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epi do ony 192200 de 180502 BNCC e privatizacio da Educacao Infantil: impactos na formagio de professores BNCC and privatization of child education: impacts on teacher education La BNCC y privatizacién de la Educacién Infantil: impactos en la formacién docente ROSELANE DE FATIMA CAMPOS* Universidade Federal de Santa Catarina, Florianépotis- SC. Brasil ZENILDE DURLI* Universidade Federal de Santa Catarina, Florianépotis- SC. Brasil ROSANIA CAMPOS*** Universidade da Regito de Joinville, Joinville: SC. Brasil RESUMO: A formagao de professores ¢ estratégica nos provessos de mudangas educacionaise, mais fortemente, quando elas se referem as praticas pedagégicas nas escolas. Entre 2009 a 2017, iniciativas gover- namentais objetivaram instituir uma politica nacional de formagao de profissionais domagistério da educagio bisica e, com a aprovacio da BNCCem 2017, foiestabelecida a articulagao enire dois pilares—cur- riculo e formagaio— como condigao necesséria ao desenvolvimento de uma educagao de qualidade. Neste artigo, analisamos as orienta- Ges govemamentais para a implementagao da BNC, procurando 7" Doutora em Educagio pla Universidade Federal de Santa Catarina, EProfessora Assocada da Universi- dace Federal de Sarta Catarina suandosno Curso de Pedagogin Faz parte do Comite Eaitoril da Revista Retratos da Escola. Ema -rostlane campostuiscbe> “ E mestee doutora em Educagi. E professoa titular da Universidade Feera e Sania Catarina, Ata no curso ce Pecagogia na area de Ecucago Infantile no Programa de Poe-graduagio em Esucasto. E vicelider do Grupo de Pesquisa Formagio de Drotessores Priticas de Ersino (FOPPE), Ema soruldedri6Segmal como: “ E grand em Pscogia, E Mestre Doutors em Estucagto pel Universidade Federal de Santa Catacna. Ata como professora na Graduasio en Programa de Pos Graduasio emt Educagio da Unevesudade da Regiso de oil. E-ea Ret Rens Eats ran 13, 25, p 16D joa 209 Dip ene pce crghe= 169 Rowan de Fitna Campos, Zeke use Ronin Campos 170 evidenciar a acio de redes empresariais que se constituiram, nos ilt- _mos tr8s anos, nos principais interlocutores do governo e destacar as estratégias empresariais de formacao continuada dirigidas, em parti- cular, para profissionais da educagao infantil. Palavras-chave: BNCCe educagao infantil. Privatizacao da formacao continuada. Redes empresariaisPrivatizagdo da edu- cagio infantil. ABSTRACT: Teacher training is strategic in the processes of educa- tional change and, more substantially, when they refer to pedagogical practices in schools, Between 2009 and 2017, government initiatives aimed at establishing a national policy for the training of teachers in basic education, and with the approval of National Curriculum Common Core (BNC) in 2017, the articulation between two pillars - curriculum and training - was established as anecessary condition for developing quality education. In this article, we analyze government guidelines for the implementation of BNC, seeking to highlight the action of business networks that have constituted, over the last three years, as main interlocutors of the government and demonsirate the strategies of entrepreneurship of continued formation conducted, particulazly, for professionals of the early childhood education. Keywords: BNCC and childhood education. Privatization of contin- ued formation. Business network. Privatization of child education. RESUMEN: La formacién de docentes es estratégica en los procesos de cambio educative y mas fuertemente cuando se refieren a practicas pedagégicasen las escuelas. De 2009 22017, el objetivo de as inicativas gubernamentales fue establecer una politica nacional para la capacita- ign de docentes de educacién bésica, y con la aprobacién de la Base Nacional Comin Curricular (BNCC) en 2017, la articulacién entre dos pilares (curriculo y capacitacién) se establecié como una condicién nece- saria para el desarrollo de una educacién de calidad. En este articulo, analizamos|as pautas gubernamentales para la implementacién de la BNCC, buscando resaltar la accidn de las redes empresariales quehan constituido, en los tiltimos tres atos, los principales interlocutores del gobiemo, y resaltar las estrategias empresariales de educacién continua dirigidas, en particular, alos profesionales de la educacién infantil BNC e pvt da Edvnpo nan impute na foemay de profess Palabras clave: BNCC y educacién infantil. Privatizacién de la educa- cién continua, Redes empresariales. Privatizacién de la educacion infantil. Introducio formagao de professores, seja em nivel inicial ou continuada, é considerada estratégica, pelos diferentes govemos, quando em tela encontram-se proces- sos de mudangas educacionaise, mais fortemente, se as mudangas se referirem as praticas pedagdgicas desenvolvidas nas escolas, Especificamente, no que diz respeito a formagao continuada, ha um crescente reconhecimento de sua necessidade para a qualidade do ensino, no entanto, estamos longe de termos politicas articuladas e consis- tentes visando a oferta da mesma pelos entes governamentais responsaveis pela educagio DDdsica. Os debates se intensificaram desde o final da década de 1990, tendo a LDB 9394/96 desempenhado um papel fortemente indutor, ao estabelecer requisitos obrigatérios de formagao inicial, ao mesmo tempo em que inseriu a formagao continuada como direito ¢ dimensio constituinte da valorizagdo profissional. Em 2015, 0 Conselho Nacional de Educagao editou a Resolugao CNE/CP N22, de 1? de julho de 2015 (BRASIL, 2015), esta- belecendo diretrizes nacionais para os cursos de formacio inicial e, pela primeira vez, também para a formagao continuada, O capitulo VIé dedicado aessa modalidade, con- ceituando-a, estabelecendo as modalidades e cargas horarias. Sem diivida, trata-se de ‘um importante avanco em termos de politica de formacao de professores Se por um lado tems legislagdes mais abrangentes tratando dessa tematica, sua concretizagao efetiva como politica piiblica nao se deu no mesmo compasso. Entre 2009 22017, tivemosiniciativas governamentais que objetivaram instituir uma politica nacio- nal de formacao de profissionais do magistério da educagdo basica; sio estas: 0 Decreto N® 6.755, de 29 de janeiro de 2009 (BRASIL, 2009), na gestdo de Lula; ele foi revogado pelo Decreto N*7.415, de 30 de Dezembro de 2010 (BRASIL, 2010), gestao Dilma Rous- sef. Posteriormente, em 2017, j sob o governo ilegitimo de Michel Temer, seu ministro da Educagio Mendonca Filho lanca também um novo Programa Nacional de Forma- cao, sem revogar a legislacao anterior, mas produzindo mudangas substanciais, como a abertura para o setor privatista de programas de formagio, até entdo resiritos apenas a instituigdes publicas e, excepcionalmente, também para as comunitarias'. A ascensio de um governo de corte fortemente conservador aliado ao aprofunda- mento de uma politica fiscal de forte restrigao orgamentria praticamente colocou fim as inicativas que estavam em curso. Isso ocorre juntamente com a promulgacdo pelo CNE da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educacdo infantil e ensino fundamental (BRASIL, 2017a, b, c) e, posteriormente, também para o ensino médio, Ret Rens Eats ran 13, 25, p 16D joa 209 Dip ene pce crghe= 171 Rowan de Fitna Campos, Zeke use Ronin Campos Estabelecou-se também ai a articulagao entre estes dois pilares - curriculo e formacao-, como condigéo necesséria ao desenvolvimento de uma educagao de qualidade. Lembra- mos bem, de programas de formagao continuada, concertados entre governo federal e demais entes federados, como os “PCN em agao"s estratégia desenvolvida no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) para levar até os professores e escolas, os chama- dos ‘pardmetros curriculares’ ~ da educagao infantil ao ensino médio. Essa nova conjuntura nos levou a indagar acerca dos efeitos da BNCC sobre a for- macio continuada dos professores, uma vez que a legislacio que a institui atrela sua implementagao a formagao desses profissionais. Para isso, propomo-nos, nesse artigo, a analisar as orientagdes governamentais para a implementacao da BNCC, procurando evidenciar aagdo das redes empresariais que se constituiram, nos ltimos trés anos, nos principais interlocutores do governo. Para bem mostrar essas articulagdes analisamos dois documentos, a) Guia de Implementagto da Base Nacional Cormuam Curricular—orientagies para o processo de implementacao da BNCC (BRASIL, MEC et al, 2018), analisando espe- cificamente a seco 4, destinada a orientar a formagao continuada de professores e, b) Critérios da formagdo continuada dos referenciais curriculares alinhados & BNCC (MPB, 2019), produzido pelo Movimento Todos pela Base e que é um desdobramento do primeira, Focalizamos também outras estratdgias empresariais dirigidas, em particular, para pro- fissionais da educagao infantil. A acdo empresarial - governanga e filantropia A educagao basica brasileira, atualmente, envolve um contingente de 48,5 milhdes de mairiculas de criangas e estudantes, distribuidas em 181,9 mil escolas, registrando ainda a atuagao de 2,2 milhdes de docentes (BRASIL; MEC; INEP, 2019), que atuam nas trés etapas — educagao infantil, ensino fundamental e ensino médio. Isso nos ajuda a dimen- sionar as disputas envolvidas em tomo desse vasto contexto, compreendido por muitos como “um mercado promissor”. A privatizagao da formagao dos professores para aedu- cago basica segue ascendente', impulsionada agora pela implementagao da BNC, pois, como veremos adiante, a formaciio ¢ considerada estratégica e necessiria ao sucesso da mesma, Na perspectiva dos reformadores, mudancas no contexto das escolas sto mais eficazes se contarem com a adesdo dos professores, uma vez que cabe aestes a tarefa de ‘transformar’ o que esta sendo projetado em agdes efetivas, formatadas nos processos de ensino-aprendizagem. Visam ainda produzir consensos e adesdes para um proceso em que a maioria foi excluida, nesse caso, das discussées ¢ decisdes acerca da BNCC. Tanto na versio final da BNCC como em suas vers6es preliminares, na Resolu- cdo CNE/CP n? 2/2017 (BRASIL, 2017b) eno Parecer CNE/CP n® 15/2017, de 15/12/2017 (BRASIL, 2017a) que Ihe acompanha, a necessidade da formacdo continuada ¢ ressal- tada, articulando-se a trés outros pilares: na Brag v 15 m 25 p SSDS Janus 2019 Dupe em chnppnavestece ge BNC e pvt da Edvnpo nan impute na foemay de profess $1°A BNC deve fundamentara concepso,formulacio, implementacdo,avaliacao ‘erevisto dos currculos, econsexuentemente, das propostas pexlagégicas das ins- tituigdes escolares,contribuindo, desse modo, para a articulagao e coordenagao de politica eagbes edacacionais desenwolvidas em ambito federal, estadual, istrital cemunicipal especialmente em reac formagio de professor, &acxiag da aren gem. dfnigho de recursos didtins eos citerios dfnidres de wfcestruturaadequada ara opleo desenvotoimento da oferta de educngio de quatidade (sem gifos no original) (BRASIL, 201720), A formagao continuada é tratada também no Art. 8% inciso VII, onde aponta-se anecessidade de criacio e disponibilizacao de “materiais de orientagto para os professo- res, bem como manter processos permanentes de desenvolvimento docente. que possibilitem continuo aperfeigoamento da gestao do ensino e aprendizagem, em consonancia com a proposta pedagégica da instituigdo ou rede de ensino”; no art. 17%, menciona-se ade- quagio e alinhamento dos curriculos dos cursos e programas destinados a formagao a BNCC, com destaque importante a formagao continuada: “A adequagio dos cursos ¢ pro- _gvamas destinados & formagto continuada de professores pode ter inicio a partir da publicagto da BNCC” (art. 17, “§ 18). No mesmo artigo determina-se que o MEC “deve proporcionar ferramentas tecnolégicas que propiciem a formagao pertinente, no prazo de até I (um) ano, a ser desenvolvida em colaboragao com os sistemas de ensino (art. 17°§ 2). Como podemos verificar, a BNCC nao é apenas uma nova politica curricular. Ao contrézio, orga- nniza-se como um forte dispositivo de indugdo a mudancas em outros setores da politica educacional, a saber: na de formacao de professores, na de avaliagéo, na de produgio de materiais e insumos tecnolégicos e na do livro didatico. Os efeitos dessa politica no avango e alargamento com a incluso de novas ‘Areas’ de privatizagao serdo mostrados mais aadiante nesse texto. Paraimplementar a BNC, 0 governo federal, por meio do MEC, buscow construir uma conceriasao nacional, articulando, de um lado, uma triade de representagdes vincu- ladas aos processos de regulacao local - Conselho Nacional de Secretarios de Educ: (Consed), Unido Nacional dos Dirigentes Municipais de Educagao (Undime), Forum, Nacional dos Conselhos Estaduais de Educagao e Distrito Federal (NCEE) e Unido Nacional dos Conselhos Municipais de Educagao (Uname) e, de outro, também uma ti- ade de redes empresariais que passaram a se constituir nos principais interlocutoresnesse processo.‘Ora, se a presenca de empresézios na educacdo nao énova, visto que aeducagio fem se constituido em uma excelente area de negécios, contudo é mais recente a emer- géncia de movimentos empresariais constituidosna forma de redes e, embora nao atuem diretamente na venda de servigos educacionais, se constituem como think tans, influen- Giando fortemente as politicas govemamentais para educagao. Sao exemplares nesse sentido, as redes empresariais representadas pelo Movimento pela Base, Movimento Todos pela Educagao e Instituto Ayrton Senna. Nas palavras de Michetti (2018, p. 15): Reva Reps dns Sean 15, 25 p 16D, pet 209 Dispel ene capes cng 13 Rowan de Fitna Campos, Zeke Dus Rovsia Cape Instituto efundagdesligados ao mundo corporative buscar enunciar-sea par- tirdas dua fentes, como “sociedacte civil” e como agremiagio de “especialistas”. Buscam evocar as cuas especies de capital simbclico em jogo no arranj de legit- smidade Entretanto, boa parte de sua posigto éassegurada por um capital que no seexplicitanos debates, ando ser de forma criticaa partir de fora domicleo de for- smagio da base, Trata-e do capital econdmico, 20 mesmo tempo improntuncvel e _ubiquomo que tange & presenga desses agentes no espagp social que temosem tla Como o capital econdmico nao é visto como legitimo nesse debate, seus detentores Dbuscam recorrer suas fontes de legitimidade que apontames (Olmedo e Ball (2011) analisam essas novas configuragies de relacées entre governos € 05 setores privados, chamando a atengao para o que denominam de ‘nova filantropia’, ‘filantropia empreendedora’ cuja tamente doagdes com resultados: (, orientada pela légica do mercado, vincula dire- 0s ‘novos’ filantropos querem assegurar que seus ‘investimentos’ em tempo e dinheiro desembocardo em resultados concretos e mensurdves[.J. Ela [nova flantropial define novos papeis e novas relagdes no ambito da acto publica e do desenvolvimento, cria novos lugares de agdo pblica e modifica as redes de acdo rblicaexstentes (OLMEDO; BALL; 2011, p.119, radugto nossa). Aaascensio dessas tedes ocorte tanto no nivel global como local (BALL, 2018; AVE- LAR; BALL, 2017) e servem fortemente a difusdo, fortalecimento e legitimacao da nova governamentalidade neoliberal (BALL, 2018; DARDOT e LAVAL, 2016), implicando também novas formas de governar ~baseadas em valores como competitividade, resul- tados e responsabilizacao. Shamir (2008) faz uma interessante andlise desse proceso, a que denomina de “moralizacao do mercado”, destacando a nogio de govemanca como “representagio de uma matriz neoliberal de autoridade”: ‘Em geral, governanga significa a mudanca da configuracio da autoridade —delega- lista, burocriticae centralizada de cima para baixo, para uma configuragioreflexiva, autorregulatdria e horizontal de “mercado”. Esta ultima configuracio ¢ modelada para seguiralgica das eles de mercado competitvas, através das quais vrios ‘atores formalmente iguais (agindo ou aspirando a atuar como fontes de autori- dade) consultam, negociam e competem pela implantagdo de varios instrumentos de autoridade (leis, regulamentos, codigos, diretrizes, padroes, rétulos, etc.) tanto cde maneira intrisenca, quanto em suas relagdes entre si) (SHAMIR, 2208, p, 3, tra- usao nossa. Nao se trata, todavia, de um esvaziamento do Estado, mas sim de novas modalida- des ou formas de interseogdo entre o poder estatal ¢ o empresarial. As fronteiras entre Estado e setor privado tendem a ficar ‘borradas’, mantendo-se, no entanto, 0 estado comoum ator vital, ow seja, como um“..] ciador de mercado, como iniciador de opor- tunidades, como reformulador e modernizador” (BALL, 2018, p. 2, radugdo nossa). A govemnanca, como o modo de governo, esta também intimamente associada a introdu- <0 do idedrio e das “ferramentas” da nova gestdo piiblica (NGP) na administragao do 174 na Brag v 15 m 25 p SSDS Janus 2019 Dupe em chnppnavestece ge BNC e pvt da Edvnpo nan impute na foemay de profess aparelho de Estado e nas politicas puiblicas, de um modo geral. Como bem assinalam Dardot e Laval (2016, p. 272), 0 neoliberalismo, na sua forma atual, visa a “transforma- sao da agio piiblica, tomando o Estado uma esfera que também é regida por regras da concorréncia e submetida as exigéncias de eficacia semelhantes aquelas a que se sujei- tam as empresas privadas’ Em sintese, observa-se que a atuagio coordenada entre os entes governamentaise as redes de filantropia empresarial sao orientadas pela concepsio de govemnanga, seja como anétodo de agdo, ou como principio de gestao. Resta evidente que temos um movimento do campo empresarial em diregao ao campo educacional, ‘colonizando-o' néo apenas como discurso gerencial, mas também coma criacao de metodologias, normas, orienta- 40s oficiais, porém nao regulamentadas, acordadas entre os atores que pactuaram este empreendimento. Dizendo de outro modo, se ha uma BNCC regulamentada, nao existe, por outzo lado, nenhuma regulamentacio sobre como deve ser feita a sua implantacdo. O documento intitulado Guia de Implementagto da Base Nacional Comum Curricular -orien- tagdes para o processo de implementacto da BNCC (BRASIL; MEC et al, 2018), assinado pelo MEC, Consed, Undime, FNCEE e Uncme, construido com o apoio técnico do Movimento Pela Base (MPB), representa bem essas novas formas de distribuigdo de poder — policén- trico, sem hierarquias ascendentes, ou de cima para baixo’, criando “espacos politicos heterarquicos” (OLMEDO, 2013) que caracterizam o “modelo de governanca’” Formando professoras e professores da EI O documento Guia de Implementagto, apresenta a seco 4, Formagto Continuada para novos curriculos, anunciando em sua apresentacio que os “professores terdo a opor- tunidade de serem formados para o trabalho com os novos curriculos” (BRASIL; MEC et al, 2018, s/p), definindo, na sequéncia, o conjunto de agdes a serem realizadas. A pri- meira destas ¢ o estabelecimento da govemanga (estruturada em tems de diviso de responsabilidades e tarefas, monitoramento e avaliagao). A racionalidade que preside o modelo de formasio proposto se expressa ¢é constituida por dois conjuntos de premissas, saber: 1) Premissas relacionadas ao planejamento e execugdo da formacio: a) regime de colaboragéo;) continuidade;¢) formacao no dia-a-dia; d) coeréncia;e) uso de evidéncias, 2) Premissas relacionadas & metodologia de formagao (sem cuivida, a mais importante, pois se delineia aqui como deve ser a formagao). Sao estas: a) Foco no desenvolvimento de competéncias e habilidades; b) Metodologias ativas;c) Trabalho colaborativo; d) Foco em como desenvolver 0s conhecimentos;e) Uso de dados. Estas premissas evidenciam a retomada dos principios da formagao por compe- téncias que orientou a Resolugdo CNE/CP 01/2002 (CAMPOS, 2002; DURLI, 2007), acrescentando-se a esta concepsao de formagao a introdugao de procedimentos de Rent Rena d t,ra 16985 an at 209. Dpeivel ene peerage 175 Rowan de Fitna Campos, Zeke use Ronin Campos controle pedagdgico sobre o trabalho docente, o compartilhamento de ‘boas praticas’, destacando-se o trabalho colaborativo entre os professores, a centralidade da perspec- tiva instrumental de formagao. Por exemplo, na premissa “Foco em como desenvolver os conhecimentos', 185 aspectos so apontados como necessérios formagao continuada: i) o conhecimento pedaggico geral (ex. como montar um plano de aula); ii) o conheci- mento do contetido em si: ii) 0 conhecimento pedagégico do contexido, ou seja, “como 0s estudantes desenvolvem determinada habilidade e como apoiar esse desenvolvi- mento através do ensino (BRASIL; MEC et al, 2018 : 39), Também no item Uso de dados, afirma-se que: (uso dos resultados educacionais deve fazer parte da metodologia de formasio, para que sea contextualizada edirecionada para as necessidades reais dos professo- resedos estudantes. A formacgo continuada deve apoiar os professores na analise dos resultados edisceconais das tarmas eno (repanejamento deaulas uz do pro- gresso dos estudantes (BRASIL; MEC etal, 2018: 39) O Guia também oferece, de forma detalhada, indicagdes para a elaboragao de um planejamento e execucto da formagto, com as seguintes etapas: a) Realizagio do diagnéstico; +) Planejar a formagao; c) Executar a formagao; d) Monitorar a formagao. Dado o escopo deste artigo, nao ¢ possivel apresentar e analisar cada uma destas dimensdes; destaca- ‘mos, no enianto, a légica que a orienta — do diagndstico aos resultados, incluindo-se 0 monitoramento das agdes que, deve fato, induz a avaliagao da performance e do engaja- mento dos professores com as aces propostas. A metodologia indicada priorizao local, escola, o grupo de pares. Visa, supostamente, & partilha de poder e envolvimento de todos; cria compromissos e responsabilizagdes, trazendo para o terreno da escola os principios morais que orientam a filantropia empreendedora, Nao ha regras preestabe- lecidas tudo pode ser acordado no local, desde que os resuiltados sejam alcangados. As premissas so aquelas da governanca — poder policéntrico (equipes nacional, esta- dais, regionais, municipais e de escolas); responsabilizagao (definigao dos perfis e dos componentes de cada equipe, distribuicio de tarefas, cronogramase metas); monitora- mento dos resultados (primeiro, dos resultados do processo de formagio e, depois, pela verificagdo dos impactos da ago docente na aprendizagem dos estudantes, via as ava- Tiagdes em larga escala). Outro documento que analisamos intitula-se Critérios da formacto continuata dos refe- C (MPB, 2019), elaborado pelo Movimento pela Base. Apresenta-se como complementar & segdo 4 do Guia de Implementagto, estabelecendo referencial conceitual que deve orientar a construgdo das propostas de formagao pro- priamente ditas. E um bom exemplar dessa ‘interseccao’ das agdes dos representantes governamentais com as redes empresariais. Seu foco sd0 0s gestores e tem como “objetivo apresentar os critérios fundamentais para pensar a organizar a formacao continuada para 0 curriculos alinhados a BNC”. Informa que pretendem apresentar “questionamentos, renciais curriculares alinhados & BN 176 na Brag v 15 m 25 p SSDS Janus 2019 Dupe em chnppnavestece ge BNC e pvt da Edvnpo nan impute na foemay de profess estratégias e boas priticas para desenihar 0 modelo de formagdo que mais se adequa as necessidades da cada rede, em linguagem clara e acessivel, de forma pratica, objetivae concisa” (MPB, 2019, p.3) Abre para a construgao do consenso com as/0s profissionais, apostando na valori- zagao da autonomia, pois se sabe que sem a adesio ativa dos professores a BNCC nao terd éxito: “a formacdo deve ainda evidenciar o curriculo como ferramenta de autono- mia, trazendo mais poder e possibilidade de escotha ao professor. [..] A formagao pode abrir caminho para um percurso mais autdnomo, em que o professor possa ter condi- ges de ensinar cada vez melhor” (MPB, 2019, p. 3) Sao estabelecidos oitocritrios balizadores para uma proposta de formagao vinculada BNCC: a) A formagio continuada nao deve ser um evento tinico ou isolado; b) A for- magdo continuada é mais eficaz com materiais alinhados ao referencial curricular ou & BNCC que indicam ao professor o como fazer e o aproximam da pritica; c) A formagio continuada deve se apoiar nas competéncias, nos objetos de conhecimento/habilidades em procedimentos e praticas pedaggicas; d) A formacao continuada deve proporcio- nar ao professor desenvolver as competéncias gerais por meio da vivéncia profissional; e) A formacao continuada deve reconhecer e valorizar as experiéncias dos professores, ajudando a transformar sua pratica; d) A formagdo continuada deve ensinar 0 profes- sora refletir sobre sua pratica; f) A formagao continuada deve identificar os desafios de aprendizagem dos professores para priorizar o que sera trabalhado; g) A formacio con- tinuada deve estabelecer um ciclo permanente de diagnéstico, agdo e monitoramento e avaliagdo. Retoma-se a formagao por competéncias que fundamentou a reforma da for- magéo de professores empreendida em 2002, com a Resolugo CNE/CP 01/2002, com destaque para a concepgao de ‘homologia de processos’, assim definida: “se refere a um principio de formagao cuja a ideia é que o professor ‘experiencie as atitudes, modelos didaticos, capacidades e modos de organizagao que se pretende que vena a ser desem- penhado nas suas priticas pedagégicas” (BRASIL, 2002, p. 38). No caso especifico da educacdo infantil, os materiais disponibilizados pelo MEC e redes empresariais sao de dois tipos a) materiais esclarecendo o que é o curriculo da educagao infantil; b) materiais traduzindo’ ou interpretando o curriculo e, mais especi- ficamente, os seus componentes organizativos, ou seja, os campos de experiencia. Omaterial de apoio disponibilizado pelo MEC-na forma de PowerPoint - visa orien- tar as unidades de educagao infantil a (re)elaborar seus curriculos. Intitulado “Construgto Curricular na Educagto Infantil -algumas consideragdes” (BRASIL; MEC, 2018) apresenta, na seco 4, algumas recomendagées: a produgio de um “documento simples, acessivel que deixe claro para os professores que habilidades as criangas precisam desenvolver”; orienta as equipes de gestao para que exemplifiquem sobre o ‘como’ o curriculo pode ser implantado em sala de aula, epor fim, recomenda a formacio continuada de profes- sores, sem no entanto, apresentar mais indicagées sobre ela. Rent Rena d t,ra 16985 an at 209. Dpeivel ene peerage 7 Rowan de Fitna Campos, Zeke use Ronin Campos Por fim, a linguagem do empreendedorismo difundida pelas redes empresariais manifesta-se numa parte intitulada ‘Oportunidade de inovagao’. Nao por acaso os itens listados sao aqueles que mais sio defendidos pelos profissionais da educagao infantil e pesquisadores da drea. Ou seja, pretende-se com essa operagao discursiva atenuar medos e resisténcias derivados da exigéncia para que se implante algo que pouco se conhece (campos de experiéncias) e de cuja elaboracio se foi alijado. Segue o slogan ‘transforme 0 risco em uma oportunidade’, tao ao gosto dos filantropos empreendedores. A inver- sto ética emoral contidanesse slogan ‘oportunidade de inovacdo’, também é digna de nota — transforma a coergio, posto que a BNCC ¢ obrigatéria, em uma ‘oportunidade’, palavra esta que contém em germe, a questo da escolha e da obtengao de algum bene- ficio, nesse caso, de ordem subjetiva: ‘oportunidade de inovagio’ pode ser traduzido, como “estamos dando a oportunidade para que vocé se inove, mude, melhore seu tra- balho”. Como dizem Dardot e Laval (2016, p. 342), retomando a expressdo de Lacan de “gerentes da alma’, introduz-se uma nova forma de govemno (no sentido da norma neo- liberal), que “consiste em guiar os sujeitos fazendo-os assumir plenamente a expectativa de certo comportamento e certa stbjetividade no trabalho”. Aéniasenesse “governo das almas” & 0 que encontramos também em materiais difun- didos pelos sitios de redes empresariais e de empresas vinculadas a essas redes. Assim, por exemplo, é que o sitio do Movimento pela Base disponibiliza também um conjunto de materiais dirigidos as/os professoras/es atuantesna educacao infantil, so estes:o livro, em formato online, Campos de experifncias : fetioando direitos eaprendizagens na educagao infantil, de autoria de Zilma de Moraes Ramos de Oliveira (OLIVEIRA, 2018); um material intera- tivo intitulado como Campos de Experiéncias - PDF interativo, versio simplificada do documento citado acima e um conjunto de cards voltadas a disseminagao dos campos de experiéncias. Além destes, ¢ disponibilizado também um curso destinado a pro- fessores, no formato a distincia, também focalizando os campos de experiéncia. Este curso esta disponibilizado no sitio da Revista Nova Escola’, sendo oferecido pela Fun- dagdo Maria Cecilia Souto Vidigal, Instituto Singularidades e Movimento pela Base ‘Ajudar’ a interpretar 05 elementos organizativos da BNCC/EI os campos de expe- rigncias — tem sido o objetivo explicitado, uma vez que o formato e a propria adogao de ‘um curriculo nacional para esta etapa da educagao basica tem sido alvo de muitas criti cas. A preservacao da particularidade constitutiva da educado infantil em suas relagdes com as etapas seguintes da escolarizagio encontra-se sob tensdio, uma vez que a perspec- tiva tecnicista adotada na BNCC aponta para um modelo curricular assentado na logica prépria da “forma escolar de socializacio” (VINCENT, 1994), Resulta disso uma organizagdo curricular marcada pelo paradoxo entre, de um lado, os ‘campos de experiéncias’ definidos como multidisciplinares e abertos e, ao mesmo tempo, seu ‘fechamento’ pelo estabelecimento de objetivos comportamentais por campos e faixas etarias. Este paradoxo tem mobilizado os movimentos empresariais eos proprios 178 na Brag v 15 m 25 p SSDS Janus 2019 Dupe em chnppnavestece ge BNC e pvt da Edvnpo nan impute na foemay de profess agentes governamentais, preocupados todos com a obtencio dos resultados, nesse caso, materializados nos objetivos de aprendizagem. Por isso, a énfase das produgées feitas pelas redes empresariais recai sobre os campos de experiéncia - como trabalhar estes, com que materiais, tipos de atividades, como monitorar os resultados etc. ‘Tomamos como uma ‘iniciativa exemplar’ que expressa bem este paradoxo os mate- riais desenvolvidos pela Assoviagto Noow Esvoli’,cyja mantenedora 6a Fundagio Lemann, ‘um dos principais atores empresariais no Movimento pela Base. Em seu sitio ha um vasto acervo de materiais destinados aos profissionais da educagao, com elevada priorizagdo a difusdo e implementagdo da BNCC. Inovagées educacionais e pedagégicas, divulga- sao de ‘boas priticas’, oferta de materiais, de cursos a distancia compdem o vasto arsenal disponibilizado, Destacamos aqui a disponibilizagio do livro, no formato digital, BCC NA PRATICA: Educagio Infantil, produzido conjuntamente com a Fundagao Lemann, e aoferta de cursos de formacdo. Os cursos — total de 12 - tém carga hordria de 10 horas, alguns sio gratuitos e outros pagos. Os gratuitos sao oferecidos pela Fundagao Ttatt Social e pela Fundagao Maria Cecilia Souto Vidigal. Chama também bastante atencio a dis- ponibilizagao de um vasto acervo de planos de aula — especificamente para a educagio infantil sio oferecidos 634. De acordo com a Associacio: (Oprojeto Planos de Aula NOVA ESCOLA é a primeira agdo em escala nacional 2a ciar materiais online e gratuits, para sala de aula, alinhados & Base Nacional ‘Comum Curricular (BNC) da Educacto Infantile do Ensino Fundamental. O obje- tivo do projeto€ disponibilizar planejamentos,deias de boas atvidades resolugtes comentadas referéncias de formacéo para todos os professores do Brasil, sempre «om atidado de colocar oaluno no centro da aprendizagem [.. A iniiativa da “Associagfo Nova Escola teve inicio em 2017, com o apoio da Fundacio Leman ¢ doGoegleorg® ‘A produgao dos planos é realizada por um conjunto de profissionais atuantes no projeto e tem como principal apoio o Instituto Alana’. Os planos disponibilizados seguem um padrio comum titulocampo de experiéncia/objetivos, apresentados de acordo com 0s cédtigos da BNC; em sua composi¢ao consta os itens: “contextos prévios”, “mate- riais”, “espacos”, “tempos”, “perguntas para guiar a observacao” (do desenvolvimento do plano), Nos desdobramentos, hd orientagdes especificas a0 desenvolvimento dele: “o que fazer antes”; “o que fazer durante”, “desdobramentos’”, “engajamentos’. Nao é possivel neste artigo analisar de forma mais aprofundada esses planos, toda- via, gostariamos de ressaltar o carater paradoxal desses materiais, posto que cumprem, a uum sé tempo, as fungGes de orientacao e de controle sobre a aco pedagégica. O desejo de controlar 0 ato pedagégico pelos propositores dos “planos de aulas” fica bem exemplif- cado na segdo “o que fazer durante”: um script detalhado é apresentado e uma narrativa projetada da “aula” ganha terreno, Nas interpretagies oferecidas, campos de experiéncias ‘vao se tomando componentes curriculares e suas atividades e contetdo a serem ensinados. Reva Reps dns Sean 15, 25 p 16D, pet 209 Dispel ene capes cng 179 Rowan de Fitna Campos, Zeke use Ronin Campos Nesse sentido, o controle centralizado dos curriculos da educagio infantil institu- ido pela BNCC se reproduz também nessas iniciativas, que objetivam controlar suas possiveis interpretagdes pelos professores. Mais do que isso, a aclesio dos profissionais a esses materiais, que visam substituir sua “expertise”, tem como substrato necessario a producdo discursiva dos érgdos governamentais e empresariais dos professores como responsiveis pela falta de qualidade da educagao. Lopes e Borges (2017) tragam uma importante andlise acerca das politicas curriculares atuais e as normatividades constru- ‘das com vistas a fazer a ‘educagao funcionay’, Dizem as autoras, ancoradas em Biesta (2014), que pretender expulsar 0s riscos da educagéo significa “assumimos a possibili- dade de também expulsar o préprio sentido de educar. Segundo ele, cada vez mais vem sendo fortalecido entre politicos, midia, organizagdes governamentais e nao governa- mentais, 0 discurso de que algo precisa ser feito para assegurar que os riscos fiquem fora da educagio” (LOPES; BORGES, 2017, p. 562). Pode-se compreender também por ai os esforgos de introdugao de métodos padronizados, os comités de governanga, as indica- ges e orientacdes e monitoramento e avaliagao, estratégias estas visando garantir uma implementagio da Base, “tal como ela” Emaome de que aeducastose tome “forte, segura, provsivel”,edifica-e uma ati tudejentendimento deque a educagao pode se olacada sab total controle. Ouseja, agica do controle sobce as poiticascuriculares, quer ej pela politic de avalia- ‘Go, pelo controle da interpretacéo via conhecimento ou ainda por meio de teorias currculaes prescritvase propostivas, apoia-seno deseo de que no hej sco {quanto a0 sucess dos proceseos educativos ou quanto a garantia de alcance da 40 propalada educagéo de qualidade (uma expresséo que tudo pretende dizer, mas que pouco consegue airmar) (LOPES; BORGES, 2017, p. 562) Consideracdes finais Nao énovidade que a formagdo continuada de professores é um campo de disp {as e, historicamente, ¢ Area de atuagao privilegiada pelos empresérios de educagao. Contudo, a construgao e implementacdo da BNC impulsionou a agao de redes empre- sariais que passaram a agir de forma mais orgénica e articulada. Citamos aqui aquelas que foram os principaisinterlocutores do governo federal: Movimento pela BNC, Todos pela Educacio e Instituto Ayrton Senna, Suas agdes, conjugadas aquelas de representa- ses como o Consed, Undime, FNEE, Uncme, ganharam capilaridade e se estenderam por todos os estados da federacdo. A emergéncia das redes de organizacées empresariais inaugura uma nova forma de agir empresarial, mais articulada e mais organica, configu- rando-se, no sentido gramsciano, como aparelhos privados de hegemonia. Sua atuacio ocorre de forma direta, portam um novo discurso sobre a filantropia ~ que passa a ser 180 na Brag v 15 m 25 p SSDS Janus 2019 Dupe em chnppnavestece ge BNC e pvt da Edvnpo nan impute na foemay de profess designada como “investimento social privado” e atuam como fortes indutores de meto- dologias empresariais na gestao publica. Ball e Youdell (2007), ao discutir os processos de privatizacio da educagao diferen- ciam este processo em dois tipos distintos: privatizagio DA educagao e (privatizagao exégena) e privatizacao NA educacao (privatizacao endégena). A primeira forma, “implica a importagio de ideias, téenicas e praticas vindas do setor privado coma fina- lidade de tomar a setor piiblico mais receptivo ao espirito das empresas’, jé a segunda forma, “implica abertura dos servigos puiblicos educativos a uma participacdo do setor privado com fins lucrativos”. Ainda segundo o autor, a privatizagao ¢ uma ferramenta politica endo um simples abandono da educacio pelo Estado em gerenciar e responder as necessidades sociais. Dito de outra maneira, essas redes empresariais se constituem em importantes provedores privados de servigos educacionais, o quenem sempre ocore sob a forma de venda de produtos. Como bem destaca Ball (2018, p. 2): A relagio do Estado com provedores privados de servicos educacionais é agora ‘comumente articulada pela logica de mercado, dentro da qual e Estado x torna um cried de mercados, contratante e monitorador, enquantoo setor pricadoe outros provedo- resassumem cua vez mais trabalho pric do govern, no sentido imediatoe mundano (Gem grifosno origina, radugio nossa). Outro aspecto que merece ser destacado sao as interseoges entre a criagao de novos mercados e sua regulacao por meio das chamadas praticas de governanga. Como ja mostramos anteriormente, ha uma profunda redefinicao das relagées entre as esferas piblicas e privadas, nao caracterizada pela “retirada” ou delegagio de responsabilida- des do Estado para outros. Novas formas de regulacao e introdugao de concepgdes e ferramentas da gestdo empresarial nao visam enfraquecer o Estado, antes, buscaram seu fortalecimento na perspectiva dos valores e das formas de governo a que se designa de “neoliberal”. A ascensio da “nova gestao piiblica” como paradigma de administragao do Estado expressa bem esse “giro” da “coisa” piiblica a logica do mercado. Uma nova racionalidade se espraia e opera na produgao de subjetividades mais afeitas & légica do capitalismo atual - a capacidade de empreender passa a ser tratada quase como uma caracteristica “natural” e, associada a novos valores de moralidade, compée 0s novos dispositivos discursivos que apontam para a necessidade de se formar, se educar um novo tipo de sujeito social. Saber empreender, desenvolver atitudes de boa governanga, renovar suas compe- téncias e habilidades, desenvolver a capacidade de se auto-avaliar, de cumprir metas, enfim, ser competitivo, cbservando as regras/valores morais que orientam a relagdesnos mercados. Esse ideario é proprio das redes empresariais que aqui mencionamos, Sua atuagao, no entanto, ocorre de forma diferenciada, porém combinada. No que tange a implementagao da BNC, observamos uma “divisdo de tarefas” entres as mesmas. Assim, por exemplo, o Instituto Ayrton Senna “conversa” mais com as “escolas” eos professores. Ret Rens Eats ran 13, 25, p 16D joa 209 Dip ene pce crghe= 181 Rowan de Fitna Campos, Zeke use Ronin Campos Disponibiliza materiais interativos com orientagdes para a construgio do curriculo na escola. Centra-se mais na parte inicial destes — principios e concepgdes orientadores. Diferente das outras organizagées, assume como tema central da reforma curricular 0 conceito de educagao integral, vinculando-0 a formagao por competéncias. Jao Movimento pela Base atua no sentido da “macro-politica” educacional. Prioriza aimplementagdo da Base a partir de orientagdes para os gestores - secretirios de educa- saoe gestores de escolas. Atuando também na “macro-politica” insere-se no Movinerto tovdos pela educagio, cuja agenda prioriza sete metas, focalizando a educagio bisica. Den- tre essas prioridades esta a implementagao da BNC. Sio oportunas as palavras de Ball a respeito dessas novas relacdes entre Estado e as empresas que atuam mediante suas organizagoes filantrépic: les ompresase sous representantes] assumem papéisdeniradodiscurto da inie- cstrutura da reforma educacinal, convertenioa politica educaconal em um tipo diferente do linguagem,investido com clientes tipos de relacionamentos, iat esses e propos, Concomitantement, os paps ea estrutura do Estado estio smudando, Cada ver mais, Estados efo monitors, contralantes definidores de melas em vez de responsdveis pela pestago deservigos. OEstado tome regu: ladore criador de mercado em sma complexa rede de eelagbes com um coajunta diversifcado de atores ede orgarizacées (BALL, 2018, p. 12) Considerando a atual conjuntura brasileira, nao hA indicios de que a formagio con- tinuada de professores avance no sentido de uma politica publica. A politica econémica marcadamente de austeridade neoliberal e 05 cortes intensos no orgamento destinado a educagio, avizinha-se um tempo em que a formagao de professores ficar a mercé dos empresarios da educagio. Nesse sentido, manuais e materiais didaticos se constituem, em rico filio, Citamos um exemplo: pela primeira vez um edital do PNLD (2018), incluiu livros didaticos para professores da educagao infantil. Nao por acaso, dois destes séo edi- tados pelo Grupo Positivo, o grupo que mais vende o que Adrido (2015; 2017a; 2017b) nomeou como “sistemas privados de ensino”. Recebido en: 25/05/2019 e aprovado ent: 07/06/2019 Notas 1 Sobre politicas de formagso de professores, ct SILVA, K. A CP. C. (2018); BRZEZINSKI, | (2014); SANTOS, E.O. Q011)-FREITAS, HL 2007). 2. Parimetros em Agio. Programa desenvolvida a partir de 1998 pela Secretaria de Educagso Fundamental do Ministério da Educac3o (SEFIMEQ),cxjo objetivo foi a formagao continuada de professores, de forma 182 jn rn 2019 Dapeng b> BNC e pvt da Edvnpo nan impute na foemay de profess a facilitar a leitura, andlise discussio e implementagao dos Parémetros @ dos Referenciais Curticulares Naconais. 3 CEGATILB.A etal 2019), 4 Esta concertagao entre govemo e empresirios se manifesta e se organiza em mutas agdes dente as quais, lestacamos: a promogdo de semunsrios (antes e apds a promulyagio da ENC), engajamento de sntelectur ais especializacios em experiénciascurriculares no Brasil eem outros paises, a producio de dacumentos de orientacao, o fomecimento de servos de assessoria, disponibilizacao de videos, de aulas online. para tar os mais divulgades. 5. CE.CAMPOS Reselane Fstima (2002), 6 hitpsy/cursos novaescola.org:be/euss0/4469/0s-campos-de-experiencias na-bace-da-educacae infantil! resumo. Acesso em 13/05/2019. De acorto com informagbes constantes em seu sitio, a “Associagto Nova Escola uma organizagio sem ‘ns lucraivos, com missio de produzircontexdos e servigas de ata qualidade paza protessores e gestores ddo Brasil”. Anteriormente, as Revistas Nova Escola (existe hi mais de 30 anes) e Gestio Escolar eram pu- blicadas pela Fundacao Victor Civita. Em 2015, a Fundagao Lemann faz a aquisic2o das mesmas, criando a Assoaagio Nova Escola, Hoje, Nova Escola tem hoje 23 mites de visitantes tnicos por més em seus sites, 1 mulhao de seguidores no Facebook 60 mul asinantes em sua revista impressa. CE. itp=/nowa- escola org brplano-ie-aula/sobre 8 Disponivel em hitps:/;novaescola org briplano-ce-aula/sobre, Acesso em 23/05/2019. 9 Ck infomagtes dispontbilizadas no sitio do Alana (httpsi/alana.orgbr/), ele é “uma organizagio de ‘impacto socoambiental que promove 0 dixetlo © © desenvolvimento integral da cianga e fomenta novas formas de ber viver. Para tanto, estruturou-se em ts frente: Instituto Alana; AlanaLab; e Alana Foundation. O Instituto ~ “uma organizagao da sociedade civil, sem fins hucrativos’: AlanaL ab € nticleo de negicios, “que busca transformacio Socal por meio do snvestimento em empresas e inscatvas de comunicagao de impacto"; Alana Foundation ¢ “uma organizagio flantrépica funciada em 2012 nos Estados Unidos, 10 Para mais informagies acerca do Mercado privado na oferta de cursos de formagio de profescores, cf. Gatti, B.A. et al 2019); Adrito (2017, 2015). Referéncias ADRIAO, T. A privatizacéo dos processos pedagigicos: Grupos esitoriais e os negécios na eucagao ‘bdsica, In: MARINGONI G. (Org). O negécio da Educagio. Sio Paulo: Olho D’agua/ Fepesp, 2017. .129-144. Disponivel em: https/www researchgate.net/publication/S24000183 ct al, Sistemas de ensino privados na educagio piiblica brasileira: consequéncias da nercantilizagdo para o diteito & educacéo. Sao Paulo, 2015, [Relatério de pesquisa] AVELAR, M; BALL, S. 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