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18. O Treinamento EM HasiLinades Soctats Vicente E. Caballo I. IntTROoDU¢AO © treinamento em habilidades sociais (THS) ¢ uma das técnicas de terapia comportamental mais utilizadas atualmente. Porém, também é uma das mais dificeis, jA que requer conhecimentos de diversas areas da psicologia e, além disso, encontra-se notavelmente determinada pela subcultura na qual ocorre 0 comportamento que vai ser treinado. Muitos outros fatores podem constituir aspectos controvertidos da técnica. Todavia, neste capitulo nao vamos nos deter em assuntos tedricos, mas tentaremos desenvolver uma exposigao eminente- mente pratica, que oferega uma seqiléncia estruturada ao leitor interessado no conhecimento do THS. A primeira parte sera dedicada aos elementos historicos, conceituais e empiricos da técnica, para centrarmo-nos depois, fundamentalmen- te, no procedimento e seus elementos, e continuar com a descrigao de algumas estratégias Uteis para o formato grupal, finalizando com um breve aparte sobre a aplicagao do THS. Il. Breve Historia pA FormacAo pas Hasitipapes Socials O campo das habilidades sociais (HHSS), que teve sua época de maior difuséo em meados dos anos 70, continua sendo uma area de continua pesquisa e aplicagao. Atualmente, continuam aparecendo freqlientes trabalhos sobre esse assunto, seja em forma de artigos, livros ou capitulos de livros. Enquanto que nas décadas de 60 e 70 foram assentadas as bases para o desenvolvimento e a investigag&o sobre o constructo das HHSS, na década de 80 foram sendo Universidade de Granada (Espanha). 362 Manual de Técnicas de Terapia e Modificagao do Comportamento incorporados progressivamente os resultados obtidos em outras areas da psico- logia e estabeleceu-se definitivamente a inclusao de numerosos elementos de orientagao cognitiva. As origens do movimento das HHSS s&o atribuidas com freqiiéncia a Salter (1949), um dos chamados pais da terapia comportamental, ea seulivro Conditioned Reflex Theraphy. Algumas de suas sugest6es sao utilizadas atualmente, com algumas modificag6es, no treinamento em habilidades sociais (THS). Salter fala de seis técnicas para aumentar a expressividade dos individuos. SAo elas, a expressao verbal e a expressao facial das emogées, 0 emprego deliberado da primeira pessoa ao falar, 0 estar de acordo quando se recebem atengées, cortesias ou elogios, 0 expressar desacordo e a improvisagao e atuagao espon- taneas. Posteriormente, Wolpe (1958) retornou as idéias de Salter, que até entao nao haviam tido muita difusao, e as incluiu em um capitulo de seu livro Psychotherapy by Reciprocal Inhibition. Wolpe (1958) utilizou pela primeira vez 0 termo “comportamento assertivo", que logo chegaria a ser sindnimo de habilidade social’. Este autor assinalava que o termo assertivo refere-se nao so ao comportamento mais ou menos agressivo, mas também a expressAo externa de sentimento de amizade, carinho e outros diferentes dos de ansiedade. Nao obstante, Wolpe centrou-se na expressdo de sentimentos negativos, como a expressao de fadiga ou enfado. Durante bastante tempo, 0 comportamento assertivo implicou unicamente nas dimens6es referidas a defesa dos direitos e & expressao de sentimentos negativos. Posteriormente, Lazarus (1966) e Wolpe e Lazarus (1966) incluiram o treina- mento assertivo como uma técnica de terapia comportamental para seu emprego na pratica clinica. Albertie Emmons (1970), com Your Perfect Right, escreveram © primeiro livro dedicado exclusivamente ao tema da “assertividade”. Lazarus (1971) e Wolpe (1969) deram um potente e definitivo impulso 4 pesquisa sobre comportamento assertivo. Outros autores como R. M. Eisler, M. Hersen, R. M. McFall’e A. P. Goldstein realizaram pesquisas sistematicas sobre este tema e desenvolveram programas de treinamento para aliviar déficit em habilidades. Embora estes tenham sido os primeiros passos da investigagao em habilida- des sociais a partir de uma perspectiva da terapia do comportamento, parece apropriado citar outras fontes, anteriores no tempo ou provenientes de campos diferentes & terapia do comportamento. Phillips (1985) assinala que algumas das raizes historicas do movimento das HHSS nao foram reconhecidas adequada- mente. Assim, as primeiras tentativas de treinamento em habilidades sociais (THS) remontam a trabalhos realizados com criangas por autores como Jack (1934), Murphy, Murphy e Newcomb (1937), Page (1936), Thompson (1952) e Williams (1935). Estes inicios do THS foram ignorados durante muito tempo e normalmente nao sao reconhecidos como antecedentes precoces do movimento Para os propésitos do presente capitulo, empregaremos de forma sinénima os termoscomportamento assertivo e comportamento socialments habilidoso,por umlado, @ as expressdes, treinamentoassertivo e treinamento em habilidades sociais, por outro (para uma discussao mais ampla sobre este tema ver Caballo, 1988), O Treinamento em Habilidades Sociais 363 das HHSS (Curran, 1985; Fodor, 1980; Hersen e Bellack, 1977; Hollin e Trower, 4988). Por outro lado, Curran (1985) também aponta diversos escritos tedricos neofreudianos, que favoreceram um modelo mais interpessoal do desenvolvimento em contraposicao a forte énfase de Freud nos instintos biolégicos, como especi- almente relacionados com o tema do THS (p. ex., Sullivan, 1953; White, 1969). Master, Burish, Hollon e Rimm (1987) consideram, igualmente, que os escritos de Moreno (1946, 1955) sobre o psicodrama (uma representagao encenada das atitudes e conflitos que os pacientes participantes tém na vida real), podem ser considerados como importantes influéncias sobre 0 THS, dada a similaridade entre o psicodrama e 0 ensaio comportamental (0 procedimento basico do THS). Masters e cols. (1987) pensam também que aterapia do papel fixode Kelly (1 955), constitui outro dos antecedentes do THS devido a sua semelhanga, como ocorria como psicodrama, como ensaio comportamental. Os mesmos autores anteriores chegam a incluir 0 trabalho de Ellis (1962, 1973) como uma importante contribui- 0 ao THS devido ao fato de que as praticas e procedimentos que defendia Ellis se parecem notavelmente aos incluidos atualmente no THS Alem dos trabalhos de Salter, Wolpe e Lazarus, anteriormente referidos, uma segunda fonte importante do campo das HHSS 6 constitu(da pelos trabalhos de Zigler e Phillips (1960, 1961) sobre “habilidade social”. Esta area de investigagao com adultos institucionalizados mostrou que quanto mais elevada é a habilidade social prévia dos pacientes que so internados no hospital, menor é seu tempo de internagao e mais baixa sua taxa de recaida. O nivel de habilidade social anterior & hospitalizagaéo demonstrou ser um melhor preditor do ajuste depois da hospita- lizagao do que o diagnéstico psiquiatrico ou o tipo de tratamento recebido no hospital (Caballo, 1988). Enquanto que estas duas fontes aconteceram nos Estados Unidos, uma terceira fonte originou-se na Inglaterra. Neste Ultimo caso, as raizes historicas do constructo das HHSS baseavam-se no conceito de “habilidade” aplicado as interagdes homem-maquina, no qual a analogia com esses sistemas implicava em caracteristicas perceptivas, decisivas, motoras e outras relativas ao proces- samento da informagao. Assim, Argyle e Kendon (1967) assinalavam que “uma habilidade pode ser definida como uma atividade organizada, coordenada, em relagao a um objeto ou uma situagéo que implica numa cadeia de mecanismos sensoriais, centrais e motores. Uma de suas caracteristicas principais 6 que a atuac4o, ou seqiéncia de atos, acha-se continuamente sob o controle da entrada de informagao sensorial” (p. 56). A aplicagéio do conceito de “habilidade” aos sistemas homem-homem originou um abundante trabalho sobre as HHSS na Inglaterra (p. ex., Argyle, 1967, 1969; Argyle e Kendon, 1967; Welford, 1966). Ill. DerinicAo & DescrigAo Ill.1. Definigaéo de habilidade social Tem ocorrido grandes problemas na hora de definir 0 que éum comportamento socialmente habilidoso. Tém-se dado numerosas definigses, nao havendo se 364 Manual de Técnicas de Terapia e Modificago do Comportamento chegado, ainda, a um acordo explicito sobre quando se pode considerar um comportamento como socialmente habilidoso. Meichenbaum, Butler e Grudson (1981) afirmam que é impossivel desenvolver uma definigaéo consistente de habilidade social, visto que é parcialmente dependente do contexto mutavel. A habilidade social deve ser considerada dentro de um determinado marco cultural, © 0s padroes de comunicagao variam amplamente entre culturas e dentro de uma mesma cultura, dependendo de fatores tais como a idade, 0 sexo, a classe social eaeducacao. Além disso, 0 grau de efetividade de uma pessoa dependera do que deseja conseguir na situagao particular em que se encontre. O comportamento considerado apropriado em uma situacgao pode ser, obviamente, impréprio em outra. O individuo traz também, para a situagdo, suas proprias atitudes, valores, crencas, capacidades cognitivas e um estilo Unico de interagao (Wilkinson e Canter, 1982). Claramente, nao pode haver um “critério” absoluto de habilidade social. Todavia, “todos parecemos conhecer quais sao as habilidades sociais de forma intuitiva” (Trower, 1984, p. 49). Embora em contextos experimentais possa- se demonstrar que é mais provavel que determinados comportamentos consigam um objetivo particular, uma resposta competente é, normalmente, aquela que a pessoa acredita ser apropriada para um individuo numa situagao especifica. Do mesmo modo nao existe uma Unica maneira “correta” de se comportar, que seja universal, mas uma série de conceitos diferentes que podem variar de acordo com o individuo. Assim, duas pessoas podem comportar-se de um modo totalmente diferente em uma mesma situagéo, ou a mesma pessoa em duas situacgdes similares, e ambas as respostas serem consideradas com o mesmo grau de habilidade social. Conseqiientemente, o comportamento socialmente habilidoso deveria definir-se, para alguns autores, em termos da efetividade de sua fungao em uma situagao, e nao em termos de sua topografia (p. ex., Argyle, 1981, 1984; Kelly, 1982; Linehan, 1984), embora os problemas referentes ao emprego das conseqiiéncias como critério foram repetidamente notados (Arkowitz, 1981; Caballo, 1988; Schroeder e Rakos, 1983); comportamentos que sao avaliados consensualmente como nao habilidosos (p. ex., dizer tolices) ou anti-sociais (p. ex., O ataque fisico) podem ser, de fato, reforgados. Linehan (1984), nao obstante, assinala que podem ser identificados trés tipos basicos de conseqiléncias: 1. A eficacia para conseguir os objetivos da resposta (eficacia no objetivo). 2. A eficdcia para manter ou melhorar a relagao com a outra pessoa na interagao (eficacia na relac¢ao). 3. A eficacia para manter a auto-estima da pessoa socialmente habilidosa (eficacia no auto-respeito). “O valor desses objetivos — continua Linehan (1984) — varia com o tempo, as situagGes e os personagens. Quando um paciente tenta devolver uma mercadoria defeituosa a um estabelecimento, a eficacia no objetivo (conseguir que troquem 9 objeto ou Ihe devolvam o dinheiro) pode ser mais importante que a eficacia na relacao (manter uma relagao positiva com o encarregado do estabelecimento). Ao tentar que nosso(a) melhor amigo(a) va assistir a um determinado filme, a eficacia O Treinamento em Habilidades Sociais 365 da relacao (o manter a relacao intima) pode ser mais importante que o objetivo (conseguir que 0(a) amigo(a) va ao cinema)" (p. 151). Nao obstante, tanto o contedo como as conseqiléncias dos comportamentos interpessoais deveriam ser considerados em qualquer definigao de habilidade social (Arkowitz, 1981). Tendo certa idéia do que pode constituir o conteudo do comportamento socialmente habilidoso e, avaliando as conseqiiéncias desses comportamentos, podemos conseguir alguma estimativa do grau de habilidade social. Em geral, espera-se que o comportamento socialmente habilidoso produza reforgamento positivo mais frequentemente que punigao. Em nivel clinico, é importante avaliar tanto 0 que a pessoa faz quanto as reagdes que o seu comportamento provoca nos demais. Em seguida, podemos dar, a principio, uma definigao do que constitui um comportamento socialmente habilidoso: O comportamento socialmente habilidoso é esse conjunto de comportamentos emitidos por um individuo em um contexto interpessoal que expressa os sentimen- tos, atitudes, desejos, opinides ou direitos desse individuo, de um modo adequado a situagao, respeitando esses comportamentos nos demais, e que geralmente resolve os problemas imediatos da situagao enquanto minimiza a probabilidade de futuros problemas (Caballo, 1986). Il.2. Classes de resposta Embora no aparte anterior tenhamos assinalado que nao existe uma definigao geralmente aceita, ha um acordo geral sobre o que compreende os conceitos das HHSS. O uso explicito do termo habilidades significa que o comportamento interpessoal consiste em um conjunto de capacidades de atuacao aprendidas (Bellack e Morrison, 1982; Curran e Wessberg, 1981; Kelly, 1982). Enquanto os modelos de personalidade presumem uma capacidade mais ou menos inerente para atuar de forma efetiva, 0 modelo comportamental enfatiza: 1) que a capacidade de resposta tem de ser adquirida, e 2) que consiste em um conjunto identificavel de capacidades especificas. Além disso, a probabilidade de ocorrén- cia de qualquer habilidade em qualquer situagao critica é determinada por fatores ambientais variaveis da pessoa e a interagao entre ambos. Consequentemente, uma adequada conceitualizagao do comportamento socialmente habilidoso impli- ca na especificagao de trés componentes da habilidade social: uma dimensao comportamental (tipo de habilidade) , uma dimensao pessoal (as varidveis cognitivas) e uma dimensao situacional (0 contexto ambiental). Diferentes situagdes requerem comportamentos diferentes. Os elementos comportamentais necessarios para uma boa conversacao sao consideravelmen- te diferentes dos elementos necessarios em uma situago de relagao intima. Com Alberti (1977) diremos que a habilidade social: a. E uma caracteristica do comportamento, nao das pessoas. b. E uma caracteristica especifica & pessoa e a situagao, nao universal. c. Deve contemplar-se no contexto cultural do individuo, assim como em termos de outras variaveis situacionais 366 Manual de Técnicas de Terapia e Modificagao do Comportamento d. Esta baseada na capacidade de um individuo para escolher livremente sua atuacgao. e. Euma caracteristica do comportamento socialmente efetivo, nao prejudicial. Por outro lado, as classes de resposta que foram propostas como componen- tes do constructo das HHSS tém sido relativamente abundantes. Todavia, ha uma série delas que foram geralmente aceitas e que inclusive tm sido encontradas em pesquisas com populagdes espanholas (Caballo, 1989; Caballo e Buela, 1988a; Caballo, Godoy e Buela, 1988; Caballo e Ortega, 1989). Essas dimensdes sao as seguintes: 1. Iniciar e manter conversacdes. 2.Falar em publico. 3. Expressées de amor, agrado e afeto. 4. Defesa dos proprios direitos. 5. Pedir favores. 6. Recusar pedidos. 7. Fazer obrigagées. 8.Aceitar elogios. 9. Expresso de opinides pessoais, inclusive discordantes. 10. Express&o justificada de incémodo, desagrado ou enfado. 11, Desculpar-se ou admitir ignorancia. 12.Pedido de mudanga no comportamento do outro. 13. Enfrentar as criticas. Estas dimensdes de comportamento ocorrem, necessariamente, com deter- minadas pessoas e diante de certos fatores situacionais. As classes de pessoas que foram consideradas freqiientemente (p. ex., Caballo, Godoy e Carrobles, 1984; Galassi e Galassi, 1977a, 1978; Becker, Heimberg e Bellack, 1987) sao as seguintes: 1) Amigos do mesmo sexo; 2) Amigos de sexo oposto; 3) Relagdes intimas (casal); 4) Pais; 5) Familiares; 6) Pessoas com autoridade do mesmo sexo; 7) Pessoas com autoridade do sexo oposto; 8) Companheiros de trabalho do mesmo sexo; 9) Companheiros de trabalho do sexo oposto; 10) Contatos com o consumidor (vendedores/as, camareiros/as); 11) Profissionais do mesmo sexo (p. ex., Médicos); 12) Profissionais do sexo oposto; e, 13) Criangas. Os fatores situacionais sAo multiplos e variados e nao existe uma classificagaéo comumente utilizada a respeito. Alguns tipos de situagées podem ser: A) O lugar de trabalho, B) O lar, C) Lugares de consumo (p. ex., lojas), D) Lugares de lazer (p. ex., barzinhos), E) Transportes coletivos, F) Lugares formais (p. ex., conferéncias), etc. II.3. O treinamento em habilidades sociais © treinamento em habilidades sociais (THS) poderia ser definido como “um enfoque geral da terapia dirigido a incrementar a competéncia da atuagéo em O Treinamento em Habilidades Sociais 367 situagdes criticas da vida” (Goldsmith e McFall, 1975, p. 51) ou como “uma tentativa direta e sistematica de ensinar estratégias e habilidades interpessoais aos individuos, com a inteng&o de melhorar sua competéncia interpessoal e individual nos tipos especificos de situagées sociais” (Curran, 1985, p. 122). 0 THS se adere a um enfoque comportamental de aquisigao da resposta ~ isto é, normalmente concentra-se na aprendizagem de um novo repertorio de respostas. O processo do THS implicaria, em seu desenvolvimento completo, em quatro elementos de forma estruturada. Estes elementos sao: 1. Treinamento em habilidades, onde ensinam-se comportamentos especifi- cos, que sao praticados e integrados ao repertorio comportamental do sujeito. Dado que a aquisigao das HHSS depende de um conjunto de fatores enquadrados, principalmente, dentro da teoria da aprendizagem social, 0 THS inclui muitos desses procedimentos em sua aplicagao. Concretamente empregam-se procedi- mentos tais como as instrugdes, a modelagao, o ensaio comportamental, a retroalimentagao e 0 reforgamento, os quais serao descritos mais adiante. O treinamento em habilidades é 0 elemento mais basico e mais especifico do THS. As vezes, dependendo do problema particular do sujeito, somente éaplicado este procedimento do THS 2. Reducao da ansiedade em situagoes sociais problematicas. Normalmente, esta diminuic&o da ansiedade é conseguida de forma indireta, ou seja, ocorrendo © novo comportamento mais adaptativo que, supostamente, é incompativel com aresposta de ansiedade (Wolpe, 1958). Se o nivel de ansiedade é muito elevado, pode-se empregar diretamente uma técnica de relaxamento oua dessensibilizagao sistematica. 3. Reestruturacao cognitiva, na qual se pretende modificar valores, crengas, cognigées e/ou atitudes do sujeito. A reestruturagao cognitiva ocorre frequente- mente, do mesmo modo que com o elemento anterior, de forma indireta. Isto é, a aquisigao de novos comportamentos modifica, a longo prazo, as cognigdes do Sujeito. Todavia, com o incremento da cognigao da terapia comportamental, a incorporagao de procedimentos cognitivos ao THS 6 algo habitual na aplicagao desta técnica, especialmente aspectos da terapia racional emotiva, auto-instru- goes, etc. 4. Treinamento em solugao de problemas, onde se ensina o sujeitoa perceber corretamente os “valores” de todos os parametros situacionais relevantes, a processar os “valores” destes parametros para gerar respostas potenciais, a selecionar uma dessas respostas e envid-la de modo que maximize a probabili- dade de alcancar o objetivo que impulsionou a comunicagao interpessoal. O treinamento em solucao de problemas nao costuma ocorrer de forma sistematica nos programas de THS, embora geralmente se encontre presente, de maneira implicita, neles. Linehan (1984) afirma que um programa completo de THS deve procurar um conjunto de habilidades cognitivas, emocionais, verbais e nao verbais. Por outro lado, os programas de THS deveriam tratar de diferentes classes de respostas habilidosas como entidades Unicas, e reconhecer que o impacto social de um 368 Manual de Técnicas de Terapia e Modificagao do Comportamento comportamento é especifico para a classe de resposta habilidosa que define esse comportamento. Na pratica, podemos considerar, com Lange (1981; Lange, Rimm e Loxley, 1978), que as quatro etapas do THS so as seguintes: 1. O desenvolvimento de um sistema de crengas que mantenha um grande respeito pelos préprios direitos pessoais e pelos direitos dos demais. 2. Adistingao entre comportamentos assertivos, nao assertivos e agressivos. 3. A reestruturagao cognitiva da forma de pensar em situagdes concretas. 4. O ensaio comportamental de respostas assertivas em determinadas situagdes. Estas etapas nao sao necessariamente sucessivas: as vezes, misturam-se no tempo e, de fato, pode-se readapta-las e modifica-las de diversas formas para adequa-las melhor as necessidades do sujeito. IV. Funpamentos Concertuais — Empiricos 00 TREINAMENTO EM Hasitivaves Sociais Grande parte dos fundamentos conceituais foram expostos nos apartes anterio- res. Neste ponto, vamos insistir um pouco mais neles Nao ha dados definitivos sobre como e quando se aprendem as HHSS, mas a infancia 6 sem dtivida um periodo critico. Assim como outras capacidades, é provavel que dependam doamadurecimento e das experiéncias de aprendizagem (Argyle, 1969). Bellack e Morrison (1982) acreditam que a explicagéo mais provavel para esta aprendizagem precoce do comportamento social é oferecida pela teoria da aprendizagem social. O fator mais critico parece ser a modelacao. As criangas observam seus pais interatuando com eles assim como com outras pessoas e aprendem seu estilo. Tanto os comportamentos verbais (p. ex., assuntos de conversagao, fazer perguntas, produzir informagao) como os nao verbais (p. ex., sorrisos, entonacao da voz, distancia interpessoal) podem ser aprendidos desta maneira. O ensino direto (quer dizer, a instrugao) é outro veiculo importante para a aprendizagem. Falas como: “peca desculpas”, “nao fale coma boca cheia”, “lave as m&os antes de comer’, etc., modelam o comportamento social. Também as respostas sociais podem ser reforgadas ou punidas, 0 que faz com que certos comportamentos aumentem e refinem-se, e outros diminuam ou desaparecam. Além disso, a oportunidade de praticaro comportamento em uma série de situagdes e o desenvolvimento dascapacidades cognitivas sao outros dos procedimentos que parecem estar implicados na aquisigao das HHSS (Trower, Bryant e Argyle, 1978). O lastro do funcionamento social defeituoso na idade adulta (ou os elogios pela habilidade social apropriada) nao depende inteiramente dos pais. “Os iguais sao importantes modelos e fontes de reforgamento, especial- mente durante a adolescéncia. Os costumes sociais, modas e estilos de vestir, e a linguagem, mudam durante a vida de uma pessoa; portanto, deve-se continuar O Treinamento em Habilidades Sociais 369 aprendendo, a fim de permanecer socialmente habilidoso. A este respeito, as habilidades sociais podem também perder-se pela falta de uso, apds longos periodos de isolamento. A atuagao social pode também ser inibida ou obstaculizada por perturbagées cognitivas e afetivas (p. ex., ansiedade e depres- so)” (Bellack e Morrison, 1982, p. 720). Os procedimentos basicos que compdem o THS (modelacao, ensaio comportamental, reforgamento, etc.) ajustam-se relativamente bem aos fatores que parecem intervir nas aquisig6es naturais das HHSS. A eficacia do THS para melhorar essas habilidades parece relativamente bem estabelecida, tanto nos componentes em separado (p. ex., McFall e Lillesand, 1971; McFall e Marston, 1970; McFall e Twentyman, 1973; Turner e Adams, 1977; Heimberg e cols:, 1977), como no “pacote” completo (p. ex., Argyle, Trower e Bryan, 1974; Caballo e Carrobles, 1988; Goldsmith e McFall, 1975; Piccini, McCarey e Chislett, 1985; Van Dam-Baggen e Kraaimat, 1986). No entanto, nao vamos nos estender sobre este assunto, ja que existe numerosas revisdes sobre a efetividade do THS e a elas remetemos 0 leitor (p. ex., Curran, 1985; Marzillier, 1978; Monti e Kolko, 1985; Twentyman e Zimmering, 1979). V. PRocEDIMENTO? O procedimento basico consiste em identificar primeiro, coma ajuda do paciente, as Areas especificas nas quais este tem dificuldades. O melhor é obter varios exemplos especificos das situagdes em termos do que realmente acontece nelas. A entrevista, 0 auto-registro, os numerosos inventarios disponiveis e o emprego de situagdes andlogas, assim como a observagao na vida real (ver Caballo, 1986, 1988; Caballo e Buela, 1988b, 1989, para uma descrigéo detalhada destes instrumentos de avaliagao), canstituem ferramentas freqiientemente utilizadas na determinagao de problemas de inadequagao social. O delineamento da natureza do problema é importante porque o tratamento especifico que se empregue pode depender, até certo ponto, da classe de comportamento-problema. Uma vez identificada a classe de comportamento-problema, o passo seguinte consiste em analisar por que o individuo nao se comporta de forma socialmente adequada. Tem sido postulada uma série de fatores que poderia impedir uma pessoa de comportar-se de forma socialmente habilidosa (p. ex., déficit em habilidades, ansiedade condicionada, cognigdes desadaptativas, discriminacao errénea). A especificacao dos fatores implicados no comportamento desadaptativo nos facilitara 0 caminho para o emprego de diferentes procedimentos do THS. Antes de iniciar 0 treinamento em si, é importante informar o paciente sobre ? Dadasasnotaveis vantagens que otreinamento em grupo possui sobre o treinamento individual, ao falar sobre os procedimentos componentes do THS neste aparte, referimo-nos principalmente ao primeiro formato. Todavia, a maior parte do contetido desta epigrafe pode-se aplicar igualmente ao treinamento individual. 370 Manual de Técnicas de Terapia e Modificagao do Comportamento a natureza do THS, sobre os objetivos a alcangar na terapia e sobre o que se espera que 0 paciente faca. Além disso, é importante estimular a motivagao do mesmo para 0 treinamento que vai acontecer. Masters e cols. (1987), assinalam que a maioria dos terapeutas pde uma énfase consideravel em induzir uma atitude Positiva, entusiasta, ao THS antes de comegar com os procedimentos de treinamento. “Em parte, isto 6 assim porque 0 THS, como a maioria das técnicas de terapia comportamental, requer uma grande quantidade de participagao ativa por parte do paciente, o que faz com que seja necessaria uma notavel motivagao” (Masters, Burish, Hollon e Rimm, 1987, p. 96). Uma vez que o paciente tenha compreendido o objetivo do THS e esta de acordo em realiza-lo, pode-se comecar com o programa de sessées. As vezes, pode ser necessario ensinar o individuo a relaxar-se, antes de abordar determinadas situagdes problematicas. A redugao da ansiedade nessas situagdes favorecerd, com toda probabilidade, a atuagao socialmente adequada do paciente e a aquisigao de novas habilidades (em caso de n&o possui-las). O relaxamento progressivo de Jacobson (ver capitulo sobre técnicas de relaxamen- to, neste volume), dando especial importancia ao relaxamento diferencial, pode ser utilizado neste contexto. O ensinar o paciente a determinar sua ansiedade (pontuagdes SUDS) nas situagdes problematicas pode ser, entéo, um passo prévio importante. Posteriormente, e seguindo o esquema proposto por Lange (1981; Lange, Rimm e Loxley, 1978) para o desenvolvimento do THS, podemos considerar numa primeira fase a construgéo de um sistema de crengas que mantenha o respeito pelos proprios direitos pessoais e por todos os direitos dos demais, Bower e Bower (1976) assinalaram que nossos direitos humanos provém da idéia de que todos somos criados iguais, em um sentido moral, e temos de nos tratar mutuamente como iguais. Um direito humano basico, no contexto das HHSS, é considerado como algo que todas as pessoas tenham em virtude de sua existéncia como seres humanos. A premissa subjacente do THS é humanista: nao produzir stress desnecessario nos demais e apoiar a auto realizagao de cada pessoa. O quadro 18.1 apresenta alguns destes direitos humanos mais importantes no contexto das HHSS. Uma segunda etapa do THS, apontada anteriormente, consiste em que o paciente entenda e distinga entre respostas assertivas, nao assertivas e agressivas (ver fig. 18.1). Em Caballo (1988) encontram-se descrigoes ba- sicas desses trés tipos de resposta. Pode se planejar uma série de exercicios estruturados para que o paciente participe ativamente da aprendizagem das diferengas dessas formas de comportamento. No quadro 18.2 podemos encontrar um breve resumo das caracteristicas distintivas mais importantes desses trés estilos de resposta Os sujeitos participantes de um programa de THS devem ter claro que o comportamento assertivo é, geralmente, mais adequado e reforgante que os outros estilos de comportamento, ajudando o individuo a expressar-se livremen- te e a conseguir, frequentemente, os objetivos a que se propés. Além disso, tudo isso incentivaria a motivagao do paciente para continuar com o programa de THS. O Treinamento em Habilidades Sociais 371 Tabela 18.1. Lista dos direitos humanos basicos* 1.0 direito de manter sua dignidade e respeito comportando-se de forma habilidosa ou assertiva — inclusive se a outra pessoa sente-se ferida — enquanto no viole os direitos humanos basicos dos outros. O direito de ser tratado com respeito e dignidade. O direito de negar pedidos sem ter que sentir-se culpado ou egoista. O direito de experimentar e expressar seus préprios sentimentos. O direito de parar e pensar antes de agir. O direito de mudar de opiniao. O direito de pedir o que quiser (entendendo que a outra pessoa tem 0 direito de dizer nao). 8.0 direito de fazer menos do que é humanamente capaz de fazer. 9.0 direito de ser independente. 10.0 direito de decidir o que fazer com seu proprio corpo, tempo e propriedade. 11.0 direito de pedir informacao. 12.0 direito de cometer erros — e ser responsavel por eles. 13.0 direito de sentir-se bem consigo mesmo. 14.0 direito de ter suas préprias necessidades e que essas sejam tao importantes quanto as dos demais. Além disso, temos 0 direito de pedir (nao exigir) aos demais que correspondam as nossas necessidades e de decidir se satisfaze- mos as dos demais. 15.O direto de ter opinides e expressé-las. 46.0 direito de decidir se satisfaz as expectativas de outras pessoas ou se comporta-se seguindo seus interesses — sempre que nao viole os direitos dos demais. 147. O direito de falar sobre o problema com a pessoa envolvida e esclarecé-lo, em casos-limite em que os direitos nao estao totalmente claros. 18.0 direito de obter aquilo pelo que paga. 49.0 direito de escolher nao comportar-se de maneira assertiva ou socialmente habilidosa. 20.0 direito de ter direitos e defendé-los. 21.0 direito de ser escutado e ser levado a sério. 22.0 direito de estar so quando assim o desejar. 23.0 direito de fazer qualquer coisa enquanto nao viole os direitos de outra pessoa. Hmm > ¥ Baseado principalmente em The assertive option: Your rights and responsabilties (pp. 80-81) por P. Jakubowski e A. Lange, 1978. Champaign, Ill. Research Press. Copyright 1978 dos autores. Reproduzida com permissao. Também foram empregadas outras fontes diversas. 372 Tabela 18.2. Trés estilos de resposta Manual de Técnicas de Terapia e Modificagao do Comportamento Nao Assertivo Muito pouco, muito tarde Muito pouco, nunca Comportamento nao verbal Olhos que fitam para bai- xo; voz baixa; vacilagdes; gestos desvalidos; negan- do importancia a situaga postura abatida; pode evi- tar totalmente a situagao; retorce as maos; tom vaci- lante ou de queixa; risadinhas “falsas”. Comportamento verbal “Talvez"; “Suponho"; "Me pergunto se poderiamos"; “Se importaria muito”; “So- mente"; "N&o cré que”; “Ehh’; ‘Bom’; “Realmente nao é importante"; “Nao se incomode”. Efeitos Contlitos interpessoais Depressao Desamparo Imagem pobre de si mes- mo Maltrata-se Perde oportunidades Tensao Sente-se sem controle Solidao Nao gostadesimesmonem dos demais Sente-se enfadado Assertivo O suficiente dos comporta- mentos apropriados no momento correto Comportamento nao verbal Contato ocular direto; nivel de voz natural de conversa; fala fluente; gestos firmes; postura ereta; mensagens na primeira pessoa; hones- to/a; verbalizagées positi- vas; respostas diretas a si- tuac4o; maos soltas. Comportamento verbal “Penso”, “Sinto”; “Quero” “Fagamos”, “Como pode- mos resolver isto?”; “O que “O que voce Efeitos Resolve os problemas Sente-se a vontade com os demais Sente-se satisfeito Sente-se & vontade consi- go mesmo Relaxado Sente-se com controle Acredita, cria e promove a maioria das oportunidades Gosta de si mesmo e dos demais E bom para si e para os demais Agressivo Muito, muito répido Muito, muito tarde Comportamento nao verbal Olhar fixo; voz alta; fala fluen- te/rapida; enfrentamento; gestos de ameaga; postura intimidativa; desonesto/a; mensagens impessoais. Comportamenio verbal “Faria melhor em”; “Faz”; “Tenha cuidado”; “Deve estar brincando”; “Se nao o fizer...; “Nao sabe”; “Deveria”; “Mal”. Efeitos Conflitos interpessoais Culpa Frustragao Imagem pobre de si mesmo Prejudica os demais Perde oportunidades Tensao Sente-se sem controle Solidao Nao gosta dos demais Sente-se enfadado Uma terceira etapa abordaria a reestruturagao cognitiva dos modos de pensar incorretos do sujeito socialmente desajustado. Quero assinalar aqui que, embora ao longo desse capitulo se use expresses gerais como “assertivo”, “socialmente habilidoso”, deve-se entender que tais expressdes sao utilizadas em beneficio da O Treinamento em Habilidades Sociais 373 economia descritiva. Entretanto, como deve ter ficado claro no aparte 2, o comportamento socialmente habilidoso é situacionalmente especifico e os ter- mos gerais anteriores referem-se a situagdes-problema determinadas, para cada paciente. Também as pautas inadequadas de pensamento consideram-se espe- cificas a situagao na qual se encontra imerso 0 individuo. O objetivo das técnicas cognitivas empregadas consiste em ajudar os pacientes a reconhecer que o que dizem a si mesmos pode influir em seus sentimentos e em seu comportamento. Podem ser utilizados diversos exercicios para facilitar que os pacientes descu- bram as relagdes entre suas cognigdes e seus sentimentos e comportamentos. Procedimentos tais como a auto-analise racional, as imagens racional-emotivas (Maultsby, 1984; Caballo e Buela, este volume) ou diversas variagoes do treinamento em auto-instrugdes (D'Amico, 1977; Meichenbaum, 1977; Santacreu, este volume), podem servir a esse propésito. Figura 18.1. "O que é 0 treinamento assertivo?". Desenho realizado por Caren Nederlander. Copyright@ 1981 Franklin Center For Behavior Change, Southfield, Michigan. Reproduzido com permissao do autor. O que é treinamento assertivo? Modificar a comunicagao de passiva ou agressiva para assertiva Passiva Assertiva Agressiva

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