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32089-Texto Do Artigo-127879-1-10-20200910
32089-Texto Do Artigo-127879-1-10-20200910
Resumo:
Podemos entender a Coleção de Artes Visuais do escritor brasileiro Mário de
Andrade como uma espécie de narrativa que corrobora com sua postura profissional
em diversas frentes. Nesse contexto, encontramos o desenho atravessando seu
campo de compreensão sobre a produção de diferentes artistas; como exercício
pessoal desde a juventude, feito em folhas soltas; como algo sobre o qual refletir
por escrito; como objeto a ser colecionado. Adquiridos de várias formas, vemos
como o interesse ultrapassa a mera necessidade de ter. Entre ver e organizar há o
princípio intelectual que se expande para além do conjunto de objetos. O presente
artigo visa, portanto, refletir sobre alguns aspectos dessa presença do desenho na
coleção Mário de Andrade, de forma a revisar o olhar lançado para determinados
objetos e sua importância no grupo do qual fazem parte.
Abstract:
It’s possible to understand the Visual Arts Collection of Brazilian writer Mário
de Andrade as a sort of narrative that corroborates his professional attitude on several
fronts. In this context, we find the drawing among different fields of understanding:
1
about the production of different artists; as a personal exercise from youth; as Doutora em Arte pelo Programa
something on which to reflect in writing; as object to be collected. Acquired in various de Pós-Graduação em Arte (UERJ/
2017). Mestre em História pelo
ways, we see how the interest goes beyond the mere need to have. Between seeing Programa de Pós-Graduação em
and organizing there is the intellectual principle that expands beyond the set of História (UFJF/2012). Especialista em
Arte Cultura Visual e Comunicação
objects. The present article therefore aims to reflect on some aspects of this presence
(UFJF/2006). Licenciada e Bacharel
of the drawing in the Mário de Andrade collection, aiming to review the look at certain em Artes (UFJF/2004). É professora
objects and their importance in the group of which they are part. do Colégio de Aplicação João XXIII
da Universidade Federal de Juiz de
Keywords: Collection; Narratives; Drawing; Mário de Andrade Fora desde 2010.
Dossie
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D
Introdução
Dossie Dossie
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Entre Desenhos
ao desenho limites espaciais e composicionais, presentes na pintura (pois, publicação, explica-se que se trata
de um artigo deixado por Mário de
em sua defesa, para que a pintura exista, tem que haver composição que Andrade em recorte de jornal sem
nome e sem data, no qual ele fez
presume os limites da tela). Ao contrário disso, afirma o escritor ser um
algumas correções de linguagem
“contrassenso” aplicar a palavra “composição” a um desenho, que não se e de erros de revisão. O outro
texto, trata-se de uma ampliação
limita nem pelos limites do papel. dos pensamentos desenvolvidos
no primeiro, acrescido de alguns
Assim, nos dois textos, posiciona conceitualmente as diferenças e
comentários sobre as obras de
oposições que, para ele, são fundamentais entre a pintura (elemento de Lasar Segall. Foi editado no
álbum “Mangue” de Lasar Segall,
eternidade que tende ao divino) e o desenho (agnóstico; algo que define publicado pela editora da Revista
transitoriamente). Este último não seria, portanto, uma prática que buscaria Acadêmica, em 1943. Temos a
reprodução por fac-símile elaborada
a “essência misteriosa e eterna das coisas”, mas sim seria como que uma para a publicação “O desenho
definição, “da mesma forma que a palavra ‘monte’ substitui a coisa ‘monte’ de Lasar Segall”, organizado pela
equipe do Museu Lasar Segall (1991,
para nossa compreensão intelectual” (ANDRADE, 1984, p. 69). p. 149-155).
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dos anos. Demarca relações profissionais, amores e amizades. Mas quando de arte húngaro (1891-1970)
especializado em trabalhos do
nos voltamos à realidade brasileira do início do século XX, é inevitável a italiano Michelangelo Buonarroti,
que no Renascimento já havia relatos
reflexão sobre por que tantas pessoas diferentes resolveram presentear
de desenhos acabados que, não
Mário de Andrade com desenhos. entendidos em sua função utilitária
ou preparatórios para outros meios
De fato, podemos pensar, partindo de seus escritos, como essa prática de expressão, eram dados a pessoas
com finalidades diversas. Ficaram
artística específica sempre gravitava entre os assuntos de seu interesse. conhecidos como “desenhos de
Suas reflexões teóricas iam além dos textos críticos e análises de obras de apresentação”. Destacam-se aqueles
elaborados por Michelangelo
artistas para publicações: aparecia nas cartas e, possivelmente, era assunto Buonarroti, que formam um conjunto
com assuntos pagãos e foram dados
de debates entre amigos. Isso demarcaria um interesse possivelmente
principalmente ao jovem aristocrata
difundido e conhecido por todos que o cercavam. romano Tommaso de Cavalieri.
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Assim, temos o curioso caso do colecionador que ganha, mas tem, até certo
ponto, controle sobre seus presentes. A coisa deve ser posta dessa forma,
pois visualmente era quase impossível saber o que chegaria em resposta
aos seus pedidos. Portanto, o princípio da escolha, que move a vontade de
“ter” na coleção, estava fora de cogitação nessa situação específica. Assim
como, a despeito de o escritor ter certos focos de atenção nos pedidos, ele
era, ao mesmo tempo, alvo de inúmeros artistas quando o assunto era fazer
agrados, haja vista os desenhos e outras obras que lhe foram dadas com
dedicatórias enquanto presentes.
Os objetos com os quais nos deparamos hoje são vestígios que
narram o cotidiano entre acontecimentos e ficções, e, como nelas, o
desenho inevitavelmente se fez presente.
E eles nos mostram um possível e rico desdobramento da rede de
sociabilidade de Mário de Andrade, mas também pautam questões visuais
presentes entre o ato de ter e organizar. Dispersos no grande grupo, nem
sempre ganham a devida atenção, mas não podemos deixar de vê-los como
criações artísticas sutis e, ao mesmo tempo, grandiosas: pequenos mundos
subjetivos organizados em pastas pelo colecionador. Eles nos falam de si,
falam entre si, mas dizem muito também de quem os juntou.
O colecionador
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recorrência de alguns nomes com um maior número de obras e que, ao lado BATISTA e LIMA (1998, p. 23), citam
uma espécie de álbum organizado
de Anita Malfatti e Victor Brecheret, seriam importantes para respaldar as entre 1909/1910 com recortes de
jornal, chamado por Mário como
noções de modernismo que o escritor pretendia fazer vingar – e encabeçar “A Batalha das Notas”. Trata-se
– na produção de arte nacional. Por outro lado, há aqueles que sabemos de um caderno dividido em partes
que dariam conta dos seguintes
não terem incorporado os princípios defendidos por Andrade e, talvez por assuntos: Filosofia, Literatura,
Ciências, Histórias Universal, Musica,
isso, quando aparecem, contam poucas obras no conjunto. A partir das
Geografia, Estatística, Pintura e
informações do catálogo impresso, elaboramos, por amostragem, uma lista Escultura.
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Fonte: Batista, M.R., Lima, Y.S. Coleção Mário de Andrade: Artes Plásticas. São
Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, 1998, passim.
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a melhor compreensão de algumas decisões do escritor em torno de seu inicialmente sob a orientação
do professor Antonio Candido e
conjunto, assim como impossibilita o rastreio dos objetos, para entendermos posteriormente como professora
e pesquisadora, tendo sido
quem repassou e o motivo. Podemos, no entanto, citar o nome de Cícero
responsável pela curadoria do
Dias envolvido em algumas dessas situações, como vemos no desenho Arquivo Mário de Andrade no
Instituto de Estudos Brasileiros
“Cabeça de velho”, que lhe foi dedicado por Guignard, ou o desenho que da Universidade de São Paulo.
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Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de
outros. Especificamente do século XX, temos Marc Chagall, Moïse Kisling, Andrade/ Série: Correspondências;
Paul Klee, Fernand Léger, dentre artistas italianos, uruguaios, argentinos e Correspondência ativa; Passiva
lacrada. Código de Ref.: MA-C-
portugueses. CA111. Carta-testamento remetida
por Mário de Andrade a Carlos de
A morte do escritor aos 52 anos não permitiu que soubéssemos quais Moraes Andrade em 22 mar. 1944.
por conjuntos, determinando o que deveria ser destinado a quais órgãos: São Paulo, com exclusão do que eles
não quiserem, que ficará para o Luiz
quanto às suas obras, demandaria que aquilo que estava corrigido por ele Saia dar o destino que entender”. Já
Oneida Alvarenga deveria se dedicar
e inédito fosse incluído em uma publicação com suas obras completas; a escolher “[…] para as coleções da
considerava desagradável a situação dos manuscritos não corrigidos, Discoteca todos os discos de valor
de estudo, folclórico, nacionais e
tendo solicitado que eles não fossem publicados, mas que restassem para estrangeiros que lhe interessarem”.
Aqueles que restassem ficariam para
consulta; dois amigos, Oneida Alvarenga e Luiz Saia9, deveriam repartir
os filhos de Lourdes, sua irmã.
ou dar o destino que achassem melhor, sem interferência da família, a um
10
fichário de “trabalhos”, como ele mesmo nomeou; as cartas aparecem
O escritor excluiu da lista da
como uma preocupação antes mesmo da coleção de artes plásticas: toda Pinacoteca “[…] o quadro
antigo representando São João
a sua correspondência deveria ser destinada para a Academia Paulista de
Evangelista”, que seria o único a ser
Letras; no entanto, era para ser fechada e lacrada por familiares antes de encaminhado para a Cúria.
documentos da revolução paulista de 1932 deveriam ir para o Instituto Mamãe, o anel será para o Carlos
Augusto. / Tudo quanto seja jóia
Histórico de São Paulo . 11
de enfeite, alfinetes, brilhantes, etc.
ficam pros filhos de Lurdes. […] Está
Aqui, devemos chamar a atenção para uma questão: a separação, claro também que não pertence a
estas doações a Senhora do Carmo,
proposta por ele, de obras em papel daquelas elaboradas em outras
que Mamãe me deu, a qual ficará
técnicas. Conforme apresentamos anteriormente, o escritor toma como na família”.
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eu por acaso tenha esquecido, a família distribuirá de Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de
Andrade/ Série: Correspondências;
acordo com o seu critério e o critério a que obedeci Correspondência ativa; Passiva
aqui. Não dôo nada por vaidade e toda doação será lacrada. Código de Ref.: MA-C-
CA111. Carta-testamento remetida
feita sem alarde. Dôo apenas porque nunca colecionei por Mário de Andrade a Carlos de
para mim, mas imaginando me constituir apenas Moraes Andrade em 22 mar. 1944.
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dos familiares por manterem juntos os objetos do escritor, não na casa, mas de Andrade (Entrevista com Telê
Ancona). Revista Teoria e Debate,
em uma instituição que disponibilizasse o material para pesquisa. Edição 108. São Paulo, s.p., 04 fev.
2013. Disponível em: <http://www.
Assim, de acordo com o guia do IEB/USP15, uma boa parte dos teoriaedebate.org.br/materias/
incorporado ao IEB, formando um conjunto, ao lado da Brasiliana de Yan Idem. A trajetória do acervo
de Mário (Depoimento Antônio
de Almeida Prado (a primeira a ser comprada) e de Alberto Lamego. Esses Candido). Revista Teoria e Debate,
Edição 108. São Paulo, s.p., 04 fev.
dois acervos foram os responsáveis pela criação do Instituto, por Sérgio
2013. Disponível em: <http://www.
Buarque de Holanda em 1962, que contava com a Biblioteca, sendo que o teoriaedebate.org.br/materias/
cultura/trajetoria-do-acervo-de-
Arquivo surgiu em 1968, a partir da necessidade de organizar o segmento mario > Acesso em 24 jan. 2015.
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Considerações Finais
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Referências Bibliográficas
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BATISTA, Marta Rossetti., LIMA, Yone Soares de. Coleção Mário de Andrade:
Artes Plásticas. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de
São Paulo, 1998.