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Apresentagao Hi, pelo menos, trés semisticas: a doutrina dos signos elaborada por Charles Sanders Peirce, o desenvolvimento do formalismo russo € a teoria da significacio proposta por Algidar Julien Greimas. Nosso trabalho é vinculado a esta tiltima. O que a diferencia das demais, ¢ também da teoria geral do signo chamada semiologia, é a énfase dada no mais nas relagdes entre os signos, mas no proceso de significacio capaz de geré-los. O livro que inaugura essa semidtica chama-se Seméntica estrutural, de A. J, Greirmas. Partindo da dicotomia de Saussure siguficante verus significado, Greimas define assim os dominios da semiética: Quando um critico fala da pintura ou da miisica, pelo prdprio fato de que fala, pressupde ele a existéncia de um conjunto significante “pintura”, “musica”. Sua fala consti- tui-se, pois,em relacioao que vé ououve, uma metalingua. Assim, qualquer que seja a natureza do significante ou 0 estatuto hierirquico do conjunto significante considerado, oestatuto de sua significacio se encontra situado num ni- velmetalingitistico em relacio ao conjuntoestudado. Essa diferenga de nivel é ainda mais visivel quando se trata do estudo de Iinguas naturais: assim 0 alemio ou o inglés podem serestudados numa metalingua que utiliza o fran- cése vice-versa. Issonos permite a formulagiodeum prin- cipio de dimensio mais geral:diremos que esta metalingua transcritiva ou descritiva nlio apenas serve ao estudo de qualquer conjunto significante, mas também que ela prd- ptia é indiferente & escolha da lingua natural utilizada. (Gnsimas, 1979:23) Serres eat! # Os percursos do otha de contetido, ja que 0 conjunto aos dominios da expre semiotica no modelo do percurso gerativo do 5 sao do sentido por meio do niv se el semio-narrativo, geral e abstrate, stinciada enunciacio, noniveldiscursiea Primeito momento do desenvolviments, ano da expresso passa a set tomado come objeto deez Buando uma cstegorin do significamte se relaciona com Pace , ja, quando ha uma relacao entre uma a da expressao e uma forma do contetido. Em seu texto “Por uma semidtica topolégica”, i pologica”, A. J. Greimas faz a seguinte observacio a respeito: Colocado de lado em um tedrico da semistica, 0 pl objeto de estudo quando Porque o espaco assim instaurado nada mais € que um significante; ele esta ai apenas para ser assumido e sig- nifica coisa diferente do espago, isto é, 0 homem que é 0 significado de todas as Linguagens. Pouco importam, entio, os contetdos, varidveis segundo os contextos cul- turais, que podem se instaurar diferencialmente gragas a este desvio do significante: que a natureza se ache excluida € oposta a cultura, 0 sagrado 20 profano, 0 humano a0 sobre-humano ou, em nossas sociedades dessacralizadas, 6 urbano ao tural; isso em nada muda o estatuto da signi- ficagio, o modo de articulacio do significante com o signi- ficado que é a0 mesmo tempo arbitririoe molivado: a semiose se estabelece como uma relagao entre uma categoria do oria do significado, telagio neces- mesmo tempo indefinidas ¢ fixa (GREIMAS, 1981: 116) significante e uma categ saria entre categorias aon das num contexto determinado. do é chamada semi-simbdlica. nado contexto, mas € MO- anos da linguagem-. As- Essa relagao entre expressfio e conteu Ela é arbitraria porque é fixada em determi jo estabelecida entre os dois pl : — o de F. de Saussure, ceitos de signo € de simbolo | seth 9 entre 0 arbitririo de signo € 0 ™ tivada pela relag sim, partindo dos con define-se 0 semi-simbolism: do simbolo (vessern, sd: 81-84), Considerado um dos prineipais fun- dadores da semidtica visual, Jean-Marie Floch explorou em seus traba- Thos esse conceito, aplicando-o a0 estudo das artes plisticas, do marketing, da comunicagio, do gosto, entre outros objetos. Este trabalho é motivado pelos estudos de J, M. Floch, em especial pela obra Pustes mythologies delocil et de esprit. Nela, 0 autor desenvolve 0 conceito de semi-simbolismo aplicando-o no estudo da fotografia, da pintura, das historias em quadrinhos, da arquitetura e da propaganda publicitaria, Em nosso trabalho, escolhemos os mesmos objetos, com excecio da propa- ganda publicitaria, ¢ inclaimos dois capitulos sobre a poesia concreta e um 1 sol a escultura, Contudo, tomamos 0 cuidado de escolhé-los entre mani- des da cultura brasileira, com o objetivo de torn4-los mais proximos do contexto historico € cultural de nossos leitores. Nao se trata, por isso, de repetir o trabalho de J. M, Floch mudando apenas seus objetos de estudo, simbolismo aplicado mas de mostrar a operatividade do conceito de semi: a outros textos; ¢ de propor alguns avancos no estudo da expressio a partir da aplicagao da semistica nesses dominios, a respeito da enunciagao, do rit- mo e€ da narratividade. Como conceito teérico, qual 0 estatuto semidtico do semi-simbo- lismor J. M. Floch define a semidtica semi-simbélica dentro dos domi- nios da semidtica poctica, Utilizando a definicio de fungio poética da linguagem, de Roman Jakobson, como a projegio do eixo paradigmatic no sintagmatico, a semiética define a poeticidade do ‘io de um texto verbal ha mesmo modo. Quando no plano de expres s estabelecidas entre significantes uma rima, as relagdes paradigmitica semelhantes sao projetadas no eixo sintagmiatico; « quando no plano de contetdo ha uma metifora, sio projetadas as relagdes paradigms ticas estabelecidas entre significados, Fissas projegdes, embora responsiveis pelos efeitos de poeticidade, s. No entanto, a relagio entre nao sao necessariamente semi-simbolica uma forma de expresso ¢ uma forma de contedido manifesta-se quan- do ha uma relagio entre os eixos paradigmaticos de cada uma delas, € sintagmiatico, Se em uma pintura, s no eixo quando eles sio projetadc por exemplo, as cores quentes sio relacionadas a contetdos do sagra- do, € as cores frias, do profano, em seu texto hé uma projecio no eixo Semudtica sual * Os percursos do olhar a iol eZ lo que aoe a categoria « ro ategoria de contetdo sagrado vs. profano. Assim, toda relagio semi-simbolica € poética, mas nem toda relagao poética € semi-simbdlica. Quando se trata de objetos proprios dos sistemas semidticos plasti- imbolica entre formas plas- ticas, ha efeito de poeticidade. Contudo, nem todo semi-simbolismo € necessariamente uma semidtica plastica. Uma rela- io entre sabores, proprios de uma semiética gustativa, pode ser semi- simbdlica caso uma categoria dessa ordem, como doce vs. salgado, seja te- cos, sempre que houver uma relagio sem ticas e forma lacionada a uma categoria de contetdo, como infantil vs. adulto. Como a semitica plastica estuda as formas de expressao relacionadas a formas imbodlica, mas nem todo de contetido, toda semidtica plastica € semi semi-simbolismo é uma semiética plastica. Desse modo, como afirma o proprio J. M. Floch, a semistica plistica faz parte da semiética semi-sim- bélica, que por sua vez faz parte da semidtica poética (FLOcH, 1985: 14- 15). Esse é 0 estatuto semistico do conceito de semi-simbolismo. Como este trabalho tera também o objetivo de divulgar a semidtica, tomamos 0 cuidado de anexar, antes dos textos destinados as aplicagées, uma pequena introducio, em que se apresenta © percurso gerativo do sentido, para os leitores que nao conhecema teoria. Recomendamos, para aqueles que quiserem uma introdugio mais detalhada, os trabalhos Ek- mentos de anélise do discurso (¥IORIN, 1989), de José Luiz Fiorin; Teoria semi6tica do texto (BARROS: 1990), de Diana Luz Pessoa de Barros; eA abordagem do texto (FIORIN, 2002: 187-209), de Luiz Tatit. Por fim, nesta apresentacio, nao poderia deixar de agradecer a professora Maria Aparecida Barbosa, que me iniciou nos estudos da semidtica, € ao profe or José Luiz Fiorin, pelas otientagdes indispen- sdveis a minha formagio académica € pelo cuidado com que leu e comentou este trabalho, fazendo sugestOes sem as quais nao seria pos- sivel termind-lo. A ambos dedico este livro. Pequena introdug4o a semidtica Antes de comegar uma sintese dos principais tpicos da semiotica, deve-se precisar alguns conceitos para definir seu objeto de estudo. A semidtica estuda a significacdo, que é definida no conceito de texto. O texto, por sua vez, pode ser definido como uma relacio entre um plano de expressio ¢ um plano de contetido. O plano de contetido refere-se a0 significado do texto, ou seja, como se cos e como ele faz para dizer o que diz. O plano de expresso refere-se & manifestagio desse contetido em um sistema de significagio verbal, n’io-verbal ou sinerético. Os sistemas verbai tuma dizer em semidtica, a0 que o texto diz sao as linguas naturais e os nio-verbais, os de- mais sistemas, como a miisica e as artes plisticas, Os sistemas sincréticos, por sua vez, ( aqueles que “acionam varias linguagens de manifesta Gio” (GREIMAS € CoURTES, s.d.: 426), como ocorre entre um sistema verbal € um nio-verbal nas cangdes nas histdrias em quadrinhos. Isso quer di- e que um mesmo contetido pode ser expres por meio de planos de manifestar em um pla- no de expressio de ordem verbal, nao-verbal ou sincrética. O conteido que se manifesta no sistema verbal em um romance, por exemplo, pode ser adaptado para o cinema em um plano de expressio sincrético, ou inspirar uma sinfonia ou uma tela em planos de expressiio nio-verbais, Pode-se considerar, por isso, que o sentido de um texto esta em seu plano de contetido, Definido nesse plano, o sentido pode ser estu- dado em uma teoria semistica, que pretende desctever os processos expresso de ordens diferentes, ou seja, pode: Pequena introducao a semidtica ‘Antes de comegar uma sintese dos principais tépicos da semidtica, deve-se precisar alguns conceitos para definir seu objeto de estudo. A semidtica estuda a significagio, que é definida no conceito de texto. O texto, por sua vez, pode ser definido como uma relacfio entre um no de contetido. O plano de contetido “to, ou seja, como se costuma dizer em plano de expressio e um p refere-se 20 significado do tex ao que © texto diz e como ele faz, para dizer 0 que diz. O acio desse contetido em um semidtica, plano de expressio refere-se & manifest sistema de significagao verbal, no-verbal ou sincrético. Os sistemas verbais so as linguas naturais e os nio-verbais, os de- Os sistemas sincréticos, mais sistemas, como a musica e as artes plastica sio aqueles que “acionam varias linguagens de manifesta- s.d.: 426), como ocorre entre um sistema verbal por sua ver Gao” (GREIMAS € COURTES bal nas cangdes € nas hist6rias em quadrinhos. Isso quer di- © por meio de planos de eum nio-ves zer que um mesmo contetido pode ser express expresso de ordens diferentes, ou seja, pode-se manifestar em um pla- no de expresso de ordem verbal, nao-verbal ou sincrética. O conteido gue se manifesta no sistema verbal em um romance, por exemplo, pode ser adaptado para o cinema em um plano de expressio sincrético, ou inspirar uma sinfonia ou uma tela em planos de expressio niio-verbais. Pode-se considerar, por isso, que o sentido de um texto esta em seu plano de contetido, Definido nesse plano, o sentido pode ser estu- dado em uma teoria semidtica, que pretende desctever os processos de sua formagio, ou seja, a significacdo, A g.- 20. A semidticg. a " . PESO gery curso que vai do mais simples ¢ abstrato ao m, Pad Greimas concebe 0 sentido 3 do come um proc PrP a > em gad Por a u IS Complexe, fe TM Dep. “ Essa geracao € formalizada ni on gerag © Modelo tedrico do perey Mere, NSO pop do sentido, que vamos explicar em seguida, Cray ‘guida, Ais, O percurso gerativo do sentido ay Partindo de uma historia infantil, vamos apresentar © 1 r y s 9 mode descreve 0 percurso gerativo do sentido, Trata-se do cont “ « is ida” . O mais lento pode vencer a corrida’ > uma variante do mes; da fabula da lebre e a tartaruga: lelo que indiang 'mo tema Quando voava sobre um lago, com muita fome, Garuda, 0 passaro magico de Vishnu, avistou uma tarta. ruga. A tartaruga desviou seu interesse sugerindo-lhe que, antes que a comesse, deveriam apostar uma cortida para ver quem era o mais rapido. Opassaro concordouese elevounoar, pronto, para voar. Enquantoisso, a tartaruga reuniu todas as tartarugas—seus amigos ¢ parentes —¢ as dispés em filas de cem, de mil, de dez mil, de cem mil, de um milhao e de dez milhdes. Dessa forma, cobriram todaa superficie da regiaio. Quando estava tudo arranjado a tartaruga fulou: — Estou pronta para comecar. Vossa Alteza pode ir pelo ar, eu irei pela Agua. Vamos ver quem sera o ganha- dor. Se eu perder, seu prémio sera comer-me. Garuda voou com todas as forcas, mas logo se dete- ve ¢ chamou a tartaruga. E por onde quer que voasse, ela sempre respondia mais a frente. Voou até mesmo para Himapham, a grande montanha. Por fim, teve de admi- tir, diante da tartaraga, que tinha sido derrotado e, des- concertado, voltou para o seu lar, a arvore rathal, para des- cansar. (O cavale mayico, s.d.: 44-45) el . «ew del um nive! No processo de geracio do sentido, a semidtica define pa . ea eu fundamental do qual se pode partir para a formalizagio de si ‘mo usa ; . . : idti col mais geral e abstrato. O sentido é definido pela semiotica 12 Pequena introducio a semistica rede de relacdes, 0 que quer dizer que os elementos do contetido so adquirem sentido por meio das relagoes estabelecidas entre eles. No texto do conto indiano, o passaro, a tartaruga € OS demais elementos que compoem seu discurso adquirem sentido nas relagdes que estabe- lecem sua coeréncia, de modo que, entre outras relagGes, esses elemen- tos adquirem outros sentidos. Nesse conto, os animais representam seus papéis em funcao do tema da disputa entre competidores desiguais, em que se mostra que a capact- dade para realizar uma tarefa nio depende apenas do poder. Assim como na fabula da lebre ea tartaruga, 0 passaro, por um excesso de confianga, perde uma cortida que julgava previamente ganha. Do mesmo modo que a lebre, o passaro magico de Vishnu jamais poderia perder uma pro- va de velocidade, ja que ambos tém o poder para ganhar, representado pelas respectivas agilidades. No entanto, isso nao basta, pois as tartaru- gas, uma pelo ardil contra Garuda, e outra pela perseveranga contra a lebre, vencem seus oponentes. Ao lado das historias infantis, esse tema é o mesmo de numerosas narrativas. Da historia de Davi e Golias 4 Revo- lucio Cubana, ele aparece recoberto por figuras diferentes. Ora, se 0 conto, a fabula e as demais narrativas realizam enunciados particulares, determinar um tema comum a eles ja representa uma primei- ra abstracio. Esse tema, por sua vez, desenvolve-se em uma narrativa. Ha © sujeito passaro que procura 0 objeto de valor vida, figurativizado pela tar- taruga que lhe servira de alimento. Essa narratividade, formalizada em ter- mos de sujeito ¢ objeto narrativos, representa um grau de abstracao mai- or, ja que toda narrativa pode ser descrita assim, independentemente do tema realizado. Em um nivel mais abstrato ainda, pode-se afirmar que essa narrativa é orientada por uma categoria semantica minima vida vs. morte, de modo que a categoria ¢ definida na relacio do termo simples vida com © termo simples morte, € nao por meio de cada um dos termos separada- mente, Esse ultimo nivel de abstracao é 0 nivel fundamental. Se o sentido é estabelecido em uma rede de relagées, no nivel fun- damental busca-se determinar nio uma relagao fundamental, mas uma rede fundamental de relagdes. Essa rede fundamental é formalizada no modelo do quadrado semidtico. No caso do conto indiano, a relagao entre os termos contrarios vida vs. morte é responsavel pela orientagao de seu sentido mais geral ¢ abstrato. Do ponto de vista da tartaruga, a0 seménca vsual # Os percursos do othar pretender comé-la, 0 passaro afirma o termo morte em seu fazer, Ag propor a cortida, cla nega esse termo ¢, ao vencé-la, afirma o terme rida, Desse modo, © conto realiza © percurso morte = nao-morte = vida. Esse é um dos percursos possiveis, j4 que a orientacio contrétia vida > nio-vida > morte também esta prevista no modelo. Assim além dos termos contrarios vida e morte, ha nessa rede de relacdes = termos contraditorios ndo-vida € ndo-morte. O modelo do quadrado semistico representa essas relacdes no seguinte esquema: vida morte \ nao-morte nao-vida Nas setas estao marcados os percursos possiveis. Sao ditos contrari- 0S 0s termos que apresentam uma dupla negagio. Quando vida e morte se opéem, ha um terceiro termo que nao é nenhum dos dois. Sao ditos con- traditorios os termos que apresentam apenas uma negacao. Quando se opdem vida e nao-vida, nao ha a possibilidade de um terceiro termo, ou se trata de um ou de outro dos dois termos da relagao. Ao lado das relagées de contrariedade entre vida e morte e contraditoriedade entre vida e nao- vida e morte e nao-morte, ha as relagdes de implicagao entre vida e ndo-mortee ‘morte nao-vida, jé que afirmar a vida implica em negar a morte e vice-versa. Assim, por meio de operagées de afirmacio e de negagio, 0 quadrado semitico sistematiza uma rede fundamental de relagdes de contradi¢ao, contrariedade e implicagao, Além dessas trés relagdes entre os termos simples, h4 no quadrado semidtico um termo complexo, gerado pela simultaneidade dos termos simples afirmados, e um termo neutro, g& rado pela Simultaneidade de suas negagdes. A categoria semantica pode mudar, no entanto, as relades sintaticas do quadrado so mantidas. Em suas pesquisas, ao lado da categoria seméantica vida vs. morte, a semidtica define as categorias matureza vs. cultura, opressao V8 Aberdade, identidade vs. alteridade etc., de modo que a partir dos contetidos dis- Seminados no texto pode-se determinar de que categoria se trata, Por iss, genericamente, essa categoria pode ser representada como sf vs. 52. 14 Pequena introducio aseristica Ao lado dessa dimensio inteligivel, a semidtica verifica como o ser vivo se relaciona com ela sensivelmente, imprimindo qualidades positi- vas a um dos termos da categoria e negativas ao outro, que determi- nam, por sua vez, uma orientacio sensivel nos termos da categoria. Chama-se euforia a sensibilizagio positiva e disforia, 4 negativa. Como termos contrarios, exforia vs. digforia formam a categoria forica que, a0 Jado da categoria semantica s7 1s. s2, estrutura o nivel fundamental. No conto indiano, o termo vida € euforizado e 0 termo morte, disforizado. A categoria forica, quando é projetada sobre a categoria semin- tica, determina a orientagao do percurso entre os termos do quadrado semi6tico. No conto, a euforizacio da vida orienta o percurso morte => nio- morte => vida, 0 que determina a deriva da narrativa, ou seja, determina a otientacio do sujeito narrativo em relacio a seu objeto de valor. Essa proje- So também pode mudar, de modo que nada impede a construgio de um © disforizado, a vida, discurso em que 0 termo euforizado seja a morte O nivel narrativo O desenvolvimento de uma narrativa resolve-se em transformagoes. No conto indiano, 0 passaro comega a histdria sem seu objeto de valor, representado por um alimento. Na resolucao da transformagao desse estado de caréncia, Garuda busca esse objeto na tartaruga. Ela, por sua vez, tem sua vida colocada a prémio quando langa seu desafio, o que modifica seu estado em relacio a ela. Ao apostar, tudo se passa como se, atéo resultado da competicao, sua vida nao lhe pertencesse mais. Aovencer a cortida, a tartaruga recupera a vida que tinha apostado € retorna a seu estado anterior. Enfim, sao transformagoes de estado que sustentam a narrativa. A formalizagao dessas transformacoes em um modelo te6ri- co constitui o nivel narrativo do percurso gerativo do sentido. Entendida como transformacio de estados, uma narrativa minima pode ser definida entre dois estados. Na frase “o passaro comeu a tartaru- ga” pode-se determinar o sujeito narrativo pdssaro que, em um primeiro momento, estd em disjungio com 0 objeto de valor alimento, figurativizado pela tartaruga. Depois, por meio de um fazer, figurativizado pela agao de 15 comera tartaruga, hand sujeito entra emconjun¢io com seu obje narrativa minima dois estados, um de disjungiio e outro Ho. fazer responsavel pela transformagio de um estado e Em semiotica, 0 estado de conjuncio é representado Obj.); 0 de disjungao, por (Suj. U Obj.); eo fazer transformaye Ss. 9 Desse modo, a narrativa minima tem o seguinte esquema: > (Suj. A Obj.). Evidentemente, pode-se partir de diregio a uma disjungao no sentido contritio (Suj. O}j.). Assim, definem-se dois tipos de enunciados elementares: enunci. dos de estado, que podem ser de conjuncio ou de disjuncio, e os dos de fazer, que dizem respeito as acdes que promovem transforma. Hane. de Conjuncaig Nessa ™ outro, sum, OF, Por +, (Suj. Us Obj) uma Conjuncio eA 9 Obj.) > Guj.U Ges nos enunciados de estado. A seqiiéncia enunciado de estado enun- ciado de fazer => enunciado de estado define um Programa narrativo, Em uma nartrativa mais complexa ha, pelo menos, um programa ptincipal com programas subordinados, que sao chamados, respecti- vamente, de programa narrativo de base ¢ programas natrativos de uso. No conto indiano, ha dois programas de base em uma telacio polémica. Depois da aposta, tanto 0 sujeito passaro quanto o sujeito tartaruga esto em disjungo com o objeto de valor vida, j que para o primeiro comer diz respeito 4 sobrevivéncia, e para o segundo interessa nio ser comido. O objeto de valor, portanto, nio pode ser repartido, por isso a polémica: se um ganha, outro perde. Realizar o programa de base é chamado pela semidtica performance. No entanto, para realiz4-lo, o sujeito narrativo precisa adquitir, por meio dos programas de uso, a competéncia necessaria para tal. A tarta- ruga, por exemplo, precisa articular seus amigos e parentes pata execur tar seu ardil. Sem esse fazer, ela nao realiza sua performance. Os programas de uso, por mais variados que possam set, S40 for lizados pela semidtica como representantes de um saber ou um poder, OU seja, um saber-fazer e um poder-fazer, relativos a performance. No soa val tartaruga realiza sua performance porque ela esta em conjuncao com 0 save : jf que sabe como articular seu ardil, ¢ com 0 poder, jé que pode lansaF mao de suas companheiras, O passaro, por sua vez, no realiza ae Performance, jé que, apesar de estar em conjungio com o poder, pois ™ m rapido, niio tem saber, pois nfio toma conhecimento de que disputava OM muitas em vez de uma sd, Desse modo, um € competente € 0 outro 1a0- ‘ma- 16 | Pequena introdugdo a semiica Aarticulagio entre competéncia e performance define o que a semidtica chama percurso narrativo da agio. Ha mais dois percursos narrativos: 6 da manipulacio ¢ 0 da sangio, Para que um sujeito comece seu per- curso da acao ele precisa ser manipulado para isso. O passaro é mani- pulado pela fome ¢ a tartaruga, pela ameaga do passaro. O manipulador é chamado de destinador ¢ 0 manipulado, de destinatério da manipu- lacio. A semidtica prevé quatro tipos de manipulacio. Quando 0 destinador manipulador usa scu poder sobre 0 manipulado, pode ofe- recer a ele um objeto de valor positivo ou negativo. Quando 0 objeto lo destinatario, é positive, ele procura manipular por meio do querer d ica chama esse como € 0 caso dos prémios ¢ das recompensas. A semidti processo /enfapéo. A tartaruga, ao oferecer sua vida como prémio, ma- nipula Garuda desse modo. Contrariamente, quando 0 objeto € nega- tivo, o destinador manipulador procura incitar 0 dever do destinatario, como € 6 caso dos castigos. Esse processo é chamado intimidagio. O passaro, ao ameacar comer a tartaruga, a manipula assim, Garuda, por sua vez, comega 0 conto intimidado pela fome. Quando o destinador manipuladot usa de um saber sobre 0 destina- tario, ele sabe fazer uma imagem positiva ou negativa dele. Na positiva, ele busca incitar um querer por parte do destinatario, j4 que, com uma imagem positiva, ele se vé com vontade de confirmé-la. Esse processo é io € do elogio, por Je aparece no caso da bajula chamado sedugio. exemplo. Contrariamente, na imagem negativa, o destinatario vé-se obri- gado a negé-la, assumindo, portanto, um dever. Esse processo € chama- do provocagio. Quando a tartaruga, mesmo sendo lenta, desafia Garuda uma imagem para uma corrida, mostra que ela, pretendendo ganar, f negativa do passaro. Fle, provocado, disputa por dever. Desse modo, no basta adquirir poder e saber durante a aco, para agir, o sujcito narrativo precisa também assumir querer ou dever. Querer, dever, saber € poder sio chamados pela semidtica objetos modais, sem ico, portanto, diz res- os quais nao hé realizagio de performance. A sua aquis peito aos programas narrativos de uso € 4 aquisicio de competéncia. Depois de realizada, a performance € sancionada ou nao por um destinador julgador. Nesse julgamento, ele avalia de acordo com o ser € © parecer do que foi realizado pelo destinatatio da sangio. Quando ée parece, bisa verdade, e quando nao é¢ nao parece, a falsidade, Quando parece 17 mas nao é, haa mentira, ¢ quando émas ndo parece, o segredo, Garug, por verdade algo que é mentira por um lado, ¢ é segredo, por om mentira que se trata apenas de uma tartaruga, ja que parece ser TO: & uma, mas nao é; € segredo que se trata de muitas delas, j@ que sio ate mas nao parece. Assim, a articulagio do Ser US, parecer gera as litas, ~ modalidade. veridictérias, usadas no percurso da sangio: les *__verdade ser parecer — segredo mentira nao-parecer nao-ser — falsidade Os percursos de manipulagao, aco e san¢ao constituem o esquema nar- rativo. Esse esquema, potém, esta formalizado em termos de estados de coisas, j4 que sua formalizacio é baseada em processos de conjuncio ¢ disjungao com objetos de valor. No entanto, uma andlise da competéncia de Garuda mostra que nao é s6 por meio de estados de coisas que a narra- tiva funciona. De acordo com sua competéncia modal, o passaro, desde o comego do conto, ja era competente para realizar sua performance. Manipu- lado pela fome, ele tem o dever e 0 querer; tendo encontrado a tartaruga, ele tem o saber; e sendo mais forte e mais rapido, ele tem o poder. Contudo, mesmo competente, cle cede a aposta e nao realiza sua performance. Cabe perguntar, entio, por que mesmo competente cle nao come a tartaruga, ignorando sua provocacio para a corrida? Porque, além dos estados de coisas, determinados pelas jungdes entre os objetos modais € os objetos de valor, deve-se considerar também os estados de alma dos Sujeitos narrativos, Essa inflexto dos estados de coisas Para os estados de alma é chamada semidtica das paixdes. Garuda cede 4 provocacao porque cle é orgulhoso, ou seja, ele sofre essa pa x40. Com a semidtica das paixdes, o orgulho, a avareza, a célera, © ciume € outras paixdes passam a ser consideradas nas relagdes entre © 18 jeito ¢ seu fazer. Um sujeito corajoso, por exemplo, dificilmente € varde cede melhor a esse tipo de manipu- utro lado, cedem com mais su intimidado, ja um sujcito co lacio. O orgulhoso ¢ 0 vaidoso, por 0 facilidade a provocagio ou a sedugao. Resta dizer que sujeito e objeto, destinador e d m actante nao deve ser confundido a, por exemplo, assume os actantes sujei lador, quando intimida a tartaruga; destinatario e destinador julgador quando, lestinatario sao chama- com uma pessoa do dos actantes. U ; ito quando dis- discurso. Garud puta; destinador manipul: manipulado, quando accita a provocacio, enganado, considera sua oponente como vencedora. Desse modo, 0 pa- pel actancial depende da funcao do actante na realizagio da narrativa. Nivel fundamental e nivel narrativo definem a instancia semio-nar- rativa da geracao do sentido. Em um ultimo plano de andlise a semidtica define o nivel discursivo, responsavel pela concretizacao dessa instancia geral ¢ abstrata em um enunciado particular. O nivel discursivo O discurso do conto indiano realiza-se na forma de um enunciado que, por sua vez, € produzido por uma enunciagao. A enunciagao é uma instancia pressuposta, j que 0 que se apresenta ao semioticista € seu pro- duto, o enunciado, Isso faz da enunciagao a instancia de produgao do discurso. Para que essa producio seja realizada, definem-se um enunciador € um enunciatario, cuja relagao produz a enuncia¢gao. Enunciador e enunciatario podem ou nao ser explicitados no enunciado. Quando a tar- taruga diz: “Eistou pronta para comegar. Vossa Alteza pode ir pelo ar, eu irei pela agua, Vamos ver quem sera o ganhador. Se eu perder, seu pré- mio sera comer-me”, a relagao entre as pessoas eu-tu, que simula a rela- go enunciador-enuncitario, aparece explicitada no enunciado. Os pro- nomes pessoais “eu” € “me” e a desinéncia verbal de primeira pessoa do verbo “estou” marcam o enunciador, e o pronome de tratamento “Vossa Alena € 0 pronome posse sivo “seu” marcam o enunciatario. Esse tipo le faunciasio é chamado enunciagio enunciativa. conto, n é ne em tercei “ sre um igo com muta fome, Cauda pitars gfe de Vsko > la, 0 passaro magico de Vishnu, ruga d avistou uma tartanaga. A tart viou seu interesse superin, antes que a COMeSSe, deveriam apostar uma corrida Para ver mais ripido.” Isso quer dizer que 0 enunciador e 6 enun othe Ue, T quem erg 6 ‘Arig, Sto im. il que se refi nciva, Chat: plicitos no enunciado, pois mio hi nenhuma marea pesse Face tipo de enunciagao é chamado enunciacio enur Nio é apenas a categoria de pessoa que é colocad: a em discur ; SCUFSO pe enunciagio. Ao lado da categoria de pessoa, a cnuncia Pela C40 coloca tamlyéen, ido € o onde do dis. mento do agora ¢ ° turo do verbo ser Sera e da enunciacio, Na enunciacio enunciva 0 tempo € 0 do enfao e 0 espaco é 0 do li as categorias de tempo e de espago, situando o quan o. Na enuneia curs Ao enunciativa O tempo é 0 mo: expaco & 0 lugar do aqui, Na fala da tartaruga, o fu indica um tempo futuro em relagao ao present Na narra. cao do conto, o tempo refere-se a um passado, cuja concomitancia é dada pelos verbos conjugados no pretérito perfeito ou imperfeito, eo espaco é marcado pelos adjuntos adverbiais usados para descrevé-lo, Cada tipo de enunciacao tem, portanto, sistemas pessoais, temporais eespaciais proprios, cuja colocagio em discurso é chamadade debreagem. Cada um gera um efeito de sentido particular. A enunciagio enunciativa, pela presenga do “ew”, € usada nos discursos subjetivos, como o da po- esia lirica, j4 a enunciva € usada nos discursos objetivos, como 0 cientifico € 0 juridico, por exemplo. Embora definam sistemas diferentes, suas di- ferencas podem ser neutralizadas ¢ um sistema pode ser usado no lugar do outro. Na fala da tartaruga ela trata Garuda por “Vossa Alteza” que, embora se refira 4 segunda pessoa “tu”, é um pronome de terceira pes- soa. Usar a terceira pessoa no lugar da segunda afasta esse “tu” da relagio eu-tu, tornando-o, assim, mais distante da relagdo subjetiva gerada por ela. Esse processo de neutralizacao é chamado embreagem. Quando um aluno pergunta para um professor se ele trara as provas corrigidas na proxima aula eo professor responde “trago”, ele usa 0 presente no lugar do futuro, ja que o mais adequado para designar uma acio futura ¢ dizer “trarci”, No entanto, esse uso presentifica a agio, garantindo-lhe valor de Certeza em sua concretizagio. As debreagens e embreagens constituem Por isso, mecanismos de estratégias discursivas, usados para manipulate convencer durante a argumentagio. + fem As categorias de pesso% te Esses mecanismos sao ditos sintatico ia podem se Po € espaco recebem também investimentos seminticos, que 20 Pequera introsugio a semévca temanicos ou figurativos, No caso do conto, trata-se de um discurso fi- tivo, As figuras sto elementos do diseurso que criam a ilusfio de um rencializagio ao mundo natural. Jy possivel por produvir uma re O passarya tartaruga, 0 hago, a arvore rafhalete, 1 \ : : Jesignadas por meio de substantivos concretos, recobrem mu sao figuras do discurso. Tissas figuras, ¢ Selo menos um tema, que No caso do conto é 0 tema da disputa entre o tema aparece lexicalizado em subs- competidores desiguais. Se ape vos abstratos, produz-se um discurso tematico, como sio os discur- sos cientifico, juridico ¢ filoséfico. Se um tema aparece recoberto por ras, produz-se um discurso figurativo, como sio 0s discursos das fa- bulas, das paribolas religiosas, dos mitos e dos romances. Por mcio deme ser disc foras ¢ palavras polissémicas, mais de um tema pode sivizado. No conto indiano, além do tema da disputa entre competidores desiguais, ha o tema da sobrevivéncia entre predador e pre- sa, ¢ ha o tema das relacdes sociais entre as castas, jd que, como passaro miico de uma das divindades principais do hinduismo, Garuda responde . Como as castas sao sustentadas pelo discurso religioso, ha também esse tema no conto, aca pelos valores da casta braminic A manifestagao do contetido e o plano da expressao Tudo o que se disse até agora se refere a formagdo do contetido, Um texto, porém, manifesta-se quando esse contetido é relacionado com um plano de expresso. Deix do de lado pela semidtica em um primeiro mo- mento tedrico, © plano da expresso passa a ser estudado na teoria dos sistemas semi-simbdlicos, Lim muitos textos o plano da expressio fun- Giona apenas para a veiculacio do contetilo, como na conversagio, por exemplo. No entanto, em muitos outros, cle passa a “fazer sentido”, 0 € articulada com uma Quando isso acontece, uma forma da expr forma do conteddo, ¢ essa rela do € chamiada semi-simbolica, Uma pin- tura em que 0 contetido é articulado de \ acordo com a categoria seman- tica 1 ida vs, morte, Por exemplo, pode ter sua e xpressio formada de acor- do com uma categoria plistica dex rs, sombra, de modo que a sombra re- fira-se a morte ea luz, a vida. Copyright —_ tetroforte Todos os ditcitos des Fditora Contexto Montegem de capa e dia Gustavo S. Vilas eramacio Boas Revisao Luciana Salgado Mariana Santana Dados Internacionais de Cataloeacs e Catalogacio na Publics (Camara Brasileita do Liens, op eas (CIP) Livro, SP, Brasil) Pietroforte, Antonio Vicente Semistica visual : 0s percutsos do olhar / Antonio Vicente Pietroforte. 2. ed. — Sig Paulo : Contexto, 2007. - Bibliografia ISBN 85-7244-276-6 1. Semidtica 2. Simbolismo I. Titulo 04-5461 CDD-401.41 "es para catdlogo sistematico: 1. Simbolismo : Semiética visual : Lingitistica 401.41 Epirora Contexto. Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Dr. José Elias, 520 - Alto da Lapa 05083-030 — Sao Paulo — sr PaBXx: (11) 3832 5838 contexto@editoracontexto.com.br www.editoracontexto.com.br 2007 Proibida a reprodusio total ou parca pa da lei Os infratores serio processados_na forma da matey,

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