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“Os afetos, reflexdes ¢ deslocamiéntbe ues cis de Innis grimas de mulheres ns eausam softs gue 56 ba erat, Salva, pode nos tas, tefrando o lugar de destaque ocupad pr, Goncegio Evaro na teria bras CConceigto Evarto (Maia Conceigfo Erassto de Brit) nasceu em ‘Blo orion, em 29d novernino de 194, Em 1990 publicen pela jo em Litera slim de ania quavo : Lagrimas de Mulheres: Coniceigdo Evaristo, op © Conc i, 206, Tadarosdsetsreerale, san 7e4597795064 ela net lao emma de Mane daar. Proje ae indo ep arama 5 to | din | od astro ecenepi dcp aera eat: ala couo ‘teow sep ne Ac Oars a Ling Pere ‘rats neptune onom pr sot de ui Dadar tneaonsi ages ma pnt area RB70I6 15s Esto, Cone. cenit ecoers/ Cn rit Te Rede nee Mal, 206 Yapizion ssmisreesormese4 ‘Cons rseie a = cop —masa0t | Ince pa cogs semi cot: eta rae BEB. ame ‘olesoe diet raervao Mt Bator ert el i even ‘ooatopeltoealec Sumario ‘Aramides Florenga Natalina Soledad Shirley Batxzo ‘Adelha Santana Limoeleo ‘Maria do Rosério maculada dos Santos Isaltina Campo Belo Mary Benedita Mirtes Aparecida da hut Libia Moira Lia Gabriel, Rose Dusreis Saura Benevides Amarantino Regina Andstacia 19 27 35 55 69 aa a7 95 105 ur wz de minba me, acintosamente, contava uma histéria acontecida na famfla dela, Ahistéra de uma rm, que lanem conhecera, pois tnha sido roubada,sinda me nina e nunca mais a fama soubera qualquer noticia. ‘Nip consegui sire, entretanto, nfo fiquel, Niomeas- sente também, apesar dos pdids., Depois, eu soube «que soavam a minha volta, Ful ajuntando os pedaros do relato que eu pude estar, em meio a uma profun- dia tontura. Porém, no era orelato de minha ima que havia nasciéo depois de minha partida foreada que eu ouvia Nio era a fla dela que me prendi. E sin 6 jipe, La estava o jpe ganhanda distancia, distincia, distancia. Léestava 0 meu irmao chorando no meio da estrada eeu indo, indo, indo. Quando acordet do destalo, a moga do relato segurava a minha ma; néo foi preciso dizer mais nada. A nossa vos irmanada no sofimento e no real parentescofalow por nds, Reco: ihecemo-nos. Bu no era mals a desaparecida, E Hor de Mim estava em mim, apesar de tudo. Sobrevive: ‘mos, eu eos meus. Desde sempre Isaltina Campo Belo Insltina Campo Belo me reeebeu com um soriso de boss-vindas acompanhado de um longo e apertado abaro, Depois dese gesto, meio sem grara, me pedi esculpas dizendo que estava se sentido tio honrada coma minha presenga eporisso tinha cometido aque 1a desmesurada audicia, Nio me importei — disse eu ~ lis, me importe sim — gost! tanto, que espero ‘repetigao dese abrago na sida B zoltams uma boa {garglhada, como ve fOssemor antiga ntimas compa- heirs. A sonoidade de nss0s rsos, como ccegas no eu corpo, me dava mais motivos de gargalharecreio ‘que a dla também, B foi tudo tao espontineo, que me recordei de alg que li um di sobre o porqué de as mu Iheresnegraesocricem tao, Eborao texto fosse wm ‘ensaio, Is ertavam [salina e ex, como personagens do escrito, no momento em que viviamos a nossa gargs lhada nascida daquele franco afago.E quando 0s nossos rigos serenaram, ela me agradeceu pelo fato de-eu ter paseado pela casa dels, para coher a sua histéria, ra uma honga, uma honral — repeta pausadamente — sempre ingueta a me olhar ‘Campo Belo, como gostava de ser chamada, en tre outros detalhes, tha uma idade indefinida, a mew vet, Se 0 eabelos cutos, soda blak-power, estavamn, Conca Betts rofundamente marcados por chumagos brancos, de- nrunciando que a sua juventude tinhaficado hé um ‘bom tempo para tris, seu rosto negro, sem qualquer vestigo de rugas, brincava de sero de uma mulher, que no méximo teria os quarenta anos, Entetanto, Jsaltina tina um fiha de 35 anos. Walguira, a sua ‘menina, que me foi apresentada por meio de uma foto, orgulhosamenteexbida pela mie. Pude observar «que, apesar da semethanca entre as dus, a flha nao dissimulavaaidade, como Campo Belo, Durante toda 4 narrago da histirla, a foto de Walquitia nio nos abandonou, ora nas mios de lsaltina, ora nas minhas, Quando estavacomigo, eu estava sempre aceitando © oferecimento da me, mas também podia ser fruto de tam gestoinvoluntaro mes, que, sim perceber, quase tomava a fotografia de Walgutia.E, quando o retato da mosa, nio estava em nossas mios, estava em cima dda mesa anos contemplar. Bu tive aimpressto de que Campo Belo falara para a filha eno para mim. Nao iz ‘uma interferénia, nenbuma pergunta, Guard! sllen- io, 0 momento de fala nfo era me. Desde menina —assim comegou Campo Belo, com foto de Walquira nas mios — eu me sentia di. ferente. Nascida apés um menino e uma menin, tive uma infanca sem muitasdifculdades. Meu pa traba- Thava como pequeno funciondrio da prefeituraeminha rie com enfermetra do grande hospital piblico da Inet grade Mulbere dade. Ambos trabalhavam muito. Meu pai comple- tava o salério fazendo a contabilidade de viras lojas do comércio local. E minha mie, aplicando injecSes, fazendo curatives e, s vezes, até partos de mulheres ‘que, pelos mais variados motives, mio chegavam a0 ‘inico hospital da cidade. Bramos muito conhecidos € bem aceitos. Nossa fain, desde os avés maternos de ‘minha me, jé se entontrava estabelecida na cidade. les tinham chegado tli, como negros livres, nos me dos do século dezenote, com uma parca economia. Mi- nha mie, orgulhosariente, sempre nos contava aluta ‘de seus antecedentes pela compra da carta de alforia Historias que eu, met itmlo e minha irm& ouvlamos fe repetiamos com aves, sempre que podiamos, na (escola, Meu pal tambern nascido e al elado, nha ‘hstGrias mais dolorodad de seus antepassados. Entre- tanto, seus pai, meus avés, 8 custa de muito trabalho em terra de fazendeiro, em um dado momento, con seguiram compraralguns alqueies de terrae inicaram uma lavoura prépria. Bra uma narrativa que alimen- tava também a nossa dignidade. E com isso, ele, flho Ainico, péde estudar, o que Ihe rendeu o emprego na refeitura loca. Tive uma infancia feliz, 6 uma divida ime perseguia, Eu me sentia menino e me angustiava com o fato de ninguém perceber, inham me dado um nome errado, me tratavam de modo errado, me ves- ‘iam de maneira errada... Estavam todos enganados. i Conca Brito ‘Eu era um menino, O que mais me itrigava eaofato de minha mae ser enfermeira e nunca ter percebido 2 engano que todos cometiam. Ainda novinba,tlvez, antes mesmo dos meus cinco anos, eu descobrira 0 ‘enino que eu trazia em mim e acreditavaplamente ‘que, um dia, os grandes ram percebero erro que esta- vam cometendo, E quando, aos seis anos, numa note, fulacometida poruma grave crise de spendicite, tendo de ser levada as preseas para heptal,intimamen- te sora felis, Bnquanto eu imaginava a minha volta como menino ea surpresa que isso causaria, met ir- ‘lo ¢ irma choravam copiosamente, pensando que oe fosse morrer. Meu pal, flit, interrompes a con- tabilidade para acompanhar a minha mle ao hospital, Toca que ea to bem conecia, Meus avés, tis, tia, 0 i inteiro,batiam 2 toda hora na nossa porta, proc rando noticias e atrapalhando a nossa sada, Mamde, quetendo me apaziguar,e intainde' sobre o mal que sae acometia, me explcava ternamente o que poderia scontecer. Bla diza, com aparente cama, que talvezo rmédico precisassefaza um “cortinho” na minha bar- "igh Apesar da dor, eu quase sori edesejava que tl fatoacontecesse. li estavaa minha chance. O médico dna descobrir quem era eu, Ié por debaixo de mim, e contaria para todos. Entio, o menino que eu carrega- Ya, € que ninguém via, poderia xltar ae suas aca © voar feliz, Inebist pia de Mlb (0 médico nfo descobriu.B a ignoréncia dele 20- bre quem eu era ficou comprovada quando, no outro dia, no final da tarde, ele me cumprimentou dizendo aque eu era uma menina muito corajosa, mais cotajosa do que muitos meninos. A dor que eu sent! naquele ‘momento foi maior do que a que senti com a supura- dode minha apendicite. Busquela face de minha mie, ‘na eaperanga de encontrar, no rosto dela, qualquer zal de desagrado dlante da tolice que o médico havia, lito, Pelo contro, mamte soriae ainda completo 1 errada fala do médico dizendo que ele tinha razio. Hla estava muito orgulhosa de mim, ela no sabia que ex era uma menina tho corajosa.. Oaiet minha mie naquele momento, achei que ela ndo podia agi comigo daquela forma. ‘Até eu completar dez anos, mais oumenos,cres- lalternando um sentimento de 6dioe deamorpormi- ‘ha mde. A todos eu perdoava o desconhecimento que tinham a meu respeito, menos a minha mée. Impos- sfvel acreditar que ela nfo soubesse quem eu era. Por que ela agia daquela forma comigo? Quanto 20 meu lmao e minha irma, eu os supunha muito ingénuos, Aistraidos até. Como meu irmao nio percebia que eu era igual a ele e como a minha irma nlo percebia que cera diferente dela? E minha mae sempre curnprindo co papel de minha algos. Por que ela ndo corrgia os d mais? De meu pa, no se o porque, nunca pensei que Cone Bro cle pudesse me ajudar nas inconfesséveis urgéncias de minha infancia. Era um homem bonfssimo, mas a ‘quem, nés, cians, ndo tinhamos a coragem de in- ‘terromper em seus infindos trabalhos. Entretanto, a Perene certeza de que eu era diferente ea falta de l- f8r que esse sentimento me causava nfo me deixavam allheia 20s jogos da idade. Brineava, brigava, extudava como qualquer crianea dé lugar em que nasciecresc, Outro acontecimento que marcou a minha vida, rho que tange ao menino que eu acreditava tazer em ‘mim, fol quando surgrar os primezos sangramen- ‘tos menstruais de minha irma, Bla estava exatamente com doze anos eeu ia completar dee dali a uns meses. Sobre menstruasdo e outros assuntos relativos a sexo, rio sabiamos nada, além do que descobriamos por ‘conta prépria. Eses assuntos ¢ mais alguns eram se- sgredados entre as mulheres adults da familia. Porém, ‘om a chegada do sangue mensal de minbairm aes corner pelas suas pemas, houve para nés uma lgera centronizagio nas conversas das mulheres mais velhas. ‘A chegada do sangue de minha ima assim se de Estévamoselae eu numa entontecida brincade rade sobe edesce das arvores,fugindo de me irmio, que jé havia completado os teze anos, quando percebi tum filete de sangue escorrendo pela pera abalxo de ‘minha ima. Apavorada, gritei, pensando que el tives- see machucado no entre-pernas, Mamde veo ralhan- numa Lari de Mabe do contra o meu escindalo e ordenando que desctsse- ros da drvore (ais, ela no gostava que subisemos ex Srvores, #6 0 meu irmso podia). Nesse momento, rina irma voltou a tedamar de uma dor na barigs, que ela jvinha sofrendo hé dias. Marte nos mandou entrar, Foros os tres, Entretant, meu irmso fl dis- pensado e avisado de que nto ficasse por ali, tentan- do escutar conversa de mulheres. Sem muito rodeio ce grandes explicaées; ela nos falou do sangue que as ‘mulheres verter todos 0s meses. Concliu a explca- ao dizendo que mia ims hava fcado“mocinha’ E com uma entonacae mais baba e carinhosa de vor, ‘firmou que brevemete teria duas "mocinas” dentro de casa, poe a minha hora estavachegando. B chegou mesmo. Antes dos ries onze anos, uma noite, sem ‘qualquer sinal do qué estava para acontece, sem dor alguma, quem verte sangue fui eu, No sent prazer ‘ou desprazer algum. Tanto eu como minha irma ja es- tévamos mais eabidinhas. Em pouco tempo, sem que amamae enfermeira soubesse,descobrimos, na rua nos livros, tudo sobre o corpo da mulher edo homem. Sobre beijose afagos dos homens para com as mulhe- res, Lembro-me de que ful invadida por certo sent- mento, que nfo se expla até hoje, uma sensardo de estar fora de ugar. Bu va e sentia o meu corpo parecer com o de minha ime sediferencar do porte de meu sno, Bu sbia que a historia do sangue mensal era one rset nossa isto é, de mulheres. Sabia também que 6 ocor- po da mulher podia guardar denteo dele um bebé. Eu via 0 meu corpo menina e. muitas vezes, gostava de me contemplar, O que metconfundlia"era 0 camino diferente que os meus desejos de beijs eafags ten- diam. , por isso, acabei de crescer,contda. Amarrava ‘os meus desejos por outras meninase fuga dos meni- nos, Em toda a minke adolesetnla, vvi um processo de fuga, Recusava namorados, inventava explicades sobre 0 meu desinterese sobre os meninose imagi- ‘ava doces meninas sempre ao meu lado. Até que, um dia, dolorosamente tudo mudou. ‘Tinha eu meus vintee dois anos sem nunca ter ferperimentado uma paixdo, um afago, uma dusto de amor qualquer. Nem platniea. A cada pergunta de minha mae ou de alguém de minha fala obre 4 existencia de um possvel namorado, mesmo ea jae rando que nem em desejos essa pessoa existi, todas "as pessoas, normalments, desacredtavam de minha resposta negativa.E as justficativas sobre essas des- crengas eram sempre as mesmas. Como uma jovern Uo nteligente, tio bonita, tho educada, to ¢ tio como cu, podia estar sozinha. Inexplivel. Bnquanto ies, mea mio e mina irmd cada vez mas se afirmavarn no campo amoroso, soba aprovagio ou desaprovagi, lo 66 de nossos pis, ma de virios membros fa mila, Sem nada para contar, pois nada eu tha vii nub igri de Malhrs do nesse terreno, estranha no inho, em que os pares so formados por un homem e uma mulher, resolvi sair de casa, mudar de cidade, buscar um mundo que ‘me coubesse. Mas que me coubesse sozinha. E achel, ‘ou melhor, aredite ter achado. Com um diploma nas riios e algum conhecimento de enfermagem, parti «pave a cidade, buscando emprego ¢ mais estudos. Ali fir amigos e, por uns tempos, ninguém me perguntou sobre nada que ex néo soubesse ou quisesse respon dex. Meus dias seguiam tranguilos. Bu era eu, uma smoga a esconder um rapa, que eu acreitava exit em mim, Tudo desconhecido, nada enperimentado no campo amoroso, Uma foga que me gatantia cert ¢e- goranca, que eu nto me expunhaaningudm, até que tum dia um colega de faculdade dise estar encantado por mim, Inidamos um namoro sem eto, #6 de pa lavras e comedidos gestos. Ele de uma elegincia e de ‘um cuidado tal, que geshou a minha confiange. B me ‘conquistou tanto como uma pessoa de bem, que acre- dite que ele entenderia, quando eu contase para el, tua das diferencas que eu vivia em rim, em relagso 20 nosso namoro, Um di, em que ele desejava bejos fe afagoe eu sem deseo algum, sem nada a me pal- pitar por dentro por fora, fle de minha vida até al. Fale do menino que eu caregava em mim desde sem pre. El, sorrindo, dia nao aceditare apostava que a rant de tudo devria ser algum medo que ex trazia Conca Berto cescondido no inconsclente. Afirmava que eu deveria gostar muito e muito de homem, apenas nto sabia. Se euficasse com ele, qualquer divida que eu pudesoe ter sobre o sexo entre um homem e uma mulher aabaria Ble tla me ensinar, me despertar, me fazer mulher. B afirmava, com veeméncia, que tina certeza de mew fogo, pois afinal, ex era uma mulher negra, uma mu- Ther negra... Bu ndo sabia o que responder para ele. Em ‘mim, eu achava a esposta, mas s6 para mim. Bu sa- bia, desde a infincia, do menino que existia em mim, Besse menino cresceracomigo, assim como cresceram sce meu pretense namorado, ou melhor, esse pretensioso namorado, continuow me cercando, Nio rostrava nenhum desapontamento com a minha re- casa, mesmo depois de ter feito mals algumas tenta- tivas, ndo por atos e sim por palavas, por doces pe- didos. Continuamos e nos tornamos amigos, pensava cu Um dia, ele me convidou para festa de seu aniver- sro e dizi ter convidado outros colegas de trabalho, centre os quai, duas enfermeiras do setor.Fui. Nunca ppoderia imaginar o que me esperava. Ele e mais cinco Jhomens, todos desconhecidos. Nao bebo. Um guara- 1d me foi oferecido, Aceite Bastou. Cinco homens deflorando a inexperitnca e a solidio de meu corpo. Disiam, entre eles, que estavam me ensinando a ser ‘mulher. Tenho vergonha e nojo de momento. Nunca Sania Lire Mere conte’ para ninguém o acontecido. $6 agora, depois de twintae cinco anos, neste exato momento, me esforco ‘por falar em voe alta o que me aconteceu. Os mais bu- rilhantes detalhes morrem na minha garganta, mas ‘nunca nas minhas lembrangas. Nunca mais voltel a0 trabalho. Hoje eu reagiria de outra forma, tenho cer- tera, mas na época, ful tomada por um sentimento de vergonha e impotéfcla. Senta-me como o stmbolo da insignifcancia. Queen eu era? Quem era eu? De- pois, aparece a gravidez, uma possibiidade, na qual ‘eu nunca pensara, nef como desejo,e jamais como ‘um risco, Tal era © extado de alheamento em que re encontrava, que a8 fui me perceber grivida sete rmeses depois, quase com a crianga nascendo, Nem & falta do sangramento mental, nem a modificagao do ‘meu corpo e muito menos a movimentagio do bebe. ‘Welquiria se fez sozinha em mim. Pai sempre foi um. ‘nome impronunciivel para ela, Dentre cinco homens, de quem seriaapaternidade constrida sob osigno da violencia? Nao st, no se. Meus pais se rejubilaram felizes, quando voltel em casa com a minha menina Fizeram algumas perguntas sobre o namorado que eu hraviaarrumadio na cidade, Nada eu disse. Respeitaram, 6 meu siléncio. Passei por Id uns tempos, trabalhan- do no mesmo hospital em que minha mie trabalhava. ‘Um dia, achei que era novamente a hora de parti. E assim fiz, levando comigo 2 minha mening, Bu vivia Conca Bras jorela, Tudo em mim adormecido, menos o amor por ‘minha filha. Entretanto, bons ventos também sopram, E quem me trouxe o vento da bonan¢a foi ela, minha filha. Como? Digo eu, como. Na primeira reunifo do jardim de infanca, em que matriculet Walquti, naquele momento, apreendi rio s6 as orientacdes que a professora transmitia as, ries das crancas, mas também o olha insstente da ‘moa em minha reo. B foi entfo que omenino que hrabitava em mim reapareceu cregcido; Voltel& minha {nfancia, imagens embaralhadas ge interpusham en- ‘re mim a mova. Minha me, meu pai, a operagto de spendicite, «imenstruagio de minha irma a escorrer pela perna abaixo, a minha logo depois, nés duas ou- vindo varias vezes os ensinamentos de como deviam se comportar as mocinhas e mey iro subindo em vores com o consentimento de minha mae... Neste emaranhado de lembrangas,Iéestavam o meu corpo ~inulher, a cena do estrupo, minha filha naicendo, B, de repente, iia constatagho que me apaziguou, Nto hhavia um menino em mim, ndo bavia nenhum homem deniro de mim, Eu, até entio, encarava o estupro como um castigo merecido, por no me sentir edu- ida por homens. Naquele momento, sob o olhar da- «quel mora, me dei permissto pela primeira vez. Sim, ceupodia me encantar por alguéuse ese alguém podia ser uma mulher, Eu podia desejar a minha semelhan- eset Ligeia Je Maer te, tanto quanto outras semelhantes minhas desejam cohomem. E foi entio que eu me entendi mulher, gual a todas e diferente de todas que ali estavam, Busquei novamente o olbar daquela que seria a primeir®'pro- fessora de minha fla e com quem eu aprenderia tam- béma me conhecer, ame aeitar feliz e em paz comigo mesma, O olhar dela continuava a chamar pelo meu. Respondi ao momento, O tempo de todos os dias nos conduziu, enquanto eu conduzia Walqultia para a es- ‘ola. B todos os dias passaram ser nossos, Como um chamamento a vida, Miriades me surgiu. Bu, nunca tinha sido de ninguém em oferecimento, assim como corpo algum tinha sido meu como dédiva, 6 Mirades cetive, Sé Mirtades me tev. ‘Tamanka foi a nossa flicidade. Mirfades, Wal- ‘quia e eu, Minha menina, se pal nfo teve, de mie, © carinko foi em abundancia, em dose dupla. Hoje, Mirfades brinca de esconde-eaconde em alguma outra aldxia, Hla jaz no espaco eterno, Tamara fol «nossa

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