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POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO SUS E ATENÇÃO BÁSICA

A política de saúde mental brasileira é fruto de um movimento


transformador que se propunha a desconstruir os saberes fundantes da
psiquiatria. Este movimento emerge no final da década de 1970, no mesmo
contexto do SUS. Neste contexto a luta por direitos era uma bandeira. A
reforma sanitária, que deu origem ao SUS, e a reforma psiquiátrica são
nascidas com a redemocratização do país e, fazem parte de um Brasil que
escolheu garantir a todos os cidadãos o direito a saúde. O movimento de
reforma psiquiátrica se expressa por um projeto produzido coletivamente
visando mudanças no modelo de atenção e gestão do cuidado.
Amarante (2007) considera que a reforma psiquiátrica brasileira
pressupõe mudanças em quatro dimensões:
Epistemológica e conceitual – esta dimensão envolve a construção de novos
conceitos para suprir as novas necessidades oriundas da reforma psiquiátrica
Tecnoassistencial – a dimensão tecnoassistencial relaciona-se com a
incorporação das estratégias de construção de novas tecnologias e
abordagens assistenciais
Jurídico legislativa – nesta dimensão estão incluídas as transformações e
construções legislativas que darão suporte ao processo de reforma
Sócio cultural – quando se fala de dimensão sócio cultural está se referindo ao
estimulo necessário para que a pessoas repensem seus princípios,
preconceitos e suas opiniões sobre loucura.
No bojo deste movimento de reforma a Lei 10216 (2001) que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtorno mental e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental foi promulgada depois de
mais de 10 anos de tramitação no Congresso Nacional. Esta lei é considerada
o marco da reforma psiquiátrica brasileira e redireciona a política de saúde
mental no SUS. A partir dela fica garantido que pessoas com transtornos
mentais devem ser tratadas com humanidade e respeito e no interesse
exclusivo de beneficiar sua saúde, tendo acesso ao melhor tratamento do
sistema de saúde, em um modelo assistencial que em nada se assemelha ao
modelo manicomial. Com a Lei 10216 fica definido que o tratamento visará,
como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
Neste sentido, vão se constituindo novos serviços como Centros de
convivência (CECCOS) – que buscam fortalecer a inclusão social dos sujeitos
em sofrimento psíquico através do trabalho, cultura, lazer e convivência;
Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) – casas localizadas no espaço
urbano, constituídas para responder a necessidade de moradia de pessoas
portadoras de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não e os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Os CAPS são regulamentados pela Portaria 336 (2002). Estes serviços
constituem-se como serviços ambulatoriais de atenção diária que funcionam
sob a lógica do território. A concepção do CAPS se aproxima da atenção
básica visto que ambos seguem a lógica do território. Alem disso, os CAPS tem
como atribuição supervisionar e capacitar às equipes de atenção básica no
âmbito do seu território.
Eles são divididos em 5 modalidades CAPS I, II e III – que diferem-se
pela abrangência populacional adscrita, composição da equipe mínima e
horário de funcionamento; CAPSi II – voltados para crianças e adolescentes e
CAPS adII voltados para indivíduos com transtornos relacionados ao uso de
álcool e outras drogas.
A partir deste novo modelo de saúde mental se faz necessário criar
ambientes favoráveis à multiplicação das inovações no campo. É preciso um
exercício constante de aproximação da sociedade com a loucura. Saúde
mental e saúde "geral" não são dissociadas. Muitas queixas que chegam aos
serviços de saúde são demandas de saúde mental. Além disso, mesmo que os
profissionais não percebam, realizam algumas ações de saúde mental. A
atenção básica não foge a isto.
A atenção básica deve possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao
sistema de saúde, inclusive aos demandantes por cuidado em saúde mental. O
cuidado nesta área não é nada de outro mundo ou algo alem do trabalho
cotidiano da atenção básica. A atenção básica considera o sujeito em sua
singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir atenção integral. A
inclusão das ações de saúde mental na atenção básica pode ser vista como
uma nova forma de lidar com o sofrimento psíquico, pretendendo romper com
saberes e práticas do campo da saúde mental. Ações de saúde mental na
atenção básica é um possível caminho para uma clínica integral, favorecendo
outros modos de lidar com a loucura.
A estratégia de saúde da família (ESF), estratégia prioritária para
desenvolvimento das ações de atenção básica é o principal dispositivo para
viabilizar a inclusão da saúde mental na atenção básica. Com ela é possível
desconstruir o estigma excludente da loucura, garantindo que o sujeito em
sofrimento disponha do mesmo espaço disponível para todos os cidadãos.
Todos os profissionais da ESF podem e devem realizar ações de saúde
mental. O acolhimento por eles realizado contribui ara a formação de vínculo e
prática de cuidado. Os serviços devem estar disponíveis par acolher e
acompanhar a pessoa em sofrimento psíquico, e caso necessário, compartilhar
o cuidado com outros serviços.
A inclusão das ações de saúde mental na atenção básica é uma potente
estratégia para a consolidação da reforma psiquiátrica visto que promove
transformações na dimensão tecnoassistencial e também interfere na
dimensão sócio cultural, uma vez que promove e amplia os espaços de
circulação das pessoas em sofrimento psíquico estabelecendo relações
consistentes com a comunidade operando transformações sociais.
O IMPACTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS NO TERRITÓRIO
E AS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA

Os transtornos mentais são considerados grave problema de saúde


pública. Eles não se restringem a um grupo populacional ou a regiões
especificas. Estes transtornos afetam pessoas de todas as idades, culturas e
nível socioeconômico. Transtornos mentais são um dos problemas de saúde
mais onerosos do mundo e com menor proporção entre investimento no
tratamento e carga de doença. A redução da capacidade laborativa é um dos
ônus dos transtornos mentais. A depressão é uma das maiores causas de
invalidez no mundo. A ansiedade localiza-se entre as 10 maiores causas de
invalidez enquanto esquizofrenia e transtorno bipolar despontam entre as 20
principais causas. Os transtornos mentais reduzem as potencias conquistas
pessoais, a produtividade e o grau de realização do individuo.
Pode-se considerar como evento adverso dos transtornos mentais a
redução da participação nas atividades cotidianas e na qualidade da
participação. Os transtornos mentais ainda aumentam ou favorecem o
aparecimento de outras doenças, tendo relação com os fatores de risco, a
aderência ao tratamento e a piora do prognóstico. A frequência com que
acontecem, a idade precoce, a persistência e a falha no reconhecimento, por
parte de gestores e legisladores, que os transtornos mentais têm alta
prevalência e carga de doença, fazem com que seja ainda maior a carga
associada a este tipo de transtorno.
Frente a sua magnitude, a Organização Mundial de Saúde reconhece o
impacto dos problemas de saúde mental e admite a impossibilidade do seu
cuidado ficar a cargo exclusivo de especialistas. Tal constatação vem ao
encontro da política de saúde pública e de saúde mental do Brasil, onde são
claros os esforços para a ampliação de uma forma de cuidado territorial,
baseada no vínculo, no acolhimento e na responsabilização pela clientela onde
se inclui os sujeitos com problemas de saúde mental.
Neste modelo de atenção a pessoa é vista como um ser complexo. A pessoa
complexa é aquela que tem uma vida passada e memória de tudo que viveu,
aprendeu e experimentou. Uma pessoa que deposita seus sonhos,
expectativas e crenças quanto ao futuro, que tem uma vida repleta de papeis,
onde experiências e histórias familiares a constituem. A pessoa complexa tem
um mundo cultural. É um ser político com direitos, obrigações e possibilidades
de agir no mundo e nas relações com as pessoas. Toda pessoa complexa tem
seus hábitos, comportamentos regulares dos quais pouco se dá conta, que
afetam a própria vida e dos outros, e que podem ser afetados por problemas de
saúde. O sofrimento pode surgir se uma pessoa é privada de qualquer uma das
várias esferas que a compõe.
Na Estratégia de Saúde da Família optou-se por adotar a nomenclatura
de sofrimento psíquico comum ao invés de doença psiquiátrica comum, visto
que são as pessoas que sofrem e que não só a doença, mas também, o
sofrimento mobiliza os cuidados de profissionais de saúde. Além disso, o
estigma da expressão – doença mental – é grande, e carrega sofrimento
adicional. No bojo da estratégia, as manifestações mais comuns de sofrimento
mental fazem parte de uma síndrome clínica com três grupos ou dimensões de
sintomas que compartilham fatores de risco e tem curso clínico semelhante,
além de se combinarem: tristeza/desânimo; ansiedade e sintomas físicos
(somatização). A fim de evitar que se sobreponham comorbidades ou que se
sucedam diagnósticos que nada mais que intensidades diferentes da mesma
combinação de sintomas não se considera cada diagnóstico ou categoria em
separado.
Diante da magnitude, do impacto e da proposta de cuidado dos transtornos
mentais, a Estratégia de Saúde da Família ocupa lugar privilegiado,
considerando o sofrimento da pessoa complexa na estratégia de
enfrentamento.

AS PRÁTICAS TERAPÊUTICAS DE SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO


BÁSICA JUNTO AO NASF

Para que a atenção básica possa ter impacto na qualidade de vida da


população se faz necessária uma ampla intervenção em diversos aspectos.
Neste sentido, o Ministério da Saúde mediante a Portaria nº154 (2008) criou os
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). Os NASF tem o objetivo de
ampliar a abrangência e o escopo das ações de atenção básica, bem como sua
resolubilidade, apoiando a inserção da estratégia da saúde da família na rede
de serviços e o processo de territorialização e regionalização a partir da
atenção básica.
Os NASF devem estar comprometidos com a promoção de mudanças
nas atitudes e atuação dos profissionais da saúde da família e do próprio
NASF. A atuação deve incluir a intersetorialidade; a interdisciplinaridade; a
promoção, prevenção e reabilitação da saúde; a cura; a humanização de
serviços; educação permanente; integralidade e organização de base territorial.
A plena integralidade do cuidado físico e mental deve ser instituída pelo NASF
através da qualificação e complementaridade do trabalho das equipes da
estratégia da saúde da família. Fazem parte das atuações do NASF atividades
física/práticas corporais; serviço social; alimentação, nutrição; reabilitação;
práticas integrativas complementares; saúde da mulher; assistência
farmacêutica e saúde mental.
As ações de saúde mental junto ao NASF envolvem atenção a usuários
e familiares em situação de risco psicossocial; sofrimento subjetivo associado a
toda e qualquer doença; questões subjetivas que entravem práticas preventivas
ou incorporação de hábitos saudáveis e, enfrentamento de agravos vinculados
ao uso de álcool e outras drogas. Os NASF devem estar integrados a rede de
cuidados em saúde organizando suas atividades a partir das demandas
articuladas junto as equipes de saúde da família. As equipes de saúde da
família precisam do suporte de profissionais e serviços de saúde mental para
que o cuidado seja potencializado e facilitada uma abordagem integral,
aumentando a qualidade de vida dos indivíduos e comunidades. Frente a
magnitude dos transtornos mentais todos os NASF devem contar com, no
mínimo, um profissional de saúde mental.
As ações de saúde mental nos NASF devem seguir as seguintes
diretrizes: identificar, acolher e atender às demandas de saúde mental do
território, em seus graus variados de severidade – os pacientes devem ter
acesso ao cuidado em saúde mental o mais próximo possível do seu local de
moradia, de seus laços sociais e familiares; priorizar as situações mais graves,
que exigem cuidados mais imediatos (situações de maior vulnerabilidade e
risco social); intervir a partir do contexto familiar e comunitário – a família e a
comunidade devem ser parceiras no processo de cuidado; garantir a
continuidade do cuidado pelas equipes de Saúde da Família, seguindo
estratégias construídas de forma interdisciplinar; pensar as redes sanitária e
comunitária para o trabalho conjunto entre saúde mental e equipes de Saúde
da Família; articular o cuidado integral com ações de prevenção, promoção,
tratamento e reabilitação psicossocial e, se valer da educação permanente
deve como dispositivo fundamental para a organização das ações de saúde
mental na Atenção Primária.
A estratégia de integração entre saúde mental, saúde da família e NASF
deve buscar a promoção de vínculo de equipe e integração interdisciplinar; o
uso de vínculo como recurso terapêutico alem da responsabilidade
compartilhada.
Cabe aos NASF realizar atividades clínicas pertinentes a sua
responsabilidade profissional; apoiar as ESF na abordagem e no processo de
trabalho referente aos casos de transtornos mentais severos e persistentes,
uso abusivo de álcool e outras drogas, pacientes egressos de internações
psiquiátricas, pacientes atendidos nos CAPS, tentativas de suicídio, situações
de violência intrafamiliar; discutir com as ESF os casos identificados que
necessitam de ampliação da clínica em relação a questões subjetivas; criar, em
conjunto com as ESF, estratégias para abordar problemas vinculados à
violência e ao abuso de álcool, tabaco e outras drogas, visando à redução de
danos e à melhoria da qualidade do cuidado dos grupos de maior
vulnerabilidade; evitar práticas que levem aos procedimentos psiquiátricos e
medicamentos à psiquiatrização e à medicalização de situações individuais e
sociais, comuns à vida cotidiana; fomentar ações que visem à difusão de uma
cultura de atenção não-manicomial, diminuindo o preconceito e a segregação
em relação à loucura; desenvolver ações de mobilização de recursos
comunitários, buscando constituir espaços de reabilitação psicossocial na
comunidade, como oficinas comunitárias, destacando a relevância da
articulação intersetorial - conselhos tutelares, associações de bairro, grupos de
auto-ajuda etc; priorizar as abordagens coletivas, identificando os grupos
estratégicos para que a atenção em saúde mental se desenvolva nas unidades
de saúde e em outros espaços na comunidade; possibilitar a integração dos
agentes redutores de danos aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família; e
ampliar o vínculo com as famílias, tomando-as como parceiras no tratamento e
buscando constituir redes de apoio e integração
A inclusão das ações de saúde mental na ESF com a incorporação do
NASF representa um avanço na materialização dos princípios da integralidade
e equidade, alem de ser um passo significativo para a consolidação da reforma
da assistência psiquiátrica.

O MATRICIAMENTO EM SAÚDE MENTAL ENQUANTO MODELO DE


CUIDADOS COLABORATIVOS

A Atenção Básica à saúde, representada principalmente pela Estratégia de


Saúde da Família atende a população em casos de menor complexidade e de
grande potencial de resolutividade. Ser resoluto implica na determinação dos
principais fatores determinantes e condicionantes de saúde e
consequentemente desenvolver mecanismos ou um processo de trabalho que
atenda a essas demandas. Para algumas destas limitações, há a aplicação de
protocolos, manuais e guias que instrumentalizam as equipes da Atenção
Básica a qualificarem seu processo de trabalho e atenderem a população de
modo resolutivo.
Para o manejo dos casos de sofrimento e/ou adoecimento psíquico na Atenção
Básica é recomendado pelo Ministério da Saúde o uso do Guia Prático de
Matriciamento em Saúde Mental publicado no ano de 2011 e que classifica
matriciamento ou apoio matricial como: “(…) um novo modo de produzir saúde
em que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada,
criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica.” (Chiaverini,
2011)

Podemos entender tais intervenções pelo apoio matricial através de duas


perspectivas/viéses extremamente pertinentes:

PEDAGÓGICO
Parte do princípio no qual um profissional da ESF (Estratégia de Saúde da
Família), pode ser instrumentalizado por um outro profissional e/ou equipe
especializados de acordo com a demanda estabelecida pelo(s) usuário(s). Com
o atendimento compartilhado, durante o desenvolvimento do mesmo, o
profissional da ESF desenvolve habilidades e competências referentes ao
apoio matricial, qualificando ainda mais sua assistência.

TERAPÊUTICO
Durante o processo em que os profissionais da ESF são instrumentalizados por
uma equipe matriciadora, além de apreenderem sobre as técnicas propostas,
também prestam assistência mais qualificada à população. A medida que este
vínculo é estabelecido e reforçado, é possível atender à demanda dos
usuários.
“No processo de integração da saúde mental à atenção primária na realidade
brasileira, esse novo modelo tem sido o norteador das experiências
implementadas em diversos municípios, ao longo dos últimos anos. Esse apoio
matricial, formulado por Gastão Wagner Campos (1999), tem estruturado em
nosso país um tipo de cuidado colaborativo entre a saúde mental e a atenção
primária.” (Chiaverini, 2011)
Visando a desburocratização do processo de construção de rede de saúde
além de propor a redução dos encaminhamentos e regulação dos usuários dos
serviços de Atenção Primária à Saúde (através da Estratégia de Saúde da
Família) para unidades especializadas, o matriciamento se configura como
ferramenta adequada para o alcance destes objetivos. Tais propostas se
apoiam na reestruturação do processo de trabalho passa a classificar os
componentes técnicos da saúde em dois tipos de equipe:

EQUIPE DE REFERÊNCIA: vinculada à Estratégia de Saúde da Família (ESF)


e que é responsável diretamente pelo território e pela clientela adscrita.

EQUIPE DE APOIO MATRICIAL: composta de especialistas ou vinculados à


serviços especializados, como por exemplo CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial) e NASF (Núcleos de Apoio à Estratégia de Saúde da Família) e
que prestarão suporte à Equipe de Referência.
A organização dos serviços a partir destas duas equipes ressalta a superação
de um modelo biologicista, centrado na doença e na especialização desmedida
por um outro, universal, resolutivo e principalmente integral.
Como reforço da compreensão de matriciamento, não devemos
entendê-lo como um simples atendimento conjunto, e de condução exclusiva
do especialista em Saúde Mental. É um cuidado compartilhado, ou seja,
colaborativo.
Quando a equipe de referência identifica algum caso onde há a
necessidade de apoio em saúde mental, como em determinações de
diagnósticos específicos, suporte para famílias ou indivíduos portadores de
transtornos mentais.
“No matriciamento, as duas equipes interagem, traçando juntas um projeto
terapêutico, num apoio que gera novas possibilidades, além de reunirem seus
conhecimentos sobre aquele indivíduo. Dessa forma, a equipe da ESF revela
seu conhecimento sobre os hábitos do indivíduo, sua família, sua comunidade,
sua rede de apoio social e/ou pessoal (…) a equipe de matriciadores traz seu
conhecimento sobre a saúde mental, suas repercussões na vida do indivíduo.
Essa rede de saberes gera a primeira possibilidade de rede, que vincula, que
corresponsabiliza.” (Chiaverini, 2011)

Também é recomendado para apoiar a vinculação de um usuário da


ESF ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e quando a própria equipe da
ESF percebe dificuldades de relacionamento interpessoal ou adversidades
encontradas no processo de trabalho.
Os vínculos estabelecidos entre os diferentes serviços de saúde, o território,
população e dispositivos sociais constroem uma rede. Rede esta que pode e
deve desenvolver ações salutares. Podemos entender rede de saúde como o
conjunto de relações abarcadas pelos diferentes serviços de saúde e de
inserção no território, interligando funções e propostas, além de estimular
interações dinâmicas e permanentes.
Os “nós” de uma rede representam de maneira concreta os “encontros” que
cada serviço deve estabelecer entre si e, consequentemente, o percurso a ser
traçado pelos usuários destes mesmos serviços. Portanto, com a construção
de Rede de Saúde são ressaltados os princípios doutrinários do Sistema Único
de Saúde (SUS) de universalidade e integralidade.

A Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011 institui a Rede de Atenção


Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito
do Sistema Único de Saúde.

“Considerando a necessidade de que o SUS ofereça uma rede de serviços de


saúde mental integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção
para atender as pessoas com demandas decorrentes do consumo de álcool,
crack e outras drogas; e Considerando a necessidade de ampliar e diversificar
os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) para a atenção às pessoas com
necessidades decorrentes do consumo de álcool, crack e outras drogas e suas
famílias, resolve:

Art. 1° Instituir a Rede de Atenção Psicossocial com a criação, ampliação e


articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

Art. 2º Constituem-se diretrizes para o funcionamento da Rede de Atenção


Psicossocial:

I - Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das


pessoas;
II - Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde;
III - Combate a estigmas e preconceitos;
IV - Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral
e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar;
V - Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; VI -
Diversificação das estratégias de cuidado;
VII - Desenvolvimento de atividades no território, que favoreçam a inclusão
social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania.
VIII - Desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos;
IX - Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e
controle social dos usuários e de seus familiares;
X - Organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com
estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do
cuidado;
XI - Promoção de estratégias de educação permanente; e
XII - Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos
mentais e com necessidades decorrentes do uso deálcool, crack e outras
drogas, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico singular.

Art. 5º A Rede de Atenção Psicossocial é constituída pelos seguintes


componentes:

I - Atenção Básica em Saúde;



II - Atenção Psicossocial Especializada;
III - Atenção de Urgência e Emergência;
IV - Atenção Residencial de Caráter Transitório;
V - Atenção Hospitalar;
VI - Estratégias de Desinstitucionalização; e
VI - Reabilitação Psicossocial .

Cita-se apenas os dois primeiros artigos da portaria a título de explanação de


seus objetivos primordiais. Além do artigo quinto, que define os componentes
da RAPS. Sugere-se a leitura plena do mesmo para a ampliação de sua
cobertura e ações desenvolvidas.

O MATRICIAMENTO E AS PRÁTICAS TERAPÊUTICAS DE SAÚDE


MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA

Em saúde mental, o matriciamento é considerado ferramenta essencial


na organização de uma rede estruturada de serviços desde a Atenção
Primária. Além disso, a Estratégia de Saúde da Família (ESF), enquanto
modelo ordenador do acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), promotora de
saúde e prevenindo doenças também deve atender à suas demandas de saúde
mental.
A articulação entre ESF e matriciamento já foram discutidas, sendo
pertinente aprofundar o conhecimento sobre de que maneira o apoio matricial
organiza e potencializa a construção de rede na Atenção Básica.
Para que esta organização se estabeleça, cada componente das equipes de
saúde (ESF e apoio matricial) precisa considerar as características dos
territórios e do sistema de saúde em que estejam inseridos, percebendo
possibilidades e limites, dentro de suas práticas.

Os tópicos abaixo visam a contextualização da realidade assistencial no que


concerne à Atenção Básica/Estratégia de Saúde da Família:
• Superação de um modelo ultrapassado de encaminhamentos
(encaminhamento para consultas com especialistas);
• Desconhecimento do percurso na rede de serviços (se os usuários
foram ou não atendidos nos serviços aos quais foram encaminhados);
• “Acompanhamento” incompleto (ou seja, vínculos frágeis e incompletos);
• Redução na responsabilização do cuidado integral à saúde, pois julgam-
se (equipes da ESF) incompetentes para tal tarefa.

Dentre as possibilidades de ações disponíveis e desenvolvidas pela atenção


primária à saúde junto do apoio matricial podemos classificá-las como
Instrumentos do processo de matriciamento e Intervenções em saúde mental
na atenção primária.

INSTRUMENTOS DO PROCESSO DE MATRICIAMENTO

 Elaboração do projeto terapêutico singular no apoio matricial de saúde


mental: recurso que potencializa as capacidades do usuário do serviço a
partir de sua pespectiva histórico-social com o planejamento
compratilhado de atividades pertinentes à promoção de saúde.
“Formulação de projeto terapêutico singular: Abordagens biológica e
farmacológica; abordagens psicossocial e familiar
 ; apoio do sistema de
saúde
 ; apoio da rede comunitária e trabalho em equipe: quem faz o
quê” (Chiaverini, 2011)

 A interconsulta como instrumento do processo de matriciamento:


consulta integrada com a participação de diferentes profissionais e de
diferentes áreas. “A interconsulta caracteriza-se por uma ação
colaborativa entre profissionais de diferentes áreas. Existem diversas
modalidades de interconsulta, que vão desde uma discussão de caso
por parte da equipe ou por toda ela até as intervenções, como consultas
conjuntas e visitas domicilia- res conjuntas. Esse encontro de
profissionais de distintas áreas, saberes e visões permite que se
construa uma compreensão integral do processo de saúde e doença,
ampliando e estruturando a abordagem psicossocial e a construção de
projetos terapêuticos, além de facilitar a troca de conhecimentos, sendo
assim um instrumento potente de educação permanente. Porém, dentro
da prática do matriciamento, a interconsulta tem como objetivo
específico a estruturação do projeto terapêutico no caso.” (Chianerini,
2011)

• A consulta conjunta de saúde mental na atenção primária: “técnica de


aprendizagem em serviço voltada a dar respostas resolutivas a
demandas da assistência à saúde que reúne, na mesma cena,
profissionais de saúde de diferentes categorias, o paciente e, se
necessário, a família deste. A ação se faz a partir da solicitação de um
dos profissionais para complementar e/ou elucidar aspectos da situação
de cuidado em andamento que fujam ao entendimento do solicitante
para traçar um plano terapêutico. “ (MELLO FILHO, 2005)
“Quanto à equipe matriciadora, destacamos alguns comentários
bastante relevantes no que diz respeito à sua atuação nas visitas
conjuntas:
 quanto maior for a experiência da equipe matriciadora na atenção
primária ou quanto maior a sua disposição em compreender a
saúde mental em um contexto diferente da formação (até então)
clássica, maior será a sua capacidade de gerar mudanças
efetivamente positivas e perceptíveis em suas equipes
matriciadas;
 o matriciado não deve agir como um simples prescritor de
condutas, demonstrando meramente seu suposto saber diante de
uma ESF que não é chamada a participar;
 o bom matriciador dialoga, solicita informações da equipe de refe-
rência do caso e, principalmente, pergunta a opinião sobre
condutas, instigando a equipe a raciocinar. Com isso ele ensina e
aprende, além de colocar os matriciandos em posição ativa,
fazendo da consulta conjunta um espaço de estímulo ao
crescimento das competências da ESF relacionadas à saúde
mental.
Em relação aos usuários – pacientes (portadores diretos das queixas
mentais), acompanhantes e familiares –, destacamos que o escopo da
ESF é comunitário e, desde que haja o consentimento do usuário e se
respeitem os limites da confidencialidade, não há problemas em acolher
também os acompanhantes. O matriciador, no entanto, deve tentar
trabalhar com a demanda trazida à consulta conjunta pela ESF. Se ele
perceber a ausência de algum grupo importante que demanda a
atenção, é interessante perguntar sobre casos desse tipo, já que para o
caráter pedagógico da consulta conjunta a variabilidade é bastante
eficaz.” (Chiaverini, 2011)

• Visita domiciliar conjunta: conceito similar à consulta conjunta,


desenvolvida entretanto, no domicílio do usuário do serviço.

• Contato a distância (uso do telefone e de outras tecnologias de


comunicação): contato entre equipe de referência e equipe de apoio
matricial.

• Genograma: instrumento que descreve características e


comportamentos de um grupo familiar utilizando-se de símbolos gráficos
universalmente aceitos.

• Ecomapa: representações gráficas das relações estabelecidas por um


indivíduo ou grupo intra e extrafamiliar.

Os exemplos recomendados pelo Guia prático de matriciamento em saúde


mental (2011) são:
 Grupos na atenção primária à saúde: propostas de ações educativas em
saúde que superem o modelo de transmissão direta e formal de
informação. “Muitas vezes a participação de profissionais de saúde
mental junto aos profissionais da atenção primária nesses grupos, em
coordenação conjunta, facilita o aprendizado desses últimos quanto ao
manejo dos aspectos subjetivos do processo grupal, perante os quais
eles muitas vezes se sentem inseguros. Recomendamos sempre uma
coordenação conjunta, pois facilita as trocas intraequipe e ajuda nos
momentos difíceis.” (Chiaverini, 2011)

• Educação permanente em saúde e transtornos mentais: principalmente


relacionada ao estigma dos profissionais de saúde sobre a atenção à
saúde mental e a dissociação do conceito de “doença” mental. “A rotina
de trabalho na ESF traz uma demanda constante e muitas vezes
exagerada por parte dos pacientes com sofrimento psíquico, seja dos
usuários com transtorno mental grave ou dos dependentes de
medicamentos (constante troca de receitas controladas) ou, ainda,
daqueles usuários hipersolicitantes devido a transtornos mentais
comuns ou queixas inespecíficas, que frequentemente demandam
acolhimento e consulta não agendada. Dessa forma, uma primeira
barreira a ser enfrentada no processo de matriciamento em saúde
mental é a desconstrução do que os profissionais da ESF entendem por
saúde mental, sendo a “educação em saúde mental” fundamental na
rotina dos espaços matriciais. Primeiramente, deve-se dissociar o
conceito de saúde mental do conceito exclusivo de “doença” mental. é
necessário apontar para os profissionais de saúde da família que, ao
fazerem atividades de promoção e prevenção à saúde, como grupos de
atividade física (caminhada, por exemplo), grupos de artesanato,
momentos de confraternização com a comunidade em datas
comemorativas, estão promovendo saúde e, consequentemente, a
saúde mental.” (Chiaverini, 2011)
• Intervenções terapêuticas na atenção primária à saúde: acolhimento,
abordagem humanizada, escuta ativa e ética nas relações dentre
diversas outras. “Primeiramente os profissionais devem saber que desde
a escuta do paciente, por meio de um acolhimento benfeito, até o plano
de cuidado, eles são fonte de intervenção efetiva. Via de regra, desde o
primeiro contato com o paciente os profissionais não sabem que podem
ser terapêuticos e ignoram o poder terapêutico do vínculo. Na atenção
primária, a facilidade de acesso aos profissionais de saúde e o cuidado
longitudinal no decorrer do tempo fazem desse nível de cuidado um
ótimo local para estreitamento do vínculo com o paciente. A relação
profissional de saúde-paciente, quando bem-estruturada, por si só é
terapêutica.” (Chiaverini, 2011)

• Intervenções baseadas em atividades na atenção primária: presença do


matriciador como promotor de novos dispositivos, como grupos, oficinas
terapêuticas para fortalecimento da relação entre usuários e equipe de
referência.

• Uso de psicofármacos na clínica da atenção primária: condução e


prescrição pelos médicos da atenção básica, com suporte integral da
equipe de apoio matricial. “No trato com pacientes usuários,
dependentes ou não de substâncias psicoativas, é fundamental uma
abordagem mais ampliada em saúde mental, pois é muito comum a
comorbidade de transtornos psiquiátricos com o abuso de álcool e
outras drogas. Dessa forma, a participação próxima de matriciadores, e
o conhecimento e a utilização da rede de serviços, como, por exemplo,
os Centros de Atenção Psicossocial álcool e Drogas (CAPS AD), são de
grande valia para que essa abordagem seja mais efetiva na atenção
primária.” (Chiaverini, 2011)

• Abordagem familiar: a família é o núcleo básico de abordagem no


atendimento à saúde. Como a proposta da ESF é apoiada no
desenvolvimento de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação, é
forçoso perceber que estes níveis de atenção somente serão plenos
através de uma abordagem familiar. “O pensamento sistêmico e a teoria
da comunicação são conhecimentos fundamentais para o trabalho com
as famílias. O pensamento sistêmico permite que o jogo das interações
familiares seja compreensível. Todas as pessoas de uma família, por
exemplo, se influenciam mutuamente e, ao mesmo tempo, têm certo
grau de autonomia. O que acontece com um influencia todos e,
dependendo do grau de mudança deste indivíduo, é possível que as
funções familiares sejam modificadas, tanto para a saúde como para a
doença.” (Chiaverini, 2011)

Todos os instrumentos e intervenções citados e descritos estabelecem o


suporte técnico-assistencial para as equipes de referência e de apoio matricial.
Entretanto, é indispensável a construção de uma rede de saúde ajustada para
que os potenciais dos dispositivos de saúde, profissionais e usuários possam
aflorar e serem consolidados. Desta feita, confluirão para uma assistência à
população universalizada, integral e equânime.
BIBLIOGRAFIA

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