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Wilson Martins l nenhuma heranga estética dos seus primitivos habitantes, miseros selva- gen nbém um manifesto contra a Poesia Pau-Brasil: “O Brasil no recebeu idimentares”, exclamava ele, acrescentando: Se escaparmos da edpia européia ndo devemos permane- cer na incultura. Ser brasileiro néo significa ser bérbaro. Os escritores que no Brasil procuram dar de nossa vida a impressdo de selvageria, de embrutecimento, de paralisia espiritual, sao pedantes literérios. Tomaram atitude sar- cdstica com a presuncao da superioridade intelectual, en- ‘quanto os verdadeiros primitivos sao pobres ile espirito, sim- ples e bem-aventuradas. | O primitivismo dos intelectuais é um ato de vontade, um artificio como o arcadismo dos académicos. 0 homem culto de hoje néo pode fazer tal retrovesso, como 0 que perdeu a inocéncia ndo pode ad- quiri-la, Seria um exeretcio de falsa literatura naqueles que pretendem suprimir a literatura. Ser brasileiro ndo é ser selvagem, ser humilde, escravo do terror, balbuciar uma linguagem imbecil, rebuscar os motivos da poesia e da literatura unicamente numa pretendida ingenuidade po- ular, turvada pelas influéncias e deformagies da tradi- io européia (..). Com esse diseurso, Graga Aranha no rompeu apenas om a Aca- demia: rompeu também com 0 Modernismo. Oswald de Andrade qu le via “um arguto e grande senhor de espirito”, uma igura extraordinaria desassombrada”, tudo para sagré-lo chefe incontestével e absoluto do Movimento Modernista, acusou o golpe imediatamente, em artigo de 25 de junho, para A Manha (Suplemento de Sao Paulo). Agora, arrolava-o menos de cultura que uma nagao analfabe- ta pode desejar Leu mais duas linhas do que os outros, apanhou trés dois anos antes, 1a cultura “imensa, espléndida e entre os is perigosos fe idéias além das de uso corrente e faq izado por uma hipnose interior, crédulo e ingénuo, quer impor @ outrance os seus filtimos eonhe 501 A Critica Literdria no Brasil tos, quase sempre confusos ¢ eaéticas”. Era um burro (sic) que entrara ‘em contacto com o cubismo trés semanas antes, no atelié da pintora Tarsila do Amaral; sua conferéneia na Academia tinha sido apenas uma ira passadista”.™"! Sabe-se, ou faz-se o possivel para nao saber, que Oswald de “disew weadémico, tomou a defesa da Academi rade, 0 suposto > mo- oem que o académico Graga Aranha a atacava, provavelmente como preparago para a sua propria candidatura A primeira vagai"™ seja como for, o manifesto da Poesia Pau-Brasil ¢ o duplo antimanifesto de Graga is da Aranha (contra a Academia e contra o Pau-Brasil) sio os documer ise de consciéneia por que passava o Modernismo, entio identificado, que 0 quisessem ou niio Mério ¢ Oswald de fade, com o nome de Graga Aranha. E que testemunham igualmente a conferéncia de Murilo Aratijo (1894-1980) “Modernismo aranhismo” Carlos de Laet: eo famoso soneto de Noite. Calor, Concerto nos telhados. Cubos esferoidais. Gatas ¢ gatos. Venus. Gracas. Aranhas. Carrapatos. Melindrosas. Poetas assanhados. (...) Nesse momento, os modernistas comecam a repelir, com insistén- cia cada vex maior, o epiteto de juturista”, também ligado a Graga Ara- nha pela compilagao dos respectivos manifestos; é que, fundada por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Prudente de Morais, neto (1904-1977), s ‘nome antimodemista de Estética —e em que a antimode: no Rio uma revista modernista com ta Revista do Brasil transforma-se em modernista (em termos!) com Sérgio Milliet tig of Brasil — 1 Teno as ds mh st Sit Men dsr bar, vin Fst etd el “Quem ten me (h Mistrin da nega Base, VI, 317 © 502 Wilson Martins (1898-1966) na secretaria e sob a diregio de Paulo Prado (1869-1943): “Dentro de pouco tempo — talvez bem pouco”, esereve este tiltimo ao iniciar um artigo altamente elogioso sobre Brecheret, 0 que se chamou em fevereiro de 1922, em S. Paulo, a Semana de Arte Moderna, marcaré uma data memorével no desenvolvimento literdrio e artistico do Brasil. Era, pois, em 1924 que se comegava a perceber asignificagdo do que ocorrera dois anos antes, 0 que se devia, antes de mais nad tumulto provocado por Graga Aranha, conforme Aleeu Amoroso Lima ja De fato, niio foi a mana de observou, nas Memérias Improvisada Arte Mode nal’ a revolugao literdria paulista. Foi, isso sim, essa animada ses sm Sio Paulo, restrita ao meio local, que tomou ‘nac que de forma nenhuma impedia 0 aparecimento das primeiras tages hostis em lugares tio afastados de Sio Paulo quanto as capitais nordestinas, nomeadamente 0 Recife, de onde Gilberto Freyre coma revolugao politica, para los ambos no mesmo reptidio por assim dizer organico, No arti publicado n’O Semeador, de Maceié, a 18 de identificava o Modernismo lite torno de uma revolta” 1924, isto é, seis meses antes da conferéncia de Graga Ara- de 1922) como “a hora estdipida de uma ge de Rui Bar- bosa, do Gal. Dantas Barreto, de Graga Aranha}, gerago promiscua de idedlogos ¢ oportunistas”: janeiro nha, ele qualificava a revolugdo (pela data deve se refer ragiio [a do Mal. Hermes O Brasil deve estar farto de futurismo, pois hd cingiienta anos fala e ri com uma dentadura postica por cima dos seus dentes de leite. O Brasil anseia pela reintegragao nos intimos valores do seu passado (..) mC Mans Metis Se Senin, on, Domai, p12 6 503 A Critica Literdria no Brasil Observe-se, de passagem, que, a 13 de agosto do mesmo ano, 0 Jornal de Alagoas noticiava que 0 “Ce ro Regionalista do Nordeste, ideado pelo espirito brilhante do professor Odilon Nestor”, defendia “um fa- programa de idealistas”, reivindicando para o Nordeste os mesm vores” que a Nagao concedia aos estados do Sul. Se o plano de um Diciondrio Brasileiro da Lingua Portuguesa, proposto por Graca Aranha foi sumariamente rejeitado pela Academia, 0 Manifesto Pau-Brasil, Natalika, de Guilhet dos Séculos, de Rubens Borba de Mon ne de Almeida, ¢ 0 Domingo revelavam, como ficou dito, a primeira crise de conseiéncia do Moderni mo, no proceso clissico de se renovar numa fuga para a frente (com Oswald de Andrade) ou, a0 contrério, de consolidar uma doutrina auténtica ¢ estabilizadora (com os outros dois). A mesma repulsa de Gilberto Freyre pelas revolugies, lite- réria ou politica, vistas, ali nia-se também na Literatura Reaciondria, de Jackso Arte”, eselareci de Figueiredo: “Em relagdo & . “procurei sempre defender, desde que aA mente Arte, tem que ser moral, tem que ser eatéliea”. Concordando com Perilo Gomes em qu era chamar a atengdo para a “literatura de reagio, anti-revolucionéria, anti-sentimental, anti integrei 1 fé catdlica, esta concepedo pura e simples (. para ser real- faltava A nossa critica “uma doutrina”, seu intuito a (x) que vai assentando ja as bases de 10 social, consciente positivamente inspirada nos dle pensamento era Ch adores de De Maistre (...) de quem ja se ensinamentos da Igreja”. Set les Maurras, “o maior dos ¢ disse que em visio politica $6 a st6teles pode ser comparado” — paralelo que ele bizarramente repete, em termos literais, com referén a Augusto Comte, “génio realmente formidavel, que s6 0s positivistas brasileiros conseguem cobrir de ridiculo”; Kant, ao contritio, © as o “Plato podre” da Alemanha, poderia esperar que fosse favordvel ou simpatico ao Futurismo, “literatura de desarvorados sereias de indisciplina e fuliginosas ima Havia outros sin inagées”, s, ¢ ominosos, da avangada modemista e revolu- da expan exceléncia, que Silio Boccanera Jiinior, em O Teatro na Bahia da Colé- um deles a rij io do cinema, arte modemista por 504 Wilson Martins nia @ Repiiblica, responsabilizava nao apenas pela decadéncia do paleo ntudo, para brasileiro, mas tan m pela corrupgio dos ¢ ntes moder- ‘© bem e para o mal, o ponteiro estava virando para os quadr nistas, inclusive do ponto de vista geogrifico: proclamado no Nordeste pela “carta literdria” de Joaquim Inojosa,A Arte Moderna, o movimento logo aleangou o extremo norte, com Bailado Lunar, “cronologi primeiro livro de poesia modemnista no extremo Norte. ispirando enorme desen- A essa altura, 0 Modernismo jé estava volvimento dos “estudos brasileiros”, entre os quais, de 1924, Lauréis Insignes, de Elisio de Carvalhi que se refere & aHis- nto da Silva; O Elogio da Mediocridade, “estudos e notas de literatura”, de Amadeu Amaral; 0 Pensamento Poético de Gongalves Dias, de Jaime Balio Jénior (1891- 1967); a Vida de Castro Alves, de Xavier Marques, digo correta, sVultos e Idéias, critica liter t6ria Literdria do Rio Grande do Sul, de Joao acrescida e ilustrada com retratos e desenhos do poeta’ io Cardoso (1889-1931), publieado j Pensamentos Brasileiros ¢ Figuras e Conceitos, todos de Vicente Li snte com subli- nhava o autor, pela “constincia do ponto de vista essencialmente brasilei- weira série dos Estudos Brasileiros, de Ronald de Carvalho. ro; € a pr Ja sabemos que muitos modernistas, a comegar por Mério de Andrade, contestavam a Graga Aranha a “chefia” do Movimento e dela desejariam despojé-lo; cometendo evidente anacronismo mental, Pedro Dantas (Prudente de M em 1974, artigo com que a A verdade, contudo, & que, em 1924, Graga A\ de neto) insereveu-se nesse ponto de v 10 intitular de “Vida da Estétic 10 Estética da Vida” o centou a edigo fac-similada da sua famosa rev nha era o grande homem penas Ihe coube escrever os artigos de abertura dos dois primeiros niimeros, como, ainda, era desde logo objeto de aprecit Ges entusidsticas por parte de Renato Almeida (o que surpreende pou- ia Brasieva, V1, 3 Ouro Aspects do Modernmo, p21 6 8 6.4 Ante Moderna 505 ‘A Critica Literdria no Brasil co) e de Sérgio Buarque de Holanda, um dos diretores do periédico. Este Gitimo colocava-o na categoria dos que Charles Péguy chamava “os homens essenciais”; seria absurdo “tentar separar 0 hon que esere- tética da Vida". Canad era um “ro- veu Malazarte do que esereveu A mance admirével”; “admirdveis” também as “paginas sobre aMetafisica Brasileira e sobre Cultura e Civilizagdo na Estética da Vida". Nas “pagi- nas mais coloridas” do preficio que escreveu para a correspondéncia entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco, “o brilho do estilo no es- conde o pensador”, tudo conduzindo a esta conclusio: Nao sei se terei insistido suficientemente na importdncia da contribuigdo de Graga Aranha para essa maior afir- macao da nossa individualidade nacional, de uma mai or intimidade que o “esptrito moderno” jé tenta efetuar entre a nossa raga e o nosso meio edsmico. Estou certo de que os resultados que dessa contribuigdo possam provir, nunca a desmerecerao. Nés sabemos que “érvores impe dem que se veja a floresta”, mas néio podemos nos esque- cor que a obra de Graga Aranka abre uma elareira, 0 que de qualquer modo constitui uma preciosa indicagao. O “espirito moderno” nos proporciona neste momento uma afirmacao inesquectvel. Se essa afirmacao nao se revelow ainda por obras de mérito excepcional, — como querem alguns — ela valerdé pelo menos como uma negacao das negagées, que sao os obstéculos a uma afirmagdo maior Graga Aranha e, em particular, A Estétiea da Vida eram também objeto de um capitulo encomiastico nas Notas dum Jornalista, livro com que Raimundo de Morais (1875-1941) regressava literatura, depois dos Tracos a Esmo, de 1908, Outro amazonense, Péricles de Morais (1882- 1956), estreava com Figuras ¢ Sensagdes, mas, easo raro, simulténeo com um volume sobre ele mesmo: Péricles de Morais, Animador de Sensagies, por Leopoldo Peres ( 1924, 0 mau humor da Revista do Brasil: 2), 0 que em nada amenizou, em outubro de 506 Wilson Martins O sr Péricles de Morais — jé 0 dissemos aqui — 6, por certo, um eritico de quem se pode esperar muito. Mas é ritima da mesma obsessao da sonoridade verbal que nos revela este seu pradigo encomiador. O tempo hé de thes repetir a ligéio que tao tardiamente se fez ouvir a esse grande espirito que 6 Coelho Neto. retornou Nao era menos verhoso o critico Alméquio Dinis, qu nesse ano com os Direitos da Critica Literdria, “razbes do apelado Os6rio Duque-Estrada, no proceso por erime de injtiria e caltinia que Ihe mo- yeu Ronald de Carvalho”. 0 apelado publicara 0 seu tinico livro de julgamentos literdrios, apropriadamente intitulado Critica e Polémica; 0 dos Estudos Brasilei- 10s, a0 lado das Cartas @ Gente Nova, de Nestor Vitor, e dos Ensaios de Critica, de Alvaro de Carvalho, impressos na Paratha, Acrescent as Prosas Esparsas, de Heitor Moniz, tiradas da Imprensa Oficial da Bahia; que Breno Arruda (1885-1955) abordava temas ofendido estava nas livrarias com a primeira sé Caminhos Perdidos, e como a tristeza da raga brasileira, 0 nacionalismo no romance, Adolfo Caminha (conferéncia de 1920 nas vesperais literdrias de Adelino Ma- gal finalmente, na cidade norte-america ies), literaturas do Norte € do Sul, ¢ outros da mesma natureza; de Girard, Kansas, The Spirit of Brazilian Literature, de Isaac Goldbs ‘espitito 8 ja que estava se comegava a tomar clara conseiéneia: no Elogio da Mediocridade, Amadeu Amaral registrava que “o pamasianismo, de a esta parte, niio $6 deixou evidentemente de ganhar terreno, como ¢o- megou a perdé-lo todos os dias”, Nem es sagrados mereciam mais qualquer respeito: no conto “Os mortais de Nevo”, publicado o primei- ro nimero de Estética, Prudente de Morais, neto, arrolava Bilac ao lado de Pateck Philippe, Lufs de Resende No mesmo 1a “Velocidade”, de C ra observagdo de Rubens Borba de Morais no Do: ie de Almeida, dir nimero, saiu 0 poet ia que para confirn mingo dos Séculos, segundo a qual “as invengdes modemas transforma- jos de transi- 1 nossos sentidos”. Viviamos num dos famosos “mor 507 A Critica Literdria no Brasil caros aos autores de manuais ea que Ronald de Carvalho se refe- 1os Estudos Brasileiros: Lutamos, ainda, 6 certo, com a exigitidade intelectual do ‘meio, onde escasseiam os estudos sistematizados, e onde a educagéo priméria e secundaria é por demais viciosa ¢ rotineira. A literatura brasileira 60 produto do esforco iso- lado dos nossos escritores. Falta-the ainda espirito coleti- 1, justamente porque carecemos de um ambiente de ver- dadeira cultura, onde os nossos problemas sejam analisa- dos com desassombro e lucidez. Enquanto os nossos ho- mens de letras forem apenas li los, no poderemos con- tar com uma literatura realmente representativa da civili- zagao brasileira. Sao os momentos que produzem, consomem pre livros como Sementeira ¢ Colheita, de José Maria Goulart de Andrade (1881-1936); Notas Literdrias, de Homero Prates (1890-19; Sousa, de Silveira Neto (1872-1942); Estudos Hispano-Americanos, de Silvio Jilio (1895-1984); Lufs de Camaes, ensaio hist6rieo redigido em francés por Miguel Lemos (1854-1917), em simetria com Diciondrio is de Camées, por Afranio Peixoto ¢ Pedro A. Pinto. sie enterrado (mas por motivos dos Lusiadas de L Outro texto “de tra 40”, produzido, jamais consumido e para sempre nente diversos!) foi o preficio de Mé- rio de Andrade para as Memérias Sentimentais de Jodo Miramar, que 0 autor, por motivos dbyios, resolveu publicar na Revista do Brasil, em mbro de 1924, Oswald de Andrade, pela pena de Machado Penum- achou melhor substituf-lo pelo prefiieio autocongratulatério que eo- cemos, depois de haver permitide ao confrade e amigo que “expu- sesse algumas intengies do ese mas é evidente que no contava com os esforgos demasiadai zar as restrighes e descobrir qualidades. Havia, mesmo, louvores ambi guos: Oswald de Andrade era “o mais curioso” dos modernistas brasi- fveis qualidades de clown”. 0 ro- a polvora, prosseguia Mario de indo-se por mancista estava certo de que descoh Wilson Martins modelai redescobriram a pélvo- nodelou a partir das Memérias Andrade e de que, a partir do seu livro oswaldianos rece niio todos eles, també ra e garantem que a arte de fato se r Sentimentais). Havia pior: “H& muito tempo que vivo a pensar +r Osvaldo (sic) o melhor espectador de si mesmo”. Os ; com as Memérias Sen- arte va (muitos secretamente s Condenados tinham sid timentais de Joao Miramar, “Osvaldo de Andrade se incorporou pratica- mente ao grupo dos mod fervorosamente adn istas brasileiros”, O que em nossos dias seria Jo como a “estética do fragmento” parecia a Mé- 0 distintiva do seu rio de Andrade simples conseqiiéneia de uma fei confrade: a “preguiga de completar empresas diffe “estilo telegréfico” e & eriagio da lingua brasilei s" E, quanto ao Osvaldo de Andrade wtilizou-se de palavras. Ainda bem. Mas quando cria neologismos, ou estes sao insustentéveis pela formagao antipsicolégica ou sao de monotonia gasta ¢ cansativa, (.) 0 trocadilho enxameia (...). A volta ao ‘material implicava por certo dar toda atengao a lingua brasileira que esté se formando, Mas ainda aqui a solu- ‘do aparece bem outra da pretendida pelo autor. Uma lin- gua se forma segundo fendmenos psicolégicos perfeitamente fixados ¢ quase sempre inalterdveis. Ora Osvaldo finge ignorar essas verdades e na parte que the pertence propri- ‘amente no litro, isto é, quando nao encarna qualquer dos personagens, apresenta diego eminentemente artistica ¢ personalissima (...). 0 que mais caracteriza as Memérias é esse apego quase doentio @ expressao. Esse faz de Osval- do de Andrade um improvisador sem tese.”” Tato ropa om Bra: 1 Tempo Moder, p. 219 ¢ Se mio er irs Mito de Ancede pela “prs telepfen” do Jade Miramar, tampon tsi te om revi cela de que Oneal de Arsene se servi na 12 Didrio Necional, era Cats, de Ascenso Freie, que ee d cinta do rdemine brio”. Quanto ao Pou-Bro stava cela de “efeitos oa” « “caves: da chave-de de-ouo”: “Se pode observar que cle ieveniow uma traneposig md ya chave-de-oar ts de Pee Basl a chvedo-iee 509 A Cri Literdria no Brasil De toda evidéncia, Mario de Andrade era um daqueles “espiritos curtos e provineianos (...) baragados no de ardo estilo em que esté escrito tao atilado quaio mordaz nsaio satirico”. Pode-se mesmo pergun- ‘ujo sentido o inte- ressadlo ndo teria nenhuma dificuldade em penetrar. Mas, nao era o Gini lar se no se trata, no caso, de uma alusao peso: co. Ass nando conjuntamente a resenha publicada no segundo néimero de Estética (janeiro-margo 1925), Prudente de Mor etindo lite © Sérgio Buarque de Holanda, Imente as mesmas cri Memérias Sentimentais “entre os livros de género indeter ¢, juntando a injdria ao insulto, acrescentavam: “Essas e outras coi- sas que estamos dizendo jé foram ditas num artigo admiravel, do sempre admiravel Mai o de Andrade, que lamentamos nio poder plagiar na inte- O “sempre admiravel Mario de Andrade”, tendo pronto hé algum tempo A Eserava que nao é Isaura, resolveu repentinamente publicar, em 1925, esse “discurso sobre algumas tendéncias da poesia modernista”, como evidente resposta ou contrapeso a O Espirito Moderno, de Graga Aranha, também aparecido nesse ano,2"” quando também comegam a se multiplicar, nas cartas a Manuel Bandeira, as alusdes hostis a Marinetti ha, Na “carta aberta a Alberto de OI le que Modemismo tives 1921, “dentro da mala de Graga Aranhi do Modernismo brasileiro pra nds’ iltimo nimero de Estética (abri eira”, ele contestava lo para o Brasil em Deixem ao menos 0 infeio Esse texto apareceu no terceito © pho I nificativa coincidéncia, foram criticadas trés obras fundamentais do Mo- vimento: O Espirito Moderno, A Escrava que nao é Isaura e A Arte Moder- na, de Joaquim Inojosa. Com relagio ao primeiro, chamando, embora, Graga Aranha de “soberbo animador do movimento de renovagao nacional”, Rodrigo M-E, de Andrade (1898-1969) contra ele reivindicava, em favor do artista moderno, “uma completa liberdade de processos”; Prudente de Morais, "9 Sobre A Kscrva que nde é laure, f, Wikon Martine, O Moderiams, pas, 510 Wilson Martins neto, que assina as outras duas notas, analisou longamente o livro do, “sempre admirivel Maio de Andrad que op ntérios a Joaquim Inojosa que co a Aranha qualquer influéncia decisiva na génese do Modernismo brasi- I no mesmo conflito de opinides sobre a alo, Estética terminava os seus dias Assim, com trés anos de thefia” da Semana que je havia custado a vida a Klaxon — com esta diferenca, que Klaxon morreu nobremente com um nimero de homenagem a Graga Aranha, a0 passo dico carioca encerrou a existéncia nese raivoso r que o per ger de dentes (a resenha ao livro de Inojosa é a tiltima da segao brasileira tiltimo texto dese niimero é a “Carta aberta a Alberto de Olivein Acrescente-se que & provavelmente de Prudente dle Morais, neto a nota jue o jomal A Noite desmentiu os boatos segundo os quis Graga Aranha teria comparecido & redagao para protestar contra 0 titulo de “Papa do Faturis brasileiro” conferido a Mario de Andrade. A verdade 6 que 0 préprio movimento, num proceso normal de maturacio, estava sub-repticiamente passando do modernis ‘mo ao modemo, assim como jé havia passado do Futurismo para o Mo- derismo. Na terceira edi Tho, vinha acrescida de um eapitulo final sobre a liter era a literatura americana; falando no Curso Angela Vargas sobre “as a Pequena Histéria, de Ronald de Carva- bases da arte moderna”, ele assegurava ser “erro ingénuo fazer do futu- rismo a base do espfrito modemo”. Quem acompanhava Ronald de Car- valho no grito de “Morra o Futurism 1” era Joaquim Inojosa, na confe- réneia “O Brasil brasileiro”, pronuneiada a 8 de agosto de 1925 na Société Foot-Ball Club de Morenos, Pernambuco. Ele seguia o evangelho de Graca Aranha, pregando 0 otimismo e a alegria, pouco tradigao € na histéria, preocupado apenas com a tarefa ieressado no passado, cicl6pica de construir uma nagao, ¢ is novas. José Américo de Almeida louvou-o por es: pela “moderagao do se Em carta de 192: mava a cooperagio de todos na tarefa de ajudar a for a da lingua brasileira”, o que. jada as geracdes is idéias —e louvou-o ainda modernismo”.. a Manuel Bandeira, Mario de Andrade recla- ago litera era o contrério do programa su A Critica Literdria no Brasil moderista ¢ 0 contréio das intengdes que geralmente Ihe emprestam. Era outro indicio do academismo modernista, que havia encontrado 0 cédigo en ota A Escrava que ndo é Isaura; nessas perspeetivas, néo parece- ntes as palavras preliminares ded Bagaceira, trés anos wong mais tarde, que so em tudo, e nomeadamente em concepgies lingiifsti- jdernista. O problema da “lings cas, um elaro manifesto ant brasilei- . culta ou inculta, nao pode ser compreendido fora da atmosfera de lento anti-lusitanismo que entdo existia entre nés ¢ do qual 0 docu= mento mais caractei io Torres, As Razoens da Inconfydencia, publicado no mesmo ano de 1925. Isso nio impedia, an- 'sestimulava, o aparecimento de livros como os Estudos Camonianos, de Silvio de Almeida (1867-1924), ou as Notas e Contribuigdes de um Bibliéfilo, de iesmo, Escritores Coloniais, em qu tratando de autores portugueses, como, entre o Pe. Manuel de Morais, Diogo Gargao Tinoco, Antonil ¢ Frei Gaspar da Madre de Deus, fonso d’Eseragnolle Taunay (1876-1958) afirmava ofere- Jonio L o historiado cer “*subsidios para a histéria da literatura brasileira”. Autores portugue- ses (Afonso Lopes Vieira, Antero de Figueiredo) estavat geiros estudados por Elisio de Carvalho em Suave Austero, livro que ci culou simultaneamente com a tradugao dos seus ensaios publicada em Madri sob 0 titulo de Principes del Espiritu Americano (Rubén Dario, Graca Aranha, Rufino Blanco-Fomb doso reuniu em Afirmagées e Comentarios diversos estudos s nalidades estrangeiras, como Henri Ford, Roosevelt, Paseal e Sy ). Também Vicente Liefnio Car- cenumeragao que evideneia desde logo 0 ca ter heterogéneo do volume, a que podemos acrescentar, para registro, estudos individuais, como Euelides da Cunha, por Mério F. Oberlander, e 0 Artista da Forma e da Beleza, em que Oscar de Holanda Cavalcanti tratava da vida e obra de Bilac, ou contribuigses mais positivas para a hist6ria literéria, como Movimento Literdrio em Campos, por Miicio da Paixao (1870-1926), 01 0 Dicionério Bibliogréfico Sergipano, por Armindo Guarand (1848-1924). Além desse, as glérias sergipanas eram evocadas no mesmo ano de Afonso Dionfsio Gama ( ? - ? ) sobre Tobias Bar pelo volu Lo, apresentado como “homenagem de grande admitagio ¢ profunda sauda- 512 Wilson Martins de, prestada & meméria de um mestre ilustre por um discfpulo agradeci- do” ¢ dedicado & Academia Brasileira de Letras, “de uma de cujas ca- deiras (a fundada pelo Dr. Graga Aranha) & patrono o imortal Tobias sem, pelo que se percebe, nao era totalmente de: teressada: como dois juristas tinham sido eleitos por um bre Machado de Assis, ele terd imaginado que o terceiro poderia sé-lo Barreto”. A homen: por um Ginico livro sobre Tobias Barreto, mas as situagées no eram si- métrieas, porque, por um lado, este dltimo niio renovava em nada os ¢, por outro lado, a Academia nem de longe fobias Barreto os mesmos sentimentos que a conhecimentos existent alimentava com relag: ligavam a Machado de Assis. Muito pelo contrario. Seja como for, Di decepgao que Ihe cause dade do Recife, o avisto io Gama recordava, para comegar; a enorme a figura do Mestre quando, calouro da Facul- pela pr .vidiante de mim um homem de cor, feio a valer, algum tanto alquebrado, com os cabelos desgrenhados, dentes pouco cuidados, vestindo uma calga branea bastante amarfanhada, sem colete, velho paleté de alpaca preta, camisa desbotada, gravata de retrés escuro, botinas de eléstico bem maltratadas. Da sua pessoa transparecia, de uma maneira evidente, 0 nenhum cuidado, o relaxamen- to absoluto que presidia a sua toilette, de modo que, ao vé-lo, adquiri a certeza de que 0 genial sergipano nao ligava a mais insignificante importéncia d sua maneira de trajar (...). Claro, isso apenas fazia 0 necessério contraste pitoresco ¢ uando o Mestre passou a argiir géni um estudante, no que, alidis, demonstrou o exibicionismo doentio que 0 inoso que logo se manifestou terizava e que Dionisio Gama registra um tanto a maneira do famo- so bidgrafo Z. Zagallo: 513 A Critica Literdria no Brasil Tobias indagou do examinando qual o ponto que the ti- nha caido por sorte; oblida a resposta, comecou a falar. afalar...a falar. fazendo uma verdadeira prelegdo sobre a matéria, enleando os owvintes —a sala achava-se lite- ralmente cheia —até que foi advertido pelo presidente da ‘mesa examinadora de que estava terminado 0 tempo des- tinado @ argitigao. Dionisio Gama obedecia a formula consagrada para as biografias de Tobias Barreto, isto é, 0 relato hagiogréfico entremeado de vasto anedotério tido por pitoresco, sem excluir, bem entendido, as “indmeras polémicas que teve de sustenta zes, com os padres do Maranh com Castro Alves a propésito de atri- colegas da Faculdade, ¢ assim por diante. Tobias Barreto de grande valor”, afirma em outra se foi um poeta dio do volume, transerevendo, a ossando, se propésito, nu também, as exageradas avaliagbes da sas composigées que o desmentem, e impo Além de poeta, critico, polemista, professor ¢ ju wcia como jurista ta, continua 0 bidgrafo, “Tobias Barreto foi ainda grande musicista, grande orador ¢ um cstilista como poucos tem produ © nosso pais”, proposighes todas, conforme observou Gilberto Amado, que a sua obra nio confirma. Es delitio encom o atinge o paroxismo na apre Estilista... Bem poucos o poderito igualar como tal. O lu- gar que, nessa qualidade ¢ sem 0 menor favor, the cabe ao lado dos nossos grandes escritores, quais, entre outros, José de Alencar, Machado de Assis, Justiniano Rocha, Joaquim Nabuco, Joao Francisco Lisboa, Graga Aranha, Carneiro Ribeiro, Oliveira Lima, Carlos de Laet, Ferreira de Aratijo, Coetho Neto, Olavo Bilac, Xavier Marques José do Patroctnio. Somente existe um que the é, bem como «todos 0s outros, muitas vezes superior: Rui Barbosa. 514 Wilson Martins icamente Ele singularizava, entre as, de Tobias Barreto, “O dia de Camées”, “primorosa jéia, digna de fi comparaveis em qualquer Seleta Literdria, por mais exigente que seja”, transcreven- do-a integralmente e fazendo seguir, por pginas, de uma antologia das suas “observagies admi yensamentos brilhantéssimos”. Em conclusio, € antes do “Apéndice” em que coligiu algumas cartas do Diografado ¢ acrescentou um pequeno capitulo intitulado “Para a vida anedética de Tobias Barreto”, Dionisio Gama escrev Foi o mais notdvel professor que as nossas Faculdades de Direito tém tido desde a sua fundagao até hoje. Os mogos, que 0 tiveram como mestre, possuiam por ele verdadeiro fanatismo. Sugestionava a todos com os fuulgores da inte- ( cia nova, causando as- ligéncia e saber, de que dispunha. (..) Foi quem introdu- ziu na Faculdade do Recife a cit sombro aos velhos lentes, acostumados a ciéncia de qua- Foi um lutador valente, pronto a renta anos passados (. sacrificar-se pelos ideais que abragava. Deixou discipulos que tém sabido honrar a sua meméria. O sew nome niio morrerd nunea (... A verdade é que, a essa altura e sem que Dionisio Gama aparen- temente o perc © nome ou 0 renome de Tobias Barreto es morrendo, is coordenadas que ji nfl estava morto, pelo menos de exaltagio inconsiderada, 0 que nio significa, bem entendido, que houvessem desaparecido para sempre os seus discipulos propriamente ditos ou os putativos, como por exemplo, Veiga Miranda (1881-1936), | que nesse ano publicou Os presses de leitura”. Tra- o futuro outro candidato infeliz.& Acade Faiscadores, itulado “erdnicas e ta-se, realmente, de uma miscelnea, caracterizada, antes de tudo, pelo que podemos denominar a “prolixidade advocai lise psicolégica do pligio” até consideragies sobre Assim como Tobias Barreto, num dos seus ataques de d germanista, havia proposto a criagdo de um tribunal no qual os sébios 515 A Critica Literdria no Brasil alemdes licenciariam os livros dignos de publicagao no mundo todo, Veiga Miranda sugeria a criagao de uma policia ou, pelo menos, de um tribunal literdrio em cada pafs, para impor uma “pu mante” ao plagiério (editor e vendedor), além das penas legais previstas no Cédigo Civil (arts. 666, 669, 670). Isso dito tom e fixa 0 Veiga de Mi el intelectual do volume. la escrevia sobre Antonio Austregésilo (“Um filésofo amdvel”) e sobre as “trés sombras”, reunindo smo capitulo Raimundo Correia, tos mortais de mares Passos e a chegada dos Pedro II ao Brasil; sobre a préxima posse de Xavier Marques na Acade- mia, o que, tanto quanto 0 eapftulo. “A pedra da Moreninha”, preparava nia de Le- \solidada”, louvando-Lhe o bri- terreno para sua propria candidatura: “a nossa (ic) Acad tras”, dizia ele, “esté definitivamente Tho mundano e a repercussio elegantemente social das suas festas, uma delas tendo sido a reuniio do centen de Joaquim Manuel de Macedo; 6 pena, conclufa, que ninguém se tivesse lembrado de uma romaria “8 pedra lendéria”, No Urupés, de Monteiro Lobato, artigo de 1918, ele via um “patri- otismo agressive”, concepedo litersria simétrica & que o fazia observar, a propésito de Bom Virer (605 paginas), do romanecista mineiro Joao Li- cio: “Hoje todo romance que passa das trezentas e sessenta piiginas, corpo dez, pode considerar-se ilegivel”. Nao era das io Pi sm compensagio, alguns como seria de esperar, a sua opi o sobre Com mas oBvange- tho de Pa, de Cassiano Ricardo, inspirava-lh elogios espontineos: ritmo suave, rimas melodiosas e vinginais (sic), vo- cabulério pomposo, verso limpido. Ele inclufa, ainda, entre os “faiscadores”, Martins Fontes e Valdomiro Silv jambucanos Mir mancistas pet Sete e Lucilo Varejfo, censurando nes- te Gltimo 0 “mimetismo litersrio” que o fazia imitar Ega de Queirés. Sem, ico, Veiga Miranda era um de fato, acrescentar nada ao conhecimento amador educado, interessando-lhe, por motivos diversos, esté claro to 08 discursos de Altino Arantes quanto a obra de Afonso Arinos, as poesias de Luis Murat e as de Macio Teixeira, o romancista Aristides Rabelo ¢ 0 poeta José Albano. 516 ‘Wilson Martins +a uma galeria em que Aleides Maya, enquanto ficeionista, teria seu lugar ideal e, por assim dizer, obrigat6rio, mas Veiga Miranda nao o entre os “faiscadores” (entretanto, se jamais houve algum inclui “faiscador” em nossa literatura, foi bem ele!). Por singular coincid Alcides Maya e a literatura que representava estavam sendo contestados sem io © em sua propria terra por um jovem critico des- nhecido que se chamava Paulo Arinos [Moisés Vellinho (1902-1980)]. No artigo do Correio do Povo a 16 de agosto de 1925, em que programa- va “o papel da nova geragio”, ele rejeitava 0 “saudosismo” caracterfsti- co das letras gatichas, logo extravasado de Alcides Maya para outros escritores: “Era o partido dos que acreditavam no passado e dese vam do presente, Partido desen lado © melancélico”. Era contra isso, prosseguia, que as“ jovas floragdes mentais” deviam se insurgir. Obser- ve-se, de passagem, que, no mesmo momento, Gilberto Freyre estava \do no Nordeste um tipo simétrico e compardvel de “saudosis- tanto mais sugestivo quanto esse também estava organicamente ligado ao regionalismo li 0 Gilberto Freyre da literatura gauchesca surgi na pessoa de Rubens de Barcelos (1896-1951), que, como o nordestino, rejeitava as ‘modemidades” que as novas ge . Mas de Alcides Maya como expressao fi a verdade é que, defendendo a obra e poderosa da realidade local, ele tiea, procuravam propuy terminava por conceder que cla refletia um passado extinto, simbilica e sociologicamente, pela guerra civil de 1923 A guerra civil de 23 6 um eco amortecido da campanha de 93: fzeram-na, dirigiram-na homens que dela vieram, e estes esto deseritos, retratadas na obra do eminente es- critor. | 0 sr. Paulo Arinos ilude-se ao apreciar a obra do estilista, Ela ndo é tao sé uma evocagéo, néo atira para o passado, desconhecendo o presente. Une-os, funde-os, em projecdes luminosas para o futuro. (...) Nao se iluda 0 ‘meu jovem amigo. A luta de 1923 veio provar que a tradi- io de rebeldia guerreira esté em declinio. Foi um surto 517 A Critica Li tardio, agonico, duma forga em recuo. A guerra politica, pelejada @ gaticha, esté a passar: é uma viajeira que ). Ja pensou 0 meu amigo que os homens da revolugdo, que a marcha, no trangiiilo, no rumo das antiguathas. fizeram, que a dirigiram, acaudithando-a, foram vetera- nos, representantes da tradigéo, forgas reaciondrias do passado? Fortes e bravos, sem diividas. / Mas que fizeram, sendo fugir dos trens de ferro, dos automéveis, dos telé- grafos, das metralhadoras, manejadas pelas maos da autoridade? Assim, tudo bem onsiderado, era Paulo Arinos quem tinha ra 280... Mas, nio: por uma inesperada incrongruéncia, é este quem, nos artigos seguintes, defende as tradigées loeais contra o aniquilamento re- gistrado por Rubens de Barcelos: 0 gauchismo nao morreu (..). Conservando as suas vir- tudes fundamentais (..) 0 gaticho ainda se sente bem de saiide ao lado da locomotiva, do automével, do telégrafo, do aeroplano, do jazz-band. Por que nito? Paulo Arinos parece nao ter percebido a contradigao em que eai- ra, porque modemizar-se signific para 0 gaticho descaracterizar enquanto gaticho: a gauchesca seria uma literatura saudosista ou ndo seria, Provocada ¢ exclusivamente preocupada com a obra de Aleides 1, como estamos vendo, nada tem a ver com Moder Maia, essa polé nismo literério, ao contrario do que pareceu a historiadores recentes teressados nt antecipar-lhe a implantagio no Rio Grande do Sul O modernismo do Modernismo ESTAMOS AGORA em 16 géncia Brasileira (V1, 373 e s.), € 0 ano das grandes rupturas © das —e 1926, escrevi na Histéria da Inteli- 518 Wilson Martins sensacionais fugas para a frente (o que, no caso, foi antes, por paradoxo, ‘uma fuga imensa para o passado). A verdade que 0 Modemismo, esgo- lado o primeiro impulso revolucionsrio e, ao que parece, impotente para traduzir em obras o seu proprio programa, via-se de repente num beco jengdes nacionalizantes, o mo- c reconduide ao que Plinio Salgado (1895- putarios”. O Brasil estava sé sem saida. Partindo de pressupostos vimento se vira insensivelm 1973 do redescoberto da Place Clichy, como observara Paulo Prado, ao que chamaria a “literatice banal dos t parece sem malicia, a propésito da Poesia Pau-Brasil, contra a qual, diga- se de passagem, so numerosas as implicitas alusdes desfavordveis em “A anta e o curupira”, conferéncia que Plinio Salgado pronunciou nos sales do Correio Paulistano, posteriormente incluida em Despertemos a Nagao! “Proclamemos a nossa independéneia intelectual”, exclamava aca nodemidade, filtima expresso de uma época em agonia”, aduzia, ti- ele, ferindo Oswald de Andrade no defeito da c a “onda de nha-nos sido salutar, em derradeira andlise, a agora retornar es profundas da nacionalidade, por ele simbolizadas no Curupira ena Anta. dam A essa altura, os dois valores f ais do Modernismo, que eram 0 internacionalismo e 6 cosmopolitismo, estavam sendo superados alismo, proceso que, & primeira vista, pelo regi tinha sido iniciado dois anos antes com © Manifesto Pau-Brasil. Este lismo e pelo nac {iltimo, contudo, fato que nao eseapou a Paulo Prado, via-nos com olhos xe pitoresca, entreposto de comér- europeus, como uma realidade ext wvegagao perdido em algum lugar dos trépicos; era 0 que Plinio Salgado, por sua vez, nao deixaria de subl Imitamos os touristes, apreciando a nossa terra e a nossa gente com os olhos de curiosidade com que Martius coleci- ‘onava borboletas, ou assumimos as atitudes esportivas do Coronel Farccet, abrindo a boca em interjeigdes, com os mesmos “ohs!” que iluminavam as cacadas de Roosevelt. Tomamos 0 Brasil como um tema s6 porque o sr. Blaise 519 A Critica Literéria no Brasil Cendrars fez uma poesia sobre um negro. Temos a visao seca e meramente formal da nossa terra. Acrescente-se que, allém de ser um antimanifesto Pau-Brasil, “A anta e o curupira” nb a, t n, 0 primeiro manifesto antropéfago, a ser ecoado, dois anos mais tarde, por Oswald de Andrade. Com efeito, antes que Oswald de Andrade retomasse 0 tema no Manifesto Antropéfago, Plinio Salgado, na conferén ia de 1926, havia proposto a “volta ao Tupi”: + & bem posstvel que essa unidade racial (..) tenha ori- gem no elemento tupi, a grande raga que derivou—como 0s drias dos platés asidticos —das araxds iluminados do Oeste, no roteiro épico das pirogas empenachadas pelo Amazonas, até Marajé, depois pela costa, arrasando os broncos tamias, ou na marcha através das florestas, rumo ‘a0 oceano, até encontrar as planuras predestinadas de ‘he tapya”’ Piratininga, exclamando —“ u sow a anta’ (...) Em relagéo ao indio, penso que ele nos dard a chave de intimeras revelagdes. | Ele é, incontestavelmente, o fa- tor preponderante na formagao dessa grande raga har- moniosa do futuro (..). a profunda intuigdo do tupi adi- vinhou o segredo politico do futuro e 0 destino luminoso do continente sul-americano. Observe-se também que 1926 é o ano das grandes converses modernistas, agora que o Modern mo jd estava academizado, do que & indicio significative oF Marinett, de Alméquio Dini que poetas do simbolismo e do pamasianismo envelhecid de Lima, Tasso da Silvei omomentoem como Jorge - Cassiano Ricardo, se tornam modemistas. As mais importantes, claro est, fora conversé as de Cassiano Rieardo as, quando este Gitimo declarou a Homero Senna que 0 Jo quase ao mesmo tempo em diver ns Iuga- cde “uma preparagio "0 que, psicolégica para o ad seu entender, provava a existéne nto de uma nova estética”, estava simplesmente 520 Wilson Martins reconstruindo a hist6ria, para afirmar a independéneia do grupo de Maceis com relago ao de Sao Paulo." Idéntica obsessao de autonomia local apar sto do Grupo Verde, de Cataguases. Assina- do por Henrique de Resende, Asednio Lopes, Rosério Fusco, Crist6foro Fonte-Boa, Martins Mendes, Osvaldo ja também no mani Guilhermino Cé Abritta, Camilo Soares e Francisco I. Peixoto, 0 manifesto declarava-se “objetivista”, recusando-se, contudo, a esclarecer 0 sentido da palavra, resumindo sua posigio te6rica num heptilogo doutrindtio:2" Nem tudo era modernismo nesse momento de metamorfoses mo- demistas: Péricles Morais tirou Coelho Neto e sua Obra, época, o mesmo Coelho Neto que Mério de Porto, como era comurm n Andrade jurava a pés juntos jamais haver atacado: «nunca me lembro de ter atacado 0 Coelho Neto. Quan- to a0 Rui cacoei do verbalismo dele porque sou admirador do estilo dele e sei que tem obras-primas que eu estimo, por exemplo a Réplica, que é sublime na primeira parte. (..) Verbalistas que eu ataquei siéo Martins Fontes, um Hermes Fontes (na parte verbalista da obra dele) ¢ esses tenho cer- teza que vocé néo pode citar ao lado do verbalismo que de fato existe na obra do Gui [Guilherme de Almeida] e do Ronald (..).2"? Publicado na Revista da Academia Brasileira de Letras no ano anterior, o estudo de Afrinio Peixoto, Dinamene, Alma Minha Gentil, guido de 44 poesias de Luis de C foi tirado em volume nas oficinas da Biblioteca Nacional de Lishoa, acompanhado por numerosos volumes de critica e hist6ria literdria estranhos ao Modernismo:Literatu- CE, Homero Sena. Repilin das Letras, p. 143s. Outra violent telencopagem Aiatitca 6 cometh poe Carle Chacchio, em Moderits ¢ Ulramoderits, o mesmo Jo Alps rape de Ke, wet departs em Tetoment de ama Gaopt,p. 147-148 CL Miadria de Incline Brasilia, VI, 377 @ Cartas & Mantel Bandia,p. 156 521 A Critica Literdria no Brasil io de Oliveira (1900-1964); Bernardo Guimaries, “esboco biografico e eritico”, por Bastlio Maga- Ihdes (1874-1957); Manuel Botelho de Oliveira, Poeta Baiano, de Ma- isa Pinto (1880-1934); Viultos do meu Caminho, 1." série, em segunda edigio, de Joao Pinto da Silva; Gongalves Dias, de Alfredo de Assis Castro; Romantismo e Naturalismo Através da Obra de Aluisio Aze- vedo, de Alcides Maia, ¢ Introduedo ao Estudo do Pensamento Nacional (0 Romantismo), por Candido Mota Filho (1897-1977). Mencao a parte deve ser feita a 0 Chapéu do Lobisomem, de Joao Alberto de Sousa (1870-1927), eolet nais paulistanos desde os inicios do século e que, 11 Brasileira, do eseritor portugues José ( nuel de Si «1 de artigos publicados em jor- vendo embora 86 subsidiariamente a critica literdria, estabelece, entretanto, interessai tes perspeetivas de julgamento, Sio de nota, por exemplo, o estudo so- bre “O teatro em So Paulo hi setenta anos”, excerto da mem6ria hist rica sobre 0 Correio Paulistano, publicada em 1904, ¢ o artigo de 1902 sobre Vicente de Carvalho, “pontifice méximo da poesia paulista”, cujo livro Rosa, Rosa de Amor.. assinalava “o ressurgimento do sio lirismo em meio a poesia afetada ¢ vécua de nossa época”, Assim, vinte anos ia de Arte Moder de esgotamento do Pa antes da Sem: 1, Alberto de Sousa refletia a sensagio nto, alids, que se publicavam, em edigao definitiva, as Poesias, de Olavo Bilac. Nao é instdneia isolada: a exaustdo parnasiana manifestava-se igual no poeta que odes Academia Brasileira de Letras (o que, estd, Alberto de Sousa nao podia saber, em 1915, quando sobre ele es- crevia: “Que Espumas? Nada absolutamente”). Jé a e escolhera para suceder a Olavo Bilac, alguns anos mais tarde, Jaro que resta do poeta das Urses, da Névoa, e mesmo das

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