You are on page 1of 7
Rogério Haesbaert TERRITORIOS ALTERNATIVOS @ editoracontexto @ BINOMIO TERRITORIO-REDE E SEU SIGNIFICADO POLITICO-CULTURAL* Uma das discusses mais importantes, hoje, na Geo- gratia, é aquela que envolve a distingéo (ou Interagéo) entre territério @ rede. Propomos aqui mostrar um brave Panorama. deste debate e fazer alyumas proposias, tanto no sentido ted- Tico, discutindo os conssitos de territério @ rede em sua per- manente e indissociavel articulacdo, como um “binémio", quan- to no sentide empirico, sem perder de vista, deste modo, as exemplificagdes que fazem referancia & nossa realidade con- creta, Em primeiro lugar, devemos lembrar que a Geografia tradicional do inicio deste século, mais empirista e descritiva, sempre privilegiou uma visdo mais “tertitorializada” do espa- 0, Ou seja, valorizou-se mais, utilizando os termos de Milton Santos, os “fixos" que os “iluxos", mais as fronteiras gue as. vias de circulacdo. O conceito mais tradicional de ragio re- produz isto muito bem: um espago com limites claros de fron teltas bem definidas, onde os individuos @ grupos sociais es- tariam bastante enraizados. Duas citagSes interessantes so- bre esse “enraizamento” e essa “geogra! de" humana séo aquslas reproduzidas, respectivamante, pelos autores classi 20s Friedrich Ratzel e Eric Dardal: Tudo aquilo que chamamos de progresso na clvilizagdo é comparado 20 gorminar de uma planta do que 20 vbo limtado de um passaro: permanecemos igades & tera, ¢0ramo precisa sempre de um tronco que o sustente (RATZEL, final do século pessado), Amor A terra natal ou busca do desenraizamento, uma relagéo concreta se trava entre o homem e a terra, uma geogratieidade do homem como modo de sua existéncia © do seu destina (DARDEL, 1952) Essa geograficidade ou, em outras palavras, territorialidade, que vincula os homens ao meio, a terra, ao espago, para muitos, no final de século XX, estaria sendo per- dida, \Vies muitos s&o também os que retomam, e nfo sé no Esto artigo corresponse, com pequenas modiicagdes, ao trabalho °O bindmio tar- ritério-ede © seu sh apresentedo no Semingrio “A Geo- gratia © as transtormagdas globels: conceias @ temas para o Ensin’ «de 1985, e publicado nos Anais de evento, ios Atarnatvos Ep pordnea, estariamos vivendo um processo de reterrito- tializag&o, ou seja, de construgéo de novos territérios. Muito sintomatica dessa retomada de. questéo do territério por ou- tros cientistas sociais, em pleno auge das “tecnologias dasterritorializadoras” (VIRILIO, 1982) e do “meio técnico-cien- tffico” (SANTOS, 1985), é 2 discussio da temdtica em obras como A sociedad global, de Otavio lanni (1992), que dedica um capitulo a0 fendmeno da desterritorializacao, & Mundlalizagao @ cultura, de Roberto Ortiz (1994) que, no en- contro sobre Globalizacao @ Fragmentagao, realizado pela UNESP/Marilia, em 1995, tratou do tema das novas formas de temvitorializagao. Quando lembramos a histéria da conceppao de terri- io, de como ala surgiu @ da importancia da relagao socieda- de-espago que ela expressa é interessante notar que se dese- nham pelo menos duas grandes vertentes interpretativas que, tradicionalmente, se opuseram. Primeiramente encontramos, num extremo, uma conespeao de territério que eu denomina- ria *naturalista’, Ela v8 0 tartitério num sentido fisico, material, como algo inerente 20 préprio homem, quase como se ele fosse uma continuidade do seu ser, como se 0 homem tivesse uma raiz na terra — 0 que seria justificado, sobretudo, pela necessidade do territério, de seus recursos, para a sua sobre- vivéncia biolégica. Esta visdo levou muitos a defender a tese de que terfamos uma “impuls4o inata” para a conquista de territdrios, ¢ que o crescimento de uma civilizagao, de sou “es- pago vital’, como se expressou Ratze! sm certo momento de sua obra, astaria diretamente relacionado 4 expansao territorial. Por outro lado, também valorizando essa ligagao“na- tural" com a terra, temos uma outra variante dessa interpreta- 40 naturalista do territ6rio, envolvendo o campo dos sentidos ¢ da sensibllidade humana, que seriam particularmente mol- dados pela “natureza” ou pela “paisagam” ao seu recor. Esta visio sobrevaloriza e praticamente naturaliza uma ligacdo afetiva, emocional, do homem com seu espago. Aqui, o ter torio seria um imperativo, ndo tanto para a sobrevivéncia fisi- ca dos individuos, mas sobretudo para o “equilfbrio” e a har- monia homem-natureza, onde cada grupo social estaria pro- fundamente enraizado a um “lugar” ou @ uma paisagem, com a qual particularmente se identificaria. Esta versao chega a { 1 seu extreme em algumas sociedades tradicionais em que uma natureza sactalizada, “morada dos deuses", determina a pré- pria existéncia e a agao humanas. Num outro extremo, teriamos uma concepgéo que poderiamos denominar etnocéntrica de territério, a qual igno- fa toda ralagdo sociedade-natureza, como se a tarritério pu- desse mesmo prescindir de toda “base natural" (2, mais ain- da, sagrada) e fosse uma construgéo puramente humana, social, Esta, por sua vez, poderia advir tanto de um dominio material sobre 0 espaco, decarrente do poder de uma classe ‘econémica e/ou de um grupo politico dominante, como de sua apropriacdo simbdlica, a partir da identidade que cada grupo cultural “ivremer isse no espago em que vive. Um ponto comum entre essas diferentes versdes so- bre o tertitério é que ele é sempre visto muito mais dentro das dimensdes politica e cultural do espago do que em sua di 880 econdmica. Apenas numa dessas vertentes naturalistas”, a fungéio econémica torna-se o fundamento da definigdo de tertitério, enquanto base “vital" de recursos para a sobrevivén- cia humana, Embora nao esteja implicit aqui nenhuma defe- sa da separacao dessas esferas — muito pelo contrario, consi- deramos que elas jamais podem ser vistas isoladamente — no ha divida de que, tradicionalmenta, a concepeae de tarri- tério sempre estave mais préxima das idéias de controle, do- minio e apropriacéo (politicos e/ou simbdlicas) de que da iddia de uso ou de fungéo econdmica, Entre os ge6grafos que mais aprofundaram essa dis- ‘cussiio, a fim de tomnar o conceito de territério mais rigoroso & ‘operacional, destaca-se Robert Sack (1986), em seu livro Human Territoriality. Sack define territorialidade como a “ten- tativa por um individuo ou um grupo de atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenémenos e relacionamentos, através da delimitacao e atirmagao do controie sobre uma area geograti- a. Ele enfatiza, portant, o controle da acessibilidade, o ter- riterio definido, sobretudo, através de um de seus componen- tes, a fronteira, forma por exceléncia de "controlar 0 acesso”, Trata-se, € ébvio, de uma visdo preponderantemente politica de territério. Nao 6 & toa que a ciéncia politica é uma das areas do conhecimento que mais trabalha este concsito ~ veJa-se, por exempio, 0 trabalno de Alliés (1960), Linvention ai territoire, O autor mosira que, mais do que um dado “nat ral’ @ sspontdneo © que “naturaliza” a construgao do Estado- nagdo, o territério é uma invengaio politica do mundo moderna (obra ds uma classe social, executada especialmente para seu proprio beneficio}. O temo territério, raro até o século XVIl torna-se comum juntamente com a expanse burguesa, 2 partir do sécuo XVII. Para outros, entretanto, ver 0 territério apenas numa perspectiva politica e, mais ainda, do ponto de vista do Estado 8 de suas frontciras materials, 6 muito simplificador. Muitos preferem priorizar a dimensao simbdlica, vendo o territério como fruto de uma apropriagao simbdlica, especialmente atra- vés das identidades tervitoriais, ou seja, da identificagao que determinados grupos sociais desenvolvem com seus “espa- gos vividos". Neste sentido, parece-nos importante a distincaio feita por Lefebvre (1986) entre apropriag&o e dominio do es- pago. Através das prdticas sociais e da técnica, o espaco na- tural se transforma e 6 dominado, tomando-se um espago quase sempre “fechado, esterilizada, vazio", como 0 espago dos aeroportos @ das auto-estradas, Esse conceito de espago dominado 86 adquirs sentido quando contraposto “ao concei- to inseparaval de apropria ima Lefebvre De um espago natural modticad para servr és necessidades © as possibiidades de um grupo, pode-se dizer que este grupo 56 propria dle. A posse (propriedade) néo fo! senéo uma condi- 40 ©, mais frequentemante, um dosvio desta etividade “aptoptiativa’ que aicanga sau dpice na obra de arte. Um esago apropriado lembra uma obra de arte sem que ele sja seu simu- tacro Para Lefebvre (1986, p. 193), a apropriagao e a do- minagao do espago deveriam aparece juntas, "mas a histéria (aquela da acumulagdo) é também a da sua separagdo, da Sua contradigao", e quem leva a melhor, gradativamente, & 0 dominante. A “reapropriacao” dos espacos, premente nos nos- 80s dias, envolve aquilo que denominamos, aqui, urn proces- 80 de reterritorializagéo em sentido plano. Temos, assim, no conceito de apropriagao definide por Lefebvre, um processo efetivo de territorializagao, que retine uma dimenséo concre- ta, de carater predominantemente “funcional”, ¢ uma dimen- ‘so simbdlica ¢ afetiva. A dominacdio tende a originar tarrité- trios puramente utilitarios e funcionais, sem que um verdadeiro re | sentido sociaimenie compartilhado e/ou uma relagéo de iden- tidade com 0 espago possa ter jugar Assim, associar ao controle fisico ou & dominagao “objetiva” do espaco uma apropriacdo simbdlica, mais subjeti va, implica discutir o territério enquanto espaco simultanea- mente dominacio e apropriacio, ou seja, sobre 0 qual se cons- trdindo apenas um controle fisico, mas também lagos de iden- tidade social. Simplificadamente podemos dizer que, anquan- to. a dominago do espago por um grupo au classe traz como conseqtiéncia um fortalecimento das desigualdades sociais, a apropriagdo e construgao de identidades territoriais resulta num fortalecimento das diferengas entre os grupos, 0 que, por sua vez, pode desencadear tanto uma segreaac&io maior quanto um didlogo mais fecundo ¢ enriquecedor. Podemos, entdo, sintetizar, afirmando que o territério & 0 produto de uma relagao desigual de foreas, envolvendo 0 dominio ou controle politico-econdmico do espaco e sua apro- priagdo simbélica, ora conjugados e mutuamente reforgados, ora desconectados e contraditoriamente articulados, Esta re- taco varia muito, por exemplo, conforme as classes sociais, os grupos culturais e as escalas geogréficas que sstivermos analisando. Como no mundo contempor&neo vive-se concomi- tantemente uma multiplicidade de escalas, numa simultanel dade atroz de eventos, vivenciam-se também, ao mesmo tam- po, miltiplos territérios, Ora somos requisitados a nos posicionar perante uma determinada terrtorialidade, ova pe- ante outra, como se nossos marcos de referéncia @ controle espaciais fossem perpassados por multipias escalas de poder @ de identidade. isto resulta em uma geografia compiexa, uma realidade multiterritorial (ou mesmo transterritorial) que se busca traduzir em novas concepgdes, como os termos hibridismo e “gioca”, este significando que os niveis global 8 local podem estar quase inteiramente confundidos. Dessa interagaio constante entre miltipias escalas territérlos, surge @ avanca cada vez mais 0 uso do termo rede, que contribui para compreendermos essas articulacdes entre diferentes territorialidades bem como suas estruturagdes in- temas. O coneeito de rede nasce com o prdprio capitalismo, & 08 primeiros pesquisadores que irao utlliza-io aparecem no século XIX, quando tentam explicar determinadas formas es- te tons paciais disseminadas pelo nove sistema: redes ce transporte cada vez mais articuladas, varios tipos de rede dentro das ci- dades (desde as redes de bondes e metré até as redes de gua e esgoto), diversas redes técnicas construidas para des- truir € reordenar territérios que, com 0 surgimento do imperia- lismo, ito incluir os préprios circuitos do capital fina’ sir. Poderiamos afirmar, antdio, que as sociedades tradi- cionais eram mais tartitorializadas, enraizadas, e que a socie- dade moderna foi-se tomando cada vez mais “resificada” ou reticulada, quer dizer, transformada através do fluxos cada vez mais dinamicos, marcacios pela velocidade crascente dos des- locamentos, passando de um mundo “tradicional" mais introvertido para um mundo *modemo” cada vez mais extro: vertido e globalizacio. Isso nao significa, entretanto, como pa- recem defender cerios autores, que a desterritorializag&0, aira- vés de redes (especialmente as redes do capital finanosiro © da socisdade de consumo), a~se cada vez mais dominan- te, como se um proceso inexoravel rumo a um mundo “sem tertitérios” estivesse em vias de concretizagao (a este respai- to, ver também 0 iltimo capitulo deste livro), Aiguns autores chegam a essas posigdes extremas simplesmente porque sé enfatizam 0 espago de uma minoria privilegiada, que tem acesso a esses redes iécnicas da comu- nicagdo simuliénea, onde se aperta um bolo @ se pode ficar, ia noite, apostando nas balsas de valores do mundo inieiro Na verdade, o que se tem 4 um constanie processo de des-re- tortitoriaizagao (RAFFESTIN, 1988), um refazer de ierritsrios, de fronteiras © de controles que variam muilo conforma a na. tureza dos fluxos em desiocamento, sejam eles fluxos de migranies, de mercadorias, de Informacao ou de capital Em piena era da globalizacdo, divisa-se, inclusive, 0 aparecimento de varios territérios praticamente inacassiveis, Novas “terras inc6gnitas” (RUFIN, 1991, v. mapa p. 80) que sé fecham & mobilidade planetaria, tanto no sentido do sere! um produto da globalizacdo, exciuidos da dinAmica eaanémi- a dominante, quanto no de reagirem & globalizagao (e & osidentalizagao que geralmente a acompanha), camo ocorre em algumas éreas dominadas pelos fundamentalismos étni- 008 ¢ religiosos. E verdade que, em certo sentide @ sob cerias condi- ges, existe redes efetivamente globais, envolvendo o mun- do em seu conjunto, Mas como uma das caracteristicas das tedes 6 que elas formam apenas linhas (fluxos) que ligam pontos (pélos}, jamais preenchendo o espago no seu conjun- to, muitos séio 08 intersticios que se oferecem para outras for- mas de organizaggio do espago. identificar as redes cie dimen- so planetéria @ que, segundo alguns autores, servem de embrido para a formagao de um “territrio-mundo” (como a Torra-patria” de Morin e Kern, 1993), é tao importante quanto identificar as redes de cardter local ¢ regional que, muitas ve- 2es, possuem potenciat para propor organizagoes tarritoriais alternativas. Falamos tertitoriais porque, como enfatizamos no ini- clo, néo podemos separar tertitério de rede, a ndo ser como instrumentos analiticos. A realidade oonoreta envolve uma permanente intersegao de redes ¢ tervlérios: de redes mais extrovertidas que, airavés de seus fiuxos, ignoram ou destro- em fronteiras e territérios (sendo, portanto, desterrito- Tializadoras), e de outras que, por seu cardter mais introvertido, acabam estruturando novos territérios, fortalecendo proces- sos dentro dos limites de suas fronteiras (sendo, portanto, territorializadoras). Assim como devemos distinguir entre redes destertitorializantes ¢ (re)territorializantes, devemos distinguir entre aquelas “funcionais" ou instrumentais, voltadas p: eficdcia do sistema econémico capitalista, e aqueles mais sim- bélicas ou ds solidariedade, voltadas para as territo mais altemativas ao sistema dominants (de caréter comunité- rio, por exemplo). Mas como nem todas as redes tm uma dimensao geogrética ou territorial nitida (dai a possibilidade de muitos estudos basicamente sociolégicos sobre o tema, como am Scheret-warren, 1993), 0 gedgrato deve ter culdado para ndo confundir redes geogréficas redes em sentido mais amplo. Um caminne interessante para apreender essa aife- renciagaio 6 aquele que permite analisar a rede enquanto fortalecedora de determinados territérios ou, em outras pala- vras, como um elemento do territério, e a rede enquanto Telos Aliemativos EB elemento da rede. A hierarquia que, multas vezes, retine vai 0 territérios de escalas diferentes, como as unidades po cas tradicionais — municipios, provincias, Estados-nacbes ~ 86 existe porque varios tipos de rede juridico-administrativas 8 econémicas vinoulam estes territérios. Assim, dependendo da escala geogréfica em que se concentrar nossa observa- 40, estaremos percebendo mais, ora os territérios, ora as Tedes que os conectam (ou que os compdem). No mundo contemporaneo hé uma dialética de des- re-territorializaco, onde a cada momento, em cada escala & segundo a dimensdo do espaco (econémica, politica, cultural ural") ocorrem miiltiplas interagdes entre territérios e redes. E curioso lembrar que, mesmo no ch ral, comprova-se hoje que nao basta criar ios fechados, para a sobrevivéncia de animais e plantas. Tor- na-se imprescindivel construir, também, entre estas reservas descontinuas, elos de continuidade que permitam intercém- bios e fluxes, pois 0 proprio ecossistema nao pode funcionar como uma constelagao de enclaves desconeciados. Se 0 mundo hoje é marcado por processus de globalizago, onde quem comanda séo as redes construidas pelas grandes corporagdes financeiras e do comércio. transnacional, guam ter plano controle sobre a orgat de algumas reag globalizagao, ocorre a proliferagao de redes econémicas e de poder llagais que 0 sistema formalmente instituido nao conse- gue controlar ou cooptar totalmente. Esse crescimento dos circuitos ilegais, como o contrabando e o narcotrafico, sao fru- to também do intenso proceso de exclusdo que acompanha a atual globalizacdo capitalista, altamente seletiva em relacao & torga de trabalho a ser incorporada numa economia cada vez mais sofisticada em termos tecnolégicos. Assim, nem s6 da “ordem' de redas-territérios se or- ganiza o espaco contemporaneo. Massas crescentes de ex- cluidos, as quais denominamos “aglomorados humanos de exclusao” (HAESBAERT, 1995), proliferam pelo mundo, es- iferias que alguns ja denominam de “aban- ‘muitas Areas do interior do continente africa- no. Um exemplo claro sao as refugiados, vivendo em aca pamentos insiavels e insalubres, cujo numero passou de dois milhées, em 1970, para 27 milhdes em 1994, A eles, principal- mente no mundo “tropical, como diz Rufin (1991, p. 69), nao 86 oferece um territério ("um pais") em carater definitivo: [A migragio do refugiade tropical ndo 6 mais um estado transit6- rig ontre duas cidadanias complotas; 6 um estado indefinidamente prolongado, uma concigéo de espera, sam esperanga nem re- "no, A protagao |... do retugiado & seu encerramento num camn- po. Consinugdo proviesria, deliberacamente mantida & margern do pais onde se situa, o campo de retugiados é um lugar de enorme desenraizamant,[.] Diante das migragbes em masse, a5 Nagbes Uniges elebararam o dlscutival conceilo de “ndo- repalriamento".E 0 grauzarode aslo: nfo se repatria o migranta, mas lampouco se the reconhece como refuglado. Ele ultapas 20u toda aquela primeira etapa, a que deserwala: passou para uto laio de ume frontlra, Sie ef 6 mantido em um ndo- status, uma espécle de armadtha [uridice, No esté mais em seu pi- meiro pais, mas née chegou 2 um segundo. {..] a protegdo se reduz a um aslo lomperiro que pereniza seu desenraizemento, num extremo, os “aglomerados ds ex- cluséio” - grupos de individuos totalmente desenraizados ou desterritorializacios, cujo Unico objetivo, praticamente, 6 a so- brevivaneia fisica cotidiana - e, no outro extremo, os “territorialismos”, espagos cujos grupos se fecham ao didlago com 0 Outro = se prendem a ider cionérias ¢ conservadores, como tinica forma de se sent reintegrados socialmente. As vezes, com uma facil pressionante, esses dois extremos se encontram: os exclul- dos, “desclassificados” e “deslocados”, sem territérios ou re- des bem dofinidos sao cooptados pelas ideologias mais retré- gradas que os enclausuram em territ6rios os mais fechados 8 exclusivistas. Nas palavras de Rutin (1991, p. 73), esses mi- thdes de desenraizados, “vitimas primeiro de terem migrado @, depois, de ndo mais poderem faz6-lo", acabam excluidos de tudo, “menos dos traficos" (redes ilegais) e da guerra (vio~ iéncia de toda ordam: étnica, religiosa, econémice... ). Para finalizar, seria importanie exemplificar com um mapa do mundo contemparaneo (v. mapa 2), parcialmente adaptado/atualizado a partir de Lévy et al. (1992), onde temos Temos assi uma idéia do uso que se pode fazer, inclusive em sala de aula, desses conositos de territério, rede e agiomerados humanos de exclusdo (este tiltimo um acréscimo nosso, n&o expiicitado no mapa, e trabalhado com mais profundiciade em Haesbaert, 9950). O mapa mostra como 6 complexo, hoje, cartografar 0 mundo, numa visdo ao mesmo tempo didatica e nao simplificadora. Podemos afirmar que convivem claramente duas Iégicas, uma mais “tradicional", pautada no dominio territorial em area, como o das Estados-nagées — hoje esten- dido & I6gica dos blocos econémicos, especialmente no caso da Unio Européia -, ¢ uma ldgica das redes, que assumem um carter cada vez mais planetario, a principal delas consti- tuida por aquilo que Lévy denomina “oligopélio mundial”, fun- dado pela triade Japéio — Estados Unidas ~ Unido Européia. Cada um desses ntcleos estende seus tentdculos (redes) prioritariamente sobre determinados espagos do planeta: * 0 dapao (que cada vez mais se vé obrigado a fa- zer parceria com os tigres asidticos e com a China) sobre o Sudeste Asiatico © ¢ Oceania (ele hoje 6 0 principal parceiro comercial e investidor na Australia); * 9 Estados Unidos sobre a Américs Latina (onde hoje disputa influéncias também com a Unigo Européia e 0 Extremo Oriente); * 2.4 Unio Européia sobre 0 antigo bioca sovigtico 2 as antigas coldnias africanas Dentro do contexto da globalizagéio, e de certa forma para melhior executé-ia, pelo menos em nivel econdmico, a formagao de biocos econémicos e zonas de livre comércio busca uma diviséo mais “justa” em termos de fatias prioritarias de mercado e investimentos. Trata-se, tal como a nova divi- so internacional do trabatho no interior das grandes corporagdes (que mantém seus centros de gestéo nos paises centrais, mas deslocam varios segmentos da produgao para a petiferia, usufruinda vantagens como tecnologia ¢ forga de trabalho mais baratas), de uma “fragmentacao” para melhor globaiizar. i Podemos cancluir afitmando que © binémio territério- rede pode ser um recurso analitico-conceitual de extrema re- levancia para os estudos do gedgrafo e do professor de Geo- grafia, abrindo novas perspectivas de estudos que contem- plam, ao mesmo tempo, a face globalizante (especialmente das grandes redes financeiras e informacionaie, legals ¢ ile- gai) @ a face fragmentadora (por exemplo, através do fortale- cimento de identidacies étnico-territoriais, tanto em nivel regio- nal como nacional e mesmo supranacional, como o caso do mundo islamico), sem esquecer que, totalmente mesciados a essa relativa ordem de territérios-redes, encontra-se também uma massa de excluidos, cuja (i)mobilidade sugere espagos potencialmente explosivos, “fora de controle”. O grau de “barbarie” com gue nos deparamos hoje ao divisar principal- mente a coniuséo politico-cultural do espago planatério, como bem ressaliam varios autores (entre eles, RUFIN, 1991; ENZENSBERGER, 1994 e HOBSBAWM, 1995), também n&o pode ser menosprezado.

You might also like