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LITERATURA E HISTORIA — TEMPO BRASILEIRO 81 Abril-Junho de 1985 Diretor: EDUARDO PORTELLA Conselho Consultivo CARLOS CHAGAS FILHO EMMANUEL CARNEIRO LEAO JOAO CABRAL DE MELLO NETO JORGE AMADO JOSE PAULO MOREIRA DA FONSECA RAFAEL GUTIERREZ GIRARDOT Comissio Editorial ANGELA MARIA DIAS CARLOS SEPULVEDA EDUARDO COUTINHO FELIX DE ATHAYDE GUSTAVO BAYER KATIA DE CARVALHO LUCIA LOBATO MARCIO TAVARES D’AMARAL MUNIZ SODRE PEDRO LYRA RONALDES DE MELO E SOUZA A editoracdo desta Revista, desde © ntimero 80, estd entregue 20 Colégio do Brasil (ORDECC). Revista Trimestral de Cultura | Este niimero se publica com a eolaboracao CNPq — FINEP Os artigos assinados sio da inteira responsabilidade de seus Autores Direitos Reservados as EDIGOES TEMPO BRASILEIRO LTDA. FRANCO PORTELLA Diretor-Presidente MANUEL ANTONIO DE CASTRO Diretor-Editorial Redacdo e Administracdo: Rua Gago Coutinho, 61 22.221 - Laranjeiras Rio de Janeiro - RJ - Brasil Telefone: 205-5949 LITERATURA E HISTORIA Nos dias que hoje correm, relacionar historia e litera- tura vem @ ser pratica inte- lectual das mais oportunas. Do ponto de vista da his- téria, na medida em que se assiste ao esgotamento da le- gitimidade da historiografia oficial e de sua concepcdo autoritéria do tempo como continuum de vitorias e do- minagées. Do ponto de vista da lite- ratura, jd que se consideram insuficientes as abordagens criticas assépticas e especia- lizadas, produzidas por um academicismo, atualmente, em pleno processo de revisdo. Uma reflerdo capaz de ilu- minar os vazios, as frestas, os objetos esquecidos da historia — mas privilegiados pelo tem- po simulténeo da experiéncia literdria — 86 se fard possivel na encruzilhada ‘destas vias diversas. Este nimero, em torno da obra de Machado de Assis, busca contribuir para uma das modalidades do enlace pretendido, Sua organizacdo se deve a Berenice de O. Ca- valcante. aa MULHERES QUE LEEM E NAO ENTRE-LEEM — PERSONAGENS FEMININAS NA FICCAO MACHADIANA Maria Helena Werneck : Mario de Andrade, em ensaio escrito no centenario de nascimento de Machado de Assis (1939) e incluido no livro Aspectos da Literatura Brasileira, acusa e, simultaneamente, elogia as personagens femininas da obra de Machado, quali- ficando-as de “mais perversas” e “mais inteligentes” que os homens. Segundo Mario, as mulheres machadianas sao por- tadoras do “eterno feminino dominador”. Certamente soli- dario com o seu sexo, o autor modernista finaliza o entrecho metaforicamente: “Vénus nasce do mar, salgadissima, e a maré montante, que triunfalmente a transporta, inunda a terra dos ho- mens. E é vé-los se debatendo, os coitadinhos. No fim se afogam.” 1 Nao vamos aqui adotar a imagem de guerra mitoldgica dos Sexos vencida pelas mulheres, com que Mario de Andrade nomeia a obra machadiana, Mas vamos, inicialmente, con- cordar com a qualidade inteligéncia apontada pelo escritor e buscar os momentos em que as personagens femininas exer- citam a inteligéncia. Em cinco contos: O Segredo de Augusta (Contos Fluminenses), Dona Benedita (Papéis Ayulsos), 4 ; Mestranda em Literatura — PUC/R4J, Professora da UERJ. 1 ANDRADE, Mario, Machado de Assis. In: Aspectos da Literatura Brasileira, Sio Paulo, Livraria Martins Editora, 1974, p. 93. 98 ora do Galvdo (Historias sem Data’ st i: setr0s Contos) e Dona Paula (Varias Distinaae fs aye (orree @Quincas Borba, os gostos da inteligéncia’ feminina esto diretamente ligados a uma pratica privilegiada na so- estiide brasileira do século XIX: a prética da leitura, Rea- yemos, assim, um dos sentidos originais da palavra inteli- gencia: do latim tardio, intellectio. ‘A afirmacao de que a leitura 6 uma pratica de uma mi- noria privilegiada na sociedade brasileira do século XIX, toma novo sentido quando levamos em conta que saber ler e escrever 6 a mais importante exigéncia da educagao femi- nina, Educagao a que tem acesso apenas uma pequena par- cela das mulheres, como confirma 0 proprio Machado de Assis, ha eronica Cherchez la femme (D. C. 1003). No texto de 1881,0 autor divide ‘as nossas classes feminis’ em dois seg- mentos: “uma crosta elegante, fina, superficial, dada ao gosto das sociedades artificiais e cultas”; e a outra, “a grande massa ignorante, inerte e virtuosa, mas sem impulsos, e em caso de desamparo, sem iniciativa nem experiéncia”. 2 Para a maioria das personagens machadianas, mulheres de uma burguesia nascente e, portanto, pertencentes ao con- junto das que recebem uma educacéo moldada para a vida dos saloes (ler, escrever, algum dominio de uma lingua estrangeira — 0 Francés, geralmente, € nocées de piano), a leitura 6, predominantemente, uma forma de preencher a ociosidade do lar, As observagdes de um jornalista inglés, Moritz Lamberg, incluidas por Miriam Moreira Leite em A Condicéo Feminina no Rio de Janeiro do século XIX, con- firmam a ociosidade burguesa. Ele registra com espanto eu- ropeu que “a ocupacao doméstica das mulheres, quando se ocupavam de alguma coisa, consiste na leitura de romances, que nem sempre sao dos mais escolhidos, e em intmeras futilidades”.3 Augusta, personagem do conto O Segredo de Augusta, nos 6 apresentada no primeiro capitulo da narrativa da se- guinte forma: “Sao onze horas da manha. fs Dona Augusta Vasconcelos esta reclinada sobre um 50: ‘a, com um livro na mao. Adelaide, sua filha, passa os dedos no teclado do piano.” MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria, Cherches Ia femme m= , Obra Completa, Vol, TI. Rio de Janeiro, Be ‘guile, P1008. LETTE, Miriam, Moreira, A condigdo feminina no Rio de Jai século XIX, Sio Paulo, Hucitec, 1984, P. 86. 99 O capitulo termina com @ chegada de dois caixeiros: 2 alguns vestidos € outro com um romance; cooomendaa feitas na véspera. Os vestidos eram pee simos, e 0 romance tinha este titulo: Fanny, por Emest Feydeau.” Nao se trata com certeza de uma intelectual. Augusta 6 uma mulher de trinta anos, cuja unica preocupacao € nao deixar-se envelhecer (motivo, alias, para que tente retardar o casamento da filha) e mostrar-se elegantemente vestida com gastos em que dispende boa parte da fortuna do casal. Vestidos e livros sao adquiridos por Augusta da mesma forma, porque ambos, afinal, tém o mesmo valor. O livro é@ mercadoria que se importa, como se importa o cha, 0 piano, o tilburi, as lougas e a Yiltima moda de Paris. Vestidos e livros satisfazem, igualmente, a yaidade exibitoria das mu- Yheres burguesas, fornecendo atrativos para o olhar das ruas, dos salées e do teatro e contribuindo com matéria para as amenas conversas vespertinas em torno da mesa de cha. Em Dona Benedita, a personagem titulo refaz-se de uma prostragaéo com o auxilio do livro, que a conduz da incémoda sensagao ao conforto do sono. “(...) Mejia hora depois de cair no sofa, ergueu-se um pouco, e percorreu o gabinete com os olhos, procurando alguma cousa, Essa cousa era um livro. Achou 0 livro, e podia dizer achou os livros, pois nada menos de trés estavam ali, dois abertos, um marcado em certa pagina, todos em cadeiras, Eram trés romances que D. Benedita lia ao mesmo tempo. Um deles, note-se, custou-lhe nao pouco trabalho. Deram-lhe noticia na rua, perto de casa, com muitos elogios; chegara da Europa na véspera. Dona Benedita ficou tao entusiasmada, que apesar de longe ¢ tarde, arrepiou caminho e foi ela mesma compra-lo, correndo nada menos de trés livrarias. Voltou ansiosa, namorada do livro, tao namorada que abriu as folhas, jantando, e leu os cinco primeiros capitulos naguela mesma noite. Sendo preciso dormir, dormiu; no dia se guinte nado péde continuar, depois esqueceu-0. Agora porém, passados oito anos, querendo ler alguma cousa eee justamente acha-lo & mao. E ei-la que torna ao sofa, que abre o livro com amor, que mergulha o espirito, os olhos e 0 coracéo na leitura tio desastradamente interrompida. Dona Benedita ama os romances, ¢ natural; e adora os romances Doe nitos, ¢ naturalissimo, Nao admira que esqueca tudo part ler este; tudo, até a licdo de piano da fiJha, cujo Pre fessor chegou'e saiu, sem que ela fosse & sala. Bulélla 100 despediu-se do professor a porta, caminhou pé an depois foi ao gabinete, abriu mae com um beij ante pé até t ;Gnwe PE até 0 sof, © acordow a A leitura de exemplares é francés, do romance ae deine Bae ti ee popular formam o gosto literario da época — paces Danae ae duas esferas: a esfera privada do devaneio e a esterd ba He das relacdes sociais extra-familiares. ere babies Por um lado, o livro (e a leitura) al sono (como no caso de D. Benedita) " as pene ee 9 fantasia compensatoria tenta aplacar o bovarismo4 com a qual convive o casamento burgués. Casamento que, na con- cepcéo machadiana, funciona com restrigaéo ao sentimento. Interditado na vida pratica, o sentimento passa a ser, entao, jmaginariamente realizado nos momentos em que a ‘mulher fica a sds... com 0 livro. Por outro lado, a leitura funciona como pré-requisito para a vida mundana. A exibicado do objeto-livro serve como marca de uma representatividade tardiamente aristocratica. % © livro-insignia que vamos encontrar, por exemplo, nas mos de Sofia, personagem de Quincas Borba. Sofia, esposa do candidato a bem sucedido burgués Cristiano Palha, apés receber uma carta da prima contendo as delicias da lua de mel, vé-se assaltada de recordagées de Carlos Maria, atual marido da prima, e das lembrancas dos olhares de outros homens. Vozes € olhares que Ihe desper- tam o desejo de amar yomanticamente, desejo impossivel de se realizar via casamento. “pm verdade, culdara ter arredado para longe Ss! figura aborrecida, eei-la que reaparecia, que sonia, diy fitava, que Ihe sussurrava ao ouvido as mentor palavras do Yadio egoista e enfatuado, que a convidou um dia & Jalsa do adultério e a deixou sozinha no meio do salao. Sofia tenta, entao, através da leitura do Yiltimo numero da Revista dos Dois Mundos, fugir de “certos eae de consciéncia, vagos & obscuros”’, que expressam @ insatisfagao iva, um estado geral de TO terme bovarismo designs, de maneira peloTeTe Uo, existencia com insatisfaca ‘mulheres mal casadas que eases | eee ‘ao invés de se contentarent Ce oy ion Tila, tareuesa hes proporciona ¢ que Tet neartigs jemmes dans Te GOLDMANN, Annie. Réves d'amour perdus cater, 1984) roman de 19 siécle. Paris, #ditions peniel/Gontier, : 101 controlada pelo desempenho perfeito do papel de coadjuvante do marido no teatro da sociedade fluminense. Entretanto, a leitura acaba fazendo efeito contrario ao esperado € Sofia, ao adormecer, mergulha num terrivel pe- sadelo, O sonho é narrado como pastiche da novela lida por Sofia na Revista, desmontada em seus clichés de historia de capa e espada com componentes de conto gdético pelo cer- teiro humor machadiano. “ & importante lembrar, ainda, que assim como em Dona Benedita, 0 motivo que leva Sofia @ posse da Revista nao é o gosto pela literatura nem a vontade de conhecimento, A jeitura de romances e de revistas de moda é uma das formas de assegurar o seu lugar numa sociedade burguesa que, aos poucos, substitui titulos e comendas, pela ostentacao de objetos. 5 A indicacdo da leitura ocorre de forma semelhante a dramatizada no citado conto: numa conyersa de mulheres durante o cha, na reuniao da Comissao das Alagoas. “(...) Um dia, no melhor dos trabalhos da comissdo das Alagoas, perguntara-Ihe uma das elegantes do tempo, casada com um senador: — Esta lendo o romance de Feuillet, na Revista dos Dois Mundos? — Estou, acudiu Sofia; é muito interessante. Nao estava lendo, nem conhecia a Revista; mas, no dia seguinte, pediu ao marido que a assinasse; leu o romance, leu os que sairam depois, e falava de todos que lera ou ia lendo.” (Q.B., 131) Facilitadora do devaneio da personagem feminina, a lei- tura de romances e novelas vai fornecer &s mulheres de ficgao um instrumento equivocado de compreensao da sua realidade, porque faz parte de uma producao cultural que, respeitando o imaginario da sociedade, apresenta a realidade as avessas. Assim, a mesma sociedade que limita 0 espaco de atuacao da mulher, que controla suas relacées afetivas € impede o seu desabrochar, estimula o consumo de uma lite- ratura que exalta o amor delirante, a paixdo avassaladora mas que condena, com narrativas de desfecho moralizante as transgress6es que resultem na opcao pelo adultério. ‘Tratamento abrangente do t0, pico leituras de personagens machadianos encontramos em RIEDEL, Dirce. Otelo e D'Artangnan. In tafora, es ‘i Mean 0, esPelho de Machado de Assis. Rio de Janeiro, Ed. Francisco 102 . ‘A leitura do texto de ficcdo, porta sneres da obra de Machado de Ay Portanto, condus as mn hada, nao exatamente um ler entre, mas \ inteligeéncia alie- mieobre o contato com a efetiva experiéneia 2 ler sobre, que diferencas, incentivando a copia de uma eminina e abole a corte do Rio se torna um arremedo sociedade da qual Mas nao so de ler romances as personagens femininas TLAChEA eae vivem furas faz parte um outro tipo de texto, que ee i . 10. enredo, tal a sua freqiténci: idade: e bilhetes. " a e quantidade: o texto de cartas _Trabalharemos com a hipétese de que o texto das cart: e bilhetes, presente na maioria das narrativas ana Ss como mével ou detalhe da intriga, constitui uma ieltura que, opondo-se a leitura do romance, forca a aproxi 40 da mulher com a realidade. Pear Qual o teor das cartas, nos cont objeto de andlise? A variedade aurange MA eeetREN er Coatay convites, comunicados, até as cartas anénimas. Sao estas que nos interessam. Cartas andnimas como aquelas que recebe incessantemente a personagem Maria Olimpia, do conto A Senhora do Galvdo e que revelam os amores do marido por uma vitiva, sua grande amiga. Nestas cartas anénimas, recebidas por Maria Olimpia, a intimidade e a proximidade que a correspondéncia epistolar sugere é substituida por sua antitese: a ameaca de divul- gacio de assuntos que dizem respeito ao &mbito restrito da familia. ‘As cartas anénimas, sem nome, sem remetente, escondem um sujeito que fala, porque quem fala pode ser todo mundo. E quando todo mundo fala, revelam-se publicamente aconte- cimentos do mundo privado. E, enquanto no espaco privado o que vale mais é 0 yelacionamento intimo das pessoas, como seres humanos, no espaco publico a vida esta submetida ao célculo, a ordem racional. A carta, principalmente a carta anénima, representa a invasio do dominio publico sobre as relagdes privadas, adquirindo contornos de jnstrumento de vigilancia e controle da reproducao da sociedade burguesa. Assim, a carta anénima no texto machadiano imposs'- bilita duplamente as relacoes “puramente humanas , quando detona para a mulher o comutador que ilumina a vida 1a fora e escancara as janelas e portas da intimidade da casa € da familia. 103 iante da carta andnima que Se supoe conter matéria pobtica ou prestes a se tornar publica, as mulheres macha- Franas vee as fronteiras que Separany a sua vida privada de sua vida dos saloes, teatros e ruas de moda tornarem-se Deaton dos casos, entretanto, a narrativa nao deixa que a leitura do contetido das cartas abale as relagdes ma- trimoniais, a ponto de destrui-las. A carta funciona, entao, como aviso, como texto-manual que explicita a sangao social. Explicita os limites e as regras claras da moral burguesa a serem seguidas no casamento. 4 Carlos Maria, personagem do romance Quincas Borba surpreende Rubido com uma cartinha de Sofia e nao en- contra motivos de repreensao. Diz 0 narrador: “o amor era a lei universal: se era alguma senhora casada, louva-lhe a discricao”. Diz C. Maria a Rubido: “— O maior pecado, de- pois do pecado, 6 a publicagio do pecado”. (Q.B., Cap. 32). Textos duibios, que oscilam entre a ameaca de divulgacao e a obrigatoriedade da discricéo e do siléncio, as cartas-de- nuncia provocam rubor e vergonha nas mulheres, mesmo quando nao sao elas 0 objeto da dentincia. No conto A Se- nhora do Galvdo, Maria Olimpia recebe tantas cartas pelo correio, que o marido suspeita tratar-se de correspondéncia amorosa entre a esposa e um provavel amante e a obriga a entregar-lhe as cartas. As cartas s40, no entanto, cartas and- nimas que acusam nao a mulher mas 0 marido. A cena é narrada com um rigor microscépio: “Galvao abriu a carta e deitou-Ihe os olhos Avidos. Ela enterrou a cabeca na cintura, para ver de perto a franja do vestido. Nao o viu empalidecer. Quando ele, depois de alguns minutos, proferiu duas ou trés palavras, tinha ja a fisionomia composta e um esboco de sorriso. Mas a mulher, que o nao adivinhava, respondeu ainda de ca- beca baixa; sé a levantou dai a trés ou quatro minutos, e nfo para fita-lo de uma vez, mas aos pedacos, como se temesse descobrir-Ihe nos olhos a confirmacéo do and- nimo, Vendo-lhe, ao contrario, um sorriso, achou que era 0 da inocéneia, e falou de outra coisa.” (D.C., 467) Apesar da denuncia, a instituica rs ee uigéo do casamento perma- Bete intocavel. O “curto-circuito emocional”, aoe rdefine viano Santiago 6, provocado pela presenca de wm amante ° SANTIAGO, Silviano, A Retdrica da Verossimilhanca. In: ——— Um@ Literatura nos T1 ai p. 32. ‘ropicos. Sho Paulo, Ed. Perspectiva. Col. Debates, 1978 104 elacéo de propriedade que se firma 2 on, na versao feminina de deanoverte amare nao Feacoes radicals de rompimento, semelhantes as ee oe yilela, em 4 Cartomante, e por Bentinho, em Dom fous as por Enquanto o homem pode ter experiéncias amor (teas e até publicas, a mulher, caso queira alguma iiberdade Piet: 4 ae ie, Tes- ar 0 uso de mascaras. Terao elas que utilizar estratégi de dissimulacao, porque “esconder é sua atitude habitual, mesmo porque o proprio recato que 0 homem delas exige ia é um véu que cobre os seus mais legitimos BRGiEeTeoS AT O amor é€ apresentado como um perigo mortal, a desonra dq mulher casada, a causa de sua rufna e da ruina da familia Dai, na vida cotidiana, © cédigo social investir na desvalori- zacao da paixao e promover elogio da razao, da estabilidade e da seguranca do casamento de conveniéncias. Amor, sé quando sabiamente resguardado dos olhares ptblicos e en- quanto nao surpreendido pelos escritores de cartas anénimas. Maria Olimpia nao questiona o marido, mas se vinga fazendo compras € se exibindo aos olhares dos outros homens, sob as luzes do salao, lugar onde se rompem os limites da exterioridade (reservada aos jhomens) e da interioridade (confinamento das mulheres) e onde se pebe “a tragos de- morados, o leite da opiniao publica” (O.C., 467). Aqui, j4 poderiamos parcialmente concluir que a leitura das cartas estaria mais proxima do conceito de inteligéncia tomado por nos, se o gesto de olhar avangasse para 0 dialogo e para a invenc&o de novos comportamentos que transfor- massem a condicéo da mulher. Nao vamos encontrar esta hipdtese no texto machadiano. Porque, neste texto, inteli géncia significa ignorar a compreensao que adviria da lei- tura dos textos e preservar a6 relagées intactas, ainda que internamente estejam destruidas. : No conto Casada e Vidva, Eulalia, invejada pelas mu- Theres por sua extrema felicidade conjugal, descobre na eS” crivaninha do marido, duas cartinhas que “entre muitas, se Gistinguiam por um sobrescrito de letra ¢rémula e irregular, de carater puramente feminino” (0.C., 787). oan cartinhas aponta para um curioso cruzamento de infor Ses: ido, em. confidéncia ges: duas amantes de Menezes, 0 man's» ‘9 homem. de amigas, descobrem-se as preferidas do mesmo Derante, As cartas sao mensagens de rompimento COM so lidas por Assim é que, de cartas de amor tornam-se, 4! a 1 SANTIAGO, Silviano. Op. cit- 108 Eulalia, cartas-dentncia. Euldlia, nas palavras do narrador, “quase teve uma sincope” e vai procurar “as consolacées da amizade e os conselhos da prudéncia” (O.C., 757) com a amiga Cristiana. Na casa de Cristiana, surpreende o marido fazendo declaracoes de amor & amiga. “Esta nova traicao do marido quebra-Ihe a alma” (O.C., 758), diz o narrador, mas nao é suficiente para desfazer por completo © contrato de casamento. A saida é a viuvez de marido vivo, a ambi- gilidade, 0 paradoxo: casada e vitiva, como propoe o titulo e o texto explica: “A pobre mie, vitiva da pior viuvez desta vida, que é aquela que anula o casamento conservando 0 cénjuge, sé vivia para a sua filha.” (O.C., 759) Publicamente casada, privadamente vitiva vive a perso- nagem, que obedecendo aos ditames da leitura do texto-carta, nao se descativa “de uma dependéncia que lhe é mortal”, como analisa Machado na cronica Cherchez la femme (0.C., 1003), mas fica sabedoura da verdade — um passo da cons- ciéncia de sua condicdo feminina. O perigo da leitura é abrandado pela sociedade, aue nao abre outros caminhos para a mulher que nao seja o casamento, segundo os inte- resses da familia. Finalmente, no Ultimo conto que nos propusemos ana- lisar descobrimos uma leitora perfeita: Dona Paula, perso- nagem que da titulo 4 narrativa. Uma leitora, cujo texto preferido n&o é o texto dos romances franceses, nem o das cartilhas sociais. Muito menos é leitora compulséria de cartas andénimas. E outra a leitura que mais a atrai: a leitura do texto da vida. Dona Paula é uma vitva que mora no Alto da Tijuca. Numa visita 4 sobrinha, na cidade, encontra-a em prantos, sentida com os citimes do marido provocados pela suspeita de um namoro da esposa. Da casa da sobrinha segue D. Paula para o escritorio do marido enciumado e abranda-lhe os ani- mos, conseguindo consentimento para que a sobrinha passe uns tempos “em desterro” na sua casa da Tijuca. De volta & casa da sobrinha, esta Ihe faz confidéncias, revelando-lhe © nome do namorado. D. Paula se assusta. Trata-se do filho de uma antiga paixao da tia, “amor a sombra do casamento”, tal qual se insinua o da sobrinha. Um dia, a sobrinha, que vive oO terror de perder o marido, vé um cavaleiro se aproxi- ma do portao da chacara, reconhece 0 enamorado e se afasta atemorizada. A noite, ainda sob o impacto do acontecido & 106 rr venancinha revela todo o se de, ; “el o texto machadiano que aci gredo a uzindo aD. Paula: Repro- : - ompanha a reacdo da, tia: “p, Paula, inclinada para el 2 ow ‘Tinha toda a vida nos othos; 'a Boca mais aborts peCeci peber as palavras da sobrinha, ansiosamente wpe cordial. E pedia-lhe mais, que Ihe contasse tude ae (O.C., 561) i sse tudo, tudo” D. Paula repreende carinhosamente a i 4 timula-a a prosseguir na narracéo. No eee eee a a tia revive o turbilhao de sentimentos que ela, quando La a, ousara, experimentar. Entretanto, resguardando-se, a) especie de distanciamento imposto pela técnica analitica, D, Paula age terapeuticamente, estimulando a fluéncia do discurso de Venancinha, imprimindo-lhe a seguranga de uma escuta atenta e compreensiva. D, Paula, a mulher-leitora, € também a que melhor dis- simula para viver, e viver a experiéncia do amor. Dissimula no passado para que a paixao pelo diplomata Vasco Maria Portela nao seja descoberta pelo marido e pelo publico, o que a tornaria impossivel. Dissimula no presente, quando esconde sua exaltacao e simula uma face conselheira, mo- derada, precavida, Simulando e dissimulando, D. Paula entra no jogo das relagées sociais e, concomitantemente, esta pre- parada para ler um fascinante texto de ficcaio: o relato da sobrinha, que “Nao era um livro, nfo era sequer um capi- tulo de adultério, mas um prologo — interessante e violento” (0.C., 563). é Lendo e compondo um livro, D. Paula pratica a inteli- géncia duplamente e se inscreve entre os leitores que Ma- chado de Assis pretende ter como publico: aquele que. sabe ler através das negativas (0 contrario, portanto, do Cénego em Dona Benedita), aquele que pode tornar-se “o leitor psi- cOlogo e subtil” das mulheres-livros, €, principalmente, aquele que sabe dissimular: “C. ta tltima reflexio é 0 motivo secreto da Ae Be eratas deixai que vos diga que sois paula discreta, e que eu ndo me quero sendo com diss (Q.B., Cap. 138) Com D. Paula estamos, portanto, diante de Ue mulheres “mais inteligentes que os homens Agora, sim, tmulher-Vénus que Mario de ‘Andrade anunciava. 107 “HELENAS, CAPITUS, VIRGILIAS: PERFIS DE MULHER” Rachel Soihet - ‘Ao focalizar Machado de Assis torna-se relevante caracte- rizar o momento histérico correspondente & elaboracao de sua obra que se constitui naquele da instauracdéo da ordem bur guesa. Este foi um momento de consideraveis transformagoes, de intenso processo de urbanizacio, de introdugéo de imi- grantes europeus e de ex-escravos provenientes das zonas rurais, da emergéncia das primeiras fabricas, do desenvol- yimento dos transportes, da institucionalizagao de um sis- tema comercial e crediticio destinado a ampliar a circulagao de mercadorias. Tudo isso contribuiu decisivamente para al- terar a fisionomia provinciana da cidade do Rio de Janeiro em fins do século XIX e inicio do século XX. Em coeréncia com esse processo ocorre a reformulacéo da familia no Ambito da nova ordem, ressaltando-se sobre ela a influéncia da medicina social. O homem abre mao do des- potismo patriarcal adotando uma “politica mais flexivel de delegacao de poderes e de divisao do comando familiar” ga- rantindo tempo e energia para atuar mais diretamente sobre a esfera publica, adquirindo a mulher, anteriormente sem expressao e subjugada, um espaco proprio na esfera privada. 1 * Doutoranda em Histérla. Professora do Departamento de Histéria — ICHF/UFF. 1 FREIRE COSTA, Jurandir. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro, Editora Graal, 1979, p. 250; com relac&o & esfera privada par- tilhamos da opinido de Marilena Chaut que cita Hanna Arendt para quem o espag privado nfo se constitui no espago da privacidade e da 108 a A mulher, ligada primordialmen: jdade, afirma-se como o modelo feminj Bene a elas as outras aparecem como aes | que nao realizam oO ideal sexual do amor Matri; mM, aquelas aternidade: as solteiras, as prostitutas eo monial e da _— todas aquelas cuja sexualidade nao 6 posta Pe zbuadas ginos no interior da familia instituciona),2" P# gerar gm Machado de Assis o perfil tracado para a mulhe regras emanadas da nova ordem marca a sua prese; pentre suas mais diversas personagens, Helena pode ger as siderada como o ideal no momento, Suas caracteristicas. mn Jeza, elegancia, adaptabilidade as circunstancias submissio, resignacao e uma gama de prendas i 2 domésticas e de soci me ciedade, consagram-na como modelo feminino da época. Esta era: * te a familia e & mater. or exceléncia, T pelas “décil, afavel, inteligente....0 que a tornay. lhe dava a possibilidade de triunfo era a ie fase dar-se as circunstancias do momento e a toda casta de espirito, arte preciosa que faz habeis os homens e es- timaveis as mulheres. Helena praticava de livros ou de alfinetes, de bailes ou de arranjos de casa, com igual interesse e gosto, frivola com os frivolos, grave com os que o eram, atenciosa e ouvida sem entono nem vul- garidade. Havia nela a jovialidade da menina e a com- postura da mulher feita, um acordo de virtudes domés- ticas e maneiras elegantes”.* Além das qualidades naturais, possuia Helena algumas prendas de sociedade que a tornavam aceita de todos e mu- daram em parte o teor da vida da familia... Tinha magni- fiea voz de contralto... “Era pianista distinta, sabia de senho, falava correntemente a lingua francesa, um pouco ainglesa e a italiana. Entendia de costura e bordados e toda a sorte de trabalhos feminis”.4 ie een Parece claro pela descrigéo ser essa mulher pr fdamentaimente | para a vida no lar para 0 qual, segundo pene z. 0 Intimidade mas como o lugar da privacdo. Estar elrcunsorto, 60 ae Privado € estar privado da relagio com os outros pela PerOvine O° 3 agio na construgdo e nas decisdes concernentes 90, MTN ot sobre existéneia politica. In CHAUT, Marilena “Participand® GF Ton "ay, Mulher e Violéncia”, Perspectivas Antropolégicas aw 1984, pag. 33. soot ‘OLT, Maria Celia. “Mulheres: Lugar, 1. tivas Antropologicas da Mulher 4. RJ. Zahar, 1984, PAB BY 5. aeuiar ASSIS, Machado de. Helena in Obra Completa. RJ, Ltda., 1962, vol. 1, pag. 284. Idem, thidem. Imagem, Movimento. Perspec- 109 é icdes de adaptabilidade eram es- elo da época, as condi¢oes p eae oa © convivio social, configurando-se 0 casa- mento como @ melhor alternativa para 0 futuro. ‘Também, tal educacao dava & mulher o instrumental necessario para 0 novo papel que The estava reservado na ich a a ordem burguesa. Nesta, as festas privadas, Semices ‘Diltieos e sociais tornaram-se constantes criando-se condicées de yelacionamento favoraveis a0s interesses eco- nomicos e politicos de seus participantes. ‘A recepcao ad- quiria a funcao de veiculo informal na disputa pelo poder”. Da habilidade feminina dependia 0 sucesso. destes eventos, tendo a mulher, desta forma, papel decisivo na elevagao social do marido. > E ‘4 ‘ Machado de Assis representa uma situacdo deste tipo através de Cristiano Palha, protétipo do arrivismo que exibe a mulher Sofia como veiculo para favorecer seus interesses, utilizando-a como um capital e como expresso de seu éxito comercial, a fim de granjear admiracéo geral. “Ta muita vez ao teatro sem gostar dele, e a balles em que se divertia um pouco mais ia menos por si que para Aparecer com os olhos da mulher, os olhos e os selos. Tinha essa vaidade singular, decotava a mulher sempre que podia, e até onde nao podia para mostrar aos outros suas venturas particulares”.® Por outro lado, a educagéo prevendo ensinamentos de linguas, musica, desenho e prendas domésticas possibilitava a mulher pequeno-burguesa ingressar no mercado de tra- palho, & preferéncia pelo magistério, profissio considerada adequada ao sexo feminino, vista como extensao das funcdes materiais que lhe seriam proprias. Machado reflete as desconfiancas quanto ao exercicio pela mulher de atividades nao tradicionalmente femininas ao falar de Marcela, antiga amante de Bras Cubas, encon- trada por este bexiguenta e acabada. 3 “Vendera tudo, quase tudo, a , um homem que a amara paareeares morreu nos bracos deixara-lhe aquela loja saria mas, para que a desgraga fosse completa, era pouco buscada a loja, tal ; ; Eee rea nunenoela singularidade de FREIRE COSTA, J r q Se aE COSTA, Surandlr, Op. city pig. 101; PAOLL, Maria ASSIS, Machado de. o See oe Quineas Borba in Obra Completa. RJ, Ed. Aguilar, eae a ‘SSIS, Machado de. Memorias Postumas de Bras Cubas in op, cit., p- 555- 110 Na yerdade, o trabalho s6é é admiti nino tratado por Machado de Assis, pea para o mundo fem) 3 A se m wltima 4 como alg? deploravel, quase vergonhoso, o instancia, So trecho &2 que Guiomar comunica a ina eto de tornar-se professora e ao dizé-lo “o 1 ne a 0 seu pr nes, dissera-se que a alma cobri ‘ubor subiu-lhe as faces; : z 1a 0 rosto de vergonha”, 8 ‘De modo geral os trabalhos exercidos pelas gona nao Ines pessibilitavam qualquer promocao social, tai yeria Se concretizar através do casamento, Era Bice e to na época que deveria garantir ao sexo feminino recone ‘ mi ip e posi¢ao social, 0 que se confirma nas mulheres repre. Machado. E assi pies sentadas por i assim, 0 casamento para a mulher estava no mesmo nivel da profissdo, carreira politica ou ri- queza para OS homens, manifestando-se como forma legitima de ascensao social. Isto podemos perceber no sentimento do pai de Helena que a0 ministrar-Ihe os “rudimentos de leitura” sonhava como a esposa em vé-la “ja mulher, formosa como viria a ser, porque ja o era, inteligente e prendada, esposa de algum homem que a adorasse e elevasse”. 9 Algumas das figuras femininas machadianas revelam-se extremamente ambiciosas e na medida em que sao impossi- pilitadas de por si realizarem suas aspiracdes fazem conver- gir suas ambigGes e energias para seus maridos, a fim de ascenderem através deles. Assim, Guiomar analisando seus trés pretendentes con- clui que com Estevao obteria a “vida sentimental”, Jorge The daria a “vida vegetativa”. J& Luis Alves “fazia perceber & moga que ele nascera para vencer... que ia entrar em cheio na estrada que leva os fortes & gloria” e este foi o escolhido pois queria Guiomar um marido que “sentisse dentro de si & forca bastante para subi-la onde a vissem todos os olhos”. 10 Na busca do matrimonio cumpria que as mocas fossem dotadas de grande beleza como ocorre com as mais diversas personagens machadianas que assim. consubstanciavam a. ideal de mulher casadoira na época. Também pare ° baie mento, existe para a mulher uma jdade limite. Para ae fim as mogas deviam estar na faixa dos 16 a0s 25 anos. ———— ASSIS, Machado de, A Mo e a Luva in op. City P. ab. 1, ASSIS, Machado de, Helena im op. tt, BST ag. 1, ASSIS, Machado de. A Mao e a Luue in op. cit. 1 ASSIS, Machado de. Ressurreicdo, pags. 1 i Helena, p. 287; laid Garcia, PP. 393 © A de Brés Cubas, p. 547; Quincas Borba, p. 666; D- im Obras Completas, v. 1. " itava ser dotado de beleza nao necessit £28 © de Ja 9 homvelevante oe oa Tops ao qt ; . O- c “ i eae raciocina oe ‘dolescente Iaia: “Um marido aDpaixo. nario Procopio as vantagens que uma moca nas 10 condi. Bae opulento. Duas com ambas as mifos”, 12 a goes de Tals oS abordado, o individualismo comeca a 55 No ‘ terreno afetivo, deixando 0 ¢, fazer sentir ee ancaie as razoes do grupo familse mento de atender rticipagao dos cénjuges na escolhg tendendo @ rrr ot Panos a importancia dos fatores de seus parceints Gegundo Freire Costa os higienistas ness te fn a os valores patriarcais pelo direito ge momento, lutam con! x do cOnjuge, Tamibém Masham coon aren obra tal prOcesso, fazendo valer 0 amor mesmo flete em su: ont aaCeGpaiad See aiate particular waiter cujo “pai Desa se eee iti chefes de partido da Pa- e o sogro eram inimigos politicos, ea . 4 fi N, ra-se de Eduardo e “quando sou- Tale cose Pee Moan tava feito, mas provavelmente tera a eceeaicda iat peoubessert desde o principio, 0 eat de Fidélia, vindo 4 Corte, teve note do ee a ae da moga e levou-a para a fazenda... Enfim, a n Hi = a nao querer comer. Vendo isto a mae, com receio oe aire acesso de moléstia comecou a pedir por ela, ee oh declarou que nao lhe importava vé-la morta ou até loid a Fidélia adoeceu deveras. Foi a mae que resolveu pedir a marido que cedesse, o marido concedeu finalmente, impont - a condicdo de nunca mais rever a filha. O pai do noivo tam- bém declarou que nao os queria ver”, 13 Sas Numa sociedade em que a reprodugao se constitui 2 funcao predominante para a mulher, aquela que nao ca permanecendo solteira é representada de maneira hase desprestigiosa. Este € 0 caso de D, Tonica com “trinta e ae anos © uns olhos pretos, cansados de esperar”, Esta vivia om Sopal, © major Siqueira, sem dote vantajoso a oferecer, sejando intensamente, um marido”, 14 soi gnome observa Ingrid Stein, o problema porém nao 1 guia ‘na situacéio afetivo/amorosa. D. ‘Tonica nao i, &nsiosa por amar, o que desejava era casar, sair do @s Fs civil, considerado vergonhoso em que se encontrava. Bem 2 ASSIS, Machado di i. aes, le. laid Garcia, in op. cit. 459. 28 ASSIS, Mach; M pelea 1 * ASSIS, Machace, %¢: Memorial de Aires, in op. cit., p. 111 de. Quincas Borba, in’ op, cit, p. 668. 112 contrario de D. Tonica, vista como um mendigar um noivo qualquer, os homens i teiros como 0 “qilinquagenario e gordo Ecaainlaheee maduro Nobrega eram tidos como bons partidos”, 15 Em situagéio oposta as solteiras, as tinicas mulheres re- presentadas por Machado com independéncia e poder de de- cisao sao as vitivas. Algumas manifestam grande autoridade ue 3 Os sem sofrer qualquer tipo de oposi¢ao. A viuvez parece ter sido o unico estado que proporcionava a mulher maior liberdade e relativa autonomia ao contrario da solteira, Subordinada ao pai e da casada ao marido, Isto porque ja teriam ingressado no casamento e assim adquirido o unico status reconhecido idealmente para a mulher. 16 No tocante ao adultério, revela a obra de Machado a acentuada diferenca entre o mundo dos homens e o das mu Iheres, através da diversidade de cédigos e regras que os orientam, Com relacgado a infidelidade masculina, verifica-se a aceitacdo e resignacgéo por parte da mulher que prefere calar e manter as aparéncias, segundo o comportamento esperado. Assim se manifesta Machado sobre a mae de Estacio: “teve a forca de vontade necessaria para dominar a paixao e encerrar em si mesma o ressentimento. As mulheres que sao apenas mulheres choram, arrufam-se ou resignam-se, as que tém alguma coisa mais do que a debilidade feminina lutam ou recolhem-se 4 dignidade do siléncio. Aquela padecia, é certo, mas a elevacdo de sua alma nao lhe permitia outra coisa mais do que um procedimento altivo e calado”.17 ; Nas Memérias Postumas de Bras Cubas temos uma si- tuagao de adultério feminino por parte de Virgilia, mulher de elevado nivel social, casada com Lobo Neves e que desen- volve um romance com Bras Cubas, Podem ser observados, através deste relacionamento, as concepcdes de moral exis- tentes e os mecanismos a elas correspondentes colocados em 40 por semelhante situacao. / ee Rhee fe ae da relacao, Virgilia é acometida oe temo- res passando a sonhar com frequéncia estar sendo morta por traste tendo que 15 STEIN, Ingrid. As Figuras Femininas nos Romances de Machado de Assis. Bonn, 1983, pp. 39/90. 16 SCHWARZ, Roberto. Ao vence 1977, p. 136. M ASSIS, Machado de. Helena, in op. cit, P. 277. i eira nos casos do adultérj 2 Lobo Neves, SSE ee eaten aceita com he minino. Alids, tal Gabae desconfiado de que Virgilia estava aos amantes, Bee ee dele teve atravessada em sey _ CO LOO tear alana propria Virgilia instada poy samento a idé fugir com ele assim se expressa: “‘N&o posse Bras Cubes a pen quiser ou deixe me morrer...”, 9 fe ea aaue esta introjetara a ideologia masculina se. Re a qual todo parceiro amoroso podia dispor da vida da mulher. 18 , Capitu é 0 grande enigma em Machado de Assis. A ques- tao que se coloca quando se fala em Capitu e se ela cometeu ou nao o adultério com Escobar, o melhor amigo de seu ma- rido Bentinho. Através da tese de Ingrid Stein ficamos sa- bendo que existe a respeito ampla controvérsia. Segundo a maioria dos autores que tratam do assunto, Capitu teria sido infiel havendo, porém, uma minoria que a considera ino- cente, 19 No caso de considera-la adultera, o que chama a atencdo é a sua capacidade de dissimulacao que é enfatizada ao Jongo de toda a obra pelo narrador, 0 proprio marido de Capitu. Ao contrario de Virgilia que de certa forma se expoe, Capitu seria extremamente resguardada, s6 levando Bentinho a per- ceber a suposta infidelidade, através de indicios, Na verdade, com base estrita no texto, nado ha comprovacao da referida ligacdo amorosa, Igualmente, chama a atencao em Capitu, ao contrario das demais Personagens femininas de Machado, a sua atitude n&o submissa capaz de manifestar reagao contra o que a desagradava, Assim a Observagao do Padre Cabral de que nao lhe ensinaria latim porque este “nao era lingua de me- ninas” teria acendido em Capitu, conforme confessa depois Nesse sentido, torna-se bastante estranho o seu compor- tamento ao aceitar passivamente 0 exilio na Suica que Ihe € imposto por Bentinho como solucgéo para sua crescente Suspeita de que & mesma lhe teria sido infiel, Tal postura de cat leva Ingrid Stein a questionar se com esta nao teria entecido o caso classico de mulher ativa e empreendedora Machado de. Memérias Postumas de Brés Cubas in op. cit., p. 517. rid. op. cit, » Pag. 109. chado de. D. Casmurro, in op. cit., p. 839. em solteira que casada se acomoda e passa a ser “parte” do marido e a ele se submete”. 21 Também esta presente na obra de Machado a solugao tradicional da época para o problema do adultério, ou seja, uela da defesa da honra masculina, intimamente ligada a infidelidade da mulher e que desaguava via de regra no crime passional, como descreve o proprio Machado no conto «a Cartomante’”’. Nele o marido traido Vilela apés convocar Camilo, de quem soubera compartilhar o amor de sua mulher “fez-lhe sinal e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo nao pode sufocar um grito de terror — ao fundo sobre 0 canapé estava Rita morta e ensangiientada. Vilela pegou-o pela goela e com dois tiros de revdlver, estirou-o morto no chao”. 22 21 STEIN, . cit, p. 114. = ASSIS, arena el ‘ova Completa. Rio de Janeiro. Bd. José Aguilar Ltda., Volume II, 1962, p. 483. 115

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