You are on page 1of 272
CANNABIS, SAUDE MENTAL UMA REVISAO SOBRE A DROGA DE ABUSO E 0 MEDICAMENTO ANTONIO WALDO ZUARDI, JOSE ALEXANDRE DE SOUZA CRIPPA, FRANCISCO SILVEIRA GUIMARAES & cotanonavones CANNABIS E SAUDE MENTAL ‘Antonio Waldo Zuardi José Alexandre de Souza Crippa Francisco Silveira Guimardes Colaboradores ye / ty iF wi Meaicso sio Paulo Maio 2008 PREFACIO 0s efeitos farmacolégicos da Cannabis sativa (cannabis) sio conhecidos pela humanidade ha milhares de anos. A investigacio cientifica desses efeitos, no entanto, tem uma histéria bem mais recente. A descoberta, a0 final da década de 80, de receptores es- pecificos no sistema nervoso central para canabinoides, e 0 poste rior isolamento e caracterizacio biol6gica de substancias endége nas que interagem com esses receptores, representou um grande impulso para a pesquisa nessa area, particularmente nos ultimos ‘cinco anos. Dos 8.627 trabalhos cientificos publicados na literatura Internacional até meados de 2006 contendo a palavra “canabinoi- de", 3.633 (42%) 0 foram a partir do ano 2000. Estes trabalhos revelado que canabindides endogenos tém um papel regulatorio importante em um nimero muito grande de fungdes biologicas. ‘© momento, portanto, é bastante propicio para o presente livro, que procura sintetizar a extensa literatura cientifica sobre diferentes aspectos da relagdo entre a cannabis ¢ a salide mental 0 livro é dividido em cinco partes abordando aspectos histéricos farmacologicos; efeitos da droga no sistema nervoso; relagio com a psicopatologia; epidemiologia, problemas e tratamentos de ‘seu uso abusivo. Os autores dos diferentes capitulos so todos engajados na pesquisa sobre seus respectivos temas, o que Ihes permitiu produ: 2zir uma revisio critica da literatura disponivel. Um livro com essas caracteristicas, publicado no Brasil, faz todo o sentido, dado a longa tradi¢do de contribuicdes significat- vas sobre essa planta feita por cientistas brasileiros. PARTE 1 HISTORICO Capitulo 1 Aspectos Historicos da Cannabis na Medicina e em Saude Mental" Antonio Waldo Zuardi Introdugio A Cannabis Sativa (cannabis) esta entre as plantas mais antigas cultivadas pelo homem. Ao longo da histdria ¢ em diferentes cul- turas, tem sido utilizada como fornecedora de fibras, como alimen- , col propositos religiosos ou recreativos e como medicamento. Seu uso tom sido estimulado ou condenado, dependendo da época, do contesto ou do segmento da populacio. Este capitulo refere-se, principalmente, a historia do uso ‘médico da cannabis ¢ suas interagdes com'o contexto em que cle ocorreu. ‘Antes da Era Crista {As primeiras evidéncias do uso da cannabis foram encontradas na China, onde achados arqueologicos e historicos indicam que esta planta era cultivada para a obtencao de fibras ha 4.000 anos antes de Cristo! . Com as fibras, obtidas do caule da cannabis, os chi: nests fabricavam fios, cordas, tecidos e até papel. No tumulo do Imperador Wu (104-87 A.C), da dinastia Han, foram encontrados tecidos e papeis labricados com fibras da cannabis! (Os chineses também utlizavam os frutos da cannabis como alimento. Estes frutos so pequenos (3 a 5 mm), eipticos, lisos, ‘com casca dura e contendo uma nica semente, As primeiras ev déncias do uso desses gros foram encontradas na dinastia Han (206 A.C. -220 D.C). No inicio da Era Crista, com a introducao de rnovas culturas, a cannabis deixou de ser um alimento importante, ‘na China, embora até hoje seus grdos continuem sendo utilizados ra fabricagio de dleo de cozinha em partes do Nepal? (0 uso da cannabis como medicamento, pelos chineses primi- tivos, fol relatado na mais antiga farmacopéla 0 pents “ao ching, compilado no primeiro século desta Era, porém baseado em tra dicdes transmitidas oralmente e que sto atribuidas ao Imperador Shen-Nung, que viveu nos anos 2.700 A.C. As indicagies para 0 uso dda cannabis incluiam: dores reumiticas, constipacio intestinal, de sordens do aparelho reprodutor feminino, malaria ¢ outros®. No Inicio da Fra Crista, o fundador da cirurgia chinesa, Hua T" (110 = 207 D.C), usava um composto da planta, com vinho, para aneste iar os pacientes durante as cirurgias! s chineses usavam principalmente as sementes da cannabis para uso médico!, portanto, podemos supor que se referiam a ela ‘quando descreviam as propriedades medicinais da planta. Até hoje as sementes da cannabis continuam sendo utilizadas como laxante pelos médicos chineses®, abe-se hoje que as sementes sao pratica- ‘mente destituidas de A tetrahidrocanabinol (A?-THO), considerado 6 principal constituinte ativo da planta, sendo constituida principal- mente por acidos graxos essenciais e proteinas. Atualmente, alguns esses deidos graxos sho considerados como tendo efeito terapk 0, como 0 acido y-linoleico, proposto para uso tépico em ecsema ¢ DSoriase e por via oral para a aterosclerose, ostcoporose, arritereu Imatoide e outras doen¢as inflamatérias'..Na China, o uso médico da ‘cannabis nunca chegou a ter a mportancla que alcangou na india. ‘A primeira referéncia ao uso da cannabis, como droga psicoa- tiva, também esta contida no pen-ts ao ching, como pode ser verii- ‘cado por uma de suas frases:..ma-fen (0 fruto da cannabis). se to- ‘mado em excesso pode produzir visto de deménios..por um tempo prolongado, faz a pessoa comunicar-se com os espirites.... Apesar dessa referéncia, s20 escassas as citagoes ao uso da cannabis como alucingeno, nos antigos escritos chineses. Uma das explicacdes para esse fato & a de que tal uso estava, provavelmente, associado 40 xamanismo, uma pratica religiosa de povos da Asia Central. Na dinastia Han, essa pratica comecou a declinar na China, tornando- se desacreditada ¢-cada vez mais restrita, Os textos antigos rara- mente fazem mengio ao xamanismo ¢, talvez por isso, também -no mencionem o uso da cannabis como alucinogeno?, ‘A pritica do xamanismo, apesar de se tornar gradativamente ‘mais restrita na China, era muito comum nas tribos némades do norte, o que pode ter contribuido para a dissemina¢do da cannabis nna Asia Central ¢ Ocidental ena india! Na India, 0 uso da cannabis teve uma grande difusdo, tanto como droga recreativa como medicamentosa. Esse uso tio am: plo pode dever-se ao fato da cannabis ter mantido uma associa- ‘co estrelta com a rego, o que Ihe conferia virtudes sagradas. © Atharva Veda (colecao de textos sagrados de autor desconhe- ‘cido) menciona a cannabis como uma das cinco plantas sagradas, referindo:se a ela como uma fonte de felicidade, doadora de alegria ¢ libertadora, Assim, o uso da cannabis passou a fazer parte de Indmeros rituals religiosos nessa regido® 0s efeitos psicoativos da planta eram bem conhecidos, na {n- dia, possivelmente em decorréncia da forma como era preparada, para o consumo, que incluia pelo menos trés tipos de preparacdes. 0 tipo mais fraco é 0 chamado Bhang, constituido das folhas se- ‘eas das quals se separam culdadosamente as flores. Um tipo mais forte € o Ganja, preparado com as flores da planta feminina, ¢ 0 ‘mais potente de todos & o Charas, constituido exclusivamente da resin, que recobre as flores femininas®. Essas formas de prepara: ‘cio garantem a presenca de canabindides ativos. A planta possul, pélos secretores, no topo dos quais existe uma glandula com gran: de quantidade de canabindides ativos. Esses pélos secretores loca: lizanvse, em menor quantidade, nas folhas do terco superior das plantas ¢, principalmente nas flores das plantas femininas. 0 rom- pimento das glindulas, localizadas nos pelos secretores, liberam 0s canabinides ativos, que constituem a resina que as recobre*. 0 inicio do uso médico da cannabis na india, confunde-se com 0 uso religioso e data de mais de 1000 anos A.C. . A planta fot utilizada numa gama muito ampla de condigdes clinicas, entre ou tras funcdes, como: analgésico (neuralgias, cefaléias, dor de den- tes), anticonvulsivante (epilepsia,tétano, raiva),hipndtico, tranquil lizante (ansiedade, mania, histeria), anestésico, antiinflamatorio (reumatismo e outras doencas inflamatorias), antibiotico (uso 16: pico em infeccdes cutaneas,erisipela, tuberculose), antiparas (erminose externa ¢ interna), antiespasmédico (colicas, diar digestivo, estimulante do apetite,diurético, afrodisiaco ou anafro- disiaco, antitussigeno ¢ expectorante (bronquite, asma)2"7, ‘A cannabis, também, foi tradicionalmente considerada sa: sgrada no Tibet, embora pouco tenha sido escrito sobre seu uso religioso ou medicinal. No budismo tantrico, que se desenvolveu na regio do Himalaia tibetano, a cannabis era utlizada para fa: cilitar a meditacdo?. Ainda que pouco relatado, acredita-se que 0 uso médico da cannabis, no Tibet, fosse intenso pelas seguintes razdes: a medicina tibetana deriva seus coneeitos basicos da me: dicina indiana, a botanica tinha uma importineia muito grande em sua farmacopéia e, finalmente, porque a cannabis era muito abundante nessa regido? Algumas evidéncias sugerem que os Assirios, também, cone: ‘iam 05 efeitos psicoativos da cannabis ea usavam como incenso, desde o séeulo 9° A.C. E possivel,também, que antes da era cris, 6s Assirios utilizaram a planta externamente para edemas ¢ hema: tomas e internamente para depressio, impotencia, artrite,litiase renal, “doenca de mulheres” para “anular a bruxaria" 7 Na Pérsia a cannabis era conhecida antes da Era Crista ¢ cles tinham conhecimento do efeito bifasico da planta, fazendo uuma clara distingao entre seus efeitos euforizantes iniciais © disforicos tardios? 'Na Europa, evidéncias histéricas ¢ arqueoldgicas sugerem a presenca da cannabis antes da Era Crista. Ela parece ter sido traz: dda pelos invasores citios, que originarios da Asia Central chegaram até préximo ao Mediterraneo. No ano 450 A.C, Herddotos descre- vendo uma ceriménia funeral dos citios, relatou que eles inalavam (0 vapores obtidos da quelma dos grios da cannabis, com prop6- sitos ritualisticos ¢ euforizantes. Esta descricio foi posteriormente confirmada por arqueologistas, que encontraram sementes que ‘madas da cannabis em tmulos citios na Sibéria e Alemanha’, ‘As referencias ao uso da cannabis pelos gregos ¢ romanos sto lescassas, 0 que sugere que ela deve ter sido muito pouco utilizada por esses povos?#. No inicio da Era Crista, existem duas referén- as a0 uso do suco das sementes da planta para dor de ouvido e liminagdo de vermes e insetos dos mesmos’. Inicio da Era Crista até 0 sécuto XVIII Nesse periodo 0 uso méstico da cannabis continuo muito intenso na India e dai difundiu-se para o Oriente Médio Africa 'Na Arabia médicos muito conhecidos mencionavam a cannabis ‘em seus compéndios médicos, como fot o caso de Avicena, no ano 1000 D.C. *. Textos muculmanos mencionam 0 uso da cannabis como diurético, digestivo, antiflatulento, ‘para limpar 0 cérebro" ¢ ppara dor de ouvido’. Em 1464, Ibn al-adrirelatou a tratamento do filho epileptico do califa com a resina da planta, afirmando: "Isto (carmabis) curou-o completamente, mas ele ficou um dependente, ‘que no podia ficar um sé momento sem a droga’ ?. E possivel que a cannabis tenha sido conhecida na Africa, pelo ‘menos, desde o século XV e que seu uso tenha sido introduzide por ‘mereadores arabes, que mantinham alguma ligacdo com a India, Essa suspeita fundamenta-se na semelhanca dos termos utilizados para as preparagdes da planta na Africa e na India. 4 planta fo! ‘usada na Africa para: mordida de cobra, faciitar 0 parto, malaria, febre, envenenamento do sangue, antrax, asma e desinteria”. Nas Américas, 0 uso da cannabis iniciou-se, provavelmente, na América do Sul. No século XVI, sementes da planta chegaram 20 Brasil, trazidas pelos escravos africanos, especialmente de Angola seu uso foi relativamente comum entre os negros da zona rural {do Nordeste. A maioria dos sindnimos da cannabis no Brasil (maco- ‘nha, diamba, liamba e outros) tem origem na linguagem angolana. Existem relatos da utilizacdo da cannabis em ritos religiosos po- pulares nessa regido, especialmente o Catimbd, que inclui 0 culto de divindades africanas e onde se presume o valor da planta para Draticas migicas e tratamento de doencas. No melo rural existem relatos do uso da cannabis para dor de dente ¢ élica menstrual” ‘Na Europa, durante esse periodo, 0 cultivo da cannabis ocorria apenas para a abtencio de fibras, Os muculmanos introduziram @ uuso da cannabis na producdo de papel, em 1150, inicialmente na Es- nha eem seyuida na Italia” Descricdes da cannabis sio encontradas ‘em muitos livros sobre plantas, escrtos neste periodo, estabelecendo ‘daramente, desde meados do século XVIN, a separagio entre plantas, masculinas e femininas (0 que Ja havia sido indicado em ideograma chins do inicio da Era Crist. As referéncias ao uso médico da can hnabis, no entanto, so escassas. F possivel que os europeus tivessem. Cconhecimento do uso médico da planta no Oriente Médio e Africa, no éentanto, esse uso era ustalmente confundlco com 0 do 6pio”. ‘Medicina Ocidental dos Séculos XIX e XX No inicio do século XIX podem ser encontrados alguns relatos es: parsos do uso da cannabis por médicos europeus, especialmente dda semente da planta ou em medicagdes homeopaticas. Entretanto, a efeliva introdugao da cannabis na medicina Ocidental ocorrew fem meados do século XIX a partir dos trabalhos do médico ilan- «és Willian B. O'Shaughnessy e da publicagio de um liv pelo psi- ‘quiatra francés Jacques-Joseph Moreau. O'Shaughnessy serviu com os ingleses na India, durante varios anos, entrando em contacto com uso da cannabis na quele pais, Ele revisou a literatura disponivel sobre a planta, descreveu varias preparagdes populares, avaliou a toxicidade dda cannabis em animais ¢, posteriormente, testou seu efeito em pacientes com diferentes patologias. Em 1839, publicou um abalho intitulado: "On the preparations of the Indian hemp, or gunjah”, que, em seu primeiro paragrafo, estabelece um pano: (0s efeitos nareéticos da erva sdo popularmente conhecidos no sul da Africa, América do Sul, Turquia, Egit, Asia Menor, India e territérios adjacentes da Maldsia, Burmésia e Stamesia, Em todos es ses paises a erva é usada de viras formas, pelos desperdicadores e depravades, como o agente de uma intoxicacdo prazerosa. Na medl- cina popular dessas nacdes, nds verficamos que ela é amplamente ‘empregada para uma Infinidade de afeccées. Mas, na Europa Ocl- dental seu uso & igualmente desconhecido, tanto como estimulante {quanto como medicamenta 'Nesse liv, O'Shaughnessy descreve varios experimentos em hhumanos onde aplicou preparacdes da cannabis com sucesso nas seguintes condigdes: reumatismo, convulsoes ¢, principalmente, nos espasmos musculares do tétano ¢ raival-® Moreau utilizou a cannabis com outro objetivo, Ele era médico assistente do Asilo da Alienados de Charenton, proximo a Paris e uma pratica terapéutica comum, na época, era acompanhar os par ‘ientes psiquidtricos em longas viagens a paises exoticose distantes Durante essas viagens ele observou que entre os arabes era muito Frequente 0 uso do haxixe(resina da cannabis ¢ ficou impressiona- do com 0s efeitos inusitados produzides por essa substincia. Em Paris, por volta de 1840, Moreau decidiu experimentar, de forma sistematica, diferentes preparagdes da cannabis, inicialmente nel :mesino ¢ depois em seus alunos. Como resultado desses estudos, le publicou, em 1845, um livro: "Du Hachisch et de IAlienation Men tale: Etudes Psychologiques’, onde existe uma das mais completas deserigdes dos efeitos agudos da cannabis. O objetivo de Moreau & ‘daramente relatado por le mesmo: "..cu vino haxixe, ou mais espe- ffcamente, nas seus efeitos sobre as faculdades mentais, um método ppoderaso ¢tinico de investigar a génesis da doenga mental”. Esses dois tipos de interesse médico pela cannabis, de um lado o estudo de seus efeitos psicoativos, como um psicotomimé tico experimental e de outro lado o seu uso terapéutico, persist ram no decorrer dos anos. As contribuigbes de O'Shaughnessy e Morcau tiveram um gran: ‘de impacto na medicina Ocidental, especialmente porque eram es: ‘cassas as opcdes terapéuticas para algumas doencas infecciosas, ‘como raiva, célera e tétano. O uso médico da droga difundiv-se, 4 partir da Inglaterra e Franca, atingindo toda a Europa e, em se- fulda, a América do Norte. Em 1860, ocorreu a primeira reunido Cientifica sobre a cannabis na América, organizada pela Sociedade ‘Medica do Estado de Ohio, Na segunda metade do século XIX foram publicados mais de 100 trabalhos cientficos sobre o valor terapéutico da cannabis, na Europa ¢ Estados Unidos'?. 0 climax do uso médico da cannabis, pla medicina ocidental, ocorreu no final do século XIX e inicio do século XX. Varios laboratérlos comercializaram extratos ou tint ras da cannabis, entre eles: Merck (Alemanha), Burroughs-Wellcome (Inglaterra), Bristol-Meyers Squibb (Estados Unidos), Parke-Davis (Estados Unidos) e Eli Lily Estados Unidos ‘As indicagdes médicas da cannabis, no inicio do século XX, foram sumarizadas, na Sajous’s Analytic Cyclopedia of Practical Medicine (1924), em trés grandes areas’ 1. Sedativo ou Hipnético, em: insénia, insonia seni, melanco- lia, mania, delirium tremens, coréia, tétano, raiva, febre do feno, bronquite, tuberculose pulmonar, tosse, paralisia agita- 4a, exoftalmiatireoldeana, espasmo da bexiga e gonorréia, 2 Analgésico, em:- cefaléia, enxaquecas, tensdo ocular, ‘menopausa, tumores cerebrais, tic doloroso, neuralgia, uleera gdstrica, dor gdstrica (indigestdo), tabes, neuri- tes miltiplas, dores nao associadas a les6es, disturbios uterinos, dismenorréia, inflamacdo crénica, menorra: gia, aborto iminente, hemorragia pés-parto, reumatismo ‘agudo, eczema, prurido senil, comichdo, formigamento e dorméncia da gota, ¢ para o alivio da dor de dente. 3. Outras usos: para melhorar o apetite ¢ a digestdo, para a ‘anorexia pronunciada que se seque a doencas consuptivas, também em: neurese gastrica, dspepsia, diarréa, disente: ria, célera, nefrte, hematiria, diabete melitus, palpitagdo ‘ardiaca, vertigem, frigidez e impoténcia ‘Uma ilustracao dos periodos em que se iniciaram os usos mé dicos da cannabis em diferentes regides da Terra é apresentado na Figura 1.1 Antes de cristo I Sic. x [- Séc. xv xu [JJ- Séc. x Fig 1.1 poco do ws mc omar Declinio e redescoberta Nas primeiras décadas do século XX, 0 uso médico da cannabis no Ocidente diminuiu acentuadamente. Entre os fatores que podem ter contribuido para isso, deve-se destacar a dificuldade na obten- ‘qo de efeitos replicaveis, pela extrema variabilidade na poténcia de diferentes amostras da planta, Nessa época, ainda nao havia sido isolado o principio ativo da cannabis, ¢ a droga era utilizada sob a forma de tinturas ou extratos, que tinha sua potencia sujeita a diferentes fatores, tais como; a origem, idade, estocagem ¢ for- ‘ma de preparagio da droga’. Ao lado disso, surgiram no final do século XIX, varios medicamentos com poténcia conhecida para 0 tratamento das principais indicacdes da cannabis. Assim, foram desenvolvidas as vacinas para varias doencas infecciosas, como p. ex. 0 tétano, surgiram analgésicos efetivos como a aspirina ¢ as seringas hipodérmicas, que possibilitaram o uso injetavel da mor. fina, bem como, narcéticos e sedativos, como: hidrato de cloral, paraldeido e barbitiricos " Finalmente, varias restricdes legais limitaram 0 uso médi ‘co e a experimentacio da cannabis. Nos Estados Unidos, como resultado de uma campanha organizada pelo Federal Bureau of Narcoties, fol aprovada uma lei em 1937, denominada Ma rihwana Tax Act, que exigia 0 registro ¢ taxava em um délar cada onca (28,35g) da droga, para propdsitos médicos ¢ em 100 délares’a onca para qualquer outro uso. Apesar do valor baixo para 0 uso médico, 0 ndo pagamento desse imposto, no eentanto, resultava numa multa de 2.000 délares e/ou 5 anos de prisio. Essa lei dificultava o uso médico da planta pela excess va burocracia exigida para o seu uso ¢ 0 risco de uma punicio rigorosa. Ao transferir a regulamentacio das transagdes com a cannabis, incluindo a prescricao, para a area de tributos, essa lel evitava a decisao da Suprema Corte, que reserva aos estados direito de regulamentar as transacbes comerciais ¢, na pra a, significou uma proibi¢do do uso da cannabis em todo 0 ter- rit0rio americano. A cannabis deixou de figurar na farmacopéia Americana em 19416, 'Na segunda metade do século XX, a cannabis adquiriu grande importancia social em razdo da explosio no seu consumo, com finalidade hedonistic, Até essa época, 0 uso da planta no Ocidente, com finalidade hedonistica, estava limitado a pequenos grupos. Na Europa, 4ru- pos de intelectuais reuniam-se para usarem a droga e descricées esse uso podem ser encontradas em romances de autores fran- eeses do século XIX, como Gautier ¢ Boudelaire. Nas Américas, sa pratica foi relativamente comum entre os negros, na zona rural do Nordeste do Brasil desde o século XVI, que s¢ reuniam ‘nos fins de semana para constimirem a droga em grupos. Esse uso estendeu-se, posteriormente, para pescadores do rio Sio Fran cisco e pelo mar para as cidades litoraneas, No inicio do século XX, 0 uso da cannabis, no Brasil, continuava restrito a pequenos rrupos de baixo nivel sécio-ccondmico, sendo conhecida como 0 “opio dos pobres" 1°. No México a cannabis também era utilizada pelas populacdes mais pobres e foi através dos imigrantes mext ‘canos que seu uso, com finalidade recreativa, chegou aos Estados Unidos, nas primeiras décadas deste século. Até os anos 50, esse uso, nos Estados Unidos, estava restrito aos balrros negros ¢ de imigrantes mexicanos ¢ porto-riquenhos!® "A partir dos anos 60, 0 uso recreativo da cannabis alastrou-se ‘apidamente nas faixas mais jovens da populacdo, em todo mun- do Ocidental. Nos Estados Unidos, a porcentagem de adultos jovens, {que haviam utiizado a cannabis, pelo menos uma vez, passou de 3%, fem 1967, para 44%49% 68%, e 64%, nos anos de 1971, 1975, 1980 «¢ 1982, respectivamente!™!” . Este uso continua alto até os dias de hhoje, como pode ser observado nos capitulos 13 e 14 , deste livro. ‘Nesta mesma época foi identificada a estrutura quimica do {49-THC, por Gaoni e Mechoulam't, em 1964, ocorrendo entéo ‘uma grande proliferacio de trabalhos sobre o$ constituintes ati vos da cannabis!? Esse crescimento espantoso no consumo da planta, aumen- tando sua importancia social, ao lado do melhor conhecimento de sua composicdo quimica, tornando possivel a obtencio de seus constituintes em forma pura, contribuiram para que o inte: resse cientifico pela cannabis aumentasse enormemente a partir fg, 12 Mimero de pubicacbes sobre cannabis cm revstas compas pelo “ist ‘nth of knowledge’ Ar paatas chav weeae neers Buse foram: cannahs OR ‘mariana O8 maribuon de 1965. niimero de publicagdes sobre a cannabis atingiu um pico no inicio dos anos setenta. Neste periodo, um grupo de pes- quisadores brasileiros, liderados por Carlini, teve uma grande contribuicdo, especialmente, com respeito ds interagdes entre 0 ‘A°-THC e outros canabindides. Apés a metade dos anos setenta, ‘© numero de publicacdes comecou a decrescer lentamente du: ante as proximas duas décadas. O interesse nos estudos sobre a ‘cannabis foi renovado no inicio dos anos noventa, com a descri ‘fo e clonagem de receptores especificos para os canabinoides no sistema nervoso e o isolamento posterior da anandamida, ‘um canabindide endogeno® (para maiores detalhes ver capitu: lo 3 deste livro). A partir dai, o numero de publicacées sobre 2 cannabis vem crescendo continuamente atestando o grande interesse pela a pesquisa envolvendo a cannabis. A evolugao do numero de publicages sobre a cannabis nos ultimos 50 anos, pode ser observada na Figura 1.2 Com 0 crescimento do interesse cientifico pela cannabis, seus efeitos terapéuticos voltaram a ser estudado, agora com ‘metodologia cientifica mais acurada. Nesse sentido, encontra: se em diferentes fases de estudo os efeitos terapéuticos do ‘A2-THC em condicées tais como: epilepsia, insOnia, vomitos, ‘espasmos, dor, glaucoma, asma, inapeténcia, Sindrome de Tou: rette, entre outras. Dentre essas indicacbes terapéuticas do a? ~ THC sio consideradas como, praticamente, comprovadas as Indicagées como: anti-emético, estimulante do apetite, analgé- sico e em sintomas da Esclerose Maltipla’!, Outros canabino!: des, também vem sendo investigados, como, por exemplo, 0 Canabidiol (CBD), que apresenta evidéncias de efeitos terapéu- ticos na: epilepsia, insOnia, anstedade, inflamacdes, danos c rebrais (como neuroprotetor), psicoses, entre outras*? (maiores detalhes no capitulo 12). No inicio de 2005, um grande laboratério farmacéutico multi nacional conseguiu aprovar no Canada e esta pleitcando no Reino Unido e Comunidade Européia a liberacdo para comercializar uma ‘medicacio, contendo 4? ~ THC e CBD, para alivio da dor neuropé- tica em pacientes com esclerose miltipla, Inicla-se, assim, um novo ciclo de utilizacdo de derivados da cannabis como medicamento, bem mais consistente do que ocor- reu no pasado, Os compostes quimicos derivados da cannabis tam sua estrutura conhecida, 0 mecanismo de aco no sistema rnervoso esta sendo elucidado, com a descoberta de um sistema ‘canabindide enddgeno, ea eficacia e seguranca dos tratamentos ‘estdo sendo comprovados cientificamente. Referéncias 1 Lt, Ln H. An archacolgial and historical account of cannabis in China Econanie Botany 1974 2800 A3Ps447. 2. Tout M The religious and medicinal use of Cannabis in China, naa and ‘Tibet | Payee. Drags 18 13s 2334 3. Teson Gy less P Hemp seed and hemp oi. I Grotenbetmin F, Russo E ‘ors. Cannabr and Cannabinoids New York: The Haworth ntrative He sling Press 2002. pt i-t2s, HL, Hallucinogenic plans in Chinese herbals. Psyehodelc Drogs 1978; 14h 1726, 5. Rare ak, Nahas GG. Botany: the unstbiizd speces. In Nahas GG, ctor. Narhuina in sence and medicine: Ne York Raven Pest 184, 9.3.30. 6. Mikuriya Tt Marijuana in medicine: pas, present and fare California Me- fine 1960; 11040) 3440. 7, Alden Mistery of therapeutic cannabis I: Mathre ML, editor. Cannabis ‘medial practice. North Carolin: Me Farland Company. nes1997. p35, 8, Fankhauser Mistry of cannabistn Western Stdiine in Grotenbermen Russo E, editors, Cannabis and Cannabinids. New York: The Haworth ine ‘ative Healing Press 2002. p. 375. 9, BurTot Bh. Cannabis in Aca, Rotterdam: Balkema: 1980. To, Piano At. Social and media aspects of the use of cannabsn Bri. Rubin ‘aioe: Cannabu and culture. Pars Mounton Publishers 1975, p, 292 302 1 alt Nahas GG. Cannabis ntosieation and mental lines In: Nahas GG, editor. Marihuana in science and medicine New York: Raven Press 1984, p. 263-306 12, Morea j- Du Hachiseh et de PAllenation Mentae: tudes Psycholoe! (ques. Pats: Lbrarte de Fortin Mason: 1843 (4. Ingles New Yor, Raven Frere 1972). 13, Grspoon & Marhuana Reconsidered. Cambridge, MA: Harvard University Pres: 107. 14. Grspoon ,Hakaar J, Mantuana: the forbidden medlein. New Haven: Yale University Press 1093 capt 1 15, Musto DE-The marihuana tax et of 1937. Arch, Gen. Psychiatry 1972; 16, Harris 15. Cannabis a review of progress Lipton MA, Dimas A, Killam KF (eds, Psychopharmacoogy: A generation of progress. New York: Raven Press 1978p. 15051574 17 Kandel Df Marthsana Users in young adulthood, Arch. Gen. Psychiatry 1984 ‘tt 200-2009, 1 Gaon eMachoulam k.soation structure and partial symhess ofan active constituent of hashish. Am- Chem Soe 1968 86: 1646-1647 19, Mechoulam R. Marijuana: chemistry pharmacology and clinical effets. New York: Academic Press: 1973, . 29 20. arin Uk, lechoulam R, Razdan RK. Discovery and characterization of en- ‘ogenous cannabinoids if S198, 65:573-593. 21, GARRY EA “The good and bad effects of) ans delta. teahydrocannab hol (a? THC) an humans. Taaon 2008, 442 461-207. 22, Mechoulam i Parker LA Gli Cannabiil: an overview of some phar- ‘macologeal aspects J. cin Pharmacol. 2002;42:118.195. PARTE II ASPECTOS FARMACOLOGICOS Capitulo 2 Farmacocinética e Interacdo Com Outras Drogas Marco Antonio Marcolin, ‘Maria Da Graca Cantarelie Manoel Garcia Jinior Introdugao. 0 recente ‘Relatério Mundial sobre a Droga 2004", publicado pelo Gabinete das Nagdes Unidas para o Controle da Droga e Prevengio do Crime (UNODO, estima em 150 millhes de consumidores de ‘cannabis no mundo. A forma mais comum de consumo si0 0s ¢i: ‘gartos de maconha, uma mistura teiturada e seca de folhas, flor ‘© pequenos talos, sendo sua cinética similar para usuarios [requ tes ou ocasionais!. Seus constituintes so usualmente denomina dos “canabindides*. Este termo originalmente referia-se apenas 4s fitocanabinides da Cannabis sativa L, modernamente abrane (0s ligantes dos receptores canabinoides e compostos relacionados, incluindo os ligantes endogenos um grande nimero de andlogos sintéticos ¢ de origem animal'2, Devemos recordar que a Cannabis sativa apresenta mais de 400 substancias, na maior parte agrupa- dos nas classes dos alcaldides, lavondides, terpendides, acids or- fnicos e aleoots. Dos éleoois, sessenta e sels ja estdo isolados e so denominados de canabindides!. Destes, os mais abundantes s30 0 ‘annabicromeno (CBC), © 4°-tetrahidrocannabinol (THC), 0 canna: bigerol (CBG) e 0 cannabidiol (CRD ~ ver capitulo 12). A subelasse ‘A°-THC possui,identificados, nove canabindides com cadeias late de um, trés, quatro ou cinco carbonos. So mais psicoativos os Isomeros trans que os isémeros cis, tanto que 0 acrOnimo THC € aplicado frequentemente ao (}trans-isomero. O cigarro de maconha comum contém entre 0,3-3% de A°-THC, sendo que 0 haxixe pode chegar & 5% ¢ dleo de haxixe a 1532. Em alguns paises estdo surgindo produtos cultivados por técnicas de hidroponia © que apresentam poténcia até trés vezes superior 3 maconha normal. 0 THC é termo ¢ fotoldbil, sendo que a estoca xem leva a uma gradativa diminuigdo dos indices de 4-THC por ‘oxidacdo para 6 metabolito inativo cannabinol (CBN. Nenhuma das formas isoméricas naturais do 4°-THC & quim ‘camente idéntica a0 composto sintético denominado dronabinol, ‘comercializado com o nome de Marinol”. O dronabinol rapidamen- te € degradado quando em solucdes acidas, possuindo uma im portante degradacio no estomago e intestino humano, com uma meia-vida de 1 hora em pH 1. Outras formas comercializadas $0 4 nabilona (Cesamet*) e 0 dexanabinol, nenhuma delas disponivet ‘em nosso meio! ‘Administrago e absorgio As vias de aplicagdo de cannabis mais utilizadas pelo homem so a ingestdo e a inalaclo, sendo a segunda mals frequente e a que Conseyue efeitos psicomimeticos mais rapidos? ‘ingestdo de THC se da pelo uso de dronabinol e pelo cons mo da maconha em doces ou eapsulas de gelatina'= fa dose oral ¢ menos eficaz que a dase inalada, necessitando ser ingerida quant dade cinco vezes superior da substancla para aleancar efeitos sim Tatas Ocorre uma primeira metabolizacao para Il -hidroxt-a>-THC antes da absorcio. O dronabinol sofre uma absorcio lena eerrt a, com o pico plasmatico atingido apds 1-2 horas ou, até mesmo, +40u 6 horas. Eamplamente distribuido no organismo ¢fortemente ligado a proteinas plasmaticas. Seus efeitos s80 mals prolongados. Algumas vezes, podem ocorrer mals de um pico plasmatic. A ab sorcio ¢ praticamente completa independente do veiculo utifizado za administragdo oral, mas resta saber 0 quanto ela se d3 em THC ‘io modificado e quanto em subprodutos. Um importante meca- nismo de primeira passagem também reduz a biodisponibilidade do A°-THC, isto 6, uma parte do THC ¢Inilalmente metabolizado no figado antes de aleangar a circulagosistémica e possivelmente Aingir os sitios de ago. ‘05 usosoftalmico, Feta, sub lingual etopicosdo normalmente de indicacio médica e podem acareta indices sistémicos varives!. ‘APOS inalar um eigatro de maconha ou haxixe os nivels plas miticos de THC chegam a'um maximo, a0 redor de 100ng/ml, em Poucos minutos e desaparecem rapidamente,salientando a impor {Uncia do processo de redistribuicho. Detecta'se 4°-THC no plasma segundos apos o primeiro “pega” mum cigarro de maconha, alcan- ‘ando nivels entre 7-18ng/ml apés uma Unica inalacao de cigarro com 1,75-3,75% de THC..0s efeitos toxicos depeadem da capac dade ¢ experiéncia do fumnante de inalar a substanca, ou se, um usuario principlante pode apresentar uma biodisponibilidade sis: temica entre 2e 10% do THC de um cigaro e um usuario experiente consegue entre 20 e 40%!2,A qualidade da substancia utlhzada eo uso de um cachimbo ou bong podem fazer variar a absorcéo para ate 45% A biodisponiblidade no uso por via pulmonar varia com a ‘elocidade do fumo, a profundidade da inalatao, o volume inalado {0 tempo que a respiraco € retida depois da inaacéo prensa’? © pico de 11-OH-THC & mais lento ocorrendo a0 final do ch aro, Os efeitos subjetivos sao imediatos, alcancam um maximo ‘entre 3 ¢ 30 minutos ¢ podem durar entre 2 e 3 horas, Disteibulgdo A distribuicao do A°-THC e seus metabélitos é governada pra: licamente apenas por suas caracteristicas fisico-quimicas, sem barreiras ou transportadores que especialmente interfiram nes: te processol. Perto de 90% do THC no sangue & distribuido no plasma ¢ 10% nas células vermelhas. Do THC plasmiatico, 95-99% presenta ligac3o protéica, mais com as lipoproteinas de baixa densidade (LDL) menos com albumina. Apenas 3% circulam livres no plasma de humanos. Cerca de, 9% da fragio unida se tenconta acoplada as células sanguineas, 0 THC é, portanto, al tamente lipossoltivel ¢ essencialmente insoluvel em gua. Por tudo isto, uma pequena proporcio penetra no sistema nervoso central (SNC). Esta porcdo, entre 2 ¢ 44 yg, concentra-se em cau dado-putamen, télamo, amigdala, hipocampo, cortex e sept {A penetracio em SNC do metabolito 11-OH-A?-THC 6 maior « mais rapida do que o composte original, sendo esperado que contribua de forma importante para 0s efeitos centrais do THC, ‘especialmente no uso oral! ‘Apresenta clevada lipossolubilidade, sendo que o pulmdo, tecido adiposo, figado, rins, coracdo, bagé e tecido mamario sao reservatorios de A”-THC. Encontram-se nivels mais balxos no cére bro, testiculo, cortex adrenal, tiredide e hipofiseA distribuicio do ‘THC no organismo varia de acordo com 0 tempo: inicialmente em ‘ins e pulmdo e logo, apés uns trés dias, em baco ¢ tecido adiposo. A composicio exata do material depositado no tecido adiposo & vvariavel, podendo conter THC inalterado e seus metabolitos hidro- xilados. Uma proporcio consideravel deste material & de acidos staxos conjugados com 11-OH-8-THC?. Rio de substincias ativas na corrente circulatoria a pattir dor Teservatorios em porduira explicao fenomeno de toe inciainversa que se associa a0 consumo erénico de carmabis. Este Fendmeno se caracteriza pela intoxicacdo aguda, em consumidores. {que vinham abstinentes, com o uso de pequenas doses de THC ou om a diminuigao da ingesto de alimentos > Metabolizagio e excrecio (04THCErapidamente metabolizadoa 1 -OH-89-THC 0ua8O-11- Ol-a?-THC, através de. hidroxilacio, oxidacio, decarboxlacio, {epoxidagdo ou conjugacao com acido ylucurbnico © glutation. Sua Ietabolizacio & preterencialmente hepstica, mas também ocorre nivel pulmonar, ardiaco e cerebral. Em humanos o sistema en “Amati Citocromno P450, subfamila 2C (CYP 20), desempenha © papel mais significative dentre as rotas metabolicas. Existem ro: {asalternatvas, tendo sido identificados cerca de 100 metabolitos diferentes de THC. Os metabolitos mais Trequentes 880 08 mono: hidroxilados, sendo o sitio C-11 v mais atacado. A hidroxlacio wera um importante metabolito, o L1-OH-a°-THC, que crcula 99% ligado a proteinas plasméticas. Apds, oxida em i -nor-earboxt THE CHHC-COOH. O THC-COOH & mais abundante metabélito encontrado no plasina ena urina. Este pode softer glucorinidagao para {T-nor-S-carbox!--THC glucoronideo. Estes metabdlitos po dem ser novamente tansformados, como no caso de uma segunda conjugagdo do 11-OF-A“THC com acidos de eadeta longa (oleico e estearico), forma proposta de armazenagem de THC nos tecidos adiposos. Os epoxidos derwvados do metabolism destas substin: ‘as ndo possuem um carater tao Toxico quanto outros epexidos, ‘Tambem a posicdo C8 pode ser atacada, mas em menor frau que CLL Matsunaga aponta também o significado da posigao ale C7 para o isémero O°. THC: © elevado clearance plasmitico encontrado em estudos apon- ta para tim extenso fendmeno de_primeira-passagem hepatica ¢ para a major concentracao de 11-Ol-THC apés 0 uso oral que no Uso inalado. Se 0 pico plasmatico do THC € aleancado apos 6-10 minutos do uso, o ico de L1-OF-THC ocorre em 9-23 minutos ¢ 0 de THC-COOH em 52-133 minutos" Tseng ¢ colaboradores destacam que as fémeas de ratos pes quisados.apresentam maiores efeitos da utilizacio de THC, tis como sedagio, catalepsia e antinasiceneio,¢ atribuem a um meta bolismo hepatico diterenciado, com maior producio de 11-OH-THC «maior concentracdo deste em cérebro que nos Fatos machos?. “TA excrecio ocorre pelas fezes ¢ urina durante uma semana a um més. Ao final de sete dias 30-70% da substancia tera sido climinada. Este amplo periodo de eiminagdo deve-se a lipossolu- bilidade ¢ ao mecanismo de redistribui nie ‘A excreedo se faz principalmente por via biliar através das fezes (65-70%) e o demais, lentamente, por urinal A eliminacdo urinaria ¢ ‘menor em usuarios ocasionais e mais importante e prolongada nos ‘onsumidores erdnicos®. Pela urina ¢ climinado apenas 1% de THC ‘sem modificacio, © que pode ser explicado pela alta lipofilidade do A°-THC que aumenta a reabsorcio tubular. A meia-vida de eli ‘minagao apos a inalacao do fumo é de Sh em consumidores nio hhabituais ¢ de 28h em usuarios contumazes. Nestes ultimos, a0 re dor de 70% da dose se excreta na primeira semana, Os metabélitos liminados pela bile podem ser reabsorvidos em 15-70% através da circulacdo enterohepatica, aumentando a permanéncia do A?-THC ‘no organismo\ Os metabdlitos urinérios sdo fundamentalmente ficidos, sendo 0 IT-nor-9-carboxi-A-THC glucoronideo utilizado como marcador bioldgico de consumo) 0 THC-COOH livre nao excretado na urina em concentracoes significativas. A deteccao de THC e 11-OH-THC na urina pode variar de acordo com a técnica empregada. Fumantes passivos, nio usuarios que convivem em ambientes de fumo intenso, podem ser detectados, mas apenas ‘em situacbes de exposicao prolongada apresentam nivels urinarios acima de 30-40 ng/ml. As técnicas empregadas para identificacio de consumo sao varias, sendo que testes com sensibilidade ao r dor de 20 yg/ml na urina podem identificar usuarios habituais a 3-46 dias apos o Ultimo uso e um usuario eventual até 3-18 dias, normalmente 25 e 4 dias respectivamente!3, Como a excregio de metabolites nao diminui suavemente, 0 screening urinario pode fMutuar entre positivo e negativo por varios dias, sendo que o usu Ho ocasional pode apresentar testes positivos apds 29 dias eo usu {rio cronico apos 77 dias!2. Ainda que a eliminacio urinaria seja ‘menor em consumidores esporadicos, ¢ importante e prolongada ‘nos erdnicos. Nas fezes, os metabolitos dcidos e neutros de THC cestdo apenas na forma nao conjugada, Disteibuigdo no feto e leite materno Em animais ¢ humanos, 0 THC rapidamente cruza a placenta. A 1cio da concentragio de THC no sangue fetal acompanha a da ‘sendo menor que a materna em varias espécies!. Os metabo: tos 11-0H-49-THC © 11-nor-9-carboxi-A®- THC (THC-COOH), sio menos eficlentes em cruzar a barreira placentarials ApOs uso oral ‘a concentracio de THC no sangue fetal é cerca um décimo da con- ‘centragdo materna, apés uso inalado & de um terco. A placenta pa -Eece desempenhar um papel preponderante nesta variabilidade' ‘0 THC passa para o leite materno, sendo que em humanos a coricentFaca0 TR leite & 8.4 vezes superior & concentracio no plas ‘ma. Ou seja, um bebe pode ingerir algo entre 0,01-0,1 mg diarios de 4°-THC a partir do leite de uma mae que utilize um ou dois, cigarros didrios de maconhat Interacdes com outras substincias ‘Uma Interagdo Medicamentosa poder ocorrer sempre que duas ‘ou mais drogas sao utiizadas concomitantemente, uma modifi ‘eando a atividade da outra, aumentando ou reduzindo seu efeito farmacolégico. Interacio também poders ocorrer na presenca de alimentos, liquidos ou agentes quimicos ambientais. Como resul- tado poderemos ter reducdo da eficacia ou aumento da poténcia terapeutica da droga, gerando desde o favorecimento do objetivo cesperado até 0 aumento dos efeitos adversos, reducdo da tolerabi lidade e surgimento de toxicidade. As InteracGes podem ser farma- codinamicas ou farmacocinéticas’. ‘TAS Tnteragdes farmacodindmicas no envolvem alteracao na ‘concentragao, mas sim modificagdo do efeito da droga em seu sitio de aco causada por outra substancia, Ocorrem por sinergismo ou por antagonismo, isto é, por competicdo reversivel eirreversivel ou or mecanismo nao competitive ‘YATATeragdes farmacocineticas dizem respeito aquelas que ge ram alteracdo na concentracio de um ou mais farmacos, ou seus ‘metabolitos, em seu sitio de agdo,.Este mecanismo pode envolver alteracdo nas seguintes fases: absorcdo - por alteracdo de pH, por formacio de compostos insoliveis ¢/ou por alteracio de motilida de gastrointestinal; distribuicdo - por competicao com ligacdes nas proteinas plasmiticas; biotransformacdo - por induco ou inibi- ‘Go de enzimas envolvidas no metabolismo das drogas em questo (CYP); excrecdo - por alteracdo na filtragdo glomerular, secrecao & reabsorcdo tubular’ © complexo enzimatico Citocromo P4SO (CYP 450) tém sido ‘muito estudado, tanto em animais quanto em humanos, consti- twindo-se numa superfamilia responsavel pela catalisacao das re- acdes de biotransformacdo de compostos endogenos e exdgenos. Mais de 200 enzimas P450 foram localizadas na natureza ¢ pelo ‘menos 40 sdo encontradas em humanos. Seis destas (1A2, 2C9, 2C19, 2D6, 221 ¢ 3A4) representam 90% de todas as enzimas P450 fem humanos. Estas enzimas também estdo sujeltas a variacoes genéticas dentro das diferentes populagdes e definidas como po- limorfismo genético. As enzimas que apresentam polimorfismo so a CYP 2D6, 2C9, 2C19 ¢ 2E1. Por exemplo, a enzima CYP 219 eesti completamente ausente em 3% da populacdo branca ¢ 20% da japonesa, Esta populagio estara mais exposta 20s efeitos co- laterals das substancias metabolizadas por ela e necessitara de _menores doses para tratamento se utilizarem medicamentos me- tabolizados por esta via’, ‘As substancias podem ser agentes inibidores de determi- nada enzima, reduzindo sua funcdo, ou indutores, aumentando sua aco metabolizadora sobre aqueles que sio denominados de substratos. Uma mesma substancia pode ocupar mais de um pa- pel frente a um sistema enzimatico, pode ser substrato e indutor, Provocando aumento de seu proprio metabolismo ¢ levando a ajustes de doses para ocasionar efeitos antes conseguidos com doses menores®. Os canabindides aparentemente utiizam mais, de uma rota de metabolismo®. Os membros das subfamilias CYP 2C ¢ 3A sao as mais significativas em humanos. Estudos in vi tro apontam acio inibitoria do THC em CYP 2C/3A"”. THC se ria também importante indutor de 2E1 e 1A1. CBD pode inativar CYP -3A4 humana, que metaboliza GOK das drogas clinicamente prescritas. CYP 3A1I catalisa a formacio de CBD-hidroxiquinona, ‘um conhecido inativador do Sistema Enzimatico Citocromo P50. Bornheim descreveu, em microssomas humanos, a metabolizacao de 4°-THC com formagio de 11-OH-4%THC por 2C9 e de 8:f+OH- °-THC por uma enzima da subfamilia 3A, 0 1L-0H-4"-THC € posteriormente metabolizado em acido THC-L1-0ico, tendo 6 1-ox0-THC como intermediario, sendo que a enzima envolvida no ultimo passo desta formacao em acido THC: 1Lolco é a aldeido-oxigenase microssomal (MALDO). O sistema P450 tem influéncia na atividade de MALDO. Em ratos, que guar- ‘dam importante correlacdo com 0 metabolismo humano, a 2C11 ‘@enzima com o maior papel na atividade de MALDO®. \Q-A%:THC, juntamente com o tabaco, pode induzir aio de CYP 3AL , portanto, a metabolizacdo de olanzapina ¢ clozapi nna. A dose destas medicagdes deve ser reajustada quando houver cessa¢io ou incremento do uso de maconha ¢ tabaco!®. 0 THC antagoniza os efeitos antipsicdticos dos neurolépticos e poten- cializa seus efeitos em desordens motoras!. Ocorre maior indice de catalepsia com haloperidol e auséncia de catalepsia com clo- ~apina, em certos estudos. As fenotiazinas atenuam os efeitos psicotropicos do THC e reforcam seu eleito antiemético!. Esta mesma indu¢do de 3A1 esta correlacionada com a incidéncia au- ‘mentada de cinceres entre os usuarios de maconha, por aumento dda producao de substancia cancerigenas, Também 0 efeito da can: rnabis em 2E1 pode estar relacionada com incidéncia aumentada de cancer, pols, esta enzima é responsivel pela demitilacdo das N-nitrosaminas. 4 literatura apresenta um aumento da incidéncia de cancer de pulmio entre usuarios de haxixe. Existem muitos relatos de interagdo de THC com antidepres- sivos triciclicos (ATC), em especial nortriptilina, com taquicardia sinusal ¢ delirium! 4 intera¢do pode ser por inibigdo do metabo- lismo do ATC ¢ seu aumento de concentracio sérica, sendo que ‘ortripuilina ¢ imipramina inibem in vitroo metabolismo do THC, Ocorre aumento de sedacdo ¢ hipotensdo ocasionados por amitrip- tilina’. Com doxepina tem sido descrita ansiedade. Pode ocorrer Incremento da funcio de fluoxetina no uso concomitante de ma: ‘conha, com relatos de episédios maniacos. A bupropiona acarreta piora do humor no periodo de abstinéncia de maconha. Como a ‘cannabis apresenta efeitos colinérgicos, adrenérgicos ¢ serotoni nérgicos, estes podem sofrer efeito aditivo de outros compostos. 'Na abstinéncia de maconha, 0 divalproato tem sido implicado com a piora do humor e de performance cognitiva, aumento de inritabilidade, dificuldades de sono e ansiedade, O litio diminui os efeitos da abstinéncia por A2-THC, prova- velmente por induzir ¢Fos com consequente induc de RNAM da ocitocina'®. Maconha reduz concentracio de indinavir em 17% e de nel navir em 21% Além destas, requerem monitoramento de dose: ata: zanavir, lopinavir, ritonavir ¢ saquinavir"®, Kosel ¢ colaboradores ‘encontraram, em estudo com maconha e dronabinol em pacientes Infectados pelo virus HIV e usudrios de indinavir ¢ nelfinavir (me- tabolizados por CYP 3A4), diminuigao plasmatica do inibidor da protease na administracdo imediata dos canabindides"®. Ndo foram, ‘encontradas alteragdes em CD4 ou carga viral, mas a brevidade do cestudo ndo permite avaliar consequéncias mais tardias. Neste estu do nio foi encontrado prejuizo do efeito antiretroviral Devemos recordar que os efeitos sedativos de THC podem ser potencializados por outros depressores do SNC, como alcool"? Também pode ocorrer piora da taquicardia causada pela maconha. Indometacina, dcido acetilsaliilico ¢ outros antiinflamatérios no esterdides antagonizam os efeitos do THC. Indometacina sig. nificantemente diminui 0 high subjetivo, a aceleracdo cardiaca e a melhora da pressio ocular pelo uso tpico de THC! THC acclera o metabolismo de teofilina, necessitando doses Imaiores e mais freqiientes do broncodilatador. ‘© uso concomitante com disulfiram pode ocasionar sindromes. ‘A cannabis, assim como 0 tabaco e a cafeina, reduz a aco do Acido ascorbico em pressdo arterial! 0s anticolinérgicos, como atropina ¢ escopolamina, podem au- ‘mentar a taquicardia produzida por 4°-THC’ A fisostigmina, um anticolinesterasico, opde-se & taquicardia produzida pela maconha, mas pode ocorrer aumento de toxicidade pela fisostigmina' ‘A associacio com maconha pode elevar os indices de ci losporina’’. ‘Ocorre tolerancia cruzada com alcool ¢ com benzodiazepini: 0s, sendo sugerido até mesmo um mecanismo e um sitio deter. minado: os neurOnios gabaérgicos do globo palido. Os primeiros achados apontam efeito sinérgico entre alcool e cannabis, entre- tanto alguns estudos controlados afirmam que 0 uso crénico de cannabis nao piora os prejuizos de atividade psicomotora pelo Alcool, podendo mesmo ser protetor para os efeitos motores agudos deste. Isto ocorreria pelas mudancas farmacodinamicas pela longa exposicdo a maconha, conferindo tolerancia cruzada 408 efeitos do alcool, e pelas adaptacdes comportamentais de- senvolvidas para driblar as alteragdes frequentes pela cannabis {que acabam por serem aproveltadas no momento da intoxicacdo pelo alcool. Liguori e cols. que estudaram o efeito de ambos, s6s ou combinados, sobre performance no transito, apresentaram achados semelhantes'’. O efeito sinérgico com alcool e benzo- diazepinicos pode eventualmente aumentar os niveis de intoxi cacdo e de letalidade', assim como os prejuizos sobre a meméria, Sabe-se que o uso concomitante de 42-THC e alcool ou benzodia ‘zepinicos produz um sinergismo sobre temperatura corporal, depressdo respiratoria ¢ efeito anticonvulsivante, maior que os efeitos de cada droga em separado!!. Tabaco e alcool aumentam as chances de cancer por maconha, Existe aumento da fetoto- xidade causada por THC quando do uso concomitante de aleo- ol!*. 0 coma induzido por THC pode ser revertido pelo uso de flumazenil, um antagonista competitivo com acdo principal no receptor benzodiazepinico. ‘Ao uso de estimulantes normalmente é imputada uma pio- ra de performance em testes cognitivos*!*. Entretanto alguns cestudos sobre a possibilidade de interacdo entre marijuana ¢ metanfetamina quanto a performance cognitiva, encontram que © uso erdnico de maconha nao piora o prejuizo cognitivo por metanfetamina. Esses trabalhos sugerem que ¢ possivel existir lum efeito protetor do THC contra os danos causados por me: tanfetamina. Esta possibilidade de protecio ¢ remitida as acdes dos canabindides em sistema glutamato e como antioxidantes, {As anfetaminas inibem metabolismo de THC in vitro e reforcam © aumento de pressdo arterial e de freqiéncia cardiaca, Grote: ‘nhermen aponta 0 uso agudo de 4-THC como fator de atenu ado dos efeitos psicomotores induzidos por anfetamina e que no uso crénico ocorre tolerancia ¢ facilidade aumentada para Implantagdo dos movimentos estereotipados, possivelmente por uum mecanismo de down-regulation dos receptores canabindides CBL!. Parece ocorrer um antagonismo do efeito depressor de SNC ocastonado por THC, quando do uso de estimulantes!?. A, associacao com fenciclidina (PCP) piora o débito cardiaco, a hi potermia e o retardo motor causados por THC. E possivel haver tolerincia cruzada entre cannabis ¢ alguns efeitos especificos do PCP!, CRD aumenta os niveis sanguineos de PCP, ndo tio mareadamente como 0 que ocorre na associagio com cocaina, ‘mas com prejuicos motores muito aumentados™. Existem rela: tos esparsos de morte na associacdo de cocaina, maconha e bu- prenorfina, Maconha reduz laténcia do efeito da cocaina pela in ducdo de vasodilatacdo ¢ redugao de vasoconstricdo nasal, com conseqiiente aumento da absorco*. 0 uso de maconha ¢ cocai- na inaladas prejudica as fungdes anuibacterianas e antitumorais| dos macrofagos alveolares, ¢ a maconha diminui a capacidade dlestes de produzirem citocinas inflamatérias. Apesar dos efei- tos similares a acdo das duas drogas sobre os macrofagos se di de forma diversa, Reid e cols. estudaram em ratos os efeitos de THC e outras substancias de abuso", Ao contrario do que pode- +a se esperar, visto que em ratos CBD inibe CYP 3A11 que cata liza a formacao de norcocaina, encontra-se aumento de cocaina ‘enorcocaina cerebral e sanguinea nos ratos estudados, mas este achado no redundou em alteracio nos testes motores!#. Neste eestudo o pré-tratamento com THC aumentou os nivels cerebrais, de cocaina, de forma menos potente que CBD! ‘THC acarreta potencializacao do efeito analgésico de opiace- fs, parecendo haver tolerncia cruzada em alguns efeitos espect: ficos". Opidides e canabindides compartilham diversos efeitos, como antinocicepeao, hipotermia, inibicdo de atividade motora, hipotensdo e sedacdo. Os efeitos antinociceptivos de canabindt- des ¢ morfina sio aditivos: THC estimula iberacao de opidides endogenos, que contribuem para antinocicepcao da maconha, mesmo em doses de THC que normalmente nao teriam este eft: to. Como a morfina nio afeta significativamente os niveis san: guineos de A2THC, tentativas de utilizagdo associada so pes- ‘quisadas visando diminuir efeitos colaterais™!, Alguns estudos reliminares ligaram o uso de cannabis a um potencial aumento de utilizagio de heroina. Trabalhos mais atuais no conlirmam ‘esta hipdtese, mas ainda nao existem dados que possam ser considerados definitivos. Naloxone diminui efeitos de maconha, podendo ser utilizado na experimental de abstinéncia. Naltrexona nao influencia significativamente os indices de THC? apresenta influéncia controversa sobre os efeitos reforcado- de A”-THC. Haney acredita que naltrexona pode aumentar os efeitos reforgadores de THC! Pela agio diurética da maconha as sequintes interagSes sio possiveis: antagonismo de drogas hipoglicemiantes; risco de hipocalemia no uso com corticoesterdides; potencializagdo do feito de diuréticos. Pela acdo cardiaca da droga, esta interage com antiarritmicos, f-bloqueadores, nitratos, atropina e bloque adores dos canais de calcio', Pode potencializar relaxantes mus: culares © drogas antiglaucoma. Como o THC ¢ fortemente liga do a proteina plasmatica, podem ocorrer interagdes com outras ‘drogas com a mesma caracteristica. "A cannabis ocasiona confusao na avaliagdo das alteracées mo: toras, endocrinologicas e cognitivas atribuidas ao uso de 3,4-meti- enodioxt-metanfetamina (MDMA, ecstasy}. Alguns dos prejuizos inicialmente relacionados com MDMA parecem ser em realidade ‘ocasionados pelo consumo de THC, MDMA e maconha podem ter feito aditivo na desorganizagdo cognitiva. O uso de 4°-THC piora ‘ainda a meméria de usuarios de ecstasy. Usuarios de cannabis re latam mais ansiedade, sensibilidade interpessoal e comportamen: to obssessivo-compulsivo que 0s nio usuarios*>. Ainda, apresen tam mais depressdo, ideacao parandide e ansiedade fobica. Parece cexistir uma relagdo positiva entre intensidade de uso de THC © sravidade da sintomalogia®. ‘As interagdes entre os diferentes componentes da planta Cannabis sativa presentes no cigarro de maconha também s30 interessantes. CBD ¢ 0 maior componente nao psicomimético da maconha ¢ apresenta capacidade de inibir os efeitos psico- logicos do THC". 0 CBD inibe o metabolismo microssomal he- pitico do THC, potencializando o efeito analgésico do THC ¢ Feduzindo a duracdo da hipotermia induzida por este. 0 CBD também reduz os efeitos do A°-THC sobre débito cardiaco respiragio. O uso continuado de 4'-THC e seus metabolitos, de ‘outros agonistas canabindides ¢ do préprio CBD, termina por induzir atividade de CYP e minimizar a inibicio causada inicial mente pelo CBD. Reid e colaboradores encontraram que pré tratamento com CBD aumenta os niveis cerebrais de THC, mas este efeito € dose e tempo dependente. Pré-tratamento com THC pode aumentar os niveis cerebrais de CBD. Esta interacao reciproca de THC © CRD seria um argumento em favor do uso terapéutico da maconha e ndo apenas do THC isolado!?. Apesar da inibicio enzimatica, estas interacbes parecem ocorrer espe: cialmente por alteracdes na ligagdo com as proteinas plasm icas'!. As enzimas 2C ¢ 3A estdo envolvidas na formacao dos metabélitos da anandamida, Doses inativas de cannabinocromeno potencializam a letali dade por THC, mas nao potencializam seus efeitos sobre tempe ratura corporal. Conclusso © levantamento americano Methods for the Epidemiology of Child land Adolescent Mental Disorders (MECA) encontrou importante correlacdo entre uso de drogas e transtornos de ansiedade (20%) € dde humor (32%). Esta incidéncia de comorbidade, associada com 0 ‘levado uso mundial de cannabis, nos leva na pratica clinica a lidar com situagdes de utllizagdo conjunta do THC com varias outras substincias de uso médico ou reereacional. A forte ligacdo com proteina plasmatica, o metabolismo pelo sistema enzzimatico P450, a larga distribuicdo no tecido adiposo entre outros conhecimentos Aadquiridos ao longo dos ultimos anos, nos permite lidar com maior ‘margem de seguranca com nossos pacientes. Devemos atentar para ‘uso concomitante de THC com antidepressivos, divalproato, dis- sulfiram ou benzodiazepinicos. Ainda nao estao esclarecidas todas as questées do uso de A"-THC associado com outras drogas de ‘abuso, sendo este um interessante campo de pesquisa, Referencias 1. Grotenhermen F tharmacokintcs and pharmacodynamics of cannabinot (dln Pharmacokinet 2003, 42. 927-00, 2. Fernandez lz Leva JC. Cannabis (0h Farmacloga. I: Lorenzo P, Ladero Jo Leza J, zatoain | Drogodependencts. 2 ed Madre: Medea Panam ‘ican 2003. p. 203244, 5... Martin Dewy WL, Di Marzo V. Maran. Dass KL, Charney , Coyle JT, emerat €,cators Newopsychopharmacloy ~ the Hh geeratin of po fo Pladipc ippancon tans Wil 2008cp. 1p 1519515 44 aims i: Martin uk: Carmabis: pharmacology and toscolugy tn alas ana humans, Addition 19091: 1343-1014 5. NatsunagaT, Tanaka, uh, sibajamaX, KIShiN, Watanabe K€ cls. Oxidation mechanism of 7 hydrox) erahpocannabloa and Byaresy ‘etrahjdrocannabind othe covesponding Ketones by CYFSAL1- Du Set Dispos 2001; 2: 48s. 6, Tseng AH Harding J, Cralt KML Pharmacokinet actors in sex dferences in Deka Stetranyérocannabinl induced behavioral effets Im rat hy brain es 2004; 6 77-8 ‘at! MESH 1998 1 Gintarall MG, Marcin MA lntragdes Medlcamentoas Ins Cataldo Net A, ‘Ghuer GJC urtado Nt rgunicaders: aqua para Etudames de Sed ‘na Prt Alege: EDIMUCRS. 2003p. 737.702 9, Yamamoto Watanabe K, Narimatsu , Yoshimura Recent advances inthe Inetabolisn of eannabiooias Int) Bian Cel Bel 19952727415. 10. Kose aw, Awecka FF, enowitz NU, Shade 8, Hilton JF zak PS, eco. The ‘fects of cannabinoids onthe pharmacokinetics of indinavir and nena. ‘hs 2002; 16 543:550. 11 Horne LA Effects of unsaturated side-chain analogs of tetrabydrocanna biol on cytochromes F430, Bochemieal Pharmacology 2000; 6025961 12, Zp Dr, Deessert Dap CB, Prelit M. Baumann P. Tobacco and cannabis Emokingceation cin leg wo intoxcaion with clozapine or olaneapne Int Cn sjehopharmacol 2002! 17.143 13. Navarro M; Ladero JN, Martin Del Moral N, Leza JC. Cannabis, Dependen ‘Ga Compicaiones Organcasy Paquin: Lorenzo, taro}, Lea JG Liasoain C Dropodependencas. 2 ed, Madrid; Medica Panamericana 2003. 285298, 1M. Holster LE Interactions of cannabis with other drags in man. NIDA Res Monoge 1586: 6811056 15, CUISS, owen RC, Gu GB, Hannesson DK, Yu PH, Zhang X Prevention Ww {hdraval syndrome by thurs ivolvement of exyacinrgi neuron ct ‘alton } neurose 2004 21: 98679876, 1 Faragon J Pleo P- Drug interactions associated with HAART: focus on re mens for addiction and recreational drug. AIDS Read 2003; 13433480, 17. Uguort A, Gatto Ch, Jarret Separate nd combined eects of mares Sd leo on mood, equim and simulated dvang Psyhopharmaco. logy 2002163 3994405. 1a. ‘Abe EL Alaol enhancement of marhuansnduced fetta, Teratalo fr i966; 31-3540. 19, Re a, Boraheim Lt. Cannabinoi induced alterauons in brain disposition ff drugs of abuse Bachem Pharmacol 2001; Gt 1357-1367, 20, Takis SE, SholarN, Kou Fukuzako Hi, Mendelson J Slarinuana smoking Increases plasma cocane levels and subjective reports of euphoria in male ‘olunters Pharmacol biochem Behav ISP 38713 721 21. Gchenice Dl. Senge ineractons between cansbinold and plod ana: desir Life So 2004, 41317 22, Haney Misa, Fallin RW. Interaction betwen nallrxone and oat THC In hea inarjuans smokers Psyehopharmacology 2008, 16: 77-85. 24, ‘Solis Plo Lv, Coluber Sk Exposure to dla terahydrocannabs ‘ol (TH) increases subsequent hein Taking but Bo hei’ Fenforing eitcacy:aseradminisration study in rats. Newropsychopharmacology 24, GouzullsaytrankE Recker Pelz 5, Tuctonhagen F, Daumana J. Neuro- fridcrine abmornalies in ecreallang)cestasy (MDMA) users: st cstasy fr connabit loge Psychiatry 2002; $1: 7609 25, Daum HensenC, Thins 8, Rezk tT, Gowzouls Maytrank Eset Feported payehopathtogial symptoms in rereational cestasy (NDNA) Users are mainly associated with rela canna we further evidence om scone ons cial ogi esto. ay opal) (ert 2008; 75 sos-404 Capitulo 3 O Sistema Canabinoide Fabricio Araujo Moreira Introdugao Este capitulo aborda alguns aspectos fisioldgicos e farmacoloicos do sistema canabindide presente em mamiferos (endocanabinot des). Com enfoque no sistema nervoso central, serio discutidas as principals descobertas e davidas relacionadas aos receptores canabindides, aos ligantes endogenos para esses receptores © 20s mecanismos de sintese ¢ inativacdo desses ligantes. Ao final, se Hlo discutidas as principals perspectivas relacionadas aos estudos desse sistema, (0 estudo da fisiologia e da farmacologia do sistema canabi rndide relaciona-se intimamente com o estudo quimico da planta ‘annabis sativa. Esta interdependéencia pode também ser vista no udo de outros sistemas. Como exemplos, podem-se mencionar a nleotina, da Nicotiana tabacum, e a musearina, da Amanita musca ria, que conduziram aos estudos dos receptores nicotinicos © mus carinicos, respectivamente. O mesmo se aplica & morfina e demais opidides da Papaver somniferum na descoberta dos receptores & dos peptideos opidides presentes em mamiferos. ‘Tamanha é a importaneia dos produtos naturais para a fisiolo sla ea farmacologia que a dificuldade em estudar os compostos da Cannabis sativa refletise diretamente na descoberta tardia dos endocanabindldes, em comparacio a outros transmissores e recep- tores. De fato, os alcaléides nicotina, muscarina ¢ morfina foram Isolados e quimicamente caracterizados Ja no século XIX, possibl: IMtando importantes estudos farmacologicas. Quanto & Cannabis sativa, havia a dificuldade técnica de seus compostos serem mui to lipofilicos e nao se eristalizarem, formando um extrato oleoso ‘que ndo poderia ser plenamente purificado, Estes compostos 86 foram isoladlos e identificaclos em meados do século XX, pelo gru po de Raphael Mechoulam, na Universidade Hebraica de Jerusalém. Dentre eles, esto 0 A-tetrahidrocanabinol (6°-THC), 0 canabidiol (CBD), 0 canabinol, o canabigerol e o canabicromeno! (0 carater lipofilico dessas substdncias também impés dificul dlades téenieas para seu estudo farmacologico. Tanto é que, na dé cada de 1970, pensavarse que o principal mecanismo de agio dos canabindides consistiria na dispersdo dessas moléculas na bicama: dla lipidica da membrana celular, por um mecanismo analogo ao que cra proposto para os anestésicos gerais. Embora fosse reconhecida “uma certa especificidade” nas acdes dessas moléculas, ndo se ac dlitava que elas poderiam se liga a sitios especificos nas células Receptores canabindides No decorrer da década de 1980, tornou-se evidente que a hipdtese dos efeitos na membrana nao explicava adequadamente a farmaco- logia dos canabinoides. Os efeitos caracteristicos do 4-THC, como analgesia, hipotermia, catalepsia e reducio do controle motor, sio intimamente relacionados as doses utilizadas e a pequenas varia ‘cdes na estrutura da moléeula, Essas interagbes entre dose e re posta ¢ entre estrutura quimica ¢ atividade biologica sugeriam a texistincia de sitios especificos de ligacdo, ou seja, de receptores armacologicos para os canabindides. ‘Um forte indicio para a exsténcia de receptores canabindids foi ‘obtido em 1984, quando se demonstrou que os canabindides eram ca- ppazes de Inibir a encima adendato ciclase em concentragdes que se Correlacionavam significativamente com as doses utlizadas em mo- delos animais'. Sendo a adenilato ciclase parte de um dos sistemas de transducio de sinal para receptores acoplados a proteina G, estes dados motivaram ainda mais a busca de compostos com alta afinidade para os supostos sitios de ligagdo dos canabinoides. ‘Uma técnica fundamental para que se possa sugerir a existén- cia de receptores é a de ligantes marcados radioativamente (bin ding). Empregando compostos que se liguem com alta afinidade € especificidade, ¢ possivel quantificar os sitios especificos de liga ‘do (seja uma enzima ou um receptor) localizados em membrana Celulares, bem como a determinar a afinidade dos ligantes. Foi essa abordagem experimental que possibilitow sugerir a existéncia de receptores para compostos opioides, benzodiazepinicos ¢ antips- coticos, durante a década de 1970. ara os canabindides, esses experimentos foram realizados so ‘mente no final dos anos 0. Isso foi possivel apos a obten¢i0 do composto radioativo ['HICP-55940, capaz de se ligar com grande afinidade a membranas de cortex cerebral de rato, em um padrio condizente com a existéncia de sitios de ligacdo especif 3.1). Demonstrou-se também que o ["H|CP-55940, uo especifico, poderia ser deslocado por diversos canabinbides ‘com diferentes afinidades, de forma estereoseletiva, saturavel € dependente de pequenas variagdes estruturals (figura 3.1B). Alem disso, observou'se significativa correlagio entre a ordem de afini- dade pelo sito de ligacao e a ordem de poténecia para a inducio de cfeitos farmacoldgicos em humanos ¢ em animais experimentais. Essa caracteristicas preenchiam os critérios para a proposta de lum novo receptor, ao qual se ligariam os canabinoldes* Fe 21 Gas erent om ein ci ei ose Srmur de artes deat. lore so oboe pls stare er pameror de ‘ltt totale agaces ni xpos: is na presen de irda concern do Saposto na area fastener ace sco. aie fepresenan ‘nico compe da nein PICPSSBO pe contents erences eas ‘mde io ears Medea a 0 desenvolvimento de ligantes radioativos ¢ de anticorpos es: pecificos para o receptor canabinoide possibilitou o estudo de sua distribuigdo no sistema nervoso de humanos, macacos e ratos". Sua localizacdo ¢ abundante em terminagdes neuronais pré-sin3ptl ‘eas ea sua distribuicdo neuroanatémica esti em pleno acordo com ‘ efeitos farmacolbgicos dos canabindides (figura 3.2) A elevada ‘densidade desse receptor nos nicleos da base eno cerebelo poderia ‘mediar as alterac@es motoras induzidas por estes compostos. A sua, resenca no hipocampo e em diversas regides do cértex cerebral poderia justificar os déficits cognitivos e a amnésia anterégrada. A 'mediacio dos efeitos heddnicos ¢ reforcadores se justificaria pela presenca dese receptor no estriado ventral (nucleo acumbens fenquanto a presenca na amigdala e na matéria cinzenta periaque- dutal poderia explicar as alteragdes emocionais ¢ a analgesia, Nos diversos nucleos do hipotalamo, estes receptores poderiam mediar a hipotermia © ¢ aumento de apetite. A escassa distribuicdo em es: truturas do tronco cerebral responsaveis pelo controle respiratorio ‘cardiovascular explicaria a reduzida propensao dos canabinoides de induzir alteracdes significativas nesses sistemas. ‘Além do receptor canabindide envolvido na mediagio das res postas mencionadas anteriormente, um segundo subtipo foi desco- berto. Ambos ji foram clonados e suas estruturas descritas. Existem cevidéncias para efeitos farmacoldgicos que podem ser independen- tes de ambos, havendo a proposta de um terceiro subtipo. Faltam, no entanto, argumentos decisivos para sustentar essa tltima hipé- tese, O Comite para Nomenclatura de Receptores ¢ Classificacio de Drogas da Unido Internacional de Farmacologia e Terapéutica Experimental (UPHAR) denominou esses receptores, pela ordem de descoberta, em receptores canabindides subtipo 1 (CR,)¢ subtipo 2 (CB,)?. Ao contrario do receptor CB,, 0 CB, ndo é amplamente dis tribuido no encéfalo, mediando somente efeitos peritéricos. ‘Ambos pertencem 4 superfamilia dos receptores com sete dominios transmembrana’. 0 mecanismo de transducdo de si- nal consiste na ativacdo de uma proteina G que, por sua vez, Inibe a atividade da adenilato ciclase (figura 3.3). 0 resultado é ‘a menor conversio de trifosfato de adenosina (ATP) em mono: fosfato ciclico de adenosina (AMPc), com consequente reducio de atividade da proteina quinase A (PKA) ¢ dos efeitos bio: logicos mediados por ela. Os receptores canabindides podem também aumentar a condutincia de canals de potassio ¢ inibir canais de calcio, modulando a atividade neuronial e a libera: ‘glo de outros neurotransmissores?. Os receptores CB, sio es: tudados farmacologicamente utilizando-se, principalmente, 0 agonistas HU210 e WINSS212-2. O antagonista protatipo & 0 SR141716A (rimonabant). Fig. 23 osraio das ian de triaduci deal do ecepores ‘inbinies hy tna Se unt ‘Se Moist de 2 Ligantes endogenos para os receptores canabinoides ‘A demonstragdo da existincla de receptores para os canabindt des desencadeou uma intensa busca pelo ligante endogeno, assim. ‘como acontecera com os receptores opidides e os opidides endé- enos. Sendo os canabindides compostos multo lipoflicos, Willian Devane, Roger Pertwee, Raphael Mechoulam e seus colaboradores trabalharam sob a hipdtese de que os ligantes endogenos seriam ‘compostos com esta mesma natureza. No ano de 1992, estes auto; res publicaram a primeira proposta de um ligante endégeno para 6s receptores canabindldes, a etanolamina do acido aracdonico, fu aracdonoil-etanolamina® figura 3.4). Esse "canabindide endége- no", ou “endocanabindide", recebeu a denominacio de anandami- da, Sendo o termo “ananda” oriundo do sanscrito, traduzivel como felicidade serena, bem-aventuranca ou felicidade perfeita, Em sexuida, demonstrou-se que a administracao de ananda- ‘mida em animals experimentais induzia efeitos semelhantes aque- clo 4°-THC (hipolocomocio, catalepsia, hipotermia e analgesia). Isso veio a consolidar a proposta de que a anandamida seria um ligante dos receptores canabindides', sendo caracterizada como um agonista parcial endégeno com afinidade maior pelo receptor CB, e afinidade discreta pelo receptor CB,. Em 1995, 0 grupo de Mechoulam identificou outro compos: to endogeno como um ligante para os receptores canabindides, 0 2aracdonoil-glicerol (tigura 3.4, que possut valores de afinidades semelhantes para ambos os receptores", Outros possiveis canabindi des endégenos #40 a N-aracdonolldopamina, o 2-aracdonol liceril ter (noladina) ea O-aracdonoil-ctanolamina (virodamina), todos eles teres, ésteres ou amidas do acido aracdnico (figura 3.4) cot col coe cath Om ot eo seteat Sintese dos endocanabindides Para que uma substincia receba o status de neurotransmissor, deve preencher alguns eritérios. Tem-se como padrio a acetilcolina, o| primeiro estudado, ao qual se seguiram uma série de neurotrans- ‘missores “classics”, A substincia deve ter sua presenca detectada no sistema nervoso, bem como as encimas especificas para a sua sintese. Além disso, a substancia deve ser armazenada em vesicu- las ¢ liberada apos despolarizacio seguida de influxo de calcio, a partir de terminals pré-sindpticos (acdo anterdgrada). Depois de liberado, deve agir em receptores presentes em terminals pré- ou _pOs-sindpticos. Finalmente, devem existir mecanismos especificos para o término de sua aco, por meio de metabolismo ou re-capta 0. £ claro que estes crtérlos vem sendo revistos, havendo uma série de substincias que no os preenchem adequadamente, as ‘quais vim recebendo a alcunha de neurotransmissores "atipicos”. Quanto aos endocanabindides, os mecanismos de sintese & inativacdo sio mais compreendidos para a anandamida. Os estu- dos pioneiros foram realizados pelos grupos de Vicenzo Di Marzo, na Itilia, ¢ de Daniele Piomelli, na California, em meados da d ‘cada de 1990". Tornou-se evidente que os endocanabinoides sao desprovidos de algumas das caracteristicas que definem os neuro- transmissores classicos. Sio sintetizados a partir de fosfolipideos ‘de membrana, sendo 0 fator desencadeante o influxo de calcio se- ‘cundario a despolarizacdo neuronial. Nao sao armazenados em ve- siculas sindpticas, possivelmente difundindo-se logo para o meio cextracelular. Ou seja, 0 passo limitante para o inicio da acho dos endocanabindides ¢ a propria sintese, e ndo a liberacdo vesicular (sio sintetizados “sob demanda’). Além disso, podem originar-se ‘em neurénios pos-sinapticos ¢ agir em terminacdes pré-sinapticas, ‘exereendo uma ago do tipo retrograda. E provavel que a anandamida origine-se da hidrélise do fosfoli- pideo N-araedonoil-fosfatidil-etanolamida, através de um proceso tatalisado por uma enzima da familia da fosfolipase-D (figura 3.5). 0 2-aracdonoil-glicerol pode ser sintetizado por varios mecanis- ‘mos, 0 que explica 0 fato de encontrar-se no sistema nervoso em concentracio bem maior que a anandamida. Um dos possiveis me- canismos @ a quebra de fosfolipideos (como o fosfatidil-inositol) por meio da fosfolipase C, segulda de des-acilagdo catalizada pela diacilglicerol lipase (figura 3.3). cw" ESSE Inativacto dos endocanabindies Canto a min da ado guns neurotransnissores “asics? a —C—rtrs—rs—s—s=s=—=— Guvos slo recapindor epredoninanesens metboliie no interior dos neurénios, como a noradrenalina. Esses processos limitantes sd0 de significative interesse para intervencdes far ‘macologicas, quando se deseja intensificar as agBes de um dado neurotransmissor. Assim, para que se intensifiquem as ages da acetilcolina so utlizados inibidores da sua enzima metaboliza: dora presente no meio extracclular, a acetilcolinesterase. Ja para a noradrenalina, utlizam-se inibidores de sua re-captagao ou de sua encima de metabolismo intracelular, a monoamino-oxidase. Para os endocanabinoides, esses aspectos vém se mostrando bastante controversos, Todas as evidéncias indicam que a anan- damida seja metabolizada apés a sua reentrada nos neurdnios, por uma hidrolase de amidas de acidos graxos, a FAAH, do ing Fatty Acid Amide Hydrolase? (Figura 3.6). Foram desenvolvidos compostos inibidores dessa enzima (inibidores da FAH). Eles ‘mimetizam as acbes dos agonistas de receptores canabinoides possibilitam uma abordagem farmacologica que, além de elegant, sustenta a hipotese de que esta seja realmente a enizima respon: savel pelo metabolismo da anandamidat’. Além da FAH, a anan-

You might also like