compreenstio dos processos historicos de produgiio de sentido. Nessa perspectiva, a meméria social é mobilizada na AD apenas em sua “relag&o com a linguagem e a histéria”, tal qual propés Courtine ((1983] 1999, p, 15). Para este autor, hd um efeito de meméria que faz com Que “toda produgio discursiva que se efetua em condigdes determinadas de uma conjuntura movimenta — faz circular —formulagdes anteriores, jé enunciadas” (COURTINE [1981] 2009, p. 104)e, diriamos, “esquecidas” Pelo processo de “evidéncia subjetiva” (PECHEUX [1975] 2009). Assim, explica Leandro-Ferreira (2012, p.143), “no momento em que a memoria & acionada, outros sentidos sto esquecidos, ¢ so esquecidos para que Sutros [Sentidos] possam irromper”. Observa a autora que ¢ assim que Se deve entender o dizer de Orlandi (1999, p. 61): “falar esquecer”. Courtine ({1981] 2009, p. 105-106) apresenta a articulagdo da Ro¢ao de meméria & de ideologia da seguinte forma: “nogdo de memoria AIscursiva diz respeito a existéncia historica do enunciado no interior de 209 4p oLossAnuo DE TERMOS DO DISCURSO fp priticas discursivas regradas por aparelhos ideologicos”. Segundo Orlandi (2007), os aparelhos de poder de nossa sociedade gerenciam a meméria dos dizeres de modo a regular os arquivos institucionais. Essa nogio de arquivo difere do sentido de disperséio apontado por Pécheux ([1982] 1994, p. 57) quando define arquivo como “conjunto de documentos sobre determinada questo”. O arquivo mobilizado pelos aparelhos ideolégicos, como a imprensa ou instituigées publicas como museus, bibliotecas etc., éconfigurado por uma memdria institucional, o que legitima esse arquivo como mantenedor dos documentos sobre os fatos reais. A partir desse arquivo, pode-se afirmar com Pécheux ([1983] 1990, p. 60) que hé “um policiamento dos enunciados, de uma normalizagdo asséptica da leitura e do pensamento, e de um apagamento seletivo da meméria historica”. Isso significa dizer que o arquivo institucional passa a (re)contar a historia segundo aquilo que pode e deve ser contado, produzindo, entdo, 0 efeito de uma hist6ria oficial, Orlandi (2007) diferencia esse modo de organizar imaginariamente 0s sentidos em arquivos daquele de producdo histérica dos sentidos. A autora (1993) afirma que o sujeito toma como suas as palavras de uma voz anénima que se produz no interdiscurso, apropriando-se da me- méria que se manifestard de diferentes formas em discursos distintos. Portanto, para a autora, meméria discursiva e interdiscurso so conceitos que se equivalem, compreendendo a meméria constitutiva (ORLANDI, 2007, p. 66) de todo dizer. Tal equivaléncia pode ser desfeita @ partir dos questionamentos de Courtine e Marandin ([1981] 2011) sobre as modalidades da repetibilidade, em que, além da “repetigiio dos elemen- tos em extensdio” (COURTINE; MARANDIN, [1981] 2011, P- 47), 0 enunciado é pressentido ¢ lembrado, a repetigdo também aparece Com? Vertical, entre falhas ¢ lacunas, cujo “nifo-sabido”, “o nfo-reconhecido deixa seus vestigios numa presenga ao mesmo tempo ausente. A primelr? modalidade de repetig&o, Courtine ([1983] 1999) nomeia de memart 210 o_LOssAnio DE-TERMOS Do DIscURSO fp cheia ou saturada, por todos os sentidos estarem nela abrigados como se estivessem no non-sens do interdiscurso. Jé a segunda modalidade é designada pelo autor ([1983] 1999) de memsria lacunar ou com falhas, mostrando que a meméria pode bem conter suas brechas de sentido devido 20 trabalho do esquecimento. Essa constatagiio a respeito da meméria discursiva, Courtine ([1983] 1999) faz em seu texto La toque de Clémentis, no qual analisa discur- sivamente 0 acontecimento histérico da supressdo de uma personagem politica, Clémentis, acusado de traig&o pelo governo comunista, de uma fotografia oficial com o presidente da Tchecoslovaquia, Gottwald. Na ocasido, Clémentis teria emprestado seu gorro de pele para o entao presi- dente discursar da sacada do palicio de Praga, onde nevava. Apés a exe- cugao do traidor, o departamento de propaganda fez circular numerosos exemplares dessa fotografia, todas com a imagem de Clémentis apagada. O autor observa que esse “apagamento” de Clémentis da meméria histérica repercute diferentemente na memoria discursiva, que opera como uma presenga-ausente. O gorro na cabega de Gottwald ¢ 0 vestigio da existéncia de Clémentis, é um “caco”, uma “migalha de passado” que aponta no presente por meio da meméria ao mesmo tempo em que se apa- 88 pelo efeito do esquecimento. Segundo Courtine ([1983] 1999, p. 22), “meméria e esquecimento so indissocidveis” no processo de repeti¢ao de um discurso, ja que este é 0 fator determinante de sua manutenco € transformagdo. Assim, a personagem “retirada de cena”, de certo modo, Sobrevive naquela foto, mas é “Gottwald, daqui para frente, que a historia fard usar 0 chapéu” (COURTINE, [1983] 1999, p. 22). Logo, percebemos que a memoria discursiva atua num movimento Continuo entre 0 eixo interdiscursivo ¢ 0 eixo intradiscursivo, © da pos- Sibilidade ¢ o da atualidade do dizer, ou seja, a meméria do dizer néo se *esttinge ao passado, 6 também presente ¢ futuro, uma vez que aponta 2u1 a aLossAnto DE TERMOS DO DIScURSO ap sempre para a possibilidade de retomo de um jé-dito como a do sentidg vira ser outro. Assim, entendemos a definigdo que Pécheux ({1983] 1999, p. 17) fazde acontecimento discursivo “como sendo 0 ponto de: encontro entre uma atualidade e uma meméria”. Isso porque, para Pécheux ([ 1983] 1990), a meméria nfio é estatica, ela sofre reconfiguragdes conforme og saberes vio se reatualizando no intradiscurso. Desse modo, Leandro. Ferreira (2012, p. 144) entende a meméria como uma “constante recon. figuragdo do arquivo enquanto repositério dos sentidos, altermando um movimento necessério que vai oscilar entre presenga e auséncia, entre lembranga e esquecimento”. ‘Sea meméria discursiva move-se entre os dois eixos, a reprodueio fixa no eixo da formulagao diz respeito a um outro tipo de meméria que Orlandi (2006, p. 5) designou de meméria metdlica, sendo aquela “pro- duzida pela midia, pelas novas tecnologias de linguagem”. A meméria metalica diz respeito 4 memoria da maquina, da sua circulagao em rede no nivel horizontal, nfo se produzindo pela historicidade, mas por um construto técnico (televisdo, computador etc.). A repetigao se faz pela “distribuigdio em série, na forma de adigfo, actimulo: 0 que foi dito aqui e ali e mais além vai-se juntando como se formasse uma rede de filiagd0 endo apenas uma soma” (ORLANDI, 2006, p. 5). Esse tipo de memoria, portanto, caracteriza-se pela quantidade e nao pela historicidade. Diferentes memérias implicam diferentes formas de leitura ¢ in- terpretacdo, porque constituem modos distintos de se relacionar com a ideologia. Ainda com relagdo a questo da memoria esté a forma material do texto, que interfere no modo como este ¢ lido, ou seja, sua natureza produz efeitos sob o modo como a memoria ¢ a interpretagao funcionam. Para ler uma imagem, por exemplo, a relacionamos a outras imagens J4 significadas pela linguagem, o que, na AD, compreendemos se tratat do proprio trabalho da meméria discursiva que sustenta 0 dizer, como 212 4 cLOssARIO DE TERMOS Do DIScURSO fp demonstrou Indursky (2011) em sua andlise da pardfrase visual da obra A primeira missa no Brasil, de Victor Meirelles, na qual se observa 0 “memordvel” da meméria coletiva, que é da ordem da regularizacio, sendo afetado pela meméria discursiva que destegula o dizer com os saberes do interdiscurso, provocando o surgimento de outros sentidos de outras possibilidades de enunciar a colonizagao do Brasil. Em sintese, memoria discursiva é 0 que da acesso aos sentidos. A meméria do discurso é mobilizada toda vez que praticamos a linguagem. um processo que faz um movimento entre os eixos vertical ¢ horizontal, possibilitando que o sujeito-enunciador recupere a palavra outra no inter- discurso, “esquecendo” que nao é sua, para produzir o enunciado como sendo seu, Sobre esse conceito, interessa 4 AD, portanto, compreender o modo como a materialidade significante produz sentido na relagdio com a historia e as condigdes sécio-histéricas em que é produzida por um sujeito inscrito em certa formagao discursiva. REFERENCIAS ACHARD, Pierre. Meméria ¢ produgao discursiva do sentido [1983]. Jn: ACHARD, Pierre et al. (org.). Papel da meméria. Sio Paulo: Pontes, 1999. COURTINE, Jean-Jacques, MARANDIN, Jean-Marie. Que objeto para 4 Anilise de Discurso? Jn: CONEIN, Bernad et al. (org.). Materialidades Discursivas [1981]. Campinas: Editora da UNICAMBP, 2016, p. 33-54. COURTINE, Jean-Jacques. Andlise do discurso politico: 0 discurso comunista enderegado aos cristdos [1981]. Sao Carlos: EDUFSCAR, 2009. COURTINE, Jean-Jacques. O chapéu de Clémentis [1983]. Jn: INDURSKY, Freda; LEANDRO-FERREIRA, Maria Cristina (org.). Os miltiplos territérios a Andlise do Discurso. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1999, p. 15-22. 983] In: ACHARD, DAVALLON, Jean. A imagem, uma arte de memoria? [1 1999. p. 23-37. Piere et al. (org.). Papel da meméria, Sao Paulo: Pontes, 213

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