You are on page 1of 73
| s E Meer in 4 = ee Quimica aan ; cc Sek ae eV a Tec Melo Ber Talo) 3° Edigdo | estes PMN iaceuceeRseal-ir4iog i s I peel eR Ree te Rae an a tee 1 4 LT Nia OUNSSO Cee wel MULE Re eee eee OTe ered Tire ran ae e | Vat 6/40) aC hee) Wy, fa ele eek tee ane een a i} ee eee eee er ee Goo ee ena eae ten ey 0 dever do seu compromisso com a nova sociedade. © 1997, Editora U Fone: (0_55) 3332-0217 Fax: (0_55) 3332-0343 Editora@unijul.che.br Hittp://Aww.unijui.tche.br/unijui/editora/ Primeira edigao: 1997 Segunda edigéo: 2000 Terceira edicao: 2003 Capa: Computacao Gréfiea ~ CESPE/UnB rial e Administrativa: da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuf;Iiui, RS, Brasil) Catalogacao na Fonte Biblioteca Central Unijut $337e Santos, Wildson Luiz Pereira dos Educago em quimica : compromisso com a cida~ dania / Wildson Luiz Pereira dos Santos e Roseli Pacheco Schnetzler. ~ 3.ed. Ijui : Ed. Unijui, 2003, ~ 144 p. - - (Colegdo educacdo em quimica) ISBN 85:85866-81-0 1.Educago 2.Ensino 3.Quimica 4,Cidadania 5.Ci dadio 6.CTS 7.Ciéncia 8.Tecnologia 9.Sociedade LSchnetaler, Roseli Pacheco Il. Titulo Ill Série. CDU: 37.54 37:54:342.716 CONSELHO EDITORIAL Alice Casimiro Lopes ~ UFRJ - RJ = UFGO ~ Gods ary Mortimer —UFMG Gomes ~ UERJ ~ RJ UNUUE- RS zi ~ FURG ~ RS 's ~ PUCRS UNIJUE - RS UNICAMP - SP B COMITE DE REDACAO. = Presi Otavio Aloisio Mak Lenir Basso Zanon Mario Osorio M 1 | licamos este livro é meméria de Le de Souza Parente e Paulo Freire, que muito nos ensinaram a acreditar na educacdo. 4 sempre a aprender, “Aquele que ensina es é cotidianamente agraciado com o cont reatestecedor dos jovens, é obrigado por dever do oficio a se atualizar, é contaminado pela esperanca, € desafiado a ter fé € jama's pode esquecer, pela natural confiabilidade da juventude, que a boa vontade é o estado de espirito mais essencial & transformacao do mundo.” Leticia T. S. Parente, 1991 “A pritica educativa & uma pritica politica, que coloca ao educador uma ruptura, uma opcéo, 0 seja, voeé educa com vistas a um certo ideal E 0 sonho de sociedade que voce tem Paulo Freire, 1994 Sumario = SS APRESENTACAO: Um convite para ajudar a construir a cidadania 9 INTRODUCAO, 13 CAPITULO 1 EDUCACAO E CIDADANIA 21 Conceito de cidadania 23 Cidadania, democracia e educagao 26 Educacao e formagao da cidadania 29 Educagao para a cidadania e valores éticos 34 CAPITULO 2 ENSINO DE QUIMICA - E A FORMACAO DO CIDADAO 43 A formacao da cidadania como dispositivo legal e como fungio social do ensino médio 45 ‘A importancia do ensino de quimica para formar o cidadao . 47 Os educadores quimicos brasileiros ea proposta de educacao por meio da quimica 50 © movimento mundial de CTS e a formagao da cidadania . 54 CAPITULO 3 - A FORMACAO DO CIDADAO E 0 ENSINO DE CTS - CIENCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE Significado do ensino de CTS Objetivos do ensino de CTS Contetdos propostos nos cursos de CTS Abordagem dos temas sociais de CTS .. Estratégias de ensino de CTS Avaliagdo nos cursos de CTS Recomendacées para implementagao de cursos de CTS CAPITULO 4 ELEMENTOS CURRICULARES DE PROPOSTAS DE ENSINO DE QUIMICA PARA FORMAR O CIDADAO Objetivos Conteido Procedimentos de ensino O ensino de quimica atual e a formacao da cidadania CAPITULO 5 ENSINO DE QUIMICA PARA A CIDADANIA: Um Novo Paradigma Educacional Dos principios gerais para a elaboracao de propostas de ensino de quimica para formar 0 cidadao Das condicdes para implementagao do ensino de quimica para formar o cidadao Da contextualizacdo social do conteiido na formacao da cidadania Do ensino de quimica para formar o cidadao como um novo paradigma educacional REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS. 57 59 68 73 77 83 86 87 91 93 7 i 15 17 119 121 123 127 133 Apresentagao: Um Convite para Ajudar a Construir a Cidadania Apresentar um livro é algo muito complexo. Afinal &, usualmente, este 0 primeiro contato que os leitares e as leitoras tm com a obra, logo aqui estao linhas que podem ser decis- vas. Esta responsabilidade aumenta, quando o fazemos de li- vros de outros, pois temos que no s6 sensibilizar os futuros erlocutores que se iniciarao com 0 novo texto, mas, ¢ prin palmente, temos que honrar a confianca do autor ou edilora que nos convidou para a tarefa Allias, acredito que quando se apresenta o livro se teste munha 0 autor ou os autores, até porque aquele {o livro) é to imagem e semelhanca deste ou destes. A obra criada r © criador. Assim minha misao ficou duplicada ou melhor triplicada, pois devo falar de uma autora, de um autor e da obra que uma e outro gestaram. Nao é por acaso que a sabedoria do povo diz que nos perpetuamos quando plantamos uma arvore, geramos filhos e escrevemos livros. Um lisro escrito a dois, como (© que aqui apresento, tem caracteristicas dessa produgao inte lectual fecunda que nos faz eternos. O Wildson e a Roseli con- seguem transcendentalizar-se neste texto, e isso por si s6 seria um motivo para aquelas e aqueles que fazem Educacao em nos- so pais se abeberar nestas paginas sumerentas. 9 _ Todos temos uma resposta, quase inquestionével, aquele que € 0 nosso interrogante capital: Por que ensinar? Para fazer de nossos alunos e alunas homens e mulheres que sejam cida- dos e cidadas mais criticos. Quando temos aceitado esta res- posta, surge o complexo e arduo como fazer essa migrac&o para uma cidadania critica, Neste livro nao temos a receita, mas pistas que nos apontam direcdes através de uma tessitura de argumentos que nos desafiam a buscar uma Educacéo ainda mais critica ___ Em meu livro Para que(m) é util o ensino?(Chassot, 1995) digo que a busca de um ensino de Quimica que contribua para a alfabetizagao da cidada e do cidadao, proposta maior do nosso trabalho como educadoras e educadores, esté ratificada na sin- tese final elaborada por Wildson L. P. Santos em sua disserta- go de mestrado. Wildson ouviu, na ocasiao, educadores quimi- cos brasileiros que opinaram sobre o ensino de Quimica para formar 0 cidadao. A dissertagao originou esse livro, A sintese feita entéo e aqui reapresentada faz uma adequada e conve- niente convergéncia para as discussées de uma proposta, onde no cabe um conhecimento quimico desencarnado, como se a Quimica fosse pura (na acepeao de boa e maravilhosa, como costuma, as vezes, ser pintada) e neutra. A transmisséo desses conhecimentos deve ser encharcada na realidade, e isto ndo significa o reducionismo que virou um modismo Quimica do cotidiano (as vezes, apenas de utilitarismo), mas ensinar a Qui- mica dentro de uma concepcao que destaque o papel social da mesma, através de uma contextualizagao social, politica, filosé- fica, historica, econémica e (também) religiosa, Recentemente (julho de 1997) participei de um evento onde estavam varios colegas que se envolvem na formacao de professores e professoras, dizia, entao, “de minha satisfacdo or participar ce um momento de embate intelectual, onde a Educagéo Quimica brasileira poderia ser personalizada por este icone que & a Professora Doutora Roseli Pacheco Schnetzler”. Repito, aqui e agora, a minha reconhecida home- 10 nagem ao que a Roseli fez, faz e fara pela Educacao. Nada do que eu quisesse dizer sobre a co-autora desse livro me parece t&0 significative como o reconhecimento que professores ¢ pro fessoras de Quimica do Brasil tem aquela que € uma das instituidoras da area de Educagao Quimica no Brasil, ¢ isso ¢ bastante para dizer quanto leitores ¢ leitoras vao (re}encontrar neste livro a autora apreciada de outros textos, particularmente de artigos da revista Quimica Nova na Escola que ela ajuda a ceitar ‘Ao trazer estas duas referencias do Wildson e da Roseli, anteriores a este texto, busco enfatizar que nao temios aqui uma obra de estreantes, mas a frulificacdo de sementes que ha muito vem sendo espargidas num continuado fazer Educagao por meio da Quimica Quando em Educagéo em Quimica: compromisso com a cidadania somos levados a entender como o ensino de Q mica para a cidada e 0 cidadao deve estar centrado na inter- relacéo de dois componentes basicos: a informacdo quimica ¢ ‘© contexto social, pois para 0 cidadao ou a cidada participar da sociedade precisa nao sé compreender a Quimica, mas enter der a sociedade em que esté inserido Quando, com entusiasmo, convido a cada um e a cada uma a fazer parcetia com 0 Wildson e a Roseli na construcao da cidadania, nao posso furtar-me nesta apresentacao de fazer uma homenagem reconhecida a Editora Unijui, pela fantastica se- meaduta de livros que tem feito na busca de transformar a Edur cago brasileira. Quando uma Editora como a Unijui acrescen’ ta mais um livro em seu catélogo se iniciam, sonhadoramente, novas esperancas. J ponho-me a imaginar - e aqui viilico 0 significado desse verbo - cada uma e cada um dos que dialoga- yo com o autor e a autora deste livro numa das mais fantasticas realizagées concebidas pela mente humana: binémio fecundo escrita-leitura. Este didlogo seré mais pleno medida que con: tribuir para as sonhadas transformagdes na Educacao. nn Eaq que se lé por primeiro - esta apresentagao - € o que da por terminada a etapa do escrever um livro. E um mo: mento de quase éxtase: o livro esta escrito. Agora, 0 binémio antes referido passara a existir na leitura, que se espera, havera de se tornar mais fértil nas respostas as muitas interrogacées que estao nesse livro. Que cada uma e cada um tenha um go muito construtivo. Porto Alegre, no alvorecer da primavera de 1997 Attico Chassot Introdugao —E “Devemos ensinar que 0 cidadéo poss: com 0 mundo.” (Attico In para pe A presenga da quimica no dia-a-dia das pessoas é mais do que suficiente para justificar a necessidade de o cidadao ser in formado sobre quimica. Todavia, 0 ensino atual de nossas esco las esta muito distante do que o cidadao necessita con para exercer a sua cidadania. As diversas investigacoes volvidas nas duas Ultimas décadas acerca do ensino de nas escolas tém evidenciado o que foi constatado por nds, em entes trabalhos: o tratamento do conhecimento quimi tem enfatizado que a Quimica da escola nao tem nada a ver com a quimica da vida (Schnetzler, 1980) e “os objetivos, con tetido e estratégias do ensino de quimica atual estao dissociados das necessidades requeridas para um curso voltado para a for mago da cidadania” (Santos, 1992, p. 116). E assim que tary bem consideramos valida a hipdtese de Chassot: “o ensino qu se faz, na grande maioria das escolas, ¢ - literalmente - init sto é, mesmo se nao existisse, muito pouco (ou nada), seria ilerente.” (Chassot, 1995, p. 29). 13 Apesar de constatarmos tal situagio, acreditamos na pos sibilidade de transformé-la, pois se a escola tem a funcao de reproduzir a ideologia dominante, mantendo o status quo, como afirmam os estruturalistas marxistas, ela, por outro lado, consti- tui também um espaco contraditorio de contra-hegemonia. A nosso ver, nao se trata de retomar a discussao ideolagica do papel da escola, to amplamente discutido no meio académico nos anos oitenta, mas, sim, recuperar a funcao social da escola de formar cidados, como tem sido defendido pelos educa- dores, Na busca do sonho utdpico de educar para a cidadania, propusemo-nos neste livro apresentar contribuicées que pos- sam orientar aqueles que ainda lutam para transformar o ensino inutil de quimica em um ensino comprometido com a (re)construcdo de uma nova sociedade. Sonhamos, assim, como. © Prof. Chassot, “em fazer com que as professoras e os profes- sores de quimica aproveitem esta ciéncia para fazer Educagao. (Chassot, 1995, p. 15) Com tal intuito, realizamos duas investigagées: a primeira constou de anélise de contetido de entrevistas semi-estruturadas itas a educadores quimicos brasileiros, visando interpretar as suas opinides sobre como entendem e configuram propostas para a implementacao do citado ensino e a segunda se consti- tuiu em reviso de literatura sobre 0 movimento mundial de ensino de Ciencia, Tecnologia e Sociedade, CTS. Tais invest gacées foram objeto da Dissertagéo de Mestrado! O Ensino de Quimica para formar o cidadao: principais caracteristicas e condigées para a sua implantagéo na escola secundaria bra- sileira (Santos, 1992). Julgando que as informagées contidas nesse trabalho académico contribuem significativamente para 0 fazer pedagogico do dia-a-dia de sala de aula dos professores de quimica, resolve mos adap%s-lo e publicévlo na forma de livro. Dissertagio elaborada por Wildson Luiz Pereira dos Santos sob a orientago da Prof*. Dr! Rose Pacheco Schnetzler A primeira investigacao teve o objetivo de levantar carac~ teristicas do ensino de quimica para format o cidadao, enfocando teflexdes sobre os componentes curriculares e sobre o ensino atual. Considerando que, desde a década de cingtienta, tém-se desenvolvido no Brasil diversos projetos visando a melhoria do ‘ensino de ciéncias, incluindo-se ai o ensino de quimica (Barra e Lorenz, 1986; Krasilchik, 1980, 1987), 0 que veio a formar uma comunidade académica, caracterizada por Krasilchik (1987) como educadores em ciéncia e que, no caso, denominaremos ‘educadores quimicos, resolvemos levantar as caracteristicas do ensino de quimica para a cidadania, entrevistando educadores quimicos brasileiros?, os quais constituem, hoje, uma comu dade cientifica consolidada que vern defendendo a formacao da cidadania como objetivo basico do ensino médio de quimica A influéneia da comunidade no meio académico tem sido evidenciada pela publicac&o de artigos especificos sobre o ensi- no de quimica, pela elaboracdo de projetos curriculares inova dores, pela formagao de nitcleos de pés-graduacao, pela ree zagao de Encontros Nacionais ¢ Regionais de Ensino de Qui cae pela sua atuacdo na Divisio de Ensino de Quimica da So- ciedade Brasileira de Quimica, SBQ. Os trabalhos produzidos pela referida comunidade tém ressaltado a importancia do ensino médio de quimica em aten- der as necessidades sociais relativas a esse campo de conheci- mento, 0 que se relaciona com ensino para a cidadania, Nes- se sentido, julgamos ser fundamental sistematizar as principais proposigées de tal comunidade a respeito do que se constitui o ensino de quimica para formar o cidadao. Para tanto, propuse- mos realizar a anélise de contetxlo de entrevistas a educadores quimicos bra: 15 A anélise de contetdo & um proceso analitico que se aplica a discursos. Ela é constituida por um conjunto de técnicas miltiplas, as quais visam interpretar o conteido das informa: Ges obtidas. Para essa investigagio, foram selecionados doze educa dores quimicos, por meio de critérios objetivos. A anélise do Curriculo dos entrevistados evidencia que a clientela delimitada era constituida por pessoas com formacao académica tanto em Quimica, como em Educacao, com efetiva atuagao na area de educagao quimica e com larga experiéncia no magistério, n> ensino superior, no ensino médio e em cursos de formacao de professores. Os principais resultados da andlise de contetido das entre- vistas foram incorporados no capitulo quatro, no qual desenvol- vemos as proposi¢ées que caracterizam 0 ensino de quimica para formar o cidadio A segunda investigacao teve como objetivo caracterizar 0 movimento de ensino de CTS, enfocando, em particular, os projetos de ensino de quimica e visando, a partir d subsidios que facilitem a elaboragao de materiais di objetivem o desenvolvimento da cidadania extrair icos que O movimento mundial de ensino de CTS teve a sua ort gem no inicio da década de setenta. Desde entao se tem defen- dido a sua incluso no ensino de ciéncias de diversos paises (Fensham, 1981 e 1988; Hofsteinet al., 1988; Knamiller, 1984; McConnell, 1982; Solomon, 1993; Solomon e Aikenhead, 1994; Wessen, 1985; Zoller et al,, 1991b). A origem desse movimento pode ser explicada pelas conseqiiéncias decorren- tes do impacto da ciéncia e da tecnologia na sociedade moder- na (Hart e Robottom, 1990; Layton, In: Solomon e Aikenhead, 1994; Lowe, 1985; McKavanagh e Maher, 1982: Roby, 1981), © que, de certa forma, justfica 0 fato de o movimento ter surgi. do em varios paises em uma mesma época 16 Tal explicagao para o referido ensino evidencia que o mesmo apresenta um carater interdisciplinar, manifestando a preocupacao central com os aspectos sociais relativos as aplica- ‘cées da ciéncia e tecnologia, 0 que se vincula diretamente formagao da cidadania, Essa vinculagéo é explicitada na citagao a seguir de Pogge ¢ Yager (1987), referente ao relatério do “Projeto Sintese”, desenvolvido no inicio da década de oitenta, por meio de consulta a varios educadores em ciéncia, o qual resultou em importantes recomendacées para o ensino de cién- cias, incorporadas a varios projetos e pesquisas de ensino de CTS (Hofstein et al., 1988; McConnel, 1982; Rubba, 1989; Waks e Barchi, 1992; Wallace, 1986; Wessen, 1985; Zoller, 1990): “O ensino de ciéncias deve apresentar informagoes que prepa rem os cidadaos para tratar responsavelmente as questdes sociais relativas 4 ciéncia." (Pogge e Yager, 1987, p. 221) [tra- dugio e grifo nossos| ‘Uma segunda justificativa para 0 surgimento do movimento de CTS relaciona-se & mudanga de visdo sobre a natureza da ciéncia e do seu papel na sociedade (Lowe, 1985; Mckavanagh fe Maher, 1982; Roby, 1981; Solomon e Aikenhead, 1994; Ziman, 1985). Tais mudangas decorreram de novos estudos sobre a filosofia e a historia da ciéncia, tendo tido uma impor- tante influéncia nesse sentido a obra de Kuhn (1989), conforme menciona Lowe (1985) A evidéncia da importancia do ensino de CTS é manifes- tada pela grande repercussdo de seu movimento mundial, que tem sido reportada por varios autores, por meio de indicadores, como a realizagdo de congressos internacionais e conferéncias especificas sobre CTS, ocorridos em varios paises; a recomen- dag&o da inclusdo nos curriculos de ciéncia de tal abordagem, feita por entidades educacionais e varias conferéncias de ensi 1no} o desenvolvimento de dissertacées e de trabalhos de pesqui 17 sa sobre a abordagem de tal tematica; a elaboracao, difusio avaliacao de propostas curriculares desse ensino em diversos s (Aikenhead, 1990; Fensham, 1988; Hofsteinet al., 1988; , 1984; Solomon, 1993; Solomon e Aikenhead, 1994; Zoller et al., 19916) Outros indicadores da repercusséo do movimento de CTS no ensino de ciéncias podem ser verificados, também, pelos resultados de algumas pesquisas. Fensham (1988) descreve a investigacao realizada, em 1983, que constata a presenca de algum movimento de CTS nos sistemas educacionais de trinta e quatro paises. Bybee e Mau (1986), em investigagao junto a educadores em ciéncia de quarenta e um paises, também iden- tificaram que ha nas escolas algum ensino de temas relaciona- dos com CTS. Alem disso, nos periédicos internacionais que tratam do ensino de ciéncias é encontrado um grande ntimero de artigos especificos sobre CTS*, bem como referéncias de vasta literatu- ra a esse respeito, incluindo-se revistas e livros especializados (Aikenhead, 1990). Finalmente, outra evidéncia da importancia do ensino de CTS ¢ manifestada pelos resultados de varias pesquisas desen- volvidas com o objetivo de captar a concepgio de alunos e do piiblico em geral sobre as interacées entre ciéncia, tecnologia e sociedade, as quais constataram que tanto o piblico em geral quanto os estudantes néo possuem uma compreensio satisfatéria dos aspectos fundamentais da ciéncia e tecnologia que fazem parte da sua vida diaria (Aikenhead, 1987, 1988; Collins e Bodmer, 1986; Fleming, 1986a, 1986b, 1987; Layton et al., 1986; Millar e Wynne, 1988; Rubba, 1989) Todas essas consideracées justificam a importancia do ensino de quimica para a cidadania e demonstram que uma * Na revisdo da literatura internacional sobre o ensino de CTS, desenvolvide na Dissertacdo de Mestrado, foram encontradas quase duas centenas de igos sobre o referido ensino 18 revisio da literatura sobre o ensino de CTS podera vir a subsidiar a elaboracao de materiais didaticos de ensino de quimica, Considerando, ainda, que o objetivo geral para a educa- ‘cao basica @ o preparo para o exercicio consciente da cidada nia, entendemos que novas propostas curriculares precisam ser desenvolvidas dentro de tal concepeao, para que possam garan tir 0 alcance do citado objetivo. No entanto, desde que a elabo- rago de propostas de ensino implica a adocao de prin filos6ficos que as orientem, torna-se imprescindivel realizar in- vestigacdes que fornecam subsidios para o alcance daquele ob- jetivo basico para o ensino de quimica. Foi, neste sentido, que desenvolvemos as duas citadas pesquisas. Tais investigacdes foram realizadas, entdo, na busca de respostas aos seguintes questionamentos: O que significa e como seria 0 ensino de quimica para formar o cidadao? Quais so as condigdes necessarias para a sua implementagao no Brasil? Sera esse ensino vidvel no contexto nacional? Serao viaveis e com- pativeis ao contexto brasileiro as proposigSes encontradas na literatura internacional sobre CTS? Consideramos que a adogao de dois referenciais para 0 levantamento de subsidios para a elaboracdo de propostas curriculares de ensino de quimica para formar 0 cidadao reflete uma posicao critica de, ao mesmo tempo, contextualizar ¢ valo tizar 0 trabalho dos educadores quimicos brasileiros que ha dé- cadas estao estudando e propondo medidas de inovacao para 0 mica brasileiro, bem como refletir e considerar as proposicées j4 desenvolvidas e aplicadas em varios paises, Iniciamos 0 lio, delineando consideragées filoséticas ¢ sociolégicas em torno do coneeito de cidadania e da sua relagao com a educacao. Tais consideragées esbogam pontos teérices fundamentais para maior compreensao e interpretagao das pro- posigdes desenvolvidas nos caj 19 No segundo capitulo, discorremos sobre a importancia do ensino de quimica para formar o cidadao na educacao basi. tulo apresentamos a revisio da literatura sobre © movimento mundial de CTS e no quarto capitulo apre- sentamos as proposigées que caracterizam 0S componentes curriculares do ensino de quimica para formar 0 cidadao lo, fazemos a caracterizagao do ensino mica para formar o cidadao, estabelecendo os principios Gerais para a elaboracdo de propostas curriculares para o refe- Tido ensino, bem como as condigdes para a sua implementagéo. Esperamos com o presente trabalho contribuir para a di- tarefa de transformar o ensino médio de quimica, de modo que venha a cumprir a sua fungo basica de auxiliar a consolida- so da cidadania dos individuos, colaborando, assim, para a construcao de uma sociedade demoeratica que tenha a partici- Pago efetiva de seus membros, por meio da garantia de seus direitos e do compromisso de seus deveres Educacao Cidadania Educacao e Cidadania Ao se falar em educagao e cidadania, é necessario rever o conceito de cidadania para se estabelecer relacdes com a edu- cacao. Refletindo-se sobre tal vinculagaa, pode-se extrair impli- cacées para o ensino de quimica. Conceito de Cidadania O conceito de cidadao teve origem na Grécia antiga. Se gundo Aristoteles, “Um cidadéo no sentido absoluto nao se define por nenhum Dessa conceituacao, destaca-se a participagdo como ca racteristica basica da cidadania, podendo-se dizer que cidadao o homem participante (Canivez, 1991; Demo, 1988; Marshall, 1967), es, Politique, trad. Tricot, Vrin, 1982, Lill, eap.1, eitado por 1991, p. 176, 23, Acerca da participacao, Demo (1988) afirma “Dizemos que par rocesso, no sentido leg ante vira-ser, sempre se fazendo. Assim, participagao é em oa ‘autopromogao e existe enquanto conquista proces- “A partir dessa nocdo, coloca-se a outra, dé _ A . tra, de que participagio no pode ser entendida como dadiva, como concesséo, como algo jd preexistente.” (p. 18) [grifo nosso}, Ao se considerar a participacao como proceso de autopromocio, verifica-se que ela é desenvolvida pelo indivi- duo, ou seja, @ conquistada e, logo, nao pode ser transmitida, nem concedida. Assim, pode-se afirmar que cidadania também € conquista (Covre, 1986; Demo, 1988). Outra consideracéo importante sobre a participacao refe- Te-se a sua relagéo com a comunidade, ou sej questao da Participacao comunitaria. Partindo do conceit caracteristica essencialmente humana, Demo (1988) afirma que a condicao basica para a formacao comunitéria esté na sua iden- tidade cultural, nos seus valores e simbolos cultivados. Nesse sentido, a motivagdo & Participacao comunitaria ocorre 4 medi- da que ha uma identificagdo cultural, donde se pode concluir que a condicao essencial para a Participacao comunitaria est em seus membros se sentirem como pertencentes 20 grupo, “A comunidade somente reconheceré com: 10 seu aquele projeto que, mesmo tendo vindo de fora, é capaz de revestir-se de tragos culturais do grupo. E preciso encontrar o eco reconhecido de algo que é seu, de algo que se encaixa na historia vivida, de algo que aparece nas determinag6, el leterminacdes do potencialidade & nosso]. Além da participaco, a conceituagao de cidadania englo- ba dois outros elementos, quais sejam, os direitos e os deveres (Canivez, 1991; Covre, 1991; Marshall, 1967). Quanto aos direitos, eles sao, modernamente, garantidos pelo Estado constitucional, sendo fundamentados nos humanos. Esses, por sua vez, possuem um relativismo conforme demonstram a etnologia ¢ a sociologia, ca que 0 seu estabelecimento depende da cultura para a qual se dirige, no sendo possivel a adogao de procedimentos objetivos para a definigao de seu cardter universal Sobre os deveres, pode-se destacar a caracterizacao de que eles se relacionam ao compromisso comunitario de coope- Tago e co-responsabilidade (Demo, 1988} Apesar do relativismo cultural dos direitos humanos, Canivez (1991) destaca que é preciso reconhecer a universali- dade de certos princfpios éticos, cuja validade no se limita a0 dominio de determinada cultura. Afirmando que os direitos hu- manos sio direitos naturais, pois fundamentam-se no princi- pio da preservacao da vida, da liberdade e da consciéncia da natureza racional do homem, a referida autora extrai desse tl ‘mo principio as seguintes consideragoes: “Essa consci@ncia é consciéncia moral: & a consciéncia de um dever, 0 de respeitar no outro como em si mesmo a liberdade © a dignidade do ser racional. Isto quer dizer que o individuo reco- nhece seu dever imprescritivel de submeter seus interesses pu es, apenas naturais etc,, & lei da ra- © obriga a nao querer nada que no 25

You might also like