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51/ Krsna,y o Ranchor

* * »

Quando o Senhor Krsna favoreceu Mucukunda, o famoso descendente da


dinastia Iksvãku, este circungirou o Senhor dentro da caverna e depois saiu. Ao
sair da caverna, Mucukunda viu que a estatura da espécie humana tinha sido re­
duzida surpreendentemente ao tamanho pigmeu. Similarmente, as árvores tam­
bém tinham reduzido muito em tamanho, e Mucukunda pôde compreender
imediatamente que a era corrente era Kali-yuga. Assim, ele começou a viajar
em direção ao norte, sem desviar sua atenção. Finalmente chegou à montanha
conhecida como Gandhamãdana. Parecia que nesta montanha havia muitas
árvores, tais como o sãndalo e outras árvores floridas, cujo aroma alegrava
qualquer pessoa que delas se aproximava. Ele decidiu ficar nessa região da
montanha Gandhamãdana a fim de executar austeridades e penitências para o
resto de sua vida. Parece que este lugar está situado na parte mais a norte das
montanhas dos Himalaias, onde se encontra a morada de Nara-Nãrãyana. Este
lugar ainda existe e se chama Badarikãsrama. Em Badarikãsrama ele se dedicou
á adorar o Senhor Krsna, esquecendo-se de toda a dor e todo o prazer e das ou­
tras dualidades deste mundo material. O Senhor Krsna também voltou às pro­
ximidades da cidade de Mathurã e pôs-Se a lutar com os soldados de Kãlayava-
na e a matá-los um após o outro. Depois disso, reuniu toda a presa dos cadáve­
res, e, sob a direção d ’Ele, homens grandes carregaram esta presa em carros de
bois e levaram-na de volta para Dvãraka.
Entrementes, Jarãsandha atacava Mathurã novamente, dessa vez com maio­
res divisões de soldados, contando vinte e três aksauhiríTs.
O Senhor SrT Krsna queria salvar Mathurã do décimo oitavo ataque das
grandes divisões militares do rei Jarãsandha. Para evitar de matar mais soldados
e para tratar de outros negócios importantes, o Senhor Krsna deixou o campo
de batalha sem lutar. Na realidade, Ele não estava absolutamente com medo,
Krsna, o Ranchor 357

porém fingiu que era um ser humano comum assustado com a imensa quanti­
dade de soldados e recursos de Jarãsandha. Ele deixou o campo de batalha sem
nenhuma arma. Apesar de Seus pés de lótus serem suaves como as pétalas da
flor de lótus, Ele prosseguiu a pé por uma longa distância.
Desta vez, Jarãsandha pensou que Krsna e Balarãma estavam com muito
medo da força militar dele e que estavam fugindo do campo de batalha. Ele
pôs-se a persegui-Los com todas as suas quadrigas, cavalos e infantaria. Ele pen­
sava que Krsna e Balarãma eram seres humanos comuns e estava tentando me­
dir as atividades do Senhor. Krsna é conhecido como Ranchor, que significa
“aquele que deixa o campo de batalha.” Há muitos templos de Krsna na índia,
especialmente em Gujarat, que são conhecidos como templos deRanchorji,
Normalmente, se um rei deixa o campo de batalha sem lutar, ele é chamado de
covarde; porém, quando Krsna desempenha este passatempo, deixando o cam­
po de batalha sem lutar, o devoto O adora. Um demônio sempre tenta medir a
opulência de Krsna, ao passo que o devoto jamais tenta medir Sua (de Krsna)
força e opulência, senão que sempre se rende a Ele e O adora. Se seguirmos os
passos de devotos puros poderemos saber que Krsna, o Ranchorjl, não deixou
o campo de batalha porque estava com medo, mas porque tinha alguma outra
intenção. Como se vai revelar, Ele tinha a intenção de esperar uma carta
confidencial enviada por Rukmini, Sua futura primeira esposa. O ato de Krsna
ter deixado o campo de batalha é uma exibição de uma das seis opulências
dTile. Krsna é o poderoso supremo, o rico supremo, o famoso supremo, o sá­
bio supremo, o belo supremo; similarmente, Ele é o renunciante supremo. O
Srlmad-Bhãgavatam afirma claramente que Ele deixou o campo de batalha
apesar de ter uma grande força militar. Contudo, até mesmo sem Sua milícia,Ele
sozinho teria sido suficiente para derrotar o exército de Jarãsandha,como havia
feito dezessete vezes antes. Portanto, o ato d’Ele deixar o campo de batalha
constitui um exemplo de Sua super opulência de renúncia.
Após atravessarem uma longa distância, os irmãos fingiram que estavam
muito cansados. Para poderem mitigar Sua fadiga, Eles subiram numa monta­
nha muito alta, que se encontrava a vários quilômetros acima do nível do mar.
Esta montanha se chamava Pravarsana, 'por causa da chuva constante. O pico
estava sempre coberto pelas nuvens que Indra mandava. Jarãsandha tomou
por certo que os dois irmãos estavam com medo de seu poder militar e
tinham Se escondido em cima da montanha. Primeiro ele tentou encontrá-
Los, procurando-Os durante muito tempo, mas como não conseguisse decidiu
apanhá-Los em armadilha e matá-Los, pondo fogo em volta do pico. Assim
ele rodeou o pico com óleo e deitou-lhe fogo. Como a chama se espalhasse
cada vez mais, Krsna e Balarãma pularam de cima da montanha para o solo
— uma distância de cento e quarenta quilômetros. Assim, enquanto o
358 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

fogo consumia o pico, Krsna e Balarãma escaparam sem que Jarãsandha Os vis­
se. Jaxãsandha concluiu que os dois irmãos tinham sido reduzidos a cinzas e
que não havia mais necessidade de lutar. Como pensasse que saíra exitoso em
seus esforços, ele deixou a cidade de Mathurã e regressou a sua casa no reino
de Magadha. Aos poucos, Krsna e Balarãma chegaram à cidade de Dvãrakã, que
era cercada pelo mar por todos os lados.
Depois disto, Sri Balarãma casou-Se com RevatI, a filha do rei Raivata, o
governante da província Ãnarta. Isto está explicado no Nono Canto do
Srimad-Bhãgavatam. Após o casamento de Baladeva, Krsna casou-Sc com
RukminT. RukminT era a filha do rei BlíTsmaka, o governante da província co­
nhecida como Vidarbha. Assim como Krsna é a Suprema Personalidade de
Deus, Vasudeva, da mesma forma RukminT é a suprema deusa da fortuna,
Mahã-LaksmT. Segundo a autoridade do Caitanya-caritãyfírta, a expansão de
Krsna e Srí RãdhãrãnT é simultânea; Krsna Se expande em diversas formas de
Visnu-tattva e SrTmafí RãdhãrãnT Se expande em diversas formas de sakti-
tattva por intermédio de Sua (d Ela) potência interna, como formas múltiplas
da deusa da fortuna.
Segundo a convenção védica, há oito tipos de casamentos. No sistema de
casamento de primeira classe, os pais do noivo e da noiva arranjam a data do
casamento. Depois, seguindo o estilo real, o noivo vai para a casa da noiva, e
alí a noiva é dada em caridade ao noivo na presença dos brahmanas, sacerdotes
e parentes. Além deste, há outros sistemas, tais como os casamentos de
gandharvas e de rãksasas. Krsna casou-Se com RukminT segundo o estilo
rãksasa porque raptou-a na presença de Seus muitos rivais, tais como Sisupãla,
Jarãsandha, Sãlva e outros. No momento em que davam RukminT em caridade
a Sisupãla, Krsna a agarrou subitamente da arena do casamento, exatamente
como Garuda agarrou o vaso de néctar da mão dos demônios. RukminT, a filha
única do rei Bhlsmaka, era extremamente bela. Ela era conhecida como
Rucirãnanã, que significa “aquela que tem um belo rosto, o qual se expande
como uma flor de lótus.”
Os devotos de Krsna estão sempre ansiosos por ouvir falar nas atividades
transcendentais do Senhor. As atividades em que Ele luta, rapta e foge do cam­
po de batalha são completamente transcendentais, pois estão na plataforma
absoluta, sendo que os devotos tem um interesse transcendental em ouvi-las. O
devoto puro não faz a distinção de que devemos ouvir algumas atividades do
Senhor e evitar outras. Contudo, há uma classe de assim chamados devotos, co­
nhecidos como prakrta sahafiyãs, que estão muito interessados em ouvir falar
na rasa lllã de Krsna com as gopTs, mas que não têm interesse em ouvir falar
nas atividades em que Ele luta com Seus inimigos. Eles não sabem que as ativi­
dades belicosas de Krsna e as atividades amistosas d Ele com as gopTs são igual­
mente transcendentais, visto que estão na plataforma absoluta. Os devotos
Krsna, o Ranchor 359

puros saboreiam os passatempos transcendentais de Krsna descritos no


SrTmad-Bhãgavatam através de uma recepção auricular submissa. Eles não rejei­
tam nem sequer uma gota dessas descrições.
Á história do casamento de Krsna com RukminT é descrita como se se­
gue. Mahãrãja BhTsmaka, o rei de Vidarbha, era um príncipe muito competen­
te e dedicado. Ele tinha cinco filhos e uma filha única. O primeiro filho era
conhecido como RukmT; o segundo, como Rukmaratha; o terceiro, Rukma-
bãhu; o quarto e caçula, Rukmakesa; e o quinto, RukmamãlT. Os irmãos
tinham apenas uma jovem irmã, RukminT. Ela era bela e casta e estava destina­
da a casar-se com o Senhor Krsna. Eram muitas as pessoas santas e os sábios,
como Nãrada Muni e outros, que costumavam visitar o palácio do rei
BhTsmaka. Naturalmente, RukminT tinha a oportunidade de conversar com
eles, e dessa maneira obteve informação a respeito de Krsna. Eles a informaram
a respeito das seis opulências de Krsna, e simplesmente por ter ouvido falar
nTSle, ela desejou entregar-se aos pés de lótus dTEIe e tornar-se esposa d ’EIe.
Krsna também tinha ouvido falar de RukminT. Ela era o reservatório de todas
as qualidades transcendentais: inteligência, espirito liberal, extrema beleza e
comportamento honrado. Por isso, Krsna concluiu que ela estava apta para ser
esposa dTEle. Todos os membros e pajentes da família do rei BhTsmaka con­
cluiram que RukminT devia ser dada em casamento a Krsna. Entretanto,
RukmT, o irmão mais velho dela, apesar do desejo dos outros, arranjou o
casamento dela com Sis'upãla, um inimigo determinado de Krsna. Quando a
bela RukminT de olhos negros ouviu a decisão, ficou imediatamente muito ta­
citurna. No entanto, como era filha de um rei, ela tinha conhecimento de
diplomacia política e concluiu que não adiantava simplesmente ficar taciturna.
Era preciso tomar algumas medidas imediatamente. Após deliberar um pouco,
ela decidiu enviar uma mensagem a Krsna, e para não ser enganada, escolheu
um brãhmana competente como seu mensageiro. Um brãhmana competente
assim é sempre veraz e é um devoto de Visnu. O brãhmana foi mandado sem
demora para Dvãrakã.
Chegando ao portão de Dvãrakã, o brãhmana informou o porteiro de sua
chegada, ao que o porteiro conduziu-o ao lugar onde Krsna Se encontrava,
sentado num trono dourado. Como teve a oportunidade de ser o mensageiro
de RukminT, o brãhmana teve a fortuna de ver Krsna, a Suprema Persohalidade
de Deus, que é a causa original de todas as causas. Um brãhmana é o mestre es­
piritual de todas as divisões sociais. A fim de ensinar a todos a etiqueta védica
de como respeitar um brãhmana, o Senhor SrT Krsna levantou-Se imediatamen­
te e ofereceu Seu trono ao brãhmana. Depois que o brãhmana foi sentado no
trono dourado, o Senhor SrT Krsna começou a adorá-lo exatamente da maneira
como os semideuses adoram Krsna. Dessa maneira, Ele ensinou a todos que va­
le mais adorar o devoto d ’Ele do que Ele Mesmo.
360 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

No devido tempo, o brahmana tomou seu banho, aceitou suas refeições


e descansou numa cama completamente ornada com seda macia. Enquanto
o brahmana descansava, o Senhor Srl Krsna aproximou-Se dele silenciosamen­
te e, com grande respeito, pôs as pernas do brãhmatia sobre Seu colo e come­
çou a massageá-las. Dessa maneira, Krsna Se apresentou ao brãhmatia e disse:
“Meu querido brahmana, espero que você esteja executando os princípios reli­
giosos sem nenhuma dificuldade e que sua mente esteja sempre em paz.” No
sistema social diferentes classes de pessoas dedicam-se a diversas profissões, e
quando indagamos a respeito do bem-estar de uma determinada pessoa, deve­
mos fazê-lo baseando-nos na ocupação dessa pessoa. Portanto, quando indaga­
mos a respeito do bem-estar de um brãhmatia, devemos formular as perguntas
de acordo com a condição de vida dele, para que não o perturbemos. A base
para nos tornarmos verazes, limpos, equilibrados, com autodomínio e tole­
rantes, é que tenhamos uma mente pacífica. Se adquirimos conhecimento
dessa maneira e sabemos como aplicá-lo na vida prática, convencemo-nos a
respeito da Verdade Absoluta. O brahmana sabia que Krsna é a Suprema Per­
sonalidade de Deus, e mesmo assim aceitou o serviço respeitoso oferecido
pelo Senhor por causa da convenção social védica. O Senhor Srl Krsna estava
representando tal qual um ser humano. Como pertencia à divisão ksatriya do
sistema social, e como era um rapazinho, era dever dTsle mostrar respeito por
tal brãhmatia.
O Senhor Krsna continuou: “Ó melhor de todos os brãhmatias, você deve
permanecer sempre satisfeito porque se um brahmana estiver sempre satisfeito
consigo mesmo, ele não desviará de seus deveres prescritos; e todos, especial­
mente os brãhmanas, podem alcançar a mais elevada perfeição de todos os de­
sejos se simplesmente mantêm-se fiéis a seus deveres prescritos. Mesmo que
uma pessoa seja tão opulenta quanto Indra, o rei do céu, se não está satisfeita
ela tem inevitavelmente que transmigrar de um planeta para outro. Tal pessoa
jamais pode ser feliz sob nenhuma circunstancia; mas se a mente de uma pes­
soa está satisfeita, tal pessoa pode ser feliz vivendo em qualquer parte, mesmo
que seja privada de sua posição elevada.”
Esta instrução que Krsna dá ao brahmana é muito significativa. O signifi­
cado é que um brahmana verdadeiro não deve se deixar perturbar em nenhuma
situação. Os assim chamados brãhmanas desta atual era de Kali-yuga têm acei­
to a abominável posição dos südras, ou inferiores aos südras, e ainda assim que­
rem se fazer passar por brãhmanas competentes. Na realidade, um brahmana
competente mantém-se sempre fiel a seus próprios deveres e jamais aceita os
deveres de um südra, ou de alguém inferior a um südra. Nas escrituras autori­
zadas se aconselha que, sob circunstâncias embaraçosas, um brahmana pode
aceitar a profissão de um ksatriya ou até mesmo de um vaisya, mas que ele
jamais deve aceitar a profissão de um südra. O Senhor Krsna declarou que um
Krsna, o Ranchor 361!

brãhmana não deve jamais se deixar perturbar com nenhuma das condições
adversas da vida, caso se mantenha escrupulosamente fiel a seus princípios reli­
giosos. Em conclusão, o Senhor SrT Krsna disse: “Ofereço Minhas respeitosas
reverências aos brãhmanas e Vaisnavas, porque os brãhmanas estão sempre
satisfeitos com eles mesmos, e os Vaisnavas estão sempre ocupados nas verda­
deiras atividades beneficentes para a sociedade humana. Eles são os melhores
amigos das pessoas em geral; tanto os brãhmanas quanto os Vaisnavas estão
livres do falso egoísmo e vivem sempre num estado de espírito pacifico.”
Então o Senhor Krsna desejou saber a respeito dos governantes
0ksatriyas) que viviam no reino do brãhmana, e por isso perguntou se todos os
cidadãos do reino eram felizes. Podemos julgar a competência de um rei pelo
temperamento das pessoas que vivem no reino. Se elas são muito felizes em
todos os aspectos, deve-se compreender que o rei é honesto e executa seus de­
veres corretamente. Krsna disse que o rei em cujo reino os cidadãos são felizes
é muito querido para Ele. Naturalmente, Krsna pôde compreender que o
brãhmana viera trazendo uma mensagem confidencial; assim, Ele disse: “Se
você não tem objeções, dou-lhe permissão para falar a respeito de sua missão.”
Sentindo-se assim muito satisfeito com estes passatempos transcendentais com
o Senhor, o brãhmana narrou toda a história de sua missão de vir ver Krsna.
Ele tirou a carta que RukminT escrevera para Krsna e disse: “Estas são as pa­
lavras da princesa RukminT: ‘Meu querido Krsna, ó infalível e super belo, qual­
quer ser humano que acontece de ouvir falar em Sua forma e em Seus passa­
tempos transcendentais, absorve imediatamente através dos ouvidos o Seu
nome, a Sua fama e as Suas qualidades; deste modo todas as dores materiais
dele abrandam e ele fixa Sua forma no coração. Através deste amor transcen­
dental que ele sente por Você, ele sempre O vê dentro de si mesmo; e com este
processo todos os desejos dele são satisfeitos. Similarmente, ouvi falar em Suas
qualidades transcendentais. Pode ser que eu seja impudente por me exprimir
tão diretamente, porém Você me cativou e tomou meu coração. Talvez você
suspeite que eu sou uma moça solteira, de idade jovem, e talvez duvide de
minha firmeza de caráter; porém, meu querido Mukunda, Você é o leão supre­
mo entre os seres humanos, a pessoa suprema entre as pessoas. Qualquer moça,
mesmo que ainda não esteja fora de casa, ou qualquer mulher que talvez seja
muito casta, desejaria casar-se com Você, por se sentir cativada por Seu
caráter, conhecimento, opulência e posição sem precedentes;Sei que Você é o
esposo da deusa da fortuna e que Você é muito amável com Seus devotos; por
isso, decidi tornar-me Sua criada-eterna. Meu querido Senhor, dedico minha
vida e minha alma a Seus pés de lótus. Aceito Sua Onipotência como meu es­
poso escolhido, e por isso peço-Lhe que me aceite como Sua esposa. Você é o
poderoso supremo, ó Senhor de olhos de lótus. Agora Lhe pertenço. Se o
chacal roubar aquilo que o leão gosta de comer, isto será ridículo; por isso,
362 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

peço-Lhc que tome conta de mim imediatamente antes que eu seja levada por
Sis'upãla ou outros príncipes como ele. Meu querido Senhor, talvez em minha
vida anterior eu tenha feito obras bcneficèntés para o público tais como cavar
poços e plantar árvores, ou atividades piedosas tais como executar cerimônias
ritualisticas c sacrifícios e servir ao mestre espiritual superior, aos brahmanas e
aos Vaisnavas. Talvez eu tenha satisfeito Nãrãyana, a Suprema Personalidade
de Deus, com essas atividades. Se este é o caso, então desejo que Você, Senhor
Krsna, o irmão do Senhor Balarãma, venha aqui, por favor, e agarre minha mão
para que Sisupãla e sua companhia não possam tocar em mim.’ ”
Já haviam determinado que. RukminT se casaria com Sisupãla; por isso, ela
sugeriu que Krsna a raptasse para que isto se alterasse. Este tipo de casamento,
cm que a moça é raptada à força, c conhecido como rãksasa c c praticado entre
os ksatriyas, ou os administradores, os homens com espírito marcial. Como já
haviam arrumado para que o casamento dela ocorresse no dia seguinte,
RukminT sugeriu que Krsna aparecesse ali incógnito para raptá-la' c depois lu­
tasse com Sisupãla e os aliados deste, como, por exemplo, o rei de Magadha.
Como sabia que ninguém podia conquistar Krsna e que Ele certamentc sairia
vitorioso, ela O chamou dc Ajita - o inconquistável. RukminT disse a Krsna
que Ele não Se preocupasse com o fato de que talvez muitos dos membros da
família dela, incluindo outras mulheres, fossem feridos ou ate mesmo mortos
se a luta ocorresse dentro do palácio. Assim como o rei de um país pensa em
meios diplomáticos para atingir seu objetivo, similarmente RukminT, que era
filha de um rei, agiu com diplomacia para sugerir como se podia evitar esta ma­
tança desnecessária e indesejável.
Ela explicou que antes dc um casamento a família dela costumava visitar
o templo da deusa Durgã, a deidade da família. (A maioria dos reis ksatriyas
eram Vaisnavas fiéis, que adoravam o Senhor Visnu na forma de Rãdhã-Krsna
ou na forma de LaksmT-Nãrãyana; no entanto, costumavam adorar a deusa
Durgã para conseguirem bem-estar material. Contudo, jamais cometeram o
erro de aceitarem que os semideuses são o Senhor Supremo, ao nível do
Visnu-tattva, como faziam alguns homens pouco inteligentes.) A fim dc evitar
u matança desnecessária dc seus parentes, RukminT sugeriu que seria mais fácil
Ele raptá-la ou enquanto ela estivesse indo do palácio para o templo, ou então
enquanto estivesse regressando ao lar.
Ela também explicou a Krsna a razão porque estava tão ansiosa por-se
casar com Ele, muito embora devesse se casar com Sisupãla, o qual também era
competente, pois era filho dc um grande rei. RukminT disse que não achava
ninguém superior a Krsna, nem mesmo o Senhor Siva, que é conhecido como
Mahãdeva, o maior dc todos os semideuses. O Senhor Siva também busca o
prazer do Senhor Krsna para se libertar de seu enredamento na qualidade da
ignorância dentro do mundo material. Apesar do fato do Senhor Siva ser a
Krsna, o Ranchor 363

maior de todas as grandes almas, mahãtmãs, sobre sua cabeça ele mantém a
água purificadora do Ganges, que emana de um orifício que existe neste uni­
verso material feito pelo dedo do pé do Senhor Visnu. O Senhor Siva está en­
carregado da qualidade material dg. ignorância, e sempre medita no Senhor
Visnu para manter-se numa posição transcendental. Por isso, Rukmini sabia
muito bem que não é fácil obter o favor de Krsna. Se até o Senhor Siva tem
que se purificar para esta finalidade, por certo que seria difícil para Rukmini, a
qual era apenas a filha de um rei ksatriya. Deste modo, ela desejou dedicar sua
vida a observar austeridades e penitências severas, tais como jejuar e viver sem
confortos corpóreos. Se não conseguisse obter o favor de Krsna nesta vida por
intermédio destas atividades, ela estava pronta a fazer o mesmo vida após vida.
No Bhagavad-gitã se diz que bs devotos puros do Senhor executam serviço de-
vocional com grande determinação. A determinação que RukminTdevi mos­
trou é o único preço para poder se comprar o favor de Krsna e é o caminho
para se alcançar o sucesso último na consciência de Krsna.
Após explicar a declaração de RukminTdevi a Krsna, o brahmana disse:
“Meu querido Krsna, chefe da dinastia Yadu, trago-Lhe esta mensagem confi­
dencial de Rukmini, que agora se encontra diante de Você para Sua considera­
ção. Depois de deliberar devidamente, Você pode atuar como quiser, mas se
quiser fazer algo, tem que fazê-lo imediatamente. Não resta muito tempo para
agir.”
Neste ponto encerra-se ü significado Bhaktivedaríta do Capítulo Cin-
qüenta e Um de Krsna, intitulado (‘Krsna, o Ranchor. JJ
52/ Krsna rapta Rukmim
• • • ■*- •

O Senhor Krsna ficou muito satisfeito depois que ouviu a declaração de


Rukminl. Ele imediatamente cumprimentou o brãhmana apertando-lhe as
mãos e disse: “Meu querido brãhmana, fico muito contente de ouvir que
Rukminl está ansiosa por se casar coMigo, já que também estou ansioso por
conseguir a mão dela. Estou sempre com a mente absorta pensando na filha
de Bhlsmaka e às vezes não consigo dormir à noite, porque fico pensando nela.
Posso compreender que o irmão mais velho de Rukminl arranjou o casamento
dela com Sisupãla com um espírito de animosidade para coMigo; por isso, es­
tou determinado a dar uma boa lição em todos estes príncipes. Assim como se
extrai e se utiliza o fogo depois que se manipula a madeira comum, similar­
mente, depois que Eu cuidar destes príncipes'demoníacos, tirarei Rukminl do
meio deles, como extrairía o fogo.”
Ao ser informado da data específica do casamento de Rukminl, Krsna
ficou ansioso por partir imediatamente. Ele pediu a Seu cocheiro Dãruka que
arriasse os cavalos para Sua quadriga e se preparasse para ir ao reino de
Vidarbha. Logo após ouvir esta ordem, o cocheiro trouxe os quatro cavalos es­
peciais de Krsna. No Padma Purãna. faz-se menção dos nomes e das descrições
desses cavalos. O primeiro, Saivya, era esverdeado; o segundo, Sugnva, era
pardacento como o gelo; o terceiro, Meghapuspa, tinha a cor de uma nuvern
nova; e o último, Balahaka, tinha cor cinzenta. Quando os cavalos estavam
atrelados e a quadriga pronta para a viagem, Krsna ajudou o brãhmana a subir e
ofereceu-lhe um lugar para sentar-se ao lado d ’Ele. Eles partiram imediatamen-
te de Dvãrakl e dentro de uma noite chegaram à província de Vidarbha. O rei­
no de Dvãrakã está situado na parte ocidental da índia, enquanto que
Vidarbha está situada na parte setentrional. Uma distancia de não menos que
Krsna rapta Rukmrni 365

mil e quinhentos quilômetros os separa, mas os cavalos eram tão rápidos que
chegaram a seu destino, uma cidade conhecida como Kundina, dentro de uma
noite, ou, quando muito, doze horas.
O rei BhTsmaka não estava muito entusiasmado para dar a mão de sua fi­
lha a Sisuplla, porém foi obrigado a aceitar a decisão do casamento por causa
do apego afetuoso que sentia por seu filho mais velho, o qual havia negociado
o casamento. Por uma questão de dever, ele estava decorando a cidade para a
cerimôni^ do casamento e estava atuando com grande seriedade para que a
cerimônia resultasse exitosa. Em todas as ruas se esborrifou água e a cidade es­
tava muito bem limpa. Uma vez que a índia está situada na zona tropical, a
.atmosfera é sempre seca. Por causa disto, a poeira sempre se acumula nas ruas
*e estradas; de modo que pelo menos uma vez por dia deve-se borrifá-las com
água, e em cidades grandes como Calcutá, pelo menos duas vezes. As estradas
de Kundina foram arranjadas com bandeiras e festões coloridos e em certos
cruzamentos construiram portões. Toda a cidade estava muito bem decorada.
A beleza da cidade se intensificava com os habitantes, tanto os homens quanto
as mulheres, que estavam vestidos com roupas limpas, enfeitados com polpa de
sândalo, colares de pérola e guirlandas de flores. Em toda a parte havia incen­
so queimando, e o ar estava perfumado com fragrancias como o aguru. Alimen­
taram suntuosamente aos sacerdotes e brõhmanas e, de acordo com a cerimô­
nia ritualistica, deram-lhes riqueza e vacas suficientes em caridade. Dessa
maneira, eles se dedicaram a cantar hinos védicos. RukminI, a filha do rei,
estava extremamente bela. Ela era muito limpa e tinha dentes bonitos. O
auspicioso cinturão sagrado envolvia-lhe a cintura. Deram-lhe diversos tipos de
jóias para usar e um longo tecido de seda para cobrir as partes superior e
inferior do corpo. Sacerdotes eruditos deram-lhe proteção cantando mantras
do Sãma Veda, do Rg Veda e do Yajur Veda. Depois disso eles cantaram
mantras do Atharva Veda e ofereceram oblaçÕes ao fogo para apaziguar as
conjunções de mau agouro de diferentes estrelas.
Quando ocorriam tais cerimônias, o rei BhTsmaka tinha muita experiência
em lidar com os brõhmanas e os sacerdotes. Ele distinguia especificamente os
brõhmanas, dando-lhes grandes quantidades de ouro e prata, grãos misturados
com melaços, e vacas decoradas com ornamentos dourados. Damaghosa, o pai
de Sis'up2la, executava todos os tipos de execuções ritualisticas, com o fim de
invocar a boa fortuna para sua própria família. O pai de Sislipãla era conhecido
como Damaghosa por causa de sua grande habilidade em diminuir cidadãos
desregulados. Dama significa diminuir e ghosa significa famoso; de modo que
ele era famoso por controlar os cidadãos. Damaghosa pensou que se Krsna
viesse perturbar a cerimônia de casamento, certamente ele O cortaria com seu
poder militar. Assim, após executar as diversas cerimônias auspiciosas,
Damaghosa reuniu suas divisões militares, conhecidas como Madasravi. Ele
366 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

tomou de muitos elefantes, enguirlandados com colares dourados, e muitas


quadrigas e cavalos que estavam decorados de forma similar. Parecia que
Damaghosa estava indo para Kundina juntamente com seu filho e outros com­
panheiros, não completamente esquecido do casamento, mas principalmente
resolvido a lutar.
Quando recebeu a noticia de que Damaghosa e seu grupo estavam chegan­
do, o rei Bhlsmaka deixou a cidade para recebê-los. Fora do portão da cidade
havia muitos jardins onde os hóspedes podiam ficar. No sistema védico dc casa­
mento, o pai da noiva recebe o grande grupo do noivo e os acomoda num
lugar apropriado durante dois ou três dias até que se realize a cerimônia do
casamento. O grupo que Damaghosa liderava continha milhares de homens,
dentre os quais Jarãsandha, Dantavakra, Vidüratha e Paundraka eram reis e
personalidades proeminentes. O fato de que RukminI destinava-se a casar-se
com Krsna mas que RukinT, o irmão mais velho dela, arranjara o casamento
dela com Sisupãla, era um segredo aberto-. Também corria um boato a respeito
de um rumor de que RukminI enviara um mensageiro até Krsna; por isso, os
soldados suspeitavam que Krsna causasse um distúrbio, tentando raptar
RukminI. Embora não estivessem despojados de medo, todos eles estavam
preparados para enfrentar Krsna com uma boa luta, a fim de impedir que a
moça fosse raptada. Srl Balarãma recebera a noticia dc que Krsna partira para
Kundina acompanhado unicamente por um brãhmana; Ele ouviu falar também
que Sisupãla estava lá com um grande número de soldados. Suspeitando que
eles iriam atacar Krsna, Balarãma muniu-Se com fortes divisões militares de
quadrigas, infantarias, cavalos e elefantes e chegou aos arredores de Kundina.
Entrementes, dentro do palácio, RukminI esperava que Krsna chegasse,
mas como nem Ele nem o brãhmana que levara a mensagem dela aparecessem,
ela se encheu dc ansiedade e começou a pensar no quanto era infeliz. “Entre
hoje e o dia do meu casamento só resta uma noite, e ainda assim nem o
brãhmana nem Syãmasundara regressaram. Não consigo descobrir nenhum
motivo para isto.” Como tivesse pouca esperança, ela pensou que talvez Krsna
tivesse tido motivo para ficar insatisfeito e tivesse rejeitado sua boa proposta
de casamento. Como resultado, talvez o brãhmana tivesse ficado desapontado
e não retornasse. Embora estivesse pensando em várias causas para a demora, a
cada momento ela esperava que ambos chegassem.
RukminI começou a pensar, além disso, que talvez semideuses como o
Senhor Brahmã, o Senhor Siva e a deusa Durgã tivessem ficado insatisfeitos.
Geralmente se diz que os semideuses se zangam quando não são adorados devi­
damente. Indra, por exemplo, quando descobriu que os habitantes de Vrndãva-
na não o estavam adorando (pois Krsna havia parado com o Indra-yajna), ficou
muito irado e quis puni-los severamente. Desse modo, RukminI estava pensan­
do que já que ela não adorava muito o Senhor Siva ou o Senhor Brahmã, talvez
Krsna rapta RukminT 367

eles tivessem ficado irados e tivessem tentado frustrar o plano dela. Similar­
mente, ela pensou que talvez a deusa Durgã, a esposa do Senhor S~íva, tivesse
tomado o partido de seu esposo. O Senhor Siva c conhecido como Rudra e sua
esposa é conhecida como Rudrãnl. RudrãnT c Rudra aplicam-se àqueles que
estão muito habituados a pôr outras pessoas num estado aflito para que elas
chorem para sempre. Rukminl estava pensando que a deusa Durgã era Girijã,
a filha das montanhas dos Himalaias. As montanhas dos Himalaias são muito
frias e duras, e RukminT considerava a deusa Durgã impiedosa e fria. Em sua
ansiedade por ver Krsna, RukrmnT, que afinal de contas ainda era uma criança,
pensou dessa maneira a respeito dos diferentes scmidcuscs. As gopls adoraram
a deusa KãtyãyanT para obter Krsna como esposo; similarmente, RukminT es­
tava pensando nos diversos tipos de semideuses, não para alcançar benefícios
materiais, mas sim em relação com Krsna. Não ê irregular orar aos scmidcuscs
para se alcançar o favor de Krsna, e RukminT estava totalmente absorta pen­
sando em Krsna.
Embora se pacificasse pensando que ainda não expirara o prazo para
Govinda chegar, RukminT sentia que estava esperando por uma coisa irreali-
zável. Ela começou a verter lágrimas e. quando o choro se intensificou, fechou
os olhos, desamparada. Enquanto RukminT se encontrava mergulhada neste
pensamento profundo, apareceram sintomas auspiciosos em diferentes partes
de seu corpo. Sua pálpebra esquerda c seus braços e coxas começaram a tre­
mer. Quando ocorre tremor nessas partes do corpo, este c um sinal auspicioso
que indica que podemos contar com algo lucrativo.
Foi precisamente então que RukminT, cheia de ansiedade, viu o mensagei­
ro brãhmana. Como é a Supcralma de todos os seres vivos, Krsna pôde perce­
ber a ansiedade de RukminT; por isso, mandou que o brãhmana entrasse no
palácio para que ela ficasse sabendo que Ele (Krsna) tinha chegado. Ao ver o
brãhmana, RukminT pôde compreender o tremor auspicioso de seu corpo e se
extasiou imediatamente. Ela sorriu e perguntou ao mensageiro se Krsna já
tinha chegado ou não. O brãhmana respondeu que SrT Krsna, o filho da dinas­
tia Yadu, tinha chegado, c animou-a ainda, dizendo que Krsna prometera levá-
la sem falta. RukminT ficou tão extasiada com a mensagem do brãhmana que
quis dar-lhe tudo que possuía em caridade. Contudo, como não encontrasse
nada adequado que pudesse presentear, ela simplesmente ofereceu-lhe suas
respeitosas reverências. O significado dc se oferecer respeitosas reverências a
um superior ê que a pessoa que oferece as reverências agradece á pessoa res­
peitada. Em outras palavras, RukminT deu a entender que permanecería
eternamente grata ao brãhmana. Qualquer pessoa que obtêm o favor da deusa
da fortuna, como aconteceu com este brãhmana, fica sem dúvida sempre
feliz na opulência material.
368 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Quando ouviu falar que Krsna e Balarãma haviam chegado, o rei


BhTsmaka convidou-Os para assistir à cerimônia de casamento de sua filha.
Imediatamente, ele fez preparativos para poder recebê-Los, juntamente com os
soldados d ’Elcs, numa casa ajardinada apropriada. Seguindo o costume védico,
o rei ofereceu mel e roupas limpas e frescas a'Krsna e a Balarãma. Ele foi
hospitaleiro não só com Krsna, Balarãma e reis tais como Jarãsandha, mas
recebeu também muitos outros reis e príncipes de acordo com sua força
pessoal, idade e posses materiais respectivas. Por curiosidade e avidez, o povo
de Kundina se reuniu diante de Krsna e Balarãma e pôs-se a beber o néctar da
beleza d ’Eles. Com os olhos cheios de lágrimas, eles ofereceram-Lhes seus
respeitos silenciosos. Estavam muito satisfeitos, pois consideravam que o
Senhor Krsna era o par adequado para RukminT. Estavam tão ansiosos por unir
Krsna com RukminT, que começaram a orar à Personalidade de Deus:
“Querido Senhor, caso tenhamos executado alguma atividade piedosa que O
tenha satisfeito, por favor, tenha misericórdia de nós e aceite a mão de
RukminT.” Parece que RukminT era uma princesa muito popular, tanto que
todos os cidadãos, imbuídos de amor intenso por ela, oravam pela melhor
fortuna dela. Entrementes, muito bem vestida e protegida por guardas pes­
soais, RukminT saiu do palácio para visitar o templo de Àmbikã, a deusa
Durgã.
A adoração à deidade no templo tem existido desde o começo da cultura
védica. No Bhagavad-gltã há uma classe de homens descrita como os
veda-vãda-rata, que creem apenas nas cerimônias ritualísticas védicas, mas não
na adoração no templo. Tais pessoas tolas poderão prestar atenção aqui ao
fato de que apesar deste casamento de Krsna com RukminT ter ocorrido há
mais de cínco mil anos atrás, ainda assim fizeram arranjos para a adoração no
templo. No Bhagavad-gltã o Senhor diz: yãnti-deva-vratã devãn: “Os adorado­
res dos semideuses alcançam as moradas dos semideuses.” Havia muitas pessoas
que adoravam os semideuses e muitas que adoravam a Suprema Personalidade
de Deus dlretameníe. O sistema de adoração aos semideuses era dirigido prin-
cipalmente ao Senhor BrahmãT, ao Senhor Siva, ao Senhor Ganes'a, ao deus do
sol e à deusa Durgã. Até mesmo as famílias reais adoravam o Senhor Siva e a
deusa Durgã; outros semideuses menores eram adorados por pessoas inferiores
e estúpidas. Quanto aos brãhmanas e os Vaisnavas, eles simplesmente adoram o
Senhor Visnu, a Suprema Personalidade de Deus. No Bhagavad-gltã a adoração
aos semideuses é condenada mas não é proibida; ali se afirma claramente que a
classe de homens pouco inteligentes adoram os diferentes tipos de semideuses
para obterem benefícios materiais. Por outro lado, apesar de ser a deusa da
fortuna, RukminT se dirigiu ao templo da deusa Durgã porque ali se adorava a
deidade da família. No Srímad-Bhãgavatam se declara que no íntimo Rukmini
estava sempre pensando nos pés de lótus de Krsna enquanto prosseguia em
Krsna rapta RukminT 369

direção ao templo da deusa Durgã. Portanto, quando foi ao templo Rukmini


não tinha a intenção de uma pessoa comum, que se dirige a um templo para
pedir benefícios materiais; seu único objetivo era Krsna. Na realidade, quando
as pessoas se dirigem ao templo de um semídeus, o objetivo é Krsna, uma vez
que é Ele quem dá poder aos semideuses para proverem benefícios materiais.
Enquanto caminhava em direção ao templo, RukminT estava muito silen­
ciosa e grave. Sua mãe e sua amiga encontravam-se ao lado dela, e ao centro ia
a esposa de um brãhmana; em volta dela havia guardas reais pessoais. (Na
índia ainda se pratica este costume em que uma pretensa noiva vai ao templo
de um semideus.) Â medida que continuava a procissão, podia-se ouvir diver­
sos sons musicais. Tambores, búzios e bugies de diferentes tamanhos, tais
como os panavas, os turyas e os bheris, combinavam-se para produzir um som
que era não apenas auspicioso, como também muito doce de ouvir. Milhares de
esposas de brãhmanas respeitáveis estavam presentes. Essas mulheres estavam
bem vestidas com ornamentos apropriados. Elas presentearam RukminT com
guirlandas de flores, polpa de sândalo e uma variedade de roupas coloridas,
para ajudá-la na adoração ao Senhor Si va e à deusa Durgã. Algumas destas
damas eram muito idosas e sabiam perfeitamente bem como cantar orações à
deusa Durgã e ao Senhor Siva; assim, acompanhadas por RukminT e outras pes­
soas, elas conduziram essas orações perante a deidade.
RukminT ofereceu suas orações â deidade, dizendo: “Minha querida deusã
Durgã, ofereço minhas respeitosas reverências a você e a seus filhos também.”
A deusa Durgã tem quatro filhos famosos: duas filhas —LaksmT, a deusa da
fortuna, e Sarasvatl, a deusa da sabedoria —e dois filhos famosos: o Senhor
Ganesa e o Senhor Kãrttikeya. Todos eles são considerados semideyíses e
deusas. Uma vez que sempre se adora a deusa Durgã juntamente com seus
filhos famosos, RukminT ofereceu especificamente suas respeitosas reverências
à deidade dessa maneira; no entanto, suas orações foram diferentes. As pessoas
comuns oram â deusa Durgã em troca de riqueza material, fama, lucros, força e
assim por diante; RukminT, porém, desejava ter Krsna como seu esposo e por
isso orou à deidade para que se satisfizesse com ela e a abençoasse. Uma vez
que só desejava Krsna, a adoração que ela fazia aos semideuses não é condena­
da. Enquanto RukminT orava, apresentava-se uma variedade de artigos perante
a deidade, sendo que os principais entre esses artigos eram a água, diferentes
tipos de chamas, o incenso, roupas, guirlandas e diversos gêneros alimentícios
preparados com ghee, como, por exemplo, puris e kacuris. Além disso, haviam
oferecido frutas, cana-de-açúcar, nozes de betei e condimentos. Com grande
devoção, RukminT ofereceu-os à deidade de acordo com os princípios regula-
tivos indicados pelas idosas damas brãhmanas. Após esta cerimônia riíualísti-
ca, as damas ofereceram os restos da comida a RukminT como prasada, a
qual ela aceitou com grande respeito. Depois então RukminT ofereceu suas
370 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

reverências às damas e à deusa Durgã. Após terminar com sua obrigação de


adorar a deidade, RukminI segurou a mão de uma de suas amigas e saiu do
templo, acompanhada pelas outras.
Todos os príncipes e visitantes que vieram a Kundina para o casamento
estavam reunidos fora do templo para ver RukminI. Os príncipes em especial es­
tavam muito ansiosos por vê-la, porque na verdade todos eles pensavam que
teriam RukminI como esposa. Eles ficaram maravilhados ao verem RukminI,
tanto que pensaram que o Criador a manufaturara especialmente para confun­
dir todos os grandes príncipes cavalheirescos. Ela tinha o corpo bem construí­
do, sendo que a parte do meio era delgada. Tinha olhos verdes, lábios cor de
rosa e um belo rosto cuja beleza se intensificava com o cabelo espalhado e
diferentes tipos de brincos. Em volta dos pés, usava fechos de jóias. O brilho
e a beleza do corpo de RukminI pareciam como que pintados por um artista
que apresenta a beleza com perfeição, seguindo a descrição de grandes poetas.
Descreve-se que o peito de RukminI era um pouquinho elevado, o que indica
que ela não passava de uma jovenzinha com nada mais que treze ou quatorze
anos de idade. Sua beleza destinava-se especialmente a atrair a atenção de
Krsna. Embora os príncipes olhassem pasmados para as belas feições dela, ela
não se sentia absolutamente orgulhosa. Seus olhos se mexiam irrequietos, e
quando sorria com muita simplicidade, tal qual uma mocinha inocente, seus
dentes pareciam flores de lótus. Como esperava que Krsna a levasse a qualquer
momento, ela caminhava bem devagar em direção a sua casa. Suas pernas
deslocavam-se como as pernas de um cisne crescido, e os sinos que trazia
atados no tornozelo tiniam suavemente.
Como já se explicou, os grandes príncipes cavalheirescos que se reuniram
ali ficaram tão dominados pela beleza de RukminT que quase ficaram incons­
cientes. Cheios de luxuria, eles desejaram desesperadamente a mão de
RukminT, comparando a própria beleza deles com a dela. No entanto, Srlmatl
RukminI não estava interessada em nenhum deles; em seu coração esperava
simplesmente que Krsna viesse e a levasse. Enquanto arrumava os ornamentos
no dedo de sua mão esquerda, por acaso ela dirigiu o olhar para os príncipes e
viu de repente que Krsna estava presente entre eles. Apesar de nunca ter visto
Krsna antes, RukminI pensava sempre nTde; de modo que não teve dificuldade
em reconhecê-Lo entre a ordem principesca. Não Se preocupando com os
outros príncipes, Krsna aproveitou-Se imediatamente da oportunidade para
colocar RukminI em Sua quadriga, marcada com uma bandeira que tinha uma
imagem de Garuda. Aí então Ele continuou devagar, sem temor, levando
RukminI conSigo, exatamente como o leão tira o veado do meio dos chacais.
Entrementes, Balarãma entrou em cena com os soldados da dinastia Yadu.
Jarãsandha, que muitas vezes experimentara a derrota por parte de
Krsna, começou a rugir: “Como é isto? Krsna está levando RukminI de nós
Krsna rapta Rukmini 371

sem nenhuma oposição! De que adianta sermos cavaleiros, munidos de flechas?


Meus queridos príncipes, vejam só ! Estamos perdendo nossa reputação poi
causa desta ação. É como o chacal que rouba a presa do leão.”

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin-


qüenta e Dois de Krsna, intitulado “Krsna Rapta Rukmini
53/ Krsna derrota todos os príncipes e le­
va RukminFpara Dvãrakã

Todos os príncipes chefiados por Jarãsandha ficaram muito Irados por


Krsna ter raptado RukminT. Eles haviam caído das costas de seus cavalos e
elefantes, fulminados pela beleza de RukminT, mas agora começavam a levantar-
se e a armar-se devidamente. Tomando de seus arcos e flechas, puseram-se a
perseguir Krsna em suas quadrigas, cavalos e elefantes. Para impedir que conti­
nuassem, os soldados da dinastia Yadu voltaram-se e os enfrentaram. Assim,
começou uma luta terrível entre os dois grupos beligerantes. Jarãsandha
chefiava os príncipes que faziam frente a Krsna, os quais eram todos muito ha­
bilidosos na luta. Eles começaram a atirar suas flechas nos soldados de Yadu da
mesma forma que uma nuvem salpica a superfície de uma montanha com
torrentes de chuva. Quando uma nuvem se forma sobre a superfície de uma
montanha, ela não se desloca muito, e por esse motivo a força da chuva é
muito mais severa sobre uma montanha do que em qualquer outra parte.
Como estavam determinados a derrotar Krsna e a recapturar RukminT da
custódia d ’Ele, os príncipes opositores lutaram com Krsna tão severamente
como possível. Sentada ao lado de Krsna, RukminT via flechas chovendo do
grupo oposto sobre os rostos dos soldados de Yadu. Ela começou a olhar para
o rosto de Krsna com uma atitude de temor, exprimindo sua gratidão por Ele
ter corrido um risco tão grande unicamente por causa dela. Pelo jeito como
seus olhos se mexiam, parecia que ela estava muito triste, e Krsna pôde com­
preender imediatamente o que ela estava sentindo. Ele a animou com as
seguintes palavras: “Minha querida RukminT, não se preocupe. Por favor, esteja
certa de que os soldados da dinastia Yadu matarão todos os soldados oposito­
res sem demora.”
Krsna derrota todos os príncipes e leva Rukmini para Dvaraka 373

Enquanto Krsna falava com Rukmini, os comandantes dos soldados da


dinastia Yadu, encabeçados pelo Senhor Balarãma, o qual também é conhecido
como Sankarsana (c também como Gadadhara), não toleraram a atitude de
desafio dos soldados opositores e começaram a atirar flechas nos cavalos,
elefantes c quadrigas deles. Ã medida que prosseguia a luta, os príncipes e
soldados do grupo inimigo começaram a cair de seus cavalos, elefantes e
quadrigas. Dentro de pouquísssimo tempo, viu-se que milhões de cabeças
cortadas, decoradas com elmos e brincos, tinham caído no campo de batalha.
As mãos dos soldados foram cortadas juntamente com seus arcos, flechas e
maças; havia cabeças empilhadas umas sobre as outras e cavalos empilhados
uns sobre os outros. Todos os soldados de infantaria, bem como seus camelos,
elefantes e asnos, caíram ao chão com as cabeças cortadas.
Quando os inimigos, encabeçados por Jarüsandha, descobriram que os
soldados de Krsna os estavam derrotando aos poucos, eles consideraram que
não seria prudente arriscar perder na batalha, em favor de Sisupãla. O pró­
prio Sisupãla devia ter lutado para arrancar Rukmini das mãos de Krsna;
mas ao verem que Sisupãla não era competente o bastante para lutar com
Krsna, os soldados decidiram não perder sua força desnecessariamente;assim,
eles pararam de lutar e se dispersaram.
Por uma questão de etiqueta, alguns dos príncipes se apresentaram diante
de Sis'upãla. Eles perceberam que Sisupãla estava muito desanimado, tal qual
um homem que perde sua esposa. O rosto dele parecia estar seco, tinha perdi­
do toda-a sua energia, e todo o brilho de seu corpo desaparecera. Os príncipes
começaram a falar assim com Sis'up3la: “Caro Sis'upãla, não se desanime assim.
Você pertence à ordem real e é o principal entre os lutadores. Para uma pessoa
como você não há questão de aflição, nem de felicidade, porque nenhum des­
tes estados é permanente. Aníme-se. Não se desaponte com este revés tempo­
rário. Afinal de contas, nós não somos os atores finais; assim como as marione­
tes dançam nas mãos de um mágico, todos nós dançamos de acordo com a
vontade do Supremo; c é unicamente segundo a graça d’Ele que sofremos da
aflição ou desfrutamos da felicidade, as quais portanto pesam igualmente em
todas as circunstâncias.”
Toda a catástrofe da derrota deveu-se â natureza invejosa de Rukmi, o
irmão mais velho ■de Rukmini. Ao ver que Krsna levara sua irmã à força
depois que ele planejara casá-la com Sisupãla, Rukml se frustrou. Desta manei­
ra, ele e Sisupãla, seu amigo e futuro genro, regressaram a suas respectivas
casas. Muito agitado, RukmT estava determinado a dar pessoalmente uma
lição em Krsna. Ele mandou chamar seus próprios soldados — uma falange
militar que consistia de vários milhares de elefantes, cavalos, quadrigas e infanta­
ria - e, equipado com esta força militar, começou a perseguir Krsna na direção
374 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

dc Dvãrakã. Para mostrar seu prestígio, Rukml começou a prometer diante de


todos os reis que regressavam: “Vocês não puderam ajudar Sisupãla a casar-se
com minha irmã RukminT, mas eu não posso permitir que Rukminí seja levada
por Krsna. Vou dar-Lhe uma lição. Agora vou lá.” Ele se exibiu como um
grande comandante e prometeu solenemente diante de todos os príncipes
presentes: “A menos que mate Krsna na luta e tire minha irmã das garras dTEle,
não voltarei mais a Kundina, minha cidade capital. Faço esta promessa perante
todos vocês, e vocês verão que hei de cumpri-la.” Depois de vibrar assim todas
essas palavras jactantes, Rukml subiu imediatamente em sua quadriga e disse a
seu quadrigário que fosse atrás de Krsna. Ele disse: “Quero lutar com Ele ime­
diatamente. Este pastorzinho de vacas está muito orgulhoso por causa da for­
ma astuciosa que Ele tem de lutar com os ksatriyas, mas hoje hei de dar-Lhe
uma boa lição. Como Ele teve a insolência de raptar minha irmã, com minhas
flechas afiadas hei de dar-Lhe boas lições.” Assim, RukmT, este homem sem
inteligência, ignorante da extensão da força e das atividades da Suprema Per­
sonalidade de Deus, começou a pronunciar ameaças insolentes.
Com grande estupidez, ele pôs-se logo na frente de Krsna, dizendo-Lhe
repetidamente: “Pare um minuto c lute comigo!” Após dizer isto, puxou seu
arco e atirou três flechas violentas diretamente contra o corpo de Krsna, Aí
ele condenou Krsna, dizendo que Este era o mais abominável dos descendentes
da dinastia Yadu e pediu-Lhe que parasse um minuto diante dele para que ele
pudesse dar-Lhe uma boa lição.” Você está levando minha irmã tal qual um
corvo que rouba manteiga clarificada feita para ser utilizada num sacrifício.
Você tem orgulho de Sua força militar, mas não consegue lutar de acordo com
os princípios regulativos. Você roubou minha irmã; agora hei de aliviá-Lo de
Seu falso prestígio. Você só vai conseguir manter minha irmã sob Sua posse
enquanto eu não O tiver atado ao chão para sempre com minhas flechas.”
Após ouvir todas estas palavras malucas de Rukml, o Senhor Krsna atirou
uma flecha imediatamente e cortou a corda do arco de Rukml, impossibilitan­
do-o de usar outra flecha. RukmT tomou logo de outro arco e atirou cinco
outras flechas em Krsna. Quando Rukml 0 atacou pela segunda vez, Krsna
cortou-lhe a corda do arco outra vez. RukmT tomou de um terceiro arco, cuja
corda Krsna cortou mais uma vez. Dessa vez, Krsna pessoalmente atirou seis
flechas em RukmT para dar-lhe uma lição, e depois então atirou oito outras
fechas. Deste modo, com quatro flechas, quatro cavalos morreram, uma o.utra
flecha matou o quadrigário, c a parte superior da quadriga de RukmT, incluin­
do a bandeira, foi cortada em pedaços com as três flechas restantes.
Como não tinha mais flechas, RukmT tomou o auxílio de espadas, escu­
dos, tridentes, lanças e outras armas similares, usadas para se lutar mão a mão,
mas Krsna cortou-as todas imediatamente, da mesma maneira. Como fosse re­
petidamente frustrado em suas tentativas, RukmT simplesmente tomou de sua
Krsna derrota todos os príncipes e leva Rukminí para Dvãiakã 375

espada e precipitou-se bem rápido em direção a Krsna, assim como uma mosca
que se dirige para um fogo. Assim que Rukml se aproximava de Krsna, Krsna
cortava-lhe a arma em pedaços. Dessa vez, Krsna tirou-lhe a espada afiada e já
estava pronto para matá-lo imediatamente; porém, Rukminl, a irmã de Rukml,
compreendendo que dessa vez Krsna não perdoaria seu irmão, caiu aos
pés de lótus de Krsna e começou a rogar a seu esposo num tom muito aflito,
tremendo com grande medo.
Primeiramente Rukminl chamou Krsna de “Yogesvara.” Yogesvara signi­
fica aquele que possui opulência e energia inconcebíveis. Krsna possui opulên­
cia e energia inconcebíveis, ao passo que o irmão de Rukminl tinha apenas
uma potência militar limitada. Krsna é incomensurável, ao passo que o irmão
dela era medido a cada passo de sua vida. Portanto, Rukml não era nem sequer
comparável a um inseto insignificante diante do poder ilimitado de Krsna. Ela
também chamou Krsna de o Deus dos deuses. Existem muitos semideuses po­
derosos, tais como o Senhor Brahma, o Senhor Siva, Indra e Candra; Krsna é
o Senhor de todos estes deuses, enquanto que o irmão de Rukminl era não
apenas um ser humano comum, como também, de fato, o mais baixo de todos
os seres humanos, porque não tinha nenhuma compreensão de Krsna. Em ou­
tras palavras, um ser humano que nao tem idéia alguma da posição verdadeira
de Krsna é o mais baixo na sociedade humana. Rukminl também chamou
Krsna de “Jagatpati”, o senhor de toda a manifestação cósmica. Comparado a
Jagatpati, o irmão dela não passava de um príncipe ordinário.
Dessa maneira, Rukminl comparou a posição de Rukmí à de Krsna e com
muito sentimento rogou a seu esposo que não matasse seu irmão exatamente
antes do momento auspicioso em que ela ia se unir com Krsna; assim, ela pediu
que Krsna perdoasse seu irmão. Em outras palavras, ela exibiu sua verdadeira
posição como uma mulher. Ficou feliz de conseguir Krsna como seu esposo
bem no momento em que se ia executar o casamento dela com outro, mas não
queria que isso prejudicasse seu irmão mais velho, que, afinal de contas,
amava sua jovem irmã e quis dar a mão dela a uma pessoa que era, segundo os
próprios cálculos dele, um homem melhor. Enquanto Rukminl suplicava a
Krsna pela vida de seu irmão, todo o corpo dela tremia, seu rosto parecia estar
seco por causa da ansiedade, sua garganta ficou sufocada, e, por estar tremen­
do, os ornamentos que havia em seu corpo afrouxaram e caíram, espalhados
no chão. Imediatamente, o Senhor Krsna sentiu compaixão e concordou em
não matar o tolo Rukml. Porém, ao mesmo tempo, quis dar-lhe algum castigo
leve, de modo que o atou com um pedaço de pano e cortou-lhe o bigode, a
barba e o cabelo, com uma tesoura, deixando algumas manchas aqui e ali.
Enquanto Krsna lidava com Rukml dessa maneira, os soldados da dinas­
tia Yadu comandados pelo próprio Balarãma, irromperam toda a foiça do
exército de Rukml assim como um elefante num reservatório desfaz o débil
376 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

caule de uma flor de lótus. Em outras palavras, assim como um elefante irrom­
pe toda a construção de uma flor de lótus enquanto se banha num reservatório
d ’água, da mesma forma a força militar dos Yadus decompôs a força de
Rukrní. Contudo, ao regressarem para ver Krsna, os comandantes da dinastia
Yadu ficaram surpresos quando viram o estado em que se encontrava RukmT. O
Senhor BalarSma sentiu compaixão especial por Sua cunhada, a qual recém -
casara-se com o irmão d’Ele. A fim de agradar RukminI, Balarãma desamarrou
RukmT pessoalmente, e para agradá-la ainda mais,.Balarãma assumiu a posição
do irmão mais velho de Krsna e falou-Lhe algumas palavras de punição. “Krsna, o
que Você fêz não é absolutamente satisfatório”, disse Ele. “Isto é uma abomi-
nação que é muito contrária à tradição de Nossa família! Cortar o cabelo de al­
guém e raspar-lhe o bigode e a barba é quase comparável a matá-lo. Não impor­
ta o que RukmT possa ter sido, agora ele é Nosso cunhado, uma parente de
Nossa família, de modo que Você não devia tê-lo colocado em tal estado.”
Depois disso, o Senhor Balarãma falou as seguintes palavras para tran-
qüiüzar RukminI: “Você não devia se lamentar só porque seu irmão ficou com
uma aparência muito estranha. Todos sofrem ou desfrutam os resultados de
suas próprias ações.” 0 Senhor Balarãma quis convencer RukminI de que ela
não devia ter se lamentado pelas conseqüências sofridas pelo irmão devido às
ações dele. Não era necessário sentir tanta afeição por um irmão como esse. O
Senhor Balarãma voltou-Se outra vez para Krsna e disse: “Meu querido Krsna,
um parente deve ser perdoado mesmo que cometa um disparate tal que mereça
ser morto. Pois quando um parente assim se conscientiza de seu próprio erro,
esta consciência em si é como a morte. Portanto, não é necessário, matá-lo.”
Balarãma voltou-Se outra vez para RukminI e lhe disse que, de acordo com os
princípios da luta, o dever corrente do ksatriya na sociedade humana é fixado
de tal modo que nosso próprio irmão pode tornar-se um inimigo no lado opos­
to. Um ksatriya não hesita em matar seu próprio irmão. Em outras palavras, o
Senhor Balarãma quis instruir RukminI de que Rukml e Krsna estavam certos
por não terem mostrado misericórdia um pelo outro durante a luta, apesar da
consideração familiar de que eram cunhados. Sri Balarãma continuou dizendo a
RukminI que os ksatriyas são os emblemas típicos do modo de vida materia­
lista; sempre que há uma questão de aquisição material eles se inflam de orgu­
lho. Portanto, quando dois ksatriyas beligerantes lutam entre si por causa de
reino, terra, riqueza, mulheres, prestígio ou poder, eles tentam um pôr o outro
no estado mais abominável. Balarãma instruiu RukminT de que a afeição dela
para com seu irmão Rukml, o qual criara inimizade com tantas pessoas, era
uma consideração perversa própria de uma pessoa materialista comum. O
caráter do irmão dela não era adorável em absoluto, se consideramos o jeito
como ele tratava outros amigos; e mesmo assim RukminI, como uma mulher
Krsna derrota todos os príncipes e leva RukminI para Dvãrakã 377

comum, sentia tanta afeição por ele. Apesar dele não merecer ser irmão de
RukminI, esta ainda era clemente para com ele.
“Além disso”, continuou Balarãma, “de um modo geral são as pessoas
que estão no conceito de vida corpóreo, que consideram que uma pessoa é neu­
tra ou é amiga ou inimiga dela. Tais pessoas tolas se confundem com a energia
ilusória do Senhor Supremo. A alma espiritual tem a mesma qualidade pura em
qualquer corporificaçao de matéria que se encontre, mas aqueles que não são
suficientemente inteligentes só veem as diferenciações corpóreas que cobrem a
alma espiritual pura — animais e homens, letrados e iletrados, ricos e pobres e
assim por diante. Tal diferenciação, observada puramente com base no corpo,
é exatamente como a diferenciação que se faz entre fogos em termos dos di­
ferentes tipos de combustível que eles consomem. Não importa qual seja o ta­
manho e a forma do combustível, para o fogo que sai tal variedade de tamanho
e forma não existe. Similarmente, no céu não há diferenças de tamanho ou de
forma.”
Dessa maneira, Balarãma os aplacou com Suas instruções morais e éticas.
Ele disse ainda: “Este corpo faz parte da manifestação material. Devido ao go­
zo ilusório, a entidade viva ou alma espiritual que está em contato com a maté­
ria transmigra de um corpo para outro, e isto é conhecido como a existência
material. Este contato que a entidade viva tem com a manifestação material
não tem integração nem desintegração.Minha querida e casta cunhada, natural­
mente a alma espiritual é a causa deste corpo material, da mesma forma que o
sol é a causa da luz do sol, da visão e das formas da manifestação material. O
exemplo do brilho do sol e da manifestação material é muito apropriado para
que compreendamos o contato das entidades vivas com este mundo material.
De manhã o sol nasce, e gradualmente o calor e a luz se expandem durante
todo o dia. O sol é a causa de toda a produção material e das formas e aparên­
cias; é por causa do sol que ocorrem a integração e desintegração dos elemen­
tos materiais. Mas assim que o sol se p õ e, a manifestação cósmica inteira já
não tem ligação com o sol, que passa de um lugar para outro. Quando o sol
passa do hemisfério oriental para o ocidental, permanece o resultado da inte­
ração causada pelo brilho do sol no hemisfério oriental, mas o brilho do sol em
si pode ser visto outra vez no hemisfério ocidental. Similarmente, a entidade
viva aceita ou produz diferentes corpos e diferentes relações corpóreas em de­
terminada circunstância, mas logo que abandona o corpo atual e aceita outro
corpo, já não tem nada a ver com o corpo anterior. Similarmente, a entidade
viva não tem nada a ver com o corpo seguinte que ela aceitar. Ela está sempre
livre do contato com esta contaminação corpórea. Portanto, a conclusão é que
o aparecimento e o desaparecimento do corpo não têm nada a ver com a enti­
dade viva, da mesma forma que o crescer e o diminuir da lua não têm nada a
378 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

ver com a lua. Quando a lua cresce pensamos falsamente que a lua está se de­
senvolvendo, e quando a lua diminui pensamos que a lua está decrescendo. Na
verdade, a lua, como ela é, é sempre a mesma: ela náo tem nada a ver com tais
atividades visíveis de crescimento e decrescimento.
“Podemos comparar a consciência da existência material com o sono e o
sonho. Quando um homem dorme, ele sònha com muitos acontecimentos
irreais, e como resultado do sonho sujeita-se a diferentes tipos de aflição e feli­
cidade. Similarmente, quando uma pessoa se encontra no estado onírico de
consciência material, ela sofre os efeitos de ter aceitado um corpo e tê-lo aban­
donado outra vez na existência material. Em oposição a esta consciência mate­
rial está a consciência de Krsna. Em outras palavras, quando um homem se ele­
va à plataforma da consciência de Krsna, ele se livra desta concepção falsa de
vida.”
Dessa maneira, Srl Balarama os instruiu a respeito do conhecimento espi­
ritual. Ele disse o seguinte a Sua cunhada: “Doce e sorridente Rukmini, não se
aflija com motivos falsos causados pela ignorância. É so'por causa de noções
falsas que nos tornamos infelizes, mas podemos remover esta infelicidade ime­
diatamente se discutimos a filosofia da vida verdadeira. Simplesmente seja feliz
nesta plataforma.”
Depois de ouvir Sr! Balarama falando essas instruções tão esclarecedoras,
RukminT imediatamente se tranqüilizou, ficou feliz e harmonizou seu estado
de espírito, que era de muita aflição por ela ter visto a posição degradada de
Rukmi, seu irmão. Quanto a Rukml, este não cumpriu com sua promessa nem
tampouco saiu exitoso em sua missão. Ele viera de casa com seus soldados e
falange militar para derrotar Krsna e libertar sua irmã; porém, pelo contrário,
perdera todos os soldados e a força militar. Pessoalmente ele estava .muito de­
gradado, e estava muito pesaroso nesse estado; mas pela graça do Senhor pôde
continuar vivendo até o destino fixado. Como era ksatriya, pôde lembrar-se da
promessa que fizera de que não regressaria a Kundina, sua cidade capital, se
não matasse Krsna e libertasse sua irmã, coisa que não conseguira fazer; assim,
irado, ele decidiu não regressar a sua cidade capital. Construiu uma pequena
cabana na aldeia conhecida como Bhojakata e ficou morando ali para o resto
da vida.
Após derrotar todos os elementos adversos e levar RukminT à força;
Krsna trouxe-a para Dvãrakã, Sua cidade capital, e então casou-Se com ela em
conformidade com o princípio ritualístico védico. Após esse casamento, Krsna
tornou-Se o rei dos Yadus em Dvãrakã. Na ocasião em que Ele Se casou com
RukminT, todos os habitantes ficaram felizes e houve grandes cerimônias em
todas as casas. Os habitantes da cidade de Dvãrakã ficaram tão satisfeitos que
se vestiram com os ornamentos e roupas mais belos possíveis, e deram presen­
tes ao par recém-casado, Krsna e RukminT, de acordo com seus recursos.
Krsna denota todos òs príncipes e leva RukminT para Dvãrakã 379

Decoraram todas as casas de YadupurT (Dvãrakã) com bandeiras, festões c


flores. Cada casa tinha um portão extra preparado especificamente para esta
ocasião, sendo que em ambos os lados do portão havia grandes vasos d ’água
cheios d’água. Toda a cidade estava perfumada porque estavam queimando
incenso de alta qualidade, e à noite uma iluminação de milhares de lâmpadas
decorava cada edifício.
Toda a cidade estava alegre na ocasião do casamento do Senhor Krsna
com RukminT. Em toda a parte a cidade estava profusamente decorada com
bananeiras e árvores de noz de betei. Considera-se que estas duas árvores são
muito auspiciosas em cerimônias felizes. Ao mesmo tempo havia muitos
elefantes reunidos, os quais transportavam os respectivos reis de diferentes
reinos amigos. Como tem uma natureza desportiva e frívola, o elefante tem o
hábito de, sempre que ve plantinhas e arbustos, desenraizá-las e atirá-las daqui
para ali. Os elefantes reunidos nessa ocasião também espalharam as bananeiras
e árvores de nozes de betei por todas as direções, mas apesar de tal gesto ine­
briado, toda a cidade estava muito bonita, mesmo com as árvores atiradas aqui
e ali.
Os reis amigos dos Kurus e dos Pãndavas estavam representados por
Dhrtarãstra, os cinco irmãos Pãndu, o rei Drupada, o rei Santardana, como
também por BhTsmaka, o pai de RukminT. Por Krsna ter raptado RukminT,
inicialmente houve alguns mal-entendidos entre as duas famílias; porém, de­
pois que Srl Balarãma aproximou-Se dele e muitas pessoas santas o persuadi-.
ram, BhTsmaka, o rei de Vidarbha, foi induzido a participar na cerimônia de
casamento de Krsna com RukminT. Ainda que para o reino de Vidarbha o
incidente do rapto de Krsna não tivesse sido uma ocorrência muito feliz, o
rapto não era uma coisa rara entre os ksatriyas. De fato, o rapto era corren­
te em quase todos os casamentos. De qualquer modo, desde o começo o rei
BhTsmaka se sentiu inclinado a dar a mão' de sua bela filha a Krsna. De uma
forma ou de outra o fim dele tinha sido servido, e por isso ele ficou conten­
te de se juntar à cerimônia de casamento, embora seu filho mais veiho tives­
se sido degradado na luta. No Padma Purãna se menciona que Maharãja Nanda
e os pastorzinhos de vacas de Vrndãvana juntaram-se à cerimônia de casamen­
to. Nessa ocasião, reis dos reinos de Kuru, Srnjaya, Kekaya, Vidarbha é Kunti
chegaram a Dvãrakã com toda a sua parafernália real.
A história em que RukminT é raptada por Krsna foi poetizada, e os leito­
res profissionais recitaram-na em toda a parte. Todos os reis reunidos e suas
filhas, em especial, ficaram maravilhados e muito satisfeitos ao ouvir contarem
as atividades cavalheirescas de Krsna. Dessa maneira, todos os visitantes, bem
como os habitantes da cidade de Dvãrakã, ficaram jubilantes por verem Krsna
e RukminT juntos. Em outras palavras, o Senhor Supremo, o mantenedor de
todos, e a deusa da fortuna estavam unidos, com o que todas as pessoas se sen-
380 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

tiram extremamente alegres.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin­


quenta e Três de Krsna, intitulado t(Krsna Derrota Todos os Príncipes
e Leva Rukmini para Dvãrakã. ”
54 / Pradyumna nasce de Krsna e RukminF ■• * • •

Diz-se que Cupido, que é díietamente uma parte -integrante do Senhor


Vãsudeva e que anteriormente fora reduzido a cinzas pela cólera do Senhor
Siva, nasceu no ventre de Rukminl, gerado por Krsna. Este é Kãmadeva, um
semídeus dos planetas celestiais, que é especialmente capaz de induzir desejos
luxuriosos, Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, tem muitas classes de
partes integrantes, porém as expansões quádruplas de Krsna — Vãsudeva,
Saiikarsana, Pradyumna e Ániruddha - encontram-se diretamente na categoria
de Visnu. Kãma, ou o semideus Cupido, que mais tarde nasceu no ventre de
Rukminl, também se chamava Pradyumna, mas não pode ser o Pradyumna da
categoria de Visnu. Ele pertence à categoria de jTva-tattva, mas por causa do
poder especial de que se é dotado na categoria dos semideuses, ele era uma
parte integrante do super valor de Pradyumna. Este é o veredito dos Gosvãmls.
Assim, ao ser reduzido a cinzas pela cólera do Senhor Siva, Cupido fundiu-se
no 'corpo de Vãsudeva, e então o próprio Senhor Krsna o gerou para que ele
obtivesse seu corpo’ outra vez; ele'foi libertado diretamente de seu corpo no
ventre de Rukminl e nasceu como filho de .Krsna, famoso com o nome de
Pradyumna. Como fora gerado diretamente pelo Senhor Krsna, suas qualidades
eram muito similares às de Krsna.
Havia um demônio chamado Sambara que estava destinado a ser morto
por este Pradyumna. O demônio Sambara tinha conhecimento de seu destino;
logo que ficou sabendo que Pradyumna nascera, assumiu a forma de uma mu­
lher e raptou o bebê da maternidade, menos de dez dias após o nascimento da
criança. O demônio pegou-o e atirou-o diretamente ao mar. Porém, como se
diz, “Ninguém pode. matar alguém que seja protegido por Krsna; e ninguém
pode proteger alguém que esteja destinado a ser morto por Krsna.” Um peixão
382 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

engoliu Pradyumna logo que este foi atirado ao mar. Mais tarde um pescador
pegou este peixe em sua rede, e logo depois este mesmo peixe foi vendido ao
demônio Sambara. Na cozinha do demônio havia uma criada que se chamava
Mayavati, a qual anteriormente tinha sido esposa de Cupido e era então co­
nhecida como Rati. Quando presentearam o peixe ao demônio Sambara, seu
cozinheiro ficou encarregado de transformá-lo numa saborosa preparação de
peixe. Os demônios e os raksasas estão habituados a comer carne, peixe e ali­
mentos não vegetarianos similares. Similarmente, outros demônios, como, por
exemplo, Ravana, Kamsa e Hiranyakaslpu, costumavam comer carne sem dis­
criminação, apesar de terem nascido de pais brahmanas e ksatriyas. Esta práti­
ca ainda prevalece na índia, e aqueles que comem carne e peixe são geralmente
chamados de demônios e raksasas.
Quando estava cortando o peixe, o cozinheiro encontrou um belo bebê
dentro da barriga do peixe; ele confiou o bebê imediatamente aos cuidados de
Mayavati, que ajudava nos afazeres da cozinha. Esta mulher ficou surpresa de
ver que um bebê tão belo tivesse conseguido permanecer dentro da barriga de
um peixe, e a situação a deixou perplexa. O grande sábio Naxada apareceu en­
tão e explicou-lhe a respeito do nascimento de Pradyumna, de como Sambara
tinha raptado o bebê e mais tarde o tinha atirado ao mar, e assim por diante.
Dessa maneira, Narada revelou toda a história a Mayavati, que outrora tinha
sido Rati, a esposa de Cupido. Mayavati sabia que anteriormente tinha sido
esposa de Cupido; depois que seu esposo foi reduzido a cinzas pela cólera do
Senhor Siva, ela esteve sempre esperando que ele voltasse outra vez na forma
material. Esta mulher fora contratada para cozinhar arroz e dhal na cozinha;
quando conseguiu este belo bebê e percebeu que ele era Cupido, seu próprio
esposo,-ela naturalmente encarregou-se dele e passou abanhá-lo com grande
afeição. Miraculosamente, o bebe cresceu muito rápido, tornando-se dentro de
muito pouco tempo um jovem formosíssimo. Os olhos dele eram como as pé­
talas de flores de lótus, seus braços eram muito longos, descendo até os
joelhos, e qualquer mulher que por acaso o via sentia-se cativada pela beleza de
seu corpo.
Mayavati pôde compreender que Cupido, seu ex-marido, nascido agora
como Pradyumna, tornara-se um jovem muito atraente, e aos poucos ela
também ficou cativada e sentindo luxúria por ele. Ela sorria diante dele com
um encanto feminino, exprimindo seu desejo de unir-se sexualmente com ele.
Por isso, ele lhe perguntou: “Como é possível que primeiramente você era
afetuosa como uma mãe e agora está exprimindo os sintomas de uma mulher
luxuriosa? Qual é o motivo de tal mudança?” Ao ouvir esta declaração de
Pradyumna, Rati, a mulher, respondeu: “Meu caro senhor, você é o filho do
Senhor Krsna. Antes de você ter dez dias de idade, o demônio Sambara o rou­
bou e mais tarde 'o atirou à água e então você foi engolido por um peixe.
Pradyumna nasce de Krsna e Rukmirn 383

Dessa maneira, eu acabei tomando conta de você; mas na realidade, em sua vi­
da anterior como Cupido, eu fui sua esposa; por este motivo, não é absoluta­
mente incompatível que eu manifeste sintomas conjugais. Sambara queria ma­
tá-lo. Ele é dotado de diversos tipos de poderes místicos; portanto, por favor,
mate-o logo que possível com seu poder divino, antes que ele tente matá-lo
outra vez. Desde o dia em que Sambara o roubou, Rukminidevi, sua mãe, tem
estado num estado muito aflitivo, tal qual um cuco que perde seus bebes. Ela
sente muita afeição por você, e desde o dia que o levaram dela tem vivido
como uma vaca aflita pela perda de seu bezerro.”
MãyãvatI tinha conhecimento místico de poder sobrenatural. Os poderes
sobrenaturais são conhecidos geralmente como mãyã, mas há um outro poder
sobrenatural, chamado mahãmayã, que suplanta todos esses poderes sobrena­
turais. Como tinha o conhecimento do poder místico de mahãmayã, Mãyavatl
entregou a Pradyumna este poder energético específico, para que ele pudesse
destruir os poderes místicos do demônio Sambara. Logo depois que sua esposa
lhe concedeu estes poderes, Pradyumna apresentou-se diante de Sambara e o
desafiou a lutar. Pradyumna começou a tratá-lo com uma linguagem muito
violenta para que ele se irritasse e sentisse vontade de lutar. Com as palavras
de Pradyumna, o demônio Sambara sentiu-se insultado; ele sentiu a mesma
coisa que sente uma serpente depois que alguém lhe dá um pontapé. Uma ser­
pente não é capaz de tolerar quando um outro animal ou um homem dão-lhe
um pontapé, de modo que morde imediatamente o oponente.
Sambara sentiu as palavras de Pradyumna como se fossem um pontapé.
Ele imediatamente pegou sua maça com a mão e se apresentou perante
Pradyumna para lutar. Com grande ira, começou a espancar Pradyumna com a
maça, assim como um raio bate numa montanha. Além disso, o demônio gemia
e produzia um som semelhante ao som produzido por uma nuvem trovejante.
Protegendo-se com sua própria maça, Pradyumna atingiu por fim o demônio,
com muita violência. Dessa maneira, começara uma luta muito séria entre
Sambarãsura e Pradyumna.
Mas Sambarãsura conhecia a arte dos poderes místicos e era capaz de
subir aos céus e lutar do espaço exterior. Há um outro demônio chamado
Maya, com o qual Sambarãsura aprendeu muitos poderes místicos. Desse
modo ele subiu bem alto no céu e começou a atirar diversos tipos de armas
nucleares no corpo de Pradyumna. A fim.de combater os poderes místicos de
Sambarãsura, Pradyumna lembrou-se de outro poder místico, conhecido como
mahãvidyã, que era' diferente do poder místico negro. O poder místico
mahãvidyã baseia-se na qualidade da bondade. Ao perceber que seu inimigo era
formidável, Sambara valeu-se do auxílio de diversos tipos de poderes místicos
demoníacos pertencentes aos Guhyakas, aos Gandharvas, aos Pisãcas, às
serpentes e aos Rãksasas. Mas apesar do demônio exibir seus poderes místicos
384 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

e refugiar-se na força sobrenatural, Pradyumna conseguiu neutralizar-lhe a


força e os poderes com o poder superior de mahãvidyã. Quando Sambarãsura
já estava vencido em todos os aspectos,'então Pradyumna tomou de sua espada
afiada e cortou imediatamente a cabeça do demônio, que estava enfeitada com
um elmo e jóias valiosas. Depois que Pradyumna matou o demônio deste
modo, todos os semídeuses dos sistemas planetários superiores começaram a
lançar flores sobre ele.
MãyãvatI, a esposa de Pradyumna, podia viajar pelo espaço exterior, e
por isso eles chegaram diretamente a Dvãrakã, a capital do pai de Pradyumna,
por via aérea. Eles passaram por cima do palácio do Senhor Krsna e começa­
ram a descer como uma nuvem desce quando há um relâmpago. A parte inter­
na de um palácio é conhecida como antahpura (departamentos particulares).
Pradyumna e MãyãvatI puderam perceber que ali havia muitas mulheres,
entre as quais eles se sentaram. Quando viram Pradyumna, vestido com rou­
pas azuladas, com os braços muito longos, o cabelo encaracolado, os belos
olhos, um sorridente rosto avermelhado, com jóias e ornamentos, primeira­
mente as mulheres não conseguiram reconhecer que ele era Pradyumna, uma
personalidade diferente de Krsna. Todas elas se sentiram muitíssimo abençoa­
das com a presença repentina de Krsna, e quiseram esconder-se em diferentes
cantos do palácio.
Contudo, quando notaram que nem todas as características de Krsna esta­
vam presentes na personalidade de Pradyumna, por curiosidade as mulheres
voltaram novamente para vê-lo e à esposa dele, MãyãvatI. Todas elas conjetu-
ravam para saber quem era ele, pois ele era belíssimo. Rukminldevi encontra­
va-se entre as mulheres, e era igualmente bela com seus olhos de lótus. Assim
que viu Pradyumna ela se lembrou naturalmente de seu próprio filho, e por
afeição maternal o leite começou a correr de seus seios. Então ela começou a
se perguntar: “Quem é este belo jovem? Ele parece ser a mais bela das pessoas.
Quem é a jovem afortunada que conseguiu dar este belo rapaz à luz em seu
ventre e tornar-se mãe dele? E quem é essa jovem que o acompanha? Como é
que eles se encontraram? Quando me lembro de meu próprio filho, que foi
roubado ainda na maternidade, posso apenas supor que se ele ainda vive em-
alguma parte, a esta altura deve ter se tornado um rapaz como este.” Simples­
mente por intuição, Rukminí pôde compreender que Pradyumna era seu pró­
prio filho perdido. Pôde observar, também, que Pradyumna se assemelhava ao
Senhor Krsna em todos os aspectos. Ela ficou maravilhada ao ver que ele
adquirira todos os sintomas de Krsna. Por isso, começou a achar com mais
certeza que o rapaz devia ser seu próprio filho crescido porque sentia tanta
afeição por ele, e, como um sinal auspicioso, o braço esquerdo dela estava
tremendo.
Pradyumna nasce de Krsna e RukminI 385

Nesse mesmo momento, o Senhor Krsna, juntamente com Seu pai e Sua
mãe, Devakl e Vasudeva, entrou em cena. Krsna, a Suprema Personalidade de
Deus, pôde compreender tudo, porém Se manteve calado naquela situação. En­
tretanto, pelo desejo do Senhor Sri Kr§na, o grande sábio Nãrada também
entrou em cena e pôs-se a revelar todos os incidentes —como Pradyumna tinha
sido roubado da maternidade e como tinha crescido e chegado ali com sua es­
posa MãyãvatI, que anteriormente fora Rati, a esposa de Cupido. Quando
foram informados a respeito do desaparecimento misterioso de Pradyumna e
de como ele havia crescido, todos ficaram maravilhados porque tinham conse­
guido seu filho morto de volta depois que já quase não tinham esperança de
tê-lo novamente. Quando entenderam que era Pradyumna quem estava presen­
te, eles se puseram a recebê-lo com grande deleite. Um após o outro, todos os
membros da família - Devaki, Vasudeva, o Senhor Sri Krsna, o Senhor
Balarãma, RukminI e todas as mulheres da família - começaram a abraçar
tanto Pradyumna quanto sua esposa MãyãvatI. Quando se espalhou a noticia
da volta de Pradyumna por toda a cidade de Dvãrakã , todos os cidadãos,
admirados e com grande ansiedade, vieram ver o Pradyumna perdido. Eles co­
meçaram a dizer: “O filho morto regressou. O que poderia causar mais prazer
do que isso?”
Srlla Sukadeva Gosvãml explica que a princípio todas as residentes do pa­
lácio, as quais eram todas mães e mães adotivas de Pradyumna, confundiram-
no com Krsna e ficaram completamente envergonhadas, contagiadas pelo de­
sejo de ter amor conjugal. A explicação é que a aparência pessoal de
Pradyumna é exatamente igual à de Krsna, e que na verdade ele era o próprio
Cupido. Portanto, não era de admirar que as mães de Pradyumna e outras mu­
lheres o confundissem dessa maneira. Com essa declaração fica claro que as
características do corpo de Pradyumna eram tão similares às de Krsna que até a
mãe dele o confundiu com Krsna.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin-


qüenta e Quatro de Krsna, intitulado **.P radyumna Nasce de Krsna e
RukminT. ”
388 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

trante, simplesmente sorriu. Sentindo-Se satisfeito com os cidadãos de


Dvãrakã, Krsna informou-lhes que a pessoa por eles descrita como o deus do
sol era na realidade o rei Satrãjit, o qual viera visitar a cidade de Dvãrakã para
exibir sua opulência na forma da jóia preciosa obtida do deus do sol.
Contudo, Satrãjit não viera para ver Krsna; estava, antes, dominado pela
jóia Syamantaka. Ele instalou a jóia num templo para que fosse adorada por
brãhmanas que contratara com essa finalidade. Este é um exemplo de uma pes­
soa pouco inteligente que adora uma coisa material. No Bhagavad-gitã se decla­
ra que as pessoas pouco inteligentes adoram os semideuses que são criados
dentro deste universo, a fim de conseguirem os resultados imediatos de suas
atividades fruitivas. A palavra “materialista” se refere a uma pessoa neste
mundo material que está interessada em satisfazer seus sentidos. Embora mais
tarde Krsna tivesse pedido esta jóia Syamantaka, o rei Satrãjit não Lha entre­
gou, senão que instalou a jóia para seus fins de adoração. E quem não adoraria
essa jóia? Á jóia Syamantaka era tão poderosa que diariamente produzia uma
grande quantidade de ouro. Contamos uma quantidade de ouro com uma me­
dida chama bhãra. Segundo as fórmulas védicas, um bhãra equivale a oito
quilos de ouro; um mound equivale a quarenta e um quilos. A jóia produzia
cerca de oitenta e cinco quilos de ouro todos os dias. Além disso, na literatura
védica se aprende que em qualquer parte do mundo em que se adore esta jóia
não há possibilidade de fome; não somente isto, mas onde quer que esteja
presente a jóia, não há possibilidade de nenhuma coisa inauspiciosa, como,
por exemplo, pestes ou doenças.
O Senhor Krsna quis ensinar ao mundo que se deve oferecer o melhor
de todas as coisas ao governante do país. O rei Ugrasena era o suserano de
muitas dinastias e acontecia de ser o avô de Krsna, e Krsna pediu que Satrãjit
presenteasse a jóia Syamantaka ao rei Ugrasena. Krsna pleiteava que
se devia oferecer o melhor ao rei. Mas como era um adorador dos semideuses,
Satrãjit tornara-se demasiado materialista e, em vez de aceitar o pedido de
Krsna, julgou que seria mais sensato adorar a jóia para poder conseguir os oi­
tenta e cinco quilos de ouro todos os dias. As pessoas materialistas que podem
conseguir quantidades tão imensas de ouro todos os dias, não estão interessa­
das na consciência de Krsna. É por isso que às vezes, a fim de mostrar favor
especial, Krsna toma grandes acúmulos de riqueza materialista de uma pessoa
e deste modo faz dela um grande devoto. Satrãjit, porém, negou-se a obedecer
à ordem de Krsna e não entregou a jóia ao rei.
Após este incidente, o irmão mais novo de Satrãjit, com o fim de exibir a
opulência da família, pegou a jóia, colocou-a no pescoço e saiu a cavalo para a
floresta, dando uma exibição de sua opulência material. Enquanto o irmão de
Satrãjit, que era conhecido como Prasena, andava daqui para ali na floresta,
um grande leão o atacou, matando tanto ele quanto o cavalo no qual ele estava
A história da jóia Syamantaka 389

montado, e levou a jóia para sua caverna. Jãmbavãn, o rei gorila, recebeu a no­
ticia e então matou esse leão na caverna, roubando a jóia. Jãmbavãn tinha si­
do um grande devoto do Senhor desde a época do Senhor Rãmacandra, e por
isso não considerou que a jóia valiosa fosse algo muito necessário. Ele deu-a a
seu filhinho para que este brincasse com ela.
Enquanto isso, na cidade, Satrãjit ficou muito abalado, pois Prasena, seu
irmão mais novo, não voltava da floresta com a jóia. Ele não sabia que seu
irmão tinha sido morto por um leão e que o leão tinha sido morto por
Jãmbavãn. Em vez disso, estava pensando que, como Krsna queria a jóia e não
Lha haviam entregado, Krsna devia ter roubado a jóia de Prasena à força e de­
via tê-Lo matado. Esta idéia transformou-se num boato que Satrãjit estava es­
palhando em todas as partes de Dvãrakã.
O boato falso de que Krsna matara Prasena e roubara a jóia espalhara-se
por toda a parte, com a velocidade do relâmpago. Krsna não gostou de .ser
difamado dessa maneira, e por isso decidiu que iria até a floresta e encontraria
a jóia Syamantaka, levando conSigo alguns dos habitantes de Dvãrakã, Krsna
saiu em busca de Prasena, o irmão de Satrãjit, juntamente com homens impor­
tantes de Dvãrakã, e foi encontrá-lo morto, morto pelo leão. Ao mesmo
tempo, Krsna tafnoém encontrou o leão, que tinha sido morto por Jãmbavãn,
o qual é conhecido geralmente pelo nome Rksa, Descobriu-se que Rksa tinha
matado o leão com a mão, sem o auxílio de nenhuma arma. Depois, então,
Krsna e os cidadãos de Dvãrakã descobriram um grande túnel na floresta, o
qual, se dizia, era o caminho què levava à casa de Rksa, Krsna sabia que os
habitantes de Dvãrakã teriam medo de entrar no túnel; por isso, Ele lhes disse
que permanecessem fora, entrando Ele próprio sozinho no túnel escuro para
encontrar Rksa, Jãmbavãn. Após entrar no túnel, Krsna viu que a valiosíssima
jóia conhecida como Syamantaka tinha sido dada ao filho de Rksa para este
brincar; desse modo, Krsna foi até onde estava o menino e parou na frente dele
com o fim de tomar-lhe a jóia. Quando a babá que tomava conta do filho de
Rksa viu Krsna parado na frente dela, ficou com medo, pois pensou que Ele
podería roubar a valiosa jóia Syamantaka. Amedrontada, ela começou a gritar
alto.
Ao ouvir a babá gritando, Jãmbavãn entrou em cena muito encolerizado.
Na realidade, Jãmbavãn era um grande devoto do Senhor Krsna, mas como es­
tivesse encolerizado não pôde reconhecer .seu senhor; ele julgou que Krsna era
um homem comum. Isto nos faz recordar da declaração do Bhagavad-gltã em
que o Senhor aconselha Arjuna a livrar-se da ira, da cobiça e da luxúria para
poder elevar-se à plataforma espiritual, A luxúria, a ira e a cobiça correm para­
lelamente no coração e impedem nosso progresso no caminho espiritual.
Como não reconhecesse seu senhor, Jãmbavãn primeiramente 0 desafiou
a lutar. Então Krsna e Jãmbavãn travaram uma grande luta, na qual se bateram
390 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

como dois abutres adversos. Sempre que aparece um cadáver comível, os


abutres lutam com vontade pela presa. A princípio, Krsna e Jãmbavãn começa­
ram a lutar com armas, depois com pedras, então com grandes árvores, depois
mão a mão, até que por fim estavam batendo um no outro com seus punhos,
sendo que os socos pareciam pancadas de raios. Cada um deles esperava sair
vitorioso sobre o outro, mas a luta continuou por dias a fio, tanto de dia quan­
to de noite, sem parar. Dessa maneira, a luta continuou por vinte e oito dias.
Embora Jãmbavãn fosse a entidade viva mais forte daquela época, depois
que foi atingido constantemente pelos punhos de SYi Krsna, praticamente
todas as juntas dos membros de seu corpo enfraqueceram e.sua força reduziu-
se praticamente a nada. Sentindo-se muito cansado, suando por todo o corpo,
Jãmbavãn estava assombrado, Quem seria este oponente que o estava enfraque­
cendo? Jãmbavãn estava bem ciente de sua própria força corpórea sobre-hu­
mana, mas quando se sentiu cansado de tanto ser atingido por Krsna, pôde
compreender que Krsna não era ninguém maís além de seu Senhor adorável,
a Suprema Personalidade de Deus. Este incidente tem um significado especial
para os devotos. No princípio, Jãimbavãn não pôde compreender Krsna porque
sua visão encontrava-se obscurecida pelo apego material. Ele estava apegado a
seu filho e à valiosíssima jóia Syamantaka, a qual não queria ceder para Krsna.
Na verdade, quando Krsna apareceu ali ele ficou irado, pois pensou que Krsna
viera para roubar a jóia. Esta é a posição material; mesmo que uma pessoa
tenha um corpo muito forte, isto não pode ajudá-la a compreender Krsna.
Imbuído de uma atitude desportiva, Krsna quis tomar parte num simula­
cro de combate com Seu devoto. Como experimentamos nas páginas do
Srimad-Bhãgavatam, a Suprema Personalidade de Deus tem todas as propen-
sões e instintos de um ser humano. Às vezes, imbuído de um espírito despor­
tivo, Ele deseja lutar para dar um espetáculo de força corpórea, e quando
deseja fazer isto, escolhe um de Seus devotos adequados para dar-Lhe este
prazer. Krsna desejou o prazer de ter uma luta simulada com Jãmbavãn.
Embora fosse por natureza um devoto, Jãmbavãn estava ignorante de Krsna
enquanto Lhe prestava serviço com sua força corpórea. Mas logo.que Krsna
Se sentiu satisfeito com a luta, Jãmbavãn compreendeu imediatamente que
seu oponente não era ninguém além do próprio Senhor Supremo. A conclusão
é que eie conseguiu compreender Krsna por intermédio do serviço que prestou.
Ãs vezes, Krsna também Se satisfaz lutando.
Por isso, Jãmbavãn disse ao Senhor: “Meu querido Senhor, agora posso
compreender quem é Você. Você é a Suprema Personalidade de Deus, o
Senhor Visnu, a fonte da força, da riqueza, da reputação, da beleza, da sabe­
doria e da renúncia de todo mundo.” Esta declaração de Jãmbavãn é confir­
mada pelo Vedãnta-sutra, no qual se declara que o Senhor Supremo é a fonte
de todas as coisas. Jãmbavãn reconheceu que o Senhor Krsna é a Personalidade
A história da jóia Syamantaka 391

Suprema, o Senhor Visnu: “Meu querido Senhor, Você é o criador dos criado­
res das coisas universais.” Esta declaração é muito instrutiva para o homem co­
mum, que se espanta com as atividades de uma pessoa que tenha um cérebro
excepcional. O homem comum fica surpreso quando ve as invenções de um
grande cientista, mas a declaração de Jãmbavãn confirma que mesmo que o
cientista crie muitas coisas maravilhosas, Krsna é o criador dos cientistas. Ele é
o criador não apenas de um único cientista, mas de milhões e trilhões de cien­
tistas em todo o universo. Jãmbavãn disse ainda: “Você é o criador não só do
criador, mas também dos elementos materiais que os assim chamados criadores
manipulam.” Os cientistas utilizam os elementos físicos ou as leis da natureza •
material e fazem algo maravilhoso, mas na realidade tais leis e elementos tam­
bém constituem a criação de Krsna. Isto é que é compreensão cientifica verda­
deira. Os homens pouco inteligentes não tentam compreender quem criou o
cérebro do cientista; para eles o simples fato de verem a criação ou a invenção
maravilhosa do cientista já os satisfaz.
Jãmbavãn continuou: “Meu querido Senhor, o fator tempo que combina
todos os elementos físicos também é um representante Seu. Você é o fator
tempo supremo no qual toda a criação acontece, é mantida e finalmentc ani­
quilada. E não só os elementos físicos e o fator tempo são partes integrantes
Suas, mas as pessoas que manipulam os ingredientes c as vantagens da criação
também o são. Portanto, a entidade viva não é um criador independente. Se
estudamos todos os fatores na perspectiva correta, podemos ver que Você é o
controlador supremo e o Senhor de todas as coisas. Meu querido Senhor, posso
pór isso compreender que Você é a mesma Suprema Personalidade de Deus
que eu adorei como Senhor Rãmacandra. Meu Senhor Rãmacandra quis cons­
truir uma ponte sobre o oceano, c eu vi pcssoalmcntc que o oceano ficou agi­
tado pejo simples fato de meu Senhor ter lançado Seu olhar sobre ele. E
quando todo o oceano se agitou, as entidades vivas, tais como as baleias, os
aligatores èr\os peixes timihgila, todos eles ficaram perturbados.[Os peixes
timingila no oceano são capazes de engolir de um só trago grandes seres aquá­
ticos, tais como as baleias.] Dessa maneira, o oceano foi obrigado a abrir cami­
nho e permitir que Rãmacandra o atravessasse até a ilha conhecida como
Lahkã^fque agora é supostamente o Ccilãoj.Esta construção de uma ponte
'sobre* o oceano desde o CaboComorin até o Ceilão é bem conhecida ainda hoje
pop todas as pessoas. Após a construção da ponte, todo o reino de Rãvana foi
incendiado. Durante a luta com Rãvana, cada parte dos membros de Rãvana
foi retalhada e cortada em pedaços por Suas flechas afiadas, e a cabeça dele
caiu na superffcie da terra. Agora posso compreender que Você não é ninguém
mais além de meu Senhor Rãmacandra. Não há nenhuma outra pessoa que
tenha força tão incomensurávcl; nenhuma outra pessoa poderia me derrotar
dessa maneira.” - .
392 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

O Senhor Krsna ficou satisfeito com as orações e declarações de


Jãmbavãn e começou a passar a palma de lótus de Sua mão por todo o corpo
de Jãmbavãn, a fim de mitigar-lhe as dores do corpo. Jãmbavãn sentiu-se ime­
diatamente aliviado da fadiga da grande luta. Aí então o Senhor Krsna
chamou-o de rei Jãmbavãn, porque na realidade ele era o rei da floresta, e não
o leão; unicamente com a mão, sem nenhuma arma, Jãmbavãn matara o leão.
Krsna informou a Jãmbavãn que viera até ele para pedir-lhe a jóia Syamantaka,
porque desde a época em que tinham roubado a jóia Syamantaka, pessoas pou­
co inteligentes vinham difamando o nome d ’Ele. Krsna informou-lhe simples­
mente que viera ali para pedir-lhe a jóia a fim de livrar-se desta difamação.
Jãmbavãn compreendeu toda a situação, e, para satisfazer o Senhor, entregou
não somente a jóia Syamantaka de imediato, mas também trouxe sua filha
JãmbavatI, que estava em idade de se casar, e presenteou-a ao Senhor Krsna.
O episódio do casamento de JãmbavatI com Krsna e a entrega da jóia
conhecida como Syamantaka teve fim dentro da caverna da montanha. Embo­
ra a luta entre Krsna e Jãmbavãn tivesse continuado por vinte e oito dias, os
habitantes de Dvãrakã esperaram fora do túnel durante doze dias, e JjSepois
disso eles concluíram que devia ter acontecido algo indesejável. Eles não con­
seguiam compreender de certeza o que tinha realmente acontecido, c,: como
estivessem muito tristes e cansados, regressaram à cidade de Dvãrakã.
Todos os membros da família - a saber: Devakí, a mãe de Krsna,
Vasudeva, o pai d ’Ele, e RukminI, Sua esposa principal, juntamente com /todos
os outros amigos, parentes e residentes do palácio — ficaram muito tristes
quando os cidadãos regressaram ao lar sem Krsna. Como tinham uma afeição
natural por Krsna, eles começaram a xingar Satrãjit, pois este era a causa do
desaparecimento de Krsna. Eles saíram para adorar a deusa Candrabhãgã,
orando pelo regresso de Krsna, A deusa ficou satisfeita com as orações dos
cidadãos de Dvãrakã, de modo que lhes ofereceu sua bênção imediatamente.
Simultaneamente, Krsna entrou em cena, acompanhado por Suaxnova esposa,
JãmbavatI, ao que todos os habitantes de Dvãrakã e parentes de Krsna se
alegraram. Os habitantes de Dvãrakã ficaram tão alegres como uma pessoa que
recebe um parente querido de volta do reino dos mortos. Os habitantes de
Dvãrakã concluíram que Krsna tinha estado em grandes dificuldades par causa
da luta; por isso, eles quase perderam a esperança de que Krsna regressasse!”
Mas quando viram que Krsna tinha voltado de verdade, não sozinho, mas com
uma nova esposa, JãmbavatI, imediatamente eles executaram uma outra
cerimônia para celebrar.
Depois, então, o rei Ugrasena convocou um encontro de todos os reis e
chefes importantes. Ele também convidou Satrãjit, e diante de toda a assem­
bléia Krsna explicou o incidente em que recuperara a jóia de Jãmbavãn. Krsna
quis devolver a jóia valiosa ao rei Satrãjit. Contudo, Satrãjit ficou envergonha-
A história da jóia Syamantaka 393

do porque difamara Krsna desnecessariamente. Ele aceitou a jóia com a mão,


mas permaneceu calado com a cabeça baixa, e regressou a casa com a jóia, sem
ter falado nada na reunião dos reis e chefes. Depois ele pensou sobre como po-
deria libertar-se da ação abominável que executara ao difamar Krsna. Estava
consciente de que tinha ofendido Krsna gravemente e de que tinha que encon­
trar uma medida remediadora para que Krsna ficasse satisfeito com ele outra
vez.
O rei Satrãjit estava ansioso por livrar-se da ansiedade .que criara tolamen­
te, por ter se sentido atraído por uma coisa material, especificamente a jóia
Syamantaka. Satrãjit estava realmente aflito por causa da ofensa que cometera
contra Krsna, e queria sinceramente retificá-la. Atuando de dentro, Krsna deu-
lhe boa inteligência, de modo que Satrãjit decidiu dar a Krsna tanto a jóia
quanto Satyabhãmã, sua bela filha. Como não havia alternativa para mitigar a
situação, ele arranjou a cerimônia do casamento de Krsna com sua bela filha.
Deu tanto a jóia quanto sua filha em caridade à Suprema Personalidade de
Deus. Satyabhãmã era tão bela e qualificada que, apesar de muitos príncipes
terem pedido a mão de Satyabhãmã a Satrãjit, este estava esperando para en­
contrar um genro adequado. Pela graça de Krsna ele decidiu dar a mão de sua
filha a Ele (Krsna).
O Senhor Krsna ficou satisfeito com Satrãjit e lhe disse que Ele não neces­
sitava da jóia Syamantaka em absoluto. “É melhor deixa-ia ficar no templo
como você a tem conservado”, disse Ele, “de modo que todos nós obteremos
benefício da jóia. Por causa da presença da jóia na cidade de Dvãrakã, não vai
haver mais fome nem perturbações criadas pela peste ou pelo calor e frio ex­
cessivos.”
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin-
qüenta e Cinco de Krsna, intitulado “A História da Jóia Syamantaka. ”
56/ A morte de Satrajit e Satadhanva

Depois que Akrüra visitou Hastinipura e relatou a Krsna o estado dos


Pãndavas, outras coisas aconteceram. Os Pãndavas foram transferidos para uma
casa feita de goma-laca, que mais tarde foi posta em chamas; por isso, todos
julgaram que os Pãndavas, juntamente com KuntI, a mãe deles, tinham sido
mortos. 0 Senhor Krsna e Balarãma também foram informados a respeito
disso. Após consultarem-Se entre Si, Eles decidiram ir até Hastinãpura para dar
pêsames a Seus parentes. Por certo que Krsna e Balarãma sabiam que os
Pãndavas não podiam ter sido mortos no incêndio devastador, mas apesar de
saberem disto quiseram ir até Hastinãpura para tomarem parte na perda. Che­
gando a Hastinãpura, em primeiro lugar Krsna e Balarãma foram ter com
BhTsmadeva, porque este era o chefe da dinastia Kuru. Depois, então, Eles visi­
taram Vidura, Gãndhãr! e Drona. Havia outros membros da dinastia Kuru que
não estavam pesarosos, porque queriam que os Pãndavas e a mãe deles fossem
mortos. Porém, alguns membros da família, encabeçados por BhTsma, ficaram
realmente muito tristes por causa do incidente, e Krsna e Balarãma exprimiram
pesar igual, sem revelarem a situação verdadeira.
Quando Krsna e Balarãma estiveram fora da cidade de Dvãrakã, fizeram
uma conspiração para roubar a jóia Syamantaka de Satrajit. O conspirador
principal foi Satadhanva. Juntamente com outras pessoas, Satadhanva queria
casar-se com Satyabhãma, a bela filha de Satrajit. Satrajit prometera que daria
sua bela filha em caridade a diversos candidatos, porém mais tarde mudou sua
decisão, dando Satyabhãmã a Krsna, juntamente com a jóia Syamantaka.
Satrajit não tinha desejo de presentear a jóia juntamente com a filha, e por isso
Krsna, que conhecia a mentalidade de Satrajit, aceitou-lhe a filha mas devolveu
a jóia. Depois que Krsna lhe deu a jóia de volta, Satrajit ficou satisfeito e con­
A morte de Satrãjit e Satadhanvã 395

servou-a sempre consigo. Mas quando Krsna e Balar ama estiveram ausentes,
muitos homens tramaram uma conspiração — incluindo até Akrüra e
Krtavarmã (os quais eram devotos do Senhor Krsna) —a fim de tomarem a jóia
de Satrãjit. Akrüra e Krtavarmã aderiram à conspiração porque queriam que a
jóia ficasse com Krsna. Eles sabiam que Krsna queria a jóia e que Satrãjit não a
tinha entregue devidamente. Outras pessoas aderiram à conspiração porque es­
tavam desgostosas por não terem conseguido a mão de Satyabhãmã. Alguns
deles incitaram Satadhanvã a matar Satrãjit e roubar a jóia.
Geralmente se pergunta: por que um devoto grandioso como Akrüra
aderiu a esta conspiração? E por que Krtavarmã, que era um devoto do
Senhor, também aderiu à conspiração? Grandes autoridades como Jlva
Gosvãmi e outros respondem que embora Akrüra fosse um grande devoto, os
habitantes de Vrndãvana o haviam amaldiçoado por ele ter tirado Krsna do
meio deles. Como ferira os sentimentos dos habitantes de Vrndãvana, Akrüra
foi obrigado a aderir à conspiração declarada por homens pecaminosos. Simi­
larmente, Krtavarmã era um devoto que, por causa de sua associação intima
com Karhsa, também estava contaminado pela reação pecaminosa, e também
aderiu à conspiração.
Inspirado por todos os membros da conspiração, Satadhanvã entrou uma
noite na casa de Satrãjit e matou-o enquanto este dormia. Satadhanvã era um
pecador de caráter abominável, e embora não fosse viver por muitos dias de­
vido a suas atividades pecaminosas, ele decidiu matar Satrãjit enquanto este
dormia em casa. Quando entrou na casa para matar Satrãjit, todas as mulheres
que ali se encontravam começaram a gritar bem alto; porém, apesar de Seus
grandes protestos, Satadhanvã assassinou Satrãjit sem misericórdia e sem hesi­
tar, exatamente como um carniceiro mata um animal no matadouro. Como
Krsna estivesse ausente de casa, Sua esposa Satyabhãmã, que também estava
presente na noite em que Satrãjit foi assassinado, começou a gritar: “Meu que­
rido pai! Meu querido pai! Com que crueldade você foi morto!” Não remove­
ram o cadáver de Satrãjit imediatamente para ser cremado, porque Satyabhãmã
quis ter com Krsna em Hastinãpura. Por isso, preservaram o corpo num depó­
sito de óleo, de modo que Krsna pudesse regressar para ver o cadáver de
Satrãjit e tomar uma providência concreta contra Satadhanvã. Satyabhãmã
partiu imediatamente para Hastinãpura a fim de informar Krsna a respeito da
terrível morte de seu pai.
Quando Satyabhãmã informou Krsna a respeito do assassínio de Seu so­
gro, Ele pôs-Se a lamentar como um homem comum. O grande pesar d*Ele é,
por outro lado, uma coisa estranha. O Senhor Krsna não tem nada a ver com
ação e reação, mas como estava representando o papel de um ser humano, ex­
primiu Sua total compaixão pela aflição de Satyabhãmã; quando ouviu falar na
morte de Seu sogro, Seus olhos encheram-se de lágrimas. Ele pôs-Se a lamentar
396 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

deste modo: “Oh ! Que incidentes infelizes ocorreraml” Dessa maneira, tanto
Krsna quanto Balarãma, juntamente com Satyabhãmã, a esposa de Krsna, re­
gressaram a Dvãrakã imediatamente e começaram a fazer planos para matar
Satadhanvã e tomar a jóia. Apesar de ser um grande proscrito na cidade,
Satadhanvã ainda estava com muito medo do poder de Krsna, e deste modo fi­
cou com mais medo quando Krsna chegou.
Ao saber que Krsna planejava matá-lo, ele imediatamente buscou a prote­
ção de Krtavãrma, Mas quando se aproximou de Krtavãrma, este disse: “Jamais
serei capaz de ofender o Senhor Krsna e Balarãma porque Eles não são pessoas
comuns. Eles são a Suprema Personalidade de Deus. Quem é que, tendo ofen­
dido Balarãma e Krsna, pode ser salvo da morte? Ninguém pode se livrar da ira
dTEles.” Krtavarmã disse ainda que Kamsa não conseguiu se livrar da ira de
Krsna, apesar de ser poderoso e de muitos demônios o auxiliarem, e isto para
não falar de Jarãsandha, que Krsna tinha derrotado dezoito vezes e que todas
as vezes teve que regressar da luta decepcionado.
Quando Krtavarmã negou-se a ajudar Satadhanvã, este dirigiu-se a
Akrüfa e implorou-lhe sua ajuda. Akrüra também respondeu: “Tanto Balarãma
quanto Krsna são em pessoa a Suprema Personalidade de Deus; qualquer pes­
soa que conheça a força ilimitada que Eles tem jamais ousaria ofende-Los ou
lutar com Eles.” Ele disse ainda a Satadhanvã: “Krsna e Balarãma são tão po­
derosos que estão criando toda a manifestação cósmica, mantendo-a e dissol­
vendo-a simplesmente porque desejam. Infelizmente, as pessoas que estão
confusas com a energia ilusória não são capazes de compreender a força de
Krsna, embora toda a manifestação cósmica esteja completamente sob o
controle d ’EIe.” Para dar um exemplo, ele citou que Krsna, já com a idade
de sete anos, levantara a Colina de Govardhana e Se mantivera sustentando a
montanha por sete dias, exatamente como uma criança que leva um pequeno
guarda-sol. Em poucas palavras, Akrüra disse a Satadhanvã que ofereceria
sempre suas mais respeitosas reverências a Krsna, a Superalma de tudo que
ê criado e a causa original de todas as causas, Quando Akrüra também se
negou a dar-lhe proteção, S~atadhanvã decidiu entregar nas mãos de Akrüra
a jóia Syamantaka. Depois então, montado num cavalo que era capaz de
correr'a uma grande velocidade e que num galope podia fazer seiscentos e qua­
renta quilômetros, ele fugiu da cidade.
Quando foram informados da fuga de Satadhanvã, Krsna e Balarãma
montaram em Sua quadriga, cuja bandeira estava marcada com 0 quadro de
Garuda, e seguiram imediatamente. Krsna estava particularmente irado com
Satadhanvã e queria matá-lo, pois este havia matado Satrajit, uma personalida­
de superior. Satrãjit era o sogro de Krsna, e nos sãstras se prescreve que qual­
quer pessoa que se rebele contra uma pessoa superior, ou gurudruha , deve
ser castigada na proporção da intensidade da ofensa. Como Satadhanvã tinha
A morte de Satrajit e Satadhanvã 397

matado o sogro de Krsna, Este estava determinado a matá-lo de qualquer ma­


neira.
O cavalo de Satadhanvã ficou exausto e morreu próximo a uma casa ajar­
dinada em Mithilã. Como não conseguisse a ajuda do cavalo, Satadhanvã pôs-se
a correr velozmente. Para serem leais com Satadhanvã, Krsna e Balarãma tam­
bém deixaram Sua quadriga e começaram a perseguir Satadhanvã a pé.
Enquanto Satadhanvã e Krsna corriam a pé, Krsna tomou de Seu disco e cor­
tou a cabeça de Satadhanvã. Depois que Satadhanvã foi morto, Krsna procu­
rou pela jóia Syamantaka na roupa dele, porém não conseguiu encontrá-la.
Então Ele Se voltou para Balarãma e disse: “Matamos esta pessoa inutilmente
porque não pude encontrar a jóia no corpo dele.” SrT Balarãma sugeriu:
“Talvez a jóia tenha sido mantida na custódia de outra pessoa em Dvãrakã, de
modo que é melhor Você regressar e procurá-la.” Sn Balarãma exprimiu o de­
sejo de permanecer na cidade de Mithilã por alguns dias porque Ele tinha uma
amizade intima com o rei. Assim, Krsna regressou a Dvãraka, enquanto que
Balarãma entrou na cidade de Mithilã.
Quando viu que Sri Balarãma chegara em sua cidade, o rei de Mithilã
ficou muito satisfeito e recebeu o Senhor com grande honra e hospitalidade.
Ele deu muitos presentes valiosos a Balaramajl, procurando agradá-Lo. Dessa
vez, SrT Balarãma viveu na cidade por diversos anos como o honrado hóspede
o rei de Mithilã, Janaka Mahãrãja. Durante este tempo, Duryodhana, o filho
ais velho de Dhrtarãstra, aproveitou a oportunidade para vir até Balarãma e
aprender com Ele a arte de lutar com uma maça.
Após matar Satadhanvã, Krsna regressou a Dvãrakã, e, para agradar Sua
esposa, Satyabhãmã, informou-a da morte de Satadhanvã, o assassino do pai
dela. Porém, também disse a ela que não havia encontrado a jóia na posse dele.
Em seguida, de acordo com os princípios religiosos, Krsna, juntamente com
Satyabhãmã, executaram cerimônias de todas as espécies em honra da morte
de Seu sogro. Todos os amigos e parentes da família reuniram-se nessa cerimô­
nia.
Akrüra e Krtavarmã, que foram membros preeminentcs na conspiração
feita para matar Satrãjit, haviam incitado Satadhanvã a matar Satrajit. Porém,
quando ouviram falar que Satadhanvã morrera nas mãos de Krsna, e quando
ouviram também que Krsna regressara a Dvãrakã, ambos deixaram Dvãrakã
imediatamente. Os cidadãos de Dvãrakã sentiram-se ameaçados pela pestilência
e os distúrbios naturais porque Akrüra se ausentara da cidade. Esta era uma
espécie de superstição porque não poderia haver pestilência, fome nem distúr­
bios naturais enquanto o Senhor Krsna estivesse presente. Mas quando Akrüra
se ausentava de Dvãraka aconteciam alguns distúrbios. Certa vez, na província
de Kãsl, dentro da barricada de VarãnasT, houve uma seca severa e praticamen­
te não caiu chuva. Nessa época, o rei de Kãsi arranjou o casamento de sua
filha, conhecida como GãndinT', com Svaphalka, o pai de Akrüra. O rei de Kãsl
398 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

fez isto seguindo o conselho de um astrólogo, e de fato aconteceu que após o


casamento da filha do rei com Svaphalka, caíram chuvas suficientes na pro­
víncia. Por causa deste poder sobrenatural que Svaphalka tinha, seu filho
Akrüra também era considerado igualmente poderoso; as pessoas tinham a im­
pressão de que onde quer que Akrüra ou seu pai permanecessem, não haveria
distúrbios naturais, fome nem seca. Um reino que não é atacado pela fome,
a pestilência, ou o calor e o frio excessivos, e cuja população é feliz mental,
espiritual e corporalmente —esse reino é considerado feliz. Logo que acontece
algum distúrbio numa cidade, as pessoas consideram que o motivo de tal dis­
túrbio é a ausência de uma personalidade auspiciosa na cidade. Deste modo,
correu um boato de que estavam acontecendo coisas inauspiciosas por causa
da ausência de Akrüra. Após a partida de Akrüra, alguns dos membros idosos
da cidade começaram a perceber que também havia sinais inauspiciosos por
causa da ausência da jóia Syamantaka. Ao ouvir estes boatos que as pessoas
estavam espalhando, o Senhor Sri Krsna decidiu mandar chamar Akrüra do
reino de Kãsl. Akrüra era tio de Krsna; por isso, quando ele voltou a Dvãrakã,
em primeiro lugar o Senhor Krsna deu-lhe as boas-vindas como convém dar a
uma pessoa superior. Krsna é a Superalma que se encontra no coração de
todo mundo; Ele sabe de tudo que está acoptecendo no coração de todo mun­
do. Ele sabia de tudo que acontecera em relação à conspiração de Akrüra com
Satadhanvã. Por isso, Ele começou a falar sorrindo, com Akrüra.
Chamando-o de o principal entre os homens magnificentes, Krsna disse;
“Meu querido tio,. Eu já sei que Satadhanvã deixou a jóia Syamantaka com
você. No momento, não há nenhum reclamante direto da jóia Syamantaka,
pois o rei Satrãjit não tem filho homem. Sua filha Satyabhãmã não está muito
ansiosa acerca desta jóia; porém, o filho que ela espera, após executar os prin­
cípios regulativos da herança, seria, como neto de Satrãjit, o reclamante legal
da jóia.” Com esta declaração o Senhor Krsna indicou que Satyabhãmã já
estava grávida e que o filho dela seria o verdadeiro reclamante da jóia e certa­
mente tomaria a jóia dele.
Krsna continuou: “Esta jóia é tão poderosa que nenhum homem comum
consegue mantê-la. Sei que você é muito piedoso nas atividades que executa,
de modo que não há objeções para que a jóia seja conservada com você. Só há
uma dificuldade: Srl Balarlma, Meu irmão mais velho, não crê em Minha ver­
são de que a jóia está com você. Por isso, ó generoso, peço-lhe que Me mostre a
jóia perante Meus outros parentes para que eles se apaziguem. Você não pode
negar que a jóia esteja com você porque podemos entender a partir de diversos
tipos de boatos que você aumentou sua opulência e está executando sacrifícios
num altar feito de ouro maciço.” As propriedades da jóia eram conhecidas:
onde quer que permanecia, produzia quase nove mounds de ouro puro diaria­
mente para a pessoa que a conservava. Akrüra estava obtendo esta proporção
A morte de Satrajit e Satadhanva 399

de ouro e o estava distribuindo abundantemente em execuções sacrificiais. O


Senhor Krsna citou os gastos suntuosos em ouro feitos por Akrüra como
prova positiva de que ele possuía a jóia Syamantaka.
Quando o Senhor Krsna convenceu Akrüra a respeito do fato concreto
com termos amigáveis e linguagem doce, e Akrüra compreendeu que não era
possível esconder nada do conhecimento de Sr! Krsna, Akrüra trouxe a jóia va­
liosa, brilhante como o sol e coberta por um pano, e apresentou-a a Krsna. O
Senhor Krsna pegou a jóia Syamantaka em Sua mão e mostrou-a a todos os
Seus parentes e amigos presentes ali; depois, devolveu a jóia novamente a
Akrüra na presença deles para que eles soubessem que a jóia estava realmente
sendo conservada por Akrüra na cidade de Dvãrakã.
Esta história da jóia Syamantaka é muito significativa. No Srimad-
Bhãgavatam se diz que qualquer pessoa que ouvir a história da jóia Syamantaka
ou descrevê-la ou simplesmente lembrar-se dela, livrar-se-á de todas as espécies
de difamações e das reações de todas as atividades impiedosas, e deste modo
alcançará a mais elevada condição perfeccional de paz.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin-


qüenta e Seis de Krsna, intitulado “A Morte de Satrajit e Satadhanva. ”
57/ Krsna casa-se com cinco rainhas
• • •

Corria um grande boato de que, conforme planejara Dhrtarãstra, os cinco


irmãos Pãndavas, juntamente com sua mãe KuntI, tinham morrido num aci­
dente de incêndio na casa de goma-Laca na quai estavam vivendo. Mas depois
foram encontrar os cinco irmãos na cerimônia de casamento de Draupadl;de
modo que novamente se espalhou outro boato de que os Pãndavas e a mãe
deles não estavam mortos. Era um boato, mas esta era a verdade: eles regres­
saram a Hastinãpura, sua capital, e as pessoas viram-nos face a face. Quando
—transmitiram esta notícia a Krsna e Balarãma, Krsna quis vê-los pessoalmen-
te, e por esse motivo Krsna decidiu ir até Hastinãpura.
Dessa vez, Krsna visitou Hastinãpura com grande pompa, como um
príncipe real, acompanhado por Yuyudhãna, Seu comandante supremo, e
muitos outros soldados. Na realidade, apesar de não O terem convidado para
visitar a cidade, Krsna foi ver os Pãndavas devido à afeição que tinha por Seus
grandes devotos. Ele visitou os Pãndavas sem avisar, e logo que O viram, todos
os Pãndavas se levantaram de seus respectivos assentos. Krsna e chamado de
Mukunda porque assim que uma pessoa entra em contato constante com
Krsna, ou O vê com total consciência de Krsna, ela se livra imediatamente de
todas as ansiedades materiais. Não somente isto, mas é abençoada imediata­
mente com bem-aventurança espiritual completa.
Ao receberem Krsna, os Pãndavas ficaram animadíssimos, como se tive-
sem despertado da Inconsciência ou da perda de vida. Os sentidos e as diferen­
tes partes do corpo de uma pessoa que se encontra inconsciente, não são
ativos; mas quando ela recupera sua consciência, os sentidos tornam-se ativos
imediatamente. Similarmente, os Pãndavas receberam Krsna como se tivessem
acabado de recuperar sua consciência, ficando, por is$ò, animadíssimos, O
Krsna casa-Se com cinco rainhas 401

Senhor Krsna abraçou cada um dos Pãndavas que, ao serem tocados pela Su­
prema Personalidade de Deus, livraram-se imediatamente de todas as reações
de contaminação material, e por esse motivo sorriam em bem-aventurança es­
piritual. Como haviam visto o rosto do Senhor Krsna, todos estavam transcen­
dentalmente satisfeitos. Embora seja a Suprema Personalidade de Deus, o Se­
nhor Krsna estava representando o papel de um ser humano comum, e deste
modo tocou imediatamente nos pés de Yudhisthira e Bhlma porque estes eram
Seus dois primos mais velhos. Arjuna abraçou Krsna como um amigo da
mesma idade, ao passo que os dois irmãos mais novos, a saber: Nakula e
Sahadeva, tocaram nos pés de lótus de Krsna para mostrar-Lhe respeito. Após
uma troca de cumprimentos de acordo com a etiqueta social conveniente à
posição dos Pãndavas e à do Senhor Krsna, ofereceram um assento exaltado a
Krsna. Quando Se encontrava confortavelmente sentado, a recém-casada
DraupadT, jovem e muito bela com sua natural graça feminina, apareceu
diante do Senhor Krsna para oferecer-Lhe seus cumprimentos respeitosos.Os
Ysdavas que acompanharam Krsna até Hastinãpura também foram recebidos
com muito respeito; também a Sãtyaki, ou Yuyudhãna, especificamente,
ofereceram um assento confortável. Dessa maneira, quando todas as outras
pessoas estavam devidamente sentadas, os cinco irmãos sentaram-se no seu
lugar, próximos ao Senhor Krsna.
Após encontrar-Se com os cinco irmãos, o Senhor Krsna foi pessoalmen­
te visitar SrTmatf KuntTdevi, a mãe dos Pãndavas, que era além disso a tia pa­
terna de Krsna. Ao oferecer Seus respeitos a Sua tia, Krsna também tocou nos
pés dela. Os olhos de KuntTdevi se encheram de lágrimas, e ela abraçou o
Senhor Krsna com muito sentimento e amor. Depois, eia Lhe perguntou como
estavam os membros de sua família paterna —seu irmão Vasudeva, a esposa dc
Vasudeva e os demais membros da família. Similarmente, Krsna também per­
guntou a Sua tia como iam indo as famílias Pãndava. Embora KuntTdevi esti­
vesse relacionada com Krsna por laços familiares, ela soube logo depois que O
encontrou que Ele é a Suprema Personalidade de Deus. Ela se lembrou das
calamidades passadas de sua vida e de como, pela graça de Krsna, os Pãndavas
e a mãe deles tinham sido salvos. Ela sabia perfeitamente bem que sem a graça
de Krsna ninguém poderia tê-los salvo do acidente do incêndio, planejado por
Dhrtarâstra e seus filhos. Com voz sufocada, ela começou a narrar para Krsna
a história passada da vida deles.
SrTmatT KuntT disse: “i\íeu querido Krsna, lembro-me do dia em que
Você mandou meu irmão Akrüra colher informações sobre nós. Isto quer dizer
que automaticamente Você sempre Se lembra de nós. Quando Você mandou
Akrüra até nós, pude compreender que não havia possibilidade de estarmos em
perigo. Toda a boa fortuna de nossa vida começou quando Você mandou
Akrüra até nós. Desde então, tenho estado convencida de que não estamos des-
402 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

protegidos. Pode ser que os Kurus, os membros de nossa família, coloquem-


nos em diversos tipos de condições perigosas, mas estou certa de que Você Se
lembra de nós e de que sempre nos mantém sãos e salvos. Os devotos que pen­
sam simplesmente em Você estão sempre imunes a todas as espécies de perigos
materiais, e isto para não falar de nós, dos quais Você Se lembra pessoalmente.
Por isso, meu querido Krsna, a má sorte está fora de questão; estamos sempre
numa posição auspiciosa por causa de Sua graça. Mas porque Você nos conce­
deu um favor especial, as pessoas não devem pensar equivocadamente que
Você é parcial com uns e negligente com outros. Você não faz tal distinção.
Ninguém é favorito Seu, nem ninguém é inimigo Seu. Como Você é a Suprema
Personalidade de Deus, Você é igual com todos, e todos podem se aproveitar
de Sua proteção especial. O fato é que, apesar de ser igual com todo mundo,
Você sente uma inclinação especial pelos devotos que sempre pensam em
Você. Os devotos se relacionam com Você pelos laços do amor. Como tal, não
conseguem se esquecer de Você nem sequer por um momento. Você está pre­
sente no coração de todo mundo, mas como os devotos lembram-se sempre de
Vocc, Você também corresponde conformemente. Embora a mãe tenha
afeição por todos os filhos, eia dá atenção especial àquele que dependa total­
mente dela. Sei por certo, meu querido Krsna, que uma vez que Você está
situado no coração de todo mundo, Você sempre cria situações auspiciosas
para Seus devotos imaculados.”
Depois, o rei Yudhisthira também louvou Krsna como a Personalidade
Suprema e o amigo universal de todo mundo; mas como Krsna estivesse dando
atenção especial aos Pãndavas, o rei Yudhisthira disse: “Meu querido Krsna,
não sabemos que espécies de atividades piedosas executamos em nossas vidas
passadas que O fizeram tão amável e gracioso conosco. Sabemos muito bem
que os grandes místicos que estão sempre ocupados, meditando para capturá-
Lo, não acham fácil obter tal graça, nem conseguem atrair nenhuma atenção
especial de Você. Não posso compreender por que Você é tão amável conosco.
Não somos yogis, mas somos, isso sim, apegados a contaminações materiais.
Somos chefes de família e tratamos dc política, assuntos mundanos. Não sei
por que Você é tão amável conosco.”
A pedido do rei Yudhisthira, Krsna concordou em ficar em Hastínãpura
durante os quatro meses do período da estação das chuvas. Os quatro meses da
estação das chuvas chamam-se Cãturmãsya. Durante esse período, os pregado­
res e brãhmanas, geralmente itinerantes, param num lugar determinado e vivem
sob princípios regulativos rígidos. Embora o Senhor Krsna esteja acima de
todos os princípios regulativos, Ele concordou em ficar em Hastinãpura devido
à afeição que sentia pelos Pãndavas. Aproveitando-se desta oportunidade em
que Krsna residiu em Hastínãpura, todos os cidadãos da cidade obtiveram o
privilégio de ve-Lo de vez em quando, e deste modo fundiram-se em bem-aven-
Krsna casa-Se com cinco rainhas 403

turança transcendental pelo simples fato de verem o Senhor Krsna diretamen­


te.
Um dia, na época em que Krsna esteve passando algum tempo na casa dos
Pãndavas, Ele e Arjuna prepararam-se para ir à floresta caçar. Ambos sentaram-
se na quadriga, cuja bandeira tremulava com um quadro de Hanumãn. A qua­
driga especial de Arjuna vem sempre marcada com um quadro de Hanumãn, e
é por isso que Arjuna também é chamado de Kapidhvaja. (Kapi significa
Hanumãn, e dhvaja significa “bandeira”.) Assim, Arjuna foi para a floresta
com seu arco e suas flechas infalíveis. Ele se vestiu com roupas de proteção
adequadas, pois teria que praticar a matança de muitos inimigos. Entrou espe­
cificamente na parte da floresta onde havia muitos tigres, veados e vários ou­
tros animais. Krsna não foi com Arjuna para praticar a matança de animais
porque Ele não tem que praticar nada; Ele é auto-suficiente. Ele acompanhou
Arjuna para ver como este estava praticando, pois no futuro Arjuna teria que
matar muitos inimigos. Após entrar na floresta, Arjuna matou muitos tigres,
javalis, bisões, gavayas (um tipo de animal selvagem), rinocerontes, veados,
lebres, porcos-espinhos e outros animais similares, os quais perfurou com suas
flechas. Alguns dos animais mortos, que eram próprios para serem oferecidos
nos sacrifícios, foram levados pelos servos e enviados ao rei Yudhisthira. Ou­
tros animais ferozes, tais como os tigres e os rinocerontes, foram mortos uni­
camente para que os distúrbios na floresta terminassem. Uma vez que muitos
sábios e pessoas santas residem nas florestas, é dever dos reis ksatriyas manter
até a floresta numa condição pacífica para se viver.
Arjuna sentia-se cansado e sedento de tanto caçar, e por isso dirigiu-se à
margem do Yamunã juntamente com Krsna. Quando ambos os Krsnas, a
saber: Krsna e Arjuna (às vezes Arjuna é chamado de Krsna, e Draupadi tam­
bém), chegaram à margem do Yamunã, eles lavaram suas mãos, pés e boca e
beberam a água clara do Yamunã. Enquanto descansavam e bebiam água,
viram uma bela mocinha, em idade de se casar, caminhando sozinha à margem
do Yamunã. Krsna pediu a Seu amigo Arjuna que avançasse e perguntasse à
mocinha quem era ela. Por ordem de Krsna, Arjuna aproximou-se imediata­
mente da mocinha, que era muito bonita. Ela tinha um corpo atraente, den­
tes bons e brilhantes c um rosto sorridente. Arjuna indagou: “Minha cara meni­
na, você é tão bela com os seus seios rijos —permita-me perguntar-lhe quem é
você? Estamos surpresos dê vc-la caminhando sozinha por aqui. Com que finali­
dade veio vocc aqui? Podemos apenas supor que vocc anda em busca de um
esposo conveniente. Se você não se importa, pode revelar sua intenção que
tentarei satisfazê-la.”
A bela mocinha era o rio,Yamunã personificado. Ela respondeu: “Senhor,
eu sou a filha do deus do sol, sendo que agora estou executando penitências e
austeridades para poder ter o Senhor Visnu como meu esposo. Acho que Ele é
404 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

a Pessoa Suprema e justamente conveniente para tornar-se meu esposo. Revelo


meu desejo deste modo porque você quis conhecê-lo."
A mocinha continuou: “Meu caro senhor, sei que você é o herói Arjuna;
de modo que posso ainda dizer que não aceitarei ninguém além do Senhor
Visnu como meu esposo, porque Ele é o único protetor de todas as entidades
vivas e Aquele que concede a liberação a todas as almas condicionadas. Ficar-
lhe-ei grata se você orar ao Senhor Visnu para que Ele Se satisfaçà comigo." A
moça Yamunã sabia bem que Arjuna era um grande devoto do Senhor Krsna e
que se ele orasse, Krsna não negaria de modo algum o pedido dele. As vezes
pode ser inútil aproximar-se de Krsna diretamente, mas uma pessoa que se
aproxima de Krsna através do devoto d ’Ele, por certo sai bem sucedida. Ela
disse ainda a Arjuna: “Meu nome é KãlindI, e eu vivo dentro da água do
Yamunã. Meu pai teve a bondade de construir uma casa especial para mim
dentro das águas do Yamunã e eu fiz um voto de que permanecería na água
enquanto não conseguisse encontrar o Senhor Krsna." A mensagem da moça
KalindT foi devidamente transmitida a Krsna por Arjuna, se bem que Krsna,
como a Superalma no coração de todo mundo, soubesse de tudo. Sem mais
discussão, Krsna aceitou KãlindI imediatamente e pediu que eia se sentasse na
quadriga. Depois, todos eles se aproximaram do rei Yudhisthira.
Depois disso, o rei Yudhisthira pediu que Krsna ajudasse a construir uma
casa apropriada que seria planejada pelo grande arquiteto Visvakarmã, o enge­
nheiro celestial que vive no reino celestial. Krsna mandou chamar Visvakarmã
imediatamente, e fez com que este construísse uma cidade maravilhosa confor­
me o desejo do rei Yudhisthira. Depois que essa cidade foi construída, Mahãrã-
ja Yudhisthira pediu que Krsna vivesse com eles alguns dias mais para lhes dar
o prazer de Sua associação. O Senhor Krsna aceitou o pedido de Mahãrãja
Yudhisthira e permãneceu ali por muitos dias mais.
Entrementes, Krsna Se dedicava ao passatempo em que sacrificava a
floresta Khãndava, a qual pertencia ao rei Indra. Krsna quis dá-la a Agni, o
deus do fogo. A floresta Khãndava continha muitas variedades de medicamen­
tos, os quais Agni precisava comer para rejuvenescer. Contudo, Agni não tocou
diretamente na floresta de Khãndava, senão que pediu a Krsna para ajudá-lo.
Agni sabia que Krsna estava muito satisfeito com ele, pois anteriormente
Agni havia Lhe dado o disco Sudarsana. Assim, a fim de satisfazer Agni, Krsna
tornou-Se o quadrigário de Arjuna e foi com este até a floresta de Khãndava.
Após comer a floresta de Khãndava, Agni ficou muito satisfeito. Dessa vez, ele
ofertou a Krsna um arco específico conhecido como GãndTva, quatro cavalos
brancos, uma quadriga e uma aljava invencível com duas setas específicas que
eram consideradas talismãs, as quais tinham tanto poder que nenhum guerreiro
era capaz de neutralizá-las. Quando Agni, o deus do fogo, estava devorando a
floresta Khãndava, Arjuna salvou um demônio chamado Maya do incêndio
Krsna casa-Se com cinco rainhas 405

devastador. Por esse motivo, este antigo demônio tornou-se um grande amigo
de Arjuna. A fim de satisfazer Arjuna, Maya construiu uma bela casa de
reuniões dentro da cidade construída por Visvakarmã. Alguns cantos desta ca­
sa de reuniões eram tão intrincados, que quando Duryodhana veio visitar a
casa ele ficou mal orientado, aceitando água como terra e terra como água.
Deste modo, Duryodhana sentiu-se insultado com a opulência dos Pãndavas,
tornando-se dai um inimigo determinado deles.
Após alguns dias, Krsna pediu permissão ao rei Yudhisthira para regres­
sar a Dvãrakã. Quando recebeu a permissão, Krsna foi para Seu pais acompa­
nhado de Sãtyaki, o lider dos Yadus que estava vivendo com Ele em Hastinã-
pura. KãlíndT também regressou a Dvãrakã com Krsna. Após voltar, Krsna con­
sultou muitos astrólogos eruditos para descobrir o momento adequado em que
devia casar-Se com KãlindI, e depois então casou-Se com ela com grande pom­
pa. Essa cerimônia de casamento deu muito prazer aos parentes de ambos os
cônjuges, que desfrutaram todos a grandiosa ocasião.
Os reis de AvantTpura, conhecida agora como Ujjain, chamavam-se Vinda
e Anuvinda. Ambos os reis estavam sob o controle de Duryodhana. Eles
tinham uma filha única chamada Mitravindã, uma moça muito qualificada,
erudita e elegante, que era filha de uma das tias de Krsna. Ela iria escolher seu
esposo na assembléia dos príncipes, mas desejava fortemente ter Krsna como
seu esposo. Porém, durante a reunião em que Mitravindã escolhería seu esposo,
Krsna estava presente e levou-a à força na presença de todos os outros prínci­
pes reais. Como fossem incapazes de resistir a Krsna, os príncipes ficaram sim­
plesmente olhando uns para os outros.
Após este incidente, Krsna casou-Se com a filha do rei deKosala. O rei da
província Kosala chamava-se Nagnajit. Ele era muito piedoso e um seguidor
das cerimônias ritualísticas védicas. Sua filha mais bela chamava-se Satyã. Ãs
vezes, Satyã era chamada de Nãgnajití, pois era a filha do rei Nagnajit. O rei
Nagnajit queria dar a mão de sua filha a qualquer príncipe que fosse capaz de
derrotar sete touros muito fortes e vigorosos, mantidos por ele. Como ninguém
na ordem principesca conseguisse derrotar os sete touros, ninguém podia ter
pretensão sobre a mão de Satyã. Os sete touros eram fortíssimos, e não
podiam sequer suportar o cheiro de algum príncipe. Muitos príncipes aproxi­
mavam-se desse reino e tentavam subjugar esses touros, porém, em vez de do­
miná-los, eles próprios eram derrotados. Esta notícia se espalhou por todo o
país; quando Krsna ouviu que só era possível conseguir a moça Satyã derrotan­
do os sete touros, Ele Se preparou para ir até o reino de Kosala. Acompanhado
por muitos soldados, Ele Se aproximou dessa parte do país, conhecida como
Ayodhyã, fazendo uma visita de Estado regular.
Quando o rei de Kosala ficou sabendo que Krsna viera pedir a mão de sua
filha, ele ficou muito satisfeito. Com grande respeito e pompa, ele recebeu
406 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Krsna no reino. Quando Krsna aproximou-Se dele, ele ofereceu um lugar apro­
priado para Krsna sentar-Se e artigos para recepção. Tudo parecia muito ele­
gante. Krsna também ofereceu Suas respeitosas reverências ao rei, consideran­
do que este seria Seu futuro sogro.
Quando Satyã, a filha do rei Nagnajit, ficou sabendo que o próprio Krsna
viera para casar-Se com ela, ela ficou satisfeitíssima de que o esposo da deusa
da fortuna tivesse tão bondosamente vindo ali para aceitar-lhe a mão. Por
muito tempo esteve acalentando a idéia de casar-se com Krsna e esteve seguin­
do os princípios de austeridade a fim de obter o esposo que desejava. Aí então
ela começou a pensar: “Se tenho executado quaisquer atividades piedosas da
melhor maneira possível e se desde o princípio tenho pensado sinceramente
em ter Krsna como meu esposo, então pode ser que Krsna Se digne satisfazer
meu desejo há muito acalentado.” Ela começou a oferecer orações a Krsna
mentalmente, pensando: “Não sei como é que a Suprema Personalidade de
Deus pode estar satisfeito comigo. Ele é o amo e o Senhor de todo mundo. Até
a deusa da fortuna, a qual se encontra próxima da Suprema Personalidade de
Deus, o Senhor Siva, o Senhor Brahmã e muitos outros semideuses de diferen­
tes planetas, sempre oferecem suas respeitosas reverências ao Senhor. O Senhor
às vezes também desce a esta Terra em diferentes encarnações para satisfazer o
desejo de Seus devotos. Ele é tão exaltado e grandioso que não sei como
satisfazê-Lo.” Ela achava que a Suprema Personalidade de Deus só podia Se
sentir satisfeito por Sua própria misericórdia sem causa para com o devoto; de
outro modo, não havia outra maneira de satisfazê-Lo. Da mesma maneira, o
Senhor Caitanya orou em Seus versos Siksãstaka: “Meu Senhor, sou Seu servo
eterno. De uma forma ou de outra caí nesta existência material. Por favor, se
Você me apanhar e me colocar como um átomo de poeira a Seus pés de lótus,
Você estará prestando um grande favor a Seu servo eterno.” Só é possível
satisfazer o Senhor com uma atitude humilde, cultivada com o espírito de
serviço. Quanto mais prestamos serviço ao Senhor sob a direção do mestre
espiritual, mais avançamos no caminho de aproximação do Senhor. Não
podemos exigir nenhuma graça nem misericórdia do Senhor por causa do
serviço que Lhe prestamos. Ele pode aceitar ou não aceitar nosso serviço, mas
só podemos satisfazer o Senhor através da atitude de serviço, nada mais.
Como já fosse um rei piedoso e como Krsna Se encontrasse agora no palá­
cio dele, o rei Nagnajit pôs-se a adorá-Lo tanto quanto sabia e podia. Ele se
apresentou ao Senhor deste modo: “Meu querido Senhor, Você é o proprietá­
rio de toda a manifestação cósmica; Você é Nãrãyana, o descanso de todas as
criaturas vivas. Se Você é auto-suficiente e está satisfeito com Suas opulências
pessoais, como posso eu Lhe oferecer algo? E como podería eu satisfazê-Lo,
oferecendo alguma coisa? Não é possível, porque eu sou um ser vivo insignifi­
cante. Na realidade, não tenho competência para Lhe prestar nenhum serviço.
Krsna casa-Se com cinco rainhas 407

Krsna é a Superalma de todas as criaturas vivas, c por isso pôde compre­


ender o que Satyã, a filha do rei Nagnajit, estava sentindo. Picou, também,
muito satisfeito com a respeitosa adoração do rei, que lhe oferecera um lugar
para sentar, comestíveis, residências etc. Por isso, era com apreço que Ele
observava que tanto a moça quanto o pai da moça estavam ansiosos por tê-Lo
como parente íntimo. Ele começou a sorrir e, com uma voz solene, disse:
“Meu querido rei Nagnajit, você sabe muito bem que qualquer pessoa que, na
ordem principesca, seja regular em sua posição jamais pedirá nada a pessoa al­
guma, por mais exaltada que seja tal pessoa. Os eruditos seguidores védicos
proíbem deliberadamente que um rei ksatriya faça tais pedidos a outra pessoa.
Se um ksatriya transgride esta regulação, os intelectuais eruditos condenam-lhe
esta ação. Mas apesar deste princípio regulativo rígido, peço-lhe a mão de sua
bela filha para estabelecer nossa relação em troca da ótima recepção que você
Me ofereceu. Também lhe dou o prazer de informar que em nossa tradição fa­
miliar não há oportunidade para que ofereçamos algo em troca da aceitação dc
sua filha. Não podemos pagar nenhum preço que você imponha para entregá-
la a nós.” Em outras palavras, Krsna queria que o rei desse a mão de Satyã sem
ter de cumprir a condição de derrotar os sete touros.
Após ouvir a declaração do Senhor Krsna, o rei Nagnajit disse: “Meu que­
rido Senhor, Você é o reservatório de todo o prazer, de todas as opulências e
todas as qualidades, LaksmTjr, a deusa da fortuna, vive sempre a Seu peito.
Desta forma, que esposo poderia ser melhor para minha filha? Tanto eu
quanto minha filha sempre oramos por esta oportunidade. Você é o chefe da
dinastia Yadu. Fique sabendo, por favor, que desde o começo fiz uma promes­
sa de que casaria minha filha com um candidato adequado, que pudesse sair
vitorioso no teste que planejei. Estabeleci este teste só para conhecer a habili­
dade e posição de meu futuro genro. Vócê é o Senhor Krsna, e é o principal de
todos os heróis. Estou certo de que Você será capaz de controlar estes sete
touros sem nenhuma dificuldade. Até agora nenhum príncipe foi capaz de
subjugá-los; todos que têm tentado controlá-los têm simplesmente partido os
ossos.”
O rei Nagnajit continuou, pedindo: “Krsna, por favor, se Você refrear os
sete touros e controlá-los, então não resta dúvida de que Você será escolhido
como o esposo que Satyã, minha filha, deseja.” Após ouvir esta declaração,
Krsna pôde compreender que o rei não queria quebrar sua promessa. Assim,
para satisfazer o desejo do rei, Ele apertou o cinto e Se preparou para lutar
com os touros. Ele dividiu-Se imediatamente em sete Krsnas, cada um dos
quais agarrou imediatamente um touro e refreou-lhes os focinhos, contro­
lando-os deste modo como se eles fossem um brinquedo.
É muito significativo que Krsna tenha Se dividido em sete. Satyã, a filha
do rei Nagnajit, sabia que Krsna já Se casara com muitas outras esposas, mas
408 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

ainda assim estava apegada a Krsna. Com o fim de animá-la, Ele Se expandiu
imediatamente em sete. Isto significa que Krsna é um só, mas que Ele tem ili­
mitadas formas de expansões. Ele Se casou com muitas centenas de milhares
de esposas, mas isto não quer dizer que enquanto Ele estava com uma esposa,
as outras ficassem desprovidas da associação d*Ele. Krsna podia Se associar
com cada esposa por intermédio de Suas expansões.
Quando Krsna controlou os touros, refreando-lhes o focinho, a força e o
orgulho deles foram esmagados de uma só vez. Foi assim que foram subjugados
o nome e a fama que os touros tinham logrado. Quando Krsna refreou os tou­
ros, Ele os puxou vigorosamente, assim como uma criança puxa um touro de
brinquedo, feito de madeira. Ao ver esta vantagem de Krsna, o rei Nagnajit
ficou admiradíssimo e imediatamente, com grande prazer, trouxe sua filha
Satyã perante Krsna e deu-a a Ele. Krsna também aceitou Satyã imediatamen­
te como Sua-esposa. Depois, então, houve uma cerimônia de casamento com
grande pompa. As rainhas do rei Nagnajit também ficaram muito satisfeitas
porque sua filha Satyã conseguira Krsna como esposo. Uma vez que o rei e as
rainhas ficaram muito satisfeitos nesta ocasião auspiciosa, por toda a cidade
celebraram em honra do casamento. Em toda a parte se ouviam os sons do
búzio e do timbale e de várias outras vibrações de músicas e canções. Os
brãhmanas eruditos começaram a encher o par reeém-casado de bênçãos.
Cheios de alegria, todos os habitantes da cidade vestiram-se com roupas e
ornamentos coloridos. O rei Nagnajit ficou tão satisfeito que começou a dar o
seguinte dote à filha e ao genro.
Em primeiro lugar, ele lhes deu dez mil vacas e três mil jovens criadas
bem vestidas, cheias de ornamentos até o pescoço. Este sistema de dote ainda é
corrente na índia, especialmente entre os príncipes ksatriya. Além disso,
quando um príncipe ksatriya se casa, são dadas pelo menos doze criadas de
idade similar juntamente com a noiva. Após dar as vacas e criadas, o rei tam­
bém enriqueceu o dote dando nove mil elefantes e cem vezes mais quadrigas
que elefantes. Isto significa que ele deu novecentas mil quadrigas. E além disso
deu cem vezes mais cavalos do que quadrigas, ou seja, noventa milhões de ea-
yvalos, e cem vezes mais escravos do que cavalos. Os príncipes reais mantinham
tais escravos e criadas com todas as provisões, como se eles fossem seus pró­
prios filhos ou membros familiares. Após dar este dote descrito anteriormente,
o rei da província Kosala fez sua filha e seu eminente genro sentarem-se numa
quadriga. Ele permitiu que os dois fossem para seu lar, defendidos por uma
divisão de soldados bem equipados. Quando os dois estavam viajando rapida­
mente para o seu novo lar, o coração do rei encheu-se de afeição por eles.
Antes desse casamento de Satyã com Krsna, tinha havido muitas competi­
ções com os touros do rei Nagnajit, sendo que muitos outros príncipes da
dinastia Yadu, e de outras dinastias também, tinham tentado conquistar a mão
Krsna casa-Se com cinco rainhas 409

de Satyã. Quando os príncipes frustrados das outras dinastias ouviram falar


que Krsna saíra exitoso em obter a mão de Satyã, subjugando os touros, eles
ficaram naturalmente com inveja. Enquanto Krsna viajava para Dvãrakã, todos
os príncipés frustrados e derrotados cercaram-nO e começaram a atirar suas
flechas no grupo nupcial. Quando atacaram o grupo de Krsna e atiraram
flechas como torrentes incessantes de chuva, Arjuna, o melhor amigo de Krsna,
encarregou-se do desafio, e sozinho os afastou com muita facilidade, para
agradar seu grande amigo Krsna na ocasião do casamento d*Este. Ele tomou
imediatamente de seu arco, chamado GãndTva, e afugentou todos os príncipes;
exatamente como um leão afugenta todos os outros animais pequenos sim­
plesmente por persegui-los, Arjuna afugentou todos os príncipes sem matar
nem sequer um deles. Após isto, o chefe da dinastia Yadu, o Senhor Krsna,
juntamente com Sua esposa recém-casada e um imenso dote, entrou na cidade
de Dvãrakã com grande pompa. Krsna então viveu ali com Sua esposa, pacifi­
camente.
Krsna tinha uma outra tia, irmã de Seu pai, que se chamava Srutaklrti,
era casada e vivia na província de Kekaya. Ela tinha uma filha chamada
Bhadrã. Bhadra também queria casar-se com Krsna, ao passo que o irmão dela
deu a mão dela a Krsna incondicionalmente. Krsna também a aceitou como
Sua esposa autentica. Depois disso, Krsna casou-Se com uma filha do rei da
província Madras, cujo nome era Laksmanã. Laksmanã tinha todas as boas
qualidades. Krsna também Se casou com eia à força, pois agarrou-a da mesma
forma que Garuda agarrou o jarro de néctar das mãos dos demônios. Durante a
reunião do svayamvara desta moça, Krsna raptou-a na presença de muitos
outros príncipes. Svayamvara é uma cerimônia na qual a noiva pode escolher
seu próprio esposo numa assembléia de muitos príncipes.
A descrição do casamento de Krsna com as cinco moças, mencionadas
neste capítulo não é suficiente. Ele teve muitas outras milhares de esposas
além destas. Krsna aceitou as outras milhares de esposas após matar um demô­
nio chamado Bhaumãsura. Bhaumãsura mantinha todas estas milhares de
moças em seu palácio, e Krsna as libertou, casando-Se com elas.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin­
quenta e Sete de Krsna, intitulado “Krsna Casa-Se com Cinco Rainhas. **
5 8 / 0 salvamento do demônio Bhaumasura

No SrTmad-Bhãgavatam Sukadeva Gosvãfnl descreve completamente ao


rei Parlksit a história de Bhaumasiixa —de como ele raptou e manteve dezes­
seis mil princesas cativas, pegando-as dos palácios de diversos reis, e de como
foi morto por Krsna, o Senhor Supremo de caráter maravilhoso. De um modo
geral, os demônios estão sempre contra os semideuses, Este demônio,
Bhaumasura, que tinha se tornado muito poderoso, tomou à força o guarda-
sol do trono do semideus Varuna. Também tomou os brincos de Aditi, a mãe
dos semideuses. Conquistou uma parte do monte celestial Meru e ocupou a
parte que era conhecida como Maniparvata. Por isso, Indra, o rei dos plane­
tas celestiais, veio até Dvãrakã para reclamar de Bhaumasura com o Senhor
Krsna.
Ao ouvir esta reclamação de Indra, o rei do céu,- o Senhor Krsna, acom­
panhado por Sua esposa Satyabhãmã, partiu imediatamente para a morada-de
Bhaumãsura. Ambos montaram nas costas de Garuda, que os levou voando
para Prãgjyotisapura, a cidade capital de Bhaumãsura. Não foi muito fácil
entrar em Prãgjyotisapura, porque era uma cidade muito bem fortificada.
Em primeiro lugar, havia quatro fortes formidáveis protegendo os quatro
cantos da cidade, que em todos os lados era bem protegida por uma força
militar espantosa. A fronteira seguinte era um canal d ’água que cercava to­
da a cidade, e além disso toda a cidade estava rodeada por fios elétricos.
A fortificação seguinte era de anila, uma substância gasosa. Depois disso,
havia uma rede de arame farpado construída por um demônio chamado
Mura. Parecia que a cidade estava bem protegida mesmo em termos dos
avanços científicos de hoje em dia.
O salvamento do demônio Bliaumasura 411

Quando chegou, Krsna fez todos os fortes em pedaços com os golpes de


Sua maça, e a força militar espalhou-se aqui e ali por causa da investida cons­
tante das flechas de Krsna. Com Sua famosa Sudars'ana-cakra, neutralizou a
fronteira eletrificada; anulou e esvaziou os canais d ’água e a fronteira gasosa,
c cortou a rede eletrificada fabricada pelo demônio Mura. Com a vibração de
Seu búzio, despedaçou não só os corações de grandes lutadores, mas também
as máquinas de luta que havia ali. Similarmente, quebrou os muros em volta
da cidade com Sua maça invencível.
A vibração do búzio de Krsna soava como o raio no momento da disso­
lução de toda a situação cósmica. 0 demônio Mura despertou de seu sono ao
ouvir a vibração, e saiu pessoalmente para ver o que acontecera. Tinha cinco
cabeças e há muito que vinha vivendo dentro da água. O demônio Mura era
brilhante como o sol no momento da dissolução da manifestação cósmica, e
seu temperamento era como o fogo ardente. A refulgência de seu corpo era
tão ofuscante que era difícil vê-lo com olhos abertos. Ao sair, em primeiro
lugar ele sacou de seu tridente e precipitou-se contra a Suprema Personalida­
de de Deus. O demônio Mura fizera sua investida assim como uma grande ser­
pente ataca Garuda. Tomado de grande ira, parecia que ele estava disposto a
devorar os três mundos. Em primeiro lugar, atacou Garuda, o transportador
de Krsna, rodopiando seu tridente, c começou a vibrar sons com suas cinco
caras, que soavam como o rugido de um leão. O rugido produzido pela vi­
bração de suas bocas espalhou-se por toda a atmosfera, até que se estendeu
não apenas em todo o mundo, como também no espaço exterior, para cima
e para baixo e pelas dez direções. Dessa maneira, o som troava por todo o
universo.
O Senhor Krsna viu que o tridente do demônio Mura estava se precipi­
tando aos poucos em direção a Garuda, Seu transportador. Imediatamente,
com um truque de Sua mão, Ele pegou duas flechas e atirou-as contra o
tridente, cortando-o em pedaços. Simultaneamente, utilizando-Se de muitas
flechas, perfurou as bocas do demônio Mura. Quando se viu vencido em
estratégia pela Suprema Personalidade de Deus, o demônio Mura, com grande
ira, começou imediatamente a dar-Lhe pancadas com sua maça. Porém, o
Senhor Krsna, com Sua própria maça, rompeu a maça de Mura em pedaços
antes que esta pudesse alcançá-Lo. Desprovido de sua arma, o demônio decidiu
atacar Krsna com seus fortes braços, mas Krsna separou imediatamente as
cinco cabeças do demônio do corpo deste com a ajuda de Sua Sudarsana-cakra.
Aí então o demônio caiu na água, assim como o pico de uma montanha cai no
oceano depois de ser golpeado pelo raio de Indra.
Este demônio Mura tinha sete filhos, chamados Tãmra, Antariksa,
Sravana, Vibhã-vasu, Vasu, Nabhasvãn e Ar una. Todos eles se incharam dc
orgulho e vingança por causa da morte de seu pai, e, com o fim de retaliar,
412 Krsna, a Supiema Personalidade de Deus

prepararam-se com muita ira para lutar com Krsna. Equiparam-se com as armas
necessárias e puseram Pltha, um outro demônio, para atuar como comandante
na batalha. Por ordem de Bhaumãsura, todos eles atacaram -Krsna juntos.
Quando apareceram na frente do Senhor Krsna, começaram a enchê-Lo
de muitos tipos de armas, como, por exemplo, espadas, maças, lanças, flechas e
tridentes. Contudo, eles não sabiam que a força da Suprema Personalidade de
Deus é ilimitada e invencível. Com Suas flechas, Krsna cortou todas as armas
dos homens de Bhaumãsura em pedaços, como se fossem grãos. Aí então
Krsna atirou Suas armas, e Pltha, o comandante supremo de Bhaumãsura, jun­
tamente com seus assistentes, caíram, seu vestuário militar foi cortado e suas
cabeças, pernas, braços e coxas, cortadas. Todos eles foram enviados para
Yamaraja, o superintendente da morte.
Bhaumãsura também era conhecido como Narakãsura, pois acontecia de
ser o filho da terra personificada. Quando viu que todos os seus soldados, co­
mandantes e lutadores foram mortos no campo de batalha pelos golpes das
armas da Personalidade de Deus, ele ficou excessivamente irado com o Senhor.
Então ele saiu da cidade com um grande número de elefantes que haviam nas­
cido e tinham sido criados no litoral. Eles estavam todos muito embriagados.
Quando saíram, viram que o Senhor Krsna e Sua esposa encontravam-se bela­
mente situados no espaço exterior, tal qual uma nuvem escura sobre o sol,
cintilando com a luz da eletricidade. O demônio Bhaumãsura atirou imediata­
mente uma arma chamada SataghnT, com a qual poderia matar centenas de
guerreiros de um só golpe, e simultaneamente todos os assistentes dele também
atiraram suas armas respectivas na Suprema Personalidade de Deus. O Senhor
Krsna começou a neutralizar todas essas armas atirando Suas flechas de pena.
O resultado desta luta foi que todos os soldados e comandantes de Bhaumãsu­
ra caíram por terra, com os braços, as pernas e as cabeças separadas dos tron­
cos, sendo que todos os cavalos e elefantes deles também caíram com eles.
Dessa maneira, iodas as armas atiradas por Bhaumãsura foram cortadas em
pedaços pela reação das flechas do Senhor.
O Senhor lutava nas costas de Garuda, que também ajudava o Senhor
dando golpes nos cavalos e nos elefantes com suas asas e arranhando-lhes as ca­
beças com suas unhas e bico afiados. Os elefantes, que estavam sentindo muita
dor com o ataque de Garuda contra eles, estavam todos se dispersando do cam­
po de batalha. Bhaumãsura ficou sozinho no campo de batalha e passou a lutar
com Krsna. Percebeu que Garuda, o transportador de Krsna, estava causando
grande distúrbio para seus soldados e elefantes, e, muito irado, golpeou Garuda
com toda a sua força, a qual desafiava a força do raio. Felizmente, Garuda não
era uma ave comum; ele sentiu as pancadas dadas por Bhaumãsura da mesma
forma que um grande elefante sente o impacto de uma guirlanda de flores.
0 salvamento do demônio Bhaumasura 413

Deste modo, Bhaumasura percebeu que nenhum de seus truques teria


efeito sobre Krsna, e ficou ciente de que todas as suas tentativas de matar
Krsna seriam frustradas. Contudo, tentou pela última vez, tomando de um tri­
dente em sua mão para golpeá-Lo. Krsna era tão habilidoso que, antes de
Bhaumasura poder tocar em seu tridente, a afiada Sudarsana-cakra cortou-lhe a
cabeça. Sua cabeça, iluminada por brincos e elmos, caiu no campo de batalha.
Na ocasião em que o Senhor Krsna matava Bhaumasura, todos os parentes do
demônio começaram a gritar desiludidos, enquanto que as pessoas santas co­
meçaram a glorificar as atividades cavalheirescas do Senhor. Os habitantes dos
planetas celestiais aproveitaram esta oportunidade para lançar flores sobre o
Senhor.
Nesse momento, a terra personificada apareceu perante o Senhor Krsna e
saudou-o com uma guirlanda de jóias vaijayantí. Ela também devolveu os brin­
cos ofuscantes de Aditi, adornados com jóias e ouro, e o guarda-sol de Varuna,
juntamente com outra jóia valiosa, a qual deu de presente a Krsna. Depois
disso, a terra personificada começou a oferecer suas orações a Krsna, a Perso­
nalidade Suprema e o senhor do mundo, que é sempre adorado por muitos
semideuses exaltados. Ela prostrou-se em reverências e, em grande êxtase
devocional, começou a falar.
“Deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências ao Senhor, que Se en­
contra sempre presente com quatro tipos de símbolos, a saber:Seu búzio, Seu
disco, Seu lótus e Sua maça, e que é o Senhor de todos os semideuses. Por fa­
vor, aceite minhas respeitosas reverências a Você. Meu querido Senhor, Você é
a Superalma, e, para satisfazer a aspiração de Seus devotos, desce à Terra em
Suas diversas encarnações transcendentais, que são justamente apropriadas
para os desejos veneráveis dos devotos. Por favor, aceite minhas respeitosas
reverências.
“Meu querido Senhor, a flor de lótus nasce de Seu umbigo, e Você está
sempre enfeitado com uma guirlanda de flores de lótus. Seus olhos são sempre
abertos como as pétalas da flor de lótus, e por isso são completamente agradá­
veis aos olhos de outras pessoas. Seus pés de lótus são tão macios e delicados
que são sempre adorados por Seus devotos imaculados, e pacificam-lhes os
corações de lótus. É por isso que Lhe ofereço minhas respeitosas reverências
repetidamente.
“Você possui todas as espécies de religiões, fama, propriedade, conheci­
mento e renúncia. Você é o abrigo de todas as cinco opulências. Embora seja
todopenetrante, não obstante Você aparece como o filho de Vasudeva. Por
isso, por favor, aceite minhas respeitosas reverências. Você é a Suprema Perso­
nalidade de Deus original e a causa suprema de todas as causas. Só Sua Onipo­
tência é o reservatório de todo o conhecimento. Deixe-me oferecer-Lhe minhas
respeitosas reverências. -Pessoalmente, Você é nao-nascido; mesmo assim, Você
414 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

e o pai de toda a manifestação cósmica. Você é o reservatório e o abrigo de to­


dos os tipos de energias. É Você quem causa o aparecimento manifesto deste
mundo, e Você é tanto a causa quanto o efeito desta manifestação cósmica.
Por isso, por favor, aceite minhas respeitosas reverências.
“Meu querido Senhor, quanto aos três deuses- Brahmã, Visnu c Siva -
eles também não são independentes de Você. Quando surge a necessidade de se
criar esta manifestação cósmica, Você cria Sua aparição apaixonada na forma
de Brahmã; e quando Você quer manter esta manifestação cósmica, Você Se
expande como o Senhor Visnu, o reservatório de toda a bondade. Similarmen­
te, Você aparece como o Senhor Siva, o senhor dos modos da ignorância, que
dessa maneira dissolve toda a criação. Você sempre mantém Sua posição trans­
cendental, apesar de criar estes três modos da natureza material. Você jamais
Se embaraça com estes modos da natureza material, como acontece com as
entidades vivas comuns.
“Na realidade, meu Senhor, Você é a natureza material, o pai do universo
e o tempo eterno que provoca a combinação da natureza com o criador mate­
rial. Entretanto, Você é sempre transcendental a todas estas atividades mate­
riais. Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, sei que a terra,
a água, o fogo, o ar, o céu, os cinco objetos dos sentidos, a mente, e os senti­
dos e suas deidades, o egotismo, como também a energia material total —tudo
que é animado e inanimado neste mundo fenomenal apoia-se em Você. Uma
vez que tudo é produzido de Você, nada pode estar separado de Você. Contu­
do, já que Você está situado transcendentalmente, também não há nada mate­
rial que possa ser identificado com Sua personalidade. Portanto, tudo é simul­
taneamente igual a Você e diferente de Você, e os filósofos que tentam separar
tudo de Você estão por certo enganados no ponto de vista deles.
“Meu querido Senhor, devo informá-Lo que este menino, cujo nome é
Bhagadatta, é o filho de Bhaumãsura, meu filho. Ele tem estado muito afetado
por causa da situação horrível criada com a morte do pai dele, e ficou muito
confuso, temeroso da situação atual. Por isso, eu o trouxe para que se renda a
Seus pés de lótus. Peço que Sua Onipotência de proteção a esse menino e o
abençoe com Seus pés de lótus. Eu o trouxe até Você para que ele se liberte
das reações a todas as atividades pecaminosas do pai.”
Quando ouviu as orações da mãe Terra, o Senhor Krsna a assegurou ime­
diatamente de imunidade contra todas as situações temerosas. Ele disse a
Bhagadatta: “Não tenha medo.” Depois, então, entrou no palácio de
Bhaumãsura, que estava equipado com opulências de todas as espécies. No pa­
lácio de Bhaumãsura, o Senhor Krsna viu dezesseis mil e cem jovens princesas,
as quais tinham sido raptadas e eram mantidas cativas ali. Quando as princesas
viram Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, entrar no palácio, elas se sen­
tiram imediatamente cativadas pela beleza do Senhor e oraram por Sua mise­
0 salvamento do demônio Bhaumasura 415

ricórdia sem causa. Mentalmente, elas decidiram aceitar o Senhor Krsna como
esposo delas, sem nenhuma hesitação. Cada uma delas pôs-se a orar à provi­
dência para que Krsna Se tornasse esposo*delas. Com sinceridade e seriedade,
elas ofereceram seus corações aos pés de lótus de Krsna, com uma atitude de-
vocionál imaculada. Na qualidade de Superalma no coração de todo mundo,
Krsna pôde compreender o desejo não contaminado delas, e concordou em
aceitá-las como Suas esposas. Deste modo, Ele providenciou roupas e ornamen­
tos adequados para elas, e cada uma delas, sentada num palanquim, foi enviada
para a cidade de Dvãrakã. Além disso, Krsna arrecadou riqueza ilimitada do pa­
lácio, juntamente com quadrigas, cavalos, jóias e tesouros. Ele levou cinqüenta
elefantes brancos do palácio, cada um dos quais com quatro dentes, e todos
eles foram enviados para Dvãrakã.
Após este incidente, o Senhor Krsna e Satyabhãmã entraram em Amarã-
vatl, a cidade capitai do planeta celestial, e daí entraram imediatamente no pa­
lácio do rei Indra e Sua esposa, Sacldevl, os quais deram-lhes as boas-vindas.
Nessa ocasião Krsna deu os brincos de Aditi de presente a Indra.
Quando Krsna e Satyabhãmã regressavam da cidade capital de Indra,
Satyabhãmã lembrou-se da promessa que Krsna fizera de que lhe daria a planta
da flor pãrijãta. Aproveitando a oportunidade de ter vindo ao reino celestial,
ela colheu uma planta pãrijãta e conservou-a nas costas de Garuda. Certa vez
Nãrada colheu uma flor pãrijãta e deu-a de presente a SrT RukmimdevT, a
esposa mais antiga de Krsna. Por causa disto, Satyabhãmã desenvolveu um
complexo de inferioridade: ela também queria uma flor de Krsna, Krsna pôde
compreender a natureza competitiva feminina de Suas co-esposas, e sorriu. Ele
perguntou imediatamente a Satyabhãmã: “Por que você está pedindo apenas
uma flor? Eu gostaria de lhe dar uma árvore inteira de flores pãrijãta, ”
Na realidade, Krsna havia levado Seu esposa Satyabhãmã conSigo de pro­
pósito para que ela pudesse colher a pãrijãta com sua própria mão. Mas os habitan­
tes dos planetas celestiais, incluindo Indra, ficaram muito irritados. Sem que
eles permitissem, Satyabhãmã tinha colhido uma planta pãrijãta, a qual não é
encontrada no planeta Terra. Indra, juntamente com outros semideuses, fez
oposição a Krsna e Satyabhãmã por esta ter roubado a planta; porém, para
agradar Satyabhãmã, Sua esposa favorita, Krsna tornou-Se determinado e
inflexível, e por isso os semideuses lutaram com Krsna. Como de costume,
Krsna saiu vitorioso e trouxe triunfantemente a planta pãrijãta escolhida por
Sua esposa para Dvãrakã, neste planeta Terra. Depois disso, instalou-se a plan­
ta no jardim do palácio de Satyabhãmã. Por causa desta árvore extraordinária,
o jardim de Satyabhãmã tornou-se extraordinariamente belo. Como a planta
pãrijãta descera ao planeta Terra, a fragrância da flor também descera, e os cis­
nes celestiais também migraram a esta Terra em busca da fragrância e do mel
desta flor.
416 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

O comportamento do rei Indra com Krsna não foi muito apreciado por
grandes sábios como Sukadeva Gosvãmi. Por Sua misericórdia sem causa,
Krsna tinha visitado AmarãVatT, o reino celestial, para dar de presente ao rei
Indra os brincos da mãe deste, os quais Bhaumãsura tinha roubado, ao que
Indra ficou muito contente de recebê-los. Mas quando Krsna levou uma planta
florida do reino celestial, Indra fez menção de lutar com Ele. Isto foi interesse
egoísta da parte de Indra. Ele ofereceu sua oração, curvando sua cabeça aos
pés de lótus de Krsna, mas logo que serviu seu fim, transformou-se numa cria­
tura diferente. Assim são as relações das pessoas materialistas. Os materialistas
estão sempre interessados em seu próprio lucro. Com este fim, são capazes de
oferecer qualquer tipo de respeito a qualquer pessoa; mas quando o interesse
pessoal deles acaba, não são mais amigos. Verificamos esta natureza egoísta
não só entre á classe de homens mais ricos que vivem neste planeta, mas
também até em personalidades como Indra e outros semideuses. A rique­
za em demasia faz que um homem se torne egoísta. Um homem cgofsta não
está preparado para aceitar a consciência de Krsna e é condenado por grandes
devotos como Sukadeva Gosvãmi. Em outras palavras, a posse de riquezas
mundanas em demasia nos incapacita de avançar na consciência de Krsna.
Após derrotar Indra, Krsna fez arranjos para casar-Se com as dezesseis mil
e cem moças que soltara da custódia de Bhaumãsura. Expandindo-Se em dezes­
seis mil e cem formas, Ele casou-Se simultaneamente com todas elas em dife­
rentes palácios num momento auspicioso. Deste modo, Ele estabeleceu a ver­
dade de que Krsna, e ninguém mais, é a Suprema Personalidade de Deus. Nada
é impossível, pois Krsna é a Suprema Personalidade de Deus; Ele é todopode-
roso, onipresente e ímperecivel, e como tal este passatempo não tem nada de
maravilhoso. Todos os palácios das mais de dezesseis mil rainhas de Krsna esta­
vam cheios de jardins adequados, mobílias e outras parafernálias, que não têm
igual neste mundo. Esta história do Sfimad-Bhãgavatam não tem nenhum exa­
gero. As rainhas de Krsna eram todas expansões de LaksrmjT, a deusa da fortu­
na. Krsna vivia com elas em diferentes palácios e as tratava exatamente da mes­
ma forma que um homem comum trata sua esposa.
Devemos nos lembrar sempre de que Krsna, a Suprema Personalidade de
Deus, estava representando exatamente como um ser humano; e embora tenha
exibido Suas opulências extraordinárias, casando-Sc com mais de dezesseis mil
esposas em mais de dezesseis mil palácios, quando estava com elas. comporta-
va-Se tal qual um homem comum, e seguia estritamente a relação entre esposo
e esposa, necessária em lares comuns. Portanto, é muito difícil compreender as
características do Brahman Supremo, a Personalidade dc Deus. Até mesmo
semideuses como Brahmã e outros são incapazes de sondar os passatempos
transcendentais do Senhor. As esposas de Krsna tiveram uma fortuna tal que
obtiveram a Suprema Personalidade de Deus como esposo, se bem que a perso-
0 salvamento do demônio Bhaumasura 417

naJldade do esposo delas fosse desconhecida até para semldeuses como


Brahmã.
Em suas relações como esposo e esposa, Krsna e Suas rainhas riam, con­
versavam, gracejavam, abraçavam-se e assim por diante, e a relação conjugal
deles se desenvolvia cada vez mais. Dessa maneira, tanto Krsna quanto as rai­
nhas gozavam de felicidade transcendental em sua vida de casados. Embora
cada uma das rainhas tivesse milhares de criadas ocupadas a servi-las, todas as
rainhas cuidavam pessoalmente do serviço a Krsna. Quando Krsna entrava no
palácio, cada uma delas recebia Krsna pessoalmente. Elas se punham a sentá-
Lo num confortável divã-cama, dando-Lhe de presente todas as espécies de pa­
rafernálias de adoração, lavando-Lhe os pés de lótus com água do Ganges, ofe-
recendo-Lhe nozes de betei e massageando-Lhe as pernas. Dessa maneira, elas
O aliviavam da fadiga por ter Se afastado de casa. Elas cuidavam de abaná-Lo
bem, oferecendo-Lhe óleo fragrante de essência floral, embelezando-0 com
guirlandas de flores, decorando o cabelo d The, pedindo para Ele deitar-Se e
descansar, dando-Lhe banho, pessoalmente e alimentando-0 com bons pratos
saborosos. Cada uma das rainhas fazia todas estas coisas pessoalmente. Elas
não esperavam que as criadas o fizessem. Em outras palavras, Krsna e Suas
diferentes rainhas exibiram para esta Terra o que é uma vida de casado ideal.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin­
quenta e Oito de Krsna, intitulado “O Salvamento do Demônio Bhau-
mãsura. ”
5 9 / Conversas entre Krsna e Rukmim • • t •

Certa vez, o Senhor Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, Aquele que


concede todo o conhecimento a todas as entidades vivas - desde Brahmã até a
formiga insignificante - estava sentado no quarto de dormir de Rukmini, a
qual estava ocupada em servir ao Senhor juntamente com suas criadas auxilia­
res. Krsna estava sentado na cama de RukminT, enquanto as criadas dedicavam-
se a abaná-Lo com câmaras (enxota-moscas de cauda de iaque).
As relações do Senhor Krsna com RukminT como um esposo perfeito
constituem uma manifestação perfeita da perfeição suprema da Personalidade
de Deus. Há muitos filósofos que propõem um conceito da Verdade Absoluta
na qual Deus não pode fazer isto nem pode fazer aquilo. Eles negam a encar­
nação de Deus, ou a Suprema Verdade Absoluta em forma humana. Mas na
realidade, o fato é diferente: Deus não pode estar sujeito a nossas atividades
sensuais imperfeitas. Ele c a Personalidade de Deus todopoderosa e onipre­
sente que, por Sua vontade suprema, pode não apenas criar, manter e aniqui­
lar toda a manifestação cósmica, como pode também descer como um scr hu­
mano comum para executar a missão mais elevada. Como se afirma no
Bhagavad-gitã, Ele desce sempre que há discrepâncias no cumprimento dos de­
veres ocupacionais humanos. Não é que um agente externo O obrigue a apare­
cer: Ele desce por intermédio de Sua própria potência interna a fim de restabe­
lecer as funções modelares das atividades humanas, como também de aniquilar
simultaneamente 05 elementos perturbadores na marcha progressiva da civili­
zação humana. De acordo com este princípio dos passatempos transcenden­
tais da Suprema Personalidade de Deus, Ele desceu cm Sua forma eterna de
SrT Krsna na dinastia dos Yadus.
Conversas entre Krsna e Rukmini 419

O palácio de RukminI tinha um acabamento maravilhoso. Havia muitos


dosséis pendurados no teto, com rendas ornadas com guirlandas de pérolas, e o
esplendor de jóias preciosas iluminava todo o palácio. Havia muitos jardins de
baela e cõmeli, que na índia sao consideradas as mais fragrantes das flores.
Havia muitos ramos destas plantas, com flores viçosas que intensificavam a be­
leza do palácio. E por causa da flagrância delicada das flores, pequenos grupos
de abelhas sussurrantes juntavam-se em volta das árvores, e à noite o luar agra­
dável reluzia através da rede de oriffcios nas janelas. Havia muitas árvores de
pãrijãta super floridas, e o vento suave espalhava o aroma das flores por todas
as partes. Dentro das paredes do palácio havia incenso queimando, cuja fumaça
flagrante passava pelas portas das janelas. Dentro do quarto havia colchões
cobertos com roupas de cama brancas, semelhantes à espuma do leité; a roupa
de cama era suave e branca como a espuma do leite. Nessa situação, o Senhor
Sn Krsna estava sentado bem confortavelmente e desfrutando o serviço que
RukminTjT Lhe prestava, auxiliada por suas criadas.
RukminT também estava muito ansiosa por conseguir a oportunidade de
servir à Suprema Personalidade de Deus como esposo dela. Por isso, quis servir
ao Senhor pessoalmente; tirou o cabo da câmara da mão da criada e começou a
mexer o abano. O cabo da camara, que era feito de ouro, decorado e ornamen­
tado com jóias preciosas, ficou mais bonito quando RukminI o pegou, porque
todos os dedos dela estavam belamente adornados com anéis de rubis. Ela
tinha as pernas enfeitadas com sinos de tornozelos e jóias, que retiniam suave­
mente entre as pregas de seu sari. Os seios rijos de RukminT estavam untados
com kunkuma e açafrão; deste modo, a beleza dela se intensificava com o re­
flexo da cor avermelhada que emanava de seus seios cobertos. A parte inferior
bem elevada de suas nádegas estava enfeitada com uma cinta de renda cheia de
jóias, e em seu pescoço estava pendurado um medalhão de grande esplendor.
Além disso, por estar ocupada no serviço ao Senhor Krsna, e apesar de àquela
altura já ter idade suficiente para ter filhos crescidos — o belo corpo dela não
tinha igual nos três mundos. Se levamos em consideração o belo rosto dela, pa­
rece que o cabelo encaracolado sobre sua cabeça, os belos brincos pendurados
nas orelhas, a boca sorridente e o colar de ouro —tudo se combinava para lan­
çar chuvas de néctar; e ficou provado claramente que RukminT era nada mais
nada menos que a deusa da fortuna original, a qual se dedica sempre a servir os
pés de lótus de Nãrãyana.
Autoridades eminentes aceitam que os passatempos de Krsna e RukminI
em Dvãrakã são manifestações dos passatempos de Nãrãyana e Laksml, passa­
tempos esses que têm uma opulência exaltada. Os passatempos de Rãdhã e Krsna
cm Vrndãvana são simples e rurais, distintos dos passatempos de Dvãrakã que
tem características polidas e urbanas. RukminT tinha características extraor­
dinariamente vivazes, eKrsna ficava muito satisfeito com o comportamento dela.
420 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Krsna experimentara que quando Nãrada Muni ofereceu uma flor pUrijãta
a RukminT, Satyabhãma tivera inveja de sua eo-esposa e imediatamente exigira
de Krsna uma flor similar. De fato, não foi possível acaimá-la até que se lhe
prometeu a árvore inteira. Krsna fez isso de verdade: a árvore foi trazida do
reino celestial para o planeta Terra. Após esse episódio, Krsna esperou que, já
que Satyabhãmã" tinha sido premiada com toda uma árvore de pãrijuta,
RukminT também exigiría algo. Contudo, RukminT não mencionou nada a
respeito do acidente, pois ela era grave, e só o serviço dela já a satisfazia. Krsna
quis vé-la um pouco irritada, e por isso urdiu um plano para ver o belo rosto de
RukminT manifestando um estado de irritação. Embora tivesse mais de dezes­
seis mil e cem esposas, Krsna costumava comportar-Se com cada uma delas ex­
primindo afeto familiar; Krsna costumava criar uma situação particular entre
Ele Mesmo e Sua esposa na qual a esposa O criticava na irritação do amor, e
Krsna sentia prazer com isto. Neste caso, como Krsna não conseguisse criticar
nada em RukminT, pois ela era muito solene e sempre se dedicava a servi-Lo,
Ele começou a falar-lhe sorridentemente e com grande amor. RukminT era a
filha do rei BhTsmaka, um rei poderoso. Deste modo, Krsna não a chamou de
RukminT; dessa vez Ele a chamou de a princesa. “Minha querida princesa,isto’
muito Me surpreende. Muitas eminentes personalidades pertencentes à ordem
real quiseram casar-se com você. Apesar de nem todos serem reis, todos pos­
suíam a opulência e a riqueza da ordem real; eram todos bem comportados,
eruditos, famosos entre os reis, belos em suas características corpóreas e quali­
ficações pessoais, liberais, muito poderosos em força, e avançados em todos os
aspectos. Não eram incompetentes de maneira nenhuma e, além disso, seu pai
e seu irmão não tinham nada contra seu casamento com tais pessoas. Pelo con­
trário, eles deram sua palavra de honra de que você se casaria com Sis'upãla;
foram os seus pais que aprovaram o casamento. Sísupãla era um grande rei e es­
tava tão luxurioso e louco por sua beleza que, se tivesse se casado com você,
Eu acho que ficaria sempre a seu lado tal qual um servo fiel seu,
“Não sou nada comparado com Sísupãla e suas qualidades pessoais. E
você mesma pode perceber isto. Estou surpreso que você tenha rejeitado o ca­
samento com Sísupãla e tenha Me aceitado, a Mim que sou inferior, compara­
do com Sísupãla. Considero-Me completamente incompetente para ser seu
esposo porque você é tão bela, sóbria, grave e exaltada. Permita-Me perguntar-
lhe: que motivo a induziu a Me aceitar? Evidentemente, agora posso chamá-la
de Minha bela esposa, mas ainda assim devo dizer-lhe qual é a Minha posição
verdadeira — que sou inferior a todos aqueles príncipes que queriam casar-se
com você.
“Em primeiro lugar, saiba que Eu estava com tanto medo de Jarãsandha
que não Me atreví a viver na terra, e por isso construí esta casa dentro da água
do mar. Eu não devia revelar este segredo aos outros, mas você tem que saber
Conversas entre Krsna e RukminT 421

que não sou lá muito heróico; sou um covarde c tenho medo deles. Ainda
assim não estou a salvo, porque todos os grandes reis da terra são inimigos
Meus. Fui Eu pessoalmente que criei este sentimento de inimizade lutando
com eles de muitas maneiras. Outro erro é que não tenho direito imediato ao
trono de Dvãrakã, apesar de Me encontrar nesta posição. Embora tenha obti­
do um reino por matar Karhsa, Meu tio materno, o reino devia passar a ser de
Meu avô; de modo que na realidade não possuo nenhum reino. Além disso,
não tenho nenhum objetivo fixo na vida. As pessoas não conseguem Mc com­
preender muito bem. Qual é o objetivo último de Minha vida? Elas sabem mui­
to bem que em Vrndãvana Eu era um pastorzinho de vacas. As pessoas espera­
vam que Eu seguisse os passos de Meu pai adotivo, Nanda Mahãrãja, e fosse
fiel a SrlmatT Râdhãrãnr e a todas as amigas d ’Ela que vivem na aldeia de
Vrndãvana. Mas, de repente, Eu as deixei. Queria tornar-Me um príncipe famo­
so. Contudo, não consegui ter reino algum, nem consegui governar como um
príncipe. As pessoas estão confusas, sem saber qual é meu objetivo último na
vida; elas não sabem se sou um pastorzinho de vacas ou um príncipe, se sou o
filho de Nanda Mahãrãja ou o filho de Vasudeva. Como não tenho objetivo
fixo na vida, pode ser que as pessoas Me chamem de vagabundo. Por isso, estou
surpreso de que você tenha escolhido um esposo vagabundo como Eu.”
“Além disso, não sou muito educado, nem sequer em etiqueta social. Uma
pessoa deve se satisfazer com uma única esposa, mas você tem experiência de
que tenho Me casado muitas vezes, e que tenho mais de dezesseis mil esposas.
Não sou capaz de satisfazê-las a todas como um esposo educado. Meu compor­
tamento com elas não é muito satisfatório, e Eu sei que você está bem cons­
ciente disso. Às vezes crio uma situação para Minhas esposas que não é muito
feliz. Como fui educado numa aldeia durante Minha infância, não conheço
muito bem a etiqueta da vida urbana. Não sei como agradar uma esposa com
palavras delicadas e comportamento satisfatório. E pode-se ver pela experiên­
cia prática que qualquer mulher que siga Meu caminho ou que se sinta atraída
por Mim, acaba finalmente a chorar pelo resto de sua vida. Em Vrndãvana,
muitas gopls sentiram-se atraídas por Mim; mas agora Eu as deixei, e por isso
elas vivem, mas simplesmente a chorar por Mim, em separação. Ouvi Akrüra e
Uddhava dizerem que desde que deixei Vrndãvana, todos os Meus amigos pas-
torzinhos de vacas, as gopls e Rãdhãrãnl, c Meu pai adotivo, Nanda Mahãrãja
- simplesmente choram por Mim constantemente. Deixei Vrndãvana para sem­
pre e agora, em Dvãrakã, estou compromissado com as rainhas, porém não Me
comporto bem com nenhuma de vocês. Assim, vocc pode compreender facil­
mente que não tenho caráter estável; não sou um esposo de muita confiança. O
resultado final para uma pessoa que se atrai por Mim é que ela adquire uma vi­
da de pura privação.
422 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

“Minha cara e bela princesa, saiba também que estou sempre sem dinhei­
ro. Logo depois que nasci, fui levado sem dinheiro para a casa de Nanda Mahã-
rãja, e fui criado tal qual um pastorzinho de vacas. Embora Meu pai adotivo
possuísse muitas centenas de milhares de vacas, Eu não possuía nem sequer
uma delas. Fui simplesmente encarregado de cuidar delas c apascentá-las, mas
não era o proprietário. Aqui também não sou proprietário de nada, mas estou
sempre sem dinheiro. Não tenho motivo para Me lamentar por tal estado de
pobreza; se no passado Eu não possuía nada, por que havería de lamentar por
não possuir nada no presente? Observe também que Meus devotos não são
pessoas muito opulentas; eles também são muito pobres em bens mundanos.
Aqueles que são muito ricos, que possuem riqueza mundana, não estão interes­
sados em devoção a Mim, ou na consciência de Krsna. Muito pelo contrário,
quando uma pessoa fica sem dinheiro, seja à força, seja devido às circunstân­
cias, pode ser que ela se interesse por Mim, no caso.de obter a devida oportuni­
dade. As pessoas que se orgulham de suas riquezas não tiram proveito da cons­
ciência de Mim, mesmo que se lhes ofereça a associação com Meus devotos.
Em outras palavras, pode ser que a classe de homens mais pobres sinta algum
interesse por Mim, mas a classe de homens mais ricos não tem nenhum interes­
se. Por isso, acho que você não foi muito inteligente ao Me escolher. Parece
que você é muito inteligente, pois foi educada por seu pai e seu irmão; porém
no finai das contas, você cometeu um grande erro ao escolher o companheiro
de sua vida.
“Mas não faz mal; antes tarde do que nunca. Você tem liberdade para es­
colher um esposo adequado que esteja realmente no mesmo nível que você
em opulência, tradição familiar, riqueza, beleza, educação —em todos os as­
pectos. Qualquer erro que você tenha cometido pode ser esquecido. Agora
você pode esboçar seu próprio caminho lucrativo de vida. Geralmente, uma
pessoa não estabelece uma relação marital com uma pessoa que tenha uma po­
sição superior ou inferior à dela. Minha cara filha do rei de Vidarbha, acho que
você não considerou com muita sagacidade antes de seu casamento. Deste
modo, você fez uma seleção errada ao Me escolher como esposo. Você ouviu
por engano que Eu tinha um caráter muito exaltado, se bem que na realidade
Eu não passasse dc um pedinte. Simplesmente porque oüviu falar de Mim, você
Me escolheu como seu esposo, sem ter Me visto nem conhecer Minha verdadei­
ra posição. Você não fez isto corretamente. Por isso, Meu conselho é: antes
tarde do que nunca; agora você pode escolher um dos grandes príncipes
ksatriya e aceitá-lo como o companheiro de sua vida, e pode, assim, Me rejei­
tar.”
Krsna estava propondo que RukminT se divorceasse d ’Ele numa época em
que RukminT já tinha muito filhos crescidos. Portanto, toda a proposta feita
por Krsna a RukminT parecia algo inopinado, porque, de acordo com a cultura
Conversas entre Krsna e Rukminí 423

védica, não existia essa coisa de separação de marido e mulher pelo divórcio.
Tampouco era possível que Rukminí fizesse isto numa idade avançada, quando
já tinha muitos filhos casados. À Rukminí parecia que cada uma das propostas
de Krsna era disparatada, e ela estava surpresa de que Krsna pudesse dizer tais
coisas. Simples como era, sua ansiedade aumentava cada vez mais em face da
idéia de ter que se separar de Krsna.
Krsna continuou: “Afinal, você tem que se preparar para sua próxima vi­
da. Por isso, aconselho que escolha alguém que possa ajudá-la tanto nesta vida
quanto na vida seguinte, pois Sou completamente incapaz de ajudá-la. Minha
cara e bela princesa, você sabe que todos os membros da ordem principesca,
incluindo SisupUla, Salva, Jarasandha, Dantavakra e até mesmo Rukiní, seu
irmão mais velho, são todos inimigos Meus; eles não gostam nada de Mim.
Eles Me odeiam no mais fundo do coração. Todos estes príncipes estavam in­
flados de orgulho com suas posses mundanas, c não ligavam a mínima para
ninguém que se lhes assomava. Para dar-lhes algumas lições, concordei em
raptar você de acordo com o seu desejo; de outro modo, na realidade não te­
nho amor por você, se bem que você Me amasse mesmo antes do casamento.
“Como já expliquei, não estou muito interessado na vida familiar ou no
amor entre esposo e esposa. Por natureza, não gosto muito de vida familiar,
esposa, filhos, lar e opulências. Assim como Meus devotos jamais prestam
atenção a todas estas posses mundanas, Eu também sou assim. Na realidade,
estou interessado na auto-realização; é isto que Me dá prazer, não esta vida
familiar.” Após apresentar Sua declaração, o Senhor Krsna parou de repente.
A grande autoridade Sukadeva Gosvãmí observa que Krsna quase sempre
passava Seu tempo com RukminT, e que Rukminí estava um pouco orgulhosa
de ter uma fortuna tão grande que Krsna jamais a deixava, nem sequer por um
momento. No entanto, Krsna não gosta que nenhum de Seus devotos seja or­
gulhoso. Logo que o devoto se torna orgulhoso, Krsna corta esse orgulho com
alguma tática. Também neste caso, Krsna disse muitas coisas que para
Rukminí foram duras de ouvir. Ela só pôde concluir que a qualquer momento
Krsna podia Se separar dela, embora ela estivesse com orgulho de sua posição.
Rukminí estava consciente de que seu esposo não era um ser humano co­
mum. Ele era a Suprema Personalidade de Deus, o senhor dos três mundos. Da
forma como o Senhor estava falando, ela estava com medo de ter que se sepa­
rar d’Ele, pois nunca antes ouvira Krsna falar palavras tão ásperas. Deste modo,
ficou perplexa com medo da separação, e seu coração começou a palpitar. Sem
responder a nenhuma palavra que Krsna dissera, ela simplesmente chorava com
grande ansiedade, como se estivesse afogando num oceano de aflição. Silencio­
samente, riscava o solo com as unhas dos dedos do pé, as quais refletiam uma
luz avermelhada no solo. As lágrimas cor-de-rosa de seus olhos, misturadas com
o cosmético negro de suas pálpebras, escorriam, lavando o kurikumac o açafrão
424 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

dos seios dela. Sufocada por causa da grande ansiedade, incapaz de falar sequer
uma palavra, ela mantinha a cabeça baixa e permanecia parada, tal qual uma
vara. Devido ao temor extremamente doloroso e à lamentação, perdera todo o
seu poder de raciocínio e ficou tão fraca que imediatamente seu corpo perdeu
muito peso, tanto que os braceletes em seus pulsos afrouxaram. A vareta
câmara, com a qual estava servindo a Krsna, caiu imediatamente de sua mão,
seu cérebro e sua memória ficaram confusos, e ela perdeu a consciência. Seus
cabelos bem penteados desmancharam, e ela caiu dura, como uma bananeira
cortada por um,redemoÍnho de vento.
O Senhor Krsna compreendeu imediatamente que RukminT não tinha le­
vado Suas palavras na brincadeira. Ela as tinha levado muito a sério e, em sua
extrema ansiedade por causa da separação imediata d'Ele, caíra neste estado. O
Senhor SrT Krsna é naturalmente muito afetuoso, com Seus devotos, de modo
que quando viu o estado em que se encontrava RukminT, Seu coração enterne­
ceu-se imediatamente. De imediato, Ele teve misericórdia dela. A relação entre
Krsna e RukminT era a mesma que entre Laksml e Nãrlyana; assim, Ele apare­
ceu diante dela em Sua manifestação de Nãrãyana com quatro mãos. Desceu
da cama, ergueu-a pelas mãos, e, colocando Suas mãos refrescantes sobre o ros­
to dela, alisou os cabelos espalhados sobre sua cabeça. O Senhor Krsna secou
os seios molhados de RukminTjT com Sua mão. Compreendendo a seriedade do
amor de RukminT por Ele, Krsna abraçou-a contra o peito.
A Personalidade Suprema é muito habilidoso em exprimir uma coisa sen­
satamente para que a compreendamos, e deste modo Ele tentou retratar tudo
que dissera antes. Ele^é o único recurso de todos os devotos, e por isso sabe
muito bem como satisfazer Seus devotos puros. Krsna compreendeu que
RukminT não foi capaz de compreender as declarações que Ele fizera como
brincadeira. Para neutralizar a confusão dela, Ele começou a falar novamente,
como se segue.
“iMinha querida filha do rei de Vidarbha, Minha querida RukminT, por
favor, não Me entenda mal. Não seja cruel assim coMigo. Sei que você está
sincera e seriamente apegada a Mim; você é Minha companheira eterna. As pa­
lavras que a afetaram tanto não são verdadeiras, Eu queria irritá-la um pouco,
e esperava que você replicasse essas palavras galhofeiras. Infelizmente, você as
levou a sério, pelo que lamento muito... Eu esperava que seus lábios vermelhos
tremessem de raiva ao ouvir Minhas palavras, e que você Me punisse 'com
muitas palavras. Õ perfeição do amor, jamais esperei que você ficasse em tal
estado. Esperava que você colocasse seus olhos cintilantes sobre Mim em
represália, e dessa maneira Eu seria capaz de ver seu belo rosto com essa
disposição irada.
“Minha querida e bela esposa, você sabe que nós somos chefes de família.
Estamos sempre atarefados com muitos assuntos domésticos, de modo que an-
Conversas entre Krsna e RukminT 425

siamos por um momento em que possamos desfrutar algumas palavras galhofei-


ras entre nós. Este é o divertimento básico que temos na vida de casados. Na
realidade, os chefes de família trabalham duramente dia e noite, mas toda a fa­
diga do esforço do dia é minimizada logo que eles se encontram, esposo e espo­
sa juntos, e gozam a vida de muitas maneiras.” O Senhor Krsna quis exibir-Se
como um chefe de família comum que se deleita trocando palavras galhofeiras
com sua esposa. Portanto, Ele pediu repetidamente a Rukmini que não levasse
essas palavras muito a sério.
Dessa maneira, quando o Senhor Krsna apaziguou Rukmini com Suas do­
ces palavras, ela pôde compreender que o que Ele dissera anteriormente não
fora realmente sério, mas que fora falado para invocar um prazer galhofeiro en­
tre eles. Assim, depois que ouviu as palavras de Krsna, ela se acalmou. Aos
poucos, livrou-se de todo o temor de ter que se separar d'Ele, c começou a
olhar para o rosto d ’Ele alegremente com seu rosto naturalmente sorridente.
Ela disse: “Meu querido Senhor de olhos de lótus, a declaração que Você fez
de que nós não somos uma combinação certa é completamente correta. Não é
possível que eu chegue ao mesmo nível que Você porque Você é o reservatório
de todas as qualidades, a Suprema Personalidade de Deus ilimitada. Como po-
deria eu ser um par próprio para Você? Não há possibilidade de se fazer com­
parações com Você, Você que é o senhor de toda a grandeza, o controlador
das três qualidades e o objeto da adoração de grandes sernideuses, tais como
Brahmã e o Senhor Siva. Quanto a mim, sou um produto dos três modos da
natureza material. Os três modos da natureza material constituem obstáculos
para o avanço progressivo do serviço devocional. Quando e onde poderia eu ser
um par próprio para Você? Meu querido esposo, Você também disse correta­
mente que Se refugiou na água do mar por temor aos reis. Mas quem é o rei
deste mundo material? Eu não acho que as assim chamadas famílias reais são
reis do mundo material. Os reis do mundo material são os três modos da
natureza material. Eles é que são realmente os controladores deste mundo
material. Você está situado no fundo do coração de todo mundo, onde per­
manece completamente à parte do contato dos três modos da natureza mate­
rial, e não há dúvida quanto a isto.
“Você diz que sempre mantém inimizade com os reis mundanos. Mas
quem são os reis mundanos? Acho que os reis mundanos são os sentidos, os
quais são formidabilíssimos e controlam todo mundo. Por certo que Você
mantém inimizade com estes sentidos materiais. Você jamais está sob o contro­
le dos sentidos; pelo contrário, Você é HrsTkesa, o controlador dos sentidos.
Meu querido Senhor, Você disse que está desprovido de todo o poder real, o
que também é correto. Não é só Você que está desprovido da supremacia do
mundo material, mas até Seus servos, aqueles que têm algum apego a Seus pés
de lótus, também renunciam à supremacia do mundo material porque conside-
426 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

ram que a posição material é a região mais escura, a qual impede o progresso
da iluminação espiritual. Se Seus servos nao gostam da supremacia material,
que dizer então de Você? Meu querido Senhor, também está perfeitamente
correta a declaração que Você fez de que não atua como uma pessoa comum
que tem um objetivo particular na vida. Até os Seus grandes devotos e servos,
conhecidos como grandes sábios e pessoas santas, mantêm-se num estado tal
que ninguém é capaz de conseguir indicação alguma sobre o objetivo das vidas
deles. A sociedade humana os considera loucos c cínicos. 0 objetivo da vida
deles permanece um mistério para o ser humano comum; a pessoa mais baixa
da humanidade não é capaz de conhecer Você, nem conhecer Seu servo. Um
ser humano contaminado nem sequer pode imaginar Seus passatempos e os
passatempos de Seus devotos. Ó ilimitado, se as atividades e esforços de Seus
devotos permanecem um mistério para o ser humano comum, como podem
eles compreender Seu motivo e esforço? Todas as espécies de energia e opulên­
cia estão ocupadas servindo a Você, mas ainda assim elas descansam sob Sua
proteção.
“Você Se descreve como sem dinheiro, mas este não é um estado de po­
breza. Uma vez que na existência não há nada além de Você, Você não preci­
sa possuir nada - Você próprio já é tudo. Ao contrário de outras pessoas,
Você não precisa adquirir nada vindo de fora. Todas as coisas contrárias que
aparecem em Você podem ser harmonizadas porque Você é absoluto. Você
não possui nada, porém não há ninguém mais rico que Você. Ninguém pode
ser rico no mundo material sem ter posses. Uma vez que Sua Onipotência é
absoluto, Você pode retificar a contradição de não possuir nada e de ao mes­
mo tempo ser o mais rico. Nos Vedas se declara que embora Você não tenha
mãos nem pernas materiais, Você aceita tudo que os devotos oferecem com
devoção. Você não tem olhos nem ouvidos materiais, mas mesmo assim pode
ver todas as coisas em toda a parte, e pode ouvir todas as coisas em toda a
parte. Embora Você não possua nada, os grandes semideuses, que aceitam
orações e adoração de outras pessoas, vêm e O adoram para solicitar Sua
misericórdia. Como é possível classificar Você entre os pobres?
“Meu querido Senhor, Você também declarou que a seção mais rica da
sociedade humana não 0 adora. Isto também é correto, porque as pessoas que
se inflam de orgulho com posses materiais, pensam em utilizar sua propriedade
para satisfazer os sentidos. Quando um homem na miséria enriquece, eíe faz
um programa para satisfazer os sentidos. Isto se deve â ignorância dele quanto
à forma de utilizar o dinheiro que ganhou com o suor do rosto. Sob o encanto
da energia externa, ele pensa que seu dinheiro está sendo empregado correta­
mente para satisfazer seus sentidos, e deste modo descuida de prestar serviço
transcendental. Meu querido Senhor, Você declarou que as pessoas que não
possuem nada são-Lhe muito queridas; renunciando a tudo, Seu devoto só
Conversas entre Krsna e Rukminl 427

quer possuir Você. Percebo, então, que um grande sábio como Nãrada Muni,
que não possui nenhuma propriedade material, é não obstante muito querido
para Você. E tais pessoas não ligam para nada além de Sua Onipotência.
“Meu querido Senhor, Você declarou que um casamento entre pessoas
de mesmo status quanto à posição social, à beleza, às riquezas, à força, à in­
fluência e à renúncia, pode ser um casamento adequado. Porém, só podemos
atingir este status de vida por Sua graça. Você é a fonte perfeccional suprema
de todas as opulências. Qualquer status de vida opulento que tenhamos pro­
vém inteiramente de Você. Como se descreve no Vedãnta-sutra, janmãdyasya
yatah: Você é a fonte suprema da qual tudo emana, o reservatório de todos
os prazeres. Portanto, as pessoas que são dotadas de conhecimento desejam
apenas alcançá-Lo e nada mais. Para alcançarem Seu favor, elas abandonam
tudo - até a realização transcendental de Brahman. Você é o supremo e
objetivo último da vida. Você é o reservatório de todos os interesses das
entidades vivas. Aqueles que são realmente bem motivados só desejam Você
e por esse motivo abandonam tudo para lograrem o sucesso. Por isso, eles
merecem estar associados com Você. Na sociedade dos servos c dos servidos
em consciência de Krsna, não nos sujeitamos às dores c aos prazeres da socie­
dade material, a qual funciona de acordo com a atração sexual. Portanto,
todos, homens ou mulheres, devem procurar ser um associado em Sua socie­
dade de servos e servidos. Você é a Suprema Personalidade de Deus; nin­
guém é capaz de ultrapassá-Lo, nem pode ninguém chegar ao mesmo nível
que Você. O sistema social perfeito é aquele no qual Você permanece no cen­
tro, sendo servido como o Supremo, e todos os outros se ocupam como Seus
servos. Numa sociedade construfda perfeitamente assim, todos podem manter-
se eternamente felizes e bem-aventurados.
“Meu Senhor, Você declarou que só os pedintes louvam Suas glórias, o
que também é perfeitamente correto. Mas quem são esses pedintes? Todos
esses pedintes são devotos exaltados, personalidades liberadas e pessoas na
ordem renunciada da vida. Todos eles são grandes almas e devotos que não
têm outro objetivo além de glorificá-Lo. Tais grandes almas perdoam até o
pior dos ofensores. Estes assim chamados pedintes executam seu avanço
espiritual de vida, tolerando todas as espécies de tribulaçÕes que existem no
mundo material. Meu querido esposo, não pense que eu O aceitei como
esposo por minha inexperiência; na realidade, segui os passos de todas essas
grandes almas! Segui os passos destes grandes pedintes e decidi entregar minha
vida a Seus pés de lótus.
“Você disse que não tem dinheiro, e isto é correto. Você Se distribui
completamente a estas grandes almas e a estes devotos. Como sabia perfeita­
mente bem deste fato, rejeitei até personalidades eminentes da categoria do
Senhor Brahmã e do rei Indra. Meu Senhor, o grande fator tempo atua uni­
428 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

camente sob Sua direção. 0 fator tempo é tão grandioso e poderoso que numa
questão de momentos pode efetuar a devastação em qualquer parte da criação.
Depois de considerar todos estes fatores, achei que Jarãsandha, Sisupãla e ou­
tros príncipes similares que queriam casar-sc comigo não eram mais importan­
tes que insetos ordinários.
“Meu querido e todopoderoso filho de Vasudeva, a declaração que Você
fez de que Sc refugiou dentro da água do oceano por estar com medo de todos
os grandes príncipes é bastante adequada; mas a experiência que tenho com
Você contradiz isto. O que vi na verdade foi que Você me raptou à força na
presença de todos esses príncipes. Na ocasião da cerimônia de meu casamento,
com um simples puxão da corda de Seu arco, Você afastou os outros facilmen­
te e bondosamente deu-me refúgio a Seus pés de lótus. Ainda me lembro
vividamente de que Você me raptou da mesma maneira que um leão toma à
força seu quinhão de presa caçada, afastando num piscar de olhos todos os
outros animais pequenos.
“Meu querido Senhor de olhos de lótus, não consigo compreender a de­
claração que Você fez de que as mulheres e as outras pessoas que se refugiaram
sob Seus pés de lótus passam seus dias unicamente na privação. Podemos ver
que na história do mundo príncipes como Ariga, Prthu, Bharata, Yayãti e Gaya
foram todos imperadores eminentes do mundo, e que ninguém podia competir
com suas posições exaltadas. Porém, para poderem alcançar o favor de Seus
pés de lótus, eles renunciaram a suas posições exaltadas e entraram floresta
adentro para praticar penitências e austeridades. Por acaso o fato deles aceita­
rem voluntariamente tal posição, aceitando que Seus pés de lótus são tudo que
se deve considerar, por acaso isso significa que eles estavam na lamentação e
na privação?
“Meu querido Senhor, Você me avisou que ainda posso escolher outro es­
poso da ordem principesca e me divorciar de Sua companhia. Porém, meu que­
rido Senhor, sei perfeitamente bem que Você é o reservatório de todas as boas
qualidades. Grandes pessoas santas como Nãrada Muni estão sempre ocupadas
simplesmente em glorificar Suas características transcendentais. Sc uma pessoa
simplesmente se refugia numa dessas pessoas santas, ela se livra imediatamente
de toda a contaminação material; e porque entra em contato direto com Seu
serviço, a deusa da fortuna concorda em conceder a essa pessoa todas as suas
bênçãos. Neste caso, que mulher que tenha uma vez ouvido fontes autorizadas
falarem em Suas glórias e de uma forma ou outra tenha saboreado o gosto
nectáreo de Seus pés de lótus — que mulher será tola ao ponto de concordar
em se casar com alguém deste mundo material que está sempre com medo da
morte, da doença, da velhice e do renascimento? Foi por isso que aceitei os
Seus pés de lótus, não sem antes considerar, mas depois de uma decisão madu­
ra e deliberada. Meu querido Senhor, Vocc é o Senhor dos três mundos. Você
Conversas entre Krsna e Rukminl 429

pode satisfazer todos os desejos de todos os Seus devotos neste mundo e no


próximo, porque Você é a Alma Suprema de todo mundo. Foi por isso que O
escolhi como meu esposo, considerando que Você é a única personalidade con­
veniente. Pode me lançar em qualquer espécie de vida de acordo com a reação
de minhas atividades fruitivas, que não estou nada preocupada com isso. Minha
única ambição é que possa permanecer sempre segura a Seus pés de lótus, por­
que Você pode salvar Seus devotos da existência material ilusória e está sempre
disposto a Se distribuir com Seus devotos.
“Meu querido Senhor, Você me aconselhou que escolhesse um dos prínci­
pes, tais como Sis'upãla, Jarãsandha ou Dantavakra, mas que posição têm eles
neste mundo? Eles estão sempre ocupados em trabalhar duro para manter sua
vida familiar, assim como os touros que trabalham duro dia e noite com a
prensa de óleo. Eles são comparados com asnos, bestas de carga. São sempre
desonrados como os cães e mesquinhos como os gatos. Eles se vendem como
escravos a suas esposas. Talvez alguma mulher infortunada que jamais tenha
ouvido falar nas Suas glórias aceite um homem assim como esposo dela, mas
uma mulher que tenha ouvido falar de Você - que Você é louvado não só nes­
te mundo, mas também nos palácios dos grandes semideuses como o Senhor
Brahmã e o Senhor Siva - essa mulher não aceitará ninguém além de Você
como seu esposo. Um homem neste mundo material não passa de um cadáver.
De fato, superficialmente, a entidade viva é coberta por este corpo, que não
passa de uma bolsa de pele decorada com barbas e bigodes, pelos no corpo,
unhas nos dedos e cabelos na cabeça. Dentro desta bolsa decorada há um
punhado de músculos, feixes de ossos e poços de sangue, sempre misturados
com excremento, urina, muco. bfios c ar poluído, e desfrutados por diferentes
tipos de insetos e germes. Uma mulher tola aceita tal cadáver como seu esposo,
e, totalmente equivocada, ama-o como seu querido companheiro. Isso só é
possível porque tal mulher jamais saboreou o gosto sempre bem-aventurado de
Seus pés de lótus.
“Meu querido esposo de olhos de lótus, Você é satisfeito conSigo Mesmo.
Para Você não importa que eu seja ou não bela e qualificada; Você não está
absolutamente interessado nisto. Portanto, não surpreende em absoluto o de­
sapego que Você tem de mim; é bastante natural. Você não pode estar apegado
a nenhuma mulher, por mais exaltada que seja a posição dela e por mais bela
que ela seja. Esteja Você apegado a mim ou não, que minha devoção e atenção
estejam sempre ocupadas em Seus pés de lótus. O modo material da paixão
também é uma criação Sua; por isso, quando Você olha apaixonadamente para
mim, eu aceito isto como a maior bênção de minha vida. Só ambiciono tais
momentos auspiciosos.”
Após ouvir a declaração de Rukminl e a clarificação que ela deu a cada
uma das palavras que Ele tinha usado para despertar nela a ira de amor por Ele,
430 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

iCrsna falou o seguinte com RukminT: “Minha querida e casta esposa, Minha
querida princesa, Eu estava esperando que você desse tal explicação, e foi só com
esta finalidade que falei todas aquelas palavras galhofeiras, para que pudesse
enganá-la a respeito do ponto de vista verdadeiro. Agora Meu fim está servido.
E completamente real a explicação maravilhosa que você deu para cada uma
das Minhas palavras, e Eu a aprovo completamente. Õ belíssima Rukminí,
você é a Minha mais querida esposa. Estou muito satisfeito de saber o quanto
você Me ama. Por favor, esteja certa de que estou sempre a seu serviço, não
importa que ambição e que desejo você tenha e o que você espere de Mim.
Também é verdade que Meus devotos, Meus mais queridos amigos e servos,
estão sempre livres da contaminação material, mesmo que não se sintam
inclinados a Me pedirem tal liberação. Meus devotos jamais desejam nada dc
Mim, exceto estarem ocupados a servir-Me. E ainda assim, como dependem
completamente de Mim, mesmo que por acaso Me peçam algo, isto não é
material. Em vez de se transformarem na causa do cativeiro material, tais
ambições e desejos transformam-se na fonte de liberação deste mundo material.”
“Minha querida, casta e piedosa esposa, baseado na castidade estrita, exa­
minei o amor que você tem por seu esposo, e você passou no exame com mui­
to sucesso. Agitei-a de propósito, falando muitas palavras que não eram apro­
priadas para seu caráter, mas estou surpreso de ver que sua devoção por Mim
não desviou nem um pouco de sua posição fixa. Minha querida esposa, sou
Eu quem concede todas as bênçãos, mesmo até o nível da liberação deste
mundo material, e Eu sou o único que pode parar com a continuação da exis­
tência material e mandar uma pessoa de volta ao lar, de volta ao Supremo.
Uma pessoa cuja devoção por Mim é adulterada, adora-Me em troca de algum
benefício material, só para se manter no mundo da felicidade material, que
culmina no prazer da vida sexual. Uma pessoa que se dedica a penitências c aus-
íeridades severas só para alcançar esta felicidade material, está ccrtamentc sob
a ilusão de Minha energia externa. São certamente muito tolas as pessoas que
se ocupam em Meu serviço devocional simplesmente com o'objetivo de conse­
guir ganhos materiais e gratificação dos sentidos. A felicidade material baseada
na vida sexual é disponível nas espécies dc vida mais abomináveis, tais como os
porcos e cães. Ninguém deve tentar se aproximar de Mim buscando por tal fe­
licidade, porque até uma pessoa que se encontre numa condição de vida infer­
nal pode dispor dessa felicidade. Portanto, para as pessoas que estão simples­
mente buscando a felicidade material, e não a Mim, é melhor que elas
permaneçam nessa condição infernal.”
A contaminação material é tão forte que todos trabalham duramente dia
e noite em busca de felicidade material. O show de religiosidade, austeridade,
penitência, humanitarismo, filantropia, política, ciência —tudo objetiva a rea­
lizar algum benefício material. Em troca do êxito imediato de benefícios mate­
Conversas entre Krsna e RukminT 431

riais, geralmente as pessoas materialistas adoram diferentes.semideuses, sendo


que às vezes adotam o serviço dcvocional do Senhor sob o encanto de propen-
sões materiais. Às vezes acontece que se uma pessoa serve ao Senhor sincera­
mente e ao mesmo tempo mantém ambições materiais, o Senhor muito bon-
dôsamente remove as fontes de felicidade material. Como não encontra
nenhum recurso na felicidade material, o devoto então se dedica absolutamen­
te ao serviço devocional puro.
O Senhor Krsna continuou: “Minha querida melhor das rainhas, compre­
endo claramente que você não tem nenhuma ambição material; seu único obje­
tivo é servir-Me, e há muito que você se ocupa em serviço imaculado. O serviço
devocional imaculado e exemplar não apenas possibilita que o devoto se liber­
te deste mundo material, como também o promove ao mundo espiritual, para
que ele se ocupe eternamente em Meu serviço. As pessoas que estão demasia­
damente viciadas em felicidade material não podem prestar tal serviço. As mu­
lheres cujos corações estão poluídos e cheios de desejos materiais inventam di­
versos meios de gratificação dos sentidos, enquanto que exteriormente se exi­
bem como grandes devotas.
“Minha querida e honrada esposa, embora Eu tenha milhares de esposas,
não creio que alguma delas possa Nle amar mais que você. A prova prática de
sua posição extraordinária é que você jamais havia Me visto antes de seu casa­
mento; você tinha simplesmente ouvido falar de Mim por intermédio de ter­
ceiros, e ainda assim tinha uma fé tão fixa cm Mim que mesmo na presença de
muitos homens competentes, ricos e belos da ordem real, você não escolheu
nenhum deles, senão que insistiu em ter-Me como seu esposo. Você desprezou
todos os príncipes presentes, c muito polidamente enviou-Me uma carta confi­
dencial convidando-Me para raptá-la. Enquanto Eu a raptava, seu irmão mais
velho RukmT protestou violentamente e lutou coMigo. O resultado da luta foi
que Eu o derrotei implacavelmente c desfigurei-lhe o corpo. Na ocasião do ca­
samento de Aniruddha, quando, todos nós estávamos entretidos jogando
xadrez, houve uma outra luta com seu irmão RukmT por causa de uma questão
verbal controvertível, e Meu irmão mais velho Balarãma finalmente o matou.
Fiquei surpreso de ver que você não pronunciou nem mesmo uma palavra de
protesto contra este incidente. Por causa da grande ansiedade que estava sen­
tindo de que talvez se separasse de Mim, você sofreu todas as çonseqüências
sem sequer falar uma só palavra. O resultado deste grande silêncio, Minha
querida esposa, foi que você Me conseguiu para sempre: pus-Me eternamente
sob o seu controle. Você mandou seu mensageiro até Mim, convidando-Me
para raptá-la, c quando descobriu que Eu estava demorando um pouco a
chegar no local, começou a considerar o mundo inteiro vazio. Nessa ocasião
você concluiu que seu belo corpo não podia ser tocado por ninguém mais; por
esse motivo, pensando que Eu não viria, você decidiu cometer suicídio e
432 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
acabar com esse corpo imediatamente. Minha querida RukminT, este amor tão
grande e exaltado que vocc tem por Mim permanecerá sempre dentro de Minha
alma. Quanto a Mim, não tenho competência para correspondera sua devoção
imaculada por Mim.”
Por certo que Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, não tem que ser
esposo, nem filho, nem pai de ninguém, porque tudo Lhe pertence, e todos
estão sob o controle d’Ele. Ele não necessita da ajuda de ninguém para a Sua
satisfação. Ele é ãtmãrãma, satisfeito conSigo Mesmo; Ele pode obter todo o
prazer por Si Mesmo, sem a ajuda de ninguém. Quando o Senhor desce para
representar o papel de um ser humano, Ele representa o papel de um esposo,
de um filho, de um amigo ou de um inimigo, com perfeição total. Como tal,
quando representava como o esposo perfeito das rainhas, especialmente de
Rukminljf, Ele gozava de amor conjugal com perfeição completa.
Segundo a cultura védica, embora se permita a poligamia, nenhuma das
esposas deve ser mal tratada. Em outras palavras, uma pessoa só pode aceitar
muitas esposas se é capaz de satisfazê-las a todas igualmente como um chefe de
família ideal; caso contrário, isto não é permitido. O Senhor Krsna é o mestre
mundial; por isso, muito embora não necessitasse de uma esposa, Ele Se expan­
diu em tantas formas quantas esposas tinha, e viveu com elas como um chefe
de família ideal, observando os princípios regulativos, as regras e as obrigações
de acordo com as injunções védicas e as leis sociais e costumes da sociedade.
Ele manteve simultaneamente diferentes palácios, diferentes- estabelecimentos
e diferentes atmosferas para cada uma de Suas dezesseis mil e cento e oito es­
posas. Deste modo, embora seja único, o Senhor exibiu-Se como dezesseis mil
e cento e oito chefes de família ideais.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin­


quenta e Nove de Krsna, intitulado “Conversas entre Krsna e RukminT. ”

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