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VITOR RAMOS contro ge Saude do Lumar (Lisbo} ‘dor Medicos de Clea Gera aU O RESSURGIMENTO DA A cargis mice de cinca port tunaconis «at rales cord 08 es naionais da acl car foi tieda ‘on: Bortupa eurpmants da civics bora janars de imbio nacional guess que, spesar do tudo, 6 "eo Savior anaisa. os antecedonies $m polencielsades « persections. O ressurgimento, nas Jltimas duas décadas, da Cii- Introdugao nica Goral/Modicina Familiar nos paises mais industrializados {do mundo constituiu um acontecimenta rico de significado na evolugdo da medicina «ocidental» (McWhinney, 1981), Em Portugal, a criagao da carreira médica de clinica geral, fem 1982 (Decreto Lei n: 310/82), retlecte, de certo modo, aquela tendén nacional. Esta tambem intrinsecamente ligada as alteragoes produzidas na presiagao de cuidados médicos @ na filosotia e estrutura do sistema de sauide portu- (gués aps 1974 ‘Ambos 08 acontecimentos podem ser descritos e expli- cados no contexto do movimento de viragem que se vem ‘operando nos valores @ madelos do pensamento Tilosdtico © Cientifica, em espacial no dominio das respectivas aplicagdes praticas (Ilich, 1976; Engel, 1977; Danzin e Prigogine, 1962: Rosnay, 1977; McWhinney, 1984). A historia da clinica geral contunde-se com a historia de Antecedentes toda a Medicina, Porém, foi durante 0 século XIX que se de Ambito desenvolveu a figura paradigmatica do Clinico Geral. Exem- internacional plos vivos @ personagens de ficgao literaria criaram um perfil = modelo de médico com admirdvels qualidades profissionais 158 Vitor Famios fe humanas, integrado nas comunidades dos diversos paises do mundo ocidental, € a tase do Joao Semana: e 0 século XIX @ considerado por varies autores como a primeira era da clinica geral (McWhinney, 1981; Gibson, 1981; Geyman, 1980) Naquela altura, @ medicina ja colnia beneticios notéveis do pensamento © do metodo cientifico, as especializagoes ainda nao se tinham multiplicado e uma grande corrente humanistica impregnava a medicina. Comegara a generalizar- -se 0 uso de instrumentos clinicos auxiliares e de preciséo (estetoscépio, oftalmoscépio, laringoscépio, lupa, microscé- pio, termometro clinico, etc.) € a bagagem de conhecimentos, ‘qualidades @ destraza dos medicos de clinica geral era fun- ‘damentalmente aquirida no contacto e interacgao didrios com ‘08 doentes e seus familiares, fazendo crescer-uma sabedoria ‘que, embora rudimentar do ponto de vista das ciéncias bio- médicas, se adaptava razoavelmente & condi¢do humana. E do salientar uma =nuances interessante, detectavel no Reino Unido, onde podem identificar-se trés origens distintas da classe médica actual '2) 05 «physicians: —goralmente orlundos das classes mais abastadas e que haviam seguido os estudos médicos ldssicos; 'b) Homens de arte (barbeiros) — que praticavam a cirurgia: ) Os boticérios —que obtiveram, no pasado, prerroga- tivas para o exercicio da Medicina porque, nos periodos de ‘epidemias, os «physicians» fugiam das zonas afectadas e eram (8 boticarios que asseguravam @ assisténcia as populagoes: (Gibson, 1981; Davis, ed., 1986). E destes boticérios que deri- var, em grande medida, os general practitioners» @ a clinica eral britanica orguiha-se de ter raizes na proximidade, liga- ‘do @ dedicagdo daquoles homens a comunidade. A fase analitica e reducionista das especializagoes viria a estabelecer-se progressivamente na primeira metade do ‘culo XX, atingindo o desenvolvimento pleno nas décadas do pos-guerra, Como marco de referencia para o arranque desta fase costuma citar-se 0 relatoria Flexner. Este relatorio, que surgi ‘am 1910 nos E.U.A,, levou a0 encerramento de multas esco- las médicas americanas por falta de credibilidade cientifica. O rigor de critérios @ requisitos que passou a ser exigida as ‘escolas médicas, tornou-as centros de ensino @ investigacao, fe possibiltou 0 desenvolvimento de uma medicina tecnolégica altamente especializada embora progressivamente menos sensivel ao papel social da protissto médica. Interessante, também, ¢ acompanhar a metamorfose sotrida pelos nospitais em todo este periode de evolucao © Ressurgimento da Medicina clentifiea e teenolégica que ocorreu praticamente em todos o8 paises industralizados e, com alguns anos de atraso, em Por- tugal ‘Os nospitals eram, de facto, locais de caridade destinados fem geral aos pobres e aos indigentes, desde os tempos medievais. No entanto, a concentragao nos hospitals de material» human @ casos clinicos numa fase de evolugao Cientifica altamente analitica @ a anexagao de alguns doles as, fescolas médicas ira atrair geragdes de médicos em formacao. Estes, quer pela necessidade de so treinarom nos hospitais no sentido de adquirir uma maior seguranga profissional & ‘ganhar a contianca dos seus clientes de clinica privada, quer Por exercicio da caridade, davam parte do seu tempo de trax balno aos nospitais, Estavam criadas condigbes favordveis para o aprofunda- mento do conhecimento nos varios dominios da patologia humana, ‘A montagom de equipamentos, laboratorios, @ 0 desen- volvimento de tecnologia, estiveram também facilitados pelo ambiente concentracionétio dos hospitais. ‘As transtormac6as sociais, econémicas e cientiticas ocor- ridas apés a II Guerra Mundial tiveram grandes repercussoes nos sistemas © servigos do saude. Estos tornaram-se cada vez ‘mais complexos requerendo ambientes tecnologicos cada vez mais sofisticados; as especialidades medicas ¢ médico-cirir gicas, multiplicaram-se explosivamonte, Nao se pense porém, que 0 especialismo é apanagio da medicina cientitica dos nossos dias. Herodoto ao descrever a medicina praticada no Egipto, no Vale do Nilo, ha mais de 4000 anos, fazia a soguinte observacao: A arte da Medicina esta muito divdida: cada médico dedica- Sse's apenas uma doonga endo mals. Abundars medicos jor toda a parte: uns para os olhos, outros para @ cabo Dutros para’as intestinge © outros para a8 doengas internase (Margotta, 1968). De qualquer modo, os clinicos modernos acabariam por se render & imponéncia tecnoldgica de um mundo em que 0 hospital passara de local de caridade, a templo da cidncia, © prestigio da medicina hospitalar atraiu durante décadas a maior parte dos médicos e a clinica geral passou a um plano secundarlo e quase desapareceu em muitos paises. Ale no Reino Unido — considerado o balvarte da clinica geral e onde 608 clinicos gerais mantiveram uma posigo importante no sis- tema de satide, reforcada apés a criacdo do Servico Nacional de Satide em 1948— se verificou este declinio. E tanto assim ue, nos anos 60, os general practitioners» britanicos se sen- izados, sobrecarregados com trabalho © cada Familiar 159) 160 vitor Ramos vez menos prestigiados, quando comparados com os seus colegas dos hospitais (Horder, 1984; Buckley, 1985), ‘A partir da década do 60, acompanhando os movimentos sociais ¢ filosoticos da altura, comegaram a surgir em varios paises criticas a profissao médica, as quals subiram de tom na década de 70 (lich, 1976; Engel, 1977). Também a imagem do médico junto da populagao passou a acusar uma progres siva degradagao. Punha-se em causa 0 modelo reducionista tecnolégico predominante. Acusava-se a medicina de desumanizagio © cegueira tecnoldgica, de falta de ética, de perspectiva e de responsabilizacao sociais. ‘Numa fase de pujanca @ afirmagao da medicina, assistia- -8e 0 reaparecimento de uma contestacao que Jaria lembrar as satiras de Aristofanes ou de Moliére sobre os médicos e a medicina. © prestigio e a contianca inquestionaveis, usutrui- {0s pela medicina nos G0 anos precedentes, comegavam a ser abalados (Ilich, 1976; Engel, 1977; Knowles, ed., 1977; Bur- nham, 1982) © paradigma da medicina «cientiticas é posto em causa a medida que as suas insuficiéneias se tornaram mais evidantes (MeWhinney, 1984) eo movimento de renascimento da clinica oral assenta neste contexte. Um forte movimento internacional em pro! da clinica , rebaptizadas de Servigas Médico-Sociais, e do Serviga Médico ’ Petiferia,iniciado em 1875 e suspenso em 1982, Em 1982-1983 inicia-se 0 processo de integragao da rede de Centros de Saude dependentes da entao Direcgao-Geral de ‘Saude © criada pela legisiagao de 1971, com a gigantesca rede de postos dos Servigos Madicos-Sociais da Previdéncia. As unidades resultantes deste processo so Centros de Saude integrados. Estes, s40 unidades funcionais prestadoras de ‘cuidados essenciais de saude @ populagao portuguesa. Sao a base de toda a rede extra-hospitalar do sistema de saude, & eles esto integrados cerca de 6000 madicos de clinica geval ‘ou medicos de familia, distribuidos segundo o ratio medio de 11/1500 habitantes, ‘A grande maloria destes médicos nao recebeu qualquer formacao especitica para o exercicio da clinica geral ov medicina familiar. © Ressurgimento da Madioina O estadio critica a que chegou a medicina portuguesa nos tttimos anos, a par da indefinigao da politica e estratégias da saUide, tém inevitaveis consequéncias para a organizagao & cooréncia do sistema de saude © condicionam, em grande Parte, as diticuldades com que se debate a clinica goral. A clinica geral portuguesa encontra-se assim, num cor texto em que tera de forjar, em grande medida, as suas pro- prias raizes. Quando os médicos de clinica geral foram colocados nos Servigos Ge saude oficiais, em 1982, depararam de imediato ‘com graves problemas e dificuldades que ameagavam a sua Identidade espocitica, a sua autonomia técnica © 2 propria dighiéade protissional ¢ humana. Em Maio de 1983 6 fundada a Associagao Portuguesa dos Médicas de Clinica Geral, esta- belecendo-se de imediato contactos, com as principals asso- clagdes congeneres do mundo (Associagao Portuguesa dos ‘Medicos de Clinica Geral, 1984). Desde entao esta Associacao tem desempenhado um papel pioneiro na introdugao, em Por tugal, de novos conceitos ¢ perspectivas em materia de clinica geral/medicina farriliar. Desde 1984, vem organizando encon- tos anuais (em Evora, Coimbra, Lisboa e Porto, sucessiva mente); edita, também desde 1984, 2 Revista Portuguesa de Clinica Geral; promove conferéncias anuais sobre formacao & dinamiza multipias iniciativas regionais @ locals. Tal dina- ‘mismo, nao tem paralelo em qualquer outro ramo da medicina portuguesa, Passaram quase 5 anos sobre a criago da carreira e, no entanto, as poucas avaliagdes efectuadas demonstram que 0 esforgo e@ empenramento investidos no correspondem a resultados da mesma ordem de grandeza. © lastro nerdado do pasado, a falta de tormacio © qualificagao especiticas © 0 enquadramento burocratico-administrativo do presente sto algumas das pelas mais importantes a0 desenvolvimento da clinica geral portuguesa, Algumas das perguntas que foram formuladas em 1982, mantém 2 sua pertinencia. 2) Como praticar um clinica geral moderna, de qualidade, no quadro de carreira médica oficial portuguesa? Sera o esta: tuto de «funcionario pablico» adequado ao peril profissional do medico de familia? b) Como facilitar o desenvolvimento da clinica geral/ ‘/modicina familiar no contexto da rede de Centros de Saude? E de notar que existem, actualmente, 6000 médicos de clinica geral colocados em Centros de Saude, A grande maio~ ria destes medicos, tem idades que rondam os 30 anos ¢ constitui, de facto, um corpo profissional com antecedentes socio-culturais relativamente bem demarcados. Seria interes Familiar Historia recente da clinica geral portuguesa 165 vitor Ramos sante aprofundar 0 perfil sociolégico deste grupo protissional «, simultaneamente, estudar solugdes alternativas capazes de Ihe fortalecer a identidade e aumentar a motivagao. Alguns dos aspecios a ter em conta séo: —estatuto profissional (com redefinigao de responsabili- dades, compromissos @ areas de autonomia) sistema retributivo concordante com o estatuto profis- sional —condigdes de trabalho 166 —formagao em servigo Em relagdo a relevancia internacional da experi8ncia por tuguesa, parece prematuro evangar quaisquer consideragoes, Esta em pleno desenvolvimento entre nds, o conceite do Cen- tro de Saude como centro profissional dos cuidados de saude {20 nivel das comunidades. Este modelo contém alguns aspec- tos inovadores @ esta implementado em apenas alguns paises Prevendo-se que a clinica geral/medicina de familia, venha ‘ocupar um lugar destacado e progressivamente mals presti= giado nos Centros de Saude, ¢ natural que, num futuro pré- ximo, a clinica geral portuguesa possa constituir objecto de estudo @ ‘eflex2o @ forneca contributos inovadores com impacto a nivel internacional. No entanto, mais importante que {dar brado noutras paragans, é urgente, que se responda ade- ‘quadamante aos problemas e necessidades de saude da nossa populagao. . vitor Ramos Referéncias Bibliograticas Associagio Por- fuguesa dos Mo- ‘eos de Clinica Geral ‘Association In- {ernationale des Médecins Omni- practicions British Medical Association. Buckloy, E.G Burnham, J. C. Came, 5. Cormack. J: M. Marinker & B. Merrell Danzin, &. @ Prigesine ! Davis, W. (04,) Dacreto Le! neaiores Dimond, €. 6. Editorial Engel, 6. L. Fry. Js (ed) Gama, MM 1908 1962 +1980 1901 1902 1986 1982 1950 1961 197 1900 1984 19808 1080 Breve historia da sua constituigie-, Revista Portuguesa {90 Clinica Goral, 1,14

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