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O discurso midiatico eo sujeito (feliz) na atualidade Fernanda Lunkes UFSB Silmara Deta-Silva UFF Consideragdes iniciais Este trabalho! parte de diferentes encontros. Para além daquele ‘que possibilita mesmo os trabalhos em conjunto, e que, neste caso, é de natureza teérica e afetiva, temos aqui o encontto de dois projetos de pesquisa. De um lado, aquele que tem se dedicado a pensar o acontecimento jomalistico como uma pritica discursiva. (DeLA-SILva, 2015). De outro, o que se volta ao discurso sobre a felicidade eo ser feliz.na atualidade. (Lukes, 2014). Dois projetos que se encontram nesta proposta que tem como foco o sujeito e os discursos da/na midia, Partindo do lugar teérico da Andlise do Discurso, que se desenvolve com base nas reflexes de Michel Pécheux ¢ do nosso entendimento sobre o acontecimento jornalistico, tratamos, mais "Uma primeira versio deste texto foi apresentada na mesa inttulada “O sujeito ccontempordneo”, durante o VI Simpésio Grupo de Teoria do Discurso (GTDIS), realizado na Universidade Estadual do Oeste do Parana (Unioeste), em dezembro de 2015. 2 Trata-se do projet de pesquisa docente “Do acontecimento jormalisticn ds priticas discursivas: o sujeito da e na midia", desenvolvide com apoio da Faper} (bolsa Jovem Cieutistas da Nosso Estado 2015-2017) 31 2 especificamente, do modo como o sujeito e suas priticas tém sido assim construidos na atualidade. Nesse movimento de se dizer sobre ‘© sujeito, a questdo da felicidade & quase presenga obrigatéria nos discursos da/na midia. Por isso, refletimos acerca da representagdo atual da felicidade e do sujeito feliz. Sustentadas por tais reflexes, ‘empreendemos um gesto de leitura sobre a felicidade no discurso jornalistico, retomando um making of de uma capa da revista Epoca, a partir de materialidade discursiva que circulou em um blog da Editoria de Arte dessa publicagao. O sujeito como um acontecimento jornalistico Iniciamos © nosso percurso por meio de uma breve reflexiio acerca do modo como, na atualidade, a mfdia tem algado o sujeito & condigdo de acontecimento jornal nogdo ~ de acontecimento jornalistico ~ da forma como 0 compreendemos em seu funcionamento discursive. tico, Para isso, voltamo-nos a esta De nossa perspectiva teérica, entendemos que as priticas Jjomalisticas sdo praticas discursivas, ou seja, so priticas de produgio de sentidos para e por sujeitos (Oxt Axor, 2001) e, desse modo, sto determinadas por condigdes especificas de produgo e circulagao. Como nos diz Orlandi (2001, p. 21): “[...] no funcionamento da linguagem, que poe em relagdo sujeitos e sentidos afetados pela lingua pela histéria, temos um complexo processo de constitui¢do desses sujeitos e produgao de sentidos e ndo meramente transmissio de informagao”, Enguanto pratica de linguagem, as priticas jornalisticas também estdo sujeitas a esse mesmo funicionamento de que nos fala Orlandi (2001). Por pressupomos uma relagdo imediata entre um fato ~ um acontecimento pontual, empirico ~ o seu relato na midia jornalistica, mas 0 tomamos como “uma pritica discursiva, uma vez que, ao set formulado, ele promove gestos de interpretagdo que atualizam © retomam sentidos em curso, em um dado momento hist6rico”. (DrLa- Siva, 2015, p. 224). so, ao falarmos em acontecimento jornalistico, néo Assim, entendemos 0 aconti tico como sendo imento jornal da mesma ordem do acontecimento histérico, de que nos fala Le Goff (1996). Trata-se, conforme o autor, de um acontecimento pontual como tantos outros, mas que alcanga a condigao de acontecimento histérico por ser “discursivizado” pelo historiador. Desse modo, é 0 gesto interpretativo do historiador que promove a distingao entre as imimeras ocorréncias na vida de um povo & aquelas que irdo fazer parte do dizer sobre a historia desse povo. (Ou, como nos diz Paul Henry (2010 [1984], p. 47), “ndo ha ‘fato” ou ‘evento’ histérico que no faca sentido, que ndo pega interpretagao, que ndo reclame que Ihe achemos causas & consequéncias”, ao sustentar que a histéria consiste justamente “nesse fazer sentido”, ou seja, no gesto de interpretagdo que inscreve um acontecimento entre outros. Do mesmo modo, entendemos que os aconti Jomalisticos também sto engendrados, a partir da “discursivizagao” do jomalista, que recorta, dentre tantos fatos ou ocorréncias pontuais, aquelas que ganhardo as paginas de jomnais, revistas e sites de noticias. Sustentamos, assim, que qualquer ocorréncia somente ganha existéncia enquanto relato jomalistico “por intervengao de um sujeito, ‘que fara a sua inscrigo na linguagem e na histéria, possibilitando 0 _gesto de interpretacdo que o inscreverd dentre os acontecimentos de uma época” (DFLa-Sitva, 2015, p. 223), ou seja, tomna-lo- um acontecimento jomalistico. imentos Um modo de tomar mais visivel essa dissociagao entre um fato, enquanto ocorréncia pontual, ¢ os relatos que viabilizam os acontecimentos jornalisticos, & pensarmos nos iniimeros casos em que os dizeres que ganham ampla circulagdo na midia efetivamente no se vinculam ao que comumente entendemos como uma ocorréncia pontual, ou seja, algo que se sucede no mundo. E 0 caso daquelas que so conhecidas no jornalismo como pautas frias ou motivadas ‘Ao longo do texto, colocaremos entre parnteses a data da edigdo da obra que estamos consultando e, entre colehetes, faremos referencia & data de sua primeira publicasao. 93 94 por um gancho,* nas quais podemos observar uma fragilidade ou ‘mesmo uma inexisténcia de vinculo entre o relato jornalistico e um suposto fato que o teria motivado, As indmeras reportagens que se dedicama dizer sobre o sujeito na atualidade, colocando em destaque suas priticas, seus habitos, scus comportamentos ¢ que se serve vastamente do recurso as chamadas personagens ~ entrevistados trazidos para ilustrar as questdes que sao apresentadas sob o efeito da evidéncia do sentido nessas reportagens — apontam 0 modo como ‘oacontecimento jornalistico, uma pritica discursiva, esté dissociado de um acontecimento enquanto fato, e sempre demanda um gesto de interpretagao para ganhar existéncia, Convém destacar também a associagio que estabelecemos entre © acontecimento jornalistico ¢ o discurso como acontecimento, Conforme Pécheux (1990 [1983]), podemos localizar 0 discurso no ponto em queo dizer encontra o jé-dito, produzindo efeitos de sentido, essa perspectiva, entendemos 0 acontecimento jornalistico a0 lado do discurso como acontecimento, cujos sentidos se produzem sempre na relagdo entre a formulagdo e a constitui¢do do dizer. (ORLANDI, 20012)! “Partimos de uma diferenciago bastante comum nas priticasjoralisticas entre as ppautas quentesefrias, So consideradas pautas quentes aquelas que gerem noticias

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