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pra recria- E Microgeo- Leo experi- Festa po- movimen- de resisten- lugares da a africana e ‘angolano “questo cai po- que de viva ocarar Paull parame AEDUCAGAO POPULAR COMO PRATICA POLITICA E PEDAGOGICA EMANCIPADORA Alfonso Torres Carrillo Trajetos e consensos Desde 0 inicio do novo século, 0 Conse- Iho de Educagao de Aduiltos da América La- tina (@ partir de agora, CEAAL) colocouno continente 0 debate em torno do papel da educagao popular na construgio de para- digmas emancipadores. Tal preocupacao parte do reconhecimento, em sua trajetéria histérica, do carater critico, alternativo e transformador desta corrente pedagdgica & da nevessidade de revisar e atualizar seus fandamentos e perspectivas diante das mu- dangasrecentes do contexto mundial e con- tinental, em particular, da hegemonia total do neoliberalismo como pensamento tini- co (Torres, 2008; 2010). ‘Ainda que a discussao tenha encontra- do eco em outros espacos', a revista La Pi- ragua tem sido a plataforma na qual se ex- pressaram diferentes proposigies e desdo- bramentos a esse respeito, seja através de artigos que abordam diretamente esta pro- blemética, seja através de outros que, refe- Findo-se a temas especificos, contribuem com ideias para a discussio. De uma ma- neira ou de outra, é evidente a presenca de ‘uma preocupasao dos coletivos do CEAAL coma reflexao sobre os sentidos profundos 08 horizontes éticos e politicos que orien- tam suas priticas educativas. A partir de uma revisio desta publica Go peri6dica na iltima década (2002-2011), podemos afirmar que hé avangos em rela- ‘do aosmodos deentender os célebres “pa- radigmasemancipadores” ealguns consen- sos sobre quais podem ser as fontes para atualiza-los. De fato, as primeiras manifes- tagBes acerca da necessidade de renovacao paradigmstica assinalavam diferentes sen- tidos do termo, que oscilavam entre as pes- soas que veem nos paradigmas os grandes marcos culturais (“vivemos uma crise de poca”), passando pelas que os veem como sistemas de ideias ou conceitos que orien- tam a pratica (“é preciso lancar conceitos que gerem novos lugares de significagio”), até quem os entende numa perspectiva po- litico-ideoligica: “falamos do paradigma do socialismo” (Torres, 2010, p. 17). Um primeiro consenso 6 assumir a ca- tegoria de “paradigma” nao apenas numa perspectiva epistemolégica ~ tal como foi utilizado na historia das ciéncias (Kuhn, 1962}-, mas também em um amplo sentido gnosiolégico na medida em que ele assu- mido como matriz. de interpretacao a par- tir da qual os coletivos sociais leem € se re- lacionam com a realidade ena qual as sub= jetividades sao primordiais. Nas palavras de Raiil Leis (2007, p. 3), os paradigmas sdo “um conjunto de conhecimentos crengas que formam uma visio do mundo (cosmovisio), articulados a uma concep- so da tealidade em determinado periodo hist6rico”. ‘Nomesmo texto, Leis destaca ainda que (0s paradigmas so emancipadores “se aco- 5 A revista doPPrograma de Pés-Graduacio de EdcacSo em Cigncias da UNIUL Contesto Educa, n. 83, de janeiro a janho de 2010, deicon trés artigos 20 tema, 16 hem as visdes que mostram sua discordan- cia com as desigualdades e assimetrias da ordem imperante, raz3o pela qual prefigu- ram uma sociedade usta e humanizada |] ‘Traduzem-seem conceitos operatives, sus- cotiveis de se enriquecer a partir das diver- sas priticas e correntes contestatirias de pensamento que se opdem ao sistema de dominacéo miltiplo e suas causas” (Leis, 2007, p. 5). Deste modo, quando, no ambito da edu- cagéo popular, falamos de paradigmas ‘emancipadores, estamos simultaneamente fazendo menco a uma dimensio gnosio- logica (interpretacéo critica da realidade), ‘a uma dimensao politica (posicionamento ‘¢ opgio alternativos frente a essa realida- de) ea uma dimensao pratica (que orienta as agdes individuais ¢ coletivas voltadas 3 transformagao da realidade). Na educagio popular, como pratica social e politica, a renovacao de paradigmasenvolve oamplo universo subjetivo de seus atores implica fortalecer subjetividades rebeldes (Santos, 2006; Berlanga, 2009) e imaginarios radicais instituintes (Castoriadis, 1989), ‘Um segundo consenso é que nao se deve buscar a dimensio emancipadora fora do campo politico-pedagdgico no qual a edu- cago popular vem atuando nas ultimas décadas. Por um lado, a dimensao emanci- ppatéria nao é patriménio exclusivo da edu- ‘cago popular (Torres, 2009); antes, esta se situa no campo mais amplo de praticas € teorias criticas e transformadoras como a filosofia, a teologia, a ética e a psicologia da libertagio, a comunicagio popular, odi- reito alternativo e a pesquisa-acio partici- pativa. A EP se inscreve no amplo campo do pensamen-to eritico, sendo “herdeira de uma velha tradicao: a de transformar 0 conjunto social, privilegiando a educagao como ferramenta fundamental” (Pérez, 2000, p. 43). Em segundo lugar, a educagéo popu- lar possui uma acumulacao propria de pensamento, que remonta a Simon Rodri- ‘guez, passando por José Marti e Paulo Frei- re (Mejia, 2009), até chegar aos educado- Educaco Popular: lugares de resisténcia ¢ criatividade res atuais. Por outro lado, atualizar a di- ‘mensio emancipatéria implica dialogar com autores latino-americanose de outras latitudes com propostas criticas, tais como 0 marxismo, o pés-modernismo progres- sista, a sociologia das emergéncias ea teo- ria descolonial (Torres, 2010); entretanto, a adocio de paradigmas emancipadores, por sua vez, no consiste em citar tais au- tores “criticos” e alternativos, mas na ca- pacidade de fortalecer sujeitos e praticas com potencialidade para questionar ¢ transgredir a ordem dominante (Cadena y Collin, 2011). Um teneeiro consenso é reconhecer 0 potencial emanipatério das praticas e dos saberes gerados sobre elas ¢ a partir delas provenientes das experiéncias educativas populares das atuais lutas e movimentos sociaisiem/todo 0 continente. De fato, na educagao popular existe ndo s6 um actimu- 10 te6rico como corrente pedagdgica, mas também um acdimulo de pensamento ¢ sa- bedoria como movimento que anima pro- ‘cessos formativos com populagSes subalter- nas, com suas organizacoes, redes e movi- mentos. Estas praticas nao sao tanto a apli- cago de uma concepgo educacional, mas sua recriacio e reinvencio, por conta da pluralidade de contextos, tematicas e ato- es com os quais interage; em consequén- Ga, vém se gerando praticase saberes emer- genes, que devem ser documentados tor- nnar-se objetos le reflexdo, na busca da re- construgio da educago popular como pe- dagogia emancipadora. ‘Algo semelhante ocorre com os atuais (mas nem sempre recentes) movimentos sociais na regido e no mundo. Estamos as- sistindo a uma nova efervescéncia de mo- bilizagées, lutas, processos associativos e movimentos alternativos que, em diferen- tes escalas (mundial, como o dos indigna- dos; continental, como as rebelides nos pa- {ses arabes; nacional, como os movimentos indigenase estudant itarios; local, como as multiplas resisténcias em bairrose aldeias de camponeses; de pequenos cole- tivos e pessoas, com dentincias de multi- ee Stalizar a di- Seelica dialogar Seeese de outras Sees taiscomo Eeemo progres Beeencins ea teo Sa); entretanto, Semancipadores, Bess citar tais au- Sees, mas na ca- ssistos e priticas f= questionar © Simante (Cadena Be reconhecer 0 Te paaticas e dos See a partir delas Bes ecucativas BEsovimentos ete De fato, na Sesoum acimu- Bpedezsgica, mas Sesamento esa- Seige anima pro- jpelicoes subalter- Se =xcies e movi- Bess tanto a apli- Seteccional, mas Se por conta da Be lematicas e ato- ge em consequén- Seeesaberesemer- Seementadose tor Semen busca da re- ipepalar como pe- gee com 05 atuais Se) movimentos Seedo. Estamos as- Seeeencia de mo- See associativos e = qe em diferen- S250 cos indigna- Scbelibes nos pa- Sees movimentos Seexsitérios; local, Sesasem bairrose |S pequenos cole- eeencias de milti- Popular come pritica politica e pedagégica emancipadara de opressio ¢ exclusio), movando seus reperté sesargumentos esentidos es justificam e orientam dace, bem viver, man- festesconsensos acerca da temativas para reposicio- popular no campo critico ‘sale a pena reconhecer os Jimitagbes e desafios, pre- ‘nos textos publicados em es sitios anos, com a inten- era busca iniciada. propésito do restante do artigo lerganizo a exposigao em torno [perguntas recorrentes em no: cxjo balango nos oferece pi Jessumi-las: Como entender hoje a ypopular? Onde esti hoje a edu- 2 Quais so 0 contexto e os de ago da educagdo popular? a0 05 sujeitos da educacdo popu- éa dimensio politica da educa- pular? O que ¢ a dimensio pedags- © que é e onde ests hoje 2 educacio popular? i, em outros momentos (Torres, 08), na necessidade de explicitar 0 gendemos por educacio popula, ¢ por um afl de estabelecer uma de- @candnica e doutrinal dela, mas por- sseconhecemos seu cariter historico, Le politico, sabemos que, quan- das palavras aparecem juntas na Gadasideias eexperiéncias educativas, politicas e ages de diferentes orga- {nstituigdes, elas adquirem signi- inclusive, sentidos diferentes. Do mesmo modo que outras palavras, ecomunidade, democracia, participa- seeducacao de qualidade, que circulam ceducacéo popular é um referencial fre- eaie no discurso de diferentes grupos jentos sociais, organiza- 7 Ges nao governamentais, instituigdes esta- {ais e organismos internacionais. Desde meados da década de oitenta, Carlos Ro- drigues Brandao (2006) jd assinalava trés grandes sentidos da expresso educagai popular: 1) Como processo de reproducao dos ber das comunidades populares. Esta defi- nicio antropolégica reconhece a distribui- a0 social do conhecimento e do capital cultural, equivalenie ao de sabedoria ou cultura popular. Neste sentido, o conjunto de saberes e praticas sobre a criacao de ‘meninase meninos faria parte da educagio popular. 2) Como democratizacao do saber esco- lar. Articulado a catequese, ao movimento iJuminista e ao processo de democratizasio das sociedades contemporaneas, a expres- sao se associou & ampliacdo ou universali- zacio do acesso dos setores mais pobres & educagio escolarizada. No marco deste sen- tidose situariam as miltiplas iniciativas da igreja reformada e catlica para “levar as primeiras letras” as criancas da plebe na Europa e aos indigenas e mestigos nas Co- Tonias de ultramar; este sentido de educa- ‘sao popular também é 0 que, desde o sécu- Io XVII, intelectuais e governantes liberais empregaram em seus escritos e politicas educacionais destinadasao "povo"; 20 lon- go do século XX, miiltiplas iniciativas de alfabetizagio de adultos se identificaram comesta representagdo de educacio popu- ar como democratizacao educativa. 3) Como “trabalho de libertagio através da educagao” (Brando, 2006). No seio de algumas iniciativas de alfabetizacao e edu- cacao de adultos no Brasil, foram surgindo ‘movimentos que interpretaram o problema daexclusio educacional dos setores popu- lares como uma expressio de injustiga so- cial derivada do modelo de desenvolvimen- to e do tipo de sociedade dominante, 0 ¢a~ pitalismo. Em consequéncia, entenderam seu trabalho educativo nao como integra- gio, desmarginalizacdo ou “desenvolvi- mento da comunidade”, e sim como pro- cesso de organizagio e luta dos educandos 18 Educagéo Popular: lugares de resistencia e criatividade para transformar as condigées de injustiga que os mantém em sua condigéo de opri- midos eexcluidos: “A educagio popular emer- ‘gecomoum movimento de trabalho politi- ‘o.com as classes populares através da edu- cacao” (Brandao, 2006, p. 75). ‘Neste tiltimo sentido, a educagao popu- lar nao é uma variante ou extensdo da de- ‘mocratizacdo da escola, e sim uma concep- ‘sao emancipadora que busca transformara ordem social e 0 proprio sistema educacio- nal. Fste é osentido que foi inaugurado, no inicio da década de sessenta, pelas propos- tas de educagao libertadora do Movimento de Cultura Popular do Recife, impulsiona~ do por Paulo Freire ¢ uma equipe de edu- cadores da Universidade Federal de Per- nambuco, e que foi mantido na produgio intelectual posterior de Freire, nas multi- plas praticas educativas que surgiram em toda a América Latina desde a década de setenta, na Cruzada Nacional de Alfabeti- zacio nos anos oitenta e que inspiroua for- magéo do CEAAL. ‘Numa perspectiva historica, estes senti- dos da educacdo popular nao se encontram em estado puro, e dentro de cada um hé matizes e tendéncias, como evidenciam a propria trajetéria da educacio popular li- bertadora e o devir histérico do CEAAL Torres, 2008): em seu meio século de exis- téncia como movimento’ tém coexistido ~ entre outras ~ posigGes revolucionérias, in- surrecionais, democratizantes e cidadanis- tas e movimentistas. Cabe a pergunta: te- ‘mos tratado como objeto de reflexdo coleti- va.a maneira como, dentro de cada centro afiliado, se esté entendendo e assumindo a educacio popular em seus programas, pro- jetos e praticas? Para tomar oassunto mais complexo, nao hi 86 sentidos (e tendéncias) diferentes da educacdo popular, mas também maneiras istintas de entender sua natureza, sua es- pecificidade como realidade social e peda- _gégica. Isto importante, porque tem con- sequéncias praticas evidentes, Assim, em alguns dos artigos de La Piraguae memérias de eventos regionais e nacionais, certos pes- quisadores ou educadores a veer simples- ‘mente como “ferramenta’”, instrumento ou ‘écnico, a ser aplicada em projetos ou acdes educativasescolaresou dentro demovimen- tos eclesiais, juvenis ou de mulheres. Em ‘outros casos (Cadena y Collin, 2011), a edu- cacio popular éassumida como uma meto- dologia valiosa, que, do mesmo modo quea [Pesquisaacio participativa, pode ser utili- zada dentro de outras propostas e priticas sociais emancipadoras, como o movimento de mulheresea economia solidéria Por outro lado, a educacéo popular é vista como uma concepeao educativa, um movimento educativo e uma corrente pe- dagéigica. Marco Ratil Mejia e Maria Emma Awad (2004) e em suas recentes colabora- gdesem La Piragua, argumenta em favor da primeira proposigSo: a educagio popular é ‘uma concepgao educacional, com stias prd- Dias praicas, suas conceituacives, suas pe- dagogias, sua metodologia e uma op. Gtica de transformagao (Mejfa, 2009, p. 4 2010, p.26). Nesta perspectiva, a educagao popular faz parte da tradigao do pensamen- tocritico ocicental elatino-americano, com asingularidade de possuir seu propriocam- po de acao (miiltiplos espacos educativos em resistencia, escolares e nao escolares) a partirde uma opcao politica alternativa que dialoga com outros paradigmas criticos e entende a dimensio pedagégica como um campo de dispositivos de saber e poder. De uma perspectiva mais histética e so- cial dada minha formacao -, tenho insis- tido em reconhecer a edueagao popular como uma corrente pedagégica e um mo- ‘vimento educativo, com profundas raizes na América Latina, que surge em torno das ideias de Paulo Freire e ha varias décadas inspira reflexdes e priticas de educadores [Nao desconhecemas que esta concepeJo emaneipadora da educacio popuilar teve precursores em onitras ‘onjunturas da histria da América Latina, como tem insistido 0 companheira Marco Raul Mejia 2012). sete porgue tem con- eeadentes. Assim, em SePiraguze memérias peacionais, certos pes- Sores a voom simples- sete". instrumento ou Sem projetos ou acoes, sedientro de movimen- jea.de mulheres. Em sy Gollin, 2011), aedu- mida.como uma meto- Semesmomodoquea ipativa. pode ser utili- S eopostas e priticas i Semn0 0 movimento presi solid dria, seciecacdo popular ¢ sepeso educativa, um ama corrente pe- PMesae Maria Emma ges secentes colabora mmamenta em favor da seesiacacdo popular é mcsemal com suas pro- mmneituacdes, suas po- Selegia € uma opcao Be (Mejia, 2009, p. 42; mepectiva, a educacéo secicao do pensamen- eGee-americano, com jenieseu proprio cam- me espacos educativos meesendo escolares) a politica alternativa que paradigmas criticos e pedacézica como um sede saber e poder. jamais histirica e 50- Seagso — tenho insis- Sfucacéo popular pedandgica e um mo- seen profundas raizes sesergeem tornodas meee varias décadas matieas ce educadores Giese Real Mejia 2012). wes, animadores culturais, imilitantes sociais, organizacSes Essociais (Torres, 2008; 2010). cer a heterogeneidade de bios, priticas emodos deenten- car um conjunto de is que dao coeréncia & educa- ‘como concep e praticaedu- ‘epartir de uma critica indignada social dominante e a partir da .com visdes de futuro alterna- = contribuir para a constituicao .setores subalternos como sujei- ago, incidindo em diferen- sdesa subjetividade, mediante spedagdgicas dialogais, proble- scriativas e participativas (Tor- ). amento pedagiigico e priti- emancipadores, ela guarda .com outras correntes emo- ss, como a teologia da liberta- popular, a comunicagio alter va de género, o feminis- participativa, oambientali ‘eo desenvolvimento alternati- ca con-fusio traz. consigo uma \de sentidos e metodologias nas acionais populares concretas, sempre se tornam objeto de di pe reflexio critica por parte de enistas. iso lado, reconhecer a educacao $0 como concepgao ou enfo- ico, mas também como movi- pratica educativa situada, ssecomhecer que as experiéncias ino esto orientadas exclusiva- feoncepgbes, pensamentos e teo- gicas elaboradas, mas também = imagindrios culturais, repre- fe czencas compartilhadas e ree- spelos educadores populares. As- ite emancipatdrio ea radica~ vas populares na America Latina [A Educacdo Popular como prética politica e pedagdgica emancipadora 19 lidade da educagio popular nao sio exclu- sivamente uma questao de paradigmas, mas de imagindrios culturais e subjetividades sociais (Berlanga, 2010). As sistematizagdes de experiéncias educativas populares sem- pre desvelam esta riqueza de sentidos cri- ticos, rebeldes e emancipadores que as ani- Dito isso, podemos afirmar que a edu- cagio popular, como pratica educativa € corrente pedagégica, esté presente em di- versos lugares sociais: coletivos e organi- zagbes de base, movimentos sociais, orga~ nizacies civis, experiéncias escolares e cul- turais, etc, Portanto, qualquer balanco ou ‘compreensio global do campo da educa- ‘do popular na América Latina exigiriauma identificacao e caracterizagao da multipli- cidade de espacos, atores e praticas que se asstimem como tal’. Esta amplitude rique- za do campo da educacao popular antece- dem e excedem o espago do CEAAL; nao obstante, este, como rede, frum e platafor- ‘ma de mais de uma centena de centros na ‘América Latina, inspirados na educagio popular, continua sendo um cenério estra~ tégico para reconhecer os contextos, 0S Ambitos de acdo, as finalidades, 0s atores, as tenses e potencialidades presentes no campo educative popular. Qual é 0 contexto atual da acdo da ‘educagio popular? ‘Um dos tracos constitutivos da educa ‘cdo popular, como concepgio pedagigica © como pritica social, é sua alta sensibili- dade aos contextos politicos, sociais e cul- turais onde atua. Visto que sua razao se define por seu questionamento e resistén- cia as realidades injustase por sua articula- gio com as lutas e movimentos populares, a educagao popular incorpora como prat ca permanente a realizagao de leituras ficas dos contextos locais, nacionais ¢ con- 1 justiicarie, por parte do CEAAL, uma pesquisa exploratéria ou um diagndstico das 20 Educagao Popular: lugares de resisténcia e criatividade tinentais em que se desenvolve. Este “con- textualismo radical” da educacao popular, comum a outras correntes criticas, como os estudos culturais, tem estado presente a0 longo de seu devir historico, desde o texto “Educagao ¢ atualidade brasileira” de Pau- lo Freire (1959), passando pelas oficinas e cursos de andlise de conjuntura da etapa fundacional e chegando até a caracteriza- ‘0 das “muidancas de 6poca” que abunda- ram durante a década de noventa no ambi- to da chamada refundamentacéo. Nao obstante, essa exigéncia de histori- cidade da educacao popular nao teve uma presenca muito destacada nos artigos de La Piragua dos tiltimos trés anos. Salvo algu- mas notiveis excecdes (Berlanga, 2009; Mejfa, 2009; Goldar, 2009; Cadena y Collin, 2011, aapresentacio de algunsniimeros de La Piragua e a anélise das praticas de inci- déncia apresentadas no mimero 33), S20 minimas as referéncias as leituras do con- texto estrutural ou conjuntural, mundial, continental ou nacional das problematicas sobre as quis se reflete ou das experiéncias que so narradas. ‘Quais sao as leituras de contexto feitas nas colaboragies assinaladas? Por um lado, hi referéncias a caracterizacdo do capita- lismo atual ¢ a alguns dos males estrutu- rais nele entranhados; por outro, 8s mu- dancas e novidades das movimentos sociais naatualidade. No primeiro bloco, predominam ané ses gerais do capitalismo atual. Para Mejia (2009, p. 49), fazendo eco a certos autores contemporaneos, estamos vivendo um novo capitalismo no qual a tecnologia, © conhecimento e a informagao ocupam ht- gar de destaque e a produgdo de bens ima- teriais converte-se na base do novo mundo produtivo, social e cultural. Esta nova for- ma de organizacao do capitalismo incorpo- ranovos debates acerca do trabalho, da ci- éncia, da industria e da classe opersria, que desafiain os paradigmas criticos e, em par- ticular, os educadores populares. Por sua parte, Berlanga (2009, p.33)cita Armando Bartra (2008) para recordar-nos ‘que 0 capitalismo se expandiu para todos os cantos do planeta e penetrou todas as esferas da vida social, subsumindo tudo a logica do mercado. Este modo de prods: io, que se caracterizava pela exploracao do trabalho alheio, agora exclui centenas de rmilhées de pessoas da possibilidade de tra- balhar. O saldo é: exploragao intensificada eexterminio dos que sobram. Cadena e Collin (2011) se referem a atu- al crise capitalista como uma crise sistémi- ca, que se expressa como crise econdmica, energética, aimentat, ambiental e cultural Depois de trés décadas de hegemonia do modeloneoliberal, o setor financeiro trans- formou o planeta em um casino global, precarizaram-se as condigSes ocupacionais dos poucos que ainda possuem trabalho, milhées de trabathadores foram deixados sem emprego, aumentando 0 dlesemprego ea informalidade, o Estado abandonou sua responsabilidade pelos mais frageis, limi- tando-a a uma politica social focalizada. As consequiéncias da crise também sao subje- tivas: perda generalizada de sentido da exis- ‘Gncia, hedonismo e narcisismo consumis- ta, violéncia e alienacao massiva. contraste com estas caracterizagbes sistémicas do capitalismo mundial, so mais débeis as referéncias ao contexto lati- no-americano, no tocante & caracterizacao das singularidades da aplicago do mode- Jo neoliberal e suas consequéncias econé- micas, sociais e culturais, ou 4 especificida- de de seus regimes politicos e realidades socioculturais. A tinica contribuicao a res- peito sao as apreciagdes que Nélida Céspe- des faz nas apresentagdes de alguns néime- ros de La Piragua. Aqui estdo algumas de- las: no mundo e na América Latina, 4 vida das pessoas est brutalmente ‘empobrecida, privando-a de seus mais elementares direitos, aprofundando-seo abismo entre ricos e pobres [..] como consequéncia do moxtelo neotiberal que afetaem diversosniveis.s grandes mai- orias nacionais (Céspedes, 2008, p. 3) Paradoxalmente, enguanto alguns pai- ses da regiaomostram uma melhoria de seus indicadores econdmicos, continua Sespandiu para todos todas as SE sabsumindo tudo a = modo de produ- Seepela exploragio do ‘exclu centenas de iilidade de tra- — intensificada @BEI) se referem aatu- Seo uma crise sistémi- See tal ecultural. Hiss de hegemonia do Eeteefinanceiro trans- = em cassino global, Seeliodes ocupacionais epee trabalho, See foram deixados Stanxdo 0 desemprego Esto abandonou sua Sesimais frégeis, imi- Essel focalizada. As Setmbém sio subje- Biiaddeconticio dacxis- Seesismo consumis- Se mnassiva. Bests caracterizagies Sismo mundial, s4o Siss 20 contexto lati- Rite a caracterizacio Eeaplicacao do mode- Seesequéncias econd- Ge ou especificida- Sebiticns e realidades EScontribuicdo a res- Bes gue Nélida Céspe- Set dealguns nime- Bet tao algumas de- Seti Latina, SS a brutalmente Ge seus mais jandandose 0 ppobres [..] como ‘neoliberal que as grandes mat =, 2009, p. 3). Sento alguns pat Se uxxa melhoriade Eeeeeimicos, continua eisando o abismo entre ricos € {Céspedes, 2010 ~2) z0,asaide, aeducacio péblica je pessoas eto ausentes nas piblicas e atentam contra 0s Jundamentais das pessoas (Cé m0 -2). Eenocracia se eduziu, na maioria Gs 20 exercicio do voto, diminu- Tezitima partcipacéo dos cida- Sessuntos pblicos. Esta crise se Ea por causa do descrédito dos politicos e da corrupgéo no Ea fungio piblica (Cespedes, ila (2009) se refere as refor- jimpulsionadas pelos gover- adas, orientadasnosen- sosistema escolar as deman- lismo. Destaca que estas syeis na educacao univer- sconfigurou um “megamer- mundial e que ¢, portanto, ovum negécio lucrative. merecem as referéncias ovimentos socias, jd que, {dis eixos temiticos do CE- enfa um Ambito central de ko popular. Os principais realidade recente dessas fcoletiva provém dos arti- {Goldar (2009;2010), além. fesse assunto escrito por HIO}-O que esses textos nos ender a respeito dos atu- isa América Latina? ; que a reativagso das populares a partir da jestd associadaa crise da al (Golder, 2009) ¢ &: oem alguns paises. Em Gmisido protagonistas da Jhegeménico, em ou- geensao de movimentos pyemo de paises como a = eles mostram as po- js movimentos para politicos e culturais, feo evidenciar a de: ‘A Educacdo Popular coma pratica politica e pedagdgice emancipadora a gualdade social e 0s limites do sistema de- mocritico representativo para transforma la (Goldar, 2010). Os novos movimentos sociais da regido também puseram em cir- culagio outros sentidos acerca do politico, do social, da vida digna e da resisténcia, assim como sua contribuicao para fortale cer 0 tecido social e fazer surgir novas for- mas de solidariedade e participacio social (Goldat, 2010). ‘Ao referir-se aos novos movimentos s0- ciais da regitio, Gareés (2010) caracteriza 0 Movimento dos Sem Terra do Brasil, o dos piqueteiros da Argentina, os movimentos camponeses ¢ indigenas na Bolivia, bem como 0 lugar que a dimensio educacional tem ocupado para eles. Por sua parte, Gol- dar (2009) faz uma breve panoramica dos diferentes movimentos atuantes na Améri- ca Latina: 0 operério, 0 ambiental e ecolo- gista, o feministae o de mulheres, os movi- ‘mentos camponés eindigena, os movimen- tos cidadaos e os movimentos LGBT. Em nenhum dos dois casos hd referéncia as mobilizacdes e lulas mais visiveis nos ilti- mos anos, como ¢ 0 caso do movimento estudantil chileno ou das mobilizagbes co tra a extragio de mingrios ou a construcio de megaprojetos em territorios indigenas ou campones Apresentadoestebalango, fica claraa ne- cessidade de se aprofundar a caracteriza- (30 das dinamicas e tenses atuais da eco- nomia, da politica, das estruturas sociais & das dindmicas culturais da América Lati- na, assim comoas particularidades das sub- regides ¢ dos paises onde os centros afilia~ dos ao CEAAL estio presentes. Finalmente, a partir das teméticas dos artigos publicados por La Piragua nos anos ja decorridos do novo século, pode-se infe- rir que os centros do CEAAL continuam tendo uma presenga relevante em campos como a educagio de jovens e adultos, 0 acompanhamento de organizagées popula- res, a formacao de lideres, a economia soli- daria, a formacao cidads, 0 trabalho com mulheres, a democracia e a participacio local, a incidéncia em politicas pablicas eo 2 Educado Popular: lugares de resisténcla e criatividade desenvolvimento altemativo; também co- megam a fazer incursdes em temas como a juventude e a infancia (La Piragua, n. 31, 2009), as novas masculinidades, a intercul- turalidade (Alvarez, 2009) ¢a soberania ali- mentar (Quaranta, 2010). Quem sio hoje os sujeitos da educacio popular? Outra pergunta recorrente nas refle- Ges e praticas educacionais é quem 830 03 sujettos da educagao popular e que proces- $05 € instancias 05 constituem como tais, ‘Uma reviséo dos campos nos permite rati- ficar que os sujeitos representados nos dis- ‘cursos e nas agSes continuam sendo cate- gorias sociaise atores emergentes subalter- ‘os: camponeses, dirigentes e integrantes de grupos de base, mulheres, indigenas, professores, adultos, jovens e criancas de setores populares; nas experiéncias ligadas @ incidéncia em politicas piiblicas ou em rojetos de participacéo local também se trabalha com atores institucionais, como, Por exemplo, tomadores de decisdes poli- ticas e funcionérios piiblicos. Quanto a seu ambito de atuacio, assumo a seguinte afirmagao de Herrera ¢ Clavijo (2009, p. 59): “A pratica edueativae politica a partir da EP esta dirigida funda- mentalmente a sujeitos sociais que tm uma bbase local de attiacao,e alguns searticulam ‘com redes sociais de maior alcance territo- tial do ambito nacional e regional; além dis- 50, sa incorporados novos atores politicos que se encontram no exercicio de governo, ‘numa perspectiva de democracia participa- ‘iva em cendrios de poder local.” Outra questaondo menos importan- te & como estes atores sociais se concebem como sujeitos pedagdpicos. Ou seja, sobre que pessoas e sobre quais de suas dimen- s6es subjetivas se pretende incidir a partir das praticas educacionais. A esse respeito, a reflexio & menos frequente. Dirigem-se 808 individuos em sua qualidade de into- grantes de organizagdes e movimenios ou éles proprios também sao sujeitos da acdo pedagégica? Neste tocante, Mejia (2009, p. 46) propée que a educacao popular deve evar em conta “o nivel de desenvolvimen- tosubjetivo em que soencontrac grupocom © qual se vai trabalhar’, para poder incidir em seis dmbitos de atuagao dos “participan- tes das atividades de educacao popular” (Mejia, 2009, p. 47): —Process0s de individuagio Processos de socializacéo ~Processos de vineulagio a0 ambito piiblico ~ Participacioem movimentos ~ Participacio em projetos politicos de govemo ~ Participagiono ambito massivo. Deacordo com esta citaclo, sio os gru- Pose os integrantes de tais coletivas 0s st jeitos das agies educativas populares, de modo quea intencionalidade formativa es {eja voltada para ampliar as potencialida- des de atuagio destes sujeitos em diferen- tes niveis da vida social e politica, no hori- zonte de sua conversdo em atores sociais, ou seja, em protagonistas de sua histéria ¢ da historia das sociedades mas quais atu- am. Obviamente, supomos que Marco Ratil rio conceba esses Ambitos numa sucessdo linear e progressiva, pois as dindmicas re- ais ndo seguem essas diretrizes, j4 que as otas podem ser muitas e voltar-se para di- recdes diferentes. Em todlo caso, considero que esse & um bom ponto de partida para a discussao, pois, na pratica, em alguns discursos edu- cativos populares continua presente a re- Presentagdo de que as praticas pedagdgi- «as estado orientadas para individuos, com ‘08 quais se busca facilitar a aprendizagem ‘ow desenvolvimento de capacidades pes- soais em ambitos de saber especificos, seja direitos humanos, economia solidéria, va- lores democraticos, trabalho popular, ete, principalmente quando algumas agéncias de cooperacdo e instituigées governamen- tais apoiam ou contratam atividades edu- cacionais considerando basicamente “o nimero de participantes e de certficados entregues’ sent, Mejia (2009, p. ssacso popular deve Sedesenvolvimen- Senira0 grapocom ipeza poder incidir scsodos “participan- Seducacio popular” eriduasio ecizaco eimculacio ao Ambito mnovimentos mpeojctos politicos de piesbito massive. me citacS0, sd0 08 gru leteis coletivos os sux seees populares, de giiedade formativaes- plier es potencialida- Ssegeitos em diferen- sete politica, no hori- Seem atores sociais, istas de sua histéria e eiacies nas quais atu- eenos que Marco Rail sists reuma sucessdo eis 2s clindmicas re- edireirizes, j& que as jese voltar-se para di- seadexo que esse é um ie para a discussao, sigsans discursos edu- semimua presente a re- = pasticas pedagigi- eer individuas, com Sear a aprendizagem sedecapacidades pes- saber especificos, seja seeomia solidaria, va- sabalho popular, etc, nde algumas agéncias seacoes governamen- stem atividades edu- do basicamente “o metes € de cettificados ondie, 2009; Posada, 2011) g ediucadores populares. A m 6a de sua formacio; so, referenie & dos edueado- Geeducasio popular;nose- scadiores de pessoas jovens Conde (2009, p. 101), 9s que assumem papéis doses geralmente provem de sprofissionaise oscentros de 16m se descuidado dos Eaducio e formacio de seus es é urgente retomara dis- sormacio. Posada 2011), a partir de ento do caso da Colombia, a de formagio pedagd- es da EPJA. Apés apre- enfoques de formacio de sdica a formagao através desenvolvimento de proje- proprios educadores e a oe didlogo sobre sua pro Finalmente, reivindica a profissdo dos educadorese de trabalho. sembém proposta para o CE de retomar odesafioda cadres populares, proble- perdendo importéncia nos ‘quese caracterizaram, Sendacional, por um impeto da realizagio de eventos seutoformacio, da criagio de do, da conversa sobre suas seGa participacao emever fal im. Vale a pena desta. Jatmal do Curso Latino-Ame- 4oPopular desenvolvido Geecom a Universidade perua- Gade Montoya, Este deve con- joas aprendizagens ge- savaliaco e acompanhamen- podem ser desenvolvidos ssobre problemdticas relevan- tizagio deexperiéncias. leporte a reflexao sobre os su- Seicos da educagao popular, | Stccecdo Popular como pratica politica e pedagdgica emancipadora 23 a perspectiva de constituigao de sujeitos s0- Giais nos permite confirmar a racionalida- de de uma intuicdo presente em algumas proticas de educagSo popular, a saber, de que entre 0 Ambito individual e 0 coletivo, mais do que uma dualidade, ha uma linha de continuidade que passa pelo pessoal, pelo coletive comunitério, pelas organiza- gGes e pelos movimentos. Ou seja, as boas experiéncias de educagio popular traba- Tham simultaneamente nos ambitos pesso~ al (a8 vezes familiar), grupal, comunitario, organizativo ¢ dos movimentos sociais (quando estes existem). ‘Aeducacao popular se interessa em tra~ balhar com pessoas na medida em que fa- zzem parte de processos mais coletivos, no melhor dos casos, de organizacies de base ou redes, ou queestioem busca de fazé:lo. Diferentemente de outras épocas, a preo- cupacio com ocoletivo ecom o politico nao descuiida do pessoal; pelo contrario, perce- bo certa tendéncia de que a valorizacio do pessoal e do subjetivo leva ao descuido das articulagoes com ambitos mais sociais e piblicos. Atuar a partir desta multidimen- sionalidade de instancias de nucleacao do social requer estratégias e mediacSes peda- gopicas criativas. Em segundo lugar, os coletivos, a8 or- ganizagdes e 08 movimentos nao deve ser ‘Yistos exclusivamente como atorese instan- cias de atuacdo da educacéo popular, mas também como sujeitos educadores. Nao s6 porque, como propoe Rivero (2009), incor poram a educagio como uma de suas rei- vvindicagdes e assumem a formacio de seus ntegrantes e seus filhos, mas também por- ‘que as dinamicas e processos por eles gera~ dos so também formativos; isso € 0 que o Movimento dos Sem Terra, do Brasil, vem chamando de “pedagogia do movimento” © diversos estudos confirmam: as mobil zagbes, as reuniGes de preparagio, acom- panhamento e avaliagao, as celebracbese a vida cotidiana das organizagbes € mo ‘mentos trans-formam seus dirigentese suas pases (Caldart, 2004; Barragin, Mendoza y Torres, 2006; Elisalde e Ampudia, 2008). Por iiltimo, quero me referir a outro su- jeito pedagégico que geralmente permane- ce invisivel nas reflexdes acerca da ediuc io popular: os préprios centros que a pro- movem e desenvolvem. Estas instituicdes sociais nao 36 educam através dos progra- mas, projetos e atividades formativas que desenvolvem, mas, como organizagbes s0- Ciais, também sdo portadoras de imaginé- rios, valores, simbolos, rituais, priticas ¢ estilos de trabalho que vao modelando seus integrantes. Fsta cultura institucional é de- cisiva na formagao dos formadores que re- alizam seu trabalho educativo com outros educadores populares de base ecom os ato- res sociais com que trabalham. Além disso, como muitos dos centros de educagéo popular assumem uma atuacao tucional na construgio de agendas pa- blicas, na formagao de redes e na mobiliza- fo social, também incidem na formacio dos outros atores coletivos e individuais ‘que participa destes processos; seus po- sicionamentos, proposicdes e estilos de tra- batho “deixam marcas” (ensinam) na po- pulagio de base e na opinigo publica em geral. Em uma avaliacao externa que fiz recentemente para uma prestigiosa ONG, ‘© que as pessoas das organizagses de base eos ditigentes sociais mais destacavam era que haviam aprendido com a ética, a lin guagem e 0 estilo de trabalho da mencio- nada organizacéo. Podemos ligar este enfoque a preocupa- ‘do comum com os paradigmas emancipa- dores. Para além dos debates, reflextes ¢ circulagio de ideias que se possam promo- ver edos quais se possa participar, éurgente reconhecer aprender as préprias “epis- temes institucionais” (Zemelman)— ou seja, aquele conjunto de crencas, modos de fa- zere dese relacionar que foram naturaliza- dos na instituicdo ~e atrever-se a reconhe- cer aquelas légicas subjacentes que impe- dem amudanga, a abertura aos desafios do contexto e a apropriagio pratica dos senti- dos emancipadores emergentes. Assim ‘como 03 educandos (individuais ¢ coleti- vos) eos educadores aprendem, as organi- Educagio Popular: lugares de resisténcia e criatividade zagbes também podem aprender (Schvars- tein, 2003), O que é hoje a dimensio politica ea politica da educagao popular? Dentro da tradigio histérica da educa- <0 popular, coexistem dois ambitos do po- litico. Um, que relaciona sua razao de ser e sua atuagao com a institucionalidade polt- fica na escala macro: assima como a eduuca- Go institucionalizada reproduzas relacbes de dominacio politica numa sociedade, a educagio popular as questiona e pretende transformé-las (Gonzalez, 2010). Outra maneira de assumir o politico é no nivel micro: toda pratica edueacional especifica (escolar ou nao escolar) ¢ politica porque estabelece relagdes de poder e de contra- poder. Muito antes que se generalizassem as propostas de Foucault sobre a microfisi- ca do poder, Freire indicara que todo ato educativo ¢ politico e pusera em evidéncia as relacdes intrinsecas entre conhecimento © poder. Na produgao intelectual expressa nos ar- tigos de La Piragua entre 2009 e 2011, ex- pressam-se as duas dimensdes da politica. Naescala macrossocial, alguns artigos ques- tionam as politicas governamentais na EPJA (Messina, 2009; Rivera, 2009), porém sao cescassas as anélises criticas das politicas educacionaisem geral (Ubilla, 2009), numa conjuntura na qual as mobilizacées sociais pelo direito & educagio e contra as politi- cas educativas foram muito grandes. Um artigo (Céspedes, 2008) destaca o papel da educagdo popular na incidéncia sobre as politicas educacionais, mas nao se questio- nna o carter dessas mesmas politicas. A escassa produgio sobre a dimensio pedagégica da educagdo popular eviden- Ga também a escassez de referéncias eand- lises sobre a micropolitica da educacao po- ular. Conde (2009) e Mejia (2010) retomam a afirmagao de que a dimensao pedagdgica da educacio popular se dé no terreno do saber ¢ do poder. Entrelanto, apesar de ~ diferentemente da pedagogia critica anglo- Se erictividade Ss pociem aprender (Schvars- a pre 2 dimensio politica ea educacao popular? ico histérica da educa- Eeibexistem dois ambitos do po- pe melaciona sua razao de sere Sete a institucionalidade poli- = assim como a educa- Siitmalizada reproduzas relagdes ieee politica numa sociedade, a as questiona e pretende (Gonzalez, 2010). Outra ir 0 politico 6 no nivel Sica educacional especifica Bima colar) ¢ politica porque de poder e de contra- Sie ste cue se generalizassem Se Se Foucault sobrea microfisi- fee reire indicara que todo ato © seSicoe pusera em evidéncia Fees enizeconhecimento eae intelectual expressanosar- Baga entre 2009 2011, ex- Ssas dimensdes da politica Beressocial, alguns artigos ques- sgovernamentaisna EPJA BE Rivera, 2009), porém so Bmitlises criticas das politicas See eral (Ubilla, 2009) numa Emigeallas mobilizagSes sociais BS etcacio ¢ contra as politi- See fecen muito grandes. Um iS 200°) destaca o papel da Sees icin sobre as is, mas nao se questio- esses mesmas politica. Iepreducao sobre a dimonsio Be ekitcacio popular eviden- Besser de referéncias eani- Bitiemopolitica da educacio po- BBN e Mejia (2010) retomam ple acimensio pedagdgica Bear se di no terreno do (idee Entretanto, apesar de - Stee pedogogia critica anglo- Popular came pritica politica e pedagégica emancipadara 25 popular latino-america- ar o poder dominante snastambém ter produzi- tratégias metodologicas Ea fransformar as relagoes de [prsticas, existindo valiosas respeito (ver La Piragwa, jescassas as reflexes espe- disso, éimportante que a partir da xr se retome com mais for- 9 sobre 0 Ambito politico ¢ o ica numa perspectiva eman- jeatualidade, ha certo consenso eiamento das concepgées maxi- politica que a identificam com Ecionéria visando a “tomada do ztado para estabelecer 0 socia- marcou a etapa fundacional. mn &necessdrio reconhecer 0 es © do discurso que as substitu, te durante a década de noven- ©, apés 0 colapso do socialismo eo, 0desmonte das ditaduras mili ‘continente e o restabelecimento de celeitos fo defini disputa foi se expandindo a ideia vo da democracia, “para entre capitalismo ¢ socia- "cesta foi identificada com um modo de regime politico: o liberalismo. se imps um novo discurso inte- sobre a politica: havia se chegado iias ideologias, da luta de classes, dos es sociais, do popular, enfim, de tudo Bqueevoc: sse ou convacasse alterna && democracia capitalist. sia proclamada politica democritica ma evidenciar suas fissuras tanto ses centrais quanto nos periféricos orie e no Sul, a afirmag3o democrati- wva de maos dadas com a imposigao ticas neoliberais eo ataque as insti- es do chamado Estado de Bem-Estar, Jas concequiéncias bem conhecidas (es0- 5) por todos : hegemonia do capital fi- ceiro, desindustrializagio, desemprego, informalidade, aumento da pobreza e da injustiga social, declinio da previdéncia so- cial, privatizacdo da satide e da educacao, descrédito e desmantelamento do sindica- lismo e dos direitos trabalhistas e sociais, exclusio econdmica e social de milhdes de pessoas, éxodo massivo dos mais pobres, ete "0 fracasso econdmico do sistema so- viético permitiu, além disso, identificar @ contrario as virtudes da democracia com as da economia capitalista de mercado” (Ran- ciere, 2006, p. 8). Como consequéncia, tan to 1é quanto cé se consolidaram sistemas oli- ‘grquicos e todos os paises se submeteram 0 despotismo do grande capital; mais: da, competiam para ocupar um lugar pri- vilegiado na globalizacao capitalista. As po- liticas governamentais da maior parte dos paises do planeta foram postasaservigo das exigencias do mercado;a democracia triun- fante se limitou a garantir a ordem no ém- Dito das comunidades nacionais. Os pafses que tomaram outras vias foram invadidos e suas populacdes massacradas, em nome dessa democracia. Paradoxalmente, enquanto as conse- quéncias sociais eculturais da expansao do neoliberalismo em todos os cantos do pla- neta e dmbitos da vida social reativavam re sisténcias e produziam conilitos tanto na Europa quantona América do Nortee Amé- rica Latina, e que nos paises do Norte se exacerbavam a xenofobia e o racismo, a nova politica conclamava ao “consersso” & 8 inclusdo dos marginalizados na nova or- dem, nao como povo ou classes trabalha~ doras, mas como cidadaos. Assim, foram impulsionadas politicas de criacao de cida- dania para a populagdo para substituir a conflitividade pela paz. social O triunfo desta democracia do consen- soencerra uma contradiigao inerente:é uma democracia sem demos, sem povo, funda- mento do discurso democratico. O povo é reduzido aos processos eleitorais oua uma pparticipac3o consultiva sobre assuntos mi- nimos ou identificado com o conjunto da populagao em abstrato; a palavra “povo” 26 ou “popular” é expulsa do discurso politi camente correto; sua mencio ¢ imediata- ‘mente considerada “populismo”’. Inclusive, algumas agéncias de financiamento eorga- nizaghes nao governamentais de promocao social as eliminaram de seu vocabulario. Resta, portanto, para a educacio popu- lar, o desafio de retomar e potencializar 0 contetido do “popular”, no s6 como cate- goria socioecondmica que designa o con- junto de setores sociais que ocupam um lugar subordinado na estrutura econdmica social, mas também como categoria poli tica que da conta do conjunto de sujeitos préticas que evidenciam, denunciam ebus- cam subverter as miiltiplas opressies ¢ ex- clusdes da democracia imporante, Neste sentido, ¢ sugestiva a reivindica- alidoce Noma Maria Torres em 1955) ieador tem de ser uaa iGo permanentementiam iparacé constantememiagy feducandos c tentar Bei, masa seu além ecriacividade critérios se produzem e sao perti- em comunidades interpretativas jcas e se expressam através de prin- acordos, valores, normas, propési- autas de acao comuns; envolvem es- 5 cognitivos (andlise, argumentacio, (0 eavaliacio)e valores compar- js (sensibilidade em relagao ao con- hhumildade, abertura cognoscitiva, 30- Gedade e compromisso) a partit dos se apreendea realidade e se orientam individuais ecoletivas (tomada de de- , didlogo e solugio de problemas). Siero wontade paranio cairnem Siete fatalista, nem no volun- iGo como insiste Freire. Ret iim mecessidade e a plausibi Sesser © construir “outros mun- Beis? questiona a ideologia neo- Sgeepeea impossibilidade e in- Gleciemucianca, Freire também p SeeSsidade de confianca na Bie topia; sem visdes de futu- peipeeanca: “O exercicio cons- feletara de mundo, que exige Beticritica da realidade, supse, Bisa denimcia e, por outro, 0 See ainda nao existe” (Freire, oa Bc Friplicereconhecer a Beers centecer e vaorar que 0 = Be ecoahecer que carregamos jee impregnada de rac Bieeeasde conhecer, de valorar Stic ingéntas,fatalistas, iottmicas, excludentes, que Ses See omo.afirma Lipman, reto. na Bento critico so apresenta BEEF. permancnte contra © Se estreteza do ohare 2 inflectual, rumo a ume cn qucenizente a doutt Reine 3 inierogacto ree cin intelectual ea Beieeends no radocinio (Lipman, aS sr criticamente nase esgota no elemen sistente em mostrar que as- sr uma posigdo critica nao é uma ques- eramente intelectual: envolve 05 su em todo o seu ser; por isso, & mais ente falar de subjetividades criticas abarcar tanto as opgdes e concepcSes cientemente assumidas quanto 0s va- sas vontades ¢ atitudes criticas neces para posicionar-se e transformar a dad ante da cultura hegemdnica neolibe {com seus valores subordinados & légi- mercado, énecessério reivindicar Va- 5 vontades e visdes de futuro coeren- {com o projeto transformador. Também ecisa de imaginacao radical que possi- osurgimento de novos significados e tividade nas linguagens que anunciem rgimento de novas realidades. a Formuacio de pensamento ede subjetividade Bey mais do que conteridos cos é uma experitncia coletica ea Freire propos que a educacao deve ser- iiemente nao é fazer afirma- para que homens mulheresse formem Sette critico, mas adquirir Selle pensar capaz de ler criti- Siam Por conta propria. Isto Remmcso de critérios para com- ete: problemas concretos Beimmbiantes. Os critérios so (0 sujeitos aulGnomos e criticos, a par do didlogo e da acio transformadora de realidade. Numa entrevista com Rosa fa Torresem 1985, salientou que “oedu jor tem de ser uma espécie de vagabun- permanentemente: caminhar para lé e ReSiee jestificam e defendem a ci constantemente, para ir a0 aqui dos jermeire fazer que consideramos jucandos e tentar ir com eles, ndo a seu Sieve potentes 2, mas a seu além que esta no futuro”. ‘A Educagio Popular como pritica politica e pedagégica emancipadora 29 Do mesmo modo, a construgao de um pensamento e de subjetividades altemati- vos sé 6 possivel a partir do didlogo entre pessoas que, a partir de suas singularida- des e diferengas, compartilham a vontade e ojinteresse de transformar a realidade em fungio de visdes de futuro emancipadoras. esse sentido, o pensamento critico é cons- truido e regulado intersubjetivamente em comunidades dialigicas de indagacio: “O conhecimento nao ¢ algo dado e fechado, ‘mas se reconstr6i permanentemente de for- ‘ma intersubjetiva. A intertogacio, oassom- bro, o questionamento, 0 mistério, 0 didlo- go sio motores de indagacio intelectual, social, artistica, moral e politica” (Ferrer, 1998, p. 23) 8. Reflexividade Pensar criticamente exige estar alerta para no naturalizar nosso priprio olhar, exige converter em objeto de reflexao criti- ca todas ¢ cada uma das operagbes men- tais, assim como as decisties que tomamos. Isso corresponde ao que Freire chama de atitude autocritica frente a nossas proprias Ieituras e praticas diante da realidade. Para Lipman, [.-Jopensamento complexo éaquele que esti consciente de seus proprios pressit- postos e implicagdes, assim como das razoes eevidéncias nas quais apoia suas conclusées [..] Examina sa metodolo- fla, seus procedimentos, sua perspecti- vva e seu ponto de vista priprios [.] da ‘mesma maneira que impliea pensar so- ‘brea materia que é objeto de exame (Li- ppman, 1998, p. 67). 9. O ser eritico busca uma coeréncia entre pen sare atuar Opensamentoea subjetividade eriticos ganham sentido na medida em que possi- tra de teoria e pritica de acordo com os criti cose valores alternativos corresponde ao que ‘9s gregos denominavam phronesis: atuar & partir do bom senso, com prudéncia e res- ponsabilidade (Fals Borda, 2010).O pensa-

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