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CAPITULO 3 AVALIANDO RELAGOES CAUSAIS RESUMO: A ciéncia politica moderna é constituida fandamentalmente ao redor da tentativa de estabelecer relacdes causais entre conceilos importantes. Esse processo raramen- te € simples e serve como base para quase todas as controvérsias cientificas. Como sabemos, por exemplo, se o desenvolvimento econdmico causa a democratizagao ou se a democratizacao causa 0 desenvolvimento econdmico, ou os dois, ow nenhum? Falando mais diretamente, se desejamos avaliar se algum X causa (ou no) algum ¥, precisamos superar quatro barreiras: (1) Existe algum mecanismo causal crivel que conecta Xa ¥? (2) Podemos eliminar a possibilidade de ¥ causar X? (3) Existe alguma covariagao entre X e Y¥? (4) Controlamos por todas as variéveis Z possiveis que podem causar uma relagao espuiria entre X e ¥? Muitas pessoas, especialmente as da midia, cometem erros ao achar que ultrapassar a terceira barreira - observar que Xe Y cova- riam - é a mesma coisa que conseguir ultrapassar as quatro. Em suma, encontrar uma relagdo nao é a mesma coisa que encontrar uma relagio causal, ¢ é na causalidade que estamos interessados como cientistas politicos. Bu preferiria descobrir wna lei causal a ser 0 Rei da Pérsia. P Demiécrito (citado por Pearl, 2000) 3.1 A CAUSALIDADE E A LINGUAGEM DO DIA A DIA smo a maioria das ciéncias, a disciplina da ciéncia politica é fundamentalmente constituida em torno da avaliagdo de afirmagGes causais. Nossas teorias ~ que podem estar certas ou erradas ~ tipicamente especificam que alguma varidvel independente causa alguma varidvel dependente. Entéo nos esforgamos para achar evidéncias em- — 76 Fundamentos da Pesquisa em Citncia Politica piricas apropriadas para avaliar 0 quanto uma teoria é ou ndo suportada, Mas como Avaliamos afirmagdes causais? Neste e no préximo capitulo, discutimos alguns princt- pios que podemos utilizar para fazer isso, Focamos na ldgica da causalidade e em uma série de critérios para estabelecer com alguma confianga em que gratt uma conexio ‘causal entre duas varidveis existe. Entio, no capitulo 4, discutiremos 08 varios tipos de desenho de pesquisa que nos ajudam a investigar afirmagées causais. Na medida em {que buscamos respostas para perguntas sobre relagdes causais, devemos ter em mente as “‘regras para o conhecimento cientifico” estabelecidas no capitulo 1, em particular a adverténcia sobre considerar apenas evidéncias empiricas no caminho. £ importante reconhecer a distingdo entre a natureza da maioria das teorias cien~ tificas e o modo como o mundo parece ser ordenado. A maioria de nossas teorias so dlescrigées limitadas a descrigdes de relagoes entre uma \inica causa (a varidvel inde- pendente) e uum iinico efeto (a varidvel dependente). Tas teorias, nesse sentido, so representacdes simplistas da realidade, mas devem ser necessariamente assim. De fato, ‘como notamos no final do capitulo 1, teorias desse tipo séo louvaveis em um aspecto: clas sio parcimoniosas, tais quais pedagos de informagio digeriveis. Nao podemos en- fatizar fortemente 0 bastante que a maioria das nossas teorias sobre fendmenos sociais ¢ politicos € bivariada - isto é, envolve apenas duas variaveis. Mas a realidade social nao é bivariada; ela é multivariada, no sentido de que qual quer variivel dependente de interesse ¢ causada por mais de um fator. ("Multivariada” significa simplesmente “muitas varidveis’, 0 que quer dizer que envolve mais de duas varidveis,) Entio, embora nossas teorias descrevam @ relacio proposta entre alguma causa e algum efeito, devemos ter sempre em nossas mentes que 0 fendmeno que es- tamos tentando explicar certamente possui. outras possiveis causas. E, quando for 0 momento de desenharmos a pesquisa a fim de testar nossas ideias tedricas - t6pico trabalhado no capitulo 4 -, temos que tentar explicar, ou “controlar para” essas outras causas, Caso contrario, nossas inferéncias causais sobre nossa teoria ~ de que X causa Y ~ podem muito bem estar erradas’. Neste capitulo, debrucamo-nos sobre alguns principios priticos para avaliar se, de fato, algum X causa (ou no) ¥. Estes crtérios também sio titeis para avaliar afirmacdes causais feitas por outros ~ sejam eles um jornalista, um candidato, um cientista politico, um colega de classe, um amigo, ou qualquer outra pessoa. Quase todo mundo, quase todo dia, usa a linguagem da causalidade ~ algumas vezes formalmente, mas na maior parte das vezes de maneira informal. Sempre que falamos de como um evento muda o curso de eventos subsequentes, invocamos 0 raciocinio causal ‘Mesmo a palavra “porque” implica que um processo causal esta em operacio*. Contudo, apesar da utilizaglo generalizada das palavras “porque’ “afeta,“impacta’, “causa” ¢ “cau +o longo deste livro, tanto no texto como nas figuras, ulizaremossetas como sinal para “causalidade Por exemplo, o texto "X > Y" deve ser lido como "X causa Y" Frequentemente, especialmente nas figuras, casas sta trio pontos de iterrogagdo em cima dela, indicando que a existencia de wma cconexo causal entre of conceitos € incerta. 2 Bsse uso dos termos foi trazido & nossa aten¢o por Brady (2002). fee Avalide relates causa 7 salidade’, o significado dessas palavras no € exatamente claro. Fildsofos da ciéncia tem realizado longos e vigorosos debates sobre formulagdes rivais de “causalidade”. Embora nosso objetivo nao seja nos aprofundarmos tanto nesse debate, existe um traco dessa discussao sobre causalidade que merece uma breve mengio. A maioria dos debates sobte filosofia da ciéncia se origina do mundo das cincias fisicas. A nogio de causalidade que esta no centro dessas disciplinas envolve, principalmente, relagbes de- terministicas - isto é,relagdes em que, se uma causa ocorre, entao o efeito ocorrerd com certeza, Em contrapartida, porém, o mundo das interages humanas consiste em relagdes robabilisticas ~ nesse sentido, um aumento em X esta associado ao aumento (ou dimi- nuigao) na probabilidade de Y ocorrer, mas essas probabilidades nao sio certezas. Enquan- to leis da fisica, como as leis de Newton, so deterministicas ~ pense na lei da gravidade -, (incluindo a ciéncia politica) as semetham-se mais ao nexo de causa dade probabilisticas da teoria da selegZo natural de Darwin, na qual mutagbes aleat6rias tornam um organismo mais ou menos capaz de sobreviver e se reproduzir', © que significa dizer, na ciéncia politica, que nossas concepgdes de causalidade devem ser probabilisticas em sua natureza? Quando teorizamos, por exemplo, que 0 nivel de riqueza de um individuo causa sua opiniao sobre qual é politica de tributayao étima, nao queremos dizer que toda pessoa rica querer impostos baixos ¢ que toda pessoa pobre preferiré impostos altos, Considere o que aconteceria se encontrassemos ‘uma tinica pessoa rica favordvel a impostos altos ou uma tinica pessoa pobre favoravel 1 impostos baixos. (Talvez vocé seja ou conhega tal pessoa.) Um caso sozinho nao diminui a confianga em nossa teoria. Em ver. de dizermos deterministicamente que “pessoas ricas preferirdo impostos baixos e pessoas pobres preferirio impostos altos’ dizemos que “pessoas ricas tém maior probabilidade de preferir impostos baixos ¢ pessoas pobres tém maior probabilidade de preferir impostos altos”, Nesse sentido, a relagio é probabilistica, néo deterministica. Vejamos outro exemplo: estudiosos dos conflits internacionais tém notado que exis- ‘te uma relagio estatistica entre o tipo de regime de um pats e a chance desse pais entrar em guerra, Mais precisamente, em uma ampla série de estudos conhecida como literatu- ra da “paz democratica’, muitos pesquisadores tém notado que guerras tém menor pro: babilidade de ocorrer entre dois paises que sto democracias do que entre pares de paises ‘em que a0 menos um é uma néo democracia. Para ser perfeitamente claro: a literatura lo sugere que democracias nunca entram em guerra, mas que democracias nao comba- tem outras democracias. Uma variedade de mecanismos tem sido sugerida para explicar 7 Voc pode encontrar uma excelente amostra do vigor desses debates em um livro de 2003 escrito por David Edmonds e John Bidinow, chamado Witigensteis Poker: The Story ofa Ten Minute Argument Between Two Great Philosophers. + Todavia, durante a evisio de tres tentativas proeminentes de elaboragio sobre a natureza probabilisti ca da causalidade na filosofia da ciéncia, 0 filésofo Wesley Salmon (1993, p. 137) notou que “Na vasta Tteratucafiloséfica sobre causalidede (nogdes de causalidade probabilistica] séo largamente ignora das, Emprestamos de Brady (2004) essa Util comparagio entre a natureca probebilstica da cigncia social ea teoria darwiniana da selego natural > —————&xoa_—_—-~=~=SN_—<“—a—FePePekF—737nr~;] oo 8 Fundamentos da Pesquisa em Ciéncia Politica essa correlagio, mas o ponto aqui é que, se duas democracias comegarem uma guerra hire sino préximo ano seria um erro descartar a teoria, Uma teoria deterministica ditia {que “democracias ndo entram em guerra entre si, mas uma teoria probabilistica Mais aaisivel diz que“ altamente improvével que democracias entrem em guerra entre si | Na citncia politica existio sempre excesdes, porque seres hummanos néo so robbs cujo comportamento sempre segue orientagées preestabeleckas, Em outras citnelas has quais 0 objeto de estudo nao possuilivre-arbitro, faz mais sentido falar ent leis {que descrevem comportamentos, Considere, por exemple, oestudo das érbitas plane- titans em que clentistas podem predizer o movimento dos corpos elestes centenas de nos antes de este ocorrer. O mundo politico, em contrapartida, éextremamente dif de predizer. Como resultado, na maioria do tempo, estamos felizes por sermos capazes de fazer afirmagdes sobre relagdes causais probebilisticas. (© que tudo isso quer dizer, em resumo, & que a nogio do que significa diver que algo “causa” algo & uma questo que estélonge de ser resolvida. Em face disso, os ie tis sociais devem abandonar a busca por conexdes causais? De modo algum. © que isso significa & que devemos proceder com cuidado e com a mente sempre aberta, em, ver de assumirmos um modo excessivamente rigido de pensar. 3.2 QUATRO OBSTACULOS NA ROTA PARA O ESTABELECIMENTO DE RELAGOES CAUSAIS Se desejarmos investigar se alguma variével independente, que chamaremos de Xs “caus alguma varidvel dependente, que chamaremos de ¥, quais procedimentos de- veremos seguir antes que possamos expressar nosso graut de confianga se a relagio Causal existe ou ndo existe? Encontrar algum tipo de covariagio (correlagdo) entre X ¢ ¥ nfo é suficiente para uma conclusio desse tipo. Fastimulamos voce a ter em mente que estabelecer relagdes causais entre varidveis nao é de modo algum como cagar evidéncias com DNA, como ocorre nas séres rimi- rede televisio. A realidade social nio apresenta respostas to simples e diretas. Se- tuindo a discussdo anterior sobre a natureza da causalidade, consiere o que apse aeaigos como diretrizes para o que constitu’ as “melhores praticas” da ciéncia politica Para qualquer teoria sobre uma relagdo causal entre X e Y, devemos cudadosamente ‘considerar as respostas paras as quatro quest6es abaixo: 1. Existe algum mecanismo causal crivel que conecta Xa ¥? 2, Podemos eliminar a possibilidade de que ¥ pode causar X? 3, Bxiste covariagéo entre Xe Y? 44. Controlamos por todas as varidveis colineares Z que podem tomar @ associa- Gio entre Xe ¥ espiiria®? [Da “varivel colinear” &simplesmente uma varivel que & correlacionads com a varével indepen UJomeedependenteeque de agua forma aera arelagio entre esas duas vaidvei. “Espa sign fica “gue ndo € 0 que aparenta ser” ou “als: el Avaliando relagdes causais 79 Primeiro, devemos considerar se é crivel afirmar que X pode causar Y.Com efeito, esse obsticulo representa um esforco de responder &s questées “como” e “por que” em relagdo a teorias causais, Para fazer isso, precisamos realizar um exercicio mental no qual avaliamos os mecanismos de como X pode causar ¥. Qual € o proceso ou 0 ‘mecanismo que, logicamente falando, sugere que X pode ser a causa de Y? Em ou- tras palavras, o que especificamente faz com que tet mais (ou menos) de X aumente a probabilidade de ter mais (ow menos) de Y? Quanto mais estranhos forem esses ‘mecanismos, menos confiantes estaremos em que nossas teorias conseguem superar esse primeiro obstéculo. Falhar em superar de maneira clara esse primeiro obstculo 6 um problema sério; o resultado & que ou nossa teoria precisa ser abandonada total- ‘mente, ou precisamos revisé-la aps pensarmos cuidadosamente sobre os mecanismos

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