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Os anos JK: industrializagdo e modelo olig4rquico de desenvolvimento rural Vania Maria Losada Morel or tee Professora Adjunta do Departamento de Histéria da Universidade Federal do Espirito Santo. “u da largura que a terra do Brasil tem para 0 sertio no trato, porque até agora nfo houve quem aandasse por negligéncia dos portugueses, que sendo grandes conquistadores de terras, nfo se aproveitam delas, mas contentam-se de andar arranhando ao longo do mar como carariguejos.” (Frei Vicente de Salvador, escrevendo em meados de 1627) nee “Somos € continuamos a ser v4rios Brasis, em um s6 Brasil nem sempre ver- dadeiro, (,..) Em virtude de sua extensio e continuidade territorial, pode o Brasil 3er considerado um continente. Mas, sob 0 ponto de vista étnico, eco- ndmico, histérico e cultural, forma um arquipélago.” (Meats Gicovarte, gedgrafo, em livto publicado em 1959) “Sobre a cabega 0$ avibes/ Sob 0s meus pés os caminhSe! Aponta contra os chapaddes meu nariz.../ Eu organizo o movimento/ Eu oriento o catnaval/ Eu inauguro um monumento no planalto central do pats." (Caetano Veloso, na cangho Tropicdlia de 1967). Juscelino Kubitschek de Oliveira foi, dentre todos os presidentes eleitos da experiéncia democrdtica dos anos 1946-1964, aquele que mais se destacou como homem piiblico de agao. Tomou para si diversos desafios: governar estritamente dentro dos limited constitucionais ¢ democréticos; acelerar o de- senvolvimento econdmico, implantando novas inddstrias ¢ prometendo fa- zer em cinco anos o que levaria cingilenta; ¢ integrar a nacionalidade, antiga aspitagio herdada dos portugueses, consttuindo a nova capital e estradas que da floresta amaz6nica, das chapadas do Oeste ¢ das grandes cidades litora- neas convergiriam até Brasilia, no, Planalto Central do pals. Resumia seu governo com as idéias de movimento, acdo ¢ desenvolvimento, Seu maior compromisso foi acelerar as transformagées ¢ 0 ctescimento econdmico do © Basie neruaticano “gigante adormecido” para transformé-1o em uma nagio préspera em todos ‘08 quadrantes de seu territ6rio ¢, sobretudo, para todos os seus habitantes. ‘O governo JK (1956-1961) foi, de longe, o mais bem-sucedido da expe- ritncia democratica. A administragio Dutra, por exemplo, gozou de estabi- lidade politics, mas, comparada Ade JK, foi bem menos expressiva no campo do desenvolvimento econémico. As demais padececam sob o influxo de cri- ses polfticas ¢ institucionais € nenhum dos presidentes em questio comple- tou seu respective mandaro — todos interrompidos por eventos draméticos: o suicidio de Genilio Vargas, a renincia de Janio Quadros ¢ 0 golpe politico- tar que depds Jodo Goulart, em 1964, De um ponto de vista panorimico, © governo JK foi quase uma “procza®. A partir de um quadro social e po- Iitico tenso e com interesses bastante divergentes, conciliou 0 processo de- ficagio do desenvolvimento de tipo capitalista. Nio € por mero acaso, portanto, que o Glingitnio JK tenha recebido, posterior- mente, oepiteto de “anos dourados” e que, ainda hoje, Juscelino Kubitschek seja ido como uma espécie de modelo para virios politicos, defensores da ordem capizalisa e democrética para o Brasil. ‘Neste capftulo, procuro explicar 0 governo JK a partir das inter-relagoes ficas escabelecidas entre 0 projeto social nacional-desenvolvimentista, defendido € implementado por Juscelino, com dois outros projetos impor- tances no perfodo e que, além disso, fariam face ao programa juscelinista & Gircisa € 8 esquerda do panorama politico o ruralista, nitidamente conser- vador e autcritério, ¢ 0 nacionalista econtmico, erescentemente reformista ¢ abertamente popslas Essa licha de reflexto faz um recorte analitico ¢, por isso, no exgoza ax diferentes dimensbes da administracio Kubitschek. Ems contrepartida, procuta reagatar a dindmica politica do Brasil dos anos JK. Resursindo a proposta desse cepizilo, acredito ser pouco provavel a com- Dpreexiio da especificidade do projeto nacional-desenvolvimentista, bem como bilidade, institucional do perfodo, sem a consideragio dos mais importantes incerlocuzores politicos da época, exjas opinibes ficaram expressas nos “outros” projets sociais entfo em disputa, mocrético € a int os Anos 1K: INDUSTAIALIZAGAO E MODEL OLIGAaQK cy (© NAGONAL-DESENVOLVIMENTISMO © peril detenvolvimentista de Juscelino configurow-se bem cedo, quando sina era prefeito de Belo Horizonte e, depois, governador de Minas Gerais, Mas foi em sua campanka A presidéncia da Replica ¢, sobretudo, durante tua administragio que o desenvolvimentismo ou nacional-desenvolvimen- como um estilo de governo ¢ como um projeto social ¢ tismo se consolidou yromisso com a politico para o Brasil, cujos tragos essenciais eram 0 comp! democracia e com a intensificagéo do desenvolvimento industrial de tipo capitalist. Durante a campanha presidencial, Juscelino percorreu 0 pafs com as es- tatisticas da produgio de energia elétrica e transporte. Frisava a necessidade de uma ampliagdo dréstica desses setores, caso o Brasil desejasse dar um sal- to em sua produgio industrial eintegrar o bloco dos entéo qualificados “patses desenvolvidos”. Seu slogan de campanha, “cingienta anos em cinco”, sinte- tizava seu objetivo maior: acelerar o desenvolvimento nacional. Era um slogan bastante sugestivo, pois prometia realizar em um mandato, entio de cinco ‘anos, o que levaria muito mais tempo. E, como observou um influeate polf- tico do perfodo, José Joffily, essa “linguagem do desenvolvimento”, ma a por mimeros, metas ¢ estaisticas, ndo fazia parte do estilo da época. Nio steve presente, por exemplo, nas duas campazhas presidenciais que antece- deram a de JK, isto é, as de Dutra e Vargas (M 1998a, p. 159). programa de governo de JK assumiu integralmente a “lingua desenvolvimento. Mais conhecido como Plano de Mezas, 0 programa era, na realidade, um documento essencialmente econémico. Dividiase em 30 seas, dstibuldas ere os setores de energia (mets 1 Sy tansporeee tas 6 a 12), alimentac4o (metas 13 a 18), industria de base (metas 19 a 25) educagio (meta 30). A construgio de Brasilia 6 foi incorporada ao Piano de Metas durante a campanha presidencial, mas rapidamente se transformou em uma das prioridades de Juscelino. Ele siruava Brasilia, aliés, em destaque, considerando-a “a grande meta de integrasio nacional” ou, ainda, a “metasintese” de sua administragio. ‘Tomado em conjunto, 0 Plano de Metas visava aprofundar 0 processo de industrializagio. Incentivava, por um lado, os investimentos privados de gat de © BRASIL REPUBLICANO capital nacional e estrangeiro, procurando ampliar o parque industrial. Por ‘outro lado, atacava os pontos de estrangulamento da economia, isto 6 o8 problemas estruturais que impediam o incremento industrial, prevendo gran- des investimentos estatais na infra-estrutura nacional (Lafer, 1970, p. 78). Tao marcante quanto a linguagem desenvolvimentista de JK foi sua atuagio como presidente da Repiblica. Ao contrério da prética de alguns ~-eandidatos a cargos da administracdo piblica, que assumem compromissos ¢ «metas € depois néo cumprem, ou até mesmo realizam coisas muito diversas daquelas prometidas, Juscelino implementou pasto a pasto seu programa de governo, entéo considerado bastante ambicioso tendo em vista as condigSes, nacionais. As principais avaliagdes de sua administragio sfo un{ssonas em afirmar que @ tealizagio do Plano de Metas foi coroada de sucesso (Lafer, 1970; Benevides, 1979; Maranhio, 1985; Skidmore, 1979). De fato, 0 éxito na implementagio do Plano de Metas foi inegével. As metas de energia e transporte, investimentos em infra-estrutura considera- dos indispenséveis a0 aprofundamento da industralizagdo, aleancaram re- sultados notdveis, Enquanto o plano previa a pavimentagio asfdltica de 5.000 em de rodovias (meta 8) ea construcio de 12.000 km (meta 9), em 1960 08 resultados jé tinham superado o previsto, pois foram construfdos 14.970 km ¢ pavimentados 6.202 km. No caso da energia elétrica (meta 1), indicava-se a clevasio da poténcia instalada de 3 milhbes de kw para $ milhdes, E, em 1960, 95,4096 da meta haviam sido alcangados. A meta 27 estabelecia a im- plantagio da indtistria automobilistica com capacidade de produsio de 170,000 vefculos, entre caminh6es ¢ automéveis. Em 1960, os resultados do setor eram surpreendentes. A capacidade instalada permitia 2 superacio dda meta fixada em 17,29 (Faro & Silva, 1991, p. 62-66). No conjunto, a ampliaco do parque industrial multiplicou os empregos para os trabalhadores urbanos e ofertou, as camadas médias, novos produ- tos de consumo, antes pouco acessiveis, pois caros e obtidos pela via da im- portasSo, Juscelino, por sua ve2, tirou todos os proveitos politicos da execucdo do Plano de Metas, Visitava os canteiros de obras e, pessoalmente, inaugura- va hidrelétricas e novas estradas, ditigindo modelos de vefculos produridos pela inddstria automobilistica instalada no pafs. E, para fechar com chave de ‘ouro sua administrago, inaugurou com todas as pompas Brasflia, no Planal- OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAGAO E MODELO StiGAnauico to Central, em 21 de abril de 1960: Alids, passou a faixa presidencial aJanio ‘Quadros em solenidade realizada na nova capital’ modemista, sempre tida como uma meta delirante do presidente e impossivel de ser realizada no pra- 20 predererminado. : : O sucesso de Juscelino em implementar as muitas ¢ ambiciosas metas de seu plano de governo néo passou despercebido, Em 1961, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinio Pablica ¢ Estatistica (IBOPE) buscou avaliar © quanto a populacio notou a intensificagéo do desenvolvimento promovi danno qlingdtnio JK. Realizada na Guanabara, a pesquisa apresentou niime- ros significativos: 80% da populaclo pesquisada afirmou que “o presidente Juscelino acelerou de fato o desenvolvimento do pa(s”, contra 12% que dis- ‘cordavam dessa opinio e outros 89% que nfo sabiam opinar sobre o assunto (Moreira, 1998a, p. 86). 5 Para muitos contemporaneos de JK, alids,'o impressionante desenvol- vimento econdmico justificava considerar 0 projeto nacional-desenvolvi- mentista como a “revolugdo industrial brasileira”. Contudo, 0 modelo de industrializagio adotado por JK, & parte certaespecificidade, baseado na maior presenca do capital estrangeiro, nfo era algo novo no Brasil. Ao con- trdrio, o mesmo padro jé estava claramente em andamento pelo menos desde © Estado Novo, Realizava-te, além disso, gragas ao apoio poiltico do Estado, no sentido de promover a producto interna de industrializados, que eram mais freqdentemente importados pelo pats. Eis porque tal modelo recebeu a alcunha de “industrializagio substitutiva de importagbes" (Singer, 1984, p. 214), Tal industrializagio também nfo se esgotou com o encerramento do overno JK ou com o fim da experitncia democrética, pois no regime auto- rithrio iniciado em 1964 0 modelo recobrou o folego, sendo, inclusive, aprofundado (Singer, 1984, p. 225), Ao perfil desenvolvimentista de Juscelino somava-se outro: o nacionalis- ta. Esse lado do presidente e de sua administragao expressava-se também por meio de uma linguagem espectfica, defensora do desenvolvimento nacional, dos interesses nacionais, das forgas nacionais, da integracdo nacional etc. Mas foi sobretudo a alianca politica que JK estabeleceu com partes significativas do chamado movimento nacionalista que garantiu a sua'plataforma politica © epiteto de “nacionalista”, 164 © enasit neruauicano ‘Um dos'setores mais préximos do presidente foi o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), uma instituigfo ligada a0 Ministério da Educa- $40 € um tos’principais centros de producdo e difusdo do idedrio nacionalis- ta durante a experiticia democritica. O ISEB reuniaintelectuais de presiigio como Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Alvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Candido Mendes, entre outros, Era um cen ‘woativo: publicava livros que mércaram época, realizava semingrios em torno de temas polémicos ¢; sobretudo, furcionava como um espago de socializagéo ‘entre politicos, intclectuaise estudantes. A instiruigdo defendeu muito aber- tamente a plataforma nacionai-desenyolviraentista de JK. O presidente apoiou, por sua vez, as atividades do ISEB, que teve sua “idade de ouro” justamente no qlingiénio juscelinista (Toledo, 1982, p. 184-191). A defesa.da industrializacao. de tipo capitalista era inequivoca entre os isebianos, Eles viam; no entanto, enormes empecilhos a realizacdo desse pro- jeto social, a comesar pela resisténcia das chamadas “classes sociais arcaicas” 40 processo de modernizacio e industralizacSo, Os setores “arcaicos” eram definides como um bléco heterogéneo, nascido e desenvolvido no contexto da economia agrério-exportadora que havia prevalecido no Brasil desde 0 perfodo colonial até aproximadamente a década de 1930. Inclufa, principal ‘mente, 0s latifiindistios, os setores ligados ao comércio exportador e a clas- se média tradicional. E, na avaliago isebiana, esses grupos nao tinham o menor interesse no.novo € ainda frégil modelo de desenvolvimento nacio- nal, bascado na indiistria ¢ no mercado interno. Diante da suposta resistencia dos setores sociais “arcaicos” ao processo de industrializagio, os isebianos pregavam a necessidade de uma “revolugéo democtético-burguesa no Brasil", isto é, uma alianca dos “setores sociais dinamicos” (burguesia, proletariado, camponeses e nova classe média), soba itegio da “burguesia nacional”, para fazer face aos interesses “arcaicos” (lea seagrétio-exportadores ¢ antindustrais) (Moreira, 1998b, p. 335). Daf nascia © segundo maior problema iiebiano: como conseguir a unido das “classes dindmicas”? Além do mais, como fazer isso.em pleno sistema democrético? ‘A preocupagio isebiana.de compatibilizar capitalismo e democracia ndo era descabida, Nas democracias, € 6 voto popular que elege os governos € estes, por sua vez, podem ou nfo implementar politicas favordveis 0 162 Se OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAGAO & MODELO OLIGARQUICO aprofundamento do sistema industrial capitalista. Mais que isso, o sistema democritico brasileiro era reconhecidamente frégil, pois ainda muito depen- dente do apoio dos militares e recorrentemente ameacado por “opcdes” ou “solugées” golpistas. Basta lembrar, por exemplo, que 0 préprio Juscelino € seu vice, Jo3o Goulart, s6 conseguiram assumir os postos para os quais ha- viam sido eleitos, pelo voto popular, gragas ao “golpe preventivo” do gene- ral Lott, de 11 de novembro de 1955 (Skidmore, 1978, p. 194-197). Foi tendo em vista as incertezas do sistema democratico em geral e, em particular, as dificuldades da democracia no Brasil, que os isebianos propa- Javam anecessidade de produzir divulgar a chamada *ideologia do desenvol- vimento nacional”, O objetivo era sedimentar aalianca das “classes dinamicas” contra os segmentos politicos e sociais “arcaicos”. Roland Corbisier resumiu bem tal perspectiva, quando afirmou que “nao haverd desenvolvimento sem a formulagio prévia de uma ideologia do desenvolvimento nacional” (cita- do por Moreira, 1998a, p. 137). Em outras palavras, o desenvolvimento in- dustrial, sob a lideranga politica, social e econémica da burguesia, era um projeto apenas alcancével, na democracia brasileira, se fosse feita ampla pro- paganda ideol6gica, capaz de convencer proletétios, camponeses ¢ classe média a apoiarem tal plataforma social e politica, Afirmar que os isebianos entendiam ser a propaganda ideol6gica funda mental 4 defesa do capitalismo em um sistema democritico nio significa di- zer que eles pensavam que isso seria condigdo suficiente, Hélio Jaguaribe e Roland Corbisier compartithavam a idéia de que a reforma do Estado era outra medida inadiével, se 0 objetivo fosse alcancar o “desenvolvimento nacional”, Buscavam, por meio da reforma, tornar o Estado menos acessivel as demandas clientelistas dos politicos tradicionais (“arcaicos”) e mais “téo- nico”, isto €, capaz de implementar politicas setoriais que dessem sustentd™~—_ ao & modernizagao ¢ a industrializagio (Moreira, 19982, p. 140-142). Guerreiro Ramos ¢ Alvaro Vieira Pinto desenvolveram um ponto de vis- ta bem mais critico sobre o problema, Perceberam, cada um a seu modo, que a defesa da industrializagio de tipo capitalista, no contexto da democracia” brasileira, poderia exigit mais do que propaganda ideolégica e reforma ad- ministrativa. Para eles, o capitalismo no Brasil nfo estava absolutamente as- segurado, pois da direita poderia partir a prépria recusa do aprofundamento 163 © BRASIL REPURLICANO in sistema industrial e, da esquerda, a superacio da burguesia como classe gente. ( diagn6stico de incertezas fez com que Guerreiro Ramos sugerisse ser 4 defesa do capitalismo brasileiro matéria de “seguranga nacional”, Tudo que prejudicasse tal modelo de desenvolvimento — como partido, grupos de pressio e manifestagbes da opiniso puiblica deveriam estar, segundo Ramos, sob a mira de nosso aparelho de seguranga” (citado por Moreira, 1998a, “Spo. ‘A posigio de Ramos era clara, pois preferia sacrificar a democracia em defesa do capitalismo. Radicalmente oposta foi a opgio politica de Vieira Pinto, para quem “... s6 estdo credenciados para promover o desenvolvimen- to nacional aqueles que forem escolhidos pelas massas ou, em outras pala- vras, nfo pode haver solugéo politica para os problemas brasileiros fora do voto popular” (citado por Moreira, 19982, p. 140). ‘A reflexio isebiana sobre a tensio existente entre capitalismo e demo- cracia desnuudava os diferentes interesses econdmicos, sociais e politicos, entio ‘em jogo e em conflito, que potencialmente punham-em risco 0 projeto so- cial acalentado pelo grupo. Se os interesses industrialistas eram fortes, tam- bém o era o poder dos ruralistas, cuja ago politica os isebianos presimiam ser contrdria A industrializagdo. A democratizagdo, ocorrida a partir de 1946, tornava 0 cendrio nacional ainda mais complexo. Estava permitindo a cres- cente participacdo e organizacio politica popular, cujas aspiragdes e deman- das poderiam nio ooincidir com aquelas defendidas e esperadas pela burguesia ¢, menos ainda, dentro da visio isebiana, com os interesses da oligarquia rural ‘Aascensio das demandas populares, em um quadro politico ainda fortemente marcado pela presenga da elite rural conservadora, era um desafio politico bastante considerivel. Disso nio tinha davidas, aliés, nenhum intelectual ou politico minimamente senstvel e observador da experitncia democrética. ‘As relagbes entre o ISEB e 0 governo JK nio devem ser simplificadas apenas na idéia de cooptagéo. Os mais ativos intelectuais da instituigdo eram 08 sociélogos e os politicélogos, que formulavam e propagandeavam a tal {deologia do desenvolvimento nacional”, Eles mantiveram uma relacio or- ginica com o presidente, com seu primeiro escalio € com muitos outros | politicos ligados a JK, como a Ala Moga do Partido Social Democritico. A plataforma industrialista de Juscelino, exposta de forma exemplar no Prov OF AMOS 14: INOUSTRIALIEAGLO £ MoDLO OLIEANQuiCO grama de Metas, era percebida como a implementagio das principais idéias € diretrizes defendidas pela instituigdo. B, de fato, tal avaliagso nfo estava de todo equivocada. O governo JK aprofundava, muito visivelmente, aindus- trializagdo de tipo capitalista defendida pela instituigio e ambos, ademais, ‘usavam ¢ abusavam da “linguagem nacionalista” para conquistat os coragbes as mentes de seus contempordneos. eufemismo “desenvolvimento nacional” definia o projeto de indus- trializagdo do ISEB e do governo JK, que era, no entanto, liberal, burgués, capitalista. Mas a “ideologia do desenvolvimento nacional”, sobretudo na versio juscelinista, ocultava a dimensio de classe subjacente ao projeto nacio- nal-desenvolvimentista. Ofertava 0 “desenvolvimento nacional” como algo de todos e para todos, cujo resultado final seria a transisio do Brasil para o mundo das nag6es ticas, modernas e portadoras de bem-estar social. (OS PROGRESSISTAS E © MOVIMENTO NACIONALISTA A sustentacdo politica e partidéria do governo JK baseou-se na alianga entre 0 Partido Social Democrético (PSD), de Juscelino, ¢ 0 Partido Trabathista Brasileiro (PTB), do vice-presidente Joio Goulart. O PSD tinha um perfil conservador, nitidamente ruralista, enquanto o PTB defendia os interesses trabalhistas, com insergéo sobrenudo no meio urbano. A alianga PSD/PTB dava a administragZo juscelinista um aspecto de governo de “centro”, pois combinava setores politicos com agendas bastante diversas. ‘O maior partido de oposigéo era a Uniso Democrética Nacional (UDN). A legenda combatia ostensivamente a heranga politica ¢ ideoldgica de Gerd- lio Vargas, claramente presente na alianga PSD/PTB. Defendia, ademais, 0 slogan da “moralidade pablica” como a bandeira mimero um do paitido. Congquistava, desse modo, eleitores urbanos sensfveis ao, discurso da mo- ralidade politica, mas, no interior, onde possula’ também uma forte base ruralista, disputava a hegemonia com o PSD (Benevides, 1981). ‘Ao lado do PSD e da UDN, o PTB foi a terceira maior legenda do perfo- do democrético. No entanto, crescia em ritmo muito mais acentuado, em detrimento, aliés, dos demais partidos (Hippélito, 1985, p. 58-595 Delgado, 16s © bnAsiL RepuLiCANO 1989, p. 202). A ampliag&o das suas bases sociais ¢ politicas fazia-se sobremu- do gracas A defesa dos interesses dos trabalhadores e de reformas sociais que atendiam os estratos menos favorecidos da populagio. A bandeira trabalhis- ta repercutia entre os setores populares das cidades, enquanto no campo s ampliavaa atua¢do do partido, organizando diretbrios ¢influindo na expan sho do sindicalismo rural (Hippélito, 1985, p. 191; Delgado, 1989, p. 203). Seu crescimento no meio urbano ¢ sus presengs cada vez mais significative no intetior incomodava as elites tradicionais ¢sinalizava uma maior radicali- a¢fo do panorama politico nacional. esse modo, A esquerda do cenfrio politico ¢ social, Juscelino rinha como principais interlocutores os chamados "grupos progresssias" sobrerudo os politicas ligados ao PTB. Dentro do préprio partido, alids, os progressistas pets B esquerda organizaram-se ao chamado “Grupo Compacto” qué, de gcordo com seus membros, visava reuni os “nacionalistas convictos” em ums dos trabalhadores (Delgado, aruagio mais ostensiva na defesa dos interesses: 1989, p. 205). Mas os progeesisas nbo estavam adstritos A legends rabalbsta. No pro- prio partido de Juscelino, de base abertamente rural, ¢ na maior legenda de oposisdo, a UDN, existiam também grupos de progresitia, come “Aa Moga" do PSD e a “Bossa Nova” da UDN (Hippdlito, 1985, p. 144). Embo~ aos elementos mais atuantes do PSD ¢ da UDN fossem avaiados, dentro de suas respectivas legendas, como segmentos radicais ¢ quast dissidentes, foi igragas a eles que seus partidos passaram a encampat 67 demandas popu- fares. No plano mais geral, defendiam reformas socials ¢ modificagbes poll ticas que os aproximavam dos parlamentares trabalhistas, ‘José Joffily foi um exemple tipico de politico progresiss da era demo- cxdsica, construindo uma rede de relagdes com intelecusi politicos de di- ferentes legendas partiddtas e movimentos socais em ascensio, Eramembro da Ala Mosa, vice-presidente da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) € tss(duo participante das reuni8es politicas ¢ académicas do ISEB. Posterior- vente, em um depoimento, otfily explicana razto de ser da ‘Ala Moga. Para ele, o proceso de industrializagio, ‘urbanizagio e democratizagio vivido entdo pelo pals exigia uma adaptacio do sistema partidirio as novas demandas ocias, No plano mais concreto, isso significava a incorporasso de exigto- os ANOS JK: INDUSTRIALIZAGAD & MODEL OLICAECUICO cias populares, como o voto do analfabeto, a revisho da estrurura agri a xtensdo da legislagfo socal trabalhista aos trabalhadores ruris, 0 apoio’ Jndustralizagdo, a expansio dos ervigos piblicos ¢a reforma administativa, centre outras. Quanto a sua legenda, o PSD, afirmou Joffily: “Nao se compreen- dia mais a existéncia de um partido voltado para o latifindio, comprometido ‘com o Estado cartorial. Ach4vamos que tudo aquilo ia perecer mais cedo ou mais tarde, e nfo querfamos que aquele barco sogobrasse as nossas custas também..." (citado por Moreira, 1998a, p. 160). Para os progressistas, a sobrevivencia da classe politica no novo Brasil que despontava com a democratizagio de 1946 significava, entre outras col- sender certas demandas populares. E, se algo efetivamente unia, sem maiores problemas, os chamados “grupos progressistas”, era o crescente in teresse ¢ atengio que dispensavam ao que entdo se entendia por “desenvol- vimento sobre bases nacionais” ou, mais resumidamente, “desenvolvimento nacional”. Tendiam a agir politicamente como um bloco, tal como. ficou exem- plarmente evidente na constituisfo informal da chamada Frente Parlamien- tar Nacionalista (FPN), Estabelecida em 1956, funcionou como um forum de debate ¢ mituo apoio de politicos tidos como radicais em seus partidos de origem (Moreira, 19988, p. 160). Embora hoje a idéia de “desenvolvimento nacional” nos parega ampla € imprecisa para qualificar um projeto social especifico, 0 fato € que, para os contemporineos do governo JK, 0 conceito tinha um sentido muito claro: industrializagdo. Nio se confundia, desse modo, com aidéia de um processo de desenvolvimento baseado exclusiva ou prioritariamente no setor agropecuirio, Entre os segmentos mais radicais, significava também a mo- dernizagio da sociedade nacional, via reformas profundas no sistema poltti- co-eleitoral, na administracio do Estado, na estrutura agréria, na educagso® ~ nas relacbes internacionais. Desde 0 colapso econbmico de 1929, ficou relativamente claro para se- tores politicos ¢ intelecruais importantes do cendrio brasileiro o quanto era frdgil a nagSo, justamente por ter-te sustentado em um processo de desen~ volvimento dependeate do mercado externa, isto é, no modelo agréio-ex- portador. O antidoto proposto para combater tal fraqueza da nacionalidade era, no por mero acato, o desenvolvimento de uma indéstria nacional, cujo © OnAsHe Repusticane Of ANOE 1m: IHOUSTRIALIEAGKO F MORtLO OLrektouie® florescimento deveria i ini i Saas doves seers es poae eel A oriito de Gabriel | (amounier, 1978, p. 356), quanto no idetrio de partidod polltcos tho de cet ieee € tivo militant nacio- ‘esos como o integralista€ o comunista. O Estado bratileco, desde a revo. ¢ acordo com o parlamentar, .. um pafss6 se liberta, lusto de 1930, também teve um discurso bastante marcado pelo vocsbuld um pa(s 36 progride quando transforma as proprias riquezas. O pafs mera- nacionalista, presente nas formulagbes de| homens do ported Gi i = ‘mente exportador de matéria-prima € pafs fadado ao aniquilamento e 20 | Juscelino Kubitschek eJoto Goulart ou ainda, poseriormente, ma ideale ae, perecimento” (citado por Moreira, 1998a, p. 132). | dda seguranga nacional do regime militar. , “ee hin de defenderem a industrializacio e de criticarem abertamente 0 ! * Se nem todos os nacionalistas eram progressstas, jf que a “linguagem moto agririo-exportador precedente, os progresssts ainda compartlha- nacionalista” continuou presente nos discursos de sevores sociise politicos conservadores € até mesmo reaciondrios, quate todos 0s progreisistas se definiam como “nacionalistas™.* Mas o ingrediente nacionalsta, por si 86, serve muito pouco para qualificare explicar os projetos socials historicamente ‘em disputa no Brasil. Na realidade, funcionou mais para confundie as dife- rentes propostas politicas em jogo, ao encobri e dissimular as grandes fecensas existentes, gragas a0 uso comum da “linguagem hacionalista”, Contudo, dificilmente podemos compreender a experitncia democréti= 26, mais particularmente, os anos JK, sem recorrer ao cada vez mais atvan- te movimento, Para Caio Prado Jr., militante comunisa, editor da Revista i vam uma outra avaliagSo: identificavam a oligarquia latifundidtia como 0 | | 1 i | ! | | Brasiliense (1955-1964), difusor do idedrio nacionalistae, entdo, reconheci- | | maior “vilio” nacional, pois consideravam-na ‘capaz de inviabilizar 0 apro- fundamento do desenvolvimento industrial. Para eles, a elite agriria ainda ‘era um bastito defensor da economia agrério-exportadora pouco interessa- da na industrializagdo, € cujos latifindios,além disso, inbiam a formasto de um mercado interno consumidor de industrializados. Os polfticos progressistas, fossem eles reformistassociais ou simplesmente liberais interessados no aprofundamento do capitalismo industrial, eram uninimes quanto & critica ao latifindio, Presumiam que, na austncia de um processo distributivo de terras (reforma agréria), capaz de elevar o padrio social ¢ econdmico das massas rurais, dificilmente a industrializaglo nacio- nal seria bem-sucedida, pois tornar-se-ia sufocada pela austncia de mercado interno consumidor (Moreira, 1998b, p. 349). Para 0 deputado petebista baiano Fernando Santana, por exemplo, a reforma agréria nfo era uma “exi * géncia revolucion4ria”, mas antes uma. medida de assisténcia A indistria, in- ‘capaz de crescer pois estava *...sem meios de se Aexnvleruma vane nou inelastico...” (citado por Moreira, p- 349). : - ni na eee a critica ao latifiindio eram o que havia de a ilegalidade. ae Sree ao e on repos de mais comum entre os diferentes segmentos progressistas do perfodo. A uta mane goes mulipleara indo nics pen dey politica ¢ ideolégica desses setores gerou a formagio do que ficou conhec- inlets since ene oun Not ance J, pts o acon do como “movimento nacionalista”, um importante fendmeno social, poll- mo era nfo apenas um ingrediente ideolégico, mente um movimento politico e social em plena expansio. do como um dos mais importantes intelectuais do pals, nacionalismo dos 40s $0 jf era compardvel, em termos de importincia polftca e dimensto social, aos precedentes movimentos pela independéncia pela abolisho da excravidto (Moreira, 19986, p. 330). A avaliagio de Caio Prado Jr. nfo era exagerada. No plano politico, 0 movimento era plural, incorporando setores de vérias legendas partiddias como 0 PSD, a UDN, © PTB ¢ 0 Partido Comunista Brasileiro (PCB), entdo ° a i . Explicar a Cag aes a ee democrsca de 46a a ee Como movimento social politico, comecou a ganbar forga em 198, naturena especifica desse movimento, eae quando detencadcou-te a campanha “O petr6leo énosto",pattocnads pelo ca iente ideolbgi dife- ° Lop O nacionalismo, como ingrediente ideol6gico, esteve presents em Clube Militar (Souza, 1993, p. 23). A campanha, com seu sugestivo nome, rentes momentos da trajet6ria histérica brasileira. £ posstvel reconhect-lo, procurou mobilizar a sociedade na defesa da exploragio do peteleo,entio por exemplo, tanto no pensamento autoritério da Primeira Repiblica 169 168 +o anasti nerusiicano recém-encontrado na Bahia, por empresas nacionais, Descartava-se, desse modo, a aleernativa da Shell, da Texaco ou de qualquer outra multinacional ser instalada no pals para aquele fim. A criagdo da Petrobrés, em 1953, co- roou de sucesso as jornadas em defesa do petréleo nacional. Desde entio, o nacionalismo se identificou, cada vez mais, com a idéia de apoiar um proces- so de desenvolvimento centrado nas “forgas sociais ¢ econdmicas da. nagdo”, Durante 0 governo JK, as questées que mais mobilizaram o movimento nacionalista foram a industrializago, a presenga do capital estrangeiro, a reforma agréria € 0 pacto social e politico que deveria orientar ¢ sustentar 0 processo de *desenvolvimento nacional”. A estes temas centrais seguiam-se ‘outros, como a politica extema independente € as reformas no sistema elei- toral, administrativo, educacional etc. Todas essas bandeiras nasciam ou de- rivavam-se da necessidade, sentida pelos membros do movimento, de prover a na¢o com um processo de' desenvolvimento auto-sustentével. E, como ‘vimos, tal desenvolvimento s6 poderia ser a industrializagio ancorada na demanda interna. Contudo a implementagio concreta desse objetivo maior ¢comum gerava uma série de tens6es. Exemplo das conflitos ocorridos foi a inexisténcia de um projeto social tinico, j& que 0 movimento se dividia claramente entre pelo menos duas ten- déncias que disputavam a hegemonia politica: o’nacional-desenvolvimen- tismo, do ISEB e de JK, eo nacionalismo econdmico, da esquerda do perfodo, No entanto, foram justamente 0 pensamento ¢ a aio politica dessas duas facgées que deram um sentido concreto a idéia de “movimento nacionalisy lemocrética. Dito de outra forma, o nacionalismo dos ta” da experitncia de anos 1946-1964, isto é, sua parte mais ativa ¢ fundamental, teve uma dimen- so claramente liberal, representada pelo nacional-desenvolvimentismo, € outra popular, exemplificada pelo nacionalismo econdmico. (© NACIONALISMO ECONOMICO A plataforma industrialista ¢ desenvolvimentista de JK teve ampla penetra- ($40 nos segmentos nacionalistas progressitas. Mas 0 apoio a Juscelino, em- bora tenha sido bastante significativo, ndo se realizou sem crfticas importantes. Os ANOS 1x1 INOUSTRIALIZAGAO # MODELO OLIGARQUICS © lado mais reformista ¢ radical do movimento, que aqui estamos qualifi- cando de nacionalistas econdmicos, teve crescimento significative durante ‘a administragdo juscelinista a ponto de, em 1960, romper com 0 nacional- desenvolvimentismo. A questdo central do conflito foi, sem sombra de dv das, a presenga do capital estrangeiro no processo de industrializagao ¢ desenvolvimento da época. financiamento do Programa de Metas foi, durante todo o governo de JK, um dos pontos frégeis e de mais diffcl solugéo. O pais néo contava com uma poupanga interna capaz de arcar com os elevados custos da plataforma governamental. No plano internacional, os empréstimos de governo a go- verno, que prevaleceram no imediato pés-guerra, estavam francamente des- cartados em favor da inversio direta de capitais em economias consideradas promissoras, Diante desse quadro, Juscelino implementou grande parte do Plano de Metas emitindo papel moeda e incentivando a instalagao de multi- nacionais no pafs, o que resultou no aumento inflaciondrio e na ampliago da presenga do capital internacional na economia brasileira (Malan, 1984, P- 66 € 83). Essa opcio juscelinista ficava, com o passar de seu governo, cada vex mais evidente, gerando fortes criticas de setores do movimento naciona- lista, De acordo com o deputado udenista pelo Ceard, Adail Barreto: *...nés da Frente Nacionalista temos declarado em toda parte por onde andamos, aqui na tibuna da Camara ou nas semanas nacionalistas feitas em diversos Extados: somos contra 0 capital colonizador, verha ele de onde vier...” (c= tado por Moreira, 19988, p. 345). Acctftica contra a inversio direta de capital estrangeiro era intenta en- tre politicos, intelectuais, estudantes ¢ sindicalistas do movimento nacio- nalista. Qualificavam tais investimentos com epftetos nada elogiosos, amo “capital colonizador”, ¢ a opgio juscelinista de “entreguista”, pois enten= diam que a ampla participagio do capital internacional atrelaria o desen- volvimento do pats A l6gica do “imperialismo™. No meio intelectual, aqueles que melhor articularam as idéias dos nacionalistas econdmicos foram os colaboradores mais ativos da Revista Brasiliense, como Caio Prado Jt, Heitor Ferreira Lima, Elias Chaves Neto, entre outros. Para Chaves Neto, por exemplo, era preciso defender um projeto de industrializagio sobre “bases nacionais”, pois o grande atrativo para as inversdes diretas de capi fo erase wi muicano tal externo era 08 baixos saldrios pagos A mfo-de-obra nacional. Além dis t0, esses capitais sviriam eriat aqui, nto uma indistria destinada a suprir as necessidades de consumo de nosso povo, mas com vistas & exportasto dos seus produtos, entrosando-se 0 Brasil no sistema econdmico das nagbes imperialistas, no qual ‘© nosso poro desempenhard o papel de mlo-de-obra mal remunerada, com So... excestio daquela parte da burguesia nacional que ter unido os seus interes- ‘es 20 do capitalitmo internacional (citedo por Moreira, 1998, p. 347). 0 projeto social dos nacionalistas econdmicos da Revista Brasiliense era bas- tance diverso daquele defendido pelo nacional-desenvolvimentismo de Jusce- lino Kubitschek e do ISEB. Pregavam a alianga dos “setores sociais populares” (proletarios, camponeses e progtessistas) na defesa da industrializasso e de reformas estruturais, sobretudo a agrdria, para viabilizar a elevacto do pa- defo social e econdmico da populacio brasileira. O grande objetivo nto era simplesmente 0 aprofundamento da industralizagio, mas a ampliagSo da qualidade de vida e de trabalho da maior parte possivel da populasdo rural ¢ urbana. Cénsideravam que as principais ameagas & consecugdo desse projeto extern, dos interesses do grande capital in- ta") e, internamente, da oposigso dos lati- geiro. polftico e social viria, no plano ternacional (“sistema imperi fundidrios e da burguesia local coligada aos interesses do capital estran; ‘Os nacionalistas econdmicos enfrentaram de forma firme o problema do impacto do capital estrangeito sobre 0 desenvolvimento industrial brasileir +o, situando tal questo como um dos principais eixos de suas reflexes, Pre- {etiam indiscutivelmente, os empréstimos de governo a governo. Desse modo, ¢ Estado seria o grande investidor nacional € manteria o controle sobre © desenvolvimento econdmico, desenvolvendo-se, no pals, uma expécie de capitalismo estatal, Mas na impossibilidade dessa op¢4o, propuseram ind meras politicas disciplinares aos investimentos diretos de capital: 0 controle sobre a remessa de luctos, royalties e dividendos para minimizar o impacto da drenagem de recursos para fora do pats; a exclusividade de investimentos cestatais em setores estratégicos da economia, como o setor de energiay € politica externa independente, isto é, desvinculada dos intereses tanto do ese 05 ANOS JX: INDUSTRIALIZAGKO'E MODELO OLLekHQuiCO bloco capitalista,liderado pelos Estados Unidos, quando do socialist, capi- taneado pela entio Unio Sovietica, para garantir.uma industtializasto centrada antes nos interesses internos do que na bipolarizagdo internacional da Guerra Fria, Diferentemente de JK ¢ dos isebianos, os nacionalistas econbmicos assu- iam publicamente que a ampliagio da participasto do capital internacio- nal na economia brasileira poderia reproduzir, ém novos termos, dependéncia nacional em relagio aos pafsesticos eindustializados. Pior ain- da, uma industrializagdo dependente poderia liquidaz com a chance do de- senvolvimento brasileiro satisfazer os interesses das camadas populares. Desse modo, enquanto os colaboradores da Revista Brasiliense ¢ virios polfticos nacionalistas criticavam 0 “capital colonizador® ea politica desenvolvimen- sta de JK, justamente por criar novos lacos de dependéncia, os isebianow tomaram uma posigSo de conciliago com o governo: resumiam o problema da dependéncia fundamentalmente como um resultado da alianga dos latie fundisrios agroexportadores com 0 mercado internacional. A dependéncia era, para os isebianos, uma caracterfstica da economia baseada na exportagio de produtos agricolas, que dominou a trajetérie do Brasil aproximadamente até a década de 1930, Nio era uma possibilidade presente na etapa da “revolugto democrético-burguesa bratileira”, que visa- va precisamente, segundo eles, acabar com a dependéncia externa e, porta to, com o cardter ainda “semicolonial” do pafs. Do ponto de vista ltebiano, jinda existia & reprodugto da dependtncia e do carder ia da burguesia nem tampouco da ‘se alguma ames semicolonial” brasileiro, esta ado parti industrializa¢o, mas dos ruralistas ¢ do comércio exportador de matérias- primas, Seja pela critica a dependéncia, pelo apelo aos interewses populares ou ainda pela plataforma das reformas sociais € politicas, 0 nacionalismo eco- nbmico foi a perspectiva das esquerdas do perfodo, As ligagSes entre 01 co laboradores mais freqQentes da Revista Brasiliense com o Partido Comunista eram, por exempio, evidentes, muito embora nfo se possa dizer que intelece tuais como Caio Prado Jr., Chaves Neto ¢ Calil Chade refletisem a orienta- ho oficial do partido (Moreira, 1998b, p. 342; Rodrigues, 1983, p. 412). Mas seria inexato afirmar que ot nacionalistas econbmicos fostem prime ws © pRasie mepusicano mente ¢ fundamentalmente partidirios do ideério comunista. Setores do movimento com idéias muito similares aquelas veiculadas na ‘Revista eram do apenas anticomunistas radicais, como também reformistas convictos. Seixas Déria, deputado pela UDN e membro da Frente Parlamentar Nacio- nalista, por exemplo, observou com satisfagdo que “...0 Movimento Naciona~ lista est praticamente, destruindo o Partido Comunista” (citado por Moreira, 1998, p. 147)., ‘As importantes diferengas entre o nacional-desenvolvimentismo ¢ 0 na~ cionalismo econdmico eram evidentes para os grupos bem articulados de politicos, sindicalistas ¢ intelectuais qué lutavam, ademais, pela lideransa politica ¢ ideolégica dentro do ‘segmentado movimento. A “linguagem na- .ada'em comum serviu, no entanto, para confundir a maior parte dos seus integrantes, que pairavam entre uma ¢ outra alternativa, jul- gando-as, muitas vezee, como perspectivas semelhantes, Os edtorais da Revista Brasiliense, insistiam, alids, nas divergéncias ¢ criticavam a falta de discernimento sobre of distintos projetos sociais subjacentes 20s idedrios rnacionalista ¢ desenvolvimentista. Para Elias Chaves Neto, por exemplo, © governo JK tinha um cardter ambiguo, na medida em que se mostava cionalista” patti _acignalita quando procurafomentar progress po inciaiva esta joutoma sida que visam proteger onossotabahador econsumidor nacional fancy vpenteantnacional quando, par ara parao noso Piso capital estrangeiro do (gual faz depender o desenvolvimento do Pas (ovo mérito arbu'ss & i) se do- A toda as impnigdes daquele capi (ctado por Morera, 19984. 156) Brasilia, em 1960, Chaves Neto ainda -sfmbolo de uma nova politica que, como ‘0s brasileiros — a politica desenvolvi- 155), De fato, Juscelino Kubitschek ‘dade. Gozava do apoio do movimento naciona- BOPE realizada na Guanabara, em 1961, ampla aceitagio popular. ‘Apenias 9% dos entrevistados julgavam o governo JK mau ou péssimo, Os demais 91% dividiram suas opinides em timo (22%), ‘bom (35%), regular (3196) endo sabe julgar (34%) (Moreira, 1998a, p. 87). Escrevendo sobre a inauguragio de afirmou set a capital modernista 0. uma psicose vai arrastando todos mentista."(Citado por Moreira, 1998a, p- era um sucesso de populati fista e tinha, segundo pesquisa do I Rey are os ANOS J€: INDUSTAIALIZAGAO E MODEL OLIGARQUICg No campo do movimento nacionalista, a popularidade de Juscelino fie ‘cou bastante clara durante as eleigdes presidenciais de 1960. © candidato apoiado pelo movimento foi o general Lott, apresentado como a continuidadé do projeto nacional-desenvolvimentista. Como afirmou Calil Chade, em artigo publicado na Revista Brasliense, o presidente Juscelino foi defendido, entfo, como o “nacionalista ndimero um” do pals, o que comprovavaa ausén- ia de discernimento erftico entre os projetos nacionalista ¢ desenvolvi mentista, tio comum durante aquele perfodo (Moreira, 19988, p. 157). A derrota eleitoral de Lott para Janio Quadros foi um golpe duro para 0 mo- vimento, Instalou-se, logo depois, um processo de “autocritica”, cujo resul- tado final foi o rompimento entre “nacionalistas” e “desenvolvimentistas”, Os nacionalistas econdmicos reconheceram que o movimento tinha uma feico mais elitista do que popular, Scus principais membros ainda eram politicos, intelectuais, estudantes ¢ sindicalistas, enquanto a thaioria dos elei- tores permaneciam alheios aos grandes temas defendidos pelo movimento. Era necessirio, de acordo com a “autocritica” realizada, ampliar suas bases sociais (Moreira, 1998a, p. 157). O desenvolvimentismo também ganhou, definitivamente, 0 ep(teto de “entreguista”. Mesmo alguns intelectuais do ISEB, que haviam atravessado todo 0 governo JK dando apoio explicito a0 projeto nacional-desenvolvimentista, dobraram-se frente ao discurso dos nacionalistas econémicos. Em 1963, por exemplo, Candido Mendes afirmou que “... a expansio industrial do pafs ressuscitou a relagio de dependéncia metropolitana” (citado por Toledo, 1982, p. 159). (© movimento tornou-se um erftico feroz do “entreguismo juscelit propondo uma plataforma politica abertamente reformista, “anciimperialista" fe comprometida com as camadas populares. Ao término do-governg JK, 0 projeto nacionalista econ6mico — baseado na idéia de um capitalismo de. tipo estatal, na defesa dos interesses populares do campo € das cidades ena critica 4s novas formas de dependéncia nascidas da industrializagio — havia se transformado na perspectiva dominante dentro do segmentado movimento nacionalista e superava, citcamente, onacional-desenvolvimentismo. E, na tentativa de aumentar a insergio das idéias do movimento nacionalista entre as camadas populares, seus integrantes passaram a propor solug6es aberta- mente reformistas para os mais diversos problemas nacionais. Mas o auge vs ' , > wwuwee ewwuUY > . 3 ~O wceso de Juscelino Kubitschek na implementagio do Plano de Metas © beanie aepuaiicane desse procesto ficou realmente vistvel apenas nas campanhat pelas “refoe- mas de base”, durante o governo de Jodo Goulart. (© PROJETO RURALISTAL ‘ee particularmente evidente na condugSo da “operacio Brasilia”, isto é, a construsio € inauguracio da nova capital e do “cruzeiro rodovirio", composto pelas rodovias Belém Bras‘lia (2.000 km), Acre/Bras (2.500 km), Fortaleza/Brasflia (1.500 km), Belo Horizonte/Brastlia (700 km) € GoiAnia Brasilia (200 km). Embora a literatura critica tenda a considerar Bras(lia uma obra faradnica, sem outra maior relevincia do que fazer a pro- paganda simbé6!i jeolégica do nacional-desenvolrimen: mente poder-se-4 compreender 0 governo JK sem a consideragSo da meta que, segundo a propria avaliaclo de Juscelino, sintetizava 0 “espirito” de sua administrag$o. Um dos pontos de estrangulamento do desenvolvimento industrial, iden- tificado pela equipe de JK, era a falta de comunicasSo entre as regides indus- trializadas do sudeste eas zonas agroprodutoras do interior. A ampliaghodo: parque industrial brasileiro dependia, de fato, de uma maior integracto na- onal. No interior existia, em potencial, um importante mercado consumidor de produtos industrializados, subaproveitado ou até mesmo nio aproveitado, devido 3 falta de meias e vias de comunicacio. Sem este mercado consumi- dot, dificilmente o salto industrial, projetado pelo nacional-desenvolvi- mentismo, alcangaria sucesso. Do “interior” ainda vinham os alimentos indispensdveis A manutengdo: das cidsdes e parte importante da matéria-prima das indistrias. Desse ponto de vista, nfo era apenas a economia urbano-industrial que dependia do seror sgropecufrio, Este, por sew tumo, teria melhores condigbes de crescimento justamente atendendo & demanda interna oriunda da intensificagso da urba- nizasio e industrializasSo. Eis porque as perspectivas de deseavolvimento rural ficariam também comprometidas, se a integrasSo territorial ¢ econd- mica nio fosse intensificada, 176 05 ANOS se: INDUSTAVALIEACLO E MODELS CULEktEnCe A “grande meta de integrasdo nacional”, composta por Brastia € pelo eruzciro rodovitsio, funcionow, efetivamente, como tm passo conrendente 10 processo de integragdo territorial e do sistema produtive nacional. Bas- cava sento Pet, pelo menos aliviar um dos mais persstentes pontos de extrangulamento do desenvolvimento rural e urbaro, represertado pela ca- réncia de vias de comunicasto que sufocara o erescimento glebal do pats, A alternativa juscelinista de ampliasdo do mercado nacional consumidot ‘de superagdo dos entraves a circulasdo de pessoas, bens « mercadorias no era. nica proposta ventilada no perfodo e nem mesmo a mais racional, do ponto de vista estritamente financtito, Estimativas realizadas sobre os cus+ tos de Brastia estabelecem cifras que vatiam entre 250 € 300 bilhes de eru- Reiros, 0 que representou um gasto de 2 a 396 do PIB do perfodo (Later, 1970, P. 210). A operasso foi, connudo, 0 meio encontrado pot Juscelino de favo- recer 0 desenvolvimento industrial, sem entrar em rota de colisio com os fortes interesses da ol:garquia rural ¢, mais que isso, de costurar a aliansa politica com aquele setor politico ¢ social, interessado em ampliat as frontei- ras agricolas em regiSes até entho apartadas do processo de desenvoly to econdmico nacional. (On representantes politicos ruralistas do Congresso Nacional percebe- tam, rapidamente, as novas possbilidades ofertadas a0 sttor agropecusrio, sasas A implementagio da operasto Brasilia. Definiram a obra como a “Nova Marcha para Oeste", que, 20 seu modo, dava continuidade A penetrasto 20 interior desencadeads, anteriormente, por Getilio Vargas. Foram tenazes defensores da medida e freqientemente frisavam 0 quanto a operasto era fundamental para a articulasio de um novo pacto ticito entre os interesses rurais ¢ industriais no Brasil, pois, grasas A medida, novas perspectivas de desenvolvimento tornavam-se disponiveis para ambot ot setores (Moreira, 1998a, p. 179). © deputado Cunha Bastos, da UDN goiana, resumiu muito bbem esse ponto de vista, quando em abril de 1956 fer 0 seguinte pronun- Gamento: Ainceriorizacio da capital (...) a maior aspiragto da hort presente. O alan _gamento do mercado interno dark novas perspectivas& indstria nacional ¢ ‘um novo sentido de marcha para'o Oeste, onde as terra: sho da melhor qua © enAsHL AErUDLICAMO. lidade, favorecendo alia agriculture, a pecudria, a par da riqueza mineral do solo, (4.) A naglo nko deve continuar a carrear suas energias criadoras 60- ‘mente para dois centros de economia vivos — Rio ¢ Sto Paulo — deixando paralfticos e desaleniados milhes de brasileiros que trabalham e vegetam no Iinteriot do Pats. (..) © Brasil est fayto dessa civilizagdo ¢ nto pode conti- rnuar do litoral, virando as costas a0 altiplano, ignorando seus graves proble- mas (citado por Moreira, 19968, p, 182). (0 setor agropecudrio nacional passava, entho, por importantes transforma- ‘¢bes, condicionando a diversificagdo dos interesses da oligarquia rural, Des- de a crise de 1929, quando a exportagio de produtos agricolas sofreu forte refluxo, a economia brasileira entrou em franco proceso de reestruturacio. No plano niais global, delxou de ser predominantemente agrério-exporta- dora, assumindo uma nova feigdo: a progressiva industrializagio e a reorga- nizagdo do setor agricola, que passou a crescer de mancira expressiva para atender a demanda interna, sheaths Em fins da década de 1940 e princfpios da década de 1950 as transfor- magbes da economia brasileira exam bera mais visiveis. ia jd podia ser considerada 0 “carro chefe” do deserivolvimento e a agricultura voltada para o mercado nacional, em termos de crescimento, era mais dintmica do que aquela djrecionada para.a demanda externa (lanni, 1988, p. 415 Samrec- sinyi, 1984, p. 116). Contudo o setor agro-exportador permanecia, extrema ‘mente imporfante, pois era aquelé que trazia divas ao pals — indispensaveis, «lids, para promover a tio desejada industrializagio nacional. A wscensio de Juscelino a0 poder, em 1956, com uma plataforma abertamente industrialist, ava a riova tendéncia da economia ¢ a diversificagdo de interesses is consolidada, confirm: dentro do bloco ruralista estava, entio, muito mai ‘Aqueles que produziam para o meréado interno percebiam 0 quanto & industrializagio era importante para o setor, embora ralvez ainda existisse ‘um ou outo ruralista extempordneo, propalador da “vocagSo essencialmente agricola do Brasil”, Gostassem ou ndo da industrializacio, das massas prole- trias, do erescimento das cidades, da imprensa atuante, dos movimentos sociais e da democratizacio, tudo sso jé era fato conereto, Em lugar de luta- rem contra a maré, procuraram influ, disciplinar ¢ aproveitar as oportuni- oe | | | | | OS ANOS JE: INDUSTAIALIZACAO E MODELO OLICALQuiCg dades abertas pelo préprio processo em andamento, Buscaram, sobretudo, construir um novo pacto politico para orientar 0 proceso de desenvolvi- mento brasileiro, capaz de articular ¢ harmonizar seus objetivos ¢ reivindicae g6es com os novos e grandes interesses industriais. A avaliagdo ruralista sobre o sentido do Plano de Metas ¢ ilustrativa, O

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