BNCC, Agenda Global E Formacao Docente National Learning Standards, Global Agenda, and Teacher Education BNCC, Agenda Mundial y Formacién Docente ALVARO MOREIRA HYPOLITO* Universidade Federal de Pelotas, Pelotas- RS. Brasil RESUMO: O texto discute a BNC como parte de uma agenda global sua influéncia nas politicas de formacio dovente. A fim de contribuir coma discussio, 0 texto esta onganizado com o objetivo de mostrar relagGes entre polticas globais e politicas curriculares nacionais, para iscutir essas politicas e formagio docente, Demonstra que ha uma agenda global estruturada localmente, a partir de grupos hegeméni- os, nem sempre coesos, mas que tém obtido sucesso em impor stias propostas, mudando profundamente a formagao docente. Palavras-chave: Curriculo Nacional. Reforma Educacional. Formagio Docente. ABSTRACT: The paper discusses the Brazilian National Learnings Standards (BNCC) as part of a global agenda and its influence on teacher education policies. Inorder to contribute to the discussion, the text aims at showing relationships between global policies and national curriculum policies, to discuss these policies and teacher education. It demonstrates that thereis alocally structured global agenda, based on hegemonic groups not always cohesive, but that have been successful inimposing their proposals and changing teacher education. Key-words: National Learning Standards, Educational Reform, Teacher Education. * E doutor em Curriculum and Instruction na Universidade de Wisconsin, Madison. E Professor Titular da Universidade Federal de Pelotas, onde exerceu a fungio de Pro-Reitor de Graduagao, Atualmente € 0 Coordenador do Programa de Pas-Graduagio em Educagao e coordena © CEPE da UFPeL, Et: salvarehypolitosgmaicom>, Rent Rena d t,ra pat 209 Depa ene pees crghe= 187Aas Movesa spats RESUMEN: El texto discute el BNCC como parte de una agenda global y su influencia en las politicas de formacién docente. Con el fin de contribuir a la discusién, el texto esta organizado con el objetivo de mostrar las relaciones entre las politicas globales y las politicas curri- culares nacionales, para discutir estas politics y laformacién docente. Demuestra que existe una agenda global estructurada localmente, ‘asada en grupos hegeménicos, no siempre armoniosos, pero que han tenido éxito en imponer sus propuestas, cambiando profundamente laformacién docente. Palabras clave: Curriculum Nacional. Reforma Educativa. Formacion Docente, da definigao de um Curriculo Nacional para a educacao brasileira. Desde os anos de 1990, apés a aprovagio da Constituigdo de 1988 ¢ o inicio da discusséo de uma nova LDB, comecam a existir, de forma mais intensa, debates em torno do que deveria ser um curriculo para a Educagao Basica, por vezes, um debate menos direto, por vezes, mais direto. Logo apés a aprovagéo da nova LDB, em 1996, este debate apa- rece com mais forga com a discusso dos Parametros Curriculares Nacionais (SILVA; GENTILI, 1996; BRASIL, 1997). De para ci, houve uma série de debates, agdes, movi- mentos, criticas, defesas (nem sempre muito explicitas) em torno da necessidade ou no de um curriculo nacional. Nesse sentido, tivems primeiro a defini¢do dos Pardmetros Curriculares Nacio- nais, Parametros em Acao, Diretrizes Curriculares Nacionais e,no debate do tiltimo PNE, outros conceitos foram sendo introduzidos, tais como “expectativas de aprendizagem’, “direitos de aprendizagem’, ora para confundir, ora para reintroduzir o tema do curri- culo nacional, dada a baixa recepsao nas escolas e entre pesquisadores da area. De todo modo, sempre houve, mesmo que de modo sub-repticio, uma mobilidade pela definigo de uma base nacional até que se chegou a uma proposta de Base Nacional Comum Cur- ricular, que passou a ser defendida seja pelo MEC, por muitos think tanks cada vez mais influentes, seja via entidades ndo-governamentais, fundacées ou consultorias privadas, e por muitos académicos, em geral de fora do campo do curriculo, pois aANPEd eo GT- -Curriculo sempre se posicionaram contrarios a uma definigao de curriculo nacional (O movimento Todos pela Educagdo desempenhou, nos tiltimos anos, um papel decisivo para a agenda educacional, em especial para que a educagao brasileira se tome compativel com a agenda global (MARTINS, 2016). 0 Todos pela Educasao eas entidades que gravitam sob sua indluéncia, bem como varios Grgaos governamentais e associagdes A Base Nacional Comum Curricular é 0 resultado de longos embates em torno 188NCC Agenda Global e Fema Doce de dirigentes educacionais, passaram a desempenhar um papel determinante para a aprovasao da BNCC (AVELAR; BALL, 2019). O Movimento pela Base é um exemplo desse tipo de articulaco. Para contribuir com a discussao sobre a BNC relacionada com uma agenda glo- bale com a formacao docente, este texto esta organizado em trés secGes: i) uma primeira, que tem por objetivo mostrar algumas relagdes entze politicas globais e politicas curzi- culares nacionais; i) uma segunda, que visa relacionar a BNC com polit mais amplas; ii) e, por fim, uma discusso sobre essas politicas ¢ a formagio docente. cas nacionais, Uma agenda global a ser cumprida localmente Porintermédio de alguns documentos e de andlises realizadas por pesquisadores, pretende-se apresentar aportes bem definidos, articulados por agéncias multilaterais, para definir um projeto de educagdo que esteja articulado com um projeto global de educagio. Pelo menos desde 2001, vem sendo articulado um movimento global denominado GERM — Global Education Reform Moviment (Movimento Global de Reforma da Educagio), «que visa fortalecer as reformas educacionais por meio do que chama de eficdcia dos sis- temas educacionais, Esté articulado em torno de trés principios da politica educacional padrdes, prestagdo de contas e descentralizagao. De forma sintética, esses principios do GERM, sio apresentados na Tabela 1, conforme Verger e colaboradores (2018). Nos trés eixos destacados, esto definidas as orientagdes para as politicas que deve ser perseguiidas. Em termos de padronizacao, basicamente esta prescrito um curriculo nacional que estabeleca padrdes de qualidade, a partir de avaliagdes nacionais com metas ¢ padrdes de aprendizagem alcangaveis. Em termos de descentralizagao, advoga-se a transferéncia de competéncias e de responsabilidades para os niveis locais de administra- a0 do sistema escolar, de modo que as avaliagdes nacionais sirvam para responsabilizar e controlar as autoridades em seus diferentes niveis de competéncia. Esta descentraliza- ao tem por meta responsabilizar as equipes diretivas eas escolas pelo desempenho nas avaliagdese, assim, 05 sistemas de avaliacao sao utilizados como um governo a distancia, por meio de uma gestio de resultados. Em termos de accountability, tanto no sentido de responsabilizagio como de prestagao de contas, os atores educacionais sdo responsabili- zadlos pelo desempenho/periormance por intermédio de avaliagGes com consequéncias, 0 quepretende ser aleancado tanto por uma accountability administrativa, em que osresul- tados dos exames s4o vinculados a prémios ou sanges, na forma de incentivos salariais ou de recursos financeiros ou materiais para as escolas, e/ou por uma accountability de mercado, em que 05 resultados sao utilizados tanto para politicas de escolha escolar como para incentivar a competicao entre escolas. Revit Renae Eats ra 13, 25 pS joa 209 Depa ne pce cghe= 189Aas Movesa spats Tabela 1 - O papel das avaliagdes nacionais para 0 GERM! eerie Definigdes e principais politicas Fungo das avaliacdes nacionais Prescrigio de um Curriculo Nacional Avaliaghes nacionais para garantir Padronizacio eestabelecimento de padréesde que alcanoem as metas eadiram a qualidade padroes de aprendizagem avaliaveis Avaliagdes nacionais utlizadas para controlar as autoridades estatais, regionaiselocais ‘Transfertacia de competncias e autoridade de um governo central para niveis mais locais de gesta0 Descentralizacio Avaliagesnacionais utlizadas para governara distancia iniimeros prestadores autnomos por meio dos principios da gestfo de resultados Devotugio das responsabilidades gerenciais e/ou pedagégicas para diretores eescoias, Accountability Administrativa— resultados dos exames vinculados a incentivos ou sangdes a escolas, Atores educacionais diretores e docentes; responsabilizados por suas acbes€ resultados por meio de algum tipo de avaliagao com consequéncias, Accoustability Accountability de mercado — sesultados para aus nas poliicas deescolha escolare promovera competigio entre escolas; Fonte VERGER PARCEIA FOSTDEVILA 2308 rats Como se pode observar, 0 tema do curriculo nacional est associado com processos de avaliagdo e testes padronizados e diretamente vinculado a essas politicas sedimenta- das como programa de uma reforma global. Dois documentos do Banco Mundial sto importantes para evidenciar outros aspec- tos deste projeto e para relacioné-1o com uma agenda mais ampla, Lois Weiner e Mary Compton (2016) analisam o documento do Banco Mundial “Professores excelentes~ como melhorar a aprendizagem dos estudantes na América Latina eno Caribe’, assinado por Burnes e Luque (2015),e destacam algumas cinco premissas que consideram a base do entendimento deste documento. Segundo as autoras, as premissas sao: * Premissa 1:a pobreza na América Latina e Caribe pode ser mais efeticamente redu- ida por intermédio da reforma educacional. Isso quer dizer que o mito de que a educago éa redencao de todos os males ainda ppersiste, embora os investimentos em edhucagao sejam precarios e insuficientes na regiao. A solugao da desigualdade social é deslocada da economia e da politica para a reforma educacional. O problema da pobreza passa a ser resolvido por uma solugao da reforma 190 Foods Brea w 13 9.25 p 167-201 ens 2019 Degen chnppnarestce geNCC Agenda Global e Fema Doce educacional: melhorar a qualidade da escola. A qualidade da escola obviamente conce- bida como a qualidade dependente dos testes, das avaliagdes e do mercado. 2:a América Latina e 0 Caribe constituem um contexto politic, eco- nnomico, sociale educacional tnico em que a mesma politica educacional pode ser Aplicada com efeito igual e positivo. © Premis Esta segunda premissa reafirma a reforma global, haja vista que, se com pequenos ajustes, dado que uma ampla regido como a América Latina e o Caribe constituem um contexto tinico, uma mesma politica educacional pode ser aplicada sem prejuizo. Por- tanto, basta transferir para contextos locais, politicas pensadas globalmente. Stephen Ball (2014), considerando os diferentes atores e contextos, bem como as dindmicas proprias de cada contexto, prefere denominar tais processos como mobilidade de politicas e ndo ‘transfertncia, no sentido de que tais politicas sao deslocadas e adaptadas de acordo com interesses globais e locais. Ademais, as politicas globais somente se deslocam, se movem. e sdo aceitas, porque coincidem com os interesses das elites locais e porque, nas Telacies globais, uns tém mais poder que outros, por isso importa saber quem globaliza quem (SANTOS, 2002). E evidente que este é sempre um processo impositivo, estruturalmente agendado com base em interesses socioecondmicos do desenvolvimento do capitalismo global, e que a premissa colocada como uma possibilidade liquida e certa é um engodo para justificar a prdpria reforma, como se diferentes contextos nao exigissem diferentes alternativas educativas. + Premissa 3: melhorar a qualidade docente, conforme capturada pelo desempenho dos estudantes em testes padronizados e medidas de valor agregado (vam), éa forma mais eficaz de melhorar os resultados educacionais na América Latina e Caribe. Reduzir a afericdo da qualidade do trabalho docente a resultados de testes padroni- Zados e mesmo a medidas de valor agregado é reduzir a qualidade do trabalho docente testes de multipla escolha. Em estudo anterior, lvoe Hypolito (2017) demonstram que uma mesma docente de Séries Iniciais trabalhava em duas escolas puiblicas, uma com o melhor IDEB ¢ outra com o pior IDEB do municipio, o que impée o incontornavel fato de que o desempenho nos exames ¢ relativo a muitos fatores e que a qualidade do tra- batho docente nao pode ser aferida por métricas simplistas. As condigdes de trabalho € de salirio a que o magistério esta submetido so muito precérias, estando as escolas piblicas, elas préprias, em condigdes também muito precarias. Além disso, o financia- mento da educagao piblica é bastante insuficiente, assim como a formacio docente, que esté submetida a regras e condigdes muito distantes daquelas consideradas adequadas. Com efeito, esta premissa ¢ absolutamente inadequada para aferir qualidade docente. Reva Reps dns Sean 15, 25 p ISTO, pak 209 Diep ene capes cog 191Aas Movesa spats # Premissa 4:aaixa qualidade dacente, medida pelo uso do tempo de ensino, demons- fra que a composigto do magistério deve ser nudada, A medida utilizada para indicar a baixa qualidade docente de acordo como tempo de ensino ¢ muito criticada pelas autoras Weiner e Compton (2016). Além de indicar a imprecisio dos instrumentos utilizados e sua inadlequacdo por serem aplicados fora de contexto (instrumento criado e testado nos EUA, aplicado com classes de criangas de pai- ses em desenvolvimento). Nas paginas 8 e 9 do referido artigo, as autoras mostram que tanto 0 instrumento quanto a pesquisa que origina o relatério do Banco Mundial, neste particular, sdo criticados por outro documento do préprio Banco, e nao esta citado no relatério que expressa a premissa 4. Além disso, o estudo nao leva em conta outros tra- balhos, os quais demonstram que criangas e docentes em um mesmo contexto cultural podem elevar a proficiéncia, emrazio do desenvolvimento de uma pedagogia cultural- mente relevante, em que 0s tempos de ensino nao coincidem com as meétricas de estudos com vieses quantitativos fora de contexto. * Premissa 5: 0 obsticulo primario para melhorar a educagto pela elecagto da quua- lidade docente é 0 poder politico dos sindicatos de professores, os quais, por esse motivo, devem ser profundamente enfraquecids. Esta tiltima premissa expressa a visio politica ha muito enfatizada pelo neolibe- ralismo: os sindicatos docentes séo corporativos; nao compreendem a necessidade da reforma; emperram e boicotam qualquer iniciativa de melhorar a qualidade do ensino; etc etc. etc. Tais argumentos so bem conhecidos De fato, 0s sindicatos docentes tém sido uma base importante de resistencia as reformas ¢ o tinico caminho para melhorar as condigées de trabalho do professorado. Os sindicatos tém sido cruciais para reivindicar mais financiamento para a educacao publica, methoria das condigdes de trabalho e da oferta educacional, em termos de con- digdes fisico-materiais das escolas, bem como para garantir uma autonomia do trabalho e da liberdade de expressdo no ensino, Em periodos como o que estamos vivendo, grande parte das criticas aos docentes foi redirecionada para um contetido neoconservador, e grupos como o MBL ¢ Escola sem Partido vém assumindo a liderana dos ataques a0 magistério. Essa pode ser mais uma demonstragio da alianga neoliberal, neoconservadora, com grupos populistas-autoritiriose setores da classe média, alianga sobre a qual Apple (1999; 2000; 2003), descleatltima década do século passado, vem nos alertando, em fungio do crescimento do que ele chama Modernizacao Conservadora, e muitos de nds ficamos surpresos que ela esteja hegeménica entre nds. Para esta alianga, os sindicatos docentes sto uma ameaga & sociedade tradicional, conservadora e religiosa. 192 na Eran v 15 n 25 p 167201 jonas 2019 Depend ee chppnavestece geNCC Agenda Global e Fema Doce Esta nesta mesma linha, ou pelo menos conectado a ela, o relatério publicado pelo Banco Mundial: “Lim ajuste justo —andlise da eficiéncia e equidade do gasto piblico no Brasil” (2017). Apés uma década de crescimento econémico, 0 Brasil, com uma economia dirigida por economistas de grupos financeiros, comesa a entrar em crise, que perdura até hoje, e, com este relatério, o Banco Mundial indica uma série de medidas para um ajuste “justo”. Dentre elas, ha algumas para o campo ediucacional, que vale muito a pena ‘ranscrever para ilustrar a abrangéncia dessas politicas. As sugestdes para o campo educacional incuem reformas para aumentar, segundo visio ja conhecida do Banco, aeficiéncia e a equidade, com o objetivo de reduzir 0 custo fiscal. Segundo o relatério, quanto ao Ensino Fundamental e Médio, 6 possivel econo- anizar algo em tomo de 1% do PIB com a melhoria da eficiéncia nesses niveis de ensino, sem comprometer os servigos prestados. Algumas opedes de reforma para aumentar a eficiéncia nesses niveis de ensino encontram-se resumidas abaixo: i. Permitir o aumento da razdo aluno-professor nas escolas mais ineficientes para, gradualmente, chegar a niveis de eficiéncia por meio da nao reposicao dos profes- sores que se aposentarem. Em media, a fronteira de eficiéncia seria atingida no en- sino fundamental até 2027, se os professores aposentados no forem repostos; no ensino médio, a fronteira seria atingida até 2026. Somente esta medida economiza- ria até 0,33% do PIB. Outra recomendacao para os municipios que precisarem repor 05 professores que se aposentarem seria limitar a contratacao de novos professores concursados, cuja demissdo é extremamente dificil ecujos custos so significativos, tuma vez que eles se aposentam ceco com vencimentos integrals. fi, Expandir e compartilhar experiéncias positivas de gestdo escolar que demonstra~ ram bons resultados em varios estados e municipios do pais. Alguns bons exem- pos (..) sao: a nomeacao dos diretores escolares com base em seu desempenho ¢ experiéncia (e nao por indicagoes politicas); o pagamento de bonus aos professo- res ¢ funciondrios com base no desempenho das escolas; a adaptacao das politicas estaduais a necessidades locais espectficas; 0 compartilhamento de experiéncias e melhores priticas; e o destaque &s escolas com desempenho melhor. A contrata- «a0 de empresas privadas para o fornecimento de servigos de educacao também poderia melhorar o desempenho ea eficiéncia dos gastos publicos com educacao. As escolas charéer provavelmente teriam mais flexibilidade para gerir seus recursos humanos. Por poderem ser penalizadas por mau desempenho, elas baseariam as decisdes sobre contratacao, demissdo, promogdes e salérios no desempento indivi- dual dos professores, endo em sua estabilidade ou antiguidade. No entanto, talvez sejam necessérias novas leis federais, estaduais e municipais para permitir PPPs no Ensino Basico. (2017, p. 136-7) As recomendagGes contidas neste relatdrio ja so conhecidas de muitos gestores e algumas delas sao aplicadas ou jé foram experimentadas em alguns dos sistemas muni- pais ou estaduais de educagao. Custa a crer que tais recomendagoes tenham sido feitas por especialistas da educacio, certamente, ndo por muitos, mas, com certeza, como aval de alguns. Propor o aumento de estudantes por turma para “equilibrar’ o numero de doventes é algo completamente fora da realidade da educagéo no pais, onde jéhha turmas Revit Renae Eats ra 13, 25 pS joa 209 Depa ne pce cghe= 193Aas Movesa spats enormes e, mesmo que fossem pequenas, so classes de dificil manejo pedagégico, dadas as desfavoriveis condigdes sociais, econdmicas e culturais em muitas comunidades. A nao reposicio de docentes aposentados vai provocar 0 caos em muitos sistemas. A gestio democratica, além de ser uma garantia legal, foi uma conquista de muitos movimentos sociais e docentes, assim a eleicdo de diretores e de conselhos escolares é ‘uma experiencia bem exitosa em muitas escolas puiblicas ¢ frequentemente esta associada amelhoria de desempenho da escola e dos estudantes (LEITE et al, 2012), de modo mais positive para as comunidades do que modelos politico-administrativos behavioristas de compensagao, prémios e punigdes, como o que esta sugerido no documento do Banco, tipo pagamento de bénus por desempenho escolar. Experiéncias de gestao democratica ¢ de projetos pedagdgicos coletivos exitosos nio sio divulgados. Praticas gerenciais de cunho pragmatico, no entanto, sao amplamente recomendadas. A privatizagio de servigos e de escolas, seja pelo incremento das parcerias piblico- -privadas, seja pelo estimulo as escolas charter, sd0 experiéncias jé muito bem analisadas e com resultados pifios, como demonstra Diane Ravitch (2010), ao analisar a educagao nos EUA, e Freitas (2018), ao discutir as politicas nacionais como a Reforma Empresa- rial da Educagao, Tanto nos EUA como no Brasil, o posicionamento na dlassificacao de desempenho no exame PISA (sistema de avaliacdo internacional da OCDE) mantém- -se com pouca alteragao ha varios anos. No caso brasileiro, ha décadas. Os avangos na melhoria da qualidade da educagao no Brasil, apés algumas décadas de gerencialismo na Educacdo, sto pifios, para ndo dizer vergonhosos frente ao investimento de milhdes de reais nos sistemas de avaliagao federal, estaduais e municipais. BNCC como politica global/local E nesse contexto local e global que a reforma curricular BNC foi constituida, com o apoio de grupos e instituigdes ligadas ao Todos pela Educagao e por loiies de funda- 6605, institutos e entidades, com ou sem fins lucrativos, com interesses muito definidos em torno de um mercado educacional biliondrio que envolve venda de materiais peda- gégicos, consultorias privadas e prestacdo de servigos, a im de substituir o que hoje é realizado pelas escolas e pelo sistema puiblico de educagio? Omodelo ¢ o gerencialismo pretendido pelo GERM e pelas politicas neoliberais. Este modelo, que implica em parcerias piblico-privadas, com a terceirizagao da produ- cdo de materiais didaticos e venda de sistemas apostilados, com a inclusdo de sistemas de gestdo educacional, na forma de aplicativos ow plataformas digitais, que monitoram. todo o sistema administrativo e pedagégico, retira das escolas e do professorado 0 con- tole sobre o que deve ser ensinado e como deve ser ensinado, 194 na Eran v 15 n 25 p 167201 jonas 2019 Depend ee chppnavestece geNCC Agenda Global e Fema Doce A promessa é que, com essa linha de trabalho, a qualidade do ensino vai atingir os melhores indices do IDEB. Para melhor averiguar andamento dessa melhoria é pre- ciso que se desencadeiem aces de accountability e de responsabilizacio, afim de que a “sociedade” possa verificar o mais préximo possivel do tempo real qual ¢ o desempe- ho da educagao de seus filhos, Para que essa dinamica seja verdadeira, 6 necessarioe imprescindivel, que coexista com tais ages um sistema amplo de avaliacio, o que pode ser denominado sistema de avaliagao em larga escala. Atualmente, modelos de provase avaliagdes desse tipo tomaram-se quase uma regra para estados e municipios, embora haja um sistema bastante complexo jé onganizado em nivel federal. Nesse ambiente, é que politicas de controle sobre os livros didaticos e uso de varia- dos tipos de materiais de ensino passam a ser exigidos em escala, a fim de tomar objeto de mercado todos os materiais, inclusive aqueles que so distribuidos pelas redes publi- cas, Como mencionado anteriormente,tais politicas incluem sistemas de gestio que estdo muito em uso e sdo significativamente rentaveis, pois muitos cobram pelo niimero de senhas utilizadas no sistema (SILVA, 2018). Essas dindmicas propostas para a educagao publica obtém éxito somente se forem acompanhadas de testes e exames padronizados, preconizados pelos sistemas de avaliagao em voga. E com esta lgica que uma base nacional curricular passa a ser imprescindivel. Muitos dos argumentos em defesa de uma base curricular so sedutores, pois apresentam um discurso que aparenta ser verdadeiro: como as criangas de classes trabalhadoras, pobres, com pouco capital cultural, poderdo ficar sem diseitos de apren- dizagem? como poderdo obter um conhecimento valioso se ndo estiver garantido um curriculo que seja comum para todos? Muitos académicos respeitaveis, a meu ver, embar- caram nessa canoa furadae trabalharam muito para obter o melhor produto possivel, em termos de qualidade curricular. Muitos contribuiram na elaboracio tanto da primeira como da segunda versio da BNCC. A terceira versio a foi bastante conservadora endo absorveu muitos dos preceitos liberais para uma educacao piiblica, Apple (1999) alertava que a definigao de um conhecimento oficial significa a exclu- io de vozese de culturas subaltemas. A confluéncia de interesses em too da definigao de um curiculo nacional ou de um conhecimento oficial, portanto, pode ser contradi- t6ria, Muitos aspectos so negociaveis, Outros nao sto negociveis. Enquanto grapos neoliberais podem nao ter preconceitos a minorias LGBT, grupos neoconservadores e religiosos podem ser muito homofdbicos e racistas. E por essas contradigdes que o con- ‘tole sobre 05 contetidos dos livros didaticos nao é pouca coisa, pois se trata de publicar vvisdes sobre género, familia, evolucionismo, criacionismo, dentre muitos temas polémi- cos em torno do curriculo (Apple, 2003). Regra geral, a definicdo de um curriculo nacional pressupée uma homogeneiza- ao cultural, pois algumas vozes calardo e outras poderdo ser ensurdecedoras. Pode-se caminhar para um empobrecimento curricular. A justisa curricular que seria possivel Revit Renae Eats ra 13, 25 pS joa 209 Depa ne pce cghe= 195Aas Movesa spats com uma melhor distribuicdo de conhecimento, muitas vezes, precisa ser desigual. Nao se pode aceitar uma escola pobre para as populagdes pobres, A terceira versio da BNC passa a ter mais influéncia e controle de grupos neocon- servadores e populistas-autoritarios. Praticamente todo o grupo vinculado a academia retirara-se ou fora excluido. A versio resultante, além dos problemas advindos de qualquer ideia de base nacional, apresenta ainda contetidos muito retrégrados e con- servadores, pois, mesmo que grupos alinhados com a politica neoliberal ocupassem cargos no Ministério da Educagdo, ndo conseguiram barrar a influéncia de grupos mais conservadores, como o movimento Escola sem Partido. O temaem tomo de género, por exemplo, foi retirado completamente. Todavia, grupos neoliberais apoiaram a eleicdo do atual presidente com ailusio de que manteriam o controle sobre as politicas mais neoliberais, incluindo a BNC, sistemas de avaliacao, provas nacionais, formagio docente e negociando, indusive, aindicagio do futuro ministro. Grupos religiosos e conservadores, entretanto, atuaram decisivamente para bloquear indicagées mais liberais e impuseram uma indicagao mais conservadora ideologicamente, logo, mais alinhada com os principios da Escola sem Partido, do cria- cionismo e de uma visio conservadora de género, atacando o que chamam de ideologia de género. Atualmente, o MEC ainda convive com problemas interns oriundos dessas dispu- tas, mas j expressa politicas ultraliberais e neoconservadoras sobre a Educagio Basica ¢ a Educagao Superior, retirando recursos de ambas e prometendo politicas privatistas para as universidades. Nesse ambiente ainda incerto em muitos aspects, a propria politica de implantagio da BNCC esta confusa por parte do MEG, sendo que muitos estados e municipios aguardam iniciativas, uma vez que no presente momento nao se sabe qual vai ser aestratégia para as ages referentes & NCC. Nem mesmo as parcerias com fundagdes eentidades, que teriam tum papel nesse processo de implantagio como assessoria a0s estados, esto definidas. BNCC e Formacio Docente Hoje a escola esta crivada por politicas que pretendem submeté-la cada vez mais a0 mercado ¢ ao neoconservadorismo. Nao obstante, o controle sobre o cotidiano escolar em muito passa pelo controle da formagao docente. Assim, os efeitos do gerencialismoe do conservadorismo sobre o curriculo, sobre a gestio e sobre o trabalho docente sio pro- fundos e atingem o cotidiano escolar. As politicas de avaliagao reforgam todo este apelo conservador em relacdo a escola, contudo as acdes docentes de resisténcia esto presen- tesna reinterpretacdo ena traducao das politicas, conforme analisa Ball e colaboradores (2012), Uma dessas ages passa pela formasao docente. 196 na Eran v 15 n 25 p 167201 jonas 2019 Depend ee chppnavestece geNCC Agenda Global e Fema Doce Asnovas diretrizes para os cursos de Licenciaturas, aprovadas pelo CNE e que deveriam estar implantadas em todas as universidades, tém sido adiadas e ficado em suspenso, o que leva a crer que novas diretrizes esto sendo pensadas, mas nao discuti- das. As diretrizes aprovadas pelo CNE passaram por um processo bastante abrangente de discussao. E uma proposta que tenta solucionar um impasse antigo nos cursos de for- magio: compatiilizar o aumento de carga horiia geral com o aumento de horas teéricas de fundamentagdo e o também aumento de horas de pratica, sem dicotomia na formagio. © que se tem observado, no entanto, como tendéncia no contexto das reformas ¢ 0 aligeiramento dos cursos de formagao, seja em cursos répidos ou condensados e simpli- ficados ministrados por faculdades de qualidade duvidosa, seja em cursos a distancia ou em cursos baratos voltados para uma formacdo focada no mercado, A politica nacional de formagao docente vinha convergindo para uma légica, do ponto de vista do método, muito préxima da BNCC. A dindmica seria algo como des- crito na Figura 1 Figura 1. Encadeamento legal para a BNC e a Politica Nacional de Formagio | Constituigao Politica Nacional Diretrizes | LDB i A " Federal Curricular Nacionais Sear (ret a Um dos argumentos que busca sustentar a imposigao legal da BNCC é a determi- nagdo em lei da necessidade de uma Politica Nacional Curricular. Ora, uma Politica Nacional Curricular ja tivemos com os Pardimetros e com as Diretrizes Nacionais e isso bastava para as escolas desenvolverem seu trabalho, o que para muitos jé era criticado como um tipo de curriculo nacional. A literatura sobre tal questao é vasta, Mas isso sem- pre foi insuficiente para quem advoga que para melhorar a qualidade da escola publica énecessdria uma educagio gerencialistas, voltada aos interesses biliondrios domercado. Ainda néo temos uma BNCC para a formagio docente, mas este podera ser 0 proximo passo, para alguns, pois para outros grupos, que advogam a necessidade de desregulamentar a formagao docente no sentido de que qualquer pessoa graduada em qualquer drea com uma répida formagdo possa ser professor, nem tal iniciativa sera neces- siria. Isso ndo esta distante, como se pode ver pela semelhanga dos programas Tevch for All, Teach for America, Teach First e Ensina Brasil. Reva Reps dns Sean 15, 25 p ISTO, pak 209 Diep ene capes cog 197,Aas Movesa spats (Os modelos de formagao docente adotados pelo Tench For All sdo esquemas forte- mente patrocinados e apoiados por corporagées e pelas novas filantropias privadas. Teact {for Allé um esquema global, uma versio mais articulada do Teach For America (EUA) edo Teach First (Inglaterra e paises sob sua influéncia). A verséo brasileira é 0 Ensina! Brasil. Teach for All descreve-se como “[.. uma rede global de empreendedores sociais traba- Thando para expandir as oportunidades educacionais em seus paises [..] sua missio é expandir intemnacionalmente as oportunidades educacionais aumentando e acelerando co impacto desses empreendimentos sociais.” (BALL et al, 2013, p.17, nota 1). O programa Ensina Brasil faz parte da rede Teach for All. O programa apresenta a seguinte proposta: recrutar graduados de boas universidades, fazer uma formacao basica de 250 horas e uma parte de formagao continuada de 1830 horas, para dar aulas em esco- Jas vulnerdveis, com remuneracao, como mostrado na pagina do programa ena figura 2. Figura 2— Sintese da proposta de formagio docente do ENSINA BRASIL, — = Sawsnis(—) Fermi asses — ‘pera bacharéis (EaD) Lance pears emma, ee tee ee = oa Peat we anes ie res Seamer eae. fel “rots a oh Winton EEE "Belin rede de alumni 1 Mn decors oss re : a. seas Fonte igo NSA BRAS aun en OS (S205, capes msg restate em gOS ZOOL LIN pt Este tipo de programa nao é incompativel com a politica curricular BNC. O Ensina Brasil esta em consondncia com os apoiadores de politicas neoliberais gerencialistas. 0 programa ¢ apoiado ou tem como parceiros, por exemplo, Itai Social, Insper, Fundagio Lemann, Elos Educacional, Kroton, dentre outros. Sua finalidade é retirar das universidades a formagao docente e mostrar que é pos- sivel jovens recém graduados treinados poderem tornar-se docentes, por um periodo curto de dois ou trés anos, Nao ha contradigao com a BNC, pois basta aplicar materiais e pacotes jé orientados para a consecugao do curriculo previsto na base. Atualmente, coma possibilidade legal de terceirizagao das atividades fim e do trabalho voluntixio, ficou mais flexivel e possivel que esses jovens recrutados sejam remunerados por pre- feituras, como trabalho temporario, e com bolsas articuladas pelas entidades parceiras. 198NCC Agenda Global e Fema Doce A meta nao é longevidade para esse tipo de programa, A meta ¢ flexibilizar o trabalho dovente ea sua formagao. Nesse sentido, a formagio docente feita em cursos université- ros, baseada no ensino ena pesquisa, esta ameacada e podera ser substituida por outra, realizada em cursos de fato aligeirados e baratos. Como nao se vislumbra amédio prazo uma melhoria das condicées de trabalho e de salario que possam atrair jovens talento- sos para a profissdo, ha uma possibilidade real de que programas desse tipo e cursos mediocres ganhem espago na formagao docente. A inresponsabilidade dessas politicas éimensa, pois, diferentemente do que apregoam os reformistas, tais politicas nao sto baseadas em evidéncias. O que este texto tenta demonstrar é que ha uma agenda global que vai se estrutu- rando localmente, a partir de grupos hegeménicos, nem sempre coesos, ora mais liberais, ora mais ultraliberais, ora neoconservadores e autoritarios, mas que tém obtido sucesso em impor sua agenda que assume formas mtiltiplas de atender os ditames do mercado € dos interesses conservadores. A BNCC esta no centro desses interesses e, a meu ver, tem servido tanto para aprofundar interesses de mercado como interesses em torno do controle sobre o conhecimento, com as investidas ideolégicas conservadoras. A resisténcia tem sido forte e podera ser longa, mas nao se pode desistir da busca de uma educacio social, coletiva, culturalmente relevante e que busque umajustiga cur- ricular e social. Recebido em 10/06/2019 e aprovado em 25/06/2019 Notas 1 Tradusio live. 2. VerLimae Hypotto (prec). 3 Veroartigode Avelare Ball (2019) sobreo mapeamento desses grupos ativos nas politicas educacionaisno Brasil 4 Indico esta tese que apresenta dactos musto contundentes sobre 0s processos de privatizagdo, consultoias privadas e utilizagso de plataformas em sistemas piblicos de ensino (SILVA, 2018). Referéncias APPLE, Michael W. Conhecimento oficial: a educacio demacratica numa era conservadora. ed. Petrépolis: Vozes, 1999, Revit Renae Eats ra 13, 25 pS joa 209 Depa ne pce cghe= 199Aas Movesa spats APPLE, Michael W. Politica cultural e educacdo, Sao Paulo: Cortez, 2000. APPLE, Michael W. Educando a direita: mercados, padrdes, Deus e desigualdade S40 Paulo: Corte: Instituto Paulo Freire, 2003. AVELAR, Marina; BALL, Stephen J. Mapping new philanthropy and the heterarchical state: The Mobilization for the National Learning Standards in Brazil. International Journal of Educational Development, n. 64, p. 6-73, 2019 BALL, Stephen J. 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