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O Territério Brasileire Anténio Carlos Robert Moraes’ nicialmente, cabe bem salientar a centralidade da dimensio espacial na formacio histérica do Brasil. Gerado no processo de constituigao da economia mundo capitalista, e conhecendo uma via colonial de estruturacao, 0 pais se constréi sob © signo da expansio territorial. Trata-se de uma sociedade que sempre teve na conquista de espago um forte elemento de identidade e coesio. A idéia de “construir 0 pais”, tio recorrente em nossa histéria politica, sempre estava associada i ocupagéo de novas areas € 4 montagem do territério. Assim, nio raro se definiu a arte de governar como a capaci- dade de produzir e ordenar 0 espaco. E de fato, a existéncia de grandes fundos “territoriais cumpriu miiltiplas fungoes - econémicas, politicas ¢ ideoldgicas - ao longo de nossa formagao. E exatamente esta potencialidade multifuncional, representada pela existéncia de um amplo territério a se ocupar, que coloca um primeiro equacionamento da questo espacial brasileira numa avaliagao prospectiva de longo tempo. Trata-se da interrogacao acerca do comportamento da vida brasileira no ‘momento em que se esgotem as reservas de espaco no territério nacional. Tal situagao aparecerd como inédita em nossa histéria, introduzindo uma grande novidade enquanto experiéncia coletiva para a sociedade ¢ 0 governo, O padrao extensivo do povoamento ¢ da instalagao das estruturas produtivas, domi- nante em nossa formagio, no poder mais se reproduzir. Em outras palavras, a formagio do * Professor do Departamento de Geografia/USP. territério brasileiro estard completada no que importa 3 incorporagio produtiva das terras sob soberania nacional. O expediente de “fugir para frente” - vivenciado por indios, posseiros, colonas ¢ empresas - ndo ters mais condig6es de se exercitar no pais. Um resultado inelutével dessa situagao vai emergir numa forma de avaliar 2 terra e os recursos disponiveis no territdrio nacional. O cariter predatério ¢ 0 alto nivel de desperdicio. de recursos que imperam até hoje (seja no trato das florestas, dos solos ou dos recursos hidricos), passardo a operar num universo de estoques cada vex mais restritos. Com certa ironia, pode-se dizer que a 6tica conser- vacionista no uso dos recursos, de uma orien- tagdo preventiva, se tornaré um imperativo de sobrevivencia. Nesse sentido, o planejamento prospectivo atual, quanto mais assimilar 0 paradigma do desenvolvimento sustentivel, mais estard se antecipando a uma situagdo previsivel num futuro jé nio to distante. Enfim, este é um primeiro tema genérico para a reflexéo, que sugere uma revalorizagao no uso dos recursos ambientais ¢ naturais disponiveis. Nesse sentido, duas macrozonas emergem como grandes reservas potenciais de valor: a regio amaz6nica ¢ a érea maritima sob jurisdigao brasileira. Quanto & regio amaznica, mantendo-se as atuais diretrizes para sua ocupacio (as quais conhecem certa irreversibilidade dada pela pressZo internacional, na medida em que contemplam as principais preocupacdes postas nessa esfera), ocorreri sem diivida um avango do povoamento ¢ um adensamento populacional, porém de forte indole seletiva e concentrada, induzida pelos zoncamentos em curso € pelas demais legislagées restritivas j4 em vigor. Além disso, a existéncia de extensas reas protegidas ¢ de um grande mimero de unidades de conservacéo na regiio atuard na acentuago do marcado padrio urbano, jé observavel na ocupacao hodierna da Amaz6nia. Um dinamismo peculiar devetio conhecer aquelas localidades amazénicas associadas & explorago de recursos minerais de ato valor. Ess, ‘quando priximas a cixos de poveamento/circulacio, induzem a formagio de uma rea deadensamento, ou mesmo redirecionam o sentido dos fluxes. Quando localizadas em zonas isoladas, tendem a constituir enclaves extrativistas, com baixa internalizacio local de valor. De todo modo, a avaliago de cenérios paraa Amazénia deveria ensejar uma discussao especifica, dada a grande singularidade dessa regido no mundo contemporanco. ‘No que importa ao mar brasileiro, pode-se prever um uso mais intenso de seus recursos, que estardo mais conhecidos jd antes de 2.005. projeto REVIZEE jé deverd ter conduido seus trabalhos, com a definigio dos estoques de recursos vives da Zona Econémica Exclusi- va e dos niveis de captura sustentaveis, os quais -até por imposicio do CNUDM - serio cfetivamente explorades, o que resultaria numa expansio do setor pesqueiro, cujo mercado internacional apresenta tendéncia positiva a longo praro. O desenvolvimento da maricultura, que apenas inicia-se no pais, ea formagio de viveiros artficiais no mar completa- iam o quadro de intensificagao do so dos recursos vivos marinhos. Em termos da exploracéo mineral da zona maritima, 0 projeto REMIZEE deverd estar também com seus trabalhos concluidos antes da data mencionads, identificando as jazidas existentes ¢ seu potencial econdmico. Vale lembrar que, quanto 20 dominio do subsolo marinho, a conclusio do projeto LEPLAC, com o estabelecimento da dintensio da plata- forma “juridica” brasileira, jogard a fronteira leste do Brasil para 300 milhas nduticas da linha da costa, fato de extrema importancia geopolitica para o Atlntico Sul. A exploragao de perréleo off shore também deverd ter expandida sua drea de exercicio, seja pela prospecgao na Bafa de Santos ou em dreas setentrionais do pais. Essa importancia futura dos meios mari- ahos - como fonte de recursos, mas também em fungao da intensificaggo dos fluxos mer- cantis oceinicos, decorrente do fluxo da globalizacéo da vida econdmica - coloca a questao do controle da sua degradacio, hoje, no centro das preocupagées com o planeja- mento estratégico do pais. Sabendo-se que mais de 90% da poluigio marinha origina-se de fontes terrestres, o olhar planejador deve se voltar para as zonas litoraneas ¢ para as ativida- des ali desenvolvidas. Noradamente, aqueles ecossistemas que cumprem papéis vitais na reprodugio da vida marftima (como os manguezais, por exemplo), deverdo merecer especial atencao nos programas de preservacio. Em se mantendo os niveis de avanco da ‘ocupagao - que numa série histdrica de cin- qilenta anos revela taxas de crescimento sempre superiores as clevadas médias nacionais - 0 litoral brasileiro estard continuamente urbanizado em 2.020, talvez.com excesio da porgdo no extremo norte. A ampla orla nordes- tina que, na atualidade, ainda conhece setores de baixa densidade populacional, vivenciars um maior povoamento dessas ércas, com a plena implantacéo do projeto PRODETUR! NE, e seu efeito dinamizador sobre a urbaniza- ‘20, Proceso a0 qual se somam o avango das segundas residéncias ea instalagio e/ou ampli- agao de atividades precipuamente litoraneas, como 2 portuéria por exemplo. O binémio urbanizacio/industrializagio, incorporando no primeiro processo as ativida- des turisticas e de verancio, compord também 6 perfil genetalizado da ociipacio do litotall das regides Sul e Sudeste do pais na época mencio- nada. As paisagens ¢ ecossistemas originais remanescentes serio apenas aqueles que sofrerem medidas de restrico ao uso hoje, enfim, as “dreas protegidas”. Isto destaca a importincia estratégica da boa implantagao do Programa Nacional de Gerenciamento costeiro ¢, particularmente, da efetivacao de sua acéo de zoneamento. ‘Contudo, a preocupagio com 0 orde- namento da ocupagio da zona costeira no pode se restringir apenas ao planejamento preventivo, mas deverd envolver também atuagées corretivas, notadamente no que tange a0 saneamento bdsico ¢ ao tratamento de cfluentes domeésticos e fabris. O quadro atualmente existente, exarcebado nas metrépo- les costeiras, j& pede investimentos de grande monta para suprir a demanda instalada nao coberta por estes equipamentos. O PPA € 0 Plano de Acao do governo constatam tal situagio e destinam recursos significativos para agées de saneamento bisico. Tal orien- tagio deveria ser mantida para possibilitar a corresio da situagao atual e acompanhar o crescimento da demanda por estes servigos nas préximas décadas. Esse padrao de urbanizaczo continua da zona costeira conheceré nédulos de adensamento (alguns jé estabelecidos e sem condigées de reversio) muito em razao das telagdes que se estabelecam entre as localidades litorineas e a hinterlindia. A fungao portudria se destaca nesse particular, deixando antever um crescimento significativo da ilha de Sao Luis, no Maranhao, em decorténcia da articulagao dos portos de Itaqui e Ponta de Madeira com a malha ferrovidria (em construsao e plancjada) que demanda o complexo de Carajis ¢ os arredores de Brasflia. Também deverd aumentar 0 movi- mento dos portos de Rio Grande ¢ de Paranagué em virtude da intensificagio dos fluxos no Ambito do Mercosul. Algum efeito no adensamento local certa- mente ocorreré com a construgo do porto off shore de Pecém, no Ceard (provavelmente induzindo 0 crescimento da regiio metropoli- tana de Fortaleza na direcio oeste), e coma dinamizagao de Suape, em Pernambuco (possivelmente revertendo a atual estagnagio da regido metropolitana do Recife). Porém, isto dependerd em muito do comportamento da economia nordestina, ainda emersa na condigio de “regigo problema” para o pais (como bem destaca o recente relatério do IPEA sobre Desenvolvimento Humano no Brasil). © Estado do Espirito Santo deveri conhecer um aprofundamento da sua jé utilizada vocacao portudtia, devendo se constituir numa das dreas mais espe- cializadas unifuncionais do litoral brasilei- 10, alocando um complexo conjunto de portos associado a uma densa rede de circu- lacio multimedal. O litoral dos estados de So Paulo e do Rio de Janciro merece uma anilise em separado, pois af a funcao portudria se mescla com virias outras, definindo uma porgio continua de muiltiplos usos, que deveré constiuir um dos clos de ligagio entre as duas maiores metr6po- les brasileiras, estruturando, nesse sentido, parte da primeira megalépole do territério nacional, j4 em formagio no presente. A velocidade de constituigao dessa estrucura espacial - que terd a zona costeira como um dos eixos de conurbagao, estando o outro correndo pelo Vale do Paratba - dependeré sobremaneira da redinamizagio da metrépole carioca, © que poder ocorrer com a instalagio do teleporto no Rio de Janeiro edo porto de Sepetiba no eixo litoraneo. Vale mencionar que no movimento da drea core brasileira, observa-se uma competi¢ao locacional envolvendo duas diregoes possiveis: uma € exatamente a fusio das manchas metro- politanas de Sio Paulo e Rio de Janeiro, através do litoral ¢ do mactoeixo do Vale do Paraiba; a outra é expnsio areolar paulistana num sentido concéntrico, que levaria a consolidagio de uma macrometrépole, incorporando a Baixada Santista, as regides de Campinas (em i meama jé bastante conurbada) e de Sorocaba, ¢ 0 Vale do Paratha paulista. Essa segunda opgao apresenta hoje uma tendéncia de caminhar no sentido norte-noroeste, direcionando-se para o triingulo mineiro, pelo eixo da rodovia Anhanguera. Numa escala mais dilatada de abordagem, estas duas aglomeracdes representam as porgdes mais adensadas do chamado “poligono industrial” brasileiro, © qual envolveria também as regides metropolitanas de Belo Horizonte, ¢ de Curitiba, ¢ seus entornos. Traa-se da zona central do territ6- rio brasileiro, que aloca cerca de 70% da producio industrial do pais © quase metade da populagao. Pode-se prever um adensamento progressivo no interior desse macro-espago, com o crescimento de sua rede de cidades, até conformar um padrio, que teria como similar atual a costa leste dos Estados Unidos. Nesse padrio, nao se pode falar mais em atividades agrarias, nem mesmo nas zonas rurais remanescentes no seu interior. Cabe apontar a possibilidade ampla de migracao de atividades ¢ fungoes internamente a este macro-espago, fato ja visivel no comportamento locacional da industria brasileira nas dltimas décadas. No que importa as demais metrépoles regionals, o mais sensato € considerar que continuarao crescendo, mesmo que em ritmos mais lentos, como revelou o ultimo censo, e muito em fungio do desempenho das econo- mias regionais que presidem. Estas, por sua vez, sao hoje dependentes de sua articulagzo com 0s circuitos globalizados, cujo comporta- mento define em muito suas performances. E ainda dificil captar, por exemplo, as respostas gatichas a consolidacao do Mercosul, ou o papel de Belém numa objetivagio do Pacto Amazbnico. No geral, pode-se aventar a ocorréncia de uma expansao contigua das atuais regides metropolitanas com a dinamizagio de suas éreas imediatas de influ- ancia (processo ji detectivel nos dados do dltimo censo, que revelam um incremento interessante ‘nos entornos metropolitanos). Completando esta modelagem numa escala dilatada, caberia apontar o papel das estradas, em particular das rodovias, na estruturagio dos cixos de povoamento, A carta de densidade demografica do Brasil, seja em base municipal ou de micro-regio, bem assinala tal qualidade, apresentando com clareza o adensamento existente no curso da Belém-Brasflia ou da Cuiabé-Porto Velho, por exemplo. Enfim, as estradas cumprem uma funcio clara de vetor de ocupacao num pais formado num processo de expansio territorial e, portanto, atuam como importantes fatores na definicao do sentido geogréfico desse movimento. A ligacio rodoviiria Porto Velho-Manaus, por exemplo, se perenizada, se transformari, sem duivida, num importante eixo de povoamento da Amazénia. ‘As estradas que interligam espagos transnacionais possuem uma importancia ainda maior para a reflexio geoestratégica. No momento atual esbogam-se algumas iniciativas nesse sentido: a relagao de Manaus com a Venezuela ¢ com 0 Caribe (via Paramaribo), a ligagdo da malha redovidria nacional com algum porto peruano no Pacifico (via Acre) ¢a construgdo da ponte Buenos Aires/Colonia (importante elo da articulagao da capital portenha com a 4rea core do Brasil). Cabe ‘comentar que estas iniciativas contemplam sa(das pelos distintos quadrantes terrestres do pais, nos sentidos sul, oeste ¢ norte, podendo vir a constituir futuros eixos de povoamento, dependendo da circulagéo praticada em cada um. E possivel antever que o trasado da ligagdo Buenos Aires-Sao Paulo influird bastante na dindmica territorial das regides atravessadas. Vale lembrar que as ligagdes com o Pacifico ¢ com a Venezuela esto contempladas no PPA. eno Programa de Agio do governo. Um tiltimo ponto a ser comentado diz respeito ao nivel de integracdo e homoge- neizagao alcangado pelo tertitério brasileiro no cenério proposto para 2020. Hoje, apesar do Brasil configurar uma economia efetiva- mente “nacional” (superando a mera somatéria das economias “regionais’), 0 nivel de disparidade entre as diversas unidades da federa- io é profundamente alto, seja qual for o indica- dor considerado. Em termos demogrificos, a amplitude vai de cerca de 300 mil habitantes (no Amapé e em Roraima) até mais de 30 milhdes de residentes (no estado de Sao Paulo). Tal amplitu- de se repete na capacidade produtiva, na geracio de renda, no consumo de energia e em varias matérias Pode-se dizer que uma das poucas carac- teristicas distribufdas com certo equilibrio em todo territério nacional € exatamente 0 alto nivel de desigualdade social existente no pais, Por toda parte observa-se uma grande concentragao de renda (expressa por exem- plo na estrutura de propriedade da terra, apresentada no recente Atlas Fundidrio Brasileiro, editado pelo INCRA), 0 que demonstra que a construsdo de um tertité- tio mais equilibrado nao implica apenas remanejamentos espaciais de atividades se nao forem reformadas as estruturas sociais. Bem, aqui se entra no campo da politica, onde a histéria ensina que é temerdrio fazer previsdes ou praticar a futurologia. De todo mode, é possivel assinalar que o pals vive, na atualidade, uma tensao federativa. cujo desdo- bramento inevitavelmente implicaré 0 estabe- Jecimento de um novo pacto territorial, cujos contornos ainda estio pouco delineados. Sio Paulo, 28 de setembro de 1996. ReEsuMO Palestra apresentada no Palicio do Planalto em 01/10/96, dentro do workshop “Cendrios Brasil 2.020. A Questio Espaci- al”, promovido pela Secretaria de Assuntos Extratégicos da Presidéncia da Repitblica. O autor exclarece que, por ser a transcri¢ao de uma palestra, 0 texto nio contém notas nem bibliografia. As idéias apresentadas, apesar de serem de exclusiva responsabili- dade do autor, basearam-se em discussies € obras de Milton Santos, Manuel Corréa de Andrade, Bertha Becker, Maria Adélia de Souza, Wanderley Messias da Costa, Clau- dio Egler ¢ André Martin. PALAVRAS-CHAVE Brasil; territério; desenvolvimento. ABSTRACT This text is the discussion which was presented in Palicio do Planalto in the workshop “Brazil 2.020 Sceneries, The Space Question”, that was promoted by the Presidence of the Republics Strategic Subjects Secretary. The author explains that there aren't notes and bibliography because this article is a transcription of a discussion. However the responsability of its ideas is only his, they were based in deba- tes and readings of Milton Santos, Manuel Correia de Andrade, Bertha Becker, Maria Adélia de Souza, Wanderley Messias da Costa, Claudio Egler and André Martin's works, Key Worps Brazil; territory; development.

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