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ALEXIS NOUSS Pensar o exilio e a migracao hoje Traducdo e nota de abertura de ANA PAULA COUTINHO 24 Edigdes _ 34 Eases onto Sy AK TLCML | Seer Titulo: Pensar o exilio e a migragao hoje Autor: Alexis Nouss Tradugio e nota de abertura: Ana Paula Coutinho Edicao: Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (FLUP) e Edigdes Afrontamento Concepcao Grafica: Departamento Grafico/Edigées Afrontamento 2 de edig&o: 1740 Colegio: Cygnus / 1 ISBN: 978-972-36-1516-6 Depésito legal: 416993/16 Execugio grafica: Rainho & Neves, Lda. / Santa Maria da Feira geral@rainhoeneves.pt Distribuigdo: Companhia das Artes, Livros e Distribuigao, Lda. comercial @companhiadasartes.pt Atradutora nao segue o novo Acordo Ortogrifico. © Autor, Edigdes Afrontamento e Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (FLUP) a Publicagao é desenvolvida no ambito do Programa Estratégico ntegrado UID/ELT/00500/2013 e POCI-01-0145-FEDER-007339 Edigdes Afrontamento, Lda. Ri ‘ua Costa Cabral, 859, 4200-225 Porto Www.edicoesafrontame: nto.pt Co} i i mercial @edicoesafrontamento.pt Instituto de Lit iteratu, ra Comparada Margarida Losa (FLUP) Que duro oficio éo exilio, tao duro Nazim HIKMET hoje a condigao exilica Se é verdade que nao se pode reduzir tampouco podere- a antigo ou romintico do banimento, onfina-la aos movimentos de emigragao que, no século XX, vieram alterar profun- io mundo. Para os mais de que existem actualmente, enaprimeira metade do século ea composigao demografica d Ses de exilados internacionais as deslocagies integram-se naquela que parece cons- jrupla tendéncia: aumento da mobilidade; exten- diversidade do sentido dos fluxos' e variedade econdmicas, politicas, ambientais).” Esta situagao m aencontros de culturas e de linguas bem mais inten- que outrora, mas também provoca tensdes sociais cuja gra- ade afecta em geral todo o panorama hodierno, para além de exilicos mudaram. Ao Sul-Norte vém agora juntar-se 0s eixos ul, Norte-Norte e Norte-Sul que abrangem dois tergos dos migrantes interna onais. 60% desses movimentos partem de paises ricos para paises ricos, 37% de 2 Pobres para paises pobres. No final de 2013, o Paquistao, primeiro pais de colhimento, tinha 1 616 500 refugiados; a Franga: 232 500. 0 Noruegués de Refugiados (www.nre.no), 0 numero de climatéricos” eleva-se a 22 milhdes, isto 6, quase trés vezes mais do que s causados por conflitos. tornarevidente o esgotamento dos mecanismos de, de insergio nos diferentes contextos nacionais, Genealogicamente, uma prova da importincia riéncia no nosso horizonte cultural reside no lugar privleg «queocupao tema exilico nos textos matriciais das trés trai "monoteistas (0 éxodo do povo hebreu; asagrada fami ‘abyigrade Meca a Medina), Comprovam-no também. "ativas fundadoras, tais como. Odisseia, a ‘110 Ramayana. A Histéria dos povos e das nagées vri ‘inserever as narrativas de exilio no seu préprio reper tenha servido de cenirio a diferentes niveis i ‘dual ou coletivamente. Sio é inconta cexilados qu Lord Byron ou, «wsdloséculo XIX eos pintores do séeulo XX, seria impo ‘sereveralgumas histérias nacionais sem reconhecer o papel FenGmeno exilico na sua propria construgio. No entanto deenilio parece hoje remeter para uma especie de sntiquados ~ Napoles ‘em Guernesey, como nos manuais de Histéria da Frangs ‘para realidades mais recente, historicamente mais circunserie aia anon deus da Europa de Leste nos [cate Unies alias ou portugues em Fraga que PARE 'eda natureza dos movimentos migratorios Eamentivelatndlieremga das i perante ex ‘eriéncia eslica, tanto m, Dotencialade heutstica nica is Sociaise Humanas isque existe nela uma rods nova dimensties todajustaposigio decateyuring emigrante rfid, deslocado, tao diversas. mpl lai ami la migra insar em conjunto. Na rea yentalmente inclu iticada ou todas pe undsineimora tines Ide ame coro quesearecaa seri sol ra enaessncjesio ee ons cone ae nls egjstaete sei area que se deve asa cficcia politica como se vm COPE ae ora sea ded doers S28 : fe ico, habitualmente uti Jegrelhasanalitcas de tipo socigeeonmico, ~ Tinslas tendo em conta apenas aideia de migragao, a interpre ‘Gn doses fendmenos sh teriaa ganhar se uilizissemes 0 Pst nisalargado da experiéncia enlica, Esta além de marear virias freragies do ponto de vista individual ecoletivo, poderia ainda, serreivindicada como construcio identitiria ou funcionar como trabalho de meméria. Dai que a experiéncia exilica convoque 0 neologismo exiliéneia que Ihe acentua as potencialidades de afirmagio ou de resistencia, pelas quais escapa ao exclusive determinismo de factores extemnos. Nao existe nenhuma passi vidade na exliéneia, porquanto nao ésinal nem de auséncia nem de pera; pelo contririo, representa a afirmagio de um ethos. Niileo existencial comum a todas as experiéncias de sujei tos migrantes, quaisquer que sejam as épocas, as culturas eas cir- nstincias que as acolhem ou que as provocam, aexiligneia declina-se em condigado e consciéncia, podendo inclusive acon- tecer que as duas,em graus distintos, no coincidam: pode alguém -sentir-se em exiliosem ser coneretamente um exilado (conscién- cia sem condigio), como pode alguém ser um exilado em con- creto, sem contudo sentir-se em exilio(condigao sem conscién~ cia), Recorrendo a alguns exemplos literarios: 0“narrador” de“O Barco Ebrio’ de Arthur Rimbaud, representaria 0 primeiro caso, ‘enquanto 0 segundo poderia sérilustrado por Gregor Samsa, 0 A Metamorfvee va conns eta? Conic conseiénea, : ¥ agaes entre enterioridade e ipolarizac tral reenter eText vent eter fnterin- ete reat psiquio, entre sosdlosespiiens easel loxta winsrsrede compreensiondae proeisamentessbre as reac os ‘condiglo, nomeadamente sobre as relag tentreo prdximo eo distante. Mas como se manif i exile e come & que ela se constrdi? sobre oexilio = América -,ou pelo menos um dos mais lores documentos criativos para compreender a exiliéncia, rhada de surpreendente, uma vez que toda a obra de nsmo[..Iexreveeleem Janeiro de 1914, noseu Did 181:321),0 filho do povo do exlio que se sente le p lo do seu povo,e que por isso Ihe pertence no mais doser:duplamentejudeu, duplamente exilado.f tum dos seus poros ecom todas as suas faculdades Franz Kafka cinzela um aparelho interpretativo cap rogar o mundo tanto o interior como aquele quek rnuima equidistincia em relagio a ambos. Trata-sed rmendutica sempre em curso, niio em exilio de wm nico que caberia redescobrir, mas a fazer does os tasma, ou sea, aquele que deriva da sua a Fleischer (2005) faz do sotaque ~ marca ry Poroutras palavras, uma interpretagiio yo exilio eal encontraa sua forga. Que América 6um romance de exlio percebe-se de ime- list, grgasa.um sublime err de tradugliode Alexandre Vialat o tradutor de Franz Kafka para francés, passador da sina obra para o mundo franc6fono. Terd sido um erro? Talvez sum desliede tradugio, isto 6 um desvio de sentido produ- vido elegitimado pelo processo tradutor: Als der sibachnjihrige Kart Rofimann, der von seinem ‘armen Bltern nach Amerika grechickt worden war, weil in ‘in Dienstnidchen veri wl cin Kind von hin Beko ‘men hate, in dem schon langaain gewordenen Schiffin den Uafen von New York cinfubrerblikteer die schon laingst ‘eutchtte Statue der Freieitagitin wei einem pteich ier gecordenen Sannenlich. hr Arm mit dem Scwert iste wie newentingsempor und wm ihre Gestalt wehten die rein Life (Katka 1997: 9) ‘Quando, aos dezasses anos ojovem Karl Rossman, que ‘osseus pobre pais mandavam para oeriio porque wma seduziraeotornara pai entrou no porto de Nova, ‘horde dobarenentretanto mais lento, aestitua da eral, que muitoele inha a mirar, surgiv-he mum ‘ebresatodeluz Dirse-iaqueobrago que brandi aespada ‘etna levantad nese instante, e que oarlivee soprava em, ‘esordesse corpo enorme. (Kafka 1973: 11) © texo deta Kalla dquo pas de Kar enviaram tera Anii, lane Vt daquedefamandadenes ‘ee'-umapalaraquenuea space oor Aecee tetem.nocatniorariose Ameren aesonn ‘la Unugarpartoesto,panoactieremneniee sli ja havia compreendido Max Brod, amigo de Frang, ‘quando da sua morte, editou esse dltimo volume 1, retomado pelas mais recentes ediges alemis, entio chamava-Theoseu"romance americano”? Foiisso m ‘que perecbeu Alexandre Vialattee 0 projetou na suai mais do que uma cidade de exiio, uma cidade exon, Ant renga entre os dois atributos "de exo" e“esticat tan como papel que desempenham achegadaeainclusia anaye dos na prpra transformaco urbana: no primeir ca, integra os emigrantes apagando a sua presenga, enquen nosegundo, tanto a dentidade da cidade comoasuan ofrem alteragdes, ‘Um desvio tradutologico de Alex do sistema cultural queas veicula, énecesséro, Jembrar que o erro de tradugio €intrinse ‘que a experiéncia do exilio mio recusao erro e, pelo o integra, Maisainda: 0 erro de traduglo € sinton rigncia exilica. Nao existe exiio sem erro de Tiéncia. Alias, ‘qualquer erroem nomeda sempre possivele tica, vai ao encontro de uma ideologia de "Sed Max Bro (Katha 1979:964) SSIS —~”~—C—C todos os lugares sio equivalentes entre si, que élogo contra: riadlo pela pulsio enlica, Com efit, uma dla primeieasfungies da experincia exilica é mostrar que nem todos os ligares se ‘equivalem entre si, que o mal habita alguns deles, ao ponto de ser preciso combaté-o ou evité-lo, pelo que nesse caso a fuga representa uma forma de uta. Existem lugares malditos. Mas ligneia lembra que esse mal 6 humano e que essa nao equi- sci territorial ape solidariedade entre aqueles que habi- tam esses territérios. Se tu abandonas 0 teu lugar, eu que te acolho no meu, acolher-tendo basta. Devo também colocar,a ‘mim eat estas questdes: porque oabandonas? O meué melhor? Eem qué? O mitema do paraiso perdido conduz a essa desigual- ddade territorial consubstancial ao ser-no-mundo e propria i his- ‘ria dos humanos. Uma adenda a Declaragio Universal dos Dircitos Humanos deveria, como complemento, proclamar a Jgualdade de todos os lugares perante oexilio - qualquer lugar pode serlugar de partida, todos os lugares podem ser lugares tal eomo nos mostra o romance América nalgumas sittit- iaexilica instaura toda lei lado e que lado ‘cies do primeiro capitulo, a experi ; imaisotopia entre ei eo corpo: noo meu corpo 3 ‘maxima de hedonismo narcisista, maso meu Corpo seothe a minha lei. Ele ésimultaneamente sua matriz, 0 seu “iho ea sua flecha, servindo-a e decifrando-a num 86 gesto. ‘De propriedadesua,oexilado tem apenas 0 corpo eos actos William Shakespeare fe-nos pereeber iso em Othello que, além descr uma pega sobre ciimes e costumes conjugais, também ‘iv acima de tudo, uma pega sobre as incertevasda identidade ‘eilica. O Mourode Veneza, general das forgas armadas vencz tnas, mus desde o inicio apresentado como“ ohomem de Libios igrosios"e“velho carmeiro negro” (Shakespeare 1938: 551.€ 952), ‘acusado pelo pai de Desdémona dea ter raptado por feitigaria, ‘quando obrigado a explicar-se diante do Doge, apresenta uma sdefesa muito frgi quando conta que Desdémona ficara“encan- ‘tada” com a histria das suas viagens e aventuras e dai con ‘duindo: “Ela amava-me por eausa dos perigos que eu tinhaatras ‘vessado,¢ evamavaca pela simpatia que ela retirava disso” (ibid. '560). Para obter o amor da esposa, destaca as suas faganhas, ‘no sua personalidade, emais tarde, quando as suspeitas sobre ‘esseamor 0 dominam, menciona.acor do seu rosto para acor ‘parar ao negrumede Desdémona, Paraalguém que sabe ter vindo ‘delonge, apenas os actos legitimam a existéncia, sto quando a san ‘61 ia dele sejoga longe de Veneaa, naitha de Chipre.g pelos turcos, quer dizer num nio-lugar onde se oo tam os trajetos individuais, tal como 0 cendrio de exilio Shakespeare ina reproduzir n' Tempestade. Um outro ts ‘ilico prende-se com a psicologia de Otelo: ele teme at (de Desdémona e de Cissio, sem no entanto ver ade Porque, enquanto exilado, estd obcecado pela traiglo, tanto «das suas origens drabes como a de Veneza que o adoptou, Drimeiro caso, receia ter traido, no segundo, teme ser ‘ura de origem é um apoio incerto, mas também nao pode con- flor nos valores do lugar de acolhimento. Todos os relatorios realizados no terreno mostram que nos" selvagens’ em Aftica ou nos Bales, onde se aglomeram ‘ovexilados, estes acabam por ocupar 0 espago de acordo com as respectivasorigens, nacional ou ‘uma seguranga na reconstit Definira exiliéncia na tensio entre condigio e conseign- «ia evita transformé-ta numa espécie de pedestal ou mareador ide Peto on piraaconstrugioe redistribuigdo dos afectos identitarios, mais precisamente os afectos seu incessante movimento com Rossmann,« maar cet raiment et ea ionic camsn-percmoee att ietivagies we dejan decide sets Kar iro servirde orien- cio para esse tipo de operagbes. a pen dese pont de efeéna na medida cemquewconseineiaexitica €uma consciéniaineliz que mani feats uma desadequagio entre o sujeito eo mundo, Isso torna se cvidente ao nivel psicoligico, piso exilado vé-se excluido dosquadros mentas eculturais que Ihe ofereciam referéncia € ‘onforto, uma ferida com que aexperiéncia exlica, como qual {quer outro fenémeno traumatico, éevadaaconfrontar-se. Em compensagio,aexliéncia manifesta, de modo exemplar, liga- oongiiea entre a ordem do sujeto ea ordem do mundo: 0 tnilado perden o seu lugar (no mundo) endo sabe se -e quando val encontrar um outro. Mas foitambém o mundo que perdeu olugaraosolhos doexlado; oseueu”estédeslocado, porque asus fundagies foram abaladas, o que no significa apenas uum desenraizamento, mas um avltamento da propria ideia de enraizamento, Ja nio ha roots raizes] mas routes (eaminhes], recorrendo aqui ao jogo de palavras de que gostam muito os antropSlogos angléfonos. Oexilado ja nio acredita no sea"eu" porque deixou de aereditar no mundo. William Turner pintow ov 1842 um quadro, “The Exile and the Snail” [O exiladoe 0 waco], que representa um Napoledo decadente, concentrado «.olhar para um minisculo gastrépode com que se eruza no ‘aminho, Aimagem pode hoje parecer estranha, mas impor- tante interpretélahistorcamente tendo em conta aquilo que queda do Imperador representou para 0 imaginério coletivo Initnico.O ridieulo de uma stuacSo que representa uma enorme dissimetra ~ inclusive no plano visual pois os nossos olhos mal distinguem o pequeno molusco aarrastar-se ~acaba por esva- necer-se dante daquilo que significa: oexlado, mau grado tratar~ “se de Napoleko, encontra-se privado deliberdade num mundo 6 ‘detal mancira abandonado, que chega a invejar a. 4uila de um caracol, por mais desprezvel que seja essa. “Prisio para estrangeitos" ou “campo de retengio ‘strangeiims éassim que os seus detractors rebaptizam o de Retengio de Mesnil-Amelot, com uma sala de audiéncias pria, nas proximidades das pistas do aeroporto Chale Gaulle que esta apetrechado de uma ZAPI - por trés dese Ditico acronimo esconde-se uma sinistra “Zona de espera pessoas em instancia’: Um censtio na realidade bem penoso aquilo que, na maioria dos casos, e na sequéncia da decis tomada pelo Tribunal de Justiga da Unio Europeia em 2011, no é um delito: estar indocumentado” Um censio que, ‘entanto, explica por que motivo a prisio pode muita 'metaforizaro sofrimento exilico dos impedidos. Paradox ente, uma partida que visa obter mais iberdade acaba. minosos eque hes deve ser feita justiga. No documentério de Jonathan Millet Loic H. Rechi, Ceuta, louee prison (Ceuta, ‘doce prisio] (2012), Simon, um exilado aficano, compara. sua. vida no enclave espanhol no Nortede Marrocos a urna armadi- eesperava encontrarai era ocaminho da liberdade: “Tem-se a impressio de estar numa prisio de que nao ao Pierre ersuieriieriiruamenmn oe) Noruega. Por que razao oimpedem? - pergunta ele, revoltado. pies mbsieneibe meitearmuml eer Strona oad deepens semiade ‘qualquer said, inicia uma grevedefomede que o filme vai retra- ics eisinios Os seus talentasem artes marciais por demas tes na cena onde maneja munshakus num pequeno apar- Cimento na cave, vem tornar claro oargumento do filme: ni podendo vencer nem defrontar um adversirio para sair de ‘rtenas, osijetofecha-se no seu proprio corpo com atenacidade iieum guerreiro espera que oibertem dessa dupla prisio. ‘O xilado precisa que omundlo se revista dejustiga. Victor ugodesenvolve esse argumento num poema dA Legenda dos “Séculosintitulado “Escrito no exlio’,e que €emblemitico de toda essa coletinea cujos poemas foram escritos durante 0 periodo da sua proscricio sob Napoleso I: 0 feliznio go verdadero, odieto nto £0 iimero: {Um venido sempre trite, um vencedor sempre sombrio, ‘Asorte no terkumaoutra osclgi0? Sempre a mesma toda eo mesmo Ion! [1 Paz falta no universo, fatale contade ive, [Avalmasaequidade, como as us oequrio; Eu preciso de sentir justiga no fando Doabismo onde a sombra se confunde com aclardade; ‘Bupreciso do maldowo mala vontade, edo crime [Acait sobre e monetro eno sobre a viima CJ. (dtugo 1962: 603" cand vide ra exatamente ese desejo de justia aquiloque anima, Karl Rossman no navio,embora cl no saa inca persona- rm acento no universe romanesco de Franz Kafka Some Fan éo romance do exo, averdade 6 queele constitu com dois dante romancesuma trilogia doeilio que étambém uma tr- rant etamnnsprrocnPoars Fe ery dee (OCaads lage 2: ba) la di Amdr,OPree Ct aa porardem ronan de eserita e que de “iv dea teoiae qutollpean series ininigo dear oremetem cman cxtitodeoropendesigndarene pigeon a Katha, Unoigem copia nena nee tects tlie acted crac tees seuscompas ds nro ederim maou veconpahcin ofan Ddamarce anda mn Kaledain muro ene disagree + Hoopes era peri di irumane inte eo or deepal csecpncncmdnsreteseaneseodepae OP veal fs nparidanconn dad Sep ace partner sbndon seu eal siconacaneenintracontet 340 Car atl pcr span oiaitie Max fla opie "sg da ii a inte wo nguicintrabtracomaverqveesloe}itirs rrorewe pete tine kane wna) scntto maa ees capers & ja na sua relaglo “Abrado e Jacob. Adio a simbolizar a exili como lugar abandonado, Abraao com o lugar prometido © srecob, com um nome duplo (Jacob /Tsracl), a relagio entre os Togares. Uma tipologia provsoriae parcial que excl pro~ do ppsitadamente Moisés, aquele que é porexceléncia a figura ‘inten do exlio, uma ver que 0 &xododo Egipto"exige uma teo- “ae aprofundada da exiliéncia a desenvolver, riaagio especi outro momento. ‘O romance América termina com o capitulo intitulado"O swatro da natureza de Okhlahoma” Essa instituigio, também chamada"O grande teatro de Oklahoma’, contrata candidatos sem selego prévia,em nome dos seguintes principios que cons- tam do artaz deseoberto por Karl:"O grande teatro de Oklahoma, chama por si! [..] Se pensa no seu futuro, € um dos nossos, ‘Todos sio bem-vindos. Sonha em ser artista? Venha! O nosso teatro emprega toda a gente e coloca cada um no seu lugar” (Katha 1978: 312) Esta expresso faz lembrar uma problemitica tipicamenteexilica: qual 60 lugar de cada um? Cada um temo seu lugar? Qual éa natureza desse lugar? Esobretudo: onde se cencontra esse lugar? Trata-se do lugar deorigem ou de nasci- cnto? O lugar ou os lugares da existéncia? O lugar da morte? teatro exlico, cada um tera oseu lugar, cada um teréo seu ‘empeego porque, no paleo de Oklahoma, qualquer lugar poder ser transformado em cendrio Ness alucinantecapitaloem que ‘a contratacio de Karl volta a implicara sua origem europeia € tm que ele pretende chamar-se“Negro'o exilio torna-se numa realidade quasecésmica ebenéfica para toda agente: Enquanto FRewne a props, que cidade onde et intl o Hotel Ordeal. ecode SNe tenet perder um haar soaado, ma seq de contacter Kaci ee evo nme pode Rams Sb sexi om aratnado td coins po exrapl Drs 996). 7 toda a.companhia de teatro apanha 0 comboio Karl esti sentado com Giacomo, 0 amigo. trado, e experimentaa felicidade: “Porque até tinham viajado tio despreocupadamente na, 998). E-essa a dltima frase do romance inacabada: (Oklahoma éum outro nome para paraiso? ‘0 seu trabalho parece af apontar para uma uma i ‘mito original, poisoexilio do Jardim do Eden signi satoriedade do trabalho quotidiano, para Adio para a gn rai-e-0 ws enteito Sere a laquela que deixou efectivamente um paseo uma fronteiraeque Permanesey provisoria- nouto tert otersizoriocs fronteira de cers spt drum act i ite interno, Oso generalizadoenglobaria Fc sma eas religisasou poesia que eta ai Homem: na terra como um exilado | do céu ou de um qualquer “arri@re- monde’, quer as designagoes: de diferentes experiéncias de marginalizagio ou de: ‘clausura, tais como a loucura, a defi- ciénciaea prisio.® A exiliéncia entrelaga as duas acepgies “pum spac proprio ao imprépro...J:umespago onde os exis iio ‘limitariam acruzar-se, mas onde se encontrariam sem se ni ‘qliar mutuamente” Seurat 2010: 251)-S6 uma convergencia das experiéncias exilicas pode fazer entender a natureza da con digo exilica. Que poderiam ter em comum Ovidio nas margens do Mar Negro, Dante expulso de Florenga, Voltaire em Londres e Adam Mickiewicz.em Paris, ‘ocineasta que fugiu da Alemanha ‘aziopintorda Rissa estalnista, o miitante comunista de uma ditadura sul-americana no século passado e, nos nossos dias, ‘uma operdria mexicana de Los Angeles, oafricano requerente deasilo em Roma, 0 refugiado sirio de Estocolmo, oclandestino: curdo em Lampedusa ou em Calais? Colocar a questiio deste ‘modo nao é mais chocante do que ignoré-la, pois os impasses ‘ctuais em relagio aos movimentos exilicos em massa exigem respostas urgentes. Avancar coma proposta da condigio exiliea apen cesperienel daquele ou tertitor To mime afte Vir [A calpade Vote) (2000) de Abella Kechiche Frcemeena demancea mato ces, aconverginca de destino dos descenentes aaa tauangisdandestnoscmarpnas soa qclcwa acne como trago existencial comum de trajeté Aierenteinepreendernuoues nos mas procuracria,a partir das suas propria umcampedsruntoviftentemereae a neontrarrespostase dar assento a reflexes po Importa nio separaros dois sentidos da noeas Beografico endo geogrific,restritoe generalizadg sso articalilos pra ques eniqusam ‘a adivsdade deerertncanconmane ea sidade de experiéncias consoante o : snewstade a reecion ‘ears missin eo mage ‘acmplooquadr seine qu simetn dan dmesg lena deacoda coms “reer Sujet io exilado fi (500) Ea seri (Eatve) Eu ten (Ea tere) Sujet extado (Ps fi) Bu tou (Eu sere) En tive (Eu tenbo) Eu tere sn clérign no sermiio dominical sentido se rm esto de picloginon desoeo- a saat -atoricos (sentido restrito). pres percursos MEF ada ter, hé uma Pe condi ‘onagem que encamna perfeita- (ow Gaspard Hauser), oxi- _iSioiun desiendoasimporauinindesmn vp, conhecido ou identificdvel. Chamavam-The 0 érfao seine pcre aan ede aon queer 1828, se apresentou em Nurem~ ee cena eee pao numa cave. Trés tentativas de assassinioalimenta- ram atevede que se tratariade uma crianga fruto de uma. relagio can dian nocaocrr creto, os principes de Baden. aliados da familia dos Beauharnais. a ne re Eu vim, pacato fio Rico apenas de meus olhostranquilos, Para junto dos homens das grandes cidades: les no me acharam malandro. (Werlaine 1975: 2-93) ‘Uma variante romfintica da historia de Kaspar Hauser que Ihe retiraa dimensio prosaica, permitindo a Verlaine projectar- -senessa figura que viria a tornar-se mitica. Ser que nasc demasiado cedo.ou demasiado tarde? ‘Que fago eu neste mundo? (Os versos da iltima estrofe incluem a marca da angistia, egio perante a sua incerteza estruturante. As tenta~ Aquelas e aquel sorte, Sando a cesura entre ambas. Assim, Consigo, razo pela qual nao hesita e cunstancias o exigem, ou entio, re navida, recy. +0 exilado carrega a monty menfrentila quandoascis S €M confessara sua ‘Nem que fosse por milhares de délares, tal viagem. [...] Nunca mais inferno. [...] Se fosse para re caminho. Nao, angistia; nao voltariaa fazer uma voltarei a fazer esta viagem de etir, nunca voltaria a fazer este nunca!** Sob o prisma dae: vem libertar do exilio, de acordo com alégica qualquer transcendéneia. Saber-se portador d Por aquela que, pelo contrario, iéncia, a mortenio disjuntiva deuma lamorte, a comegar diz respeito a uma identidade anterior, torna a experiéncia da vida mais completa -um exilado morto nao deixa de ser um exilado. Logo no inicio do seu Tristia, Ovidio dirige-se directamente 0 seu livro, o mesmo que oleitor tem entre mis, ¢ exorta-oa partir para Roma: #167, 29 de Novembro 2014. Eldorado, o romance de Laurent Gavdé (2006) interroga precisamente a normalidade mortifera do fenémeno do esioem. * Excerto do testemunho de um jover iraquiano chegado a Sui edocs de Julho 2012, no site Viore-ensemble: servigo de informagio e de docum sobre o direito de asilo (ceww.asilech). rencarnado (...] (Ovide 2008: 25) Porqué a reeusa de qualquer ostentagio? Trata-se certa- mente de uma strain, que ai leno respelta, uma vez que obra esté repleta de processos cos; 0 poeta quer na rea- Tidade convencer ou seduzir, porque continua a acreditar num regresso.a Roma ena suspensio da sua relegatio. Daf que Pre tenda que asua poesia seja siiplica e que nao dé mostras de nenhum artificio capaz de fazer pensar no prazer de escrita. ‘Trata-se de uma atitude de modéstia, de humildade, em suma, uma atitude habitual nos exilados que, num primeiro tempo, tendem para a timidez na voz e no gestos como se temessem alterar involuntariamente os costumes. Como quando se aperta uma mao no escuro ese dizboa-noite ‘Com a gentileza amarga de um exilado de volta ao seu pais, E que ninguém reconhece mais, nem mesmo os seus, porque cle soube 0 que éa morte Eporque ele conheceu a vida antes da vidae para lida morte Lr " Estes versos de Yannis Ritsos - que por duas vezessoube o que 6a deportacio por "adespolitcas¢escreveu os poemas do seu Dido de deportagizo aquando do seu Primeiro exo ~sungem citados num opisculo concebido em 2004 coma homens ‘ema Georg R. Gamer apés o seu desaparecimento,e que inflizmente ni foi publi ‘alo ~ Laterrede personne A terra de ninguésn) (2004), bela designagio para uma, ‘sografiaexiica, de de despojamento, 9 que oexi ‘cbes ocidentais, ou mesmo 0 corpo nu? Que sig- dade do desnudamento ~ a espoliagio mortal, iz-se ~ sendio a vontade de si naguilhagem, desmonta qualquer disfarce, desfaztodo tipo deancoragem social? Que éla deixaa pessoa sem persona, amis- cara do teatro latino, na sua singularidade. Bessa singularidade que desaparece, mas no s6, Como escreveu Jacques Derrida, 0 desaparecimento de um ser nfo significa o final de um mundo, quele que a pessoa desaparecida representaria, mas sim “eada yezo fim do mundo como totalidade tinica, logo insubst ), ou seja, o desaparecimento da possibi dai Chegara um outro lugar sobre o mundo e interrogar-se sobre a sua habitabilidade. O despojamento que Ovidio reclama parao seu uma resposta a um edlculo, mas sim a aplicagio de um prin 88 es (Ovide 1937: 207). Imre Kertész cita justamente o credo de Franz. Kafka num texto intitulado “A lingua exilada” (Kertész 2009: 224), onde no se debruga sobre a perda de uma lingua materna pelo sujeito exilado, mas sim sobre anatureza da lingua que deveria dar conta, de uma experiéncia extrema, no caso concreto, a realidade con- centracionaria e genocidaria. Essa lingua deveria estar exilada do seu contetido, no sentido de estabelecer com ele apenas uma relagiio indirecta. O dito néo pode estar substancialmente ligado apindizivel, salvo nalguns poetas, como por exemplo, Paul Celan. ‘LeSable des urnes [A Areia das Urnas] é0 titulo dasua primeira colectanea de poemas, publicada no exilio. Leia-se: aquilo que forma um trago a partir das cinzas; aquilo que guardaa memé- ria, esborodvel mas opaca, cinzas em suma. Uma aparigio des- tinada a revelar aquilo que desapareceu. Uma pottica do niio- lugar, quer dizer, um modo de escrita revelado por uma espa- cialidade da errancia (vd. Nouss 2011: 304-311). ‘em ti: balanca da palavra, balanga das palavras, balanga de pais: Exilio” diz. um verso de Paul Celan, num poema que convoca os poetas assassinados da modernidade russa (1998: 217). Aexiliéncia da-se a sentir ea entender nessa simultanea- mente tensa e troca entre o indizivel e 0 dizivel do duplo pais. Vd. infra, p14 aexperiéncia no sen- 1a coisa) cruza-se com ‘a no sentido de um saber transmissivel (ter expe- rigncia). Mas para o exilio ou para morte, o que dizer? Ovidio volta constantemente a experiéncia da travessia, a Roma, que deixou para tras, até as margens do seu bani- nto: a tempestade, as ondas, o perigo de naufragio, a morte evitada. Como que aestabelecer ab initio uma equacio entre as duas experiéncias: o exilio ea morte. Na verdade, 0 exilio é uma morte, o desaparecimento de um certo estar-no-mundo (uma ngua, uma cultura, um ethos) ea adopgéio de um novo. O exilio éuma experiéncia tinica nos registos do vivente que consisteem poder integrar numa tinica existéncia esse antes e depois que, pela provagao da morte do outro, é uma experiéncia impossivel, porque se trata de uma cesura que significa quer softimento abso- luto, aquém da experiéncia, quer superagio amnésica, para lida experiéncia. Quando chega.asser feito, o trabalho de luto traca precisamente a trajectéria entre a ferida aberta e o apazigua- mento, E pelo menos possivel esse consolo, a0 contritrio daquilo iéncia, a acreditar em Madame de des que acontece com ae: 90 (Akhmatova 2009; 269) ria revelar a vidao seu enquanto tal, esta ligada Em suma, a experiéncia does teor de experiéncia, jé que a experiénei morte. Lembremos 0 parentesco da palavra | culum, perigo, que deriva da raiz.indo-euroj travessia no decurso de uma prova. A medida da experiénci apésa travessia, depois da prova. Ora, qualquer prova é medida em fungio do risco fatal. Num ensaio posterior ao ja anterior- mente citado, Walter Benjamin (2000e: 115) repete o diagnéstico sobre o fim em curso da experiéncia, por causa dos desenvolvi- mentos tecnol6gicos a partir da Primeira Guerra mundial, embora também a relacione com 0 declinio da arte do narrador que, mentando-se outrora da experiéncia humana e das cadeias de transmissao tradicionais, deixa de poder rivalizar coma difusio moderna da informagao. Essa desvalorizagao vem assim ligar- -se a mudanga nas condigGes da morte na sociedade moderna, A redugio da sua soc de, ao falecimento que passa a ocor- rer fora da esfera piiblica. Antigamente, a mortedava azo a uma transmissfo ea uma narrativa, ao dom de uma experiéncia a ser aproveitada pelo circulo do falecido, ou seja, por aqueles que iam continuar a viver. Ao tornar-se um fenémeno privado, escondido dos viventes, desaparece a “autoridade” da morte, e dai ina. com peri- 2 ago moderna da morte. jéncia a transmitir, a reali- vasa do dominio biogrifico para revestir-se de um significado 19; impBe-se como uma dimensao essencial do devir sociopoli das sociedades contempordneas e nao como um efeito secun- dario ou como uma simples consequéncia do seu desenvolvi- mento, Num periodo em queo caso europeu eos fenémenos liga- izaco colocam profundamente em questo as per- tengas nacionais e numa época em que as migragGes, tanto no dos Estados como iescala internacional, conhecem um crescimento exponencial,reflectir sobre a exiliéneia pode ajudar, a pensar as migragdes contempordneas e simultaneamentea sugerir novos quadros de anélise capazes de reconhecer as iden- tidades plurais do mundo contemporineo. Jé niose trata de estu- a partir de critérios territoriais, mas de repensar 0 territério em fungao da experiénciaexilica. A diferenga entre as diuas perspectivas reside na compreensio do principio desecun- inte docont entre especialistas, de ondea idologiararamente esti ausente. nome Chojnickie daridade, aceitar que este se torne num prin vez de uma pritica desvalorizada e desy: da tradugio, a aplicagio dese} nacontinuidade do judaismo e como o exilado Eneias funda a latinidade importando o modelo grego. Tal como esses dois exem= plosde uma derivagio fecunda, aexiliéncia proclama que a per- tenca territorial nfo esgota todas a possibilidades identitarias, deque ela nao éaliés nem 0 modelo nem o eritério. Um sujeito pode no apenas ser plenamente ele-mesmo fora dasua terra, ‘como também pode pertencer-Ihe plenamente residindo fora. ‘No imbito dos discursos politicos mais recentes, existe uma corrente importante que se baseia no direito ao retorno que, entendido num sentido amplo, engloba toda uma série de medi- das de reapropriagao: voltara um territ6rio abandonado, recu- perarbens espoliados, méveis ou iméveis e reclamar uma cida- dania. O canadiano retornado, proprietirio de uma casa num pais da ex-URSS, o amerindio que volta a possuir um cemitério ancestral, 0 melanésio que recebe as reliquias de um chefe rebelde, odescendente de judeu alemao que recupera um quadro célebre confiscado & familia durante o nazismo ou o judeu sefardita a quem é de novo coneedida a nacionalidade espanhola, seis séeu- los depois da expulsdo de Espanha, sio alguns exemplos que ilus- tram a vasta gama de aplicagées do direito de retorno. Alegitimidade da reivindicagio do direito de retorno e os fundamentos éticos da sua forma nao impedem que ele possa encontrar também uma modulagao no pensamento de exilio. Se este tiltimo define um valor restrito, se 0 justifica, nfo deixa de ter apenas io, que na verdade lhe é conferido por 93 dos em torno de uma id a um permanente impasse. A exiliéncia com os outros. Por que éque acaba também por se recone que aidentidadeisracita precisa de rasurara sua memoria exi- colhimento de outros exilados? Por que é licae fechar-se que aidentidade palestiniana nao pode existir como identidade cexilica eaccitar a possibilidade da coexisténcia de outras opgies ‘ais num mesmo perimetro entre o Mediterraneo ea ‘Jordania? A partir do momento em que qualquer cultura tradi- ‘ional esté enraizada num substrato religioso, tanto 0 judaismo comoislio, sem contar com ocristianismo, oferecem matéria teolégica que atribui um lugar importante a experiéncia exilica, ‘A meméria criativa vai prolongé-la, por exemplo, através da eserita poética. A organizagiio geogrifica da antologia Les poétes dela Méditérranée [Os poetas do Mediterrineo] coloca ladoa Jado um pocta palestiniano, Taha Mohammed Ali, e uma poe- tisa israelita, Haviva Pedaya. Além da contingéncia editorial, é também aexiligneia que os reine. Dois poemas contiguos que territori entoam um mesmo lamento, ora em hebraico: Expulsa sem ter sido mandada para exilio Mas na terra do meu proprio povo ot Cod Exilada. Mas nesta sm que si ra (Errera 2010: 305) oraem arabe: jo mortal [...] Pomba que sente 0 nortal Pomba que sorri, olhos repletos de jardins de tristeza Que suspira, restos de alegria no arrulho. (ibid: 301) Como diz um conhecido slogan, trata-se aqui mais de um exilio para dois povos do que de uma terra para dois povos. Nesta éptica alargada, 0 exilio torna-se uma heranga ater emcontaaum nivel colectivo abrangente, como acontece nas sociedades contemporaneas, € ndio apenas uma transmissio memorial destinada a um individuo oua uma comunidade. Na verdade, ele extravasa dos processos comemorativos institucio- nalizados e faz parte da construcio das histérias colectivas, tal como clas si0 moldadas pelos contextos nacionais e transnacio- nais, Razio pela qual é necessario nao dilapidar o exilio asso- ciando-o auma qualquer metafisica em louvor condescendente de um exilio generalizado para todos ou para qualquer um, que Gaquela que inspira os discursos hiperbolicos em torno de uma identidade planetaria fluida, para lé das fronteiras e das perten- «a5, da globalizacao dos privilegiados, e que é representada pela versio euférica do cliché heideggeriano sobre a Heimatlosigkeit na Carta sobre o humanismo: “A auséncia de patria [...] assenta 95 wetamente do a0 passo queo hos cidadaos do mundo, esereve Albert Camus, [os homens jos na sua prépria patria’ (1985: 326). Um exilio do indo, nao de um céu platénico ou de um outro arriére- 1m exilio entendido do ponto de vista metafisico mas no de uma forma idealista, pois revela ser tanto de ordem psi- |. Trata-se do homem estranho ‘asi mesmo, tal como também é estranho para os outros. Pri- vados de transcendéncia, excluidos do reino da inteligibilidade, atradugio aquictada itagio de Albert Camus i também i fosse um exildona Argéia,enquanto segundo a expresso de Jean-Jacques Gonzales ssamento, paralelamente &cireunstincia para designarosindivduos de origem itea colonizagio no Magrebe -N-T) yoga em Franga, ea sua obra éalvo de eavaliagio, depois desu do gueto dos ttimos anos noensinosecundirt, Iu talvez signifique um interesse acrescido pelo dinamismo do seu pensamento Fate realidades contemporineas em mutagio,enquanto que outras filosofias ‘acusam um certo desgaste paralisante Uma questio de ritmo, em sums, 96 esforgand6-se por dese ainjustiga permanent de humano neste mundo, Assim, 0 exilio no é negative nem faz também parte da moral no nos se idl poapens an casa’, a vida privada, nao passam de ilusées num mundo em que desapareceu a autonomia do sujeito. “Ninguém esta em casa’, Jembrou também Emmanuel Levinas (1987a: 108), porque ao ocuparmos tranquilamente um qualquer lugar, estamos talvez consciéneia nascida da experiéncia riéncia humana enquanto tal -viria duy faz.com que, na minha vida e atravé ao exilio. Essa consciénci como lugar de ser de uma ident “despais’, para retomar e desviar a expressio de Cl que sabia muito bem de cartografia planctitia, Exi do estatismo. ‘ exilica nfio tem nada da imobilidade de um estado: torna claro um principio pol necessério num espago-mundo, 0 espago entre os humanos de Hannah Arendt, que receia a sua propria diversidade e que tende negara sua vertente comunitaria em prol de interesses parti- culares, privados ou piiblicos. Ao formar uma didspora sem ante- cedentes centralizadores, a comunidade dos exilados perfila um 2 Qe ncn" como prope Emmannel evn prasubinar qu uma cons sténca deve pemanecer activa sem descanso. A exligneia patiha dessa exiginc Para um desenvolvimento filasofico dessetermo, ver Neher (1991). 97 palizaga°o da mobilidade de ectivas trajectorias: “QO nds exilico icado no qual se fundem os “eu” de .struturas familiares ou as comu- do o instante, ele confronta-nos com a les que Sao diferentes [...]” dade daquel definicao derridiana mundo onde apenas existiré a glo! todos ¢ o cruzamento das resP nao éum sujeito global e unifi origem (os Estados-nagao, as & nidades étnicas). A to coexisténcia e @ reciproci (Giovannonni 2006: 145). Tal como numa do politico, em que a sua racionalidade, ainda que nao determi- nada, seria movida por uma experiéncia levada a cabo sob 0 signo do segredo - a provagao ou 0 perdao, por exemplo -, esta- mos a precisar de debrug¢ar-nos sobre a exiliéncia para percebé- -Jacomo uma sabedoriaa crepitar a0 longo da historia das migra- ces e que poderia agora muito bem inspirar a ordem juridico- -politica que gere a imigragao ea cidadania. 98

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