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Almir Del Prette / Zilda A.P. Del Prette Mg oye) PESSOAIS Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Del Prette, Almir Psicologia das relagées interpessoais : Vivéncias pata o trabalho em grupo / Almir Del Prette, Zilda A.P. Del Prette. Petrépolis, RJ: Vozes, 2001. Bibliografia. ISBN 85.326.2596-7 1, Habilidades sociais 2. Psicologia social 3, Relagées interpessoais 4. Trabalho em grupo I. Dei Prette, Zilda A.P. IL. Titulo. CDD-158.2 indices para catalogo sistematico: 1, RelagGes interpessoais : Psicologia aplicada 158.2 Almir Del Prette Zilda A.P. Del Prette PSICOLOGIA DAS RELAGOES INTERPESSOAIS VIVENCIAS PARA O TRABALHO EM GRUPO EDITORA VOZES Potrépolis, 2001 © 2001, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luis, 100 25689-900 Petrépolis, RJ Internet; http://www-vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra po- derd ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma ¢/ou quaisquer meios (eletrénico ou mecfnico, incluindo fotocépia e gravagao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissao escrita de Editora. Editoragdo e org, literdria: Orlando dos Reis ISBN 85.326.2596-7 Este livra foi composto e impresso pela Editora Vozes Lxda. Dedicamos este livro a todos aqueles que contributram para que as relacdes entre as pessoas se tornassem cada vez mais humanas, em especial aos dois grandes mestres: Jesus Cristo e Siddhartha Buda SUMARIO PROLOGO, 11 1 - PARADIGMAS E RELAGGES INTERPESSOAIS: OS ENFOQUES LINEAR E SISTEMICO, 15 1. Os novos paradigimas, 16 2. Abordagens psicolégicas sobre as relagées interpessoais, 19 A explicacéo linear, 22 A explicacao sistémica, 25 2. - DESENVOLVIMENTO DA COMPETENCIA SOCIAL E RELAGOES INTERPESSOAIS, 30 1, Critérios de competéncia social, 33 2. Desenvolvimento e socializagao, 37 Si familia e a escola, 41 A influéncia da midia na socializagéo, 44 ‘3 - CONTEXTOS E DEMANDAS DE HABILIDADES SOCIAIS, 46 1. 0 contexto familiar, 48 Relagdes conjugais, 49 Relagdes pais-filhos, 51 ‘2. O contexto escolar, 54 3. O contexto de trabalho, 56 4 — HABILIDADES SOCIAIS PARA UMA NOVA SOCIEDADE, 58 °d\ Aprendendo a aprender: a automonitoria, 61 2. Habilidades sociais de comunicacdo, 63 Fazer e responder perguntas, 65 Gratificar e elogiar, 66 Pedir e dar feedback nas relagées sociais, 68 Iniciar, manter e encerrar conversagéio, 70 3. Habilidades sociais de civilidade, 72 4, Habilidades sociais assertivas de enfrentamento: direitos e cidadania, 73 Manifestar opinido, concordar, discordar, 76 Fazer, aceitar e recusar pedidos, 77 Desculpar-se e admitir falhas, 78 Estabelecer relacionamento afetiva/sexual, 79 Encerrar relacionamento, 80 Expressar raiva ¢ pedir mudanga de comportamento, 81 JInteragir com autoridades, 83 Lidar com criticas, 84 5S. Habilidades sociais empaticas, 86 6. Habilidades sociais de trabalho, 89 Coordenar grupo, 90 Falar em piiblico, 91 Resolver problemas, tomar decis6es e mediar conflitos, 93 Habilidades sociais educativas, 94 7. Habilidades sociais de expresso de sentimento positivo, 97 Fazer amizades, 98 Expressar a solidariedade, 100 ‘Cultivar 0 amor, 101 5 — O USO DE VIVENCIAS EM PROGRAMAS DE TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS, 103 1. 0 que é vivéncia?, 106 2. A estrutura das vivéncias, 108 3. A utilizagao das vivéncias, 110 4. © facilitador de grupo: questies técnicas ¢ éticas, 114 6 — VIVENCIAS PARA A PROMOCAO DE HABILIDADES SOCIAIS, 116 1. O meu nome é..., 116 2. 0 nosso € 0 do outro, 117 3. Caminhar alterando ritmo e movimento, 119 4. Caminhos atravessados, 120 5. Circulos magicos, 122 6. Conduzindo 0 outro, 125 7. Mundo imaginario, 127 8, Nuimeros poéticos, 130 9. A descoberta do corpo, 132 10, Feedback: como e quando, 134 11. Complemento indispensavel, 137 12. 0 péndalo, 139 13. Quebra-gelo, 140 14, Direitos humanos e interpessoais, 141 15. Reconhecendo e comunicando emogées, 145 16. Dar e receber, 147 17. Relampagos, 149 18. Perguntas sem respostas, 152 19, Olhos nos olhos, 154 20. Nem passivo nem agressivo: assertivo!, 156 21. Historia coletiva oral, 160 22. Contar e modificar historia, 162 23. A tarefa de Atlas, 164 24. O mito de Sisifo, 166 25. Vivendo o papel do outro, 169 26. Inocente ou culpedo?, 171 27. Peca o que quiser, 174 28. Cottedor brasileiro, 176 29. Nasce uma Arvore, 178 30, Recolhendo estrelas, 180 31. Formando um grupo, 182 32, Trabalhando em grupo, 184 33. Buscando saidas, 185 34, Misto-quente, 189 35. A fumaga e a justiga, 191 36. Entrada no céu, 194 37. Sua vez, outra vez, 196 38. Perdidos na ilha, 198 39. Regressio no tempo, 200 40. Avango no tempo, 202 7 - A NECESSIDADE DE NOVAS RELACOES INTERPESSOAIS, 205. 1. Novos fatos e suas conseqiiéncias, 210 2. Propostas para um novo padre relacional, 212 Interdependéncia, 217 Aceitagéo, 219 Solidariedade, 220 3. O desenvolvimento da sociabilidade e as novas relagées interpessoais, 221 Referéncias bibliograficas, 223 PROLOGO CO interesse pelos temas pertinentes a qualidade das re- lagdes interpessoais parece refletir hoje uma preocupagio geral com problemas a elas associados: a violéncia, o precon- ceito, a intolerdncia, 0 desrespeito etc. No entanto, © leitor interessado no assunto deste livro, ao procurar obras simila- res nas livratias, praticamente nada encontraré, a nao ser que se dirija ao setor de importados onde, entdo, principal- mente na seedo de Psicologia, itd se deparar com vasta litera- tura. A predomindncia da literatura estrangeira no significa que, entre nés, os problemas interpessoais no alcancem a amplitude verificada nos demais paises e por isso nao atraiam a atencao dos pesquisadores. A constatagdo de que o investi- mento em pesquisa no pais & ainda pequeno nao esclarece muito. Supor que 0 piiblico em geral tem pouco interesse ou busca proteger-se através da indiferenca pode também nao corresponder a realidade, considerando o teor das matérias dos jornais, revistas e da midia em geral que, insistentemen- te, veiculam esse assunto. Em nosso campo, a Psicologia, observamos na tiltima dé- cada a presenga constante dessa temdtica correlatas nos principais congressos no pais. Os artigos sobre habilidades sociais, desenvolvimento de relagSes interpessoais, assertivi dade e inteligéncia social vém marcando presenca fregiiente nas paginas de nossas revistas cientificas. Em nossa Universi- dade, a equipe que trabalha com Treinamento em Habilida- des Sociais no consegue dar conta da demanda por pales- tras, cursos e solicitacdes de programas nessa area. Isso re- forca a idéia de que hd, de fato, um interesse crescente pela temética abordada neste livro. Nos contatos com pessoas que participam de nossos cur- sos e com Jeitores de nosso livro Psicologia das habilidades so- ciais: terapia e educagdo, fomos incentivados a preparar este enmemenmmmain Hnigaiquunl snenassennqepes. nish: snieemapniininisenngmesne de nossa pratica e, em particular, do método vivencial que desenvolvemos. Pedem-nos, inclusive, a apresentacao de um programa-padrao para desenvolvimento de habilidades so- ciais, Relutamos bastante porque, sem entrar em maiores de- talhes, temos feito uma avaliagiio muito negativa das publica- Ses apressadas que buscam mercado colando-se as teorias e aos temas em ascensdo. Nossa resisténcia foi minada pelos ar- gumentos dos colegas, de que o leitor faz o seu proprio julga- mento, valorizando os trabalhos que se apdiam em pesquisas e publicagSes que dao suporte a pratica. Outro argumento foi que nosso método vivencial jA foi testado iniimeras vezes € que deverfamos agora dé-lo a conhecer ao puiblico em geral. Cedemos a esses arrazoados e preparamos com bastante cuidado este novo livro, escrito a quatro mos. Mesmo quan- do um de nds iniciava um capftulo, 0 outro fazia a revisio eo completava. Ao final, fizemos revises conjuntas com a espe- tanga de atender a expectativa e confianca dos leitores. Nao obstante definirmos esta obra na perspectiva do desenvolvi mento das relacdes interpessoais, muitas das idéias aqui enfa- tizadas nao aparecem em outros textos nossos e queremos mencionar a importancia de varios pensadores para a consoli- dagdo das idéias aqui expostas: Edgard Morin, Humberto Ma- turana, Peter Trower, Michael Argyle, Fritjof Capra. Conside- rando a importdncia de se explorar novos substratos de anali- se das relaces entre as pessoas, realizamos uma tentativa ini- cial de aplicacdio da visio sistémica na compreensao dessa te- matica. Estamos conscientes de que essa andlise ainda nao estd completa e permanecemos abertos as criticas dos leito- res buscando o aperfeicoamento das idéias aqui registradas. Este livro pode ser dividido em duas partes. A primeira compée-se dos quatro capitulos iniciais. No primeiro, discu- timos as mudangas paradigmaticas nas ciéncias em geral e, em particular, na Psicologia, situando os modos de pensar as relacées interpessoais nos enfoques linear e sistémico. Nos capitulos seguintes, apresentamos as nogGes de desenvolvi- mento das relacées interpessoais, os conceitos fundamentais 49 mandas de desempenhos interpessoais e um sistema de orga- nizacgao das habilidades sociais, em termos de requisitos e complexidade com a descri¢ao de cada uma delas. Na segunda parte, composta pelos trés capitulos finais, trazemos ao leitor as bases do método vivencial e uma estru- tura analitica para a organizagio das vivéncias em um pro- grama de intervengiio voltado para a promoo das habilida- des apresentadas na seco anterior. Incluimos também a des- crigéo de quarenta vivéncias a serem utilizadas em progra- mas de Treinamento de Habilidades Sociais. No capitulo de encerramento, analisamos os problemas humanos em um mundo globalizado, enfocando principalmente a questéo das relacées interpessoais. Muitas pessoas contribuiram, direta ou indiretamente, para a realizacio deste livro. Gostarfamos de agradecer: aos colegas, aus alunus que passaram pela disciplina “Psicologia das Habilidades Sociais” e enfrentaram conosco 0 desafio de aprender e promover novas formas de relacionamento. Agra- decemos particularmente as pessoas, que utilizaram seus momentos de descanso lendo e dando sugestées que permiti- ram o aperfeigoamento deste trabalho: Alcione Vital, Giova- na Del Prette, José Fernando da Costa Vital, Lucas Del Prette, Maria Eny R. Paiva, Mirella Lopez Martinez, Roseli C. Caval- canti e Tania Maria De Rose, 13 i PARADIGMAS E RELAGOES INTERPESSOAIS: OS ENFOQUES LINEAR EF SISTEMICO Os tempos em que vivemos, meu caro, ndo permitem que se thes faca trapaga com a Psicologia. ‘Thomas Mann. Por que as pessoas se comportam da maneira como 0 fa~ zem? Essa pergunta é recorrente nos cursos de Psicologia, mas no séo os estudantes os tinicos interessados em respondé-la. ‘As mais diferentes respostas vémn sendo dadas a essa questo ao longo do tempo. Podemos supor duas vertentes gerais de explicagéio para o comportamento das pessoas, ambas orien- tadas pelos paradigmas cientifico-culturais em vigor. A primei- ra vem sendo denominada de explicacao linear e estd associa- da ao paradigma newtoniano-cartesiano, também chamado classico. A segunda, com base no paradigma holistico, foi ba- tizada de sistémica, ou ainda de complexidade'. Segue-se um breve resumo dos dois paradigmas junta- mente com explicagdes que orientam a andlise de questdes pertinentes A compreensao das demandas e desempenhos in- terpessoais, foco de interesse deste livro. 1. Sobre esse tema existem varias referGneias na lingua portuguesa, Entre ourros, ‘ver: Capra, F, (1982). 0 ponto de mutapdo. So Paulo: Culurix; Di Biasi,F. (1995).0 omiem holistico, PotrSpelis: Voves; Marioti, H. (2000). As paixées do ego: complexi- dace, politica solidariedade. Sao Paulo: Palas Athena; Maturana, H. (1998). Dadio- logia @ psicotogia, Porto Alegre: Attes Médicas. 15 a SS Kuhn?, em seu livro A estrutura das revolugées cientificas, analisou de forma bastante detalhada as transformagées que estavam ocorrendo na esfera da ciénciae setts paradigmas, Outros autores também contribuiram com essa andlise e, cerca de trinta anos depois, fala-se hoje abertamente, sem nenhum temor, o que alguns diziam timidamente em um passado nao muito distante: compartimentalizacéo do sa- ber, modelos reducionistas, visbes pés-positivistas da cién- cia, holismo ete. Como em outras ciéncias, também na Psicologia o debate sobre paradigmas, epistemologia, objeto, metodologia ete. ganha amplo espaco nos dias atuais. A Psicologia pode ser entendida como uma ciéncia em estdgio multiparadigmé. tico’ que, até o momento, ndo superou essa caracteristica, produzindo conhecimento multiforme com varias matrizes filoséficas ¢ tedricas de dificil integragao. H4, no entanto, um espirito novo, uma nova maneira de enfrentar questées atuais e antigas a respeito da episte- mologia, do valor heuristico da maioria das investigacées. e da cientificidade da Psicologia. Pode-se falar em uma ati- tude mais aberta para considerar posicdes divergentes e, Portanto, mais favordvel A discussdo entre pesquisadores com diferentes formagées. A perplexidade que tomou con- ta das ciéncias naturais com relagdo aos paradigmas e aos debates que nela ocorreram possivelmente se converteu m um sopro vivificador, inspirando os teéricos e pesquisa- dores da Psicologia. 2. Kuhn, TS. (1978). A estrutura das revolugées cientificas. Si Paulo: Perspectiva. 3. A questiéo é controversa, ja que, tomando por modelo as ourras citncias, alguns autores sittam a Psicologia, conforine perspectiva kufmiana, em um estégio pré-pa- radigmitico ¢ outros em estdgio multiparedigmatico, Nossa posigdo esté mais de- ‘alhada em: Del Prette, Z.A.P. ¢ Del Prette, A. (1995). Notas sobre pensamento & linguagem em: Skianer c Vygotsky, Psicologia: Reflexio e Critica, 8, 147-164, Ver, também: Masterman, M, (1979), A natureza de um paradigma, Em: L. Lakatos e A Musgrave (Orgs. A critica ¢ 0 desenvolvimento de conhecimento, S80 Paulo: Cul- tric Edusp. 16 BM MUNG Ce sslcologia social que o enirentamento desse debate ganhou mais forca, em parte devido a sua so- breposigao e caracterizagao nas varias “psicologias” e, em parte, porque os psicdlogos sociais vém, ha cerca de quatro décadast, discutindo as crises na disciplina: de identidade, de pratica profissional, de busca de articulagao entre micro- teorias e outros temas correlatos. No final da década de oitenta, apés varias discussbes em diferentes simpésios, foi realizado na Europa um evento di- rigido para a tematica dos paradigmas, contando com a par- ticipagdo da maioria dos autores que jé vinham discutindo as questdes referidas®. Naquele evento, além de outras con- clusées, observou-se que na Psicologia Social coexistem duas compreensées generalizadas da disciplina, Uma de- fende a Psicologia Social como uma ciéncia natural, supon- do que o comportamento seja regulado por mecanismos ca- usais internos a serem explicitados através de rigorosa inves- tigagao empirica com orientaco metodolégica hipotéti- co-dedutiva. A outra da énfase & indugio e rejeita a causa- do interna como variével independente, mas aceita a in- vestigacao empirica rigorosa, incluindo af a experimenta- 40, ainda que ndo somente. Alguns autores, conforme Je- sufno’, propuseram uma sintese entre essas duas formas de entender a Psicologia Social. Essa terceira posi¢o, como era de se esperar, cattega ainda certa ambigiiidade, nao sendo possivel pelo momento a emergéncia de uma sintese acabada dessas duas visdes predominantes. Pesquisadores de outros campos da Psicologia também se véem is voltas com esses problemas, Na Psicologia do De- senvolvimento, hé algum tempo se tem feito criticas & forma 4. Wer: Duck, S. (1990). Taking the past to heart. One of dhe futures of Social Psychology? Em: R. Gilmour ¢ S. Duck (Fas.), The development of Social Prychology.. London: Academic Press. 5. Dos nomes mais conhecidos na Psicologia Social no Brasil, pociemos citar Stroe- be, Zajonc, Nuttin, Doise, Moscovici, Harré, Gergen, Semin, Lemaine e Kriglanski. 6. Jesuino, J.C. (1995). A Psicologia Social européia. Em: J. Vala € M.B. Monteiro ‘orgs ), Psicologia Sociai. Lisboa: Fundagio Calouste Gulbenkian, = tradicional de inveshgagad POsinvista CO Gece humano’. Altman e Rogoff? fazem uma andlise da evolugio dos modelos ao longo da histéria da Psicologia dando desta- que 2 quatro visdes de homem que influenciaram os pressu- postos epistemoldgicos e metodologias de pesquisa na cién- cia psicoldgica; a de traco, a interacionista, a organismico-sis- témica e a transacional. ‘As duas primeiras sao influenciadas pela visao positivis- ta. Ade trago enfatiza a causalidade interna dos fenomenos psicoldgicos e a interacionista desloca a causacao para os es- timulos do ambiente. Ambas tém, como suporte basico, pelo menos na sua constituicao, o experimentalismo de laboraté- rio para 0 estudo de seu objeto. Na perspectiva sistémica, 0 modelo causal deixa de ser linear (tipo fungdo) e passa a ser visto em suas retroalimentacdes circulares onde a idéia de “causa” e “efeito” é substitufda pela nogao de reciprocidade de influéncia. Essa orientacdo € holistica sendo possivel, no entanto, focalizar partes do sistema ou subsistemas, man- tendo-se a idéia de uma certa clivagem observador-obser- vado. A perspectiva transacional é entendida por Altman e Rogoff como 0 estudo das relacdes em mudanga entre as- pectos psicolégicos e ambientais, partindo da premissa de ‘que estes sao insepardveis, incluindo-se 0 pesquisador como parte do sistema a ser estudado. Nessas duas ultimas ver- tentes, a contextualizac&o dos dados e a busca de compre- enso so condigées importantes do fazer pesquisa e a dife- renga principal entre ambas reside na énfase da tiitima so- bre a continuidade temporal, a historicidade ea transitorie- dade dos fenémenos e na implicagiio do observador sobre 0 conhecimento produzido 7. Wer, por exeraplo: Braneo, A. « Ferraz da Rocha, R, (2998).A questo da meto- dologts na investigaciio do desenvalvimento humano. Psicologia: Teoria ¢ Pesquisa, 414 (@), 251-258; Bronfenbrenner, V. (1977). Toward an experimental ecology of inuman development. Antericon Psychologist, 32, 913-532 8. Altman, I. ¢ Rogoff, B, (1987). World view in Psychology: Tras, interactional, o:- ganismic and transactional perspectives. Em: D. Stokols¢ 1. Akman (Eds), Handbo- ok of enviromencal psychology. Mew Yorx: Wiley. ai BAU SUMP MURA, ACT ROALOe QUE sed CAPOSICAO SCja suliciente para mostrar um panorama geral do que ocorre no dmbito da Psicologia neste inicio do século XXI. Ao lei- tor entusiasmado com as possibilidades dos novos para- digmas na Psicologia, recomendamos cautela e reflexdo sobre as “psicologias” enfeitadas com rétulo de holismos, ile nova viséo etc., pois que, freqiientemente, muitos des- ses trabalhos refietem apenas um discurso dissociado de qualquer investigago empirica sobre 0 objeto a que se re- ferom. A fala de Soczka®, ele préprio defensor de nova ori- cntagao (denominada de ecolégica) para a Psicologia Social, justifica bem esse alerta: O conhecimento —e reconhecimento- de que a rea- lidade social é uma totalidade serve muitas vezes de justificago para substituir a investigacio eienti- fica do social pelo simples discurso interpretativo € vago acerca dessa mesma realidade. Além disso, a adogao de novos paradigmas e metodologi aas néo significa o descarte dos conhecimentos produzidos por investigagées orientadas sob outras visdes, mesmo aqueles que nao alcangaram aceitacao ou que aguardam a chegada dle novos tempos para serem revisitados. Nao se pode negara cumulacidade do conhecimento historicamente construido em vétias dteas da investigagSo psicoldgica, ainda que seja dificil a generalidade nas ciéneias humanas. 2. Abordagens psicoldégicas sobre as relagdes interpessoais interesse da Psicologia pelas relagdes interpessoais é, pode-se dizer, tao antigo quanto a prépria formacao dessa disciplina. Na Psicologia clinica, hd uma longa tadicao de estudos sobre essa tematica nos mais diferentes referenciais, como o comportamental, o cognitivista, as orientacdes psico- dinamicas, as denominadas humanistas com base em Rogers 9. Soczka, L (1995), Pura uma perspectiva ecolégica em Psicologia Social. Em: J. Vala MLB. Monteiro (Orgs), Pazologia Social. Lisboa: FundacSo Calouste Gulbenkian. ae PEE Ee ge Eee bém as novas abordagens terapéuticas de inspiragao holisti- ca (a biossintese, a btidica e a holotrépica)"! empenham-se na producio de novas relagbes entre as pessoas, na vida fa- miliar e na sociedade. Grande parte dessas orientacées toma as dificuldades interpessoais, como depressdes, neuroses existenciais ou desordens do pensamento, como decorrentes de fatores intra-individuais. ‘Tendo os problemas interpessoais como cixo central (sem desconsiderar outros processos como a ansiedade, a percep- cdo e a cognicao), a histéria registra dois grandes movimen- tos na Psicologia, nao restritos exclusivamente a pratica tera- péutica: 0 Treinamento Assertivo (TA), que ganhou desta- que nos Estados Unidos, ¢ 0 Treinamento de Habilidades So- ciais (THS), que se iniciou na Inglaterra sendo considerado hoje mais abrangente do que o primeiro. eS eT OL re 10. Maslow, A. (1962). Toward «psychology of being, Princempn, Nova Jersey: Van Nos- trand;Roges, CR, Rosenberg, RL. (1977). pessoa como centro. Sio Paulo: EPU/EDUSP. 11. Ver, entre outros: Bateson, G. (1985). Pasos hacia una ecologia de fa mente. Bue- nos Aires: Carlos Loblé; Grof, 8. (1984), Psychologie mranspersonnelle. Mnace: Ro: cher, Grof, C. e Grof, (1990) A tempestuasa busca do ser, Sao Paulo: Cultxix; La ing, R. (1987). O cu dividido. Petrépolis: Vozes; Walsh, R. e Vaughan, F. (Orgs.), ‘Além do ego: Dimensses transpessoais em Psicologia. S39 Paulo: Culerix/Pensamento; Wilber, K. (1989). O espectro da consciéncia. Sao Paulo: Cultrix. 12. Ométodo rerapéutico denominado de Treinamento Asscrtivo fol elaborado por dois terapeutas sul-africanos, radicalizados nos Estados Unidos: Wolpe e Lazarus. ‘Ver: Wolpe, JS. (1976). A prtice da terapia comportamental, S50 Paulo: Brasilien- sc; Lazarus, A. (1977). Pstcoterapia personaiista: Uma visdo além do condicionamen- fo. Belo Horizonte: Interivros, O treinamento assertivo fol popularizado pelo livro Your perfect right, de Robert E. Albert ¢ Michael L. Emmons, que havia alcansedo, em 1989, a20* edigio e vendido 800 mil cxemplares, O método terapéutico Treina- mento de Habilidages Sociais teve sua origem com um projese sobre habilidades so- ais coordenada por Michael Argyle, durante quince anos, na Universidade de Oxford, na Inglaterra. As obras pionciras com tradugao para 2 maioria dos palses ‘europeus e Estados Unidos foram: Argyle, M. (1967). The Psychology of interperso nal Behaviour. London: Penguin ¢ Argyle, M, ¢ Trower, P, (1979). Person to person: Ways of communicating. London: Multimedia Publications. Para melhor detalha- ‘mento da constituigio c historia dessas éreas,o leitor poderd recorser ae nosso 40: Del Prette, Z.A.P. ¢ Del Prete, A, (2000). Trcinanento em babilidades sociais: Panorama geral da rca, EmV.C. Haase, R. Rothe-Neves, C. Kappler, ML.L.M, Teodo- 19.e G.M.O. Wood (Eds.), Psicologia do Desenvolvimento: Contribucgdes interdizepl- nares (p. 249-264), Belo Horizonte: Health. on ::s Sanaa eae aie eieiaeliaas ie eae anil. ama “nian cimensdes em fungao das avaliagdes positivas dos resultados obtidos em suas aplicacées, clinicas ou nao, e também pelo conjunto de novas investigagées e teorias que, além de traze- rem subsidios a esses campos, confirmam algumas de suas hipéteses. Até hd pouco tempo, a maioria dos profissionais que tabalhavam com o THS e o TA pouco teorizavam sobre essas reas, considerando-as apenas como métodos de apli- cago voltados para a solugio de problemas interpessoais li- gados & timidez, & fobia social, a depressdo A esquizo- frenia®, Atualmente, no entanto, observa-se um esforgo mais generalizado de construgo tebrica, buscando-se articu- Jar essa drea aos achados de pesquisa de outras como, por exemplo, os estudos da Psicologia do Desenvolvimento, es- pecialmente aqueles voltados para 0 comportamento social, a inguagem e a resiliéncia'’. Duas novas Areas de investigagao cientifica também se voltam para as relagées interpessoais: a teoria das inteligén- cias miiltiplas e a teoria da inteligéncia emocional. A primei- ra, ao propor a existéncia de varias inteligéncias, apresenta duas que se relacionam mais diretamente com o campo ted- rico-pratico do THS: a inteligéncia interpessoal e a inteligén- cia intrapessoal’s. A segunda, populerizada pelo livro de Da- 13. Ver: Trower, P. (1995), Adult social skills: State ofthe art and future directions Em: W. Donohue eL, Krasner (Eds.), Handbook of pyckotogical skils training: Cli- nical techniques and applications (p. 54-89). New York: Allyn anci Bacon. 14. Resiligncia é um termo que tem sido utilizado em oposigSo a vulnerabilidade. Trata-s¢ de uma rcacio adaptativa a fatores dc risco no sentido de superar as adver- sidades encontradas, tanto do ponte de vista bioldgico como psicoldgica, Sobre res ligncia, habilidades socials € competéncia social ver: Marques, A.L. (1999). Compe téncia social, empatia e representagio mental da relegao de apege em ferilies em tuagan de rsco, Dissertacdo de Mestrado. Curso de Pés-Gracuasac ext Psicologia do Desenvalvimente. Universidade Federal do Ric Grande do Su 15. Os conceitos de intcligéncia intrapessoal ¢ interpessoal sio importantes na Teo tia das intligéncias Mliplas, de H. Gardner, e podem ser entendidos como capaci- ddades correlates, O primeiro dia respeite & forina como 0 individuo organiza sua ima- gem eadministra seu pensamento; o segundo referee & capacidade da pessoa esta belecer relagBes com 0 outio, Ver: Gardner, H. (1995). Intligéncias Mkples. Porto Alegre: Artes Médicas, Para ina andlise da relagdo existente entre esses conceitos 0 ‘Treinamento de Habilidades Sociais, em seus aspectos tosricos, ver: Del Prete, A. Deldrerte, ..P. (1999), Teoria das Intcligéncias Miltiplas ¢ Treinamento de Heil dades Sociais. Revista DOXA: Estudas de Psicologia ¢ Educegdo, S(1)51-64. 37 ee ee OR ae ees oe teorias nessa tematica e resume as principais investigacdes so- bre o desenvolvimento emocional, também contribuiu para awmentar o interesse e a compreensdo sobre as reiacées in- terpessoais, principalmente por colocar em destaque as ques- tes inerentes ao sentimento e 4 emocao em suas ligagdes com a cognicao e o comportamento. As teorias e conceitos do campo tedrico-pratico das hal lidades sociais e das relagées interpessoais possuem uma his- t6ria de conhecimento produzida sob a perspectiva linear, ra- ramente encontrando-se propostas de investigacao ou de in- tervencio em uma visio sistémica. A seguir, apresentaremos ao leitor essas duas perspectivas, explorando possibilidades identificadas em ambas e defendendo uma perspectiva sisté- mica para a epistemologia e a heuristica na area do THS. A explicagdo linear Em uma perspectiva linear, todos nds somos tentados a explicar nossa maneira de agir considerando as possiveis re- Tages “causa-efeito” com base na contigitidade da ago com eventos antecedentes ¢/ou conseqiientes. Além disso, leva- mos em conta 0s eventos internos, os quais tém sido nomea- dos de vontade, desejo, consciéncia etc. A todo momento, damos e recebemos explicacées do tipo: Fiz isso porque ele me provocou; Sempre tive vontade de responder-Ihe assim; Agi de acordo com a minha consciéncia. Em que pese a variabilidade dos termos utilizados, con- cordamos que a nossa maneira de ser e agit é afetada por va- ridveis do ambiente (caracteristicas fisicas, sociais e/ou cul- turais de uma dada situacdo) e, também, por varidveis in- ta-individuais (crencas, percepgées, sentimentos). Quando, diante de uma mesma situacdo, observamos duas pessoas apresentarem respostas bastante diferenciadas, tendemos a fazer alguns acréscimos em nossas explicagdes, como por exemplo: Ao ser ofendido, Mario reagiu é altura porque € cora- 16. Goleman, 0. (1995). Jnceligéncia emocional. Rio de Janciso: Objetiva se. Joso e Pedro catou-se, fol pusudnine. Entre os profissionais da Svea da Psicologia, as explicagbes incuem um vocabulério mais elaborado sobre conceitos, fatores e processos psicold- gicos do tipo: um melior treino de tolerdncia a frustracdo, es- tado de excitacdo difuusa, dessensibilizacdo diante de estimula- sd ameacadora, fortalecimento do ego. Independentemente do discurso, se leigo ou especializado, as explicagées oscilam entre os determinantes endégenos e os exégenos. Uma sintese entre essas explicacdes vem sendo tentada ha muitas décadas. Entre as muitas tentativas, merece aten- cdo, na Psicologia Clinica, a proposta de Ellis, cuja formacao psicanalitica o levou a desenvolver uma abordagem terapéu- tica por ele denominada de Terapia Racional-Emotiva. Du- rante algum tempo, dedicando-se a auxiliar pessoas que pre- cisavam de ajuda e a contribuir na formagio de novos profis- sionais, Ellis foi colecionando informagées relevantes que 0. levaram a considerar também a importancia das variaveis ambientais sobre o comportamento, tanto na base dos pro- blemas como na manutengao das melhoras obtidas pelos seus clientes. Essa mudanca de posic&o impés a necessidade de alterar a designacéio de seu método para Terapia Racional Emotivo-Comportamental” Nao obstante a possibilidade de integrar alguns niveis de andlise e com isso superar reduedes por demais restritivas s0- bre © objeto em estudo, essas sinteses nao correspondem a um olhar holistico, permanecendo ainda em um paradigma newtoniano. Nessa perspectiva, a Psicologia herda conceitos e valores correspondentes aos das ciéncias exatas, tais como regularidade, uniformidade, previsibilidade e controle. A ra- cional ldgica é a de que, se o universo possui uma estrutura material formada por dtomos que se movimentam dentro de leis fixadas nas dimensdes espago-tempo, todos os processos vivos, de alguma mancira, também assim podem ser defini- clos e enquadrados possuindo, portanto, leis gerais de funcio- namento. Caberia entio as ciéncias que estudam essas reali- 17. Ellis, A. (1993). Changing Rational Emotive Therapy (RET) to Rational Emoti ve Behavior Therapy (REBT). Behavioral Therapist, 16(10), 257-258. dades objetivas descobrir tals leis, propondo enunclados ce regularidade e uniformidade que permitiriam fazer previ- sdes mecanicas e probabilisticas sobre o comportamento dos organismos. Logo, quanto mais decomposto e aprofundado o conhecimento das partes, tanto maior seria 0 nosso conheci- mento sobre 0 todo. Como essa forma de pensar produziu um avango extraor- dinario ao ser aplicada & mecdnica, resultando na revolucao industrial, a suposicao foi que o mesmo deveria ou poderia acontecer quando empregada aos seres vivos. Foi na esteira dessa premissa que 0 interesse cientifico pela compreensio do funcionamento humane dividiu, com o propésito de pos- teriormente integrar, algumas disciplinas que se ocupavam do assunto e também criou outras. Das veteranas Filosofia, Biologia, Psicologia, Psicandlise e Sociologia, a comparti- mentalizacao do saber se estendeu & Etologia, Psicobiologia, Sociobiologia, Neuropsicologia, ndo existindo sinais de que esse processo de fragmentacao se interrompa a curto ou mé- dio prazo. Nao ha diivida de que essas ciéncias trouxeram in- formagSes relevantes sobre o funcionamento dos organismos em geral e do homem em particular. Essas informacoes dina- mizaram as ciéncias aparentadas, projetando a Psicologiaea Psiquiatria como disciplinas aplicadas. Uma ¢ outra descar- taram algumas de suas posigdes anacronicas e assimilaram 0 discurso cientifico em moda, produzindo diferentes conheci- mentos e praticas, com pouco didlogo entre si. Esse processo criou a especializagio e a subespecializa- 40, isolando os pesquisadores. A multidisciplinaridade (va- rias disciplinas estudando 0 mesmo objeto) passou, ento, a ser empregada na produgéo do conhecimento. Daf progre- diu-se para a interdisciplinatidade, buscando-se também 0 didlogo entre pesquisadores com diferentes formagées. Alcan- amos agora, pelo menos em termos de proposta, a transdi ciplinaridade, que preconiza a aboligao das fronteiras entre as disciplinas e a cooperacio entre os pesquisadores. Nesse processo, nao deveria haver disciplinas (ciéncias) menores ou com status mais elevados. Assim considerando, o conheci- mento transitaria de uma disciplina a outta, sendo aprimota- oe resultando no enriquecimento das disciplinas em si mes- mas até que elas préprias fossem abolidas. Isso é tudo? Embora haja um desencanto generalizado com a ciénia, uma frustragao com as promessas nao reali- zadas do marxismo e uma grande desconfianca com os pres- sagios de bem-aventuranga da globalizacao, muito se obte- ve até o presente momento. Poder-se-ia acrescentar, entre- tanto, que todas as realizagdes obtidas através da visao linear nao foram capazes de solucionar os problemas atuais, justi- ficando outras alternativas que vém sendo construidas ao Jongo do tempo. A explicagéo sistémica Um sistema pode ser entendido como uma combinacdo ordenada de partes que interagem para produzir um resulta do. A visdo sistémi titui uma tentativa de compreen- der a influéncia reciproca entre as partés dé urn sistema (seus subsistemas) e entre sistemas € seu entorno. Todo subsiste- ma possui relativa autonomia, mas &, ao mesmo tempo, com- ponente de sistemas mais amplos. A decomposigao de um sistema em Subsistemas (ou a recomposicao destes em siste- mas mais amplos) depende da perspectiva de investigacdo do observador. Se, na visdo linear, o esforco pela superacao da dicoto- mia e do reducionismo, através da integracaio de diferentes andlises e da contextualizacao do objeto nas investigacdes, nao significa uma mudanca paradigmatica, também na pers- pectiva sistémica a decomposisao do sistema em subsistemas no constitui uma contradicao as suas premissas. Além disso, a possibilidade de decomposigao nao implica em sua substi- tuigdo pela abordagem linear nem em uma identificacdo com ela. Em outras palavras, a visio sistémica néo se propée como alternativa irreconciliavel a outras formas de compre- ensdo do mundo. A relagdo entre esses modelos, como a en- tendemos, nao se assenta na dicotomia do isto ou aquilo, po- rém na posicao concilidvel do isto ¢ também aquilo. /\O falarmos das limita¢oes do experimentalismo de labo- ratério em Psicologia Social, no antecipamos ncnhuma no- vidade, Apenas repetimos o que outros" apontaram, embora facamos coro com o sentimento de insatisfacio. A hipersim- Plificagio do ambiente do laboratério, a incerteza dos sujei- tos quanto & possibilidade de interpretacao correta dos pa- drées normativos de desempenho, a relacdo atemporal entre 0S Sujeitos e entre estes e o pesquisador configuraram uma artificiaiidade tal que contribuiu para muitas das odjegdes recorrentes, familiares aos estudiosos da area. Alguns pes- quisadores construfram, criativamente, no Jaboratério, am- bientes andlogos as situacdes da sociedade. Esses investiga- Ges trouxeram um impacto formiddvel, ganhando densida- de de demiincia e, desse modo, contribufram para uma refie- x&o sobre varias instituigdes: a cultura que desenvolvem, os valores sobre quais se organizam, os papéis que esses valores exercem, os seus efeitos positivos ou negativos etc. Estendendo a reflexdo para a tematica das relagdcs inter- pessoais em uma perspectiva sistémica, a decomposicao do desempenho social em diversos n{veis de habilidades (molares ou amplas e moleculares ou restritas), supon- do-as sempre em um continuo e ndo em uma relacéo dico- témica, faz sentido se, e apenas se entendermos 0 desem- penho como conjunto de subsistemas do individuo inte- grados ao seu ambiente. O ambiente nao se refere apenas a situag6es especificas, mas também a contextos como familia, escola, sociedade, cultura. Qualquer programa visando 0 desenvolvimento de habi- lidades sociais, de carter remediativo ou preventivo deve, nesta perspectiva, possibilitar ao participante uma compre- ensiio de suas dificuldades interpessoais para além do pensa- mento Jinear, ou seja, para além da causacao imediata dos fatores intra-individuais ou localizados nas varidveis da situa- . Ver: Gergen, RJ. (1973). Social Psychology as history. Journal of Personality ‘and Social Psychology, 26, 309-330; Harré, R, (1980). Making Social Psychology sci ‘entific. Em G. Gilmour ¢ S. Duck (Bés.), The development of Sociad Psychology. Lon- don: Academie Press (ao. Pessoas-chave Cm Sua Vida seriam entao fCconstfuldas © no ambiente terapéutico a partir de sua percepcZo que, nessa nova perspectiva, tende a se refinar. A entrada simbdlica des- ses significantes no programa obedece aos principios defini- dos em nosso trabalho anterior”, de respeito aos direitos hu- manos e de cquilfbrio nas relagbes de poder. © risco do pensamento linear, aplicado ao contexte tera- peutico, é 0 de tomar 0 outro como responsavel pelas dificul- dades do cliente que apresenta a queixa e, daf, supor que cabe 20 processo desenvolver habilidades deste para lidar com aquele, Simplificendo, tende-se a cair no pressuposto vencer/derrotar, inerente A sociedade capitalista. Uma viséo sistémica implicaria em considerar ambos como necessitados de ajuda e a relacdo como um processo de varios componen- O pensamento subjacente que orienta essa visio é 0 de co- locar 0 outro, de quem o cliente se queixa, sejam pais, maes, fillius, ou qualquer outro significante, como participates ati- vos da relacio, tanto em pensamento (creneas) como em sen- Limentos e comportamentos. Focalizar 0 proceso terapéutico em apenas um dos pé- los, desconsiderando a relacdo existente entre subsistemas, leva 20 risco de ceder & armadilha da iégica da organizacao social capitalista, que é a de preparar um para vencer o outro (ser mais competente). Nessa forma de olhar 0 problema, pa- rece ndo existir lugar para respeito e compaixao. Nao hd, nesta linha de pensamento, a possibilidade da terapia desen- volver habilidades no cliente para que este auxilie 0 outro a ser feliz sem usar 0 poder coercitivo e de prover, a ambos, re- cursos para encontros saudaveis, preenchidos por relagées igualitdrias, fraternas e amistosas. E, no entanto, o que pode- ria ocorrer em uma perspectiva sistémica, uma vez que am- bos, cliente ¢ seu entorno (incluindo mie, pai ou outra pes- soa envolvida), seriam considerados integrantes de um siste- ma mais amplo, reconhecendo-se que alteragées positivas 19. Del Protte, Z.AP. cDel Prette, A. (1999), Psicologia das Habilidades Seciais:te- rapia e educagdo, Potrépalis: Vozes. ae

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