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Sua Divina Graça

A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupãda


Fundador-yícâr^o da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna
Ao voltarem para casa, Krsna
e Balarãma foram recebidos
por Suas afetuosas mães.
(pág. 117)

Krsna deixou-Se amarrar por


mãe Yasodã, representando
perfeitamente o papel de uma
criança comum, (pág. 66)
Krsna e Balarãma foram
incumbidos de cuidar dos
bezerros, (pág. 77)

Para convencer Brahmã de que todas aquelas vacas, bezerros e meninos não eram
originais, eles se transformaram em formas de Visnu. {pág. 92)
“Achamos que este castigo
aparente para Kãliya é
na verdade uma bênção.”
(pág. 123)

(ao lado)
Krsna, Balarãma e seus amigos
vaqueirinhos brincavam nas
florestas de Vrndãvana.
(pág. 132)

Krsna parecia um medalhão de safira esverdeada no meio de um colar de ouro. {pág. 218)
Dentre muitas milhares de gopis, Rãdharam é a mais proeminente.
(pág. 214)
Krsna arrancou o rei Karhsa de
seu trono e jogou-o no chão.
Devido ao forte murro de Krsna,
Karhsa perdeu sua vida. (pág. 286)
OlIVEODI

É
OBRAS DE SUA DIVINA GRAÇA
A.C. BHAKTIVEDÀNTA SWAMI PRABHUPÃDA
O Bhagavad-gítã Como Ele É
Snmad-Bhãgavatam, Cantos 1-10 (25 vols.)
Sn Caitanya-caritãmrta (7 volumes)
Ensinamentos do Senhor Caitanya
O Néctar da Devoção
O Néctar da Instrução
Sií Isopaniçad
Luz do Bhãgavata
Espiritualismo Dialético
Fácil Viagem a Outros Planetas
Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Ensinamentos de Prahlãda Mahãrãja
Vaírãgya-vidyã
Gcetar-gãn (bengali)
Bhakti-ratna-boli (bengali)
Revista: De Volta ao Supremo (Fundador)
LIVROS INTRODUTÓRIOS BASEADOS EM
ENSAIOS E PALESTRAS DE SRÍLA PRABHUPÃDA
Ensinamentos da Rainha KuntT
Ensinamentos do Senhor Kapíla, o Filho de Devahüti
Civilização e Transcendência
Além do Nascimento e da Morte
A Ciência da Auto-realização
O Caminho da Perfeição
A Vida Vem da Vida
A Perfeição da Yoga
A Caminho de Krsna
Um Presente Inigualável
Meditação e Superconsciência
Vida Simples, Pensamento Elevado
Rája-vídyã: o Rei do Conhecimento
Perguntas Perfeitas, Respostas Perfeitas
Krsna, o Reservatório de Prazer
Elevação à Consciência de Kfçna
Karma, a Justiça Infalível
Uma Segunda Chance
Mensagens do Supremo
As Leis da Natureza: Uma Justiça Infalível
Ensinamentos de Prabhupãda ?
O LIVBO DE

m . m tm im m k wãim psasdhiüAiía
Ftuadador-/[c&rya da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna

THE BHAKTIVEDANTA BOOKTRUST


Bâo Paulo . !x>s Angeles . Bombaim . Paris . Londres
Título do original em inglês:
Krsna, the Supreme Personality of Godhead (Portuguese)
© 1993 THE BHAKTIVEDANTA BOOK TRUST INTERNATIONAL
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TOTAL DE LIVROS IMPRESSOS: 117.000 EXEMPLARES
Editado e impresso no Brasil

CIP-Brasil. Catalogação na Fonte


Câmara Brasileira do Livro, SP

Bhaktivedanta, Swami, Abhay Charan, 1896-1977


B469k Kpsna : a suprema personalidade de Deus : um estu­
do resumido do décimo canto do Srlmad-Bhãgavatam de
Srila Vyãsadeva / A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhu-
pãda; [tradução e redação de RãdM-vmoda dãsa (Jair Costa
Júnior e Mahãkala dãsa (Márcio Lima Pereira Pombo) ]
— São Paulo : Bhaktivedanta Book Trust, 1977 —-
1. Kríshna 2 . Purartas, Bhãgavatpurãna I. Título
78-1042 CDD-294.5211
-294.5925
índices para catálogo sistemático:
1. Kríshna : Teologia dogmática : Hinduísmo 294.5211
2, Purãnas : Livros sagrados : Hinduísmo 294.5925
A Meu Pai, Gour Mohon De (1849-1930)
um devoto puro de Krsna, que me criou como
uma criança consciente de Krsna desde o
começo de minha vida. Na minha infância ele
me ensinou a como tocar mrdanga. Deu-me a
Rãdhã-Krsna Vigraha para adorar, e me deu o
Jagannãtha-Ratha para comemorar devida­
mente o festival como uma de minhas brin­
cadeiras de criança. Ele era bondoso para mim,
e eu assimilei dele as idéias que mais tarde
seriam solidificadas por meu mestre espiritual,
o pai eterno.

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índice
Recado de George Harrison X
Prefácio XIII
Introdução X IX

1 /0 Advento do Senhor Krsna 1


2/ Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna Situado no Ventre 9
3/ O Nascimento do Senhor Krsna 23
4/ Kamsa Começa suas Perseguições 32
5/ O Encontro de Nanda e Vasudeva 37
6/ Pütanã é Morta 43
7/ A Salvação de Trnãvarta 50
8/ A Visão da Forma Universal 56
9/ Mãe Yasodã Amarra o Senhor Krsna 64
10/ A Libertação de Nalaküvara e Manigrlva 67
11/ A Morte dos Demônios Vatsãsura e Bakãsura 73
12/ A Morte do Demônio Aghãsura 80
13/ Brahmã Rouba os Meninos e os Bezerros 86
14/ O Senhor Brahmã Oferece Orações ao Senhor Krsna 96
15/ A Morte de Dhenukãsura 113
16/ Kãiiya é Conquistada 116
17/ Krsna Extingue o Incêndio na Floresta 128
18/ Balarãma Mata o Demônio Pralambãsura 131
19/ Krsna Devora o Incêndio na Floresta 134
20/ Descrição de Outono 136
21/ As Gopls são Atraídas pela Flauta de Krsna 147
vm Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

22/ Krsna Rouba as Roupas das Jovens Gopls Solteiras 152


23/ Krsna Liberta as Esposas dos Brãhmanas que Estavam Executando
Sacrifícios 158
24/ Adorando a Colina de Govardhana 167
25/ Aguaceiro Devastador em Vrndãvana 174
26/ O Maravilhoso Krsna 178
27/ As Orações de Indra, o Rei do Céu 181
28/ Krsna Liberta Nanda Mahãrãja das Garras de Varuna 186
29/ A Dança da Rãsa: Introdução 190
30/ Krsna Se Esconde das Gopls 206
31/ As Canções das Gopls 211
32/ Descrição da Dança da Rãsa 218
33/ A Liberação de Vidyãdhara e a Morte do Demônio Sankhãsura 229
34/ Os Sentimentos de Separação das Gopls 235
35/ Kamsa Manda Akrüra Chamar Krsna 241
36/ A Morte do Demônio KesT e de Vyomãsura 246
37/ Akrüra Chega a Vrndãvana 250
38/ Akrüra Viaja de Volta e Visita Visnuloka Situado Dentro do Rio
Yamunã 257
39/ Orações de Akrüra 263
40/ Krsna Entra em Mathurã 268
41/ Krsna Quebra o Arco na Arena Sacrifídal 274
42/ A Morte do Elefante Kuvalayapída 279
43/ A Morte de Kamsa 283
44/ Krsna Recupera o Filho de Seu Mestre 289
45/ Uddhava Visita Vrndãvana 298
46/ Uddhava Entrega a Mensagem de Krsna às Gopls 306
47/ Krsna Satisfaz Seus Devotos 323
48/ O Mal-intencionado Dhrtarãstra 330
49/ Krsna Levanta o Forte de Dvãrakã 336
50/ O Salvamento de Mucukunda 346
51/ Krsna, o Ranchor 356
52/ Krsna Rapta RukminI 364
53/ Krsna Derrota Todos os Príncipes e Leva RukminI para Dvãrakã 372
54/ Pradyumna Nasce de Krsna e RukminI 381
55/ A História da Jóia Syamantaka 386
56/ A Morte de Satrãjit e Satadhanvã 394
57/ Krsna Casa-Se Com Cinco Rainhas 400
58/ O Salvamento do Demônio Bhamãsura 410
59/ Conversas entre Krsna e RukminI 418
60/ A Árvore Genealógica da Família de Krsna 433
índice IX

6 1 /0 Encontro de Usã com Aniruddha 439


62/ O Senhor Krsna Luta com Bãnãsura 445
63/ A História do Rei Nrga 455
64/ O Senhor Balarãma Visita Vrndãvana 462
65/ O Salvamento do Rei Paundraka e o Rei de Kãsí 467
66/ O Salvamento do Gorila Dvivida 473
67/ O Casamento de Sãmba 477
68/ O Grande Sábio Nãrada Visita os Diferentes Lares do Senhor Krsna 486
69/ Atividades Diárias do Senhor Krsna 495
70/ O Senhor Krsna na Cidade de Indraprastha 505
71/ Liberação do Rei Jarãsandha 511
72/ O Senhor Krsna Retoma à Cidade de Hastinãpura 518
73/ A Salvação de áisupãla 524
74/ Por que Duryodhana Sentiu-se Insultado no Final do Safrício
Rãjasüya 531
75/ A Batalha entre Salva e os Membros da Dinastia Yadu 536
76/ A Salvação de Sãlva 540
77/ A Morte de Dantavakra, Vidüratha e Romaharsana 544
78/ A Liberação de Balvala e o Senhor Balarãma Viaja pelos Locais
Sagrados 551
79/ O Encontro do Senhor Krsna com Sudãmã Brãhmana 556
80/ O Brãhmana Sudãmã é Abençoado pelo Senhor Krsna 564
81/ O Senhor Krsna e Balarãma Encontram-Se com os Habitantes de
Vrndãvana 570
82/ DraupadI Encontra-se com as Rainhas de Krsna 579
83/ Cerimônias Sacrificatórias Executadas por Vasudeva 585
84/ Instrução Espiritual a Vasudeva e o Senhor Krsna Recupera os
Seis Filhos Mortos de Devak! 594
85/ O Rapto de Subhadrã e a Visita do Senhor Krsna a Srutadeva e
BahulãsVa 603
86/ Orações dos Vedas Personificados 613
87/ Salvação do Senhor Siva 672
8 8 /0 Superexcelente Poder de Krsna 686
89/ Descrição Sumária dos Passatempos do Senhor Krsna 701
O Autor 717
Glossário 721
Guia da Pronúncia Sânscrita 725
de GEORGE HARRISON

Todo mundo está buscando KRSNA.


Algumas pessoas não percebem que estão, mas estão.
KRSNA é DEUS. a Fonte de tudo que existe, a Causa de tudo que é. foi e
sempre será.
Como DEUS é ilimitado. ELE tem muitos nomes.
Alá-Buda-Jeová-Rãma: Todos são KRSNA. todos são UM.
Deus não é abstrato; em Sua personalidade — que ó SUPREMA. ETERNA.
BEM-AVENTURADA e plena de CONHECIMENTO - Ele tem tanto o
aspecto Impessoal quanto o aspecto pessoal. Assim como uma simples gota
d"água tem as mesmas qualidades que um oceano d'água. da mesma forma
nossa consciência tem as qualidades da consciência de Deus... mas através de
nossa identificação com e nosso apego à energia material (corpo físico,
prazeres dos sentidos, posses materiais, ego etc.), nossa verdadeira CONSCI­
ÊNCIA TRANSCENDENTAL tem estado poluída, e. da mesma maneira que
um espelho empoeirado. é incapaz de refletir uma imagem pura.
Há muitas vidas que nossa associação com o TEMPORÁRIO vem cres­
cendo. Interpretamos erradamente que este corpo impermancnte. um saco de
ossos e carne, é o nosso eu verdadeiro, e aceitamos que esta condição tem­
porária é a definitiva.
Através de todas as eras. os grandes SANTOS têm permanecido como
provas vivas de que este estado não temporário e permanente da Consciência
de Deus pode ser revivido em todas as Almas vivas. Cada alma é potencial­
mente divina.
Krsna diz no Bhagcivad-gUã (6.28): "Fixo no Eu. livre de toda a con­
taminação material, o yogl alcança o mais elevado estágio perfeccional de fe­
licidade em contato com a Consciência Suprema/'
YOGA (um método científico para a realização (do EU) de DEUS) é o pro­
cesso pelo qual purificamos nossa consciência, impedimos futuras poluições e
chegamos ao estado da Perfeição, do CONHECIMENTO pleno e da BEM-
AVENTURANÇA plena.
^e existe um Deus, quero vê-Lo. Não tem sentido acreditar em algo sem
prova, e a consciência de Krsna e a meditação são métodos por meio dos quais
você pode realmente obter a percepção de DEUS. Você pode realmente ver
Deus. ouvi-Lo e brincar com Ele. Pode parecer loucura, mas Ele existe de
verdade, e está realmente com você.
Existem muitos Caminhos ióguicos — Rãja, Joana, Hatha, Kriya, Karma.
Bhakti — e cada MESTRE louva o seu método.
SWAMI BHAKTIVEDANTA é. como seu título diz. um BHAKTI Yogi que*'
segue o caminho da DEVOÇÃO. Servindo a DEUS por meio de cada pensa­
mento. palavra e AÇÃO. e cantando SEUS Santos Nomes, o devoto desen­
volve rapidamente a consciência de Deus. Cantando:
Hare Krsna, Hare Krsna
Krsna Krsna. Hare Hare
Hare Rãma. Hare Rãma
Rãma Rãma. Hare Hare
a pessoa chega inevitavelmente à Consciência de KRSNA. (0 sabor do pudim
está no comê-lo!)
Peço-lhe que tire proveito deste livro KRSNA e o compreenda. Peço-lhe
também que marque um encontro com seu Deus agora, através deste processo
de liberação do eu. a YOGA (UNIÃO), e DÊ UMA CHANCE À PAZ.

A lL H ou fj£ £ ò /S LbVE g ac
3 1 / 3 /7 0
Prefácio
nivrtta-tarsair upagiyamãnãd
bhavausadhãc chrotramano’bhirãmãt
ka uttama-sloka-gunãnuvãdãt
pumãn vircijyeta vinã pasughnãt
(Srímad-Bhãgavatam 10.1.4)
Nestes países ocidentais, quando alguém vê a capa de um livro como o
Krsna, pergunta logo: liQuem é Krsna? Quem é a mocinha que está com
Kr-sna?” etc.
A resposta imediata é que Krsna é a Suprema Personalidade de Deus. Por
que? Porque Ele corresponde exatamente às descrições do Ser Supremo, a
Divindade. Em outras palavras, Krsna é a Divindade porque Ele é todo-
atrativo. Afora o princípio da atração plena, não há significado para a palavra
Divindade. Como é que uma pessoa pode ser todo-atrativa? Em primeiro
lugar, se uma pessoa é muito opulenta, se é muito rica. ela se torna atrativa
para as pessoas em geral. Similarmente, alguém que seja muito poderoso
também se torna atrativo, e alguém que seja muito famoso também se torna
atrativo, e se alguém é muito bonito ou sábio ou desapegado de todas as
classes de posses, também se torna atrativo. Assim, podemos observar pela
experiência prática que uma pessoa é atrativa devido l) à riqueza. 2) ao
poder, 3) à fama, 4) à beleza, 5) à sabedoria e 6) à renúncia. Compreende-
sé que aquele que está na posse de todas estas seis opulências ao mesmo
tempo, que as possui em quantidade ilimitada, é a Suprema Personalidade de
Deus. Parãsara Muni, uma grande autoridade védica, descreve essas opulên­
cias da Divindade.
Temos visto muitas pessoas ricas, muitas pesspas poderosas, muitas pessoas
famosas, muitas pessoas bonitas, muitas pessoas eruditas e ilustradas, e
pessoas na ordem renunciada da vida que estão desapegadas das posses
materiais. Porém, na história da humanidade jamais vimos uma pessoa que
fosse ilimitada e simultaneamente rica, poderosa, famosa, bela. sábia e
X IV Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
desapegada como Krsna. Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, é uma
personalidade histórica que apareceu nesta Terra há 5.000 anos atrás. Ele
permaneceu nesta Terra durante 125 anos e comportou-Se exatamente como
um ser humano, mas Suas atividades foram incomparáveis. Desde o momento
mesmo de Seu aparecimento até o momento de Seu desaparecimento, cada
uma de Suas atividades é incomparável na história do mundo, e por isso qual­
quer pessoa que souber o que queremos dizer com Divindade aceitará Krsna
como a Suprema Personalidade de Deus. Ninguém é igual à Divindade e
ninguém é maior que Ele. Este é o significado do dito familiar: “Deus é
grande”.
Existem diversas classes de homens no mundo que falam de Deus de
diferentes maneiras, mas de acordo com as literaturas védicas e de acordo com
os grandes ãcãryas, as pessoas autorizadas versadas no conhecimento de
Deus, em todas as eras — tais como os ãcãryas Sankara, Rãmãnuja. Madhva.
Visnusvãml, o Senhor Caitanya e todos os Seus seguidores através da
sucessão discipular — todos concordam unanimemente que Krsna é a
Suprema Personalidade de Deus. Quanto a nós, os seguidores da civilização
védica, aceitamos a história védica de todo o universo, o qual consiste em
diferentes sistemas planetários chamados Svargalokas (ou o sistema
planetário superior), Martyalokas (ou o sistema planetário intermediário), e
Pãtãlalokas (ou o sistema planetário inferior). Os historiadores modernos
desta Terra não podem fornecer evidências históricas dos eventos que ocor­
reram antes de 5.000 anos atrás, e os antropólogos dizem que há 40.000 anos
atrás o Homo sapiens não havia aparecido neste planeta porque a evolução
não chegara a este ponto. Mas as histórias védicas, os Purãnas e o
Mahãbhãrata, relatam histórias humanas que se projetam até milhões e
bilhões de anos no passado.
Estas literaturas nos dão, por exemplo, as histórias dos ajwecimentos e
desaparecimentos de Krsna há milhões e bilhões de anos atrás. No quarto
capítulo do Bhagavad-gUã Krsna diz a Arjuna que tanto Ele quanto Arjuna
tinham tido muitos nascimentos antes, e que Ele (Krsna) podia Se lembrar de
todos eles e que Arjuna não. Isto serve para ilustrar a diferença entre o co­
nhecimento de Krsna e o de Arjuna. Arjuna pode ter sido um grande guer­
reiro, um membro culto da dinastia Kuru, mas no final das contas ele era um
ser humano ordinário, enquanto que Krsna, a Suprema Personalidade de
Deus, é o possuidor de conhecimento ilimitado. Por possuir conhecimento ili­
mitado, Krsna tem uma memória que é ilimitada.
O conhecimento de Krsna é tão perfeito que Ele Se lembra de todos os inci­
dentes de Seus aparecimentos há alguns milhões e bilhões de anos no passado,
mas a memória e o conhecimento de Arjuna estão limitados a tempo e espaço,
pois ele é um ser humano ordinário. No quarto capítulo Krsna declara que
Prefácio XV
pode Se lembrar de quando instruiu as lições do Bhagavad-gitã a Vivasvãn.
o deus do sol. há alguns milhões de anos atrás.
Hoje em dia é moda entre a classe dos homens ateístas tentar converter-se
em Deus seguindo algum processo místico. Geralmente, os ateístas afirmam
que são Deus à força de sua imaginação ou de sua mestria na meditação.
Krsna não é esse tipo de Deus. Ele não Se converte em Deus manufaturando
algum processo místico de meditação, nem tampouco Se converte em Deus
por Se submeter às severas austeridades dos exercícios místicos da yoga.
Propriamente falando. Ele nunca Se converte em Deus porque é a Divindade
em todas as circunstâncias.
Dentro da prisão de Seu tio materno Kamsa, onde Seu pai e Sua mãe
estavam confinados. Krsna apareceu fora do corpo de Sua mãe como o Visnu-
Nãrãyana de quatro braços. Então Ele Se converteu num bebêe disse a Seu
pai que 0 levasse à casa de Nanda Mahãrãja e sua esposa Yasodã. Quando
Krsna era apenas um bebezinho. a gigantesca demônia Põtanã tentou matá-
Lo. mas quando mamou no seio dela, Ele arrancou-lhe a vida. Esta é a
diferença entre a Divindade verdadeira e um Deus manufaturado numa
fábrica mística. Krsna não leve oportunidade de praticar o processo de yoga
mística, não obstante. Ele Se manifestou a cada passo como a Suprema Per­
sonalidade de Deus. da infância à meninice, da meninice à juventude, e da
juventude à fase adulta. Neste livro Krsna, são relatadas todas as Suas
atividades, no papel de um ser humano. Embora Krsna represente o papel de
um ser humano. Ele sempre mantém Sua identidade como a Suprema Per­
sonalidade de Deus.
Desde que Krsna é todo-atrativo. devíamos compreender claramente que
todos os nossos desejos devem ser enfocados em Krsna. No Bhagavad-gitã se
diz que a pessoa individual é o proprietário ou o senhor do corpo, mas Krsna,
que é a Superaíma presente no coração de todos, é o proprietário supremo e o
senhor supremo de cada um dos corpos individuais. Como tal, se concentrar­
mos nossas propensões amorosas unicamente em Krsna, então o resultado
imediato será que o amor. a união e a tranquilidade universais transformar-
se-ãa em realidade automaticamente. Quando se rega a raiz de uma árvore,
automaticamente os galhos, os brotos, as folhas e as flores são regados:
quando se fornece alimento ao estômago através da boca, todas as diversas
partes do corpo se satisfazem.
A arte de enfocar a atenção no Supremo e de Lhe dar nosso amor chama-se
consciência de Krsna. Nós inauguramos o Movimento para a Consciência de
Krsna para que todos possam satisfazer suas propensões de amar os outros
simplesmente por dirigir seu amor para Krsna. O mundo inteiro está muito
ansioso para satisfazer a propensão adormecida de amor pelos outros, mas as
invenções de diversos métodos — como o socialismo, o comunismo, o
XVI Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
altruísmo, o humanitarismo, o nacionalismo, e qualquer outra coisa que possa
ser manufaturada para a paz e prosperidade do mundo — são totalmente
inúteis e frustrantes por causa da nossa grosseira ignorância da arte de amar a
Krsna. Geralmente, as pessoas pensam que se promoverem a causa dos
princípios morais e dos ritos religiosos, elas serão felizes. Outros, talvez
pensem que se pode lograr a felicidade através do desenvolvimento
econômico, e há ainda outros que pensam que serão felizes simplesmente com
a gratificação dos sentidos. Mas o fato real é que as pessoas só podem ser fe­
lizes amando a Krsna.
Krsna pode perfeitameníe reciprocar nossas propensões amorosas em
diferentes relações chamadas doçuras ou rasas. Basicamente- há doze relações
amorosas. Pode-se amar a Krsna como o supremo desconhecido, como o
mestre supremo, como o amigo supremo, o filho supremo, o amante supremo.
Estas são as cinco rasas amorosas básicas. Pode-se também amar a Krsna in­
diretamente em sete relações diferentes, as quais são aparentemente
diferentes das cinco relações primárias. Porém, considerando bem as coisas,
se uma pessoa simplesmente deposita sua propensão amorosa adormecida em
Krsna. então sua vida se torna um êxito. Isto não é uma ficção mas é um fato
que pode ser realizado por meio da aplicação prática. Uma pessoa pode perce­
ber diretamente os efeitos que o amor por Krsna tem sobre sua vida.
No nono capítulo do Bhagavad-gltã esta ciência da consciência de Krsna é
chamada de o rei de todo o conhecimento, o rei de todas as coisas confiden­
ciais e a ciência suprema da realização transcendental. Contudo, podemos ex­
perimentar diretamente os resultados desta ciência da consciência de Krsna
porque é muito fácil praticá-la e é muito agradável. Qualquer percentagem de
consciência de Krsna que executemos ficará sendo uma vantagem eterna para
nossa vida, pois a consciência de Krsna é imperecível em todas as circunstân­
cias. Na realidade, tem-se provado que a confusa e frustrada geração jovem
de hoje nos países ocidentais, pode perceber diretamente os resultados obtidos
por se canalizar a propensão amorosa unicamente para Krsna.
Diz-se que ainda que uma pessoa execute austeridades severas, penitências
e sacrifícios em sua vida. se ela não consegue despertar seu amor adormecido
por Krsna. então todas as suas penitências devem ser consideradas inúteis.
Por outro lado. se uma pessoa desperta seu amor adormecido por Krsna, então
de que adianta executar austeridades e penitências desnecessariamente?
0 Movimento para a Consciência de Krsna é a dádiva única do Senhor
Caitanya para as almas caídas desta era. E um método muito simples que tem
sido posto realmente em prática durante os últimos anos nos países ociden­
tais, e não há dúvida de que este movimento pode satisfazer as propensões
amorosas adormecidas da humanidade. Este livro Krsna é mais uma apre­
sentação para ajudar o Movimento para a Consciência de Krsna no mundo oci­
Prefácio XVII
dental. Esta literatura transcendental vem publicada em três volumes com
muitas ilustrações. As pessoas adoram ler diversos tipos de ficção para passar
o tempo e despender energia. Agora pode-se dirigir esta tendência para
Krsna. O resultado será a satisfação imperecível da alma, tanto individual
quanto coletivamente.
No Bhagavad-gltã se diz que até mesmo um pequeno esforço despendido
no caminho da consciência de Krsna pode nos salvar do maior perigo. Cen­
tenas de milhares de exemplos poderiam ser citados de pessoas que escaparam
dos maiores perigos da vida por causa de um pequeno avanço na consciência
de Krsna. Por isso, solicitamos que todos tirem proveito desta grande
literatura transcendental. A medida que for lendo as páginas deste livro, a
pessoa descobrirá que será revelado um imenso tesouro de conhecimento em
arte, ciência, literatura, filosofia e religião e, em ultima análise, por ler este
único livro, Krsna, o amor a Deus frutificará.
Fico muito agradecido a Srimãn George Harrison, que agora canta Hare
Krsna, por sua contribuição liberal de dezenove mil dólares para saldar o
custo total da impressão deste volume. Que Krsna conceda a este bom rapaz
mais avanço na consciência de Krsna.
Por fim concedo minhas eternamente dispostas bênçãos a Srimãn Syãma-
sundaradãsa Adhikãrl, Srimãn Brahmãnandadãsa Brahmacãri, Srimãn
Hayagrlvadãsa Adhikãrl, Srimãn Satsvarüpadãsa Adhikãrl, Srimatí Devahüti
Deví, Srimatí Jadurãnl Dãsl, Srimãn Muralídharadãsa Brahmacãri, Srimãn
Bhãradvãjadãsa Adhikãrl e Srimãn Pradyumnadãsa Adhikãrl, etc., por terem
trabalhado duramente de diversas maneiras para fazer com que esta
publicação resultasse num grande êxito. Hare Krsna.
Dia do Advento de Srila
Bhaktisiddhãnta SarasvatI
26 de fevereiro de 1970
Sede da ISKCON A. C. Bhnktn-ednnta Swami
3764 Watseka Avenue
Los Angeles, Califórnia
Introdução
Krsna! Krsna! Krsna! Krsnd! Krsna! Krsna! Krsna! he!
Krsna! Krsna! Kr;sna! Krsna! Krsna! Krsna! Krsna! he!
Krsna! Krsna! Krsna! Krsna! Krsna! Krsna! raksa mãm!
Krsna! Krsna! Krsna! Krsna! Krsna! Krsna! pãhi mãm!
Rãma! Rãghava! Rama! Rãghava! Rãma! Rãghava! raksa mãm!
Krsna! Kesava! Krsna! Kesava! Krsna! Kesava! pãhi mãm!
Caitanya-caritãmrta (Madhya 7.96)
Ao tentar escrever este livro. Krsna, deixe-me em primeiro lugar oferecer
minhas respeitosas reverências a meu mestre espiritual. Om Visnupãda 108
Sr! Srlmad Bhaktisiddhãnta Sarasvatl Gosvãml Mahãrãja Prabhupãda. Em
seguida, deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências ao oceano de
misericórdia, o Senhor Sr! Krsna Caitanya Mahãprabhu. Ele é a Suprema
Personalidade de Deus, o próprio Krsna, que aparece representando o papel
de um devoto simplesmente para distribuir o mais elevado princípio do
serviço devocional. O Senhor Caitanya começou Sua pregação a partir do país
conhecido como Gaudadesa (Bengala Ocidental). E como pertenço à Mãdhva-
Gaudlya-sampradãya, devo portanto oferecer minhas respeitosas reverências
à nossa sucessão discipular. Esta Mãdhva-Gaudíya-sarnpradãya também é co­
nhecida como a Brahma-samprãdaya porque a sucessão discipular começou
originalmente de Brahmã. Brahmã instruiu o sábio Nãrada, Nãrada instruiu
Vyãsadeva e Vyãsadeva instruiu Madhva Muni, ou Madhvãcãrya. Mãdha-
vendra PurI, o originador da Mãdhva-Gaudyía-sampradãya, pertenceu à
sucessão discipular de Madhvãcãrya; ele teve muitos discípulos célebres tanto
na ordem sannyãsa (renunciada) da vida quanto na ordem da vida de casado,
discípulos tais como Nityãnanda Prabhu, Advaita Prabhu e Isvara PurI.
Isvara Pur! foi o mestre espiritual do Senhor Caitanya Mahãprabhu. Por isso,
ofereçamos nossas respeitosas reverências a Isvara PurI, Nityãnanda Prabhu,
Sri Advaita Ãcãrya Prabhu, Srívãsa Pandita e Sn Gadãdhara Pandita. Em
XX Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
seguida, ofereçamos nossas respeitosas reverências a Svarüpa Dãmodara, que
atuou como o secretário particular do Senhor Caitanya Mahãprabhu;^ e
ofereçamos nossas respeitosas reverências a Sri Vãsudeva Datta e a Srl
Govinda, o servidor constante do Senhor Caitanya, e ao amigo constante do
Senhor Caitanya, Mukunda, e também a Murãri Gupta. E ofereçamos nossas
respeitosas reverências aos seis Gosvãmls de Vrndãvana: Srl Rüpa Gosvãmí,
Srl Sanãtana Gosvãmí, Srl Raghunãtha Bhatta Gosvãmí, Srl Gopãla Bhatta
Gosvãmí, Jíva Gosvãmí e Srl Raghunãtha Dãsa Gosvãmí.
O próprio Krsna explica no Bhagcivad-gitã que Ele é a Suprema Per­
sonalidade de Deus. Sempre que há discrepâncias nos princípios regulativos
da vida religiosa do homem e uma proeminência de atividades irreligiosas,
Ele aparece neste planeta Terra. Em outras palavras, quando o Senhor Srl
Krsna apareceu havia uma necessidade de reduzir a carga de atividades
pecaminosas acumuladas neste planeta, ou neste universo. O Senhor Mahã-
Vísnu, a porção plenária de Krsna, está encarregado dos assuntos da criação
material.
Quando o Senhor descende, a encarnação emana de Visnu. O Mahã-Visnu é
a causa original da criação material, e d'Ele se expande o Garbhodakasãyi-
Visnu, e em seguida o Kslrodakasãyí-Visnu. Geralmente, todas as en­
carnações que aparecem dentro deste universo material são expansões
plenárias do Ksírodakasãyl-Yisnu. Portanto, a obrigação de reduzir a
sobrecarga de atividades pecaminosas nesta Terra não compete ao próprio
Krsna, a Suprema Personalidade de Deus. Mas quando Krsna aparece, todas
as expansões de Visnu também se juntam a Ele. As diferentes expansões de
Krsna, a saber: Nãrãyana, a expansão quádrupla de Vãsudeva. Sankarsana.
Pradyumna e Aniruddha, bem como a expansão plenária parcial de Matsya.
ou a encarnação de peixe, e outros yaga-avatãras (encarnações para o
milênio), e os manvantara-avatãras (as encarnações dos Manus) — todos se
reúnem e aparecem com o corpo de Krsna, a Suprema Personalidade de Deus.
Krsna é o todo completo, e todas as expansões plenárias e encarnações vivem
sempre com Ele.
Quando Krsna apareceu, o Senhor Visnu também estava com Ele. Na
realidade, Krsna aparece para demonstrar Seus passatempos de Vrndãvana e
para atrair as almas condicionadas afortunadas, e convidá-las a voltar para
casa, de volta ao Supremo. À matança dos demônios foi simultânea com as
Suas atividades de Vrndãvana e foi levada a cabo unicamente pela porção
Visnu de Krsna.
No Bhagavad-gitã, oitavo capítulo, vigésimo verso, afirma-se que existe
uma outra natureza, que é eterna, o céu espiritual, a qual é transcendental a
esta matéria manifesta e imanifesta. Pode-se ver o mundo manifestado na
forma de muitas estrelas e sistemas planetários, tais como o sol e a lua. mas
Introdução XXI
além disso há uma porção imanifesta da qual ninguém que tenha este corpo
pode se aproximar. E além dessa matéria imanifesta está o reino espiritual.
No Bhagavad-gítã esse reino é descrito como supremo e eterno. Ele nunca é
aniquilado. Esta natureza material está sujeita à criação e à aniquilação
repetidas. Mas aquela parte, a natureza espiritual, permanece como ela é eter­
namente.
No Brahma-samhitã também se descreve a morada suprema de Krsna, a
Personalidade de Deus, como a morada de cintãmani. Essa morada do Senhor
Krsna conhecida como Goloka Vrndãvana é cheia de palácios feitos de pedra
cintãmani (pedra que transforma tudo em ouro). Ali as árvores são chamadas
de árvores dos desejos, e as vacas se chamam surabhi. Ali o Senhor é servido
por centenas de milhares de deusas da fortuna. Seu nome é Govinda, o
Senhor Primordial, e Ele é a causa de todas as causas. Ali o Senhor toca Sua
flauta, Seus olhos são como pétalas de lótus, e a cor do Seu corpo é como a de
uma formosa nuvem. Ele usa uma pena de pavão sobre a cabeça e é tão
atrativo que excede milhares de cupidos. No Gitã o Senhor Krsna dá apenas
uma pequena indicação de Sua morada pessoal, que é o planeta máximo no
reino espiritual. Ao passo que no Srimad-Bhãgavatam, Krsna aparece real­
mente com toda a Sua parafernália e demonstra Suas atividades em
Vrndãvana, e a seguir em Mathurã, e depois em Dvãrakã. O conteúdo deste
livro revelará gradual mente todas estas atividades.
A família na qual apareceu Krsna chama-se a dinastia Yadu. Esta dinastia
Yadu pertence à família qpe descende de Soma, o deus do planeta lua. Na
ordem real, há duas famílias de ksatriya diferentes, uma que descende do rei
do planeta lua e outra que descende do rei do planeta sol. Sempre que a
Suprema Personalidade de Deus aparece, Ele geralmente aparece numa
família de ksatriya porque tem que estabelecer os princípios religiosos ou a
vida honrada. Segundo o sistema védico, a família de ksatriya é a protetora da
raça humana. Quando a Suprema Personalidade de Deus apareceu como o
Senhor Rãmacandra, Ele apareceu na família descendente do deus do sol, co­
nhecida como Raghu-vamsa; e quando apareceu como o Senhor Krsna, Ele o
fez na família da Yadu-vamsa. No vigésimo-quarto capítulo do nono canto do
Srimad-Bhãgavatam, há uma extensa lista dos reis da Yadu-vamsa. Todos
eles foram grandes reis poderosos. O nome do pai de Krsna foi Vasudeva,
filho de Sürasena e descendente da dinastia Yadu. Na realidade, a Suprema
Personalidade de Deus não pertence a nenhuma dinastia deste mundo
material, porém, por Sua graça, a família na qual aparece a Suprema Per­
sonalidade de Deus, torna-se famosa. Por exemplo, a madeira de sândalo é
produzida nos estados da Malásia. A madeira de sândalo tem suas próprias
características à parte da Malásia, mas porque por acidente esta madeira é
produzida principalmente nos estados da Malásia, ela é conhecida como
xxn Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
madeira de sândalo malaia. Similarmente. Krsna, a Suprema Personalidade
de Deus, pertence a todos, mas assim como o sol nasce no este, embora haja
outras direções das quais ele poderia nascer, da mesma forma, por Sua
própria escolha, o Senhor aparece numa família em particular, e tal família
torna-se famosa.
Quando Krsna aparece, todas as Suas expansões plenárias também
aparecem com Ele. Krsna apareceu juntamente com Balarãma (Baladeva),
que é conhecido como o Seu irmão mais velho. Balarãma é a origem de
Sankarsana, da expansão quádrupla. Balarãma é também uma expansão
plenária de Krsna. Neste livro, tentaremos mostrar como Krsna apareceu na
família da dinastia Yadu e como Ele exibiu Suas características transcenden­
tais. Isto se descreve muito vividamente no Srimad-Bhãgavatam —
especificamente no décimo canto — e a base deste livro será o Srimad-
Bkãgavatam.
Geralmente, as almas liberadas ouvem e saboreiam os passatempos do
Senhor. Àqueles que são almas condicionadas estão interessados em ler contos
de ficção sobre as atividades materiais de algum homem comum. No Srimad-
Bhãgavatam e em outros Purãnas encontram-se as narrações que descrevem
as atividades transcendentais do Senhor. Porém, as almas condicionadas
ainda preferem estudar as narrações ordinárias. Elas não estão muito in­
teressadas em estudar as narrações dos passatempos do Senhor Krsna. E não
obstante as descrições dos passatempos do Senhor Krsna são tão atrativas que
são saborosas para todas as classes de homens. Neste mundo existem três
classes de homens; uma classe consiste em almas liberadas, a outra consiste
naqueles que estão tentando liberar-se, e a terceira consiste nos homens
materialistas. Quer se seja liberado ou se esteja tentando liberar-se, ou
mesmo que se seja grosseiramente materialista, vale a pena estudar os
passatempos do Senhor Krsna.
As almas liberadas não têm interesse em atividades materialistas. A teoria
impersonalista de que após a liberação a pessoa se torna inativa e não
necessita ouvir nada, não prova que uma alma liberada seja realmente ina­
tiva. Uma alma viva não pode ser inativa. Ela é ativa tanto no estado condi­
cionado quanto no estado liberado. Uma pessoa doente, por exemplo, também
é ativa, porém suas atividades são muito dolorosas. A mesma pessoa, quando
se livra da condição enferma, ainda é ativa, mas na condição saudável as
atividades são plenas de prazer. Similarmente, os impersonalistas são capazes
de fazer arranjos para se livrar das atividades enfermas e condicionadas, mas
não têm informação das atividades na condição saudável. Aqueles que estão
realmente liberados e em pleno conhecimento sentem-se atraídos a ouvir as
atividades de Krsna; tal ocupação é atividade espiritual pura.
Para as pessoas que estão realmente liberadas é essencial ouvir sobre os
Introdução XXIII.
passatempos de Krsna. Para uma pessoa que está no estado liberado este é o
assunto mais saboroso. Da mesma forma, se as pessoas que estão tentando
liberar-se ouvem narrações tais como o Bhagavad-gltã e o Srimad-
Bhãgavatam, então seu caminho da liberação fica muito claro. O Bhagavad-
gltã é o estudo preliminar do Srimad-Bhãgavatam. Estudando o Gitã, a
pessoa se torna totalmente consciente da posição do Senhor Krsna; e quando
se situa aos pés de lótus de Krsna, ela compreende as narrações de Krsna que
são descritas no Srimad-Bhãgavatam. Por conseguinte, o Senhor Caitanya
avisa a Seus seguidores que a obrigação deles é propagar o krsna-kathã
Krsna-kathã significa narrações sobre Krsna. Há dois krsna-kathãs: as
narrações faladas por Krsna e as narrações faladas sobre Krsna. O Bhagavad-
gltã é a narração ou a filosofia ou a ciência de Deus, falada pelo próprio
Krsna, 0 Srimad-Bhãgavatam é a narração sobre as atividades e os passatem­
pos transcendentais de Krsna. Ambos são krsna-kathã. A ordem do Senhor
Caitanya é que se deve difundir o krsna-kathã por todas as partes do mundo,
pois se as almas condicionadas, que sofrem sob os tormentos da existência
material, se sentirem atraídas pelo krsna-kathã, então seu cammho da
liberação se abrirá e se aclarará. 0 propósito de apresentar este livro é em pri­
meiro lugar de induzir as pessoas a compreender Krsna ou o krsna-kathã,
porque assim elas podem libertar-se do cativeiro material.
Este krsna-kathã também atrairá muito as pessoas que são muito
materialistas porque os passatempos de Krsna com as gopis (as pastorzinhas
de vacas) são exatamente como as aventuras amorosas entre as moças e os
rapazes dentro deste mundo material. Na realidade, o sentimento sexual en­
contrado na sociedade humana não é inatural porque este mesmo sentimento
sexual existe na Personalidade de Deus original. A potência de prazer chama-
se Srlmatl Rãdhãrãni. A atração das aventuras amorosas fundamentada no
sentimento sexual é a característica original da Suprema Personalidade de
Deus, e como nós, as almas condicionadas, somos partes integrantes do
Supremo, também temos tais sentimentos, só que os experimentamos numa
condição diminuta e pervertida. Por isso, quando aqueles que andam em
busca da vida sexual neste mundo material ouvirem sobre os passatempos de
Krsna com as gopis, eles saborearão o prazer transcendental, muito embora
isso pareça ser materialista. A vantagem será que eles se elevarão gradual­
mente à plataforma espiritual. No Bhãgavatam se afirma que se uma pessoa
ouvir os passatempos do Senhor Krsna com as gopis da parte de autoridades e
com submissão, então ela será promovida à plataforma de serviço transcen­
dental amoroso ao Senhor, e a doença material de luxúria dentro de seu
coração será completamente superada. Em outras palavras, isto neutralizará a
vida sexual material.
Krsna atrairá as almas liberadas e as pessoas que estão tentando se liberar,
XXIV Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
bem como os grosseiros materialistas condicionados. De acordo com a
declaração de Mahãrãja Parlksit, que ouviu sobre Krsna da parte de Sukadeva
Gosvãmí, o krsna-kathã se aplica igualmente a todo ser humano, em qual­
quer condição de vida que esteja. Todo mundo apreciará profundamente o
krsna-kathã. Mas Mahãrãja Parlksit também advertiu que as pessoas que
simplesmente se ocupam em matar animais e em matar a si mesmas talvez
não se sintam muito atraídas pelo krsna-kathã Em outras palavras, as
pessoas comuns que seguem os princípios morais regulativos das escrituras,
não importa em que condição se encontrem, certamente sentir-se-ão atraídas,
mas não as pessoas que estão se matando a si mesmas. A palavra exata usada
no Srlmad-Bhãgavatam em relação a isto é pasughna, que significa matar
animais ou matar-se a si mesmo. As pessoas que não são auto-realizadas e que
não estão interessadas na realização espiritual, estão se matando; estão come­
tendo suicídio. Já que essa forma de vida humana se destina especialmente à
auto-reaiização, a pessoa que negligencia esta importante parte de suas
atividades, simplesmente desperdiça o seu tempo como os animais. Assim, ela
é pasughna. O outro significado da palavra se refere àqueles que realmente
matam animais. Isto se refere às pessoas que comem animais (inclusive
cachorros), pois todas elas se ocupam em matar animais de muitas maneiras,
tais como caçando e abrindo matadouros. Pessoas assim não podem estar in­
teressadas no krsna-kathã.
O rei Parlksit estava especialmente interessado em ouvir o krsna-kathã
porque sabia que seus antepassados e seu avó (Arjuna) em particular, só
saíram vitoriosos na gTande Batalha de Kuruksetra por causa de Krsna.
Podemos também considerar este mundo material como um Campo de
Batalha de Kuruksetra. Todos lutam duramente pela existência neste campo
de batalha, e a cada passo há perigo. Segundo Mahãrãja Parlksit, o Campo de
Batalha de Kuruksetra era exatamente como um vasto oceano cheio de
animais perigosos. Seu avô Arjuna teve que lutar com grandes heróis tais
como Bhísina, Drona, Karna, e muitos outros que não eram lutadores co­
muns. Tais guerreiros são comparados ao peixe timingila no oceano. O peixe
timingila pode engolir grandes baleias com muita facilidade. Os grandes
lutadores no Campo de Batalha de Kuruksetra poderíam engolir muitos e
muitos Arjunas com muita facilidade, mas simplesmente por causa da
misericórdia de Krsna, Arjuna foi capaz de matá-los a todos. Assim como
uma pessoa pode sem nenhum estorço passar por cima da pequena poça
d’água contida na pegada de um bezerro, da mesma forma Arjuna, pela graça
de Krsna, foi capaz de passar de um salto e muito facilmente pelo oceano da
Batalha de Kuruksetra.
Mahãrãja Parlksit apreciava muito as atividades de Krsna por muitas
outras razões. Não foi somente seu avô que Krsna salvou, mas ele próprio
Introdução XX V
também foi salvo por Krsna. No final da Batalha de Kuruksetra, todos os
membros da dinastia Kuru, tanto os filhos e netos no lado de Dhrtarãstra,
quanto aqueles que estavam no lado dos Pãndavas, morreram na luta. A
exceção dos cinco irmãos Pãndavas. todos morreram no Campo de Batalha de
Kuruksetra. Nessa ocasião Mahãrãja Parlksit estava dentro do ventre de sua
mãe. Seu pai, Abhimanyu, o filho de Arjuna, também morreu no Campo de
Batalha de Kuruksetra, e assim Mahãrãja Parlksit foi um filho póstumo.
Quando estava no ventre de sua mãe, Asvatthãmã atirou uma arma
brahmãstra para matá-lo. Quando Uttarã, a mãe de Parlksit Mahãrãja, apro­
ximou-se de Krsna, Krsna, vendo o perigo do aborto, entrou no ventre dela
como a Superalma e salvou Mahãrãja Parlksit. Mahãrãja Parlksit também é
chamado de Visnurãta porque o próprio Senhor Visnu o salvou enquanto ele
ainda estava no ventre.
Deste modo, todo mundo, em qualquer condição de vida, deve se interessar
em ouvir sobre Krsna e Suas atividades porque Ele é a Suprema Verdade Ab­
soluta, a Personalidade de Deus. Ele é todo-penetrante; Ele vive dentro do
coração de todo mundo e em Sua forma universal. E todavia, como se des­
creve no Bhagavad-gitã, Ele aparece como Ele é na sociedade humana
simplesmente para convidar a todos à Sua morada transcendental, de volta ao
lar, de volta ao Supremo. Todos deviam se interessar em conhecer Krsna, e
este livro é apresentado com este fim: que as pessoas possam conhecer Krsna
e beneficiar-se perfeitamente nesta forma de vida humana.
No nono canto do Srlmad-Bhãgavatam, Sri Baladeva é descrito como o
filho de RohinI, uma esposa de Vasudeva. Vasudeva, o pai de Krsna, teve
dezesseis esposas, e uma delas foi RohinI, a mãe de Balarãma. Mas se
Balarãma também é descrito como o filho de Devaki, como poderia Ele ser
filho tanto de Devaki como de RohinI? Esta foi uma das perguntas que
Mahãrãja Parlksit fez a Sukadeva Gosvãml, a qual será respondida na ocasião
oportuna. Mahãrãja Parlksit também perguntou a Sukadeva Gosvãml por que
Sri Krsna, logo após Seu aparecimento como o filho de Vasudeva, foi levado
imediatamente para a casa de Nanda Mahãrãja em Vrndãvana, Gokula. Ele
também quis saber quais foram as atividades do Senhor Krsna enquanto Este
esteve em Vrndãvana e enquanto esteve em Mathurã. Além disso, estava
especialmente curioso para saber por que Krsna havia matado Kaihsa, seu tio
materno. Uma vez que era irmão da mãe de Krsna, Kamsa era um superior
muito íntimo de Krsna; então, como pôde Ele matar Kamsa? Ele também
perguntou quantos anos o Senhor Krsna permaneceu na sociedade humana,
quantos anos reinou no reinado de Dvãrakã, e quantas esposas aceitou ali.
Geralmente, um rei ksatriya costuma aceitar mais de uma esposa; por isso,
Mahãrãja Parlksit também perguntou sobre o número de esposas que Krsna
teve. O conteúdo deste livro consiste em Sukadeva Gosvãml respondendo ã
XXVI Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
esta e a outras perguntas feitas por Mahãrãja Paríksit.
A posição de Mahãrãja Paríksit e Sukadeva Gosvãml é única. Mahãrãja
Paríksit é a pessoa certa para ouvir sobre os passatempos transcendentais de
Krsna, e Sukadeva Gosvãml é a pessoa certa para descrevê-los. Se ta! com­
binação afortunada se faz possível, então o krsna-kathã se revela imediata­
mente, e as pessoas podem beneficiar-se até o mais alto grau ao ouvirem tal
conversação.
Sukadeva Gosvãml apresentou esta narração quando Mahãrãja Paríksit
estava preparado para abandonar seu corpo, jejuando às margens do Ganges.
Para assegurar a Sukadeva Gosvãml de que não se sentiría cansado ouvindo
krsna-kathã, Mahãrãja Parlksit se exprimiu com muita franqueza: “A fome e
a sede podem molestar as pessoas comuns ou a mim, mas os tópicos de Krsna
são tão maravilhosos que uma pessoa pode continuar ouvindo sobre eles sem
sentir-se cansada, pois tal audição a situa na posição transcendental/’ Com­
preende-se que é preciso ter muita sorte para se ouvir sobre o krsna-kathã
seriamente, como Mahãrãja Parlksit. Ele estava especialmente interessado no
assunto porque esperava a morte dum momento para outro. Todos nós
devemos estar conscientes de que a morte pode vir a qualquer momento. Esta
vida não é de modo nenjium segura; dum momento para outro podemos mor­
rer. Não importa se a pessoa é jovem ou idosa. Por isso, antes que aconteça a
morte, devemos estar totalmente conscientes de Krsna.
Às portas da morte, o rei Parlksit ouvia o SrTmad-Bhãgavatam da parte de
Sukadeva Gosvãml. Quando o rei Parlksit expressou seu desejo incansável de
ouvir sobre Krsna, Sukadeva Gosvãml sentiu-se muito satisfeito. Sukadeva
foi o maior de todos os recitadores do Bhãgavata, e assim ele começou a falar
sobre os passatempos de Krsna, os quais destroem todas as coisas inauspi-
ciosas desta era de Kali. Sukadeva Gosvãml agradeceu ao rei por seu desejo
ardente de ouvir sobre Krsna, e animou-o dizendo: “Meu querido rei, você
tem uma inteligência aguda porque está muito ansioso por ouvir sobre os
passatempos de Krsna.” Ele informou a Mahãrãja Paríksit que ouvir e cantar
os passatempos de Krsna é tão auspicioso que o processo purifica as três
pessoas que dele participam: aquele que recita os tópicos transcendentais de
Krsna,vaquele que ouve tais tópicos e aquele que pergunta acerca d’Ele. Estes
passatempos são exatamente como a água do Ganges que flui do dedo do pé do
Senhor Visnu: purificam os três mundos, os sistemas planetários superior,
intermediário e inferior.
1 / 0 Advento do Senhor Krsna

Uma vez. o mundo se viu sobrecarregado com a força defensiva


desnecessária de diferentes reis. que na realidade eram demônios mas se
faziam passar pela ordem real. Nesse tempo, o rriundo inteiro ficou em
desordem, e a divindade predominante desta terra, conhecida como Bhümi.
foí ter com o Senhor Brahmã para falar-lhe de suas calamidades causadas
pelos reis demoníacos. Bhümi assumiu a forma de uma vaca e com lágrimas
nos olhos apresentou-se perante o Senhor Brahmã. Ela estava desolada e
chorava simplesmente para invocar a compaixão do Senhor. Ela relatou a
situação calamitosa da Terra, e depois de ouvir isto o Senhor Brahmã se
afligiu muito e partiu imediatamente para o oceano de leite, onde reside o
Senhor Visnu. Todos os semideuses encabeçados pelo Senhor Siva acom­
panharam o Senhor Brahmã. e Bhümi também o acompanhou. Ào chegar na
praia do oceano de leite, o Senhor Brahmã começou a apaziguar o Senhor
Visnu. o qual anteriormente salvara o planeta Terra assumindo a forma
transcendental de um javali.
Nos mantras védicos há um tipo de oração particular chamada purusa-
sãkta. Geralmente, os semideuses oferecem suas reverências a Visnu. a
Suprema Personalidade de Deus. cantando o purusa-sükta. Compreende-se
aqui que a divindade predominante de cada planeta pode ver o senhor
supremo deste universo. Brahmã. sempre que há alguma perturbação em seu
planeta. E Brahmã pode se aproximar do Supremo Senhor Visnu. não por vê-
Lo diretamente, mas sim por colocar-se na praia do oceano de leite. Existe um
planeta dentro deste universo chamado Svetadvípa. e neste planeta há um
oceano de leite. Compreende-se a partir de diversas literaturas védicas que
assim como existe um oceano de água salgada neste planeta, existem diversos
tipos de oceanos em outros planetas. Em alguma parte há um oceano de leite,
em alguma parte há um oceano de óleo e em alguma parte um oceano de
álcool, e muitos outros tipos de oceanos. 0 purusa-sükta é a oração padrão que
os semideuses recitam para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. o
2 Krsna. a Suprema Personalidade de Deus
Ksírodakasãyi-Visnu. Porque está deitado no oceano de leite, Ele é chamado
de Ksirodakasãyl-Visnu. Ele é a Suprema Personalidade de Deus, através de
Quem aparecem todas as encarnações dentro deste universo.
Depois que todos os semideuses ofereceram a oração purusa-sãkta à
Suprema Personalidade de Deus, aparentemente não ouviram resposta. Então
o Senhor Brahmã pessoalmente sentou-se em meditação, e o Senhor Visnu
transmitiu uma mensagem a Brahmã. Em seguida, Brahmã difundiu a men­
sagem para os semideuses. Este é o sistema para se receber o conhecimento
védico. Em primeiro lugar, Brahmã recebe o conhecimento védico da parte da
Suprema Personalidade de Deus, por intermédio do coração. Como se afirma
no começo do Srimad-Bhãgavatam, tene brahma hrdã: o conhecimento
transcendental dos Vedas foi transmitido ao Senhor Brahmã através do
coração. Da mesma forma, aqui neste caso, só Brahmã pôde compreender a
mensagem que o Senhor Visnu transmitiu, e ele a difundiu para os semi­
deuses para que estes atuassem de imediato. A mensagem era: a Suprema
Personalidade de Deus aparecerá muito breve na Terra juntamente com Suas
poderosas potências supremas, e enquanto Ele permanecer no planeta Terra
para executar Sua missão de aniquilar os demônios e estabelecer os devotos,
os semideuses também devem permanecer ali para ajudá-Lo. Todos eles
devem nascer imediatamente na família da dinastia Yadu, onde o Senhor
também aparecerá na ocasião oportuna.
A própria Suprema Personalidade de Deus, Krsna, apareceu pessoalmente
como o filho de Vasudeva. Antes d‘Ele aparecer, todos os semideuses, acom­
panhados de suas esposas, apareceram em diferentes famílias piedosas no
mundo tão somente para ajudar o Senhor a executar Sua missão. A palavra
exata usada aqui é tatpriyãrtham, que significa que os semideuses
apareceríam na Terra para satisfazer o Senhor. Em outras palavras, qualquer
entidade viva que viva unicamente para satisfazer o Senhor é um semideus.
Os semideuses foram além disso informados de que Ananta, a porção plenária
do Senhor Krsna que sustenta os planetas universais estendendo Seus
milhões de capelos, também aparecería na Terra antes do aparecimento do
Senhor Krsna. Também foram informados de que a potência externa de
Visnu {mãyã), da qual todas as almas condicionadas estão enamoradas,
também aparecería tão somente para cumprir o objetivo do Senhor Supremo.
Após instruir e tranqüilizar com palavras doces todos os semideuses, bem
como a Bhõmi, o Senhor Brahmã, o pai de todos os prajãpatis (ou pro-
genitores da população universal), partiu para sua própria morada, o mais
elevado planeta material, chamado Brahmaloka.
O líder da dinastia Yadu, rei Sürasena, governava o país conhecido como
Mathurã (o distrito de Mathurã) bem como o distrito conhecido como
Sürasena. Por causa do governo do rei Sürasena, Mathurã tornou-se a capital /
0 Advento do Senhor Krsna 3
de todos os reis dos Yadus. Também se fez de Mathurã a capital dos reis da
dinastia Yadu porque os Yadus eram uma família muito piedosa e sabiam que
Mathurã é o lugar onde o Senhor Srí Krsna vive eternamente, da mesma
forma que o Senhor também, vive eternamente em Dvãrakã.
Uma vez, Yasudeva, o filho de Sürasena, logo após seu matrimônio com
Devakl, estava indo para casa em sua quadriga com a esposa recém-casada. 0
pai de Devakl, conhecido como Devaka, contribuira com um dote suficiente
porque tinha muita afeição por sua filha. Ele contribuira com centenas de
quadrigas completamente decoradas com equipamento dourado. Nesse
momento, Kaiiisa, o filho de Ugrasena, querendo comprazer sua irmã Devakl,
tomara voluntariamente das rédeas dos cavalos da quadriga de Vasudeva e a
conduzia. Segundo o costume da civilização védica, quando uma moça se casa,
o irmão leva a irmã e o cunhado à casa deles. Porque talvez a moça recém-
casada sinta muita separação da família de seu pai, o irmão a acompanha até
que ela chegue à casa de seu sogro. Ao todo, Devaka contribuiu com o
seguinte dote: quatrocentos elefantes completamente decorados com guirlan-
das douradas, quinze mil cavalos decorados e mil e oitocentas quadrigas. Ele
também providenciou para que duzentas belas moças acompanhassem sua
filha. O sistema de casamento ksatriya, ainda corrente na índia, dita que
quando um ksatriya se casa, algumas dúzias de jovens amigas da noiva (além
da noiva) vão à casa do rei. As acompanhantes da rainha são chamadas de
criadas, mas na realidade elas atuam como amigas da rainha. Esta prática pre­
valece desde tempos imemoriais, que remontam pelo menos à época anterior
ao advento do Senhor Krsna há 5.000 anos atrás. Assim, Vasudeva trouxe
para casa outras duzentas belas moças juntamente com sua esposa.
Enquanto a noiva e o noivo passavam na quadriga, diferentes tipos de ins­
trumentos musicais tocavam para indicar o momento auspicioso. Havia
búzios, bugies, tambores e atabaques, que juntos vibravam um belo concerto.
O cortejo passava muito festivamente, e Kamsa conduzia a quadriga, quando
'repentinamente um som miraculoso vibrou do céu e anuncióu especialmente
para Kamsa: “ Kamsa! você é um grande tolo. Você está conduzindo a qua­
driga de sua irmã e seu cunhado, mas não sabe que o oitavo filho de sua irmã
vai matá-lo/'
Kamsa era filho de Ugrasena, o qual pertencia à dinastia Bhoja. Diz-se que
Kamsa foi o mais demoníaco de todos os reis da dinastia Bhoja. Imediata­
mente após ouvir a profecia do céu, ele agarrou o cabelo de Devakl e estava a
ponto de matá-la com sua espada. Vasudeva ficou admirado com o comporta­
mento de Kamsa e, para apaziguar o cunhado desavergonhado e cruel,
começou a falar da seguinte maneira, com grande moderação e evidência. Ele
disse: “Meu querido cunhado Kamsa, você é o rei mais famoso da dinastia
Bhoja, e as pessoas sabem que você é o maior dos guerreiros e um rei valente.
4 fírsna, a Suprema Personalidade de Deus
Como é possível que você esteja tão enfurecido que está preparado para matar
uma mulher que é sua própria irmã no momento auspicioso do casamento
dela? Por que teria você tanto medo da morte? A morte já nasce junto com
você. Precisamente a partir do dia que você nasceu, você começou a morrer.
Suponha que você tem vinte e cinco anos de idade. Isto significa que você já
morreu vinte e cinco anos. Você está morrendo a cada momento, a rada
segundo. Por que então teria você tanto medo da morte? A morte finai é ine­
vitável. Você poderá morrer hoje ou daqui a cem anos. Não se pode evitar a
morte. Por que teria você tanto medo? Na realidade, morte significa a ani­
quilarão do corpo presente. Assim que este corpo pára de funcionar c se
mistura aos cinco elementos da natureza material, a entidade viva dentro do
corpo aceita um outro corpo, de acordo com suas ações e reações atuais. K
justamente como quando um homem caminha na rua: ele adianta um pé o.
quando está certo de que seu pé está situado em chão seguro, levanta o outro
pé. Desta maneira, um após o outro, os eorpos mudam e a alma transmigra.
Veja como as lagartas passam com muito cuidado de um galho para o outro!
Similarmente, a entidade viva muda de corpo logo que as autoridades
superiores decidem qual será seu próximo corpo. Enquanto uma entidade
viva está condicionada dentro deste mundo material, ela tem que aceitar wrn
corpo material depois do outro. As leis da natureza lhe oferecem seu próximo
corpo particular, de acordo com as ações e reações desta vida.
” Este corpo é exatamente como um dos corpos que sempre vemos cm
sonhos. Quando sonhamos durante o sono. criamos muitos corpos de acordo
com a criação mental. 'lemos experiência do que c o ouro. como também
temos experiência do que ó uma montanha: de modo que num sonho
poderemos ver uma montanha dourada pela combinação das duas idéias. Por
vezes, nos sonhos experimentamos que temos um corpo que voa no céu. r
nesse momento nos esquecemos completamente de nosso presente corpo.
Similarmente, estes corpos mudam. Quando você obtém um corpo, você sc es­
quece do corpo passado. Durante um sonho, podemos entrar cm contato com
muitos novos tipos de corpos, mas quando despertamos nos esquecemos de
todos eles. E na realidade esses corpos materiais são criações dc nossas
atividades mentais. Porém, no momento atua! não rememoramos nossos cor­
pos anteriores.
”A natureza da mente é vacilante. As vezes da aceita algo e imediatamente
rejeita a mesma coisa. 0 aceitar e o rejeitar constituem o processo da mente
em contato com os cinco objetos de gratificação dos sentidos: forma, paladar,
olfato, som e lato. Com sua natureza especulativa, a mente entra cm contato
com os objetos de gratificação dos sentidos, e quando a entidade viva deseja
um tipo de corpo particular, ela o obtém. Portanto, o corpo c um oferecimento
das leis da natureza material. A entidade viva aceita um corpo e aparece outra
0 Advento do Senhor Krsna
vez no mundo material para gozar ou sofrer segundo a construção do corpo. A
menos que tenhamos um tipo de corpo particular, não podemos gozar ou
sofrer de acordo com as prodivldades mentais que herdamos da vida anterior.
Xa realidade, o tipo de corpo particular que nos é oferecido é determinado por
nossa condição mental no momento da morte,
"Os planetas luminosos como o sol. a lua ou as estrelas, refletem-se em
diferentes tipos de reservatórios — de água. de óleo ou de ghee. O reflexo se
desloca de acordo com o movimento do reservatório. O reflexo da lua se en­
contra sobre a água. e a lua também parece se deslocar por causa da água em
movimento, mas na realidade a lua não se desloea. Similarmente, a entidade
viva obtém diferentes tipos de corpos por causa da elaboração mental, embora
na verdade não tenha nenhuma relação com tais corpos. Mas por causa da ilu­
são. por estar encantada pela influência de tnãvã. a entidade viva pensa que
pertence a um tipo de corpo particular. Assim é a vida condicionada.
Suponhamos que uma entidade viva está agora numa forma de corpo
humano. Ela pensa que pertence à comunidade humana, ou a um país ou a
um lugar particulares. A entidade viva se identifica dessa maneira e se pre­
para desnecessariamente para um outro corpo que não lhe é necessário. Tais
desejos e elaljorações mentais são a causa de diferentes tipos de corpo. A in­
fluência eneobridora da natureza material é tão forte que a entidade viva se
satisfaz com qualquer corpo que obtém, e se identifica com esse corpo sen­
tindo grande prazer. Por isso. rogo-lhe que não se deixe dominar pelos
ditames de sua mente e de seu corpo.**
Assim. Vasudeva pediu que Kamsa não tivesse inveja de sua irmã rec.ém-
casada. Xão se deve ler inveja de ninguém porque a inveja é a eausa do temor
tanto neste mundo romo no próximo quando se está perante Yamarãja (o
senhor do castigo depois da morte). Vasudeva apelou para Kamsa em favor de
Devakí. afirmando que ela era a sua {de Kamsa) irmã mais nova. Além disso,
ele fez o apelo num momento auspicioso: na ocasião do casamento. Devemos
proteger um irmão ou uma irmã mais novos como se fossem os nossos
próprios filhos. “ A situação é especialmente tão delicada’*, concluiu
Vasudeva. "que se você matá-la. irá de encontro à sua alta reputação.'*
Vasudeva tentou apaziguar Kamsa com boas instruções bem como por meio
do discernimento filosófico, mas Karhsa não se apaziguaria porque sua
associação era demoníaca. Por causa de suas associações demoníacas, ele foi
sempre um demônio, muito embora tivesse nascido numa família real muito
elevada. Cm demônio nunca gosta de boas instruções. Ele é justamente como
um ladrão determinado: alguém pode dar-lhe instruções morais, mas isso não
surtirá efeito. Similarmente, aqueles que por natureza são demoníacos ou
ateístas. dificilmente podem assimilar alguma boa Instrução, por mais
autorizada que seja. Essa é a diferença entre o semideus c o demônio. Aqueles
6 Krsna. a Suprema Personalidade de Deus
que podem aceitar boas instruções e tentam viver suas vidas de acordo com
elas são chamados de semideuses. e aqueles que são incapazes de aceitar tais
instruções são chamados de demônios. Como não conseguisse apaziguar
Karhsa, Vasudeva perguntou-lhe como protegeria sua esposa Devakl. Diante
do perigo iminente, uma pessoa inteligente deve tentar evitar a situação
perigosa tanto quanto possível. Mas se. apesar de esforçar-se com toda a in­
teligência. a pessoa não consegue evitar a situação perigosa, a culpa não é
dela. A pessoa deve se esforçar ao máximo para executar seus deveres, mas se
seu esforço é insuficiente, não faz mal.
Vasudeva pensou em sua esposa da seguinte maneira: "Por agora deixe-
me salvar a vida de Devakl: então, mais tarde, se tivermos filhos, verei como
salvá-los." Ele ainda pensou: "Sc no futuro eu tiver um filho que possa
matar Karhsa — como Karhsa está pensando — então tanto DevakT quanto a
criança serão salvos porque a lei da Providência é inconcebível. Mas por
agora, de uma forma ou outra, vou salvar a vida de Devakl."
Não se pode determinar com segurança como lima entidade viva entra em
contato com um determinado tipo de corpo, assim como não se pode deter­
minar com segurança como o fogo ardente entra em contato com um deter­
minado tipo de madeira na floresta. Quando há um incêndio na floresta, às
vezes se experimenta que o fogo ardente salta uma árvore e atinge outra pela
influência do vento. Similarmente, uma entidade viva pode ter muito cuidado
c estar muito apreensiva quanto à execução dos seus deveres, mas mesmo
assim é muito difícil que ela saiba que tipo de corpo obterá na próxima vida.
Mahãrãja Bharata executava muito fielmente os deveres da auto-realização.
mas por acaso foi tomado de uma afeição temporária por um veado, e teve que
aceitar sua vida seguinte no corpo de um veado.
Após deliberar sobre como salvar sua esposa. Vasudeva começou a falar
com Karhsa com grande respeito, embora Karhsa fosse o mais pecaminoso dos
homens. As vezes acontece de uma pessoa muito virtuosa como Vasudeva ter
que adular uma pessoa como Karhsa: uma pessoa muito viciosa. Esta é a
natureza de todas as transações diplomáticas. Embora Vasudeva estivesse
profundamente aflito, aparentemente ele se mostrava bem disposto. Ele se
dirigiu ao desavergonhado Karhsa desta maneira porque este era muito atroz.
Vasudeva disse a Karhsa: “ Por favor, meu querido cunhado, considere que
sua irmã não constitui um perigo para você. Você espera por algum perigo
porque ouviu uma voz profética no céu. Mas o perigo há de vir com os filhos
de sua irmã. os quais agora não estão presentes. E quem sabe? No futuro
talvez tenhamos filhos ou talvez não. Levando tudo isso em consideração, por
agora você não corre perigo. Nem tampouco há motivos para você temer sua
irmã. Prometo-lhe que se ela tiver algum filho, apresentar-ihe-ei todos eles
para que você tome as providências necessárias.”
0 Advento do Senhor Krsna 7
Karhsa conhecia o valor da palavra de honra de Vasudeva. e convenceu-se
com o argumento deste. I)c tal modo. cie desistiu temporariamente da
abominável idéia de matar sua irmã. Dessa maneira. Vasudeva ficou contente
e louvou a decisão de Karhsa. e assim regressou a sua casa.
Com o transcorrer do tempo. Vasudeva e Devakí geraram oito filhos
homens e uma filha. Quando o primeiro filho nasceu. Vasudeva manteve sua
palavra de honra e imediatamente levou a criança até Karhsa. Diz-se que
Vasudeva era muito exaltado e famoso por sua palavra de honra, e ele queria
manter esta fama. Embora para Vasudeva tenha sido muito doloroso dar a
criança recém-nascida. Kamsa ficou muito contente de recebê-la. Mas ele sen­
tiu um pouco de compaixão por causa do comportamento de Vasudeva. Este
evento é muito exemplar. Para uma grande alma como Vasudeva. não há
nada que seja considerado doloroso no transcurso do cumprimento do seu
dever. Uma pessoa erudita como Vasudeva executa seus deveres sem hesitar.
Por outro lado. um demônio como Kamsa nunca hesita em cometer alguma
ação abominável. Portanto, diz-se que uma pessoa santa é capaz de tolerar
todos os tipos de circunstâncias miseráveis da vida. que um homem erudito c
capaz de cumprir seus deveres sem esperar que as circunstâncias sejam
favoráveis, que uma pessoa perversa como Kamsa é capaz de fazer qualquer
coisa pecaminosa, e que um devoto é capaz de sacrificar tudo para satisfazer a
Suprema Personalidade de Deus.
Kamsa ficou satisfeito com o procedimento de Vasudeva. Ele ficou surpreso
de ver que Vasudeva manteve sua promessa e. por sentir compaixão e estar
satisfeito com este. começou a falar da seguinte maneira: "Meu querido
Vasudeva. você não precisa me dar esta criança. Ela não constitui perigo para
mim. Eu ouvi que o oitavo filho que você e Devakí conceberem matar-me-á.
Por que havería eu de aceitar esta criança desnecessariamente? Pode levá-la
de volta."
Ao regressar para casa com seu primeiro filho, ainda que estivesse contente
com a atitude de Kamsa. Vasudeva não podia acreditar neste pois sabia que
Kamsa era descontrolado. l’ma pessoa ateísta não tem palavra de honra. Uma
pessoa que não pode controlar os sentidos não pode ser constante em sua
determinação. O grande político Cãnakva Pandit disse: "Jamais confie num
diplomata ou numa mulher." Aqueles que se entregam à gratificação ir­
restrita dos sentidos jamais podem ser verazes. nem se pode depositar
nenhuma fé neles.
Nessa ocasião, o grande sábio Nãrada veio ter com Karhsa. Ele foi infor­
mado de que Karhsa tivera compaixão dc Vasudeva e lhe devolvera o primeiro
filho. Nãrada estava muito ansioso para precipitar a descida do Senhor Krsna
tanto quanto'fosse possível. Por isso. ele informou a Karhsa que per­
sonalidades como Nanda Mahãrãja e todo?’ os pastores e pastorzinhas de vacas
8 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
e as esposas dos pastores de vacas de Vrndãvana e. por outra parte. Vasudeva.
seu pai Sürasena e todos os seus parentes nascidos na família de Vrsni da
dinastia Yadu — todos estavam se preparando para o aparecimento do
Senhor. Nãrada avisou a Kamsa para que tomasse cuidado com os amigos e
bem-querentes e todos os semídeuses que iam nascer nessas famílias. Kamsa
e seus amigos e conselheiros eram todos derqônios. Os demônios estão
sempre com medo dos semídeuses. Depois que Nãrada o informou que os
semídeuses apareceríam em diferentes famílias. Kamsa alertou-se de ime­
diato. Ele compreendeu que uma vez que os semídeuses já haviam aparecido,
o Senhor Visnu deveria aparecer dentro em breve. Ele imediatamente
prendeu seu cunhado Vasudeva e Devakl e os pôs por trás das grades da
prisão. Dentro da prisão, algemados com correntes de ferro. Vasudeva e
Devakl geraram um filho homem ano após ano. e Kamsa. crendo que cada um
dos bebês era a encarnação de Visnu. matava-os um após o outro. Ele temia a
oitava criança em particular, porém, após a visita de Nãrada. chegou à con­
clusão de que qualquer criança podia ser Krsna. Por conseguinte, era melhor
matar todos os bebês que nascessem de Devakl e Vasudeva.
Não é muito difícil compreender este procedimento de Kamsa. Na história
do mundo há muitos exemplos de pessoas na ordem real que mataram o pai. a
mãe, ou a família inteira e os amigos para satisfazer suas ambições, isto não é
nada surpreendente, pois as pessoas demoníacas são capazes de matar qual­
quer pessoa para poderem realizar suas ambições abomináveis.
Pela graça de Nãrada. Kamsa tomou conhecimento de seu nascimento an­
terior. Ele foi informado de que em seu nascimento anterior fora um demônio
chamado Kãlanemi e que Visnu o matara. Então, quando nasceu na família
Bhoja, ele decidiu tornar-se o inimigo mortal da dinastia Yadu. Krsna iria
nascer nessa família, e Kamsa estava com muito medo de que Krsna o
matasse, como o fizera em seu nascimento anterior.
Em primeiro lugar. Kamsa aprisionou seu pai. Ugrasena. porque este era o
rei principal entre as dinastias Yadu. Bhoja e Andhaka. e. além disso, ocupou
o reino de Sürasena. o pai de Vasudeva. Kamsa se declarou o rei de todos estes
lugares.
Meste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Uni de
Krsna, intitulado “O Advento do Senhor Krsna . ”
2 / Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna
Situado no Ventre
0 rei Kamsa não só ocupou os reinos das dinastias Yadu. Bhoja e Andhaka
e o reino de Sürasena. mas também aliou-se a todos os outros reis
demoníacos, que vão a seguir: o demônio Pralamba. o demônio Baka. o
demônio Cãnüra. o demônio Trnãvarta. o demônio Aghãsura. o demônio
Mustíka. o demônio Arista. o demônio Dvivida. a demônia Põtanã, o demônio
Kesí e o demônio Dhenuka. Nesse tempo. Jarãsandha era o rei da província de
Magadha (conhecida atualmente como o Estado de Behar). Assim, com sua
política diplomática. Kamsa consolidou o reino mais poderoso do seu tempo,
sob a proteção de Jarãsandha. Ele se aliou ainda a reis tais como Bãnãsura e
Bhaumãsura. até que se tornou o mais forte. Então ele começou a se compor­
tar com muita hostilidade contra a dinastia Yadu. na qual Krsna nasceria.
Como Kamsa os molestasse, os reis das dinastias Yadu. Bhoja e Andhaka
começaram a refugiar-se em diferentes Estados tais como o Estado dos Kurus.
o Estado dos Parícãlas e os Estados conhecidos como Kekaya. Sãlva. Vidarbha.
Nisadha. Videha e Kosala. Kamsa rompeu sua solidariedade com o reino
Yadu. e também com os reinos Bhoja e Andhaka. Ele fez de sua posição a mais
sólida dentro da vasta extensão de terra conhecida naquele tempo comc
Bhãratavarsa.
Quando Kamsa matou os seis bebês de Devakl e Vasudeva um após o outro
muitos amigos e parentes de Kamsa aproximaram-se dele e pediram-lhe qm
suspendesse essas atividades abomináveis. Porém, todos eles tornaram-S(
adoradores de Kamsa.
Quando Devakí ficou grávida pela sétima vez. dentro de seu ventrt
apareceu uma expansão plenária de Krsna conhecida como Ananta. Devak'
foi dominada tanto pelo júbilo quanto pela lamentação. Ela estava jubilante
pois podia compreender que o Senhor Visnu Se abrigara dentro de sei
ventre, mas ao mesmo tempo lastimava-se. porque logo que seu filhí
aparecesse.'Kamsa 0 mataria. Nessa ocasião. Visnu. a Suprema Personalidadi
de Deus. compadecendo-Se do estado de pavor dos Yadus. causado pela
10 Krsna, a Suprema Peitonalidade de Deus
atrocidades cometidas por Kamsa. mandou que Suarogamãyã (ou Sua potên­
cia interna) aparecesse. Krsna é o Senhor do universo, mas Ele é especial­
mente o Senhor da dinastia Yadu.
Esta yogamãyã é a potência principal da Personalidade de Deus. Nos 1'edas
se afirma que o Senhor, a Suprema Personalidade de Deus. tem multipotên-
cias. Parãsya saktir viuidhaiva srãyate. Todas as diferentes potências atuam
externa e internamente, e a yogamãyã é a principal de todas as potências. Ele
mandou que Yogamãyã aparecesse na terra de Vrajabhümi. em Vrndãvana. a
qual está sempre decorada e cheia dc vacas formosas. Em Vrndãvana. RohTni.
uma das esposas de Vasudeva. residia na casa do rei Nanda e da rainha
Yasodã. Não só Rohinl. mas muitas outras pessoas da dinastia Yadu estavam
dispersas por todo o país por temor às atrocidades de Kamsa. Algumas delas
estavam inclusive vivendo nas cavernas das montanhas.
Assim, o Senhor informou a Yogamãyã: "Devakl e Vasudeva encontram-se
na prisão de Kamsa. e neste momento Sesa. Minha expansão plenária, está
dentro do ventre de Devakl. Você pode arranjar a transferência de Sesa do
ventre de Devakl para o ventre de Rohinl. Depois deste arranjo, vou aparecer
pessoa]mente no ventre de Devakl com Minhas potências completas. Então
aparecerei como o filho de Devakl e Vasudeva. E você aparecerá como a filha
de Nanda e Yasoda em Vrndãvana.
‘‘Uma vez que você vai aparecer como Minha irmã contemporânea, as
pessoas no mundo vão adorá-la com toda a classe de presentes valiosos: in­
censo. velas, flores e oferecimentos de sacrifício. Você há de satisfazer rapida­
mente os desejos que as pessoas tenham de gratificar os sentidos. As pessoas
que andam atrás dã afeição materialista vão adorá-la nas diferentes formas de
suas expansões, as quais serão chamadas Durgã. Bhadrakãll. Vijavã.
VaisnavI, Kumudã. Candikã. Krsnã. Mãdhaví. Kanyakã. Mãvã. NãrãvanI.
Isãni. Sãradã e Ambikã.*’
Krsna e Yogamãyã apareceram como irmão e irmã — o Poderoso Supremo
e o poder supremo. Ainda que não haja uma distinção nítida entre o Poderoso
e o poder, o poder está sempre subordinado ao Poderoso. Aqueles que são
materialistas são adoradores do poder, mas aqueles que são transcenden-
talistas são adoradores do Poderoso. Krsna é o Poderoso Supremo, e Durgã é o
poder supremo dentro do mundo material. Na realidade, na cultura védica as
pessoas adoram tanto o Poderoso quanto o poder. Há muitas centenas de
milhares de templos de Visnu e Dev!. e às vezes eles são adorados simultanea­
mente. O adorador do poder. Durgã (ou a energia externa de Krsna). pode
ograr toda a classe de sucesso material com muita facilidade, mas alguém que
queira se elevar transcendentalmente deve ocupar-se em adorar o Poderoso
ia consciência de Krsna.
O Senhor também declarou a Yogamãyã que Ananta Sesa. Sua expansão
Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna
plenária, estava dentro do ventre de Devakí. Por ter sido atraído
forçosamente ao ventre de Rohiní. Ele havería de ser conhecido comoSankar-
sana e seria a Fonte de todo o poder espiritual, ou bala, por meio do qual seria
possível alcançar a mais elevada bem-aventurança da vida. que se chama
ramarta. Portanto, depois de Seu aparecimento a porção plenária Ananla
seria conhecida ou como Sankarsana ou como Balarãma.
Nos Upanisads se afirma: nãyam ãtma bala hinena labhya. 0 significado
é que não se pode alcançar o Supremo ou qualquer forma de auto-realízação
sem que se seja suficientemente favorecido por Balarãma. Bala não significa
força física. Ninguém pode alcançar a perfeição espiritual por meio da força
física. E preciso ter a força espiritual que Balarãma ou Sankarsana infunde.
Ananta ou sesa é o poder que sustenta todos os planetas em suas diferentes
posições. Materialmente, este poder de sustentação é conhecido como a lei da
gravidade, mas na realidade é a exibição da potência de Sankarsana.
Balarãma ou Sankarsana é o poder espiritual, ou o mestre espiritual original.
Portanto, o Senhor Nityãnanda Prabhu. que é também a encarnação de
Balarãma. é o mestre espiritual original. E o mestre espiritual é o represen­
tante de Balarãma. a Suprema Personalidade de Deus. o qual fornece a força
espiritual. No Caítanya-caritãmrla se confirma que o mestre espiritual é a
manifestação da misericórdia de Krsna.
Assim, quando Yogamãyã recebeu essa ordem da parte da Suprema Per­
sonalidade de Deus. ela circungirou o Senhor e depois apareceu neste mundo
material de acordo com a ordem d‘Ele. Quando a Suprema Poderosa Per­
sonalidade de Deus transferiu o Senhor Sesa do ventre de Devakí para o
ventre de Rohiní. ambas estavam sob o encanto de Yogamãyã. que também é
chamada de yaga-nidrõ. Quando se efetuou esta transferência..as pessoas
pensaram que a sétima gravidez de Devakí dera num aborto. Desta maneira,
embora tivesse aparecido como o filho de Devakí. Balarãma foi transferido
para o ventre de Rohiní para aparecer como o filho desta. Depois desse ar­
ranjo. Krsna. a Suprema Personalidade de Deus. que está sempre disposto a
depositar Suas potências completas em Seus devotos perfeitos, entrou dentro
da mente de Vasudeva como o Senhor de toda a criação. Compreende-se a este
respeito que em primeiro lugar o Senhor Krsna situou-Se no coração ima­
culado de Devakí. Ele não foi posto no ventre de Devakí por meio da
ejaculação seminal. Através de Sua potência inconcebível, a Suprema Per­
sonalidade de Deus pode aparecer de qualquer maneira. Não é necessário que
Ele apareça da maneira ordinária, por meio da injeção seminal no ventre de
uma mulher.
Quando Vasudeva estava sustendo a forma da Suprema Personalidade de
Deus dentro de seu coração, ele parecia com o sol incandescente cujos raios
brilhantes são sempre insuportáveis e tórridos para o homem comum. A
, b2; Krsna. a Suprema Personalidade de Deus
forma do Senhor situada no coração puro e imaculado de Vasudeva não é
diferente da forma original de Krsna. 0 aparecimento da forma de Krsna em
qualquer parte, e especificamente dentro do coração, chama-se dhãma.
Dhãma não se refere apenas à forma de Krsna. mas também a Seu nome. Sua
forma. Sua qualidade e Sua parafernália. Tudo se manifesta simultanea­
mente.
Assim, a forma eterna da Suprema Personalidade de Deus com potências
completas transferiu-sc da mente de Vasudeva para a mente de Devakl. exa­
tamente como os raios do pôr do sol se transferem para a lua cheia que nasce
no oriente.
Krsna. a Suprema Personalidade de Deus. entrou no corpo de Devakl pro­
veniente do corpo de Vasudeva. Ele estava além das condições da entidade
viva comum. Quando Krsna está presente, deve-se compreender que todas as
Suas expansões plenárias tais como Nãrãvana. e as encarnações como o
Senhor Nrsimha e Varãha. estão com'Ele. e não estão sujeitas às condições da
existência material. Dessa maneira. Devakl tornou-se a residência da
Suprema Personalidade de Deus que é único e inigualável e a causa de toda a
criação. Devakl tornou-se a residência da Verdade Absoluta, mas porque
estava dentro da casa de Kariisa. ela estava com um aspecto de fogo abafado ou
de educação mal utilizada. Quando se cobre o fogo com as paredes de uma
panela ou quando é conservado num recipiente, não se pode apreciar muito
bem os seus raios luminosos. Similarmente, o conhecimento mal utilizado,
que não beneficia as pessoas em gerai, não é muito apreciado. Assim. Devakl
era conservada por trás das grades da prisão do palácio de Kamsa. e ninguém
pôde ver sua beleza transcendental resultante do fato dela conceber a
Suprema Personalidade de Deus.
Entretanto. Kamsa viu a beleza transcendental de sua irmã Devakí. e con­
cluiu de imediato que a Suprema Personalidade de Deus Se abrigara no
ventre dela. Antes ela jamais tivera um aspecto tão maravühosamente belo.
Kamsa pôde compreender distintamente que havia algo de maravilhoso
dentro do ventre de Devakí: dessa maneira, ele ficou agitado. Ele tinha cer­
teza de que a Suprema Personalidade de Deus matá-lo-ia no futuro e que
agora Ele chegara. Kamsa começou a pensar: ”Que devo fazer com Devakl?
Não há dúvida de que ela traz Visnu ou Krsna dentro de seu ventre: portanto,
é certo que Krsna veio executar a missão dos semideuses. E mesmo se eu
matar Devakí imediatamente, a missão d*Ele não poderá ser frustrada.'*
Kamsa sabia muito bem que ninguém pode frustrar o objetivo de Visnu.
Qualquer homem inteligente pode compreender que não se pode violar as leis
de Deus: Seus fins serão servidos apesar de todos os obstáculos que os
demônios ofereçam. Kamsa refletiu: "Se eu matar Devakí agora. Visnu fará
cumprir Sua vontade suprema com mais veemência. Matar Devakí agora seria
Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna 13
um ato muito abominável. Ninguém deseja destruir sua reputação, mesmo
que se encontre numa situação embaraçosa: se eu matar Devakl agora, minha
reputação estará arruinada. Devakl é uma mulher e está sob minha proteção:
ela está grávida, e se eu a matar, toda a minha reputação, os resultados de
minhas atividades piedosas e a duração de minha vida. estarão imediatamente
acabados.*'
Além disso, ele ainda deliberou: '“Uma pessoa que é demasiado cruel está
praticamente morta, até mesmo enquanto vive. Ninguém gosta de uma
pessoa cruel enquanto esta está viva. e depois que ela morre, as pessoas a
amaldiçoam. Porque identifica seu eu com o corpo, ela deve ser degradada e
lançada à mais escura região do inferno." Kamsa meditava assim em todos os
prós e contras de matar Devakl nessa ocasião.
Finalmente Kamsa decidiu não matar Devakl imediatamente e esperar pelo
futuro inevitável. Porém, sua mente absorveu-se numa animosidade contra a
Personalidade de Deus. Ele esperou pacientemente que o menino nascesse
para matá-Lo. como fizera anteriormente com os outros bebês de Devakl.
Estando assim submerso num oceano de animosidade contra a Personalidade
de Deus. Kamsa começou a pensar em Krsna e Visnu enquanto estava sen­
tado. enquanto dormia, enquanto caminhava, enquanto comia, enquanto tra­
balhava — em todas as situações de sua vida. Sua mente ficou tão absorta com
o pensamento na Suprema Personalidade de Deus que indiretamente ele só
podia ver Krsna ou Visnu em volta de si. Infelizmente. embora sua mente
estivesse tão absorta pensando em Visnu. Kamsa não é reconhecido como um
devoto porque pensava em Krsna como seu inimigo. 0 estado de espírito de
um grande devoto também é estar sempre absorto em Krsna. mas um devoto
pensa n*Ele favoravelmente, e não desfavoravelmente. Pensar em Krsna
favoravelmente é consciência de Krsna. mas pensar em Krsna desfavoravel­
mente não é consciência de Krsna.
Neste momento, o Senhor Brahmã e o Senhor Siva. acompanhados por
grandes sábios como Nãrada e seguidos por muitos outros semideuses.
apareceram invisivelmente na casa de Kamsa. Eles começaram a orar à
Suprema Personalidade de Deus com preces seletas as quais agradam muito
ós devotos e lhes satisfazem os desejos. As primeiras palavras que eles
falaram aclamavam que o Senhor é fiel à promessa d'Ele. Como se afirma no
Bhagavad-gitã, Krsna descende a este mundo material simplesmente para
proteger os piedosos e destruir os impiedosos. Isto é o que Ele promete. Os
semideuses puderam compreender que o Senhor aceitara Sua residência
dentro do ventre de Devakl para cumprir com Sua promessa. Os semideuses
ficaram muito contentes de que o Senhor ia aparecer para cumprir Sua
missão, e dirigiram-se a Ele como salvam param, ou a Suprema Verdade Ab­
soluta.
14 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Todos buscam a verdade. Este constitui o caminho filosófico da vida. Os
semideuses informam que a Suprema Verdade Absoluta é Krsna. Aquele que
se torna plenamente consciente de Krsna pode alcançar a Verdade Absoluta.
Krsna é a Verdade Absoluta. A verdade relativa não é a verdade nas três fases
do tempo eterno. O tempo se divide em passado, presente e futuro. Krsna é a
Verdade sempre, no passado, no presente e no futuro. No mundo material
tudo está sendo controlado pelo tempo supremo, no decorrer do passado, do
presente e do futuro. Mas Krsna já existia antes da criação. E quando ocorre a
criação tudo descansa em Krsna. e quando essa criação acabar. Krsna per­
manecerá. Portanto, Ele é a Verdade Absoluta em todas as circunstâncias. Se
há alguma verdade neste mundo material, ela emana da Verdade Suprema.
Krsna. Se há alguma opulência neste mundo material, a causa da opulência é
Krsna. Se há alguma reputação neste mundo material, a causa da reputaçâp é
Krsna; se há alguma força neste mundo material, a causa de tal força é
Krsna; se há sabedoria e educação neste mundo material, a causa de tais
sabedoria e educação é Krsna. Portanto. Krsna é a fonte de todas as verdades
relativas.
Este mundo material se compõe de cinco elementos principais — a terra, a
água, o fogo, o ar e o éter — e todos estes elementos são emanações de Krsna.
Os cientistas materiais aceitam que esses cinco elementos primários são a
causa da manifestação material, mas os elementos em seus estados grosseiros
e sutis são produzidos por Krsna. As entidades vivas que trabalham neste
mundo material também são produtos de Sua potência marginal. i\To sétimo
capítulo do Bhagavad-gitã, afirma-se claramente que toda a manifestação é
uma combinação de dois tipos de energias de Krsna. a energia superior e a
energia inferior. As entidades vivas constituem a energia superior, e os ele­
mentos materiais mortos constituem Sua energia inferior. Durante o período
latente tudo permanece em Krsna.
Os semideuses continuaram a oferecer suas orações respeitosas à forma
suprema de Krsna, a Personalidade de Deus, por meio do estudo analítico da
manifestação material. Que é esta manifestação material? Ela é exatamente
como uma árvore. Assim como uma árvore ergue-se sobre o solo. de forma
similar a árvore da manifestação material ergue-se sobre o solo da natureza
material. Esta manifestação material é comparada a uma árvore porque no
final das contas cortam a árvore na ocasião oportuna. Uma árvore é chamada
de urksa. Vrksa significa aquilo que acabará sendo cortado. Portanto, não se
pode aceitar esta árvore da manifestação material como a verdade última. O
tempo exerce sua influência sobre a manifestação material, mas o corpo de
Krsna é eterno. Ele existia antes da manifestação material. Ele existe en­
quanto dura a manifestação material, e quando esta se dissolver Ele con­
tinuará a existir.
Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna 15
0 Katha Upanisad também cita este exemplo da árvore da manifestação
material erguida sobre o solo da natureza material. Esta árvore tem dois tipos
de frutos: o sofrimento e a felicidade. Àqueles que vivem na árvore do corpo
são comparados a dois pássaros. Um pássaro é o aspecto localizado de Krsna
conhecido como o Paramãtmã. e o outro pássaro é a entidade viva. A entidade
viva está comendo os frutos desta manifestação material. As vezes ela come o
fruto da felicidade e às vezes come o fruto do sofrimento. Mas o outro pássaro
não está interessado cm comer o fruto do sofrimento ou da felicidade porque
está satisfeito consigo mesmo. O Katha Upanisad declara que um pássaro na
árvore do corpo está comendo os frutos, enquanto que o outro pássaro está
simplesmente testemunhando aquele pássaro. As raízes, desta árvore se
estendem em três direções, isto quer dizer que a raiz da árvore constitui os
três modos da natureza material: a bondade, a paixão e a ignorância. Assim
como a raiz da árvore se expande, da mesma forma uma pessoa expande sua
duração de existência material por meio da associação com os modos da
natureza material (bondade, paixão e ignorância). Os frutos têm quatro tipos
de sabor: religiosidade, desenvolvimento econômico, gratificação dos sentidos
e. por fim. liberação. De acordo com as diferentes associações nos três modos
da natureza material, as entidades vivas saboreiam diferentes tipos de
religiosidade, diferentes tipos de desenvolvimento econômico, diferentes
tipos de gratificação dos sentidos e diferentes tipos de liberação. Praticamente
todo trabalho material é realizado na ignorância, mas como existem três
qualidades, às vezes a qualidade da ignorância é coberta pela bondade ou pela
paixão. 0 sabor destes frutos materiais é aceito através de cinco sentidos. Os
cinco órgãos dos sentidos através dos quais se adquire conhecimento estão su­
jeitos a seis tipos de flagelas: lamentação, ilusão, enfermidade, morte, fome e
sede. Este corpo material, ou a manifestação material, está coberto por sete
camadas: a pele. o músculo, a carne, a medula, o osso. a gordura e o sêmen.
São oito os galhos da árvore: a terra, a água. o fogo. o ar. o éter. a mente, a in­
teligência e o ego. Existem nove portões neste corpo: dois olhos, duas narinas,
dois ouvidos, uma boca. um órgão genital. um reto. E existem dez tipos de
ares internos passando por dentro do corpo: prãna, apãna, udãna, vyãna,
samãna etc. Como se explicou anteriormente, os dois pássaros situados nesta
árvore são a entidade viva e a Suprema Personalidade de Deus localizada.
A causa primordial da manifestação material descrita aqui é a Suprema
Personalidade de Deus. A Suprema Personalidade de Deus Se expande e Se
encarrega das três qualidades do mundo material. Visnu Se encarrega do
modo da bondade. Brahmã se encarrega do modo da paixão e o Senhor Siva se
encarrega do modo da ignorância. Brahmã cria esta manifestação através do
modo da paixão: o Senhor Visnu mantém esta manifestação através do modo
da bondade: e o Senhor Siva a aniquila através do modo da ignorância. Em
16 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
última análise, toda a criação descansa no Senhor Supremo. Ele é a causa da
criação, da manutenção e da dissolução. E quando toda a manifestação se dis­
solve. ela descansa dentro do corpo do Senhor Supremo em sua forma sutil
como a energia do Senhor.
'‘Presentemente", oraram os semideuses. "o Supremo Senhor Krsna
aparece simplesmente para manter esta manifestação.” Na realidade, a causa
suprema é uma só. porém, como as pessoas menos inteligentes estão iludidas
pelos três modos da natureza material, elas pensam que o mundo material se
manifesta através de causas diferentes. Aqueles que são inteligentes podem
ver que a causa é uma só. Krsna; Como se afirma no Brahma-samhitã: sarva-
kãrana-kãranam. Krsna. a Suprema Personalidade de Deus. é a causa de
iodas as causas. Brahmã é o agente deputado para a criação. Visnu é a expan­
são de Krsna para a manutenção, e o Senhor Siva é a expansão de Krsna para
a dissolução.
"Nosso querido Senhor", oraram os semideuses. "é muito difícil com­
preender Sua forma eterna de personalidade. As pessoas em geral são in­
capazes de compreender Sua forma verdadeira: por isso. Você descende
pessoalmente para exibir Sua forma original eterna. De uma maneira ou de
outra, as pessoas podem compreender as Suas diferentes encarnações, mas
ficam perplexas quando se trata de compreender a forma eterna de Krsna com
duas mãos. que anda entre os seres humanos exatamente como um deles. Esta
Sua forma eterna está sempre aumentando o prazer transcendental dos
devotos. Mas para os não devotos esta forma é muito perigosa." Como se
afirma no Bhagavcid-gítã, Krsna é muito agradável para o sãdhu. Está dito:
paritrãnãya sãdhãnãm. Mas esta forma é muito perigosa para os demônios
porque Krsna também descende para matar os demônios. Por conseguinte.
Ele é simultaneamente agradável para os devotos e perigoso para os
demônios.
"Nosso querido Senhor de olhos de lótus. Você é a fonte da bondade pura.
Existem muitos grandes sábios que simplesmente por meio do samãdhi — ou
o processo de meditar transcendentalmente em Seus pés de lótus e absorver-
se assim pensando em Você — transformaram facilmente o grande oceano de
nescidade criado pela natureza material em nada mais que a poça d‘água con­
tida na pegada de um bezerro." O objetivo da meditação é focar a mente na
Personalidade de Deus. começando a partir de Seus pés de lótus. Simples­
mente por meditarem nos pés de lótus do Senhor, grandes sábios atravessam
sem dificuldade este vasto oceano da existência material.
"O auto-íluminado. as nobres pessoas santas que atravessaram o oceano da
nescidade com a ajuda do barco transcendental de Seus pés de lótus, não
levaram esse barco com elas, Ele ainda se encontra deste lado.” Os semi­
deuses usam aqui uma símile excelente. Se uma pessoa toma um barco para
Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna 17
atravessar um rio. o barco também vai com ela até o outro lado do rio. Então,
quando a pessoa chegar a seu destino, como poderá o mesmo barco estar à dis­
posição daqueles que ainda estão do outro lado? Em resposta a essa
dificuldade, os semideuses dizem em sua oração que não levam o barco. Os
devotos que ainda permanecem do outro lado são capazes de atravessar o
oceano da natureza material porque os devotos puros não levam o barco com
eles quando atravessam o oceano. Se simplesmente nos aproximamos do
barco, todo o oceano da nescidade material se reduz à poça d água contida na
pegada de um bezerro. Por isso. os devotos não precisam de levar o barco para
o outro lado. Eles simplesmente atravessam o oceano sem demora. Porque as
nobres pessoas santas têm compaixão de todas as almas condicionadas, o barco
ainda se encontra aos pés de lótus do Senhor. Pode-se meditar nos pés do
Senhor a qualquer hora. e por meio deste processo pode-se atravessar o
grande oceano da existência material.
Meditação significa concentração nos pés de lótus do Senhor. Os pés de
lótus indicam a Suprema Personalidade de Deus. Aqueles que são imper-
sdnalistas não reconhecem os pés de lótus do Senhor, e por esse motivo seu
objeto de meditação é alguma coisa impessoal. Os semideuses expressam o
veredito maduro de que as pessoas que estão interessadas em meditar em
alguma coisa vazia ou impessoal, não podem atravessar o oceano da nescidade.
Tais pessoas apenas imaginam que se liberaram. "O Senhor de olhos de lótus!
A inteligência delas está contaminada porque elas não conseguem meditar
nos Seus pés de lótus." Como resultado desta atividade negligente, os imper-
sonalistas caem outra vez na forma material da vida condicionada, mesmo que
se elevem temporariamente ao ponto da realização impessoal. Depois de se
submeterem a severas austeridades e penitências, os impersonalistas
fundem-se na refulgência do Brahman (ou a existência do Brahman im­
pessoal). Mas suas mentes não se livram da contaminação material: eles
simplesmente tentam negar as formas materiais de pensar. Isto não quer
dizer que eles se liberaram. Deste modo. eles caem. No Bhagavad-gltã se
afirma que o impersonalista tem que passar por uma grande tribulação para
realizar a meta última. No começo do Srlmad-Bhãgavatam também se afirma
que sem o serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus. não se pode
alcançar a liberação do cativeiro das atividades fruitivas. No Bhagavad-gUã o
Senhor Krsna faz esta declaração, e no Srlmad-Bhãgavatam o grande sábio
Nãrada faz a mesma declaração, a qual os semideuses também confirmam
aqui. "Compreende-se que as pessoas que não aceitam o serviço devocional
não chegaram ao fim último do conhecimento e não são favorecidas por Sua
graça." Os impersonalistas simplesmente pensam que estão liberados, mas na
realidade não têm nenhum sentimento pela Personalidade de Deus. Eles pen­
sam que Krsna aceita um corpo material quando entra no mundo material.
18 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Por isso, eles fecham os olhos ao fato de que o corpo de Krsna é transcenden­
tal. Isto também está confirmado no Bhagavad-gltã. (Avajãnanti mãm
müçlhãh). Apesar de conquistarem a luxúria material e de se elevarem ao
ponto da liberação, os impersonalistas caem. Se eles se ocupam em conhecer
as coisas simplesmente para adquirir conhecimento e não adotam o serviço
devocional do Senhor, não podem lograr o resultado desejado. Sua realização
consiste nas dificuldades pelas quais eles passam, e isto é tudo. No Bhagavad-
gltã se afirma claramente que realizar a identificação de Brahman não é tudo.
A identificação de Brahman pode nos ajudar a tornar-nos rejubilantcs e sem
apego nem desapego materiais e a lograrmos a plataforma da equanimidade:
mas depois deste estágio, temos que adotar o serviço devocional. Quando uma
pessoa adota o serviço devocional após se elevar à plataforma da realização de
Brahman, ela é então admitida no reino espiritual para residir permanente­
mente na associação com a Suprema Persopalidade de Deus. Este é o
resultado do serviço devocional. Aqueles que são devotos da Suprema Per­
sonalidade de Deus jamais caem como os impersonalistas. Mesmo que os
devotos caiam, eles se mantêm afetuosamente apegados a seu Senhor. Eles
podem enfrentar todos os tipos de obstáculos no caminho do serviço devo-
cional, e podem superar tais obstáculos livremente e sem nenhum temor. Por
causa de sua rendição, têm certeza de que Krsna sempre os protegerá. Como
Krsna promete no Bhagavad-gltã: "Meus devotos nunca são subjugados."
"Nosso querido Senhor. Você apareceu em Sua forma imaculada original, a
forma eterna de bondade, para o bem-estar de todas as entidades vivas que se
encontram neste mundo material. Caso se aproveitem de Seu aparecimento,
agora todas elas poderão compreender facilmente a natureza e a forma da
Suprema Personalidade de Deus. Todas as pessoas que pertencem às quatro
divisões da ordem social (os brahmacãns, os grhasthas. os vãnaprasthas e-os
sannyãsls). poderão tirar proveito de Seu aparecimento.
"Querido Senhor, esposo da deusa da fortuna, os devotos que se encaixam
em Seu serviço não caem de sua elevada posição, como acontece com os im-
personalislas. Como Você os protege, os devotos são capazes de passar por
cima das cabeças de muitos comandantes supremos de mãyã. os quais sempre
podem pôr obstáculos no caminho da liberação. Meu querido Senhor. Você
aparece em Sua forma transcendental para o benefício das entidades vivas de
modo que elas possam vê-Lo face a face e oferecer-Lhe seus sacrifícios de
adoração por meio da execução dos rituais dos Vedas, da meditação mística c
do serviço devocional. como estão recomendados nas escrituras. Querido
Senhor, se Você não aparecesse em Sua forma transcendental eterna, plena de
bem-aventurança e conhecimento — que pode erradicar todos os tipos de ig­
norância especulativa sobre Sua posição — então todas as pessoas simples­
Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna 19

mente especulariam sobre Você de acordo com seus respectivos modos da


natureza material/'
0 aparecimento de Krsna é a resposta a toda a iconografia imaginativa da
Suprema Personalidade de Deus. Todo mundo imagina a forma da Suprema
Personalidade de Deus de acordo com o seu modo da natureza material. No
Brahma-samhitã se diz que o Senhor é a pessoa mais velha. Por isso. um
grupo de religiosos imaginam que Deus deve ser muito velho, e por conse­
quência eles pintam a forma do Senhor como um homem muito velho. Mas no
mesmo Brahma-samhitã se diz o contrário: embora Ele seja a mais velha de
todas as entidades vivas. Ele tem Sua forma eterna como um jovem exu­
berante. As palavras exatas usadas a este respeito no Srimad-Bhãgavatam são
vijnãnam ajnãnabhid ãpamãrjanam. Vijnãnam significa conhecimento
transcendental da Personalidade Suprema. Vijnãnam também significa co­
nhecimento experimentado. O conhecimento transcendental tem que ser
aceito através do processo descendente da sucessão discipular. da forma como
Brahmã apresenta o conhecimento de Krsna no Brahma-samhitã. O Brahma-
samhitã é vijnãnam já que é realizado pela experiência transcendental de
Brahmã. e dessa maneira Brahmã apresentou a forma e os passatempos de
Krsna na morada transcendental. Ajnãnabhid significa aquilo que pode der­
rotar toda classe de especulação. As pessoas na ignorância imaginam a forma
do Senhor: de acordo com suas diferentes imaginações, às vezes Ele não tem
forma e às vezes tem forma. Mas a apresentação de Krsna no Brahma-
samhitã é vijnãnam — conhecimento experimentado, científico, dado pelo
Senhor Brahmã e aceito pelo Senhor Caitanya. Não há dúvida quanto a isto. A
forma de Sri Krsna. a flauta de Sri Krsna. a cor de Sn Krsna — tudo é
realidade. Aqui se diz que este vijnãnam está sempre derrotando todos os
tipos de conhecimento especulativo. "Portanto, se Você não aparecesse como
Krsna. como Você é. nem ajnãnabhid (a nescidade do conhecimento
especulativo) nem vijnãnam seriam realizados. Ajnãnabhid ãpamãrjanam —
o conhecimento especulativo da ignorância será subjugado com o Seu apareci­
mento e o verdadeiro conhecimento experimentado de autoridades como o
Senhor Brahmã será estabelecido. Os homens influenciados pelos três modos
da natureza material imaginam seu próprio Deus de acordo com os modos da
natureza material. Desta maneira. Deus é apresentado de diversas maneiras,
mas Seu aparecimento estabelecerá qual é a verdadeira forma de Deus."'
A maior asneira que os impersonalistas cometem é pensar que quando a
encarnação de Deus vem. Ele aceita a forma da matéria no modo da bondade.
Na realidade, a forma de Krsna ou Nãrãyana é transcendental a qualquer
idéia material. Até mesmo o maior dos impersonalistas, Sankarãcãrya. admite
■ que nãrãyanah paro vyaktãt: que a manifestação impessoal da matéria
20 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
(avyakta). ou a reserva total e não fenomenal da matéria, é a causa da criação
material, e que Krsna é transcendental a essa concepção material. No SrTmad-
Bhãgavatam se exprime este fato com a expressão suddha-sattva (ou seja.
transcendental). Ele não pertence ao modo material da bondade, e está acima
da posição da bondade material. Ele pertence ao eterno status transcendental
dê bem-aventurança e conhecimento.
‘‘Querido Senhor, quando Você aparece em Suas diferentes encarnações.
Você aceita nomes e formas diferentes de acordo com as diferentes situações.
Seu nome é Senhor Krsna porque Você é todo-atratívo: Você é chamado de
Syãmasundara por causa de Sua beleza transcendental. Svãma significa
enegrecido, contudo dizem que Você é mais belo que milhares de eupidos.
Kandarpa-koti-kamaniYa. Embora Você apareça numa cor que é comparada
à nuvem enegrecida. Sua beleza é muitas e muitas vezes mais atrativa do que
o corpo delicado de Cupido porque Você é o Absoluto transcendental. As
vezes Você é chamado de Oiridhãri porque Você ergueu a colina conhecida
como Govardhana. As vezes Você é chamado de Nandanandana ou Vãsudeva
ou Devakínandana porque Você aparece como o filho de Mahãrãja Nanda ou
Devakí ou Vasudeva. Os impersonalistas pensam que Seus muitos nomes ou
formas equivalem a um tipo de trabalho e a um tipo de qualidade particulares
porque eles aceitam-No a partir da posição de um observador material.
“iNosso querido Senhor, não se pode compreender Sua natureza. Sua forma
e Suas atividades absolutas estudando-as por meio da especulação mental. E
preciso se ocupar em serviço devocional: ai então pode-se compreender Sua
natureza absoluta. Sua forma transcendental. Seu nome e Sua qualidade. Na
realidade, só uma pessoa que tenha um pouco de gosto pelo serviço a Seus pés
de lótus, pode compreender Sua natureza transcendental ou Sua forma e Sua
qualidade. Outros há que talvez especulem por milhões de anos seguidos, mas
nao é possível que compreendam nem sequer uma simples parte de Sua
posição verdadeira." Em outras palavras, os não devotos não podem com­
preender a Suprema Personalidade de Deus. Krsna. porque existe uma cor­
tina de Yogamãyã que encobre as características verdadeiras de Krsna. Como
se confirma no Bhagavad-gitã: nãham prakãsah sarvasya. O Senhor diz:
“ Eu não Me exponho a qualquer um." Quando Krsna veio Ele esteve real­
mente presente no Campo de Batalha de Kuruksetra. e todo mundo 0 viu.
Mas nem todos puderam compreender que Ele era a Suprema Personalidade
de Deus. Não obstante, todos que morreram na presença d'Ele alcançaram a
liberação completa do cativeiro material e foram transferidos ao mundo
espiritual.
”Õ Senhor, os impersonalistas ou não devotos não jx)dem compreender que
Seu nome é idêntico a Sua forma." Uma vez que o Senhor é absoluto, não há-
diferença entre Seu nome e Sua forma real. No mundo material há uma
Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna 21
diferença entre a forma e o nome. A fruta manga é diferente do nome da
manga. Não se pode saborear a manga pelo simples cantar de: '"manga,
manga, manga." Mas o devoto que sabe que não há diferença entre o nome e a
forma do Senhor, canta Hare Krsna. Hare Krsna. Krsna Krsna. Hare Hare/
Hare Rãma. Hare Rãma. Rãma Rãma. Hare Hare. e realiza que está sempre na
companhia de Krsna.
O Senhor Krsna exibe Seus passatempos transcendentais para as pessoas
que não estão muito avançadas no conhecimento absoluto do Supremo.
Simplesmente por pensarem nos passatempos do Senhor, elas podem obter
todo o benefício. Uma vez que não há diferença entre o nome transcendental e
a forma do Senhor, não há diferença entre os passatempos transcendentais e a
forma do Senhor. Para aqueles que são menos inteligentes (como as
mulheres, os trabalhadores ou a classe mercantil), o grande sábio Vyãsadeva
escreveu o Mahãbhãrcüa. No Mahãbhãrata, Krsna está presente através de
Suas diferentes atividades. O Mahãbhãrata é uma história e. se simplesmente
estudarem, ouvirem e memorizarem as atividades transcendentais de Krsna.
os menos inteligentes poderão também elevar-se gradüalmente ao nível dos
devotos puros.
Não se deve considerar que os devotos puros — que estão sempre absortos
pensando nos pés de lótus transcendentais de Krsna e que estão sempre
ocupados no serviço devocional em plena consciência de Krsna — estão no
mundo material. Sr! Rupa Gosvãmi explica que aqueles que estão sempre
ocupados na consciência de Krsna. com o corpo, a mente e as atividades.
y devem ser considerados liberados mesmo quê ainda estejam neste corpo. Isto
\ também está confirmado no Bhagavad-gítã: aqueles que se ocupam no
| serviço devocional do Senhor já transcenderam a posição material.
> Krsna aparece para dar uma oportunidade tanto para os devotos quanto
! para os não devotos de realizarem a meta última da vida. Os devotos obtêm a
oportunidade direta de vê-Lo e adorá-Lo. Aqueles que não estão nesta
I plataforma obtêm a oportunidade de tomar conhecimento de Suas atividades
e desse modo se elevam à mesma posição.
f "O querido Senhor." continuaram os semideuses. ’*Você é não-nascido:
por isso. não achamos nenhuma outra razão para o Seu aparecimento além da
exibição de Seus agradáveis passatempos." Embora a razão para o apareci­
mento do Senhor esteja determinada no Bhagavad-gitã (Ele descende
simplesmente para dar proteção ao devoto e subjugar o não devoto), na
realidade Ele descende não realmente para subjugar os não devotos, mas para
Seu encontro de prazer com os devotos. A natureza material por si só pode
derrotar os não devotos. **A ação e a reação da energia externa da natureza
material (criação, manutenção e aniquilação) ocorrem de forma automática.
Mas simplesmente por se refugiarem em Seu santo nome — porque Seu santo
22 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
nome não 6 diferente de Sua personalidade — os devotos estão sufieiente-
mente protegidos. Na verdade, a proteção aos devotos e a aniquilação dos
não devotos não constituem a missão da Suprema Personalidade de Deus
quando Ele descende: destinam-se apenas ao prazer transcendental d Ele.
Não pode haver nenhum outro motivo para Sou aparecimento.
“ Nosso querido Senhor. Você vai aparecer como o melhor da dinastia
Yadu. e nós oferecemos nossas humildes e respeitosas reverências a Seus pés
de lótus. Antes deste aparecimento. Você também apareceu como a en­
carnação de peixe, a encarnação de cavalo, a encarnação de tartaruga, a en­
carnação de cisne, como o roi Rãmacandra. corno Parasurãma. o como muitas
outras encarnações. Você apareceu simplesmente para proteger os devotos, o
pedimos-Lhe que em Seu presente aparecimento como a própria Suprema
Personalidade de Deus. Você nos dê proteção similar cm todas as partes dos
três mundos e remova todos os obstáculos para o desenvolvimento pacífico de
nossas vidas.
“Querida mãe Devakí. dentro de seu ventre está a Suprema Personalidade
de Deus. que aparece juntamente com todas as Suas expansões plenárias. Ele
é a Personalidade de Deus original que aparece para o nosso bem-estar. Por­
tanto. não tenha medo de seu irmão, o rei de Bhoja. Seu filho o Senhor Krsna.
que é a Personalidade de Deus original, aparecerá para proteger a piedosa
dinastia Yadu. O Senhor não vai aparecer sozinho, mas acompanhado [X)r Sua
porção plenária imediata. Balarãma. '
Devakí estava com muito medo do seu irmão Kariisa porque ele já matara
muitos de seus filhos. Ela ficava muito ansiosa acerca de Krsna. No l isnu
Plirãna se afirma que todos os semideuses. juntamente com suas esposas, cos­
tumavam visitá-la sempre para apaziguá-la. e a animavam para que não
ficasse receosa de que Kamsa fosse matar seu filho. Krsna. que Se encontrava
dentro do ventre dela. aparecería não apenas para diminuir o tardo do
mundo, mas especifieamente para proteger o interesse da dinastia Yadu. e
certamente para proteger Devakí e Vasudeva.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Dois de
Krsna, intitulado ”Orações dos Semideuses ao Senhor Krsna Situado
no Ventre. ”
3 / 0 Nascimento do Senhor Krsna

Como .se afirma no lihagavad-gitã. o Senhor diz que Seu aparecimento.


Seu nascimento e Suas atividades são completamente transcendentais, e que
aquele que os compreende realmente torna-se imediatamente apto a ser
transferido ao mundo espiritual. O aparecimento ou nascimento do Senhor
não é semelhante ao de um homem comum que é forçado a aceitar um corpo
material de acordo com seus feitos passados. No segundo capítulo se explica o
aparecimento do Senhor: Ele aparece a Seu bel-prazer. Quando chegou o
momento do aparecimento do Senhor, as constelações se tornaram muito
auspiciosas. A influência astrológica da estrela conhecida como Rohiní
também predominava porque se considera que essa estrela é muito
auspiciosa. Rohiní está sob a supervisão direta de Brahmã. Segundo a con­
clusão astrológica, além da situação apropriada das estrelas, há momentos
auspiciosos e inauspiciosos causados pelas diferentes situações dos diferentes
sistemas planetários. Na ocasião do nascimento de Krsna. os sistemas
planetários entraram automaticamente em harmonia para que tudo se tor­
nasse auspicioso.
Nessa altura, havia uma atmosfera de paz e prosperidade em todas as
direções — a leste, a oeste, ao sul e ao norte — em toda parte. Podia-se ver
estrelas auspiciosas no céu. e havia sinais de lx)a fortuna sobre a terra — em
todas as cidades e aldeias ou nos campos de pastagem — e dentro da mente de
todo mundo. Os rios fluíam cheios d'água e os lagos estavam decorados bela­
mente com flores de lótus. As florestas estavam repletas de belos pássaros e
pavões. Todos os pássaros da floresta puseram-se a cantar com vozes doces e
os pavões puseram-se a dançar juntamente com suas consortes. 0 vento
soprava agradavelmente, transportando o aroma de diferentes flores, e a
sensação ao contato com o corpo era muito agradável. Nas casas, os
brãhmanas, que estavam habituados a oferecer sacrifícios no fogo. deram-se
conta de que seus lares eram muito agradáveis para fazer oferecimentos.
Devido às perturbações criadas pelos reis demoníacos, o altar do fogo
24 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
sacrificial tinha quase sido suprimido nas casas dos brãhmanas. mas agora
eles podiam encontrar a oportunidade de acender o fogo pacificamente. Como
haviam sido proibidos de oferecer sacrifícios, os brãhmanas estavam muito
aflitos com a mente, a inteligência e as atividades abaladas, mas quando
Krsna estava a ponto de aparecer, automaticamente as mentes deles se
encheram de alegria porque eles puderam ouvir no céu as altas vibrações dos
sons transcendentais que proclamavam o aparecimento da Suprerna Per­
sonalidade de Deus.
Os habitantes dos planetas Gandharva c Kinnara puseram-se a cantar, e os
habitantes de Siddhaloka c dos planetas dos Cãranas começaram a oferecer
orações em serviço à Personalidade de Deus. Nos planetas celestiais, os anjos
juntamente com suas esposas, acompanhados pelas Apsaras. começaram a
dançar.
Como estivessem satisfeitos, os grandes sábios e os semideuses começaram
a lançar flores em grande abundância. Na costa, ouvia-se o som de ondas
suaves, e acima do mar as nuvens no céu começaram a trovejar de uma forma
muito agradável.
Quando as coisas se arranjaram dessa maneira, o Senhor Visnu. que reside
dentro do coração de toda entidade viva. apareceu na escuridão da noite como
a Suprema Personalidade de Deus perante Devakl. a qual iambém aparecera
como uma das semideusas. O aparecimento do Senhor Visnu nesse momento
podia ser comparado à lua cheia quando esta surge no céu no horizonte orien­
tal. Talvez se levante a objeção de que uma vez que o Senhor Krsna apareceu
quando a lua estava no oitavo dia do quarto minguante, a lua cheia não
poderia ter nascido. Em resposta a isto pode-se dizer que o Senhor Krsna
apareceu na dinastia que se encontra na hierarquia da lua: portanto, embora
a lua estivesse incompleta àquela noite, pelo fato do Senhor ter aparecido na
dinastia em que a própria lua é a pessoa original, a lua encontrava-se num
estado de super alegria, e por isso pôde aparecer exatamente como uma lua
cheia pela graça de Krsna.
Em um tratado astronômico denominado Khamãnikya. há uma minuciosa
descrição das constelações no momento do aparecimento do Senhor Krsna.
Está confirmado que a criança que nasceu naquele momento auspicioso foi o
Brahman Supremo ou a Verdade Absoluta.
Vasudeva viu essa criança maravilhosa que nascera como um bebê de
quatro mãos. segurando o búzio, a maça. o disco e a flor de lótus, decorado
com a marca de Srívatsa. usando o colar adornado com a pedra kaustubha.
vestido cm seda amarela, deslumbrante como uma brilhante nuvem negra.
' usando um elmo ornado com a pedra vaidürra. valiosos braceletes. brincos e
outros ornamentos similares por lodo o Seu corpo e muito cabelo sobre Sua
cabeça. Vasudeva ficou maravilhado com as características extraordinárias da
0 Nascimento do Senhor Krsna 25

criança. Como podia uma criança recém-nascida estar decorada assim? Por
isso. ele pôde compreender que o Senhor Krsna acabara de aparecer, e sentiu-
se confundido com a ocasião. Vasudeva ficou humildemente admirado de que
Visnu ou Krsna. a todo-penetrante Personalidade de Deus. aparecesse na casa
dele como seu filho, exatamente em Sua posição original — embora ele
(Vasudeva) fosse uma entidade viva comum condicionada pela natureza
material e externamente estivesse aprisionado por Karhsa. Nenhuma criança
da Terra nasce com quatro mãos e decorada com ornamentos e roupas bonitas,
plenamente equipada com todos os sinais da Suprema Personalidade de Deus.
Vasudeva olhava para seu filho repetidamente, e considerava como co­
memorar este momento auspicioso: "Ceralmente, quando nasce um
menino." pensou ele. "as pessoas festejam a ocasião com jubilosas
celebrações, e a Suprema Personalidade de Deus nasceu em minha família,
muito embora eu esteja aprisionado... Quantas milhões e milhões de vezes
devia estar eu preparado para festejar esta cerimônia auspiciosa!"
Enquanto Vasudeva. que também se chama Anakadundubhi. olhava para
seu bebê recém-nascido, ele estava tão feliz que quis dar muitos milhares de
vacas em caridade aos brãhmanas. De acordo com o sistema védico. sempre
que há uma cerimônia auspiciosa no palácio de um rei ksatriycu o rei dá
muitas coisas em caridade. Vacas decoradas com ornamentos dourados são
distribuídas aos brãhmanas e aos sábios. Vasudeva desejou executar uma
cerimônia de caridade para comemorar o aparecimento de Krsna. mas porque
estava algemado dentro das paredes da prisão de Karhsa. isto não foi possível.
Em vez disso, mentalmente ele deu milhares de vacas aos brãhmanas.
Quando Vasudeva se convenceu de que a criança recém-nascida era a
própria Suprema Personalidade de Deus. ele prostrou-se com as mãos postas
e começou a oferecer-Lhe orações. Nesse momento. Vasudeva encontrava-se
na posição transcendental, e libertou-sc totalmente de todo o temor a Kamsa.
Além disso, o Itebê recém-nascido fazia Sua refulgência cintilar dentro do
quarto cm que aparecera.
Então Vasudeva começou a oferecer suas orações. "Meu querido Senhor,
posso compreender quem Você é. Você é a Suprema Personalidade de Deus. a
Superalma de todas as entidades vivas e a Verdade Absoluta. Você apareceu
em Sua própria forma eterna a qual podemos perceber diretamente. Com­
preendo que porque tenho medo de Karhsa. Você apareceu justamente para
libertar-me deste temor. Você não pertence a este mundo material: Você é a
mesma pessoa que dá origem à manifestação cósmica simplesmente por lançar
o olhar sobre a natureza material."
Talvez se argumente que a Suprema Personalidade de Deus. que cria toda
a manifestação cósmica com um simples olhar Seu. não podería aparecer
dentro do ventre de Deva kl.' a esposa de Vasudeva. Para erradicar este
26 Krsna. a Suprema Personalidade de Deus
argumento, Vasudeva disse: “Meu querido Senhor, o Seu aparecimento
dentro do ventre de Devakl não é algo muito prodigioso porque a criação
também foi feita desta forma. Você estava deitado no Oceano Causai como
Mahã-Visnu, e inumeráveis universos surgiram por intermédio do Seu pro­
cesso respiratório. Então Você entrou em cada um dos universos como
GarbhodakasãyJ Visnu. Depois ainda. Você Se expandiu como ívslrodakasãyl
Visnu e entrou no coração de todas as entidades vivas e entrou até mesmo
dentro dos átomos. Por conseguinte, da mesma maneira pode-se compreender
Sua entrada no ventre de Devakl. Você parece que entrou, contudo Você é
simultaneamente todo-penetrante. Podemos compreender Seu entrar e não
entrar com exemplos materiais. A energia material total permanece intacta
mesmo depois que c dividida em dezesseis elementos. O corpo material nada
mais é que a combinação dos cinco elementos grosseiros, a saber: a terra, a
água. o fogo, o ar e o éter. Sempre que surge um corpo material, parece que
tais elementos são criados novamente, mas na realidade os elementos estão
sempre existindo fora do corpo. Similarmente. Você também existe exterior­
mente, embora apareça como uma criança no ventre de Devakl. Você Se en­
contra sempre em Sua morada, mas ainda assim Você pode simultaneamente
expandir-Se em milhões de formas.
“ E preciso compreender Seu aparecimento com muita inteligência porque
a energia material também emana de Você. Você é a fonte original da energia
material, da mesma forma que o sol é a fonte do brilho do sol. O brilho do sol
não pode encobrir o globo solar, nem tampouco pode a energia material —
que é uma emanação Sua — encobri-Lo. Você parece estar nos três modos da
energia material, mas na realidade os três modos da energia material não
podem encobri-Lo. Os filósofos altamente intelectuais compreendem isto. Em
outras palavras, embora pareça que Você Se encontra dentro da energia
material, esta energia jamais O encobre."
Somos informados pela versão védiea de que o Brahman Supremo exibe •
Sua refulgência e que portanto tudo se ilumina. Podemos compreender a par­
tir do Brahrna-samhitã que o brahmajyoli. qu a refulgência de Brahman.
emana do corpo do Senhor Supremo. E a partir da refulgência de Brahman.
acontece toda a criação. Além disso, no Bhagavad-gitã se afirma que o Senhor
é também o apoio da refulgência de Brahman. Originalmente Ele é a causa
primordial de todas as coisas. Mas as pessoas que são menos inteligentes pen­
sam que quando a Suprema Personalidade de Deus vem a este mundo
material. Ele aceita as qualidades materiais. Tais conclusões não são muito
maduras pois são feitas pelas pessoas menos inteligentes.
A Suprema Personalidade de Deus existe direta e indiretamente em todas
as partes: Ele está fora desta criação material e também está dentro dela. Ele
Se encontra dentro desta criação material não só como Oarbhodakasãyi
0 Nascimento do Senhor Krsna 27

Visnu: Ele também está dentro do átomo. A existência é causada pela


presença d*Ele. Nada pode se separar da existência d‘Ele. Na injunção védica
encontramos oue é preciso buscar a Alma Suprema (ou a causa primordial de
todas as coisas), já que nada existe independente da Alma Suprema. Portanto,
a manifestação material também é uma transformação da potência d'Ele.
Tanto a matéria inerte quanto a força viva — a alma — emanam d*Ele. Só os
tolos concluem que quando o Senhor Supremo aparece Ele aceita as condições
da matéria. Mesmo que pareça ter aceitado o corpo material, ainda assim Ele
não está sujeito a nenhuma condição material. Portanto. Krsna tem aparecido
e derrotado todas as conclusões imperfeitas acerca do aparecimento e
desaparecimento da Suprema Personalidade de Deus.
"Meu Senhor. Seu aparecimento. Sua existência e Seu desaparecimento
estão além da influência das qualidades materiais. Porque Sua Senhoria é o
controlador de todas as coisas e o lugar de descanso do Brahman Supremo,
não há nada de inconcebível ou contraditório em Você. Como Você diz, a
natureza material trabalha sob Sua superintendência, assim como um oficial
do governo que trabalha sob as ordens do chefe executivo. A influência das
atividades subordinadas não pode afetá-Lo. 0 Brahman Supremo e todos os
fenômenos existem dentro de Você. e Sua Senhoria controla todas as
atividades da natureza material.
"Você é chamado de suklam. Suklam. ou "brancura", é a representação
simbólica da Verdade Absoluta porque as qualidades materiais não a afetam.
0 Senhor Brahmã é chamado de rakta. ou vermelho, porque Brahmã repre­
senta as qualidades da paixão para a criação. A escuridão é confiada ao Senhor
Siva porque ele aniquila o cosmos. Suas potências conduzem a criação, a ani-
quilação e a manutenção desta manifestação cósmica, contudo essas
qualidades jamais 0 afetam. Como se confirma nos Vedas: harir hi nirgunah
sãksãt: a Suprema Personalidade de Deus está sempre livre de todas as
qualidades materiais. Também se diz que as qualidades da paixão e da ig­
norância não existem na pessoa do Senhor Supremo.
‘‘Meu Senhor. Você é o controlador supremo, a Personalidade de Deus, o
grandioso supremo, o qual mantém a ordem desta manifestação cósmica. E
apesar de ser o controlador supremo. Você generosamente apareceu em meu
lar. Você aparece com o fim de matar os seguidores dos governantes
demoníacos do mundo que se fazem passar por príncipes reais mas que na
realidade são demônios. Tenho certeza de que Você matará todos eles e seus
seguidores e soldados. ..
"Compreendo que Você apareceu para matar o bárbaro Kamsa e seus
seguidores. Mas como sabia que Você ia aparecer para matá-lo e a seus
seguidores, ele já matou muitos de Seus irmãos mais velhos, Seus pre-
decessores. Agora fde está simplesmente esperando pela notícia de Seu
28 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
nascimento. Tão logo saiba que Você nasceu, ele aparecerá imediatamente
com toda espécie de armas para matá-Lo."
Após esta oração de Vasudeva. Devakl. a mãe de Krsna. ofereceu suas
orações. Ela estava muito atemorizada por causa das atrocidades de seu irmão.
Devakí disse: “Meu querido Senhor, na literatura védiea Suas formas eternas
— tais como Nãrãyana. Senhor Rãma. Sesa. Varãha. Nrsimha. Vãmana.
Baladeva. e milhões de encarnações similares que emanam de Visnu — são
descritas como originais. Você é original porque todas as Suas formas como
encarnações estão fora desta criação material. Sua forma existia antes que esta
manifestação cósmica fosse criada. Suas formas são eternas e todo-
penetrantes. Elas são auto-refulgentes. imutáveis e não contaminadas pelas
qualidades materiais. Tais formas eternas são eternamente conscientes e
plenas de bem-aventurança: estão situadas na bondade transcendental e estão
sempre ocupadas em diferentes passatempos. Você não está restrito a uma
forma particular somente: todas estas formas transcendentais eternas são
auto-suficientes. Posso compreender que Você é o Supremo Senhor Visnu.
“ Depois de muitos milhões de anos. quando o Senhor Brahmã chega ao fim
de sua vida, ocorre a aniquilação da manifestação cósmica. Nesse tempo os
cinco elementos — a saber: a terra, a água. o fogo. o ar e o éter — entram no
mahat-tattva. O mahat-íattva entra outra vez na energia material total ima-
nifesta pela força do tempo: a energia material total entra no pradhnna ener­
gético, e o pradhãna entra em Você. Por conseguinte, depois da aniquilação
de toda a manifestação cósmica, só Você permanece com Seu nome. Sua
forma. Sua qualidade e Sua parafernália transcendentais.
'"Meu Senhor, ofereço-Lhe minhas respeitosas reverências porque Você é o
diretor da energia total imanífesta e o reservatório último da natureza
material. Meu Senhor, toda a manifestação cósmica está sob a influência do
tempo — desde o espaço do instante até a duração do ano. Tudo atua sob Sua
direção. Você é o diretor original de todas as coisas e o reservatório de todas as
energias potentes.
‘‘Assim, meu Senhor. peço-Lhe que me salve das mãos cruéis de Kamsa. o
filho de Ugrasena. Suplico a Sua Senhoria para que por favor me salve desta
situação de temor porque Você está sempre pronto a dar proteção a Seus ser­
vos." O Senhor confirma esta declaração no Bhagavad-gUã garantindo a
Arjuna: “Declare ao mundo: Meu devoto nunca há de perecer."
Enquanto orava assim para que o Senhor a salvasse, mãe Devakl expressou
sua afeição maternal: “Compreendo que os grandes sábios geralmente per­
cebem esta forma transcendental em meditação, mas ainda assim tenho medo
porque logo quê Kamsa souber que Você apareceu, ele poderá fazer mal a
Você. Por isso, peço-Lhe que por agora Você Se faça invisível a nossos olhos
materiais." Em outras palavras, ela pediu que o Senhor assumisse a forma de
0 Nascimento do Senhor Krsna 29

uma criança comum. ”0 único motivo de meu temor a meu irmão Karhsa
deve-se a Seu aparecimento, ó meu Senhor Madhusüdana. Talvez Kamsa já
saiba que Você nasceu. Por isso. peço-Lhe que oculte esta- Sua forma de
quatro braços que segura os quatro símbolos de Visnu — o búzio, o disco, a
maça e a flor de lótus. Meu querido Senhor, ao fim da aniquilação da
manifestação cósmica Você coloca todo o universo dentro de Seu abdômen:
contudo. Você apareceu em meu ventre por Sua misericórdia imaculada.
Surpreendo-me de que Você imite as atividades dos seres humanos comuns
tão somente para comprazer Seus devotos.”
Ao ouvir as orações de Devakl. o Senhor respondeu: "Minha querida mãe.
no milênio do Svãvambhuva Manu Meu pai Vasudeva vivia como um dos
prajãpath. Nesse tempo o nome dele era Sutapã. e você era a esposa dele.
chamada Prsni. Nessa época, o Senhor Brahmã estava desejando aumentar a
população, e pediu que vocês procriassem. Vocês controlavam os sentidos e
executavam severas austeridades. Com a prática do exercício respiratório do
sistema de voga. você e seu esposo podiam tolerar todas as influências das leis
materiais: a estação da chuva, a investida violenta do vento e o calor abra-
sante do brilho do sol. Vocês também punham em prática todos os princípios
religiosos. Desta maneira, vocês foram capazes de purificar o coração e con-.
trolar a influência da lei material. Enquanto executavam suas austeridades.
vocês costumavam comer apenas as folhas das arvores que caíam ao chão. En­
tão. com a mente e o desejo sexual controlados, vocês Me adoravam, dese­
jando que Eu lhes desse alguma bênção maravilhosa. Vocês dois praticaram
austeridades severas durante doze mil anos. pelo cálculo dos semideuses.
Durante esse tempo, suas mentes estiveram sempre absortas em Mim.
Quando vocês executavam serviço devoctonal e pensavam sempre em Mim
dentro do coração. Eu Me sentia muito satisfeito com vocês. 0 mãe impecável,
por isso seu coração é sempre puro. Nessa ocasião também aparecí perante
você nesta forma tão só para satisfazer seu desejo, e disse-ihe que Me pedisse
qualquer coisa que desejasse. Naquele momento você desejou que Eu
nascesse como seu filho. Embora Me tivesse visto pessoalmente, em vez de
pedir sua liberação completa do cativeiro material, sob a influência de Minha
energia você pediu que Eu Me convertesse em seu filho.”
Em outras palavras, o Senhor escolheu Sua mãe e Seu pai — a saber Prsni
e Sutapã — especifica mente para aparecer no mundo material. Sempre que o
Senhor aparece como um ser humano. Ele precisa ter alguém como mãe e pai.
e por isso Ele escolheu Prsni e Sutapã para ser Seu pai e Sua mãe perpetua­
mente. E por causa disso. Prsni e Sutapã não puderam pedir que o Senhor
lhes desse a liberação. A liberação não é tão importante quanto o serviço
transcendental amoroso ao Senhor. 0 Senhor podería ter outorgado liberação
imediata a Prsni e Sutapã. porém Ele preferiu conservá-los neste mundo
30 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus1
material para acompanhá-Lo em Seus diferentes aparecimentos, como será
explicado nos versos seguintes. Ao receberem a bênção do Senhor de se tor­
narem pai e mãe d Ele. tanto Prsni quanto Sutapã deixaram as atividades de
austeridade e viveram como marido e mulher para gerar um filho: o próprio
Senhor Supremo.
.No devido curso do tempo Prsni ficou grávida e deu à luz a criança. 0
Senhor falou para Devakl e Vasudeva: “Naquele tempo Meu nome foi
Prsnigarbha. Também no milênio seguinte vocês nasceram como Aditi e
Kasyapa. e Eu Me tornei seu filho, chamado Upendra. Dessa vez Eu tive exa­
tamente a forma de um anão. e por esse motivo era conhecido como
Vãmanadeva. Dei-lhes a bênção de que nascería como seu filho três vezes. A
primeira vez fui conhecido como Prsnigarbha. nascido de Prsni e Sutapã: no
nascimento seguinte fui Upendra. nascido de Aditi e Kasvapa: e agora nasço
pela terceira vez de vocês. Devakí e Vasudeva. como Krsna. Apareci nesta
forma de Visnu apenas para convencê-los de que sou a mesma Suprema Per­
sonalidade de Deus que está nascendo outra vez. Poderia ter aparecido como
uma criança comum, mas desta maneira vocês não acreditariam que Eu. a
Suprema Personalidade de Deus. nascera em seu ventre. .Meus queridos pai e
mãe. por esse motivo vocês Me criaram muitas vezes como seu filho, com
grande afeição e amor. e portanto sinto-Me muito satisfeito com vocês e muito
obrigado pelo que vocês fizeram. E devido ao aperfeiçoamento de sua missão,
garanto-lhes que desta vez vocês voltarão ao lar. de volta ao Supremo. Sei que
vocês estão muito preocupados coMigo e com medo de Kamsa. Por isso or­
deno que Me levem imediatamente para Gokula e Me substituam pela filha
que acaba de nascer de Yasodã."
Após falar assim na presença-de Seu pai e Sua mãe. o Senhor converteu-Se
numa criança comum e permaneceu em silêncio.
Conforme ordenou-lhe a Suprema Personalidade de Deus. Vasudeva ten­
tou tirar seu filho do quarto do parto, e exatamente nesse momento nascia
uma menina de Nanda e Yasodã. Ela era Yogamãyã. a potência interna do
Senhor. Pela influência desta potência interna (Yogamãyã). todos os resi­
dentes do palácio de Kamsa. especialmente os porteiros, foram dominados por
um sono profundo, e todas as portas do palácio se abriram, embora estivessem
trancadas e agrilhoadas com correntes de ferro. A noite estava muito escura,
mas logo que Vasudeva pôs Krsna em seu colo e saiu. ele pôde ver tudo exata­
mente como se estivesse à luz do sol. *
No Caitanya-caritãmría se diz que Krsna é como a luz do sol. e que onde
quer que Krsna esteja, a energia ilusória, que é comparada à escuridão, não
pode permanecer. Quando Vasudeva estava levando Krsna. a escuridão da
noite desapareceu. Todas as portas da prisão se abriram automaticamente. Ao
mesmo tempo trovejou no céu e caiu uma chuva torrencial. Enquanto
0 Nascimento do Senhor Krsna 31
Vasudeva levava seu filho Krsna debaixo da chuva, o Senhor Sesa na forma
de uma serpente estendeu Seu capelo sobre a cabeça de Vasudeva para que a
queda da chuva não o dificultasse. Vasudeva alcançou as margens do Yamunã
e viu que as águas do Yamunã bramiam onduladas e que toda a extensão do
rio estava cheia de espuma. Ainda assim, o rio furioso abriu passagem para
Vasudeva atravessar, assim como o grande Oceano Indico abriu um caminho
para o Senhor Ráma enquanto Este contruía uma ponte sobre o golfo. Dessa
maneira. Vasudeva atravessou o rio Yamunã. Chegando ao outro lado.
Vasudeva se dirigiu à casa de Nanda Mahãrãja situada em Gokula. onde en­
controu todos os pastores de vacas dormindo profundamente. Ele aproveitou
a oportunidade para entrar silenciosamente na casa de Yasodã. e sem
dificuldade trocou seu filho pela menina que acabara de nascer na casa de
Yasodã. Então, depois de entrar silenciosamente na casa e de trocar o menino
pela menina, ele regressou à prisão de Kamsa e em silêncio colocou a menina
no colo de Devakí. Vasudeva se algemou novamente para que Kamsa não
pudesse se aperceber de que tinham acontecido tantas coisas.
Mãe Yasodã compreendeu que havia dado à luz uma criança, mas como
estava muito cansada das dores do parto, ela dormia profundamente. Quando
despertou, não pôde se lembrar se dera à luz um menino ou uma menina.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Três
de Krsna, intitulado “O Nascimento do Senhor Krsna. ”
4 / Kamsa Começa suas Perseguições

Depois que Vasudeva pôs todas as portas e portões em ordem. Ps porteiros ^


despertaram e ouviram a criança recém-nascida chorando. Kamsa estava
esperando pela notícia do nascimento da criança, e por isso os porteiros foram
ter com ele imediatamente c informaram-no de que a criança nascera. Nesse
momento. Kamsa levantou-se de sua cama rapidamente e exclamou: "Agora
nasceu a morte cruel de minha vida!” Kamsa ficou perplexo agora que sua
morte se aproximava, e seu cabelo se arrepiou. Imediatamente, ele se dirigiu
para o lugar onde nascera a criança.
Devakl. quando viu seu irmão Kamsa se aproximando, suplicou-lhe com
muita humildade: "Por favor, meu querido irmão, não mate esta menina.
Prometo que esta criança será a esposa de seu filho: por isso não a mate. Não
será uma. menina que irá matá-lo. Este foi o presságio. Você será morto por
um menino: por isso não a mate. por favor. Meu querido irmão, você matou
muitos de meus filhos que acabavam de nascer, brilhantes como o sol. Mas a ,
culpa não é sua. Seus amigos demoníacos aconselharam-no a matar meus
filhos. Agora peço-lhe que dispense esta menina. Deixe que ela viva como '
minha filha.”
Kamsa era tão cruel que não ouviu as belas suplicas de sua' irmã Devakl.
Ele agarrou a criança recém-nascida, à força para oprimir sua irmã. e tentou 1
atirá-la cruelmente contra o chão de pedra. Este é um exemplo vivo de um ir- J
mão cruel que seria capaz de sacrificar iodas as relações, por amor de seu
prazer pessoal. Porém, a criança escapuliu imediatamente de suas mãos.
subiu para os céus e apareceu com oito braços como a irmã mais nova de
Visnu. Ela estava decorada com um belo vestido e com guirlandas de flores e afl
ornamentos: em suas oito mãos ela segurava um arco. uma lança, flechas, um I
sino. um búzio, um disco, uma maça e um escudo. fl
Quando viram aparecer a criança {que na realidade era a deusa Durgã).
todos os semideuses de diferentes planetas, tais como Siddhaloka.
Cãranaioka. Gandharvaioka. Apsaraloka, Kinnaraloka e Uragaloka, >.
5 / 0 Encontro de Nanda e Vasudeva

Embora Krsna fosse o verdadeiro filho de Vasudeva e Devaki, Vasudeva


não pôde apreciar a cerimônia do nascimento de seu filho por causa das
atividades atrozes de Kamsa. Mas Nanda Mahãrãja, o pai adotivo, celebrou a
cerimônia do nascimento de Krsna com muita alegria. No dia seguinte,
declarou-se que Yasodã dera à luz um menino. Conforme o costume védico,
Nanda Mahãrãja chamou por astrólogos e brãhmanas eruditos para que eles
executassem a cerimônia do nascimento. Depois que uma criança nasce, os
astrólogos calculam o momento do nascimento e fazem um horóscopo da vida
futura da criança. Uma outra cerimônia se realiza depois do nascimento da
criança: os membros da família tomam banho, purificam-se e se decoram com
ornamentos e guirlandas; depois eles se apresentam perante a criança e o
astrólogo para ouvi-lo falar sobre a vida futura da criança. Nanda Mahãrãja e
outros membros da família vestiram-se para a cerimônia e sentaram-se em
frente do lugar onde nascera a criança. Todos os brãhmanas que estavam
reunidos ali nessa ocasião, cantaram mantras auspiciosos, conforme os
rituais, enquanto os astrólogos executavam a cerimônia do nascimento. Nesta
cerimônia todos os semideuses, bem como os antepassados da família,
também são adorados. Nanda Mahãrãja distribuiu aos brãhmanas duzentas
mil vacas bem decoradas, vestidas e ornamentadas. Ele deu não somente
vacas em caridade, mas também montanhas de grãos, decoradas com roupas
bordadas a ouro e muitos ornamentos.
No mundo material possuímos riqueza e opulência de muitas formas, mas
nem sempre de formas muito honestas e piedosas, porque esta é a natureza da
acumulação de riqueza. Por isso. de acordo com a injunção védica. devemos
purificar tal riqueza dando vacas e ouro em caridade aos brãhmanas. Uma
criança recém-nascida também é purificada quando se dá grãos em caridade
aos brãhmanas. Deve-se compreender que neste mundo material vivemos
sempre em estado contaminado. Por conseguinte, temos que purificar a
38 Krsna. a Suprema Personalidade de Deus
duração de nossas vidas, nossa posse de riqueza e a nós mesmos. Podemos
purificar a duração de nossas vidas tomando banho diariamente. limpando o
corpo interna e externamenle. e aceitando os dez tipos de processos
purificatórios. Por intermédio das austerídades. da adoração ao Senhor e da
distribuição de caridade, podemos purificar nossa posse de riqueza. Podemos
nos purificar estudando os Vedas. esforçando-nos por lograr a auto-realização
e compreendendo a Suprema Verdade Absoluta. Por isso. está declarado na
literatura védica que todo mundo nasce sãdta. c que aquele que aceita o pro­
cesso purificatório torna-se um duas-vezes-nascido. Através dos estudos dos
Vedas, uma pessoa pode tornar-se um vipra. que éo requisito preliminar para
tornar-se um hrãhmana. Quando uma pessoa compreende a Verdade Ab­
soluta com perfeição, ela é considerada um hrãhmana. E se o hrãhmana se
aperfeiçoa mais. ele se torna um Vaisnava. ou um devoto.
Todos os brãhmanas reunidos nessa cerimônia começaram a cantar
diferentes tipos de mantras védieos para invocar toda a boa fortuna para a
criança. Há diferentes tipos de cantos conhecidos como mta. mãgadhu. vandi
e inrudãvali. Acompanhando este cantar de mantrase. cantos, cornetas e tim-
bales soavam na parte de fora da casa. Nesta ocasião, podia-se ouvir as alegres
vibrações em todos os campos de pastagem e em todas as casas. Dentro e fora
das casas havia uma variedade de pinturas artísticas, feitas com pasta de’ar-
roz. e por toda parte salpicavam água perfumada, até mesmo nas estradas e
nas ruas. Os tetos e telhados estavam decorados com diferentes tipos de ban­
deiras. festões e folhas verdes. Os portões estavam feitos de folhas verdes e
flores. Todas as vacas, touros e bezerros foram untados com uma mistura de
óleo e açufrão-du-índia e pintados com minerais tais como o oxido vermelho, o
barro amarelo e o manganês. Eles usavam guirlandas de penas de pavão, e
estavam cobertos com belas mantas coloridas o colares de ouro.
Quando todos os extáticos pastores de vacas ouviram falar que Manda
Mahãrãja. o pai de Krsna. estava celebrando a cerimônia do nascimento de
seu filho, eles ficaram espontaneamente alegres. Vestiram-se com roupas
caríssimas e enfeitaram seus corpos com diferentes tipos de brincos e colares,
e usavam grandes turbantes sobre suas cabeças. Depois de se vestirem tão
deslumbrantemente, eles tomaram tipos de presentes variados e se dirigiram
assim à casa de Manda Mahãrãja.
Logo que ouviram que mãe Yasodã dera à luz uma criança, todas as
pastoras de vacas se encheram de alegria. Elas também se vestiram com
diversos tipos de roupas caras e ornamentos e untaram cosméticos per­
fumados em seus corpos.
Assim como o pó do lótus exibe a beleza delicada da flor. da mesma forma
as gopü (pastoras de vacas) passavam pó de kunkuma em suas faces de lótus.
Estas belas gnpis tornaram seus diferentes presentes e logo chegaram à casa
Karhsa Começa suas Perseguições 33

presentearam-na com artigos e puseram-se a oferecer-lhe suas respectivas


orações. De cima. a deusa falou a Karhsa: "Seu patife, como pode você me
matar? A criança que vai matá-lo já nasceu antes de mim em algum lugar
neste mundo. Não seja tão cruel com sua pobre irmã.” Depois deste apareci­
mento. a deusa Durgã tornou-se conhecida por diversos nomes em diversas
partes do mundo.
Após ouvir estas palavras. Kamsa encheu-se de temor. Penalizado, ele
libertou imediatamente Vasudevu e Devakí da sujeição de suas algemas e
dirigiu-se a eles com muita educação. Ele disse: "Meus queridos irmã e
cunhado, eu agi justa mente como um demônio ao matar meus próprios
sobrinhos. Nem sequer levei em consideração a nossa relação íntima. Não sei
qual será o resultado destes meus atos. Provavelmente serei mandado ao in­
ferno. para onde vão os assassinos dos hrahmanas. Contudo, estou admirado
de que a profecia celestial não tenha se realizado. Não é somente na sociedade
humana que se faz propaganda falsa. Agora parece que até os habitantes
celestiais falam mentiras. Por ler acreditado nas palavras dos habitantes
celestiais, cometí tantos pecados matando os filhos de minha irmã. Meus
queridos Vasudova e De.vakl. ambos vocês são ótimas almas. Nada tenho a
instruir-lhes. mas ainda assim peço-lhes que não se entristeçam com a morte
de seus filhos. Cada um de nós está sob o controle do poder superior, e este
poder superior não nos permite permanecer juntos. Com o transcurso do
tempo seremos obrigados a nos separar de nossos amigos e parentes. Mas
devemos ter certeza de que mesmo após o desaparecimento dos diferentes
corpos materiais, a alma permanece elerhamente intacta. Há. por.exemplo,
muitas panelas que são feitas de barro e que depois são quebradas. Mas apesar
disso a terra permanece como é perpetuamente. Similarmente, os corpos da
alma são feitos e destruídos sob diferentes circunstâncias: porém, a alma
espiritual subsiste eternamente. Assim, não há nada por que se lamentar.
Todos devern compreender que este corpo material é diferente da alma
espiritual: e até que uma pessoa chegue a compreender isto. ela certamente
haverá de aceitar os processos de transmigração de um corpo para outro.
Minha querida irmã Devakí. você é tão dócil e bondosa. Perdoe-me. por favor
— não se aflija com a morte de seus filhos, que eu provoquei. Na realidade,
não fui eu que fiz isto porque todas estas atividades estão predestinadas.
Ainda que contra nossa vontade, somos obrigados a agir de acordo com o que
está predestinado. As pessoas compreendem mal que o eu morre com o fim do
corpo, ou pensam que uma entidade viva pode matar outra. Todas estas falsas
concepções nos obrigam a aceitar as circunstâncias da existência material. Em
outras palavras, enquanto não estamos firmemente convencidos de que a
alma é eterna, nos sujeitamos à tribuiação de matarmos e sermos mortos.
Meus queridos irmã Devakí e cunhado Vasudova. por favor pcrdrwm-mc
34 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
pelas atrocidades que cometí contra vocês. Eu sou muito mesquinho, en­
quanto que vocês são tão generosos; por isso, tenham compaixão de mim e me
perdoem.”
Enquanto Kamsa estava falando com seu cunhado e sua irmã, corriam
lágrimas dos olhos dele, e ele caiu aos pés deles. Como tivesse acreditado nas
palavras de Durgãdeví, à qual tentara matar, Kamsa libertou seu cunhado e
sua irmã imediatamente. Ele abriu pessoalmente as algemas de ferro e com
grande simpatia demonstrou sua amizade, tal como um membro da família.
Quando Devakí viu que seu irmão estava tão arrependido, ela também se
tranquilizou e esqueceu todas as atividades atrozes qrue seu irmão cometera
contra seus filhos. Vasudeva também, esquecendo-se de todos os incidentes
passados, falou sorridentemente com seu cunhado. Vasudeva disse a Kamsa:
"Meu querido e afortunado cunhado, o que você diz acerca do corpo matéria!
e da alma é correto. Toda entidade viva nasce ignorante,'pensando que este
corpo material é o seu eu. Esta concepção de vida se deve à ignorância,
baseados na qual criamos a inimizade e a amizade. A lamentação, o júbilo, o
temor, a inveja, a cobiça, a ilusão e a loucura são diferentes aspectos de nosso
conceito material de vida. Uma pessoa assim influenciada se envolve com ini­
mizades tão somente por causa do corpo material. Quando nos enredamos em
tais atividades, esquecemo-nos de nossa relação eterna com a Suprema Per­
sonalidade de Deus.”
Vasudeva aproveitou a oportunidade da benevolência de Kamsa e infor­
mou-lhe que suas (de Kamsa) atividades ateístas também se deviam a essa
falsa concepção da vida — a saber: considerar que o corpo material é o eu.
Quando Vasudeva falou com Kamsa neste tom tão esclarecedor, Kamsa ficou
muito contente, e a culpa que ele estava sentindo por ter matado seus
sobrinhos, diminuiu. Com a permissão de sua irmã Devakí e seu cunhado
Vasudeva. ele regressou a sua casa aliviado.
Mas no dia seguinte Kamsa reuniu todos os seus conselheiros e narrou-lhes
todos os incidentes que tinham acontecido na noite anterior. Todos os con­
selheiros de Kamsa eram demônios e inimigos eternos dos semideuses, e por
isso ficaram deprimidos ao ouvirem seu chefe falar dos eventos da noite. E
embora não fossem muito experientes nem eruditos, eles deram as seguintes
instruções a Kamsa: “Caro senhor, vamos fazer arranjos para que se mate
todas as crianças que nasceram nos últimos dez dias em todas as cidades,
países, aldeias e campos de pastagem. Vamos pôr este plano em prática in­
discriminadamente. Achamos que os semideuses não poderão fazer nada con­
tra nós se executarmos estas atrocidades. Eles estão sempre com medo de
lutar conosco, e mesmo que desejem impedir nossas atividades, não ousarão
fazê-lo. Eles o temem por causa da incomensurável força de seu arco. Na ver­
dade. temos experiência prática de que sempre que você se punha a lutar com
Kamsa Corrieça suas Perseguições 35

eles e atirava-lhes suas flechas.-eles fugiam imediatamente em todas as


direções para salvar suas vidas. Muitos dos se mi de uses eram incapazes de
lutar com você. e imnediata mente se rendiam a você. abrindo seus turbantes e
as bandeiras sobre suas cabeças. Com as mãos postas, eles suplicavam-lhe que
os poupasse e diziam:''Meu senhor, estamos todos com medo de sua força. Por
favor. liberte-nos desta luta perigosa/ Também vimos muitas vezes que você
nunca matava tais lutadores que se entregavam quando sentiam medo. com
os arcos, as flechas e as quadrigas despedaçados, esquecidos' de suas
atividades militares e incapazes de lutar com você. Desta maneira, não temos
realmente nada a temer da parte desses semideuses. Eles se orgulham muito
de serem grandes lutadores em tempos de paz fora do campo de batalha, mas
na realidade não são capazes de revelar nenhum talento ou poder militar
quando estão no campo de batalha. Embora o Senhor Visnu. o Senhor Siva e o
Senhor Brahmã estejam sempre dispostos a ajudar os semideuses encabeçados
por índra. não temos motivo para temê-los. Quanto ao Senhor Visnu. Ele já
Se escondeu dentro do coração de todas as entidades vivas, e não pode sair.
Quanto ao Senhor Siva. ele renunciou a todas as atividades; já se internou na
floresta. E o Senhor Brahmã está sempre ocupado executando diferentes tipos
de austeridades e meditando. E isto para não falar de Índra — ele é uma
palha em comparação com sua força. Portanto, nada temos a temer da parte
de todos estes semideuses. Mas não devemos desprezá-los pois os semideuses
são nossos inimigos determinados. Devemos ter cuidado e nos proteger. Meu
senhor, se queremos dar um fim à própria existência destes semideuses.
devemos tão somete ocupar-nos em seu serviço e estar sempre prontos a
cumprir suas ordens.**
Os demônios continuaram dizendo: "Se temos alguma doença no corpo e a
descuidamos, ela se torna incurável. Similarmente, quando não se tem o
cuidado de restringir os sentidos e se lhes deixa soltos, é muito difícil con­
trolá-los. Por isso. devemos ter sempre multo cuidado com os semideuses
antes que eles fiquem demasiado fortes para ser subjugados. A base da força
dos semideuses é o Senhor Visnu. porque a meta última de todos os princípios
religiosos é satisfazê-Lo. As injunções védicas. os brãhmanas. as vacas, as
austeridades, os sacrifícios, as execuções de caridade e a distribuição de
riqueza — são todos para a satisfação do Senhor Visnu. Assim, comecemos
imediatamente por matar todos os brãhmanas que estão encarregados do co­
nhecimento védico e os grandes sábios que estão encarregados das execuções
ritualísticas de sacrifícios. Matemos todas as vacas que são a fonte da man­
teiga, a qual é tão necessária para se executar sacrifícios. Por favor, dê-nos
autorização para matarmos todas estas criaturas."
Na realidade, os membros do corpo transcendental do Senhor Visnu são os
brãhmanas. as vacas, o conhecimento védico. a austeridade, a veracidade, o
36 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
controle dos sentidos e da mente, a fidelidade, a caridade, a tolerância e a exe­
cução de sacrifícios. 0 Senhor Visnu está situado no coração de todo mundo e
é o líder de todos os semídeuses. incluindo o Senhor Siva e o Senhor Brahmã.
“Julgamos que matar o Senhor Visnu é perseguir os grandes sábios e os
brãhmana.s." disseram os ministros.
Depois de receber estes conselhos dos ministros demoníacos. Karhsa. que
sempre foi o maior dos canalhas, decidiu perseguir os brãhmanas e os
Vaisnavas. enredando-se nos grilhões do tempo eterno que devora tudo. Ele
mandou que os demônios acossassem todos os tipos de pessoas santas. Depois
foi para sua casa. Todos os partidários de Karhsa estavam influenciados
pelo modo da paixão, bem como iludidos pelo modo da ignorância, e sua
única ocupação era criar inimizade com as pessoas santas. Atividades como
essas só podem reduzir a duração de nossa vida. Os demônios aceleraram o
processo de sua morte, convidando-a para vir rapidamente até eles. O
resultado de se perseguir pessoas santas não é apenas a morte prematura. O
ato é tão ofensivo que o executor também perde gradualmente sua beleza, sua
fama e seus princípios religiosos, e além disso impede sua promoção aos
planetas superiores. Impelidos por diversos tipos de elaborações mentais, os
demônios reduzem todas as espécies de bem-estar. Uma ofensa cometida aos
pés de lótus dos devotos e brãhmanas é uma ofensa maior do que a cometida
aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Por conseguinte, uma
civilização ateísta se transforma na fonte de todas as calamidades.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Quatro
de Krsna, intitulado “Karhsa Começa suas Perseguições. **
0 Encontro de Nanda e Vásudeva 39
de Mahãrãja Nanda. Sobrecarregadas com seus pesados quadris e seíos
avolumados, as gopis não foram capazes de se dirigir para a casa de Nanda
Mahãrãja com muita rapidez, mas devido ao amor extático que sentiam por
Krsna elas prosseguiram tão rápido quanto puderam. Seus ouvidos estavam
decorados com brincos de pérola, seus pescoços estavam decorados com
medalhões de jóia. seus lábios e olhos estavam decorados com diferentes tipos
de batom e ungüento. e suas mãos. com bonitas pulseiras douradas. A medida
que atravessavam apressadamente a estrada de pedra, as flores das guirlandas
que decoravam seus corpos caíam ao chão. e parecia que choviam flores do
céu. Devido ao movimento dos diferentes tipos de enfeites que ornavam seus
corpos, elas estavam parecendo ainda mais belas. Assim, elas chegaram à casa
de Nanda e Yasodã e abençoaram a criança: '“ Querida criança, viva por
muitos anos para poder nos proteger." Enquanto abençoavam a criança Krsna
dessa maneira, elas ofercceram-Lhe uma mistura de pó de açafrão-da-índia
com óleo. iogurte, leite e água. a qual borrifaram não só no corpo da criança
Krsna. mas também em todas as outras pessoas que estavam presentes ali.
Além disso, nessa cerimônia auspiciosa havia diferentes bandas de músicos
habilidosos tocando.
Ao verem o divertimento das pastoras de vacas, os pastores de vacas
ficaram muito alegres e em resposta também puseram-se a atirar iogurte,
leite, manteiga clarificada e água nos corpos das gopís. Então, ambos os
grupos começaram a atirar manteiga uns nos corpos dos outros. Nanda
Mahãrãja também ficou muito feliz ao ver o divertimento dos pastores e
pastoras de vacas e generosamente deu caridade aos diferentes cantores que
estavam reunidos ali. Alguns cantores recitavam versos notáveis dos
Upanisads e dos Purãnas. alguns glorificavam os ancestrais da família, e
alguns entoavam canções muito melodiosas. Havia também muitos
brãhmanus eruditos presentes, e. como estivesse muito satisfeito nessa
ocasião. Nanda Mahãrãja deu-lhes diferentes tipos de roupas, ornamentos e
vacas em caridade.
E muito importante notar a este respeito o quanto eram abastados os habi­
tantes de Vrndãvana simplesmente por criarem vacas. Todos os pastores de
vacas pertenciam à comunidade vaisya, e sua ocupação consistia em proteger
as vacas c cultivar as colheitas. A tirar por suas roupas c ornamentos e por seu
comportamento, parece que. embora estivessem numa pequena aldeia, eles
ainda assim eram ricos em posses materiais. Possuíam uma abundância tal de
tipos variados de produtos lácteos, que estavam atirando manteiga esbanjada -
mente uns nos corpos dos outros sem reservas. A riqueza deles consistia em
leite, iogurte, manteiga clarificada e muitos outros produtos lácteos: e como
negociassem com seus produtos agrícolas, eles tinham grande abundância de
roupas caras, ornamentos e diversos artigos de joalheria. Eles não apenas
K) Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
possuíam todas essas coisas, mas também podiam dá-las em caridade, tal
como o fez Nanda Mahãrãja.
Assim. Nanda Mahãrãja. o pai adotivo do Senhor Krsna. começou a
satisfazer os desejos de todos os homens ali reunidos. Ele os recebia
respeitosamente e lhes dava em caridade qualquer coisa que desejassem. Os
brãhmanas eruditos, que não tinham outra lonte de renda, dependiam com­
pletamente das comunidades vaisva e ksatriva para sua subsistência, e
recebiam presentes em ocasiões festivas tais como aniversários e casamentos.
Enquanto adorava o Senhor Visnu e tentava satisfazer todas as pessoas pre­
sentes nesta ocasião. Nanda Mahãrãja só desejava que o menino Krsna recém-
nascido fosse feliz. Nanda Mahãrãja. ignorando que este menino era a origem
de Visnu. orava a Este para que O protegesse.
Rohinídeví. a mãe de Balarãma. era a mais afortunada esposa de Vasudeva.
Embora estivesse longe de seu esposo, ela se vestiu com muita formosura na
ocasião da cerimônia do nascimento de Krsna. apenas para dar os parabéns ao
pai d Ele. Nanda Mahãrãja. Ela chegou á cerimônia usando uma guirlanda.
um colar e outros enfeites pelo corpo, e se mexia de cá fiara lá. I)e acordo com
o sistema védieo. uma mulher cujo esposo não está em casa não deve se vestir
com muita elegância. Mas muito embora o esposo de Rohiní estivesse longe,
ela ainda assim se enfeitou nessa ocasião.
A tirar pela opulência da cerimônia do nascimento de Krsna. está bem claro
que naquele tempo Vrndãvana era rica sob todos os pontos de vista. Como o
Senhor Krsna nasceu na casa do rei Nanda e de mãe Yasodã. a deusa da for­
tuna foi obrigada a manifestar suas opulências em Vrndãvana. Parecia que
Vrndãvana já se transformara num local para os passatempos da deusa da
fortuna.
Após a cerimônia do nascimento. Nanda Mahãrãja decidiu ir até Mathurã
pagar o imposto anual ao governo de Karhsa. Antes de partir, ele mandou
chamar os pastores de vaca capazes da aldeia e pediu-lhes que tomassem conta
de Vrndãvana em sua ausência. Quando Nanda Mahãrãja chegou em
Mathurã. Vasudeva recelieu a notícia e ficou muito ansioso para dar os
parabéns a seu amigo. Ele foi imediatamente até o lugar onde Nanda
Mahãrãja estava hospedado. Ixigo que viu Nanda. Vasudeva sentiu como se
tivesse recuperado sua vida. Nanda. cheio de contentamento, levantou-se
imediatamente e abraçou Vasudeva. Vasudeva foi recebido calorosamente e
se lhe ofereceu um bom lugar fiara sentar. Nessa ocasião Vasudeva estava an­
sioso acerca de seus dois filhos que tinham sido postos debaixo da proteção de
Nanda sem este saber. Com grande ansiedade. Vasudeva perguntou por Eles.
Tanto Balarãma quanto Krsna eram filhos de Vasudeva. Balarãma foi
transferido para o ventre de Rohiní. a própria esposa de Vasudeva. mas
Rohiní era mantida debaixo da proteção de Nanda Mahãrãja. Krsna foi
0 Encontro de Nanda e Vasudeva 41
pessoalmente transferido para Yasodã e trocado pela filha desta. Nanda
Nlahãrãja sabia que Balarãma era filhô de Vasudeva. embora não soubesse
que Krsna também era filho de Vasudeva. Mas Vasudeva tinha eonhecimento
deste fato e perguntou impacientemente por Krsna e Balarãma.
Então. Vasudeva falou a Nanda: "Meu querido irmão, você já tinha idade
suficiente e estava ansioso para gerar um filho, e todavia não tinha nenhum.
Agora, pela graça do Senhor, você tem a fortuna de ter um belo filho. Acho
que este acontecimento é muito auspicioso para você. Fui preso por Kamsa.
meu querido amigo, mas agora estou livre; por isso. é como se eu estivesse
nascendo outra vez. Eu já não tinha esperanças de vê-lo novamente, mas pela
graça de Deus isto tornou-se possível." Vasudeva então manifestou sua an­
siedade acerca de Krsna. Krsna foi mandado incógnito para a cama de mãe
Yasodã. e. depois de festejar a cerimônia de Seu nascimento com muita
pompa. Nanda foi até Mathurã. Desta maneira. Vasudeva ficou muito con­
tente e disse: "Para mim é como se eu estivesse nascendo outra vez." Ele não
imaginava de modo algum que Krsna vi ve ria porque todos os seus outros
filhos foram mortos por Kamsa.
Vasudeva continuou: "Meu querido amigo, é multo difícil vivermos jun­
tos. Embora tenhamos nossa família, nossos parentes, nossos filhos e filhas,
geralmente a natureza nos separa uns dos outros. Esta separação ocorre por­
que todas as entidades vivas aparecem nesta terra sob diferentes pressões
devido às atividades fruitivas: apesar de se juntarem, não há certeza de que
permaneçam juntas por muito tempo. De acordo com nossas atividades frui­
tivas, somos obrigados a agir diferentemente, e desse modo nos separamos.
Por exemplo, muitas plantas e trepadeiras boiam nas ondas do oceano. As
vezes elas se juntam e às vezes se separam para sempre: uma planta vai para
um lado e a outra para outro. Similarmente, nossa família reunida pode ser
muito encantadora enquanto vivamos juntos, mas depois de algum tempo,
com o decorrer das ondas do tempo, separamo-nos.
0 significado desta declaração de Vasudeva é o seguinte: embora ele tivesse
tido oito filhos com Devakí. lamentavelmente todos eles haviam morrido.
Vasudeva não pôde nem sequer manter seu único filho, Krsna, consigo, e
estava sentindo separação d'Ele. Porém, não era capaz de exprimir o fato real.
"Por favor, diga-me como vão as coisas em Vrndãvana”. disse ele. "Você tem
muitos animais — estão eles felizes? Eles têm pasto e água suficientes? Diga-
me também se o lugar onde você vive agora é tranquilo e pacífico."1Vasudeva
fez estas perguntas porque estava muito ansioso acerca da segurança de
Krsna. Ele sabia que Kamsa e seus sequazes tinham mandado demônios de
toda espécie para tentar matar Krsna. Eles já haviam resolvido que todas as
crianças nascidas até dez dias antes do nascimento de Krsna deviam ser mor­
tas. Como estivesse muito ansioso acerca de Krsna. Vasudeva perguntou
12 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
sobre a segurança da resideneia d Este. Lie também perguntou sobre
Balarãma e Sua mãe Rohini. os quais haviam sido confiados aos cuidados do
Nanda Mahãrãja. Vasudcva também fez lembrar a Nanda Mahãrãja que
Balarãma não conhecia Seu verdadeiro pai. “ Ele crê que você é o pai d*Ele. E
agora você tem outro filho. Krsna. Eu acho que você está cuidando muito bem
de ambos.' E significativo também que Vasudeva tenha perguntado sobre o
bem-estar dos animais do Nanda Mahãrãja. Os animais, e especialmente as
vacas, eram protegidos exatamente como nós protegemos nossos próprios
filhos. Vasudeva era um ksatriva e Nanda Mahãrãja. um vaisva. 0 dever do
ksatriva é dar proteção aos cidadãos e o dever dos vais vas é dar proteção às
vacas. As vacas são tão importantes quanto os cidadãos. Assim como se deve
dar toda classe de proteção aos cidadãos humanos, da mesma forma deve-se
dar plena proteção às vacas.
Vasudeva continuou dizendo que a manutenção dos princípios religiosos, o
desenvolvimento econômico e a satisfação plena das necessidades dos sen­
tidos. dependem da cooperação entre os parentes, as nações e toda a
humanidade. Portanto, é dever de todos cuidar em que seus semelhantes e as
vacas não sejam postos em dificuldade. Devemos zelar pela paz e pelo conforto
de nossos semelhantes e dos animais. Então, poderemos lograr sem
dificuldade o desenvolvimento dos princípios religiosos, o desenvolvimento
econômico e a gratificação dos sentidos. Vasudeva exprimiu seu pesar por não
ter sido capaz de dar proteção a seus próprios filhos nascidos de Devaki. Eh*
estava pensando que por isso tudo estava perdido: os princípios religiosos, o
desenvolvimento econômico e a satisfação de seus sentidos.
Ao ouvir isto. Nanda Mahãrãja respondeu: "Meu querido Vasudeva. sei
que você está muito aflito porque o cruel rei karhsa matou todos os filhos que
você teve com Devaki. Embora seu último filho tenha sido uma menina.
Karhsa não pôde matá-la. e ela já entrou nos planetas celestiais. Meu querido
amigo, não se aflija: todos estamos sendo controlados por nossas atividades
passadas invisíveis. Todos estão sujeitos a seus feitos passados, e aquele que
conhece a filosofia do karma e de sua reação é um homem de conhecimento,
lima pessoa assim não se deixará afligir por nenhum incidente, feliz ou
miserável."
Vasudeva então respondeu: "Meu querido Nanda. se você já pagou os im­
postos ao governo, volte logo para sua casa. pois acho que talvez vá haver
alguns distúrbios em Gokula."
Após a conversa amistosa entre Nanda Mahãrãja e Vasudeva. \ asudeva
regressou a sua casa. Os pastores de vacas encabeçados por Nanda Mahãrãja.
que tinham vindo até Mathurã pagar seus impostos, também regressaram.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cinco
de Krsna, intitulado “O Encontro de Nanda e Vasudeva. ”
6 / Pütana é Morta

Enquanto Nanda Mahãrãja regressava a casa. ele considerou o aviso de


Vasudeva de que talvez houvesse algum distúrbio em Gokula. Certamente o
aviso foi amigável e não era falso. Assim. Nanda pensou: “Há alguma ver­
dade nisto.” Logo, por temor, ele se abrigou na Suprema Personalidade de
Deus. E muito natural que um devoto que está em perigo pense em Krsna
porque ele não tem outro abrigo. Quando uma criança está em perigo, ela
busca a proteção de sua mãe ou de seu pai. Similarmente, um devoto está
sempre sob a proteção da Suprema Personalidade de Deus: porém, quando ele
percebe algum perigo especificamente, ele rapidamente se lembra do Senhor.
Depois de ouvir a opinião de seus ministros demoníacos. Kariisa deu ins­
truções a uma bruxa chamada Pütanã. a qual conhecia a magia negra de
matar criancinhas por intermédio de métodos pecaminosos sinistros, para que
ela matasse todas as crianças que houvesse nas cidades, aldeias e campos de
pastagem. Tais bruxas só podem praticar sua magia negra onde não se canta
nem se ouve o santo nome de Krsna. Diz-se que onde quer que se realize o
cantar do santo nome de Krsna, mesmo que negligentemente, todos os maus
elementos — bruxas, fantasmas e calamidades perigosas — desaparecem
imediatamente. E isto certamente acontece no lugar onde o cantar do santo
nome de Krsna é realizado seriamente — especialmente em Vrndãvana na
época em que o Senhor Supremo esteve pessoalmente presente. Portanto, as
incertezas de Nanda Mahãrãja baseavam-se certamente em seu afeto por
Krsna. Na realidade, apesar dos poderes de Pütanã. suas atividades não cons­
tituíam perigo. Tais bruxas são chamadas de khecari, que significa que elas
são capazes de voar no céu. Algumas mulheres no longínquo noroeste da
índia ainda praticam esta magia negra da bruxaria. Elas podem se transferir
de um lugar para outro montadas no galho de uma árvore desenraizada.
Pütanã conhecia esta bruxaria, e por esse motivo é descrita no tíhãgavatam
como kechari.
44 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Pütanã entrou em Gokula, o distrito onde residia Nanda Mahãrãja. sem
pedir permissão. Vestindo-se como uma bela mulher, ela entrou na casa de
mãe Yasodã. Estava muito formosa com quadris acentuados, seios bem
avolumados, brincos e flores em seu cabelo. Ela estava especialmente bonita
por causa de sua cintura fina. Com o rosto sorridente, relanceava olhares
muito atrativos para todos, e todos os residentes de Vrndãvana ficaram
fascinados. As inocentes pastoras de vacas pensaram que ela era a deusa da
fortuna que estava aparecendo em Vrndãvana com uma flor de lótus em sua
mão. Parecia-lhes que ela tinha vindo pessoalmente para ver Krsna. o qual é
esposo dela. Por causa de sua rara beleza, ninguém reprimiu seus movimen­
tos, e assim ela entrou livremente na casa de Nanda Mahãrãja. Pütanã. a
assassina de muitas e muitas crianças, encontrou o bebê Krsna deitado numa
caminha, e pôde perceber logo que o bebê ocultava Suas potências incom­
paráveis. Pütanã pensou: “Esta criança é tão poderosa que pode destruir o
universo inteiro num abrir e fechar de olhos."'
A compreensão de Pütanã é muito significativa. Krsna. a Suprema Per­
sonalidade de Deus, está situado no coracão de todo mundo. No Bhagavad-
gitã se afirma que Ele nos dá a inteligência necessária, e que também nos faz
esquecer. Pütanã percebeu logo que a criança que ela estava vendo na casa de
Nanda Mahãrãja era a própria Suprema Personalidade de Deus. Ele estava ali
deitado como um bebezinho, mas isto não quer dizer que Ele fosse menos
poderoso. A teoria materialista de que a adoração a Deus é antropomórfica
não é correta. Nenhum ser vivo pode se converter em Deus submetendo-se a
meditação ou a austeridades. Deus é sempre Deus. Krsna enquanto bebê é tão
completo quanto Ele é como um jovem completamente desenvolvido. A teoria
Mãyãvãdí considera que outrora a entidade viva foi Deus mas que agora está
dominada pela influência de mãyã. Assim, eles dizem que presentemente a
entidade viva não é Deus, mas que quando se retira a influência de mãyã. en­
tão ela se converte em Deus outra vez. Esta teoria não pode se aplicar às en­
tidades vivas diminutas. As entidades vivas são partes integrantes diminutas
da Suprema Personalidade de Deus: elas são partículas ou centelhas
diminutas do fogo supremo, porém não são o fogo original, ou Krsna. Krsna é
a Suprema Personalidade de Deus, já a partir do momento em que aparece na
casa de Vasudeva e Devakí,
Krsna manifestou a natureza de um bebezinho e fechou Seus olhos, como
se evitasse a cara de Pütanã. Os devotos interpretam e estudam este fechar de
olhos de diferentes maneiras. Alguns dizem que Krsna fechou Seus olhos
porque não gostou de ver a cara de Pütanã. a qual matara tantas crianças e
que agora viera matá-Lo. Outros dizem que algo extraordinário estava sendo
ditado para ela, e que para dar-lhe confiança Krsna fechou os Seus olhos de
Putanã é Morta 45
modo que ela não se assustasse. E há ainda outros que interpretam desta
maneira: Krsna apareceu para matar os demônios e dar proteção aos devotos
(como está declarado no Bhagavad-gitã: paritrãnãya sãdhünãm vinãsãya ca
duskrtãm). O primeiro demônio a ser morto foi uma mulher. De acordo com
as regras védicas, é proibido matar uma mulher, um brãhmaria. as vacas ou
uma criança. Krsna foi obrigado a matar a demônia Pütanã. e como segundo o
sãstra védico é proibido matar uma mulher. Ele foi compelido a fechar Seus
olhos. Uma outra interpretação é que Krsna fechou Seus olhos simplesmente
porque tomou Pütanã por Sua ama. Pütanã veio até Krsna apenas para dar-
lhe de mamar. Krsna é tão misericordioso que. mesmo sabendo que Pütanã
estava ali para matá-Lo, Ele a tomou por Sua ama ou mãe.
De acordo com a injunção védica, há sete tipos de mães: a mãe verdadeira,
a esposa de um preceptor ou mestre espiritual, a esposa de um rei. a esposa de
um brãhmana, a vaca, a ama e a mãe terra. Porque Pütanã chegou a sentar
Krsna em seu colo e ofereceu-Lhe o leite de seu seio para mamar. Krsna a
aceitou como uma de Suas mães. Considera-se que um outro motivo para Ele
ter fechado Seus olhos foi que Ele teve que matar a ama ou mãe. Mas o ato
d’Ele matar Sua mãe ou ama não era diferente de Seu amor por Sua mãe ver­
dadeira ou por Sua mãe adotiva Yasodã. Além disso, sabemos por intermédio
da informação védica que Pütanã também foi tratada como uma mãe e obteve
a mesma facilidade que Yasodã. Assim como Yasodã, Pütanã também obteve a
liberação do mundo material. Quando o bebê Krsna fechou Seus olhos.
Pütanã tomo.u-0 em seu colo. Ela não sabia que estava segurando a morte
personificada. Se uma pessoa confunde uma cobra com uma corda, ela morre.
Similarmente, Pütanã matou tantos bebês antes de encontrar Krsna. mas
agora estava aceitando a cobra que breve iria matá-la.
Quando Pütanã pôs o bebê Krsna em seu colo, tanto Yasodã quanto Rohiní
estavam presentes, mas elas não a impediram de fazê-lo porque Pütanã estava
vestida com muita formosura e porque mostrava afeto maternal por Krsna.
Elas não puderam compreender que Pütanã era uma espada dentro de uma
bainha decorada. Pütanã untara seus seios com um veneno muito poderoso, e
logo depois de pôr o bebe em seu colo, ela meteu seu mamilo na boca d'Ele.
Ela esperava que Ele fosse morrer logo que sugasse seu seio. Mas pronta­
mente o bebê Krsna pegou no mamilo com raiva e sugou o leite-veneno
juntamente com o ar vital da demônia. Em outras palavras, Krsna simultane­
amente mamou o leite do seio dela e matou-a extraindo-lhe a vida. Krsna é
tão misericordioso que pelo fato da demônia Pütanã ter vindo oferecer-Lhe o
leite de seu seio, Ele satisfez o desejo dela e aceitou sua atividade como mater­
nal. Mas para impedi-la de cometer mais atividades iníquas, Ele a matou ime­
diatamente. E como a demônia foi morta por Krsna, ela obteve a liberação.
46 . Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Quando Krsna extraiu a respiração de Pütanã, ela caiu ao chão. estendeu seus
braços e pernas e pôs-se a gritar: “O criança, deixe-me, deixe-mer’ Ela
estava gritando alto e suando, e todo o seu corpo ficou molhado.
Enquanto ela morria, soltando gritos estridentes, uma vibração tremenda
soou tanto na terra como no céu, em todas as direções, e as pessoas pensaram
que estavam caindo meteoritos. Assim, o pesadelo da bruxa Pütanã se acabou,
e então ela assumiu seu aspecto verdadeiro de grande demônia. Ela abriu sua
boca feroz e estendeu seus braços e pernas por toda a parte. Caiu exatamente
como Vrtrãsura ao ser atingido pelo raio de Indra. Seu longo cabelo espalhou-
se por todo o seu corpo. Seu corpo caído se estendeu numa distância de
quatorze quilômetros e fez todas as árvores em pedaços. Todo mundo ficou
atônito ao ver esse corpo gigantesco. Seus dentes pareciam com caminhos
arados, e suas narinas pareciam com cavernas de montanha. Seus seios
pareciam pequenas colinas, e seu cabelo era um vasto matagal avermelhado.
Às órbitas de seus olhos pareciam poços profundos, e suas duas coxas se
assemelhavam às duas margens de um rio; suas duas mãos se assemelhavam
a duas pontes fortemente construídas, e seu abdômen parecia um lago seco.
Todòs os pastores e pastoras de vacas ficaram tomados de pavor e admiração
ao verem isto. E o som tumultuoso de sua queda feriu seus cérebros e ouvidos
e fez com que seus corações batessem fortemente.
Quando as gopis viram o pequeno Krsna brincando destemidamente no
colo de Pütanã, elas vieram rapidamente e O apanharam. Mãe Yasodã. RohinI
e outras gopis mais velhas imediatamente executaram os rituais apropriados,
tomando o rabo de uma vaca e circungirando o corpo d'Eie. A criança foi com­
pletamente lavada com a urina de uma vaca, e a poeira criada pelos cascos das
vacas foi atirada em todo o Seu corpo. Tudo isto foi feito apenas para salvar o
pequeno Krsna de futuros acidentes inauspiciosos. Este incidente nos dá uma
indicação clara de como a vaca é importante para a família, para a sociedade e
para os seres vivos em geral. 0 corpo transcendental de Krsna não precisava
de nenhuma proteção, mas para c efeito de sermos instruídos sobre a impor­
tância da vaca, o Senhor foi untado com o estrume da vaca, lavado com a
urina de uma vaca e polvilhado com a poeira levantada pela marcha das vacas.
Após este processo purífiçatório, as gopis, encabeçadas por mãe Yasodã e
RohinI, cantaram doze nomes de Visnu para dar ao corpo de Krsna completa
proteção contra todas as más influências. Elas lavaram suas mãos e pés e
bebericaram água três vezes, como se costuma fazer antes de se cantar
mantras. Elas cantaram da seguinte maneira; “Meu querido Krsna, que o
Senhor que é conhecido como Manimãn proteja Suas coxas: que o Senhor
Visnu que é conhecido como Yajna proteja Suas pernas; que o Senhor Acyuta
proteja Seus braços; que o Senhor Hayagrlva proteja Seu abdômen; que o
Senhor Kesava proteja Seu coração; que o Senhor Visnu proteja Seus braços:
Pütana é Morta 47
que o Senhor Urukrama proteja Seu rosto; que o Senhor Isvara proteja Sua
cabeça: que o Senhor Cakradhara proteja Sua fronte; que o Senhor
Gadãdhara proteja Suas costas; que o Senhor Madhusüdana, que leva um arco
na mão, proteja Sua vista; que o Senhor Visnu com Seu búzio proteja Seu
lado esquerdo; que a Personalidade de Deus Upendra 0 proteja por cima, e
que o Senhor Tãrksya 0 proteja por baixo da terra; que o Senhor Haladhara
0 proteja de todos os lados; que a Personalidade de Deus conhecida como
Hrslkesa, proteja todos os Seus sentidos; que o Senhor Nãrãyana proteja Sua
respiração: e que o Senhor de Svetadvipa, Nãrãyana, proteja o Seu coração;
que o Senhor Yogesvara proteja Sua mente, que o Senhor Prsnigarbha proteja
Sua inteligência, e que a Suprema Personalidade de Deus proteja Sua alma;
enquanto Você brincar, que o Senhor Govinda 0 proteja de todos os lados, e
quando Você dormir, que o Senhor Mãdhava 0 proteja de todos os perigos;
quando Você trabalhar, que o Senhor de Vaikuntha O proteja de cair; quando
Você estiver sentado, .que o Senhor de Vaikuntha Lhe dê toda a proteção; e
enquanto Você comer, que o Senhor de todos os sacrifícios Lhe dê toda a
proteção/'
Assim, mãe Yasodã cantou diferentes nomes de Visnu para proteger as
diferentes partes do corpo de seu filho Krsna. Mãe Yasodã estava firmemente
convencida de que devia proteger seu filho contra diferentes tipos de maus
espíritos e fantasmas — a saber: Dãkinls, Yãtudhãnís, Küsmãndãs, Yaksas,
Rãksasas, Vinãyakas, Kotarã, Revatl. Jyesthã, Pütanã. Mãtrkãs, Unmãdas e
outros maus espíritos similares que fazem com que as pessoas se esqueçam de
sua própria existência e causam perturbações no ar vital e nos sentidos. As
vezes eles aparecem em sonhos e provocam muitas perturbações e às vezes
aparecem como velhotas e sugam o sangue das criancinhas. Mas todos estes
fantasmas e maus espíritos não podem permanecer onde se canta o santo
nome de Deus. Mãe Yasodã estava firmemente convicta das injunções védicas
relativas à importância da vaca e do santo nome de Visnu; por esse motivo,
ela se refugiou completamente nas vacas e no nome de Visnu apenas para
proteger seu filho Krsna. Ela recitou todos os santos nomes de Visnu para que
Ele salvasse a criança. Desde o começo da história a cultura védica tem tirado
partido da manutenção das vacas e do cantar do santo nome de Visnu, e as
pessoas que ainda seguem o costume védico, especialmente os chefes de
família, mantêm pelo menos uma dúzia de vacas e adoram a Deidade do
Senhor Visnu, o qual instalam em suas casas.
As gopls mais velhas de Vindãvana estavam tão absortas em sua afeição
por Krsna que queriam salvá-Lo. embora não fosse necessário, pois Ele já
havia Se protegido. Elas não podiam compreender que Krsna era a Suprema
Personalidade de Deus representando o papel de uma criança. Depois de
cumprir as formalidades para proteger a criança, mãe Yasodã pegou Krsna e
48 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
deixou-0 mamar em seu próprio seio. Quando a criança foi protegida pelo
rnantra de Visnu. mãe Yasodã sentiu que Ele estava a salvo. Entrementes.
todos os pastores de vacas que haviam ido até Mathurã pagar os impostos,
regressaram a casa e ficaram atônitos ao verem o gigantesco cadáver de
Pütanã.
Nanda Mahãrãja relembrou a profecia de Vasudeva e considerou-o um
grande sábio e yogl místico. De outro modo. como poderia ele ter predito um
incidente que ocorrera durante sua ausência de Vrndãvana? Depois disso,
todos os residentes de Vraja cortaram o gigantesco corpo de Pütanã em
pedaços e cobriranvno de lenha para queimá-lo. Quando todos os membros do
corpo de Pütanã estavam queimando, a fumaça que emanou do fogo criou um
bom aroma. Este aroma devia-se ao fato de Pütanã ter sido morta por Krsna.
Isto significa que a demônia Pütanã lavou-se de todas as suas atividades
pecaminosas e alcançou um corpo celestial. Aqui está um exemplo de como a
Suprema Personalidade de Deus é completamente bom: Pütanã veio matar
Krsna. mas como Ele mamou o leite dela. ela se purificou imediatamente, e
seu cadáver alcançou uma qualidade transcendental. Seu único interesse era
matar criancinhas: ela só gostava de sangue. Mas apesar de ter inveja de
Krsna. ela alcançou a salvação porque deu-Lhe seu leite para beber. Que se
pode dizer então de outras pessoas que são afeiçoadas por Krsna na relação de
mãe ou pai?
Os devotos puros sempre servem a Krsna com grande amor e afeição, pois
Ele é a Suprema Personalidade de Deus. a Superalma de todas as entidades
vivas. Conclui-se. portanto, que até mesmo um pouco de energia que se des-
penda no serviço do Senhor confere à pessoa um imenso lucro transcendental.
Isto está explicado no Bhagavad-gítã: svalparn apy asya dharmasya. 0
serviço devocional em consciência de Krsna é tão sublime que até mesmo um
pouco de serviço prestado a Krsna. consciente ou inconscientemente, confere
à pessoa o maior benefício. O sistema de adorar Krsna oferecendo-Lhe as
flores de uma árvore também é benéfico para a entidade viva que está con­
finada na existência do corpo dessa árvore. Quando se oferece flores e frutas a
Krsna. indiretamente a árvore que as produziu também recebe muito
benefício. Portanto, o processo de arcanã (ou o processo de adoração) é
benéfico para todos. Krsna é adorado por grandes semideuses tais como
Brahmã e o Senhor Siva. e Pütanã foi tao afortunada que o Mesmo Krsna
brincou em seu colo como uma criancinha. Krsna colocou Seus pés de lótus,
que são adorados pelos grandes sábios e devotos, sobre o corpo de Pütanã. As
pessoas adoram Krsna e oferecem-Lhe comida: no entanto. Ele automatica­
mente sugou o leite do corpo de Pütanã. Por isso. os devotos rezam que se
Pütanã obteve tanto benefício simplesmente por ter-lhe oferecido algo como
Pütanã é Morta 49

um inimigo, então quem pode avaliar o benefício de se adorar Krsna com


amor e afeição?
Deve-se adorar unicamente Krsna. já que pelo simples motivo de adorá-Lo
o adorador obtém muitos benefícios. Embora Pütanã fosse um espírito mau.
ela obteve salvação da mesma forma que a mãe da Suprema Personalidade de
Deus. E claro que as vacas e as gopls mais velhas que ofereceram leite a Krsna
também foram elevadas à posição transcendental. Krsna pode oferecer qual­
quer coisa a qualquer pessoa, desde a liberação até qualquer coisa que se
possa imaginar materialmente. Por isso. não pode haver nenhuma dúvida
quanto à salvação de Pütanã. pois Krsna mamou seu leite por um longo
tempo. E como pode haver alguma dúvida sobre a salvação das gopls que
gostavam tanto de Krsna? Indiscutivelmente, todas as gopls e pastorzinhos e
vacas que serviram a Krsna em Vrndãvana com amor e afeição foram
liberados da miserável condição da existência material.
Quando todos os habitantes de Vrndãvana sentiram o cheiro agradável da
fumaça da Pütanã queimada, eles perguntaram uns aos outros: "De onde
vem este bom aroma?*’ E enquanto conversavam, acabaram por compreender
que vinha dos vapores da Pütanã queimada. Eles gostavam muito de Krsna. e
logo que ouviram falar que Krsna matara a demônia Pütanã. ofereceram
bênçãos à criancinha, cheios de afeição. Depois de Pütanã ser queimada.
Nanda Mahãrãja regressou a casa. Ele pôs seu filho em seu colo imediata­
mente e começou a cheirar-Lhe a cabeça. Desta maneira, ele ficou muito
satisfeito de que seu filhinho tivesse Se salvado desta grande calamidade.
Srila Sukadeva Gosvãml abençoa todas as pessoas que ouvirem a narração da
morte de Pütanã por parte de Krsna. Com toda a certeza elas conseguirão as
boas graças de Govinda.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Seis de
Krsna, intitulado Pütanã é Morta. ”
7 / A Salvaçao de Trnavarta

Krsna. a Suprema Personalidade de Deus, é sempre pleno de seis opulên­


cias — a saber: riqueza completa, força completa, fama completa, conheci­
mento completo, beleza completa e renúncia completa. O Senhor aparece em
diferentes formas de encarnação completas e eternas. A alma condicionada
tem imensas oportunidades de ouvir sobre as atividades transcendentais do
Senhor nestas diferentes encarnações. No Bhagavad-gltã se diz: janma
karma ca me divyarru Os passatempos e as atividades do Senhor não são
materiais: estão além da concepção material. Mas a alma condicionada pode
beneficiar-se ouvindo tais atividades incomuns. Ouvir é uma oportunidade
para se associar com o Senhor: se simplesmente ouvimos Suas atividades
desenvolvemos gradualmente até a natureza transcendental. À alma condi­
cionada tem uma tendência natural a ouvir algo na forma de ficção, drama e
romance sobre outras almas condicionadas. Pode-se utilizar esta tendência a
ouvir algo sobre outras pessoas para ouvir os passatempos do Senhor. Então
uma pessoa pode evolver imediatamente para sua natureza transcendental.
Os passatempos de Krsna são não apenas belos, como também muito
agradáveis para a mente.
Se uma pessoa tira partido de ouvir os passatempos do Senhor, ela pode
purificar-se imediatamente da contaminação material da poeira acumulada no
coração devido à prolongada associação com a natureza material. 0 Senhor
Caitanya também instruiu que pelo simples ouvir do nome transcendental do
Senhor Krsna. pode-se limpar o coração de toda a contaminação material. Há
diferentes processos para se alcançar a auto-realização: porém, qualquer alma.
condicionada que adotar este processo de serviço devocional — cuja função
mais importante é o ouvir — será purificada automaticamente da con­
taminação material e habilitada para realizar sua posição constitucional ver­
dadeira. A vida condicionada se deve unicamente a esta contaminação: logo
A Salvação de Trnavarta 51

que se retira esta contaminação, naturalmente a função adormecida da en­


tidade viva — prestar serviço ao Senhor — desperta. A pessoa que desen­
volve sua relação eterna com o Senhor Supremo, torna-se apta para fazer
amizade com os devotos. Por experiência prática, Mahãrãja Pariksit recomen­
dou que todos tentassem ouvir sobre os passatempos transcendentais do
Senhor. Este tratado Krsna destina-se a este fim. de modo que o leitor poderá
tirar partido dele para alcançar a meta última da vida humana.
Por Sua misericórdia sem causa, o Senhor descende a este mundo material
e exibe Suas atividades exatamente como um homem comum. Infelizmente.
as entidades impiedosas, ou a classe de homens ateístas. consideram que
Krsna é um homem comum como eles, e por isso O ridicularizam. O próprio
Senhor condena isto no Bhagavad-gitã quando diz: civajãnanti mãríi
müdhãh. Os müdhas. ou os canalhas, consideram que Krsna é um homem
comum ou um homem um pouco mais poderoso; devido a sua grande desven­
tura, eles não são capazes de aceitá-Lo como a Suprema Personalidade de
Deus. As vezes, tais pessoas desventuradas se apresentam falsamente como
encarnações de Krsna sem se referirem às escrituras autorizadas.
Quando Krsna cresceu um pouco mais. já não ficava simplesmente deitado
de costas; Ele começou a Se virar de bruços. E Yasodã e Nanda Mahãrãja
festejaram outra cerimônia: o primeiro aniversário de Krsna. Eles providen­
ciaram acerca da cerimônia de aniversário de Krsna; que ainda hoje todos os
seguidores dos princípios védicos comemoram. (Na índia todos os hindus. in­
dependentemente dos diferentes pontos de vista sectários, comemoram a
cerimônia do aniversário de Krsna). Todos os pastores e pastoras de vacas
foram convidados a participar, e eles chegaram cheios de alegria. Uma boa
banda musical tocava c as pessoas reunidas deliciavam-se com ela. Todos os
brãhmanas eruditos foram convidados, e cantaram hinos védicos para a boa
fortuna de Krsna. Enquanto cantavam os hinos védicos e as bandas musicais
tocavam, Krsna foi banhado por mãe Yasodã. Esta cerimônia de banho é
chamada tecnicamente de abhiseka. e ainda hoje em dia 6 comemorada em
todos os templos de Vrndãvana como o Dia de Janmãstami. ou o aniversário
de nascimento do Senhor Krsna.
Nessa ocasião, mãe Yasodã providenciou para que se distribuísse uma
grande quantidade de grãos e preparassem vacas de primeira classe decoradas
com ornamentos dourados para serem dadas em caridade aos respeitáveis
brãhmanas eruditos. Yasodã tomou seu banho e vestiu-se primorosamente. e.
tomando o filho Krsna, devidamente vestido e banhado, em seu colo. ela sen­
tou-se para ouvir os hinos védicos cantados pelos brãhmanas. Enquanto
escutava o cantar dos hinos védicos. a criança parecia estar adormecida, e por
isso mãe Yasodã deitou-0 silenciosamente na cama. Ela estava tão ocupada
recebendo todos os amigos, parentes e residentes de Vrndãvana nessa ocasião
sagrada, que se esqueceu de dar de mamar ao filho. Ele estava chorando de
52 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
fome. mas mãe Yasodã não 0 ouviu chorar por causa de diversos ruídos. No
entanto, o menino ficou irritado porque estava faminto e Sua mãe não
prestava atenção para Ele. Assim. Ele levantou as pernas e começou a bater
com Seus pés de lótus exatamente como uma criança comum. O bebê Krsna
tinha sido colocado debaixo de um carrinho movido à mão. e enquanto batia
com Suas pernas. Ele tocou acidentalmente na roda do carrinho, após o que
este foi abaixo. Diversos tipos de utensílios e travessas de bronze e metal
tinham sido empilhados no carrinho de mão. e todos eles caíram provocando
um grande barulho. A roda do carrinho se separou do eixo. e os raios da roda
se partiram todos e se espalharam por todos os lados. Mãe Yasodã e todas as
gopls. bem como Mahãrãja Nanda e os pastores de vacas, ficaram espantados
de como o carrinho podia ter desmoronado sozinho. Todos os homens e
mulheres que se reuniram para a cerimônia sagrada, agruparam-se em volta
do carrinho e se puseram a sugerir como este podia ter desmoronado.
Ninguém podia descobrir a causa, porém algumas criancinhas que foram in­
cumbidas de brincar com o bebê Krsna. informaram ao grupo que o carrinho
desmoronara porque Krsna bateu com Seus pés contra a roda. Eles garan­
tiram ao grupo que haviam visto o que acontecera com seus próprios olhos e
defenderam fortemente seu ponto de vista. Alguns deram ouvidos à
afirmação das criancinhas, mas outros disseram: "Como podem vocês crer
nas'afirmações dessas crianças?" Os pastores e pastoras de vacas não podiam
compreender que a todo-poderosa Personalidade de Deus ali estava como um
bebê. e que Ele podia fazer qualquer coisa. Tanto o possível quanto o im­
possível estavam em Seu poder. Enquanto continuava a discussão o bebê
Krsna chorava. Sem se queixar, mãe Yasodã tomou o filho em seu colo e
chamou os brãhrnanas eruditos para cantarem os santos hinos védicos a fim
de neutralizar os efeitos dos maus espíritos. Ao mesmo tempo, ela deixou que
o bebê mamasse em seu seio. Se uma criança mama com prazer no seio da
mãe. deve-se compreender que ela está fora de todo o perigo. Depois disto, os
pastores de vacas mais fortes puseram o carrinho avariado em ordem, e todas
as coisas espalhadas foram arrumadas como antes. Assim, os brãhrnanas
começaram a oferecer oblações ao fogo sacrificial com iogurte, manteiga,
grama kusa e água. Eles adoraram a Suprema Personalidade de Deus em
favor da boa fortuna da criança.
Os brãhrnanas que estavam presentes nessa ocasião eram completamente
qualificados porque não eram invejosos: jamais eram falsos nem orgulhosos;
eram não-violentos e nunca reivindicavam falso prestígio algum. Eram todos
brãhrnanas autênticos, de modo que não havia razão para pensar que suas
bênçãos seriam inúteis. Com firme fé nos brãhrnanas qualificados. Nanda
Mahãrãja tomou seu filho no colo e banhou-0 com água misturada com ervas
variadas enquanto os brãhrnanas cantavam hinos dos Rg. Yajur e Sãnui
Vedas.
54 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
atividades remoinhosas. 0 bebê Krsna Se fez pesado e começou a fazer vergar
o demônio com o Seu peso. O Senhor agarrou-Se ao pescoço do demônio.
Como sentisse o bebê tão pesado quanto uma grande montanha. Trnãvarta
tentou livrar-se de Suas garras mas foi incapaz de fazê-lo. e seus olhos saíram
de suas órbitas. Chorando furiosamente, ele caiu no chão de Vrndãvana e
morreu. O demônio caiu exatamente como Tripurãsura, que foi atravessado
pela seta do Senhor Siva. Ele bateu no chão de pedra, e seus membros se
esmagaram. Todos os habitantes de Vrndãvana puderam ver seu corpo.
Quando as gopis viram o demônio morto e o menino Krsna brincando
alegremente sobre o corpo dele. (das imediatamente pegaram Krsna com
grande afeição. Os pastores e pastoras de vacas ficaram muito felizes de
recuperar seu amado menino Krsna. Nessa ocasião eles começaram a conver­
sar sobre como foi espantoso que o demônio tivesse tomado o menino para
devorá-Lo mas não pôde fazê-lo; em vez disso, ele caiu por terra morto.
Alguns deles apoiaram a situação: "Isto é conveniente porque aqueles que são
demasiado pecaminosos morrem por causa de suas reações pecaminosas, e o
menino Krsna é piedoso: por isso. Ele Se salva de todos os tipos de situações
temerosas. E nós também devemos ter executado grandes sacrifícios em
nossas vidas anteriores, adorando a Suprema Personalidade de Deus. dando
muita riqueza em caridade e agindo filantropicamente em favor do bem-estar
geral dos homens. Por causa de tais atividades piedosas, a criança Se salvou
de todo o perigo.'*
As gopls reunidas ali falaram entre si: "A que espécies de austeridades e
penitências devemos ter nos submetido em nossas vidas anteriores! Devemos
ter adorado a Suprema Personalidade de Deus. devemos ter oferecido
diferentes tipos de sacrifício, devemos ter feito caridade e executado muitas
atividades de assistência ao público tais como plantar figueiras-de-bengala e
escavar poços. Como resultado dessas atividades piedosas, conseguimos nossa
criança de volta, muito embora dissessem que Ele estava morto. Agora Ele
voltou para animar Seus parentes." Depois de ver todos esses acontecimentos
maravilhosos. Nanda Mahãrãja pôs-se a pensar nas palavras de Vasudeva
repetidamente.
Após este incidente, quando uma vez Yasodã amamentava seu filho e O
acariciava com grande afeição, uma quantidade abundante de leite jorrou de
seus seios: e ao abrir a lx)ca do filho com seus dedos, ela viu subitamente a
manifestação universal dentro de Sua boca. Dentro da boca de Krsna ela viu
todo o céu. incluindo os corpos luminosos, as estrelas em todas as direções.'o
sol. a lua. o fogo. o ar. os mares, as ilhas, as montanhas, os rios. as florestas e
todas as outras entidades móveis e imóveis. Quando mãe Yasodã viu isto. seu
coração começou a palpitar, e ela murmurou consigo mesma: “Como isto é
maravilhoso!" Ela não pôde exprimir nada. mas simplesmente cerrou seus
A Salvação de Trnãvarta 53

Diz-se que uma pessoa que não seja um brãhmana qualificado não deve ler
os mantras dos Vedas. Aqui está a prova de que os brãhmanas estavam
habilitados com todos os sintomas bramânicos. Além disso. Mahãrãja Nanda
tinha plena fé neles. Por esse motivo permitiu que eles executassem as
cerimônias ritualísticas cantando os mantras védicos. Há muitas variedades
diferentes de sacrifícios recomendados para propósitos diferentes, porém os
mantras só devem ser cantados por brãhmanas qualificados. Mas como nesta
Era de Kali não há disponibilidade de tais brãhmanas qualificados, todos os
sacrifícios ritualístieos védicos estão proibidos. Srí Caitanva Mahüprabhu.
portanto, recomenda apenas um tipo de sacrifício para esta era — a saber: o
sankirtana yajna, ou seja. simplesmente cantar o mahã-mantra: Hare Krsna.
Hare Krsna, Krsna Krsna. Hare Hare/ Hare Rãma. Hare Rãma. Rãma Rãma.
Hare Hare.
Como os brãhmanas cantaram os hinos védicos e executaram as cerimônias
ritualísticas uma segunda vez. Nanda Mahãrãja deu-lhes outra vez uma
grande quantidade de grãos e muitas vacas. Podas as vacas que foram dadas
em caridade estavam cobertas com belas mantas bordadas em ouro. e seus
chifres estavam adornados com anéis de ouro: os cascos estavam cobertos com
chapas de prata e elas usavam guirlandas de flores. Nanda Mahãrãja deu tan­
tas vacas unicamente em favor do bem-estar de seu filho maravilhoso, e os
brãhmanas retribuíram-no concedendo-lhe suas bênçãos sinceras — as quais
jamais seriam frustradas porque tinham sido oferecidas f>or brãhmanas
competentes.
IJm dia, pouco depois dessa cerimônia, quando mãe Yasodã estava com seu
bebê no colo e O acariciava, ela O sentiu demasiado pesado: e como não con­
seguisse levá-Lo. colocou-0 no chão com relutância. Depois de algum tempo,
ela se ocupou com os afazeres domésticos. Nessa altura, um dos servos de
Karhsa conhecido como Trnãvarta. apareceu ali na forma de um redemoinho
de vento, segundo fora instruído por Karhsa. Ele levantou a criança ern seus
ombros e provocou uma grande tempestade de poeira em toda Vrndãvana.
Por causa disto, dentro de poucos instantes os olhos de todo mundo ficaram
cobertos, e toda a área de Vrndãvana ficou densamente negra, de modo que
ninguém podia se ver a si mesmo nem a nenhuma outra pessoa. Durante esta
grande catástrofe, mãe Yasodã não pôde ver seu bebê. ao qual o redemoinho
tomara, e começou a chorar de maneira comovente. Ela caiu ao chão exata­
mente como uma vaca que tivesse acabado de perder seu l)ezerro. Enquanto
mãe Yasodã chorava dessa maneira tão comovente, todas as pastoras de vacas
vieram imediatamente e começaram a procurar o l>ebê: mas ficaram desapon­
tadas e não conseguiram encontrá-Lo. O demônio Trnãvarta que tomara o
bebê Krsna em seu ombro, subiu ao céu: porém o l>el>ê assumiu um peso tal
que de repente ele não pôde ir mais adiante, e teve que parar com suas
A Salvação de Trnãvarta 55
olhos. Estava absorta em pensamentos maravilhosos. 0 fato de Krsna ter exi­
bido a forma universal da Suprema Personalidade de Deus, mesmo quando Se
encontrava no colo de Sua mãe. prova que a Suprema Personalidade de Deus
é sempre a Suprema Personalidade de Deus, quer Se manifeste como um filho
no colo de Sua mãe ou como um quadrigário no Campo de Batalha de
Kuruksetra. A idéia que os impersonalistas fazem de que uma pessoa pode
converter-se em Deus por meio da meditação ou por meio de algumas
atividades materiais artificiais, é declarada falsa aqui. Deus é sempre Deus
em qualquer condição ou status. e as entidades vivas são sempre as partes in­
tegrantes do Senhor Supremo. Elas jamais poderão ser iguais ao poder
sobrenatural e inconcebível da Suprema Personalidade de Deus.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Sete de
Krsna, intitulado eA Salvação de Trnãvarta. ”

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