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Con: Marco Cone composes: Ricardo F. Svs ‘Reviaso; Mora Cares T.Pellonz ‘Supervise Sse Jacoby copyright de Antonio Hobifelat, 1981 “Todos os ists esevados & grove Moreado Aberto, Lids - ue Santo Antonio, 282 epee Fone (0512) 21 8595-21 8601 -90220 Porto Alege» AS ‘San Poul: lus Cardesl Arcoverdr, 2624 - Bairro Pinheiros Fone, (011) B14 8916- B14 9997 - 05408- SH Pauio~ SP H71Ge Hotitelai, Antonio Carlos ‘Canto brasileiro contemporsnee. 2 es Revit 8 stualaada, Porto Alegre, Mercado Aberte, 1988. | amp. (evisto, 6) cpu asa.01811-41081) \ a dices ifabtins par caslog sstetica Literecura braslis: Conto: Hiss 960,016:-341081) onto: Literature basta: HisBria 59,0181)-341091) Pimbrias Literatur basil: Cont: ‘8¢9,0(81)-2410811 Historia: onto: Literatur briers 59,0181) 2410911 ‘969,0(81)-341081) Linererra bras: Histéra: Conte (onto: Retr: Lieratra brasileira 3¢9.0181)-381091) btotecria vesponstval: Rejane Ratfo Klas CRE-10/96 II, Os precursores Como jé indicamos no capitulo anterior, 0 conto bre- slleiro, em sous textos precursores, surge através de impren- sa. Herman Lime, no estudo que fez para ser incluido no sexto volume de “A Literatura no Brasil”, organizada por ‘Aino Coutinho, indica 2 publicacdo de “A Caixa eo Tin: telro”, de Justiniano José da Rocha, a 26 de novembro de 1836, ¢ "Um Sonho”, do mesmo autor, publicado dots anos mais tarde, como os primeiros textos que podem ser classif- ccados como contos em nosso pais." Jé Barbosa Lima Sobri- rho, em obra que citemos no capitulo anterior, acrescenta (© nome de Napoledo d’Abrantes, que no mesmo ano de 1836, e ao mesmo jornal em que J. J. ds Rocha publicave s2us textos, que é "O Chronista”, dava & luz “Werner — Epi sédio da Guerra de Argel", considerando concludentemente ue 6, pots, a partir deste anc que o género, visto de manel- a autdnoma, surge no Brasil, através da imprensa. © costume da publicagio de edicdes em “separata” de alguns destes contos logo se generaliza, sobretudo medida 24 fem que se multiplicam os jomals que dedicam em suas pé ginas espacos 4 literatura, cheganclo mesmo alguns deles @ criar seu "folhetim”, & moda frances.’ € essim que, segun- do ambos 0s autores, surge o primeiro volume impresso, uma reedi¢go de um conto de Joaquim Norberto de Souza e Silva, chamado As Duas Orfas, de 1841. Por isso mesmo, Edgar Cavalheiro considera “o pat do conto brasileiro”, ‘uma vez que este texto serd republicado onze anos depois, acrescido de outras narratives, sob 0 titulo de “Romances & NNovelas" (1852), Alceu Amoroso Lima indicarnos, sinda, a ‘publicagio de “Améncia”, de Domingos Goncalves de Ma~ ‘alles, neste mesmo ano de 18441, como também iniciador do género, ao lado do texto de Souza e Silva. esses se sogu ria © volume de Bernardo Guimardes, de 1871, chamado “Lendas e Romances”, precedido, segundo se pode deduzir do verbete a respeito de Alvares de Azevedo, que consta do “Dicionétio Literério brasileiro”, de Raimundo de Menezes, dda publicagio, em treé volumes, das até entio obras comple- ‘tas do poeta, em que estaria inclu/da a versio definitiva de "A Nolte na Taverna’, de 1862. Contudo, a informagso no 6 completa, pols alguns criticos indicam a data de pu- blicagio do texto como sendo 1855, enquanto outros prefo rem 1878, ‘Seja como for, Joaquim Norberto de Souza e Siiva ppublicou, 80 que parece par conta prépria, um pequenino volume de apenas 35 paginas, na cidade do Rio de Janeiro, fem 1841, com a narrative de “As Duss Orfés", segundo registra-nos @ edigio de "O Conto Brasileio.e sua Critica”, que se inicia exatamente neste ano de 1841, e que, em seus dois primeiras volumes até aqui publicados, chegs a0 periode de 1974.? Tratavase de um trabalho “muito fraqul ‘nho", no dizer de Edgar Cavalheiro, e como os demais vor umes mencionados antes, & exoecdo de Alvares de Azevedo, constituise apenas num texto de valor histrico,e no lite rério, propriamente dito. A posterior publicagio de “Ro- imances e Novelas", om 1852, j4 incluiria outros textos, como 8 novelas “Maria” ou “Vinte Anos Depais”, “O Tos tamento Falso”, além de “As Ouas Ort", agora denomi- ‘nado de romance, @ “Januério Garcia ou "As Sete Ore- i | las”, também chemado pelo autor como romance, atém cde poemas agregados 0 volume. Serve a edi¢fio, em todo 0 c2s0, para mostrar que seu autor permanecia fiel a género, cembora rio restrito 2 ele. A coletines organizade per Barbosa Lima Sobrinho rete, ainda, textos de Jogo Manuel Peroird da Silva, Firmi- ‘no Redriguet da Silva, Josino do Nascimento Silva, Francis- 0 de Paula Brito, Miguel do Sacramento Lopes Gama, Car- los Emilio Adat, Jodo José de Souza e Silva Rio e Vicente Pereira de Carvaiho Guimarées, todos jornalistas, participan- tes ora de "0 Chronista”, ora de “O Gabinete de Leitura”. Poderse-ia dizer que também Varnhagen ¢ Martins Pena, (9 historlador e 0 iniciador de nossa comédia de costumes; praticaram o gnero, embora esparsamente; assim como ‘outros jornalstas da época. Detenhamo-nos, pordm, agora, um pouco, sobre “A Noite na Taverna’, de Alvares de Azevedo. Edgar Cavalhei- +0, que 6 autor de alguns dos molhores estudos sobre o con- to brasileiro, refere-se a “A Noite na Taverna” como real- ‘mente publicado em 1865.* (0 volume deve ser rigidamente classificado no que se cchama de “contos enquadrados”, ¢ que so rlodo de formaglo do género, isto 6, a partir do "Decame ron” de Boccaccfo. Trata-se de um conjunto de cinco narra~ tivas, feltas respectivamente por Solfiar, Bertram, Genaro, Hermann @ Johann, uns 20s outros, enquento bebem em ‘uma taverna, © primeiro cepitulo da obra, na verdade, & ‘uma introdugo, situando © narrador a sous personagens, por sue vez sucessivamente também transformados em nar- adores simultaneamente provocadores e vitimes das aces narradas, A obra se encerra com um sétimo caprtule que, na vverdade, 6 também 0 desfecho da ditima narrativa, a de Johann, em que se v8 envolvido outro dos narradores. Para {que se tenha uma idéia do desvairio @ do paroxismo @ que se chega, enquanto cade uma das narrativas anteriores em ‘geral constréise em torno de um desvirginemento e de uma morte, nestes dois textos finals atingimos cinco mortes, simultaneamente desencadeadas, encerrando-se também ‘ narrativa sem qualquer outra intervengo do narrador 26 primeiro que se limitou, assim, a ermer 0 cenério pare a agfo central Estruturalmente, pelo macabro das situagles fins, fem que existe de tudo, inclusive relagGes sexuais entre i ‘mio e irmé e assassinato de um iro por outro, pode-se dizer que “A Nolte na Taverna’ constitui-s do um epis6dio ‘central, envolvendo Johann e Amotd, além da joven Gi6r- aia, para culo suspense ser plenamente atingido epéiase nas narrativas que antecedem estes acontecimentos, ou soja, 05 do sexto capitulo, narrados por Johann, e depots o deste cho répido ¢ fatal com, que toda 2 trama se encera. Assim, ‘temos, realmente, cinco contos diferentes, embora todos item em torno de um mesrmo toma, e prenhes de citacéos eruditas que. véo de Shakespeare, cujo “Hamlet” serve de epigrate a0 texto, a Byron (que predomina), passando por Dante, Séneca, Booage, Dumas, Tieck, Hoffmann, Goethe, além de filésofos como Schelley, Malebranche, Hume, ‘Spinoze, pletonismo, epicurismo, materalismo e outras mis- ‘tras. © texto 6 empoladissimo, mas nfo hé como neat ‘que Alvares de Azevedo consegue criar “lima”, © lése @ quase centena de pégines de um s6 respiro, embora pulsn- do-se por cima das frases ornamentads, das maltiplas cita- ‘96es, das ordans inversas, dos adjetivos terriveis © por av ‘fora. Brito Braca indica como fonte de Alvares de Azevedo na composiedo dessa obra a edigéo de "’Noches Lugubres”, do espanhol José Cadalso, publicade na "Minerva Brasilien- s0"" em 1771, © quo por sua vez inspirarase nes “Nights” do inglés Edward Young, traduzidas por Bemardino Ribeiro fem 1844.5 A aga destes contos nada tem a ver com 0 Bra ail, como observa Hermen Lima, pois ora se situa em Roma, ‘ora em Paris ou Cadiz, na Espanha. No entanto, reconhece Ine “plano definido e proporgées equilibradas, a despetto de elirante concepefo das suas personagens © de suas situa: ‘9Ges em permanente paroxismo"* sempre girando em tor- no do amor @ da morte. ‘Tris anos depo da publicagdo de "A Noite na Ts: verna”, outro roméntico, Bernardo Guimardes, apresenta fm folhetim seu romance “O Ermitgo de Muquém", que saird, em volume, apenas em 1864. No Rio Grande do Sul, rebatendo @ "0 Gaticho", de José de Alencar, publicado em 1870, Apolinério Porto Alegre fez editar “O Vaqueano” (1872), Neste mesmo ano, ainda, Bernarde Guimardes edita seu segundo livro de hist6rias, na verdade quase novelas, Intitulado “Histérlas © Tradigtles da Provincia de Minas Gerais", que se seguia a “Lendes © Romances’, publicaclo lum ano antes. Iniciage, em resumo, aqui e ali, uma preocu- peel mais forte com alguns aspectos mals localizados do nacionealismo que o Romantismo levantara como bandeira, fe que o Realismo vai coneretizar numa série de obras a que dideticamente se term denominado de “regionalismo”, num sentido bastante estrito como 0 conceltuou Lucia Miguel Pereira: a fixagdo de tipos, costumes @ linguagem loci.” ‘Mas conforme demonstra Péricles Eugtnio da Silva Ramos, ‘durante alguns anos discutiu-se acirradamente quem teria sido, afinal, o precursor desta tendéncia: Bernardo Guima- tes com sou romance, Valdomiro Silveira com seus contos cesparsos em jornals do Rio de Janeiro, Sé0 Paulo e Santos, {6 que seu primeiro livro seria publicado spenas és vésperas do Modernismo, em 1920; Afonso Arinos com os escassos ‘contos de "Polo Sertio" (1898), Coelho Neto ~ conforme reivindicago de um seu fitho, a propésito da publicaeo, ern 1890, de urn conto, “Praga”, pretensamente regionalista = ou ainda outros mais, como um Ezequiel Freire ou um ‘Amadeu Amaral?® Seja como for, conclui 0 estudiaso, “nenhum dos antecessores de Valdomiro Silveira, em todo © Brasil, se contarmas os romdnticos, ou nenhurn de seus ‘conterpordneos foi eapsz de absorver to profundamente © linguajar da regio na qual decorreram suas estérias: no caso, a extensa regio rural de Sto Paulo” e adjacincies. Esta celeuma deve-se, em parte, pelo fato de Silveira tor-se limitado a publicar muito, mas esparsamente em jor- nels, sem jamais reunir seus trabalhos em volumes, de tal sorte que 0 primeira livto, "Os Caboclos”, siria apenas em 4920, como jd vimos, seguido de outros trds: “Nas Serras e-nas Furnas" (1931), “Mixuangos” (1937) e “Ler (1945), sendo que os-trés ditimos ganhariam uma segunda 28 ‘digo apenss trinta anos depois de publicado o Ultimo, ou ‘2ja, em 19752 Um ano antes, publicare-se um volume comemarativo so cantendrio de nascimento do escritor (1873), com estudes de Bernardo Elis e Ruth Guimarées fe uma extense antologia, quando se soube entfo, através ido uma carta escrite a 23 de julho de 1920, a Monteiro Lobato por Agen Silveira (que publicava a primera ediego de "Os Caboclos”), ieriio do escritor, haver um plano bem claro de ediggo num total de sete volumes de ficgdo, in cluindo 0s quatro até hoje oditedos, além de outros dots rounindo suas crdnieas e o outro de assuntos varlados. ‘A polémica serviu, om todo 0 caso, para a pesquisa de: jornais da época, losalizando-se assim os primeitos contos Ge Vaklomiro Silveira publicados em 1894 (e néo 1891 ‘como queria seu Irmo), como segue: “Vinganca’", 17 de janeiro de 1894, no “‘Correio Paulistano”; "Primeira Que- da", a 10 de ferereiro do mesmo ano, no “Diério da Tar~ Ae" @ “Rabicho”, a 13 de setembro do mesmo ano, no "Diérlo Popular”, ambos jornals de SZ0 Paulo. Promotor ‘am uma cidadezinha interiorana, oriundo ele préprio de lume fazenda de interior, foi entre 1897 e 1906, prosume-se, {que Valdomiro Silveira comp8s os contos que viriam a for: tar seu primeira lio, ¢ qué teriam sido fides, entre outros, por Olavo Bilac ¢ Euclides da Cunha, ‘A dificuldade em obter-se suas obres, de um lado, © talvez uma perspectiva demasiadamente generalizante em sorno do regionalism, levou os criticos a dividirem-se em tomo da obra do escritor. Hd criticas extremadamente rfgt- das, como a de Sérgio Milliet, que escreve: “Do autor de Lerdies poderiamos dizer que somente a sua cericatura lin- ‘listica nos interessa, carecondo suas anedotas de quaisquer ra(zes humanas mals s6lidas",“° om cujo caminho sogue 3 1 citeda Lacie Miguel Pereira, embora mais parcimoniosa no ‘comentério, ou Herman Lima, que chega porém a reconha- ‘cer: “urdidura simples e atraente, duma ingenuidade como- Vida, dume ternura eomunicativa, 20 mesmo tempo due Pe- netrados de leve ironia maliciosa, que thes dé um encanto particular, pecam por excesso de modismos, inintelighvel fem a ajuda do numerosd vocabuldrio de que se acompa- rnhem obrigatoriamente, com prejufzo evidente ds emocéo dos valores estéticos”.!! L.dcia Miguel Pereira reconhece, finda, a superioridade do contista paulista, em rolagio 8 ‘Afonso Arinos, quanto & “adequacdo da linguagem de nar- tative, nfl s6 aos sucessos evocados, come, no dialeto dos dlidlogos", uma vez que, “respettando a correc gramatical, vite as tdo desagradéves @ conuns solugGes de continuica de entre o estilo do autor @ o das suas criaturas”, obsorve ‘elo que, alls, & sua ép0ca, Mério de Andrade eprofunda- Edgar Cavalheiro, de seu lado, nege que o™ragiona~ lismo” tenha perdido © autor, porque, segundo ele, “nfo ofa apenas o do vocdbulo, ¢ slm também ~ e telvez princi- palmente — 0 do sentimento”,** no que ¢ apaixonadamen- te seguido por Cassiano Nunes, que tece talver a defess mals vveemente do eseritor, verificando possur ele ums eonscién- tia estética aguda e exigante, e uma “tesisténcia moral a exploragio do pitoresco, que the deveria parecer, sistema ‘ado, uma espécie de recurso fécil, , por conseguinte, esto- tiedmente desonesto”:!* Nunes reconhese no escritor o pesquisador das formas dialetais, constituindo sua obra, conseqientemente, “um caleidoseépio, um microcosmo Tterdrio, em que @ vids calpire, na sua integridade, aparece, tanto quanto possivel, através da apresentacdo dé numero: sat imagens, diversas, mas todas unificadas por dm mesmo alvo: a revelac3o do Homem, através da cireunstancialidade cabocle”. ‘Aqui virla a contradi¢o mais forte com a observaciio cde Leica Miguel Pereira, porque evolve o conceito tradiclo~ ral que se tem do “regionalismo", e que Bernardo Elis, ‘oportunamente, também discute, para preferir referirse @ ‘uma literatura voltads a um Brasil nfo-urbano (no que se refere a seus temas ¢ contetidos) e disletal (no que tange & linguagem, & forma).!? Elis afirma que Valdomiro Silveira foi um “eseritor excepeional, que tudo sacrficou a fideli- dado a uma cultura tipicamente nacional; ndo tral, de con: ‘eessfo em concessio, o ideal de arte que vislumbrava, ema, Cconseguiu realizar vitoriosemente”. A acuracgo, aids, tam bbém ponde sobre outro “regionalista”, este do Rio Grande 29 30 do Sul, que 6 Jao SimBes Lopes Neto, embora the reco- rnhecarn maior estilizagio do texto. Para Bernardo fii, isto nfo. passa de colonialismo cultural contido no concsito de lum “falar incarreto”” do caboclo, quando, na verdade, ele constitui “a Iingua de @0% de populaego brasileira, ontem quase que $6 rural, hoje infltrada por toda parte”, con- cluindo:"s simplicidade, a clareza, 0 despojamento e, acima de tudo, @ poctia o a beleze", s£0 08 elementos bésicos de obra de Valdomira Silveira. Efetivamente, lidos hoje, talvez 0s contos apresentem eventuais dificuldades lexicolégicas. Nao nos parece elas, contudo, intransnoniveis, uma vez que um dos elementos bdsicos de narrativa do contista 6 a pintura, a sugestio de ‘uma paisegem, de uma situagio, de uma cana. Valdomiro Silveira no descreve james. Ele traca répidas pincelades, ‘esbocos amples, e af situa a agfo, nurs imediata identifica fo entre paisagem © personagem, cotsa bem diversa le um. Virgilio Varzes, por exemplo, onde @ personagem deixe de cexistir em nome da natureza, ou em Machado de Assis, em que o homem oprime.o homem. © principal elemento da narrativa de Veldomiro Sil veire, porém, constituise, crefo, em sua humanidacs, Trata- se de um escritor eminentemente étioo (néo moralista, como ne caso machadiano}, no sentido mals amplo do ter imo. Por isso a fixego em conas familiares, as situagdes ca- racteristicas da regido: 0 jogo de “truco”, o fazedor de p sépio, 8 cagada, ab cirandes, etc., ou entéo, 8 preocupecio {do adulto com a5 criangas, dos pals com os flhos e viewwer- ‘2, Cossiano Nunes indica ter ido buscar Valdomiro Silveira 2 vide cabocla do psssado justamente para poder cantéle fem seu momento de maior estabilidade e, assim, em sus estrutura mais simples, © quo the permitiy uma obra que, apeser da fixagio lexical, coloca-se estruturalmente serene f eléssice, Seus processos implicam a aprosentagdo reiterada de elementos de beleza; selego constante do material da natureza e valorizegfo do humano, que implica 2 piedade por seu préximo; tecnicamente, é @ objetividade ne descri- 980, 2 adequacio dos iprocessos estlisticos 40 elemento narrado, ¢ sobretudo a s{ntese, como no encerramento ma: istral de “Aquela Tarde Turva ...",de “Lergias”, & manel- ra-dos grandes mestres, numa s6 frase que tudo diz porque apenas sugere. Dedicande-se, pols, pesquisa da “cultura es pontnea”, no dizer de Rossini Tavares de Lima,'* aobrade Valdomiro Silveira é a prépria hist6ria de nosso pais, 0 que lova Péricles Eugdnio da Silva Ramos, no estudo citado, a valorizar 0 eseritor por trés motives: por seus contos em si; pelo pionelritmo dos temas ¢ formas; a por crier 0 suporte de uma importante corrente que so desenwolveria # partir do chamedo Modernismo, Baste lembrarse, por exemplo, “Camunhengue”, que pode ser aproximado a0 classico ‘Meu Tio 0 lauarete”, de Guimares Rosa, pelo clime cra do, enquanto 0 tema da lapra esté indiretamente presente ro eonta "A Chaga”, de Dyondlio Machado, em “Um Pobre Homem’. Bernardo Guimardes, como vimos, tem apenas dois livros de contos, mas sobressai sempre de sua prosa, a orali dade, ji ragitrada por Antonio Candido, de modo que @ maior parte da que conta tem 0 sabor do "caso" maneira ims tradicional das origens do género litergrio que estamos estudando, Mas disto advém, talvez, 0 sentide de que seus romances constituer-se numa série infindivel de contos, © que © préprio autor nfo descarta sigs, quem sabe, ainds bastante vinculado #0 aspecto folhatinesco ~ isto 6, 8 cria G80 de episédios sueessivos, culminando em miltiplos mo- mentos de climax — tipico a0 gnero que Romantisino consagrara. Mes Bernardo Guimardes colocou o Brasil Cen tral na geografia literdria brasileira, geoarafia esta que de- pois continuaris com Afonso Arinos, em especial, e preten ‘samente com Coelho Neto, mais nas intenedies ~ na verdade — do que de fato ‘© material reunido om “Lendas @ Romances” ¢ "His: torias e TradigSes da Provincia de Mines Gerais” & muito diverso, especialmente neste Uitimo volume, em que encon- tramos um texte de menos de dez paginas (A Cabera do Tiradentes), um outro a que o proprio autor denomina romence (A Filha do Fazendeiro) e reslmente una narrativa média Wupira), de modelo indianista, tipice do roma Mas se escassez 6 0 assunte, Afonso Arinos por e2rto merece nosse ateneio. Porque se em Bernardo Guimarges faltam contos ¢ sobram romances, no caso de Afonso ‘Arinos tudo 0 que temos 6 um total de nove contos, espa thados em dois livas, "Pelo Sertio”, de 1898, e "Hist ria e Paisagens", de 1921 Lela Miguel Pereira vé no escritor uma “aguda sens: bilidace pela paisagem brasiteira”, 0 que é bastente natural, se levarmos em conta um comentirio do proprio escritor, de que nascera no sertio, e, portanto, do assunto ele bem entendia . Para Herman de Lima, tratase de um “homem per- rmanertemente flel 2 suas refzes”, criando cenérios e tipos autdnticos, segundo Wilson Loussda,’7 pois “suas perso gens comportam-se como criaturas comuns, sem ilogismos espectficos, sem facatas de excegfo, 0 que no impede nos deixem es suas histérias de homem do sertdo Imagens de inesqueeivel recorte, em tipos pormanentes, pelo teor t6gico «¢ emocfonal com que, acime de tudo, vivem na sus evoca- 80”, Porque & preciso que se diga: se Valdomiro Silveira viveu 0 ambiente rural ao escrever sous contos, sempre a ‘anotar vivamente frases © costumes, Afonso Arinos ali ns- ‘cou, mas escreveu sempre distante do tortéo natal, numa verdadeira viagem memorial, pois vivia na cidade de Ouro Preto, segundo informa ainds Licia Miguel Pereira. Para ela, hhavia no esst?tor mineiro a mesma “urgéncia de fixartipos © hébitos que a civilizaofo iria fatalmente altorar”” que se pode verificar em Valdomiro Silveira. A linguagem de Afonso Arinos, porém, jé esté mais estiizada, sem o acento sertanejo to forte quanto aquele caboclo de Silvers, possuindo 0 “dom de captar, a um tempo, repercutindo lumas nas outras, prolongendo-se mutuamente, as figuras hhumanes e as Forgas da natureza’”. Se escassos oram os textos destes precursores que até ‘aqui vimos, © masmo néo se pode dizer de Coelho Neto. ‘Sobem a duas vintenas os t/tulos de obras de contos por cele publicadss, palo menos trés des quals, na unénime opi- do seus eriticos,"* representativas: “Sertdo” (1896), “Treva” (1905) e “Banzo" (1913). autodenominado re- ionalista, embora tenha incursionado por todos os estos, ‘ecolas¢ temas, provoca, como se sabe, 2s mais desencontra- dat opinies, ¢ no caso do contista acorre o mesmo. Her man Lima, por exemplo, afirra trataremse de"“contos de rmestre, muita vez vizinhos da perfeigo, por aquele sopro de poesia selvagom, aquela exacerbago de instintos rudes, ‘aquela aguda sensibilidade mestica, em que se fundem Crengas, superstigdes, anseios duma raca curtida de dores © de fracassos, 20 fatalismo do meio, o que Ihe dé a muitas, pigines um frémito épico"”!® Acresconta em seguida:trata- se de uma “exuberante imaginagio do autor, ineapaz de conter os Impulsos de seu temperamento, genuinamente tropical, quem sabe, de sua descendéncta de indio, avatar de paroxismos amezinicos”, no que 6 seguido por Otévio de Faria, que afirms ter naicido toda a flogio regionalista do autor a partir de sua experiéncie de sertS0, de onde a “influ- ancia dos contos ouvides em criancas,histériss, lends, ne- gros cheios de pavores, lendes de caboclos paipitando en- cantamentos, contos de homens brancos, a fantasia do sol, ‘© perfume das florastas, © sonho dos civilizados”, etc. O ‘grande romancista da "Tragédia Burguesa'” afirma que Coe- lho Neto sempre esteve em busca do termo exato, ¢ ndo obstante, eserevie as pressas, de um jato, pols foi uma des 33 cexcegies da época, ao viver exclusivamente do que genhava* ‘como escritor. E conclu Faria: tratase de “obras de seguro ccunho nacional e felizmente preservadas de qualquer vis lumbre de regionalismo sistemético”.?° Lacia Miguel Pere ra, porém, & mals critica, observando que “fantasia, obser- vaedo, imeginago, senso podtico — tudo isso existia nele, tudo isto fol posto apenas ao servico do poder verbal, tudo isso foi reduzido a mero pretexto para frases”, num transbordamento verbal que o transformou apenas num virtuose da palavra, 20 longo de quarenta anos de vida lite- réria, jamais em um artista eriador. E conclu ela: “Se Coe- Iho Neto tinha imaginago, feltava-Ihe apudeza psicolégica” ‘Ainda na linha do “regionalismo", abandonando 0 velo estritamente rural no que tem de interior, para tocali- arse & beiremar, embors, de qualquer forma, distante da cidade, devernos raferir 0 catarinense Virgilio Vérzea, cuje ‘obra, d semethanga da de Veldoriro Silveira, ainda hoje no ‘std inteiramente conhecida, tendo-the sido publicados, no ‘entanto, até ent, cinco volumes de contos,o primeiro dos ‘quais “Tropos © Fantasias”, em parcoria com Cruz e Souza, reunindo contos © poemas, em 1885, @ depois outros qua- ‘ro, sem qualquer parceria, com “Mares ¢ Campos” (1895), “Contos de Amor’ (1901), “Historias risticas" (1905) e “Nas Ondes" (190). A principal importancia:do escritor & 0 “marinhista de largos recursos, na evocacio des paisagens costciras do sul do pais”, conforme avalia Herman Lima, © que ihe vale- ria @ alounha de “o Pierre Loti brasileiro”, com uma grande dose de Maupassant “nas paginas dadicadas @ costa, bret, ainda na observapio do mesmo critica LLécia, Miguel Pereira, sempre mais exigente, afirma que © que sobra de Vérzea 6 exatamente © apenas esto os- pacto, mas Osvaldo Ferreira Mello, no camino de Hermen Lima, compara o matinhista a Herman Melville e Jack Lon- don por sua autenticidade: suas descrigtes, segundo ele, “agradam mals a0 ristico que 20 realista. Ndo obstante, no tocante as descrigées e a0 estudo dos problemas do mati Inheiro do barco & vela, 6 de imoressionante poder narrativo eanelitico”.*? A semelhanga de Valdomiro Silveira, as obras de Vir- ‘tlio’ Vérzea em goral tiveram uma Gnice edigio, havendo inde trabathos inéditos.. Autodidata, o mer foi, pera Vér- 22a, 0 grande tema, de tal sorte que ““ndoaltera os valores diferentes: 0s homens continuam a ser o que eram, vivendo fembora.no oceano © este continua a ser 0 que sempre fol, indiferente eo drama, & tragédie, so pranto e aos risos", segundo Silveira Bueno. Néo restringiuse ele a0 mar, po- rém, uma vez que, conforme se pode deduzir, “Historias Risticas” e “Mares e Campos” também apresentam hist tas do continente ou das ithas, ambora sempre em érea préxima 20 oceano. Griador do conto catarinense, como lembra Cslastino Sachet,?? o ritmo de sua hist6rla é sempre lento, conforme s2us pafsonagens em gua faina maritima: “parece nunca ter ppressa em terminar 2 hist6ria”, resume laponan Soares, aa acrescentendo: “O tempo do conto é lento, os quadros ‘temam-se @ perder de vista, como quem, no mar, otha @ linha do horizonte”, cam perfodlos Lengos, redondos, o tom retérieo.2? ‘Se 08 regionalistas multiplicar-seiam com o passar do ‘tempo, ¢ liso tem sido uma recorrénecia na literatura bras leira,?* a verdade & que também a cidade comevave a c pertar interesses, com sous dramas, © seria justamento em torno dela que, allée, cheger‘amos 20 grande contista do perfodo, e cuja obra pernianece viva ainda hoje: Machedo de Assis, Embrionariamente, porém, 0s irmdos Azevedo, Alu(sio e Artur, também se ocuparam do género. Aluisio ‘apenas de passagem, publicando dois volumes, “Deménics” (1893) « "Pégadas”” (1897), de intense dramaticidade, ber ‘20 gosto da époce, embore curiosamente em estilo s6brio e demonstrando aguda psicologis, como observa Herman ‘Lima, enquanto Joo Pacheco lembra‘quo, no conto, Aur sio distanciou'se do naturalismo ortodoxo, chegando mais préximo & tendéncle anterior do fothetim romanesco ou, ° ‘quisermos, do romance folhetinesco.** ‘Artur de Azevedo, 20 contrétio, dividiu seu tempo fundementalmente entre o teatro © o conto, publicando, sucessivamente, “Contos Possiveis” (1888), “Contos fora de Moda" (1893), “Contos efémeros" (1897), “Contos em \Versos”” (1810), “Contos Cariocas” (1928) e 0 volume pés- ‘tumo “Vida alheia” (1929). No entanto, se havia facilidade ‘e espontaneidade em seu texto, jamais fol ele além da super ficialidade, limitando-s8 a anedotas estruturadas linearmen te, em torn de episédios domésticos, envolvendo e vida de funcionérios piblices medians, pequenos negociantes, em: pregadot do comércio, etc. Sempre soube escrever com ‘raga, mas no se negou a duplos sentidos, por vezes até de ‘gosto duvidoso, desde que servissem para os fins que tinhe ‘em mante, ito 4, distrair 0 leitar ¢ divertito. Nao era o es- tritor sutil ou fino que encontraremos em Wiachado de Assis. De forma detpratenciosa, buscava apoio no enredo, jamais nas pelavras com que o arrava. De qualquer mane +a, 0 plblico consumia suas obras avidamente, e isto pode se conclu pelas miltiplas edigdes que sous livros tivaram. Contudo, “se © nosso conto fiterério no comegou ‘com Machado de Assis ~ firmou-se com ele, rexebendo-the das mflos trata que nenhum dos outros anteriormente the haviam dado @ feieo nova e caracterfstica com o interesse dos temas @ alinho e culdado do estilo”, aflema Hermen Lima. Machado de Assis comegou 2 publicar contos em 1960.2 Dez anos depois lancava seu primeiro volume de natrativas curtas, sob a denominagéo de “Contos Fluminen= ses”, Este volume, junto com “Histéries da Meia Noite"” (1873), constitul suas primeiras tentativas ainda desequill- brades, de estilo modelado pelo romantismo. Mas 0 escritor sabe 0 que tem em mios, exercitase continuamente, explo~ ra formas @ téenicas, conforme ainda demonstra Sdnia Brayner, atravéé do exame de suas colaboreodes, em espe cial 4 "Gazeta de Noticias”, entre 1881 @ 1897, onde aligs, Machedo de Assis também publicava suas crdnicss, de sorte que @ estudiosa chega a affrmar que © cronista sjudou 20 contista, pois “‘deulhe maleabilidade 20 texto, comunica- tivo e interessante?” Os ceflexos desta experimentagdo ‘ocorrerio especialmente nos volumes que se seguem, ou seja, "papéis avulsos” (1882), “Historias som Data” (1884) @ “-Vérias Hist6ries” (1896), quo apresentam pequenas altera 8 om relagdo 20s toxtos inicialmente clivulgados, mos trando que 0 escritor continuava persequindo @ melhor forma. Aliés, 6 importante lembrar-se, como o fez Barreto Filho, que “Papéis avulsos" e “Histérias sem Data" so pu- billeados entre a edigfo de “Memérias Péstumas de Brés ‘Cubas" € “Quincas Borba”, e trazem pelo menos dois dos mais significativos textos machadianos, “O Alienista” e “Teoria do Medalhio", constituindo-se as duas coletiness ‘em verdaderas colegdes de “‘pequenas obras-primas, da mais variada qualidade”: Machado de Assis atingia sua maturida- de de escritor ¢,assim, conto romance saermihe parelhos, ‘em pleno dom{nio da ironia, por exemplo, que faz seu pri- rmeiro aparecimento em alguns textos de "Historias da Meia Noite”, como lembra Joo Pacheco,?* enquanto que o fino humor pode ser melhor detectado a partir do live seguinte. Publicando os contos dos dois primeiros livros no “Jornal das Familias”, Machado de Assi do didlogo, dividindo as narrativas em curtos capftuios, © que bem se entende por virem publicados em folhetins Jos jornais. Assemelhamse, assim, 2 uma cadsia de ce ns draméticas, & maneira do testro que o éscritor cheyou @ fexperimentar, sem malar sucesso. Se estes textos, conforms observa Barteta Filho, sfo “mofinos, teteantes, com acertos eventuais", identificando-se como "pecas de principiante, construidos da material recolhido atbitrariamente (. . -, valemm pelo equilfbrlo que procuram estabelecer entre a ten: déncia romntica e realista, no tretar 0 tema amoroso, que é predominante”, @ revelam, de qusiquer forma, o desejo “de ir realmente a alms da personagem, o gosto da anise psico- légica em profundidade”, o que efetivamente ocupé-lo-8 ro futuro,?? levando Joo Pacheco 2 observar que quan- to mais se desenyolve © artista, diminui o enredo do conto, que se amplia numa ospécie de “demonstracio prética” de uma teoria ou concelto que 0 escritor possul pretende deservolvar 20 leitor, ¢ de que © conto 6 a exemplificagio, advindo da( algumas das formas escothidas por ele, como o apélogo, a epistola, a parédia, a fantasia, 0 didlogo, etc., ‘como aflrme Sénia Brayner. ‘Autor de mais de duas eentenas de contos, Machado de Assis deixou sua marca inconfundivel em textos como que so encontra em “Paginas Recolh (1899), seguido de "Roliquias da Casa Velha” (1906), “altima livro de contos, publicado em vida do sseritor; of citados “0 Alienista", “Teoria do Medslhgo", a que se pode acrescenter “Cantiga do Esponsats", “Um Homern Célebra", "Uns Bragos", etc, A nomeagio dos contos é quase infinita, mas pode-e estabelecer uma tipologia geval, como 0 faz Sénia Brayner, indicando elementos como 2} 0 incidente maresnte; b) a andlise de motivapdes psicolégicas; ©} 2 uttlizagdo de formas literérias eléssicas com sentido emonstretivo e inten¢o moralizante; d) andlise de um ceréter ou tipo; 8} narrador onisciente, ¢ assim por diante, mas que poderlamds sintetizar, numa Gnica frase, quem sabe, lembrando que um tema subjacente ~ mas fundamen: le-se forternente tal — 60 da loucura, de onde se conctui: Machado de Assis sempre s© preacupou em mostrar personagens que ou ad rem ao sistema ou passem a ser por ole agredidos e margi- ralizados, de tal forma que sucumbem de maneira mas ou ‘menos violent, “Teoria do Medalhiio” expressa 0 principio teérico bésico, que seré retomado no romance “Quincas Borba” com maior dramaticidade. Mas, demonstrativamen: te, encontramo-le tanto em “Um Homem Célebre” quanto ro até certo ponto trégico "Cantiga de Espontais”. Eliane Zagury indica ser provavelmente "“Histéries sem Data" o livra mais equilibrado do escritor na éree do conto, © que em nada surprecnde, pela época em que & publicado, Explica ela que para este volume convergem "todas as diretrizes da ficefo de Machado de Assis, o que, por si £6, transforma o livro numa amostragem de enorme interesse eritico”.?® Licia Miguol Pereira, ndo se deve es- quecer, considera que justamente neste género que Ma- chado de Assis eriou suas obras-primas. Ndo podemos dei- xxar_de lembrar, igualmente, que alguns dos curtos capitulos de seus mais conhecidos romances, em especiel “Memérias Péstumas de Brés Cubase “Quinces Borba”, constituem- s, efetivamente, em pequenos contos, e por vezes assim sfo encontréveis em antologias escolares menos honestas A vordade & que o “‘conto tornotse em suas mos rmatérla dctil, com fisionomia reconheotvel, no qual exer- cia a magia encantatéria de suas variages sobre o tema pre- dlleto:a humanidade com seus vicios inteporais”, em s- pocial a “classe média urbana surpreendida na construcio de sua Imagem”, conforme sinda observa Sénia Brayner. Els porque, ultrapastando seu tempo, Machado de Assis surge come o precursor e, simultaneamente, o autor jéfir- mado do conto brasileiro no século XIX. Noras 1 LIMA, Herman. "Evolugi0 do Conta", in: A literature no Breil, {org de Afrinio Coutinho. Rio do Janeiro, Ecitoril SueAmericana SA, 1971.¥.8. 2 LIMA SOBRINHO, Bartors, Penorame do conto bratilir, “Os precurtores Rio de Jareto, Ciillanfo Brass, 1980, , 1 3.GOMES, Coluta Mocece fora.) 0 conto bras # sun critic. Rio ide Jbnsiro, Biblioteca Nosionc, 1977. (Colegio Rodolfo Garca), 2. 4 AZEVEDO, Manuel Antonio Aivaces de. Noite na Taverne, ola primeira wed, segundo 2 "sibliogata do conte brasileiro” aque fot reportemo: ne not 3, siu am 1855, sob 0 titulo geal do "bras", em dois volumes, pale Tipografie Leemmmert, do. Rio de daneira."A sdiggo mate recente & 9 do Ecitora Trés, na colecSo "Oboe nortas 68 nose Iteratur, Ske Paulo, 1973. v.23, SBROCA, Brito. Romintices, pré-xoméntoes, ultreroméatices. ‘fa Pave, Paizsnetuto Nalonal do Livro, 1979, 8 Lina, Herman, “Evolupfo do Canto", in: A literatura no Bra (org, de Atrio Coutinha), a de doncira, Editorial Sutcameria 19, 1971-¥.6. 7 PEREIRA, Lucia Miguel. Fras de foro, Rio de Janeiro, Joxé Otyenpio, 1987.9. 180-1 8 RAMOS, Hcles Euginio do Siva, "Valdomira Silveira © a8 ox gens do reglonalsme sertancjo em nossa fieplo",profécio a Nas Sor tas nas Fumas. Ro de dacelra, Chilagao’ Brailes Initia Nacional €0 Liv, 1975.6. XX a XXII 9 Gata iniitive devou-e 4 Ealtoa Civilzapfo Braslelra@ oo Inst sto Nicional do Livro, por oestso da passagem do contenrio de ascimenta do autor, om 1873. Os volumes sata em 1975. JO MILLET, ségio, to, 0p. dit, 8.33. nad Herman Lima, am Varig sobre 0 oon 17 Linea, Hermon. “Evolunie de canto" conforme note 1, pa 12 PEREIAA, Licie Miguel, op. 6, P. 197. TSCAVALHEIRO, Edgnr. "O conto paula”, in: Panarame do canta braloire, Rio de Janeiro, Civitagio Brasileira, 1988. p. 18 16 NUNES, Caslono.“Vaidomica Silveiea: um Sistema do Delicace 13", proféclo 9 Mixuangos, Rio da Janeiro, Cillzseso Brsleres- tui Nacional do Li, 1978. p. XIX 1SELIs, Bernardo, “Valdomiro Sivira” in O mundo exboclo de Valdomiro Sima, io de Janeiva, José Clympiosnstitute Nacional do Live, 1974. XIV. 39 olloce do Bratil na obra da Veldori retéclo a Lavdlas, Rio de Jenlro, Chilizarao Basler Intiuto Necional do Livro, 1875. p. XK 17 LOUSADA, tion, “0 Repionalione na Fie, Ciclo Cental", in: A fitraturs no Bra (ora. Afrénia Coutine), Rl de sansa, Ealeorat SuAmericana, 1969, 3. p. 252. 18 cats 6 2 relasHo complet de lvrat de eontot de Coelho Nero: “"Ropeéaie” (1891), “Boladihas” (1294), "Fruto pribido" (1895), "Serio" (1896), "Romanceiro” (1898), "Seara de Rute" (1898), “"Lamerna_ Mdgics” (1888), "A Bico de Pana’ (1804), {n905), “Agua de Juventa" (1808), “Fabulsio" (1807), “Jardim das. Oliveles” (1908), "Vida, Aundans” (1803), "Conas« Pert” {1910}, "Benzo" (1943), “Melusine” {1913}, "Corwerens” (1522), “amor” (1924), “Contos da Vida e da Morte” (1827), "Velhos 8 Novos" (1828), “A “Cidada’ maravihosa” (1928) @ “"Vancidos” (1926). Alguns autores citam sinda "Album de CaliS3” (1897), que no encontramos confimedo na bibliogratia da Sibliotcs Nacional 19 LiMA, Herman, “GvolugSo do Conte" In op. lt, p44 20 FARIA, Octavio “Lima Barreto-Coetho New”, In: A literatura no Brasil io de Janeiro, Editorial SuiAmercana, 1968, vs 3, 2126216, 21 MELO, Osveldo Ferra de. Intradusso & hstria de Heeratura cxtarinence Porto Alegre, Movimento, 1980. p. 79. 22 SACHET, Celestine. A Iteratura de Santa Catarina, Flovianépo- is, Lunardi, 1978. p. 62. 23.SOARES, Isoonam. Panorama do conto cxtarinene, Porto Ale ‘0, Movimentorneitto Nacional do Lio, 1974, p. 8 24 ZILBERMAN, Resina. A Itertura no Rio Grand do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1880, p.32. 25 PACHECO, Jogo. O Resllmo, (A Literatura Breit). Sto Paulo, Edhora Cut, 1963.¥. 3.p. 153. 26 sina Brayner loealizou 0 que se considera o frais remoto conto de Machado de Asis, sb 0 Htule “Teds tesouros perdidos”, publi ‘edo em janeiro de 1858, no Jornal "Marmata Fluminerss”, Ver (0 conto de Machado de Ass, Rio de Janeiro, Civlizaao Braslers- Instituto Nacians! do Liv, 1980.8. 27 BRAYNER, Sénia, Labirinta do espago romanesco, Rie de Jo hsio, Cvilizagae Braalira-insttuto Nacional de Livo, 1878. p. 67. 28 PACHECO, Jodo, op. ct, p. 69 28 BAARETO FILHO. "Machado de Asie, Jo: A Literatura no Brae (org. de Afrénio Coutinho, Rio de Janeiro, Editorial Sul ‘Amaricana, 1969.3. p. 138-20. 90 ZAGURY, Eliane. “Proficio", pare Histrias sem data (edicso certiea d2 obra de Machado de Assch, Rio de Janeiro, Cvlizapdo Brasleie-nattuto Nacional do Liveo, 1975. p. 12 111, Os pré-modernistas Este capitulo, que envolve autores tradicionalmente lassificados “pré-modernistas", deve iniciaimenta os clarecer concuitos; pois englobaré tento um escritor como Xavier Marques, que estréia em 1886, com “Simples Histé Figs”, publicando depois mais duas obras de contos, a dit ime das quais “Terras Mortas" (1936), quanto um Adelina Magelhies, um SimBes Lopes Neto, Lima Barreta ou Mon: teiro Lobato. Aparentemonte, pois, ums “goléia geval” 0 primeiro dado a lembrarse aqui, em todo a caso, & 2 influéncia que Coelho Neto estave » exeroer na maiorla dos escritores de seu tempo, quer estivessemshe a favor, quer contra, como Lima Barreto, © segundo dado 2 levantar & que, tradicionalmente, considera-se este como um perioda de “transigio”, esca pando-se assim @ maiores problomas de caracterizagio e es ‘tudo, A indefinicdo define Poderd inclusive surpreender que tenhamos inclutda Xavier Marques neste capitulo, ao invés de a0 anterior, sobretudo se levarmos em conta que ele é também um pre- ‘cursor, 20 constituir-s no primero autor @ incluir a cultura balana na ficsio brasileira, tanto quanto Hilgo de Carvalho Ramos, com seu Gnico livre de contos, “Tropas e Botades”” (1917) feria 0 mesmo com seu estado de Goids. Pare termos pontos referonciais com que trabalhar, pols, queremos deixar claro que adotamos os conceitos ‘que David Sslles utilizou em sua excelente interpretacéo critica da obra de Xavier Marques," e que podem ser esten- ides a todos os demais autores do perfodo de medo geral, ‘assim como ao perfodo em si, como se pode depreender de lume outra obra acadimica, em torno de Lime Barreto, de que também aqui nos valemos, uma vez que uma com- pleta a outra,? aléin de conciliarem-se com alguns estudos ‘outros sobre escritores modernistas, j6 cléssicos neste momento? Diz Devid Salles que para a boa compreensio de um periodo literério, ou de uma obra, especificamente falando, dove-se relacionar a série artistica com a histérlea, O que ‘corre neste parfoda? A Aboliego da Escravatura, a Repi- blica (ow um galpe de estado militar, 0 primeiro de uma série que se perpetus ainda hoje),* uma crise do café que surge nas ditimos anos do século passado, a inflagdo violen- tissima da passage do século, uma harmonia preciria de poderes na administraggo piblica, até uma primeira defini- 80 com 0 movimento de 1920, a asceneéo burguesa que corre especialmente sob 2 infludncia das substituicdes de ‘menufaturados europeus, durante a { Grande Guerra, etc, Na série estética, multiplicamse os “ismos" encontré- vels: a uma evidente passagem do Romantismo e mesmo do Naturalismo, perambulam aqui o Impressionismo, 0 Simbo- lismo, 0 Parnasianismo @ algumas colsas mais, enquanto um “vegionalismo" variado esprais-se constantemente. Cruz Souza, Olavo Bilac, morte de Machedo de Assis, Coelho Neto, Lima Barreto, sfo, talvez, os referenciais mais impor- ‘antes, culminando com os jovens rebeldes madernistas de 1922, em So Paulo, Mas disso nos ocuparemos no capitulo soguinte 43 Costuma-se dizer que o século XX atrasara-se em pelo menos duas décadas a surgir na Europ, vindo empurrado pelo fragor das batalhat. No Brasil, a querra-era diversa, e espraiava-se desde o projeto literrio-nacionalista inaugura- do por José de Alencar. Implicava uma auto-afirmacgo, am especial frente a0 Vetho Mundo. A concentraco popular clonal nas cidades facilitara a busca de uma “civilizacdo”, evidentemente importada (¢ mal assiilada) que implicava (© que David Sallos ¢ outros estudiosos chamario de “‘orna- mento”, artificio absolutamente externo que visava dar a afirmagio necesséria a obra: as casas recebem omamentos, também a5 vias pablicss, os prédios administretivos, e no ‘menos a literatura. Por isso, hé uma evidente & erescente ppreocupagdo com o lustro da palavra: Xavier Marques & elogiado ern sou tempo pelo classicisimo do tom, pelo ele- gante da forma; Adelino Magalhdes esmera-se numa lingua gem que muitos aproximam do stream of consciouness; Li- a Barreto ¢ Monteiro Lobato glosam as gramatiquices @ o ‘limo inaugura uma linguagem desabridamente oralizada; ‘Simées Lopes, Alcidos Maia e Hugo de Carvalho Ramos, na rota regionalista, criam um segundo ntvel de regionalismo, ro dizer de Lacia Miguel Persira, que no mais e limita em descobrir extasiado 0 sertio ou 0 ambiente rural: documen: tam-no sociologicamente, embelezor-no estilsticamente. Enquanto alguns aspiram & Acsdemia mas s80 por ele tejeltados (Xavier Marques.entraré apenas bem mais tarde: Lima Barreto jamais concretizaré 0 sonho), outros rejeitarn 1n8 (como Monteiro Lobeto), © uns poucos aldangam-na (como Aleides Maia). Em todos, & evidente ume dendincia ue, se nfo esté explicita, como em Lima Berreto, Monteiro Lobato, ou Alcides Meia, encontra-se inplicts, latent, ‘como em Hugo de Carvalho Ramos ou Sim@es Lopes Neto, Els, em resumo, os grandes tracos deste perfodo, talvez de ‘ansicéo, sim, mas de ebsoluta coeréncia com o seu tempo, por isso mesmo, unitério, desde que visto a partir de si mestio. Xavier Marques, & semelhanga de Virgilio Vérzea, & ‘um marinhista, situado na ilha de Itaparica, Autor de ts livros de contos e algumas novelas ¢ romances, tam ovidente “eansibilidade plistica”, sem contudo, sacrificar a natural dade, criando paisagens tomadas 20 vivo.S Lécla Miguel Pereira afirma que o oscritor nifo 6 exa- temente um “regianalista” no sontido mals estrito que elp era 20 termo, pois é mals generalizante em suas observa- 60s, embora acentue excessivamente o pitoresco e termine por apresentar “descri¢tes parclalmente rebuscadas".* Este anataclo explica-se se observarmos que, no aff de fixar 4 paltagem ou mesmo registrar detalhismos de sentimentos ou de elementos — raramente draméticos, isto &, intrine secamente ligados & cena — Xavier Marques alonge-se na descri¢fo, atrasendo a narracio, 0 trando, pois, 20 texto, sua dindmica propria. Alfredo Bosi rogistrathe “tons roménticos”, mas reconhece:the, de original, “a estilizagdo do folelore prai £0,” com o que voltamos justamente & caracteristica bésica 60 perfodo: © trabalho formal com a tinguagem, fazendo com que, apesar dos eventuais vocdbulos regionals, encon- ‘tremos frases escorteltas, dentro do Jargio lusitano mais cas- tigo, como se v8 nas duas séries dos "Praisiros”, reunindo contos e novelas do autor, o que dé um certo tom de artifi- -gjalismo & sofo, Apesar disso,.observa-se uma movimenta fo criativa nas virias conas aprosentades, Inclusive,como fo caso de “Maria Rosa", podendosse notar js a antecipacdo cinematogrSfiea do “corte” e:da conseqliente montegem, que se iia desenvoluer através de Eisenstein ou D. W. Griffith © proprio regionalism. “civilizavase", tornando-se, com um Alcides Maia, por exemplo, “forma altamente tra- balhada e de evidente preciosisme'de concepeéo, o que no, Impede, no antanto, sejam também paginas das mais expres sivas do sentir e do viver do gaticho", no dizer de Herman Lima? ‘Alcides Maia estrdia um ano antes que Simées Lopes [Neto na fiege curta, com “"Tapera”” (1911), produzindo depois um romance e bem mais tarde um nove livro de cof- tos, “Alma Bérbara” (1922). Suas historias “logo se, im- péem (pelo dom evocativo), a riqueza dos segundos planos, a verdade dos detalhes, a acuidade nervose com que. so 46 eproduzidas impressées fugitives de paisagens © emogées", afirma Augusto Meyer, reconhecendo, porém, que "preju- dica-o, sem divida, crta falta de perspective de conjunto, © ‘9 amor & mindcia,& prosa opulenta, de sabor euclidiano”.? ‘Alcides Mais provocou uma eélebre polémics entre Paulo Arinos (Rubens de Barcelos) e Moysés Vellinho,'? justamente pela meneira com que via suas personagens @ manipulava-as — sfmbolos de uma “raga’" em extingéo, para usar um terme seu, gragas a0 “progresso” que assolava @ provincia, Sua posiggo fol considerada por Vellinho, ¢ ou- tos crfticos, na época,-como um reacionarismo inedmis vel. Mas emibora se posta reconhecor certos exageras nos posicfonamentos do escritor, a verdade é que Maia foi tal- vez © primeiro a denuncier, e inclusive veementemente, as precérias condigdes do pedo de estincia, que jd Aquela épo ca, era “forgado” a vender seu campinho ao grande proprie- trio, largando-se muita vez pelo sertdo, até o Mato Grosso, u para outras terras mais préximas. O que se poderia con- denar em Alcidas Maia, porém, é 0 beco-som-safda om que le coloca suas personogens, pols em goral no thes vé safda, armando 60 mesmo tempo densa arquitetura estilistica para sustentarthe os dramas ¢ as indagacdes, assim expressa por LLicia Miguel Pereira: “a sua nostalgia o levou a traduzir de modo vivo © drama dos sobreviventes de uma época mor- ‘ta, Assim, a0 mesmo tempo em que denuncia, a obra sofre dda falta de perspectivas, e.termina, incosrentemente, por mitifiar © passado, sabidamente nfo muito melhor que 0 presenta, ~ contradigfo que, em parte, pode-se também observar em SimBes Lopes Neto @ sobretudo em Lima Bar- reto. Seja como for, “ele saube criar o amblente necessério para 0$ feltos que evoca, soube criar a sua prépria realidade. (0 seu mundo (. .)serd melancélico e depressivo;o que im- ports, parém, 6 quo sela, como é, comovente", reconhace LLécia Miguel Pereira em seu estudo. Diverso é Jodo Simées Lopes Neto, cuja bibliogratia na rea do conto retine dois volumes seguidos, “Contos Gauchescos”, de 1912, e “Lendas do Sul”, de 1913, e de pois de um longo siléncio “Casos do Romusldo”, publica dos apenas em 1952, gragas a Carlos Reverbel."* ‘Com Simées Lopes Neto estamos ante um auténtico posta, © que oferece a0 leitor atento uma série de fascinan- ‘es problamas literérios. Seus “Contos gauchescos”, por exemplo, esto nitidamente marcaclos por uma ética assim reconhecida por Herman Lima: “ind nos contos de Simées Lopes Neto, nfo raro, frémitos de epopéia, relevos de grt ‘pos escultéricos, uma como quearandeza orquestral de sin- fonia, tudo um jogo de Tinhas mestras e que nada rompe, ne sua sbbria harmonia, a solidez do monumento””.** ‘As fontes bisicas de Lopes Neto sfo a tradigéo ora} que ola descobra « a que se afeicoa em longas pesquisas que faz, como profissional de jornalismo, ap6s interromper seus cestudos de medicina, no Rio de Janeiro, regressando & cide de natal de Pulotas, Mas SimGes Lopes Neto ¢ caper de oF ‘ganizer. o material, primeiro como pesquisador, no “Can: cioneiro Guasca”” (1910), para depois utilzé-lo literaria: mente, interferindo de maneira a dar nove sentido dquela matéria-prima, que se engrandece, assim, pois ele “realiza 0 milagre do. uma criagéo literdria em que a ambivaléncia de autor @ eriagGo so confunder de tal forma que muita vez ‘0 narrador passa, insensivelmente, do escritor para a prépria personage, obtendo-se com isto um extraordingrio vigor de evocacdo e de emoeio”."? ara isto fol criada a figura ~ real ou imaginéria, importa, porque literarlamente verossimel ~ do crioulo Blau Nunes, com seu “desempenado arcabougo” de 88 anos de idede. O narrador — de assist, lembrar, ouvir contar ou sere comuniced — trensmite seus conhecimentos a0 dou to interlocutor, 8 quer ole serve de guia em extenses andan- as, E evidente que Simées Lopes Neto valese da mais anti ga tradigo do “conto enquadrado”, a que jé temos nos re- ferido neste volume, mas 6 capaz de dar-he extrema natura- lidade, gracas & linguagem, aspecto muito bem salientado por Litcia Miguel Pereira: “embora seja de linguagem mais dialetal, porque rica de substrato humano e sélida ne sue contextura, é a (obra) mais sugestiva do nosso regionals mo”, porque nele “tudo é auténtico e consistento”. Daf a7 48 sua subsisténcia, uma vez que, no dizer de Augusto Meyor, “hd nele um equilibrio perfeito entre as fontes da inspira- ‘fo e 0 sabor da linguagem”,"* fazendo com que, “tratado por Simées Lopes Neto, o mais banal dos nostos temas campeiros, 0 elogio do cavalo, embora mantido nos limites, dda expresso com que the serviu de modelo, atinge uma puroza quase absoluta de originalidade', ainda numa cita- fo do mestre da critica brasieir,"® ‘As “'Lendas do Sul, segundo relata o mesmo Augus ‘to Meyer, am antolégico estudo,"? ao seir pela primeira vez acabave por revelar 0 texto de “A Salamancs do Jarau”, justamente aquele que maior curlosidade desperta no leitor, por Sor 0 mals bem acabedo, ¢ retomar, como personagem & narrador, 20 mesmo Blau Nunes dos contos, que se encon- tra, por, ausenta dos outros dois relatos, Se of contos. do livro anterior existem sob a ética, as lendas formam uma histéria 6tnica-antropolégica-cultural da Provincia de Sé0 Pedro, com suas influénas indigona, éraberibérice e, enfim, africana, resumindo-se af, igual e especialmente a partir dos decos da lenda central, tods a historia de Provincia, desde a invasé0 ardbica da Pentnsula Ibérica, até a criaco dos Sete Povos, a Revolucdo Farroupltha, a Guerra do Para {guai e por af sfora, conforme jé demonstrel em um pequeno ‘e por ehquento ainda precério estudio. ® Quanto 005 “'Gasos do Romualdo”, sabe-se teram sido ppublicados bem anteriormente, na forma de folhetim, em tum jornal pelotense, em torno de 1916. Sio nitidamente dliversos, no tom, no estilo @ nas intengies, dos demals Coneretizem 0 xiste encontrével num dos contos, que o gaticho faz em relapio ao agricultor, menosprezando-o por info saber sequer montar em um cavalo, Romusldo, podese ver bem nas primeitas péginas, 6 um contador de histérias falsas, impossiveis, fantésticss, humor stices, que bem reflo- tem crencas e ingénuas erendioes rurais,, que mais tarde haveriam de ser vituperiades por Monteiro Lobsto, a propé- sito do caipira, No entanto, em SimBes Lopes nfo so consti- tuem em elemento dramético de fraqueza, antes ern passa ‘tempo inconseqiente, talvez porque, embora lamente os “tempos antigos” quando no havia carcas, narredor e excri- ‘ | | | | | | I | i | | | I i i tor, identificados, no cogitam em contestar a estruturs cexistente, como bem se depreende da jé apontada tonelide= de ética das narratives, om especial no conto “"Trezentas ‘Ongas™, em que se ultrapassa 2 questdo critica das diferen- tes classos socials, imperando um conjunto de valores que paire acima de tudo © mais, nfo importa quem os erie @ {quem os cumpre, quem lucre ou perca com eles. [Um pouco diferente é 0 regionslismo do goiano Hugo de Carvalho Remos, que comeca 6 escrever seus contos 20s quinze anos de idade, publicando-os aos vinte e dois (em 1917), € felecendo nove anos apés, deixando 0 volume “Tropas e Boiadss” como sua contribuiggo ‘mice, mas defi- nitiva, as letras brasileira, e crescentemente valorizado hoje fem dia, gragas 20s estudas de Cavalcanti Proence e Gilberto ‘Mendonca Teles, dentre outros. LLdicla Miguel Pereira reconhece-Ihe intengio de de- nincia evidente, o que para ele constituiria uma nova fase do regionalismo nacional, com a presenga de uma constante “mota-de revalta”, havendo nga mals e apenas” # cor local ((8) que sobretudo interessa ao autor a sorte das criatu Cavalcanti Proenca, que fez extenso e aprofundado. estudo em torno dé cronista, mostra que em sua obra,""tu-= do & verdade, tudo 6 certo, tudo 6 fiel @ artstico na prosa eloqiente”,?® havendo farta sinon{mia, preciséo de mi clas do documentarista, o que por vazes até cria alguns pro- bblemas 30 desenvolvimento do enredo, ne observagio de iberto Mendonga Teles, a propésito, por exemplo, da novela “Gente da Gleba’, sua mais ampla narrativa prasente ro volume.?* Para o também goiano @ critica, na obra de Carvalho Ramos temos o "sertHo visto e sentido no de longe, (as) de dentro, de dentro de uma grande alma criadora, cula Intuigdo artéstica ‘perde sus prdprie personalidade no tema de sua criaglo, eleva sua identificago to longe que na rea- Tidade se converte em criagio de si mesmo’, para user pala- vras de Franpois Mauriac”? ‘A documentagto eneontravel no escritor néo & apenas 1 dos us0s © costumes, mas também do vocabulério, valen-

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