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JOSE RAMON ALONSO PEREIRA INTRODUCAO A HISTORIA DA ARQUITETURA DAS ORIGENS AO SECULO XXI CapiTULO 2 ] Ecletismo e Industrializagéo © problema do estilo no século XIX Ao se propor o estudo da composigao em arquitetura a partir de uma 6tica hegeliana — onde o passado explica os problemas do pre sente , 0 problema do cardter na arquitetura encontra um de seus fundamentos na histéria. O recurso romantico de se recorrer & his- t6ria como material de projeto leva a propor o problema do estilo, o estilo proprio do século XIX, e acarreta uma sequéncia que sai do classicismo romantico e conduz.a diversos historicismos ou revivesci ‘mentos, chegando até o ecletismo e 0 modernismo ow até a arquitetu- ra internacional do cosmopolitismo do fim do século. Por isso, apesar de a ruptura com o classicismo parecer néo mudar nada porque se continuam usando as mesmas formas, na verdade se produz uma mudanga radical, substituindo a confian- ga natural nesse repert6rio por uma simples convengao. Assim, do classicismo se passa ao neoclassicismo, 0 que mostra em seguida que o mesmo procedimento é aplicavel aos repertérios extraidos de outros perfodos do pasado. Isso produziré os sucessivos revivals neogotico, neorromanico, neobizantino, ete. Se o estilo é a adaptacao de uma linguagem a um sistema espa- o-temporal concreto, no século XIX a separagao entre arquitetura linguagem faz desta uma roupagem de algo que permanece embai xo. O conceito de estilo ~ antes algo quase universal - se limita de forma implicita até ser considerado como uma mera forma decora- tiva que se aplica a um esqueleto portante genérico. Isso leva a uma. dissociagao entre a linguagem e a composigao arquitetdnica Nesse sentido, é exemplar o projeto do edifcio do Parlamen- to de Londres (1837-1843), um dos melhores ¢ mais académicos edificios britanicos do século XIX concebido em linguagem cléssica por Charles Barry (1796-1860), e que, por exigéncias simbélicas impostas pelo governo, se vé revestido de formas neogéticas, sem variar em absoluto a organizagao compositiva dos espagos internos nem dos volumes e massas de edificagao (Figura 21.1). Temos, pois, um dos mais tipicos exemplos de historicismo medieval no século XIX envolvendo um dos melhores exemplos da composigéo classica roméntica, 0 que evidencia sem rodeios o divércio entre composi- gio e estilo no qual se encontra a arquitetura do século XIX. 196 _InrROoUGAG A HISTORIA OA ARQUITETURA = ft Pitt LECT ELLE LLE DL Tbedit tl Th ve eae eh + Ae 21.1 Borry, Parlamento de Londres, planta baixa e corte. Por outro lado, a rejeigao da cultura burguesa acarreta uma erfti- ca A producao industrial expressa nos projetos historicistas de Augus- tus Pugin e John Ruskin, expostos em seus respectivos livros: Contrasts e The Seven Lamps of Architecture. Essas obras levam & busca de um desenho alternativo ¢ a0 movimento Arts and Crafts (Artes ¢ Oficios) para a reforma das artes aplicadas, constituido por William Moris a partir de 1888, que, além de suas obras concretas de arquitetura e de desenho, teré uma forte influéncia tedrica e urbanistica Os historicismos do século XIX Talvez.a caracteristica mais representativa da arquitetura do século XIX seja o aparecimento de uma cultura historicista produrida pela apropriagéo de arquiteturas muito diferentes, geogréfica e histori camente dispersas A incorporagao do conhecimento histérico aos projetos leva a uma concepsao de certa forma ideol6gica da arquitetura, embora permita acrescentar, com certo descritivismo, uma filiagao estilis. tica a cada ideologia e a cada programa arquitetdnico. Assim, cada uma das diferentes linguagens se vé sustentada por ideias diferen- tes cujo significado varia conforme o pais e 0 momento. De maneira andloga & forma como o neoclassicismo se identi- ficou com o perfodo revolucionario da Repiiblica e com o Império na Franga, neogético ~ considerado por Chateaubriand como 0 Cariruto 21 Ectenismo € INousTRAUZAcao 197. “genio do cristianismo” — ser4 identificado com a arquitetura pés- revoluciondria da Restauragao. Isso nao impede a continuidade da opsao classicista, que evo- lui da racionalidade formal de Karl Friedrich Schinkel 20 monut mentalismo de Gottfried Semper, e que tem seu melhor exemplo na formalizagao historicista de uma Atenas neo-helénica como capital do novo reino da Grécia, construfda por reise arquitetos alemies, entre estes ultimos Leo von Klenze (Figura 21.2). O meio-termo classicista també se manifesta na forma de integrar o ferro & arqui- tetura urbana com exemplos destacados como os de Gare du Nord (1861), de Jacques-Ignace Hittorf, e a Biblioteca de Sainte-Gene 21.2 Klenze e outros, érea central da nova Alenas concebida como exem- plo de historicismo neo-helénico. 21.3 Labrouste, Biblioteca de Sainte-Geneviéve, Paris, 19B_InrROOUGAG A HISTORIA OA ARQUITETURA 21.4 Catedral neo- gética de Sao Patricio, Nova York, 21.5 Covadonga, primeira das catedrais burguesas espanholas. Por outro lado, a aparente oposigao radical avs ideais acadé- micos ¢ seu significado religioso — com independéncia de outros ideais conjunturais — difunde o historicismo medieval, e em especial © representado pela igreja gotica, cujas altas naves se identificam romanticamente com a espiritualidade religiosa, de forma que em meados do século XIX 0 gético - com alguma derivag&o romanica ou bizantina ~ é aceito em todo o mundo como a modalidade natu- ral da arquitetura eclesiastica Ainda que as primeiras edificagdes neogéticas se restrinjam a um desejo arqueolégico minoritario, aos poucos o medievalismo adquire caréter proprio dentro da cultura do século XIX, dando sentido a um historicismo distanciado de evocagdes romanticas € literarias que tem como melhores exemplos as catedrais burguesas construfdas nos diferentes bairros da Paris de Haussmann ou da Londres vitoriana; ou as de Sao Patricio (Figura 21.4) e Votiva, em Nova York e Viena, respectivamente; ou as quatro grandes eatedrais espanholas da Restaurasao: a Almudena, em Madri; a Sagrada Fa- miflia, de Barcelona; a do Pais Basco, em Vitoria; e Covadonga, em Astirias (Figura 21.5) — cujas implantagdes evidenciam seus sig- nificados simbélicos. Sua onda de expansio di um auge inusita- do A construgao de edificios religiosos neogéticos na Europa e na América, a qual deseja identificar com seus novos templos a nova espiritualidade religiosa do século XIX. Por outro lado, a multiplicidade de significados do historicismo faz com que, jd em meados do século, Viollet-le-Duc possa entender a arquitetura gética como o paradigma do racionalismo construtivo, € enfoque assim tanto seus trabalhos de restauragao como suas te orias ¢ seus projetos ideais, com sua conseguinte influéncia pratica A margem do historicismo gético, so raros os medievalismos de outra origem formal, sendo, em geral, de tipo arabizante e cor- respondente a obras efémeras, Seu melhor exemplo foi a antiga Praca de Touros de Madri (1873), projetada por Capra e Ayuso em um neomudgjar que originou uma escola Sintese castiga do Isla e do Ocidente, o valor simbélico que o neomudgjar representa na Espanha é, por sua ver, estimulo para a revisio e a expressao construtiva da arquitetura, 0 que se evidencia de modo particular na Catalunha, cujo sistema de abbadas catalas desenvolvido pelos homens da Renascenga local, toma realidade 0 racionalismo construtivo de Viollet e vem a ser normalizado e tipici- zado por Guastavino, que o estende para outras regides. De qualquer maneira, podemos dizer que toda esta gama his- toricista, urbana e burguesa encontra seu melhor exemplo no Ring de Viena (a partir de 1859), cujo conjunto de edificios gregos, g6- ticos, renascentistas ¢ barrocos (como o Parlamento, a Prefeitura, a Opera, os Museus de Belas Artes ¢ Histéria Natural, ou a am- pliagao do Palacio Imperial, obras estas de Semper) passa quase diretamente pelo ecletismo (Figura 21.6) Cariruto 21 Ectenismo € INousTRAUZAcao 199 21.6 O Ring de Viena, um anel urbano concebide como assento das prin- cipais amenidades e equipamentos da capital da Austria e paradigma da arquitetura historicista europeica, O ecletismo do século XIX O uso da historia da arquitetura como instrumento de projeto nao fica limitado & recuperagao de estilos passados, ¢ ao historicismo assinerénico ou revival se une, no tiltimo tergo do século, um his- toricismo sincrdnico e heterodoxo: o ecletismo (do grego eceklein, “escolher”}, que mostra as possibilidades infinitas do manejo livre de linguagens e formas histéricas diversas, Ahistéria permitia fazer comparagées e, portanto, revalorizar, Em consequéncia, desaparece a unidade do gosto, dando lugar & possibilidade de que varias linguagens convirjam em uma mesma arquitetura, o que, definitivamente, transforma essa mesma varie- dade em uma nova linguagem, diferente de seus componentes & com autonomia molecular prépria. O problema do estilo aceita a sobreposi¢ao de estilos; porém, dado que 0 ponto de partida nao 6 constante, 0 ecletismo do século XIX dificilmente pode ser classi- ficado por estilos Assim, ao lado do ecletismo de base medieval conviveré ou- tro de inspiragao classica — ou melhor, renascentista -, cheio de elementos de origem italiana e francesa, que — com os nomes de estilo segundo império ou, mais tarde, estilo beaux-arts ~ dominara em todo o mundo ocidental nas tiltimas décadas do século XIX. A obra emblematica desse ecletismo do século XIX é a Opera de Paris (1861-1875), arquitetura-espetéculo de Charles Garnier (1825-1898) e corporificagao espléndida do Segundo Império fran- cés (Figura 21.7). O edificio combina um marco para a pera com tum marco para a exibigo social, de forma que a sala ocupa somen: te dez por cento da superficie do edificio, enquanto os espagos de convivio e exibigao (os saldes ¢ foyers, e, sobretudo, a escada prinei- pal) predominam fisica e simbolicamente sobre o conjunto, alcan- cando niveis de teatralidade verdadeiramente barrocos, expressos

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