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Wilson Martins 10. Ignorando a poesia medieval e, mesmo, a lirica de Cam@es, Oliveira Lima sustentava que 0 lirismo no desabrochou no Reino “porque ao desaparecimento das condigées que tinham determi correspondeu imediat quada a poesia subjetiva, Desabrochou contudo além-mar e ai iado a epopéia, nao nente a formagao de uma nova atmosfera ade- século fi Jo, em uma capitania habitada por uma populagao oriunda dos ousados bandeirantes Claro, fica por explicar o fato de esse lirismo ter sido escrito parte em Portugal, parte por poetas que de la vieram com 0 espirito formado — {neo da epopéia, com “dois poe- ambos, qua ¢, pior ainda, o reaparecimento simul mas épicos de valor (... tanto mais merecedores de estin ero literdrio decafa sensivelme) to.no momento da sua aparigio este g@ te (..)”. Inobstante, foram escritos na Europa, de onde, a crer na teoria, a epopéia havia desaparecido... Oliveira Lima via nos liricos mineiros “os precursores do romantismo bras e, no Caramura, “a mais caudal das fontes tradicionais do nosso romantismo indianista: ndo que para esta fas elementos, estrangeiros; mas no poema de Duro reside a primeira con sagragao da importncia, mais tarde ampliada, do fator indigena no pro- O que resulta de uma visio menos hist6riea que livresea literdria deixassem de concorrer poderosamente outros duto naciona do problema, alids retomada por alguns especialistas modernos; na ver dade, conforme observa o proprio Oliveira Lima n grande agudeza, “o idianismo do autor dos Natchee foi mais poderoso sobre os Magalhies os Goncalves Dias do que a contemplagao da tradigao hist6riea e do que 0 eco da realidade etnoligica”. Por episédica que tenha sido e mareada por insuficiente impreg- ago no assunto e pelo prejuizo de conceitos prévios nem sempre apro- priados, a excursio de Oliveira Lima pela historiogeafia litersria reflete a consciéneia de uma histéria literéria brasileira ‘mento organico da literatura em terras do Brasil. No mesmo ano, Méicio Teixeira (1858-1926) iniciava a publicagao da “sintese biobibliogréfica Poetas do Brasil, cabrindo o periodo dos séculos XVI a com o aparecimento da hiografia clissica Vida e Obras de Castro Alves. impressa na Bahia. 10 é, de um desenvolv , paralela 301 A Critica Literria no Brasil Macio Teixe ra desse “ungido da poesia” foi det declarava, na primeira frase, que a perda prematu- nada pela “lei dos homocromismos”, seja o que for que isso signifique. O livro destinava- or das Expumas Flutuantes no 25 into. Votando-Ihe “admiragao incondicional” desde que 0 se a homenagear o au aniversério do seu fale lera, aos 13 anos, Miicio Teixeira eselarecia que, para o preparo da bio trabalhava desde 1883, Adelaide de srafia, em qu tro Alves Guima ries (viva de Augusto Guimaraes) The confiara “todos os manuseritos A “maioria dos de seu glorioso irmi 0s poetas’, estabelecia para necar, “tem nascido na primavera”, setembro sendo 0 més por exce- tudo, abrindo excego regra, Castro Alves veio ao 1 argo, tendo Fale haver det ido “com exatial * 08 trés pontos controve grafia: a data e o lugar do nascimento, mais o dia da morte, mas declara ie da amante, “essa funesta “eseriipulo” em revelar-the no Dama Negra”. Passando ao estudlo mais diretamente literitio, Mcio Teixeira eon- cede ser verdade que a poesia condoreira “jé gozava de foros de cidade quando o futuro cantor dos Escravos apareceu em Pernambuco” e cita carta de Castro Alves e Augusto Guimaries (8/4/1868) anunciando que os Escravos ja estavam “quase prontos (...)- E um canto do futuro. 0. ica". A pega Gonzaga, escreve o bidgrafo, “6 um n mento”, mas “a prosa de Castro Alves em seu drama é talvez mais poéti- idade: cca do que poderiam sé-lo seus versos”. E, num esforgo de objet Tenho citado até aqui listo é, nas primeiras duzentas pa- ginas] 0 que encontrei de belo nas obras de Castro Alves; assiste-me o direito de procurar ver se nos seus trabalhos hi incorregies. Hé, e muitas, Encontro af exageracies, abusos, erros de arte ¢ até de gramética (...) mas isso nao Ihe tolda a fulguragao do estro (..). Entre as “exageragies nenciona os tropos oralérios caracterist 302 Wilson Martins Um pedaco de glédio — no infinito.. Um trapo de bandeira — na ampliddo! chega a erueldade insultuosa de citar-Ihe “uma estrofe que parece de ‘Tobias Barreto”. Quanto a técnica: Nao sabia metrificar o verso alexandrino, fazendo-o como (0s poetas espanhis e italianos, quando o devera fazer com acorregao dos franceses. Abusou do adjetivo i gando até a pluralizé-lo... Também nao ev cacdfatos. | Rima Sevilha com Antilhas; repete a palavra alma no fim de dois versos de uma sé estro te Sabes quem foi Shaverus? do devera escrever — Ashaver “Fogem pasmas de si", no sentido de espasmadas. Rima orgia com Lucrécia Bérgia. Traduz 0 nome de Danton, para rimar com o substantivo revol inito, che- ou alguns uma de suas melhores poesias Ahasverus no primeiro verso: 18; nessa mesma poesia tem o verso Repete nus e Jesus — com azuis; mais de as rimas de erwz, lw uma vez escreve orquesta, para rimar com festa, (..) Mis {ura assonantes com as suas consoantes, 0 que se observa em todos 0s nossos methores poctas, até nos atuais parnasianos (..). Outras incorrecdes jd foram exploradas pelo sew implacdvel inimigo Belarmino Barreto, que no rancor péstumo da inveja que o devorava andou meses ¢ meses a esmiucar tais ninharias (..) Micio Teixeira inverte, entdo, o fogo das suas baterias e passa a refutar todas as criticas de Belarmino Barreto, substancialmente semelhantes s suas préprias, um dos argumentos sendo 0 de que “erros idénticos e faltas ma graves so encontrados nos nossos melhores poetas”, o que, le toda evidéncia, nao serve para absolver Castro Alves. Os poetas devem, ser avaliados pelos seus melhores, nfo por seus piores momentos: 303 Literaria no Brasil Se se julgassem os poetas pela generalidade de suas obras endo pelos momentos em que eles possuiram a inspiragéio verdadeira, a quem poderia agradar o sentimentalismo pueril de Casimiro de Abreu, a vulgaridade de Goncalves Dias, a filosofia rimada de Magalhdes, as monétonas cantilenas de Junqueira Freire, a imitagéo servil que fez Alvares de Azevedo do tom libertino de Musset, a inctiria, os pliigios de Varela? 1e em Castro Alves, 0 t6pico dos plagios, por tocar espe era o mais delicado de todos: Na minha obra Poetas do Brasil cito os principais plagios de Goncalves Dias. Idénticas fathas sao encontradas em Fagundes Varela, E se Alvares de Azevedo, Junqueira Freire e Casimiro de Abreu ndo cometeram pldgios, ne- nhum deles deixou de imitar de perto outros poetas, incor- rendo todos nos mesmos erros de Castro Alves. (..) Li calgures que 0 Navio Negreiro ndo passava de plagio de um poemeto de Henrique Heine... O individuo que se atre- veu a levantar to insélita acusagao ao glorioso cantor d’0s Escravos, ndio merecia as honras de uma discussiio. (...) 0 poeta alemdo-parisiense, no seu belo Livro de Lézaro, tem realmente um poemeto intitulado O Negrei- ro, onde parece que Castro Alves bebeu inspiragoes. Isto, porém, nao passa de uma simples predilecdo de dois no- bres espiritos por um assunto ao alcance de todos. Mécio Teixeira traduz prosa 0 poema de Heine para mostrar «que “0 Ginico ponto de contacto que se encontra nas duas composigbes 6 nteiramente diverso”, doo mais a descrigo do baile dos negro Fagundes Varela, precisamente Completas na jé na B impressdo da suas Obras jada edigao Visconti Coaracy, com estudo eritico de mas era, tanto quanto Castro Alves, um “mestre do 304 Wilson Marti passado”, conforme demonstrava implicitamente um volume publicado em Lisboa: as conferéncias de Valentim Magalhies recolhidas em Li- teratura Brasileira (1870-1895). Apresentadlo como“ mentada com escolhidos excertos de suas obras, em prosa e verso”, 0 ipais escritores, docu- volume & um docums uy Wo de geragio — a geragio realista, que sentia formar-se sutilmente a atmosfera em que se movia. Compreende- se, pois, sem dificuldade, a obtusa ma vontade com que diretor da Semana encarava os grupos simbolistas, englobando-os sob a etiqueta jados”: “Com esta rotulagdo”, esclarec geral de “de preender todos os quero com- ou nefelibatas que ora verdi ) mbolistas, decadis! 10 siio muito numerosos, jam na minha terra e que, felizmente, chefe de todos eles o poeta B. Lopes (. A falta de simpatia com que as geragées mais velhas e as mais novas cost se é fendmeno bastante banal Javel in 1m reciprocam ica para q ar a ironia da situa na vida liteniria e ar seja d Vale * dos simbolistas com a mesma incoi pe caso, é de subli im Magalhiies encarava wa ge dade com que o seu adversirio Silvio Romero havia outrora recebido a a iva hostili- “nova geragdo” que ele entéo representava... Contudo, a sua desinformagio ao apontar em B. Lopes 0 “chefe” das novas correntes, surpreende um pouco, se pensarmos que foi precisamente nas paginas da Semana que Araripe Jéinior public 10 de 1893”, que, com o titulo de Movimento Literdrio do Ano de 1893, ¢ acrescentado da “ la, em tom humoristico, Crepiiseulo dos Povos”), dois anos antes, o “Retrospecto literirio do a ao pessimismo literario de Max Nordau” (* constitui 0 volume post Ora, é sabido que, nos comentéi do ano que qualificava de “climat a venda em 1896, irios sugeridos por obras ¢ autores Araripe Jinior abria largo es- pago para os simbolistas, oferecendo os pormenores do que ainda nos valemos para historiar a introdug Cruz ¢ Sousa, apesar de tudo, no lugar proeminente que € 0 seu. A “tentativa de adaptagio do decadismo a poesia brasileira” parecia-lhe, mesmo, “o fato mais interessante” de 1893; da nova estética no Brasil e situando ‘a responsabilidade deste 305, A Critica Literdria no Brasil dos Broquéis”. Po que o fendmeno C jportam, j agora, as consideragées espectficas Sousa the sugeria; 0 que importa, e devia ter importado a Valentim Magalhaes, so as referéncias ao movimento bolista em geral e nomeadamente as circunstincias em que chegaram ao, nosso pais as primeiras obras da nova escola. Claro, em 1891, quando o primeito grupo simbolista se congregou ao redor da Folha Popular, B. Lopes era poeta conhecido, 0 que nio acontecia ainda com Cruze Sousa: A esse grupo prendiam-se por motivo de convivéncia e apro- ximagéo de idades, Bernardino Lopes, Perneta, Oscar Rosas e Cruze Sousa. Tais rapazes, prineipalmente o pri- meiro, nao eram desconhecidos. Bernardino Lopes hé muito que escrevia, e os seus Cromos the haviam dado notoriedade, Versos feitos com carinho numa zona limita- da de sensacoes tinham-the granjeado uma justa simpa- tia (...) B. Lopes, pois, tinha tiques decadistas, antes mes- mo de conhecidos os livros dos Revolucionérios; a escola nada devia ensinar-the, porquanto sendo a sua natureza amorével e impida, the repugnaca a iniciagao no cénone saugrenu dos intransigentes. imbolista” anterior a Cruze Sousa Cronologicamente, B. Lopes e, conforme se sabe, nao era o Gini 1893, andlise que Araripe Jiinior Ihe consagra e que, n Resta que, com os volumes de erante, refletida na longa endo das mais argu- € Sousa assumiu posi las, contém, entretanto, algumas observagées interessantes, em partic lar no que concerne aos limitados recursos téenicos de que dispunha 0 poeta. Esforgando-se por ser objetivo e compreensivo (nos dois sentidos da palavra), Araripe JGnior era tanto mais merit6rio quanto, na verdade, nlesen- no tinha nenhuma simpatia pelo mo mesmo sufi sibilidade poética para ac as obras de Cruz e Sousa equivaliam as “idealizages primitivas dos nentos literdrios dos 306 Wilson Martins setentrional, com uma pequena superfetagao aper yegros da Al das litanias das festas da igreja romana e das volpias modemnas”; nio passavam, po wt alma cle um negro primiti- vo, deslumbrado Era 0 que ele tomava por “critica eientif ido os prinespios de Taine ¢ Letourneau. O choque dos astros EM 1897, 0 TERCEIRO centen: com 0 processo de recuperagao catélica e, em particular io do Pe. José de Anchieta coincidiu suftica, su- cessivo A implantagao republieana: além do ciclo de conferéneias pro- movido em So Paulo por Eduardo Prado, pode pectivas hist6ricas da critics (1839-1920) pronunciou em $ derado como clissico da Lingua Portuguesa” e registrar, nas pers- lerdria, a que Ernesto Cameiro Ribeiro salvador sobre “O padre Anténio Vieira pressa na Revista do Instituto Geogréfico e Histérico da Bahia. Era outro critico da familia humanfstica que aparecia, destinado, cinco anos mais tarde, & fragorosa coliso gramatical com Rui Barbosa. Ant6nio Sales (1868-1940), agregado, por um momento, a familia hist6- rica, tratou, na Revista Brasileira, do Cearé literdio, em artigo que, sob 0 da literatura cearense”, seria inclufdo em 1939 no volume 0 Ceard, organizado por Ant6nio Martins Filho e Raimundo Giro ed. em 1966). Enfrentando o inevitavel problema das h letras estaduais, ele exeluiu os cearenses “cuja carreira lite jou ¢ frutificou em outros pontos do pais”, mas inclufa os eseritor no mesmo ano im- titulo de “Hist6ri \6rias das iria se ini- de nderia outros estados que tivessem trabalhado no Cearé. Isso corre: ao estranho resultado de eliminar José de Alencar, Clovis Beviléqua “e muitos outros” dos quadros da literatura eearense, Expulso por seu conterrineo do “Cearé litersrio”, o autor de fra~ cema reeebia a homenagem de Lopes ‘Trova (1848-1925) no opti setembro de 1877, data do melaneélico enterro de Alencar cos foram os que acompanharam 0 ilustre morto na viagem fi 307 A Critica iterdria no Brasil vava Lopes Trovio, para quem o escritor s6 falhara uma ver: ao escrever 0 Gaiicho. ndo Anténio Sales, nao hé atividade litersria no Cearé até aos m 1824 com 0 Didrio do Governo, redigido pelo Pe. Goncalo Inacio de Loiola de Albuquerque Melo, 0 Mororé; o Liceu Cearense foi fundado em 1845. perfodo (1824-1869), Juv 10 livro, Preliidios Poéticos (1856), foi o (nico eseritor digno ual, em 1892, e sobrevivendo-lhe, Francesa, que Anténio Sales pro- fins do século XVI; « imprensa apareceu Num primeira ual Galeno, que ja havia publicado no Rio seu pr de registro; antes da Padaria Esp existiu, de 1870 a 1896, a Academi curaya desmistificar u poueo, embora reiv wrentre os fundad ima intengdo de escdindalo e de troga (para dispensar 0 mo blague, fundagao dessa sociedade (...)”. Ait de 1897; posteriormente, Antonio Sales ac pondente dessa data a 1920. No vol creveu o capitulo “A literatura cea frances porventura m (0 para 0 caso) presidiu Wva, como é natural, o artigo sscentou-lhe o trecho corres ne O Ceard, Filgueiras Lima es- nis de 1920” e Braga Montenegro (1907-1979), para quem o eritério de Anténio Sales parecia A atualidade Ii Mas, em 1897, 0 acontec e de “limitado e vaio" a do Ceara” nento literério de grande sensagio foi o livro de Silvio Romero sobre Machado de Assis. O subtttulo: comparativo de Literatura B studo jira”, para nada dizer de numero passagen pagio os embaragados esclarecimentos posteriores do autor, segundo os quais nao tivera nenhuma intengao de ‘comparar Machado de Assis ¢ Tobias Barreto; nao s6 0s comparava, como pronunciou o ‘iltimo superior em todos os aspectos da atividade intelec- tual. Podemos, contudo, aceitar-lhe a explicagao de que os trechos re rentes a Tobias Barreto sio, afinal de c nas, meramente trativos e subsididrios, porque o objetivo do volume era realmente outro: tratava- se de vingar-se do artigo da Revista Brasileira, em 1879, pouco entusids- tico, como se sabe, a respeito dos Cantos do Fim do Século: Uma vee, ele, num artigo que ficou eélebre e the abriu os bragos da nova geragao do tempo, escreveu que pelos anos 308 Wilson Martins de 1862 a 70 tinka sido inaugurado um movimento lite- rério no Recife, cujo mérito ew tinka o sestro de exagerar demasiado, Foi isso em 1879 ou 80, ¢ nas paginas da Revista Brasileira de entdo. / Nao retruquei e o faco agora. Nao era verdade que nao houvesse retrucado — ¢ tampouco era ia histérica da Escola verdade que a questio se prendesse & importin do Recife, Isso, que ele afirma no cap. IV, tinha sido antecipadamente contraditado pelo que escrevera no prefécic Ji por trés vezes escrevemas sobre 0 poeta ¢ romancista fluminense: a primeira foi um rapido artigo inserido na Crenga (Recife) em 1870 e que tinha por objeto o livro das Falenas; a segunda foram algumas paginas do optis- culo —O Naturalisn para bastantes anos, nos Estudos de Literatura Contem- em Literatura, reproduzidas, vai pordinea; « terceira é esta agora. Claro, 0 “répido artigo” de 1870 nada tem a ver com o problema; como vimos no momento préprio, hé realmente trés ataques difere Silvio Ron opti 1882 mesmo, mas repetido a trés anos de intervalo) e, e1 de 1897. Vé-se que, obcei contra Machado de A 0 do prim odos Estudos de Literatura Contempordnea (fundamental as 347 pag uo pelo desejo de represéiia, 0 eritico niio se satisfaz até poder extravasar todo o resent nento numa agresssio em lar- ga escal na tentativa de destruigio total; mas, ao mesmo tempo, percebendo que os excessos polémicos eram contraproducentes, tratava de temperé-los com concessies to incongruentes em face dos ataques quanto os ataques pareciam injustificados diante das concessies. As- sim, por exemplo, se Machado de Assis era entre nés “o mais completo espécime de homem de letras”, ele nio podia ser, simultaneams ta de terceira ou quarta ordem, “piegas e pulha”, “poeta de salao mudo ‘ou completamente gago”, praticante de um “pessimismo de pacotilha”” A pretexto de c ‘entifica”, Romero realmente visava a ofender 309 A Critica Literdria no Bra insultar, como nas conhecidas passagens a respeito da gaguez e do mestigamento, Demonstrando pelo exemplo o conhecido aforismo de Tobias 3 lite Barreto segundo 0 qual todas as nossas disc rias terminam no mulatismo na gramética, ele classificava o romancista como “um nitido exemplar dessa sub-ra na que constitui o tipo diferencial desvendando, entretanto, a inte: \ca.am insultante, de nossa etnografia’ nediatamente: “Com certeza nao o molesto, falando assim a finura da alusio, ele a acrescenta ben it Temendo que o leitor nao per . com mio mais pesada, pagina Nao sei bem ao certo se ele € um germano em qualquer -grau; nao sei se na América do Norte os mestigos, quando falam de si, dizem: nés os saxbnios... | Aqui no Brasil a ‘maior prova, a mais caracteréstica do humor neles, €quan- do dizem: nés 08 latinos! — E impagével. Mais constrangedor ainda é o que escreve sobre a gaguez de Ma a que, entretanto, muitos ana- chado de Assis, passagem desproposi listas posteriores passaram a citar como se fosse, de fato, uma observa 0 esti Oestilo de Machado de Assis, sem ter grande originalida- de, sem ser notado por um forte cunho pessoal, é a foto- grafia exata do seu esptrito, de sua tndole psicolégica in- decisa. Correto ¢ maneiroso, ndo é vivace, nem ritilo, E placido e igual, unifor- nem grandioso, nem elogiiente. mee compassado. Sente-se que 0 autor nao dispae profit- samente, espontaneamente, do vocabulério e da frase. Vé- se que ele apalpa e tropeca, que sofre de uma perturbagao qualquer nos érgdos da palavra. Sente-se 0 esforco, a luta, “Ble gagueja no estilo, na palavra eserita, como disse-me uma vez, ndo faze outros na palavra falada sei que desabusado rum momento de expansdo, sem repa- 310 Wilson Martins rar talvez que dava-me destarte uma verdadeira e admi- reivel notagio erttica. 0 livro todo ¢ feito de “admirdveis notagoes criticas” desse jaez: Brés Cubas & uma imitagao desnecesséria do Primo Basilio, na qual no aquela restaria o mais leve resquicio de humor se Ihe tirdssemos patacoada dos pequenos capitulos com titulos estapafiirdios e aquelas reticéncias prete josas, que aparece passa, alids, de uma ede espi “adiiltero enjoativo”; Quineas Borba é um “lun Ambos pretensiosos, ¢ insignificantes na sua mplo vivo da hu- pretensiosidade, nenhum deles € um e ‘manidade séo tipos convencionais, paspathoes de pape- lao: verdadeiros abortos de uma imaginagao sem real for- q criadora. ‘omo José Verissimo tivesse afirmado que a obra de Machado de Assis no podia ser estudada pelos critérios nacionalisticos de Silvio Romero, este passa impulsivamente a demonstrar 0 Seus romances, seus contos, suas comédias encerram vdri- 0s tipos brasileiros, genuinamente brasileiros ¢ ele nao fi- cou, ao jeito de muitos dos nossos, na decoragio exterior penetrante do que qualquer de do quadro; mais es, foi além, e chegou até a criagéo de verdadeiros tipos sociais e psicolégicos, que siio nossos em carne e asso, e essas sito ‘as criagées fundamentais de uma literatura, Que tal é ‘aquele Luis Garcia, aquele Antunes, aquela Valéria, aquele Procépio Dias, aquela Estela, todos estes sé no pequeno livro de Vaia Gareia? / Que vém a ser aquele Carlos Ma- ria, aquele Freitas, aquele Paha, aquela Fernanda, aquele Teéfilo, aquela Tonica, aquele Camacho, esse impagdvel Major Siqueiros, todos dessa extensa galeria de silhou 3 A Critica Literdria no Brasil Borba? Nos contos ento a messe 6 que se chama Qui ainda maior... Seré preciso lembrar 0 Diplomético, esse curioso Rangel, que é um modelo do género, ou certos tipos do Alienista e da Galeria Péstuma, tdo brasileiros em tudo? O ilustre autor dos Estudos Brasileiros bem vé que the ndio assiste razito, quando supie libertar Macha- do de Assis do crtério nacionalistico, e acredita que destarte orealga. Nao 6 necessario insistir sobre as miiltiplas contradig passagem com outros juizos de Romero, ja mencionados, para nada di- ai nosprezando os principais. Resta q zer da estra jorcdo tica que o levava a estimar os personagens secundarios, atisfeito o im- pulso de contestar Verissimo, ele mesmo (cap. XIX) passa a se desmen- com extraordindria firia: Machado de Assis néo conseguiu até hoje criar um verda- deiro e completo tipo ao gosto e com a maestria dos gran des génios inventivos das letras. Tem sim alguns esbogos, quer gerais, quer brasileiros, mas nao passam de esbogos. Nao existe um s6 que tenha entrado na circulagao com a assinatura da vida. (..) Os tipos de Machado de Assis. quer gerais ¢ humanos, quer mais particulares e brasilei- ros, ndo passaram, repito, do estado de esbogos. Sao to- dos desequilibradas, especialmente os primeiros (..). Ouso afirmar, contra a opinido geral e corrente, que os melhores trechos de seus livros so aqueles em que revela as quali- dades de observador de costumes (sic) e de psicologia (re- sic), aquelas em que dé entrada a cenas de nosso viver pitrio, de nossos usos e sestros sociais sim, entre, literalmente, uma pégina e outra (330 e 331), Romero afirma que Machado de Assis no conseguia eriar nenhum tipo © que 6 312 Wilson Martins um criador de tipos; mais adiante (p. 341), repetiré que “onisus central © ativo de Machado de Assis 6 de brasileiro, ¢ como tal se revela no carter essencial de sua obra de mestigo” (sic); infelizmente, uma cir- ‘tem escurecido este br cunsti ileirismo subjetivo, e vem a ser a mania filoséfica, as patacoadas humoristicas e pessimisticantes”. 0 livro de Romero servia simultaneamente a dois propésitos, in- dependentes mas complementares: 0 de ajustar as suas contas pessoais com 0 critica do seus versos e 0 de reivindicar os titulos da Escola do Recife (simbolizada em Tobias Barreto), cuja importancia as novas gera- manifestavam a ofensiva tendéncia de ignorar. Isso 0 transtornava % de tal maneira que ele nar, na “Introdugio”, que 0 con- ingularidade das coisas literérias no ‘omega por tinuo sir de novas geragies é Brasil; tendo aplaudido o artigo de Machado de Assis sobre os Cantos do Fim do uulo, as novas geragdes se tomaram ainda mais suspeitas; ago- ra, oromancista era “um dos {dolos consagrados em vida ao nosso beatério letrado”; cumpria is modestas proporgs Quanto ao paralelo com ‘Tobias Barreto, j4 alcangou na histéria n das nossas idéias criticas aquele ponto de ridieulo que o situa para al de todas as discusses sérias; lembremos apenas, por eqilidade, a expli- cagio que Ihe deu o proprio Romero, em earta a Artur Guimaraes: E assim que, no fundo, 0 paralelo com Tobias $6 foi feito como resposta indireta a certos eriticos, que tinham aqui, «@ propésito da minha — Doutrina Contra Doutrina —e bem fora de propésito, falado em péssima escola de Tobias, ‘a0 passo que sempre tem andado a babar-se de gozo, em falando de Machado de Assis! (...) E uma clava que cos- tumo brandir contra certos semideuses cd da terra, O fa- moso Machado, a quem, alids, nao nego grande mérito, 6 um destes, e, por isso, atirei-the em cima o outro. Ambos brasileiros, ambos mestigos, ambos nascidos no mesmo més, ano, ambos poetas, ambos prosadores, ambos humoristas, ‘ambos pessimistas, ambos criticos: eis os pontos de contacto, que justificaram o paralelo, Nao se comparam coisas idén- 313 A Critica Literdria no Brasil ticas, nem coisas contrarias, sendo coisas que tém seme- thangas e dessemethangas. Sim, faltando ape is acrescentar que, justificado o paralelo, pare~ ce menos justificado té-lo escrito com o propésito prévio de afirmar, em todos os casos, a superioridade absoluta de Tobias Ba 29 de nove a primeira critica desfavordvel: a de Artur Azevedo, é verdade que sob pseudé eto, Publicado a ‘0 de 1897, jd a 15 de dezembro o livro de Romero recebia aA Estagdo. A partir de 25 de janeiro do ano seguinte, Lafayette Rodrigues Pereira iniciara no Jornal do Comércio, sob o pseudénimo de Labien 1899, o volume Vindicier. a série de artigos que iriam constituir, em Além de Lafayette Rodrigues Pereira, e sem a suspeita de velhos ressentimentos, outros erfticos conden amo liveo de Silvio Romero, nomeadamente Medeiros ¢ Albuquerque (1867-1934), Frota Pessoa (as or; que achou oportuno o momento pa pletar, na Revista Brasileira, a publicagao do ensaio que, sob o titulo de 910) e Araripe Ji com- Ivio Romero polemista”, havia iniciado na Revista Sul-Americana, em 1889. No qui di Ihe parecia o traco dominante. Essa discrigo resultava, é evidente, da refere propr vada mente ao Livro de 1897, Araripe jando-o apenas no contexto de uma obra em que aagressividade ica de silenciar palavra de ordem do diretor da Revista, que adotara a sobre o livro de Romero, multiplicando, ao mesmo tempo, os artigos 8o- 208 romances de Machado de Assis. O golpe seria acusado, tarde, pelo proprio Silvio Romero: José Veréssimo ndo acudiu diretamente em defesa de Ma~ chado; tomou outras atitudes € usou de outras praticas: atirou ao esquecimento o livro que do autor de lais Garcia escrevi, nao se dando dele nunca noticia na Revista Bra- sileira; redobrou de elogios ao escritor fluminense, de quem, 1108, por Almiquio Dis Meas Chios € meus Nets, pH 34 Wilson Martins com todas as silabas, se declara devoto, jé ao dizer de Pa parentesco com Bris as recolhidas, jé ao escrever de Dom C: bas ¢ Quincas Borba estudow muro, cujo carinhosamente, com vista, penetracao e psicologia; final- mente, sempre que ao pobre miope autor destas linhas se refere, entre palavras consoladoras e balsimicas, no se esquece de umas poueas reticéncias no tocante ao seu esti- lo e linguagem, ao tom polemistico de seu analisar, as deficiéncias de erudigéo da sua Hist6ria de Literatura Bra- sileira, @ estreiteza de seu eritério literério, por Verissimo reduzido ao simples critério nacionalistico, ¢ alguma vez nao deixa de lastimar o ter fieado o dito autor destas pa- ginas preso a péssima escola de Tobias. Com efeito, o volume sobre Machado de Assis conseguira o que lo elara- ago- com implicitos apelos & iio havia conseguido toda a sua obra anterior, isto é, coloes mente na defensiva, embora com a violéncia habitual, a que falta . entretanto, 0 desassombro desafiador, antes tado de satde, a benevoléncia, Romero comeca a relembrar os servigos prestados a literatura brasile que faz nal dade que se apresentou, as “Explicagdes indispens: veis”, inclufdas como introdugio aos Vérios Escritos, de Tobias Barreto, em 1900. E dessas paginas a passagem acima transcrita; 6 nelas que res- ponde a Frota Pessoa, com sarcasmo, mas sem insultos pessoais, Med. ros ¢ Albuquerque, relembrando os lagos sentimentais que os me contra o seu li- m, Decididam -, a reagio praticamente un vro, a falta de receptividade para as verdnicas polémicas que, em outras circunstancias, teriam deliciado a galeria, haviam-no deixado perplexo. Outro sintoma desse descontrole é a inabilid impaio Bruno [José Pereira de Sampaio (1 Mental apareceu em 1898. 0 eseritor portugt lade com que ajusta contas 1915)], cujo 0 Brasil s criticava desapiedada- mente Tobias Barreto por haver incluido Vacherot entre os po: 315 A Critica Literdria no Brasil que Silvio Romero afirm niio ser verdade. Ora, eis as palayras de Tobias Barreto, por ele mesmo tra Entretanto, nés descobrimos uma real analogia, se nao perfeita identidade, entre o que diz Vacherot e 0 que diz a filosofia positiva. Hé somente uma diferenca: & quanto «a0 método; mas isto néo infirma as relagées que prendem as doutrinas, uma vez que elas chegam, pouco mais ow menos, a resultados idénticos. (..) O positivo que para um [Comte reside s6 na ciéncia, para 0 outro compreende também a metafisica; mas entre ambos hd de comum 0 Jutzo que formam da religido e os limites que the assinam no terreno da histéria. Diante disso, nao bastava que Tobias Barreto, numa das inconse- «qiéneias nele tao habituais quanto em Silvio Romer seguida, a intengio de transformar Vacherot em dis negasse, logo em pulo de Comte; nem bastava chamar Sampaio Bruno dle “paspalhio” para desfazes dade daquelas assimilagées. E também excessive qualificar 0 Brasil Mental de “acervo de despautérios”, embora, elaro est, nao se trate de livro simpatico a vida clectual brasileira, Sampaio Bruno acreditava 0 Br interpretativan e acreditava bem, que il mental, implicitamente contendo-o, explis te, o Bra cede, na verdade, a tT il social mas, a pretexto d e estudiclo, pro- juste de contas com os brasileiros, culpados de insuficiente entu jasmo para com as glérias literérias de Portugal. O livro contém 1a longa refit Pétria, de Guerra Junqueiro, io de Valentim Magalhies a propésito do mas hé nele pouco de “Brasil mental”, no se podendo aceitar como tal, aquela altura do século, a intermindvel exposigao dos principios positivistas. Comparando-os com os brasilei- ros, Sampaio Bruno explicava a superioridade dos norte-amerieanos por terem conservado 0 sangue puro, porque “nio se comprometeram na mestigagem”. Processo social, sabem-no todos, introduzido no Brasil pelos portugueses. 316 Wilson Martins Bem diferente em gabar intelectual e pelo espirito cientifieo que a norteava era a Bibliographic Brésilienne, de A. L. Garraux (183: ‘catdlogo de obras francesas ¢ latinas relativas ao Brasil (1500- ris pela casa Ch. Chadenat-Jablonski a, como observei alhures,""" no E livro que se enei as linhas de forca do nosso pensamento, Em primeiro lugar, e antes de mais nada, como acentua Francisco de Assis, reedigdo de 1962, por ser Pe s idéias fran- nflues Barbosa nas pai meira resenha sistematica de obras francesas sobre o Brasil”; ‘con- seqiiéncia, todo o problema da influ ia de nosso pat cesas €, por af, nas idéias internacionais, ao lado da destas {iltimas em nossa vida intelect ial, que nela encontra a sua primeira fonte de estuclo, se soubermos acrescentar-the, como jé agora é indispensavel, a Bibliographic Franco-Brésilienne, organizada por Georges Raeders e Edson Nery da Fonseca (1960). Depois da tempestade provocada pelo Machado de Assis, foi “cal- mo” para Silvio Romero, dizem os bidgrafos, 0 ano de 1898, no qual publicou 0 estudo sobre Martins Pena como introdugio ao volume das respectivas Comédias, ¢ 08 Novos Estudos de Literatura Contempordnea, coleténea de trabalhos esparsos, dos quais 0 mais interessante para a histéria da critica é 0 “Movimento espiritual do Brasil no ano de 1888", cujos t6picos principais ja foram referidos e que agora pode ser lido sob o titulo de “Retrospecto literdrio (1888)” no quinto volume da Histéria da Literatura Brasileira. Manifestando, se no uma ressurgén mantica, pelo cidade crescente da vida editorial, reapareciam, em sexta e ong a0 lado das Comédias, de Martins Pena, as Obras, de Alvares de Azeve- clo, em 3 volumes, com 0 classico estudo de Joaquim Norberto; a Revista uno n XIIL a conferéncia pronunciada por Graga Ara- Brasileira inse Titer I do Brasil”, nha em Buenos Aires No que se refere a ¢ Brasil” e “a literatura atual do Bi literdria, 0 “movimento espiritual do ” eram, nesse momento, um sistema Mantis, “Gara & Ci”, Suplementa liters de O Esa de S. Pao, 79/1963 317 no Brasil planetario que recebia de Silvio Romero luz e calor, em proporgies infe- lizmente desiguais. Se, em 1899 ele teve o prazer de ver surgir em Mi nas Gerais, com Augusto Franco (1876-1906) e os seus Ensaios Literd- rios, um disefpulo nao menos polémico e atrabilidrio do que « com a segunda edigao de Epocas e Individualidades, de Clovis Beviliqua, a Escola do Recife recusava-se a desaparecer, 0 século nio termi para ele sem a tormenta representada pelo Vindiciae, de Lafayette Rodrigues Pereira, finalmente em volume. Era outro ajuste de contas, em que Machado de Assis foi apenas 0 pretexto, a causa acidental (hasta dizer que somente um quinto do volu- sa. aos Ensains de Filosofia me The & consagrado, o restante sendo a crf do Direito, publieados por Ror neste parigrafo final da parte co o em 1895). A chave do enigma esté grada a M wado de A: E durante esse longo pertodo de vinte anos, 0 sr. Romero nao tem cessado de agredir, atacar, abocanhar os talentos mais peregrinos, as inteligéncias mais excelentes do nosso pats. [Em nota: José Bonificio, Cotegipe, Paranhos, Otaviano, Silveira Martins, Magathaes, Porto-Alegre, P Barreto e outros e outros. Ea hidra Paranapiacaba, L. ‘a morder 0 granito.| Taito fala-nos de um sicofanta po- litico que procurava chamar sobre si a atengao de Roma, cobrindo de insultos, de doestos e de impropérios os nomes ‘mais ilustres do campo. Queria obter pelo escdndalo do insulto o que néo podia conquistar pelo talento, Tem sido este 0 processo do sr. Romero, como homem, que pretende ser de letras. Nao serd diffeil reconhecer, na lista dos “talentos mais peregri- saviam sido nos”, os que, como o préprio Lafayett mente aa- cados por Silvio Romero, em 1883, nos Ensaios de Critica Parlamentar; isso nao diminui em nada a justeza dos comentirios de Labi |, que um jurista famo- po para meter-+ explica duas singularidades inegaveis: a pr <0 e politico eminente safsse de repente a c uma 318 Wilson Martins na 0 aleangava; a segunda, que, se em dominios de querela literdria que de forma nenhi levado pelo impulso polémico ou desejando move que era mestre absoluto, passasse a demolicdo doutrindria e cientifica de um livro aparecido dois anos antes. 0 tema central ¢ dominante das duas partes é, entretanto, o mes- mo: earacterizar Romero como um bérbaro bronco, ao mesmo tempo des- lumbrado e ressentido pelos requintes da Atenas intelectual em que se vira jogado, incapaz de perceber o sentido profundo dos sistemas cienti- ficos ¢ filoséficos que lia e baralhava no espirito. neapaz igualmente de obra tio finamente elaborada como perceber a qualidade estética de a de Machado de Assis: Conhecemos (..) 0 sacrificador bérbaro que veio lé das regioes Cimérias. Estudou retorica em alguma escola de provincia; fez um grosso pectilio de teorias, de formulas, de canones, pilhadas aqui, ali, que, embora ele os diga novos, tém, pelo tom de jeito com que so expostos, uns ressaibos, uns olores de Quintiliano, de Vida, de Soares Barbosa. Sem embargo de longa residéncia na cidade, conserva ainda muito da primitiva vegetagao; fala uma lingua dura, de uma gramética impossivel, contaminada da ferrugem de aldeia. Queimam-the a alma despeitos porque Atenas olha com um certo ar de desdém para os birbaros, e devoram-no édios e céleras implacdveis con- tra as superioridades. | E lemos o livro; lemo-lo de princt- pio a fim, e, ai! pudemos chegar a iiltima pagina; tanta coisa rebarbativa, teorias ¢ formulas; digressies e digres- sdes, viruléncias, explosoes de vaidades mal disfarcadas, um estilo que nao é estilo, barbarismos e solecismos, mau gosto perpétuo ¢ demolighes por toda a parte, e, em meio das ruinas, incélume, hirto e duro como wn monélito, 0 tulto de Tobias Barreto, a fenix da poesia, da elogiiéncia, da filosofia, da historia, de todas as ciéncias divinas humanas! 319 A Critica Literdria no Brasil O livro, continua Lafayet era sobre Machado de Assis, mas sobre ‘Tobias Ba wo; 0 mesmo poderia dizer do seu priprio, que era sobre Romero e no sobre Machado. Ai da assim, ou por isso mesmo, ele vio nevessita de grande sforgo para demolir uma a na as posigies ico, tudo por meio de uma argumentagio cuja rpre- ende num espfrito Iégico como o seu, mas cuja familiaridade com a pro- blemiética da literatura se re é algo inesperado de parte dum jurista. O conhecimento, escreve ele, “ainda 0 mais aprofundado e completo das teorias, formulas ¢ da critica, nio toma eritico o sujeito a quem falece o gosto, a faculdade superior, a cay ventir, de wwidade de s ntender 0 que é belo, 0 que é sublime, na poesia, na elog intura”. Nao raro, a sua ironia ‘orrosiva e c4ustica como um ido poderoso, a aplo da passage ra explicar a entusidstica admiragio de Romero pelos versos de Tobias Ba rreto: Os médicos falam de uma perversao do paladar, pela qual se explicam os casos, alids raros, de homens que sao copréfagos (koprophagoi). | Dar-se-é caso que 0 gosto literério do sr. Romero sofra de perversao igual? Vendo em Tobias B to “um esquisitéo de algum talento, nunea um g@nio, nem ainda um grande mediocre e do com do ciéneia, e perdida nas nébulas de um germanismo obscuro ¢ mal com- preendido” — jufzo de que, com o passar dos anos, se toma cada vez mais dificil discordar — Lafay ‘mal que Ihe ha apontava, no sem sarcasmo, para 0 m causado os destemperos admirativos de Silvio Romero: A admiragao do sr. Romero por Tobias tem sido uma ver- dadeira fatalidade para a gloria do homem. Se Tobias roltasse ao mundo, perseguiria 0 sr. Romero em todos os tribunais e instdncias pela terrivel obstinagiio com que tei- ma em arruinar-lhe a fama, desenterrando papéis que apodrecem no esquecimento, ¢ expondo-os de novo é luz 320 Wilson Martins da publicidade, papéis que encerram trabathos efémeros, esbocos, ensaios, verdadeiros exercicios de composicao. | Heé uma certa piedade para os mortos que no fiundo nao é seniio uma perversidade, jé 0 disse alguém. | Acumula 0 sr. Romero citagoes e citagdes para apontar aos inerédulos humorismos e pilhérias de Tobias. | Por certo essas cita- des deparam um ow outro humorismo feliz, uma ou outra boa pilhéria. Mas a troco de tao pouco, quanta sensabo- ria, quanta insipide:! Faeécias de mau gosto, jocosidade alded, pilhérias que resvalam pela chocarrice, grosserias.. | Nao; néo reproduziremos as citagdes. Respeitamos a me- méria do morto, Sé aos seus amigos é licito profand-la. Estamos longe, como se vé, dos bate-bocas de lavadeiras em que se compraziam Silvio Romero e Valentim Magalhies. A eritica aos En- saios de Filosofia do Direito & ainda mais devastadora. La fayette de- monst Ivio Romero nio compreenddia o aleance e, as vezes, nem © vocabulério, dos sistemas filoséficos e cientifieos, tomando por com- plementares doutrinas que na realidade se opunham, ou situando-as em categorias muilas vezes opostas as que representavam. Em filosofia, es- creve cruelmente, “o st. Romero é um fantasista”; em ligiea, no era ificacdo do conhecimento em “ciéneias verdadeir e “falsas ciéncias”, que, mais tarde, diante da critica de Lafayette, ele teria o desplante de afirmar -s humoristicas (!). Outras vezes, tomava como muito melhor, a exemplo da sua famosa el ”, “quase ciénei que fizera com inteng} auténomos conceitos que na verdade se subsumiam em outros, como a0 distinguir quatro sistemas filoséficos: o monismo, o dualismo, 0 positivismo naturalista. Ora, observa Lafayette, “a dicotomiamonismo ta, e dualismo exaure o dividido. Toda filosofia ou € monista ou dual portanto o positivismo e o criticismo naturalista estio necessariamente inclufdos e iros membi uum dos dois ps . E exemplificava, nio sem humor: 321 A Critica Literdria no Brasil A divisio do sr. Romero é como a de quem dividisse todo 0 género humano nestas quatro class em ignorantes, em brancos, em negros. O erro consiste em sem homens sdbios, tomar como base da divisao caracteres da mesma genera- lidade, de modo que os membros dela se ineluem uns nos outros; hé brancos que sao sdbios, que so ignorantes; hé negros que sao sdbios, que so ignorantes. Na jé citada introdugio aos Varios Escritos (1900), de Tobias Barreto, 0 critico retrueava: Um sr: Labieno Rodrigues Pereira, ex-senador do Impé- rio, ex-conselheiro de Estado, ex-ministro da Coroa, ex- plenipotencidrio, ex-republicano, disse-me coisas do arco da velha, a que néo respondi, por duas razies, cada qual ‘mais peremptoria: grave moléstia, que me tem levado as portas da morte e sé agora vai lentamente passando e a conveniéncia de eumprir a risca a primeira regra da boa polémica —entregar, por tempo indefinido, 0 adversério, ‘maligno ao inferno do esquecimento... Mas Labieno, 0 Jfilho célebre da familia dos Macacos de Quelus (ele me entende), nao perde nada por esperar. Ainda uma ver, ele reincidia nos elementares erros de légica que deliciavam Labieno, pois uma qualquer das razées alegadas exeluia ne- cessariamente a outra... Além disso, néo era verdade que nada houves- se respondido, pois, mesmo antes de aparecerem em volume os artigos de Labieno, ele publicou as seguintes palavras: Bem se vé que nao conto nesse ntimero 0 miserdvel ¢ torpe cobarde que esereveu contra mim umas infiimias ¢ imun- das sandices ultimamente no Jornal do Coméreio, com 0 pseudénimo de Labieno e que disse que Tobias nao passa- ra de um esquisitao de algum talento... A este desgracado 322 Wilson Martins cultor do pode ser que sim e pode ser que nio, vulgarizador do rabinismo de Granada e um dos respon- sdveis pelo assassinato de Apulero de Castro, néo respon- di por o achar muito abaixo da critica. Satisfeito com mais essa demonstragio de baixeza intelectual que Ihe oferecia o adversério, Labieno nao hesitou em transcrevé-la no do volume... Quanto a Machado de Assis, 6 evidente, sentiu-se conforta do pela defesa e lisonjeado ao saber de quem provinha; ro de 1898, havia escrito a Lafayette: A espontaneidade da defesa, o calor ¢ « simpatia dao maior realee & benevoléncia do jutzo que V. Excia. ai faz a meu respeito. Quanto é honra deste, é muito, no fim da vida, achar em téo elevada palavra como a de V. Excia. um amparo valioso e sblido, pela cultura literdria e pela autoridade intelectual e pessoal. Quando comecei a vida, V. Excia. vinha da carreira académica; os meus olhos afei- oaram-se a acompanhd-lo nese outro caminho, onde, nem o direito, nem a politica, nem a administragdo, por mais alto que 0 tenkam subido, puderam arrancé-lo ao labor particular das letras em que ainda agora prima pelo conhecimento exato e profiundo. Com 0 aparecimento péstumo das Erocagdes, Nestor Vitor (1868- 1932) publicou, ainda em 1899, a pequena monografia intitulada Cruze Sousa, perfeito exemplo daquela “critica de sustentagao” que, segundo de Thibaudet, Andrade Muricy afirm: var toda a eritica simbolista. Ora, € curioso e surpreendente que, em todo esse trabalho, as palavras “simbolo”, “simbolista” ou qualquer dos seus derivados, salvo engano, jamais escritas ou sequer sugeridas. Ao contrério, até: apresentando 0 poeta como um “moder no”, “um dos que vém para o impulso positivo”, Nestor Vitor deseja nao socié-lo do grupo simbolista, mas anexi-lo aos espiritos “po- com raziio, caracteri- do sejam, 323 A Critica Literdria no Brasil sitivos” do Parnasianismo; mais pensar a evolugao literdria em termos de escolas, mesmo que fosse em favor da “nova Arte”, parec Ihe prova de atraso mental e pobre sensibilidade artstica: Ainda hé esptritos neste tempo que relutam embalde por achar a significativa disso que chamam a nova Arte. | A Arte eterna, a simples Arte, una e indivistvel, embora em cada artista se manifeste por uma nova nota, em cada época por diversa expressao (...) Nao hd nova Arte pro- priamente; apenas apresentam-se novos artistas. Isso significa, claro esté, que a “nova Arte” era tio boa quanto qualquer outra e, nesse caso, 0 trecho pode ser lido também como a efesa lo que os manuais de literatura chamam de Simbolismo, em opo- ica ao Parnasianismo; contudo, o que distinguia os ovos artistas, na visio algo decepeionante de Nestor Vitor, era apenas 0 Quanto a nntraditoriamente, ora como Sonho: “os artistas de hoje vém prineipalmente para sonhar Cruze usa em particular, ele o define, Epico (“Sua individualidade pode ser sintetizada numa frase, dize se que ele & uma emogio épica a procura de um objeto que I correspondente”), ora como impressionista: “Ele é um impressionista por exceléncia, ¢ quase que exclusivamente, sempre (sic). Tudo pelo seu horror ao vulgar, ao plebeu, ao insignificativo”. Isso mostra que as polarizagies esléticas eram entdo muito me- nos acentuadas do que hoje nos parecem, 0 que, de resto, é apenas natural, respondendo a banalissima coexisténcia, em cada momento his- \rico, de tendéncias opostas e diversificadas, igualmente vigorosas nas com relagio as outras ¢ todas por si mesmas, para nada dizer de fendme~ nos mais sulis (os impressionistas, por exemplo, que hoje nos inelinamos bolistas”, acreditavam javam ser maisrea- a precedente —e com efeito o eram, se considerarmos do fato visual). 0 traba- Iho de Nestor Vitor, sendo antes uma epifania af pouco valor listas que a pint que respondiam melhor & explicagao cient tem, na verdade, tico, © que nao o impediu de langar, numa espécie de 324 ‘Wilson Martins paréntesis reflexivo, este axioma fundamental: “E curioso, Cada uma dessas produgGes [os poemas de Broquéis] bastaria para fazer a reputa- do de um estreante; reunidas parece quererem falar contra 0 auto A critica finissecular NESTOR VITOR fo leira oitocentist sem daivida, 0 quarto mosqueteiro da erftiea brasi- Isso desde logo o situa em suas perspectivas pré- em prias: no se trata de um “mau bom eritico”, como Araripe Jinio de um “bom mau eritico”, como Romero; Nestor Vitor é, sem nenhuma cos menores. Num séeulo intengdo epig omaior dos nossos erit sta, ele foi 0 eritico jonista puro (0 que, os como norma de jul- Aquela altura, significava tomar os pad gamento); e, no tendo a cultura literdria de José Verfssimo, tinha porventura maior cosmopolitismo de espfrito e talvez maior sensibilida- de. Seus julgamentos nio sio tio seguros quanto os deste tiltimo, jé que Ihe faltava a profunda consciéncia profissional com que Verissimo exer- acima de tudo, a erftica de Nestor Vitor murcha cia a critica lite rapidamente por se haver identificado demais com a fortuna do Simbo- lismo, No optisculo de 1917 sobre Fatias Brito (ineluido no volume I da Obra Critica, 1969), ele insistia nas suas ligagies espirituais com a escola: Eu sou por indole wm roméntico, tanto que ndo encontra- ria caminho, certamente, nas letras, se a corrente simbo- lista se ndo tivesse formado. A prova & que nada fiz ceapaz de satisfazer-me no meu intimo enquanto andei ensaian- do passos no Realismo. E a minha tendéncia romantica sempre a senti eivada de religionismo,porém jamais sob a disciplina de qualquer erenca organizada (...) °C, Wilon Martins, “Um erica menor”. Suplemento Literitio de O Eitado de S, Paul, 107 1970, Sobre Nestor V Lacerda Call. “Do métode eco de N oso alm eSpeaete de Lr 906 eu Cen or Vite”, tudor Bras (Cita, (7) 325 A Critica Literria no Brasil Dois anos depois, refer wlo-se a Mério Pedemeiras, néo ignorava o caréter efémero da escola literdria com que sentira maiores afinidades: Nao nos pode escapar que 0 autor procede diretamente dessa geragdo chamada dos simbolistas e deeadentes, ain- da ontem na brecha, com um ardor em que havia o que quer que é de fandtico, e jé hoje em franca retirada, seria melhor dizer numa debandada completa, fendmeno estra- nho —por isso mesmo que essa gente nd deixa na reali- dade sucessores. Seus sucessores — nao a geragiio, mas o pequ wr vai realmente exercer influ 10 grupo em que Nestor ncia —foram os: spiritualistas” que, por volta de 1919, passam a congregar-se como remanes de perto ou de longe, entes, sobreviventes ou ade ntes do Simbolisn da revista América Latina e das que se Ihe seguitam, hipostasiando-se, afinal, no movimento de renovagio catdlie: 1¢, a partir dos fins da dé- cada de 20, sera, ao mesmo tempo, antimaterialista ¢ antimodemista. Nao é sem razdo que Jackson de Figueiredo figura como gonzo entre Nestor Vitor ¢ Farias Brito, de n lado, € 08 grupos de ago catéliea do io de ponte de contacto entre todos eles, comu -ando valores ¢ personalidades que a pr a vista pare ciam, se nao inconcilisveis, pelo menos estranhos uns aos outros. Por isso mesmo, a influéncia de Nestor Vi or exerve-se tardiamente € a contra- tempo, no no perfodo simbolista propriame da le dito, mas durante 0s “ 9 Modernista de 1922”. Toda a sua eritica poderia levar o titulo do livro de 1919, publicado, simbolicam nde Guerra até pouco depois do Movim nte, com cinco anos de atraso © que, por isso, receheu 0 nome de A Critica de Ontem: Os de Hoje, nio menos simbolic um livro péstumo, editado em 1938; as Cartas a Gente Nova, de 1924, gui imediatamente a sui maior parte, aos eseritores crepusculares que enderegam-se a do que isto 6, na desfrutavam da vita- lidade do século XIX e no cheghriam jamais as terras prometidas de 1922. Basta dizer, e 6 significativo, que a sua carta a Ronald de 526 Iho refere-se (como nao podia deixar de ser) & primeira edigao da Peque- na Historia da Literatura Brasileira, antes de que, em 1925, ele Ihe lo final, acrescentasse 0 cay . i em perspectivas modemistas Na primeira fase da sua carreira, as duas obras principais sao, creio eu, 08 opt poderfai m, alongando de certa maneira o sentido em que Ruben Dario empregou a palavra, So, independ valor proprio e da avaliagao que Ihes ulos sobre Cruz e Sousa ¢ Farias Brito, dois “raros”, os chamié-los as Lemente do seu mos dar, dois marginais das ‘no momento em que grandes correntes literdrias, ¢ 0 eram ainda mai Nestor itor Ihes estimou a estatura, E curioso assinalar que uma das suas observagies mais argutas a respeito de Cruze Sousa aparece, niio no livrinho que Ihe dedicou, mas no que consagra a Farias Brito Quando Farias Brito dava em 1895, ld em Fortaleza, 0 seu inicial volume de filosofia, jem 1893 Cruz e Sousa, ‘omais alto representante do Simbolismo na poesia do Bra- sil, publicara 0 Missal, no Rio. (...) Longe do movimento francés, de que teve noticia, mas por modo parcial, incom- pleto, ele néo chegou a representar a estética simbolista sob todos os seus aspectos. Repugnou-the, por exemplo, 0 verso livre, de que teve conhecimento cedo, por intermédio do poema Patria, de Guerra Junqueiro, ¢ até nao quis adotar as estrofes assimétricas e 0 verso polimérfico, que sé com Hermes Fontes vieram a ter franca aceitagao aqui. A outra notagiio, feita apenas de passagem ¢ como que a contra- gosto, € ainda mais importante e foi acima referida, a propésito de Broquéis. Af estio, realmente, as duas coordenadas principais para a revisio erftiea de Cruz e Sousa, dentro da reavaliagio global do nosso Simbolismo, cada ver mais necesssiria (e de que Massaud Moisés jé props : de um lado, o “simbolismo” bastante relative de as primeiras sugest Cruz e Sous como jé foi notado por mais de um “poeta par autor e, de outro, a sua inegavel pobreza de recursos ¢ temiética bastante limitada. No fundo, 6a “misica” de Cruz ¢ Sousa que nd-lo faz. admirar 327 Literdria no Brasil como poeta; mas é miisica cuja novidade se desgasta rapidamente a lei- tura continuada. Nes ‘tico de poesia —e que decorre exclusivamente da simpatia com que ¢ particular, o alto conceito em que se tem Nestor Vitor como recebeu e sustentou 0 poeta dos Broguéis — talvez esteja necessit de alguma reconsideragao, Para nao sair dos dominios simbolistas, 6 pelo menos curioso que louve Mario Pederneiras por ser um poeta “nor € “sébrio”, qualidades que contrapée expressa- bolismo brasileiro: Poetas simbolistas e de valor, jé 0s tinhamos nés: mas um, cujo valor provenha do equilibrio por que sua natureza se caracteriza e dat pela sobriedade do seu pensamento, mais a naturalidade, a simplicidade do seu gesto (..) esse s6 (on) Mario Pederneiras representa o simbolismo, sendo desilu- ‘agora o temos, no autor das Hist6rias do meu Cas. dido, pelo menos experimentado, ¢ por isso atenuado, adap~ tado, aceitavel. (Sou eu que sublinho). Oespanto chega ao assombro quando, algumas linhas adiante, ele investe com violéneia contra a poesia de Alphonsus de Guimaraens: Do conjunto dessas aprimoradas paginas [as de Mario Pederneiras] transpira um sentimento religioso, até definidamente cristao, que, no entanto, nada tem, das ladainhas cabotinas, dos blom! blom!, dos mise e, por troga ow por moda, que andavam fazendo a caricatura da liturgia catdlica nas paginas insossas de nefelibatas sem valor, ow nas de poetas de mérito, mas faltos ora de sinceridade, ora de gosto. Claro, a surda rivalidade e rancorosos olhares entre os partidérios de Cruze Sousa ¢ os de Alphonsus de ria pito «a do nosso simbolismo, mas hé alguma coisa mais na atitude 328 Wilson Martins de Nestor Vitor ¢ 6 uma erta concepgo paroquial ou grupal da vida literdria, vista freqiientemente como 0 choque infindével e permanente uma luta pelo prestigio. o consideragies dessa ordem le hostilidades tribais e sob as espécies de Contudo, de uma forma geral, quan n jogo, assim, por exemplo, n no entrayam to que ele revelava sensibilidade e agudeza: Cartas a Gente Nova, se deparamos sem surpre- dos Carrithoes, de Murilo Aratjo, também é sa com a superesti certo que pocemos ler, a respeito do primeito livro de Manuel Bandeira: Assim, seu livro de estréia me parece ainda ser um livro de transigdo. Garante-nos desde logo que podemos contar com mais uma natureza de escol em nossas letras, mas nao nos diz ainda por modo muito preciso quais os carac- teristicos definitivos desse novo tipo no que respeita a ou- tras coisas, Frase um pouco obscura, sem dtivida, mas que diz mais a propés to de Manuel Bandeira do que era comum ler-se naquele momento, com certeza necessirio ser um eritico arguto para declarar, em 1899, que 06 uma obra revoluciondi rano, de Rostand, era antes “produto de alto diletantismo do que a” —“obra-prima entre os artefatos da banalida- de contemporanea”. De minha parte, confesso eheio de rubor q alimento alguma ternura pelo Cyrano, mas a verdade é que, criticamen te, nao era o que dele se dizia na época, nem o que se disse, eingiienta ranga jé foi, Teatro de anos mais tarde, quando a recriagéo da pega por sua vez, um esforgo ao mesmo tempo melancélico € tocante de recu- perar ou, pelo menos, de reviver as grandezas de um passado para sem= pre extinto. ter desfiutado & Vé-se que, apesar de quanto viveu da larga reputagiio hem 0 prestigio incontestavel de do que comumente Ihe dao os do cientificismo exigiam a Ivio Romero, € apenas proporcional que as capelas sim- levida) de Araripe Jt .. Nestor Vitor merece mai José Verissin manuais de literatura, Se as largas aren grande vor de S bolistas vissem nese sacerdote modesto e sussurrante @ ministro esco- 329 A Critica Literdria no Brasil Ihido dos seus ritos; acontece apenas que Nestor Vitor foi mais oofician- te das exéquias simbolistas que o pontifice solene das suas missas triun- is. Essa pequena disjungio de tempo e de momento exp nal de contas, ele haja entrado na hist6ria literdria como u nor, © que nao é injusto, mas nao deixa de ser lamentave Em 1900, com o volume significativamente intituladoA Hora, ele parecia querer acertar 0 relégio critico pelo século que se iniciava e que, era o ano do IV Cent em nosso ps \irio; nfio ser menos signific que os artigos af recolhidos ignorem por completo a literatura brasileira, ocupando-se com Os Desplantados, de Maurice Barres, 0 jé mencionado “yrano de Bergerac, e H. Ibsen, este iit An nao esquece de fazer notar fade Muricy, cinco anos anterior ao de Araripe Jtinior. No Recife. uel Ardo (1873-1930) viu-se ta tra os q 6m sob o fogo de seus adversi ais esereveu Uma Respasta Devida, Num momento extra lo, Augusto Franco publicou o “perfil bioliter Anténio Sales, os Estudos Ligeiros e as Linhas de Critica. Era um romeriano colérico e intr do Mes registro, ele tratou da erénica em sua definigio modema, transcrevendo 6 conceito de Vaugirard, pseudénimo do jomalista mineiro Heitor Gui- isigente, inimigo, por procuracdo, de todos os adversé Nas Linhas de Critica, em pormenor que merece mares: era um género que se ocupava “de todos os assuntos, em estilo leve, procurando o tando de matéria mais grave, ora “faz Quem nao fazia pilhéria, e ju apanhar o ridiculo das coisas e dos fatos”, ora tra éria” para divertir oleitor. r sem contem- plagées o fdolo de Augusto Franco, era Laudelino Freire (1873-1937), ilvio Romero — Pagina de critica impressionista, surgiu também nesse ano, juntamente com O Sr. Silvio Romero e a Literatura Portugue- Fran Paxeco (1874-195 ‘com um ataque que superava, como ficou dito, os limites da simples cujo Havendo dessacralizado 0 minotauro ‘so insultuosa, o livro de Labieno parecia haver aberto a tempora- da de caga contra Silvio Romero. A propésito de sua fecundidade enci- clopédiea, Laudelino Freire comegava aga latinas d eqiidade e justeza, Ele era, aquela altura, observar que “a versatilidade 6 sintoma caracteristico d j,no caso especifico de Romero, adificuldade de julgé-lo co 330 ‘Wilson Martins opublicista mais combatido, mais discutido, mais elogia~ do, mais atacado, destas duas tiltimas décadas do século que se despede. | Em torno do seu nome estado hoje forma das trés correntes de opinides. Uma é a dos que o endeusam € 0 tém como o primus inter pares das letras padtrias. (..) A terceira éa daqueles que nele véem o escritor combativel por todas as faces, e 0 tém como superficial e quase igno- rante. Professando situar-se no segundo grupo, Laudelino Freire a aHistéria da Literatura Brasileira como 0 coroamento ¢ ponto culminan- te na carreira de Romero, a partir da qual, por isso mesmo, todas as demais obras seriam necessariamente inferiores: Os trabalhos posteriores, rigorosamente julgados, nao tém oaleance e valor daquele; nao parecem escritos pela mao emérita que tao brithantemente tracou a histéria da lite- ratura nacional. Revelam, a quem os ler e comparar aten- tamente, que 0 ilustre historiador, apés os ingentes esfor- gos que deveria ter despendido com a elaboragao da sua grande obra, entrou no declinio da atividade mental. Seja como for, conti aera, ra, a Historia a importante obra nacional”; nenhum dos precursores o igualava, a partir de F, Wolf (1863), que fora talvez “a melhor fonte de informagies do “no género, a mais fIvio Romero estava s6 “na regi que se colo- iadlor literdrio, ninguém até hoje o excedeu em eleva- io de vista e em profundeza de erudig f certo que o seu estilo deixava muito a desejar: Nao é uma linguagem expurgada de incorrecies (. sempre mé e muitas vezes errada disposig@o das palavras, a aplicagio desigual e pesada da pontuacao, os descui- dos no cumprimento dos preceitos gramaticais e a repeti- 331 A Critica Literdria no Brasil (fo continua e fregiente dos relativos, que atordoa 0 ou- vido numa dissondncia insuportével e dat o conseqiiente abuso de encerrar a idéia como incidente, so provas per- suasivas de que o eseritor no maneja bem a lingua verndcula. Ainda assi ‘vio Romero valia infinitamente mais eomo historia- dor do que como critica litersrio: do historiador para o erftico, “quan distancia”, que metamorfose surpreendente”! No julgamento e avalia- iio de autores e obras, el vo” e “contraditério”, o que Laudelino Freire documenta com abundan- a “parcialissimo”, “incoerente”, “agress tes transcrigdes: € nessa parte do livro, alids inspirado, pelo menos em parte, por divergéneias de politica estadual, que ele enumera as famosas “contradigdes” a que Silvio Romero replicaré, com a fiiria habitual, mas pouco efeito persuasivo... quatorze anos mais tarde Assim como continuava pagando dividas velhas © novas, todas Machado de Assis (que fo erro estratégico de sua carreira © 0 po reativadas pelo livro infeliz ¢ 10 de onde comegam a declinat, como observou Laudelino Freire, as suas faculdades intelectuais com elas, a sua autoridade), Silvio Romero ia também responder, em 1900, por seus ataques contra os escritores portugueses. O requisitério de Fran Paxeco esta dividido em “ weira dose” e “Segunda trepa”, 0 que se pela estabelece desile logo o tom do debate, Ele comega por justifica errata ¢ confusdo ortogrifica do texto lembh nhas que, pelo Diciondrio de C ortografar ou escrever com sintaxe em Portugal de Jodo Ribeiro, “chega- do de que rarfssimos sabem redigir dois perfodos no Brasil”. Contudo, 0 problema na ndo, desde as primeiras li- ndido de Figueiredo, “vé-se que raros +s pela gramitica Aconelu era esse: trala-se apenas de uma entrada canhestra em matéria. Fran Paxeco confessava-se disefpulo de Tesfilo Braga, “hoje a pri- meira mentalidade luso-brasileira”, © que, de resto, néo o impedia de censuri-lo pelas revolugées literdrias em que andara metide: “O ho- menzinho safra-me parr Portugal, ouvia ch: Seja como for, quando ainda re Romero de“ 332

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