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2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim Aulat A ESCOLA CLASSICA E POSITIVISTA mpi Duas escoias importantissimas ao estudo aaa criminologia que falaremos nessa aula, compreendendi como suas teorias explicavam a criminalidade e justificavam a intervenco estatal INTRODUGAO, ‘Até chegarmos na contemporaneidade, com a aplicagdo do cércere punitivo como principal modalidade de unico no funcionamento de um Estado Democratico de Direito, comprometido com o respeito aos direitos fundamentals basicos inerentes a todo ser humano, o pensamento criminolégico sofreu profundas modificagdes na sociedade ocidental. O primeiro momento crucial para a compreensao do pensamento criminolégico reside no século XVIII, com a criago da Escola Cldssica e, posteriormente, no século XIX-XX, com a Escola Positivista. € sobre essas duas escolas importantissimas ao estudo da criminologia que falaremos nessa aula, compreendendo como suas teorias explicavam a criminalidade e justificavam a intervencdo estatal, Vamos comegar? O CRIME E O SISTEMA PENAL SEGUNDO A ESCOLA CLASSICA AEscola Classica é conhecida como a primeira etapa da reforma penal que possibilitou o desenho da estratégia punitiva da modernidade. Surgida durante 0 século XVIII na Europa e com especial protagonismo por sua influéncia na reforma das penas promovida pela Revolugdo Francesa, essa vertente de interpretagao do pensamento criminolégico questionava os limites do poder do soberano na aplicagao de seu poder de punir. Frente ao contexto social da época, que apresentava crise econémica e social profunda e grande insatisfacdo, popular, os interesses da Escola Classica convergem com os valores defendidos pelo movimento iltuminista, que culmina na Revolugao Francesa e promove a reforma penal que origina, com o Cédigo Criminal Francés de 1791, © cArcere punitivo. Nomes importantes esto ligados a essa escola de pensamento criminol6gico, tais como Francesco Carrara e Cesare Beccaria, ¢ 0 objetivo do pensamento criminolégico pela Escola Classica era superar as velhas formas de unico pautadas pelos castigos fisicos e pelo suplicio. O uso da racionalidade contra o antigo regime, entendido pelo movimento iluminista como manifestagées “irracionais de tirania’, motivou a Escola Classica a reformular o sistema penal para adequé-lo & necessidade de maior liberdade politica e econémica. Como bem ensina Ana Lu(sa Flauzina (2008, p. 16): “da selvageria & humaniza¢o, els o slogan que contempla todo o esforgo intelectual dos teéricos classicos". 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm Rotulando 0 absolutismo e criticando-o por seus excessos em matéria penal, a Escola Cléssica, em nome da defesa social e do bem da coletividade, langa mao de um direito que se basela em uma aritmética punitiva e com fins utilitaristas (ANDRADE, 2003}. Nesse momento do pensamento criminolégico, os teéricos interpretam ao delinquente como alguém normal, no enxergando em sua figura qualquer anomalia. Assim, o estudo da criminologia nesse periodo foca na substituigao do sistema dos suplicios, que promovia verdadeiro espetaculo de selvageria em praca publica e se apresentava abusivo em suas préticas perante a opini8o popular, por um sistema interpretado como “mals humano", em respeito a “racionalidade” propagada pelo movimento iluminista, Porém, como bem atenta Foucault (2001, p. 77): “humanidade é 0 nome respeitoso dado a essa economia e a seus célculos minuciosos. Em matéria de pena, o minimo é ordenado pela humanidade e aconselhado pela politica”. (© que os autores classicos chamavam de “humanizacao da pena’, de acordo com Foucault (2001), ndo passou da substituigo de um sistema violento por outro, que, dessa vez, se construiria de forma muito mais complexa lem sua aritmética punitiva para perseguir aos fins utilitérios determinados pelos grupos sociais que monopolizam o poder do Estado. Por isso, como diz Foucault (2007), no novo sistema, 0 minimo é delimitado pela “humanidade”, mas sempre passando pelos aconselhamentos -e interesses - da politica, Com o Classicismo, inaugura-se um “direito penal do fato", que ndo se concentrou em estudar a figura do criminoso, mas, sim, que investiu na substituig3o do sistema dos suplicios, com castigos estritamente corporais cuja execucao se dava publicamente, para um sistema que mais bem se enquadrou nas necessidades criadas pelos valores da modernidade iluminista: o cércere punitivo. VIDEOAULA: O CRIME E O SISTEMA PENAL SEGUNDO A ESCOLA CLASSICA Aula em video sobre as perspectivas das teorias da Escola Classica e seus aportes ao pensamento criminolégico. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital O CIENTIFICISMO DA ESCOLA POSITIVA ‘Escola Positivista do pensamento criminolégico surge no século XIX, no contexto social de uma Europa em desenvolvimento. Sua principal caracteristica foi refutar a vertente criminolégica exposta pelos aportes da Escola Classica do pensamento criminolégico, que localizou o centro da discussao criminal no delito, tomando-o como principal objeto de estudo da criminologia. Para a Escola Positivista, a criminalidade seria mais bem explicada - e, consequentemente, controlada - partindo-se do estudo da figura do delinquente como principal objeto de estudo. Diferentemente dos tedricos classicos, que defendiam a teoria da responsabilidade penal com base no livre-arbitrio, os positivistas, tais como Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafaelle Gar6falo, interpretavam o “crime” como um ente ontolégico, um fenémeno natural, efetivamente existente no mundo para ser observado e o criminoso como portador de uma 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm patologia, a qual determinava suas acées delitivas. Pela perspectiva positivista, portanto, o delinquente nao era livre para escolher atuar de acordo com a lei, jf que se entendia que uma “patologia” inerente a sua condic3o, humana Ihe impedia, Com a Escola Positivista do pensamento criminolégico surge, portanto, um “direito penal do autor’, que, uma vez mais, em nome da defesa dos interesses socials e do bem-estar da coletividade, investe sobre o delinquente para buscar resolver 0 problema da criminalidade. Nesse sentido, como bem ensina Vera Regina Pereira de Andrade (2003, p. 252): 66 E chegado pois o dia, no século XIX, em que 0 *homem” (rejdescoberto no criminoso, se tommou o alve da intervensdo penal, o objeto que ela pretend corigir transformar, 0 dominio de Ciencias e préticas penitenciérias e criminologicas. Diferentemente da poca das uzes em que o homem fol posto come objegéo contra a barbarie dos suplicios, como limite do Direito e fronteira legitima do poder de punir, agora o homem. € posto como objeto de um saber positive. Nao mais esté em questio o que se deve deixar intacto para respeité-lo, mas o que se deve atingir para modificé-lo. Juntas, essas duas vertentes, que em um primeiro momento parecem se anular, atuam em carter complementar, legitimando o controle penal e 0 cércere punitive por meio da defesa de uma “ideologia da defesa social” e construindo as bases do sistema punitivo e penal moderno. Essa Ideologla, pllar comum de ambas as vertentes criminolégicas mencionadas, acaba por Introjetar na sociedade e na tradigao jurfdico-penal das sociedades ocidentais algumas concepsées sobre a criminalidade que, até hoje, ainda surtem efeitos. De acordo com Alessandro Baratta (2002), os principais aportes de ambos os movimentos podem ser sintetizados nos pontos a seguir: 1. Principio do bem e do mal: 0 delinquente representa 0 “mal” enquanto a lel e o poder punitive do Estado representam o "bem"; idade: 0 Estado tem legitimidade para aplicar seu poder de punir quem pratica condutas criminosas; 3. Principio da igualdade: as normas do Direito Penal devem ser aplicadas de forma igualitéria a todos; 4, Principio do interesse social: o sistema penal sob o comando do aparato estatal a para resguardar a0 Interesse da coletividade; 5. Principio da finalidade ou da prevengo: para nao ser considerada desumana, a pena deverd cumprir, além da funcao retributiva, uma fungo especial, visando a prevengdo da criminalidade, 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim Apesar de ainda surtirem efeitos atualmente no ambito juridico-penal, esses principios serao reformulados posteriormente, de acordo com as contribuigdes da criminologia critica ao pensamento criminolégico. VIDEOAULA: O CIENTIFICISMO DA ESCOLA POSITIVA ‘Aula em video sobre as principais caracteristicas da Escola Positivista e suas contribuigées para 0 pensamento criminolégico. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital O POSITIVISMO E A CRIMINOLOGIA RACISTA (© movimento positivista foi uma corrente de pensamento flloséfico, sociol6gico e politico do século XVIII e XIX que defendia que o conhecimento cientifico e a racionalidade conduziriam a humanidade ao “progresso". No entanto, como bem atenta INaki Rivera Beiras (2016, p. 27), esse projeto que, pautando-se pelos valores iluministas, quis ser libertador através da razio, se assentou desde o principio sobre uma nova espécie de mito: "L.Ja falsa representago da ordem ocidental como cenério do desenvolvimento do progresso, da razdo”. sob essa perspectiva que surge a Escola Positivista do pensamento criminolégico, aproximando o estudo do crime das metodologias objetivas, préprias das ciéncias naturais, legitimando um longo perfodo de discriminagdo, preconceitos e desumanidades realizadas pelos aparatos punitivos do Estado em nome da defesa do “bem comum’ e do interesse social. Nesse momento em que o homem delinquente passa a ser o principal objeto da criminologia, se produz uma tentativa de enquadrar a biologia e a fisica como modelos explicativos da diversidade humana e surge a idela de que as caracteristicas biologicas e as condigGes ambientais na qual se inserem os sujeitos delinquentes seriam capazes de explicar diferencas morais, psicolégicas e intelectuais. Os autores positivistas inspiram-se pelos aportes de duas correntes criminolégicas anteriores: fisionomista e frenologia. Para os fisionomistas, as caracteristicas fisicas dos individuos ganham importancia na compreensao do comportamento criminal. Acreditava-se, por exemplo, que sujeitos considerados “mais feios" tinham mais chances de cometer crimes. A frenologia, por sua vez, se ocupava da analise interna da mente do individuo, tentando identificar fungées animicas do cérebro com o intuito de relacionar e explicar comportamentos criminosos pela mé-formacSo cerebral ‘Tr€s dos principais autores da criminologia positiva sao: + Cesare Lombroso, criador da Antropologia Criminal, interpretava o criminoso como um “acidente da natureza’, que apresenta anomalias anatémicas e psicolégicas do “nomem primitivo", sendo um ser inferior na evolugao humana e, portanto, apresentando comportamento nato & criminalidade (determinismo biolégico). 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm + Enrico Ferri negava o livre-arbitrio, defendendo a tese da responsabilidade social (o homem s6 é responsével Porque vive em sociedade). interpreta o delito como fendmeno social, determinado por causas naturais (determinismo social), definidos simultaneamente por duas ordens de fatores: i) condigées individuais do criminoso e (i) as condig6es do meio fisico e social er que o individuo nasce e atua. « Raffaele Garofalo interpreta o crime como resultado da expresso da natureza interna e degenerada do. individuo, criando uma distingdo entre dois grupos delitivos: () os delitos legais (ex.: ages contra o Estado), e (ii) 08 delitos naturais, que ofendem os “sentimentos altruistas fundamentais de piedade e probidade” (ex. homicidios, agressées). Essa ideia serviria também para legitimar o tratamento diferente das racas nos mais diversos émbitos da vida em sociedade e dentro da criminologia, posteriormente, se intitularia a varios aportes desse perfodo como parte de uma “criminologia racista". O racismo cientifico fol responsével por fundamentar a pele nao branca e, mesmo, o clima tropical como caracteristicas que favoreceriam o surgimento de comportamentos imorais, lascivos e violentos, indicando pouca inteligencia e risco de criminalidade, © Brasil, como pais tropical e predominantemente negro, sofreu profundos impactos devido a essa distingao, cientifica racista, a partir da qual a mistura das racas, em pleno contexto pés-escravista, passa a ser vista como algo a ser evitado (ALMEIDA, 2019). Trataremos em outra oportunidade os impactos desse racismo criminolégico no ambito brasileiro. VIDEOAULA: O POSITIVISMO E A CRIMINOLOGIA RACISTA Aula em video sobre a criminologia positivista ¢ sua influéncia na vertente racista do pensamento criminolégico. Para visualizar 0 objeto, acesse seu material digital ESTUDO DE CASO Com o objetivo de melhor compreender como a vertente de pensamento da criminologia positivista influenciou no Ambito juridico-penal brasileiro, analisemos a seguir o disposto no art. 59 do Cédigo Penal (BRASIL, 1940) atualmente vigente no Brasil: 6 6 Art, 59 -Oulz, atendendo a culpabilidade, aos antecedentes, 8 conduta socal, 8 personalidade do agente, aos motivos, as circunstancias e consequéncias do crime, bem como ao comportamento da vitima, estabelecerd, conforme seja necessécio e suficiente para reprovacio e prevengao do crime: - as penas aplicaveis dentre as cominadas; Ila quantidade de pena aplicavel, dentro dos limites previstos; 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim IL-0 regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV- a substituigdo da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabivel Considerando 0 texto legal retirado do Cédigo Penal de 1940 e compreendendo os impactos que os dispositivos desse diploma legal produzem, ainda hoje, na pratica do Direito Penal brasileiro, reflita e responda: vocé consegue identificar, no artigo de le’ citado, as contribuig6es do movimento de pensamento criminolégico positivista na formago da norma juridico-penal? Produza um texto identificando as principais influéncias das contribuigées positivistas no art. 59 do Cédigo Penal de 1940 citado anteriormente, RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO Com relagao & influéncia positivista na constituigae do Cédigo Penal de 1940, hd que mencionar-se que tanto conceitos e teorias da Escola Classica quanto da Escola Positiva surtiram efeitos no diploma penal brasileiro. Porém, como bem observa Roberto Lyra (1956, p. 126), "sdo os principios da Escola Positiva que fornecem a t6nica individualizadora, o talhe subjetivista, 0 porte defensista” da referida legislacao. O art. 59 citado no problema representa uma das principais contribuigées da corrente positiva na produc3o do Cédigo Penal de 1940, jé que o dispositivo legal mencionado representa a fixacdo de trés aspectos cruciais do Positivismo na tradi¢ao juridico-penal brasileira: (i) a considerago da personalidade do criminoso; (i) 0s motivos que levaram ao cometimento da conduta criminal e (i) 05 critérios de individualizac3o da pena no momento de fixago da punico junto ao sistema penal. A valorizacao da figura do delinquente, t8o prépria do Positivismo, aparece de forma bastante clara no texto legal citado quando se observa, no caput a determinagio de que o juiz, para fixar a pena, tome em consideracao fatores como “os antecedentes criminais do sujeito", sua “conduta social” e sua “personalidade”. Todos esses termos abstratos e subjetivos referem-se & intengo da Escola Positivista em identificar a “periculosidade” do agente ao considerar seus aspectos pessoais. Como 0 Cédigo Penal de 1940 ainda é aplicével em 2021, é evidente que o Positivismo ainda influencia - e muito ~ a pratica do sistema penal brasileiro, Contudo, por vezes, essa influéncia continua legitimando injustigas e preconceitos - especialmente em um pafs como o Brasil que apresenta uma tradicio histérico-cultural de discriminagao e racism. é, portanto, nesse nivel de complexidade que os fundamentos da corrente de pensamento criminol6gico positivista ainda hoje impactam a realidade juridico-penal brasileira e é para desmarcara-los e modificé-los que vocé deve estudé-los. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital C al 6d Saiba mais 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim Sesses de cinema para aprender mais sobre a criminologia: + “O médico alemao" (2013) filme de Lucia Puenzo trata da histéria de uma familia arge 1a que, viajando pelo deserto da Patagonia ‘em 1960, acaba conhecendo 0 médico alemao Josef Mengele, com quem convive por dias sem saber de sua identidade verdadeira: era um nazista, responsavel por diversos experimentos com humanos nos campos de concentracio e que, agora, se escondia na América do Sul A obra é interessante para compreender melhor os reflexos que as vertentes positivistas do pensamento riminolégico tiveram na hist6ria da humanidade. Isso porque os experimentos realizados com humanos no interior dos campos de concentragao nazista correspondem, justamente, a uma das intimeras atrocidades que o determinismo biolégico possibilitou, Apesar de se tratar de histéria de ficgio, o personagem do médico alemdo é baseado em figura hist6rica € a trama conversa, por vezes, com fatos e contexto reais. Vale a pena assist! + “Labirinto de mentiras” (2014) Essa obra de ficgao de Giulio Ricciarelli conta uma histéria, baseada em fatos, de um promotor publico da década de 1950 na Alemanha que descobre que varios ex-nazistas voltaram a vida normal sem receber punicdo apés cometerem atrocidades na geréncia de altos cargos no Terceiro Reich, O filme é fascinante para entender mais sobre o nazismo e identificar um pouco mais sobre a influéncia das teorias deterministas na Alemanha Nazista e os absurdos que se construlram em nome do “progresso” do ocidente. Nao deixe de conferir e continuar refletindo sobre a matéria! Aula2 A ESCOLA SOCIOLOGICA Vamos nos aproximamas da configura¢ao contempordnea da criminologia INTRODUCAO AEscola Sociolégica é uma entre tantas denominagdes utilizadas para se referir ao momento da ruptura do pensamento criminolégico em que os investigadores deixam de estudar a criminalidade por meio apenas do delito e da figura do delinquente, passando a estudar, também, a vitima e, principalmente, a influéncia do ambiente e do controle social na explicacdo e correta compreensdo do fenémeno criminal. £ sobre esse momento em que os conhecimentos sociolégicos, que proporcionam uma visio macrossociolégica do fenémeno criminal, ganham importancia e destaque dentro do pensamento criminolégico o que vamos tratar nesta aula. Com as contribu jes desse periods, finalmente, vamos nos aproximamos da configurag3o, 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim contemporanea da criminologia. Varios comecar? A ESCOLA DE CHICAGO ‘AEscola de Chicago é uma vertente de pensamento cuja importéncia mais relevante se dé nas décadas de 1920 € 1930, surgida junto & Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Se a Escola Cléssica estudava a criminalidade a partir do delito e a Escola Positiva, por meio do delinquente, com a Escola de Chicago, 0 fenémeno criminal passa a ser estudado por meio do entorno social, focando nas agéncias de controle social informal O objeto de estudo dessa vertente criminolégica, portanto, deixa de focar no delito e no criminoso para descobrir quais sao as condigdes sociais que influenciam a criminalidade. A tese principal da referida verten para explicar a criminalidade reside, portanto, na ideia de que o delito se trata de um fato social, reativo a condigées ambientais e socials de cada local e tempo. Uma das vertentes de pensamento da Escola de Chicago é a ecologia criminal, que busca interpretar a dinamica das cidades como um organismo vivo, correlacionando o fendmeno criminal a uma diversidade de fatores sociais. As contribuigées dessa vertente foram muito importantes para compreender, controlar e combater de forma mais eficiente a criminalidade urbana (VOLD et.al, 1998). Porém, € com a obra de Edwin Sutherland que a Escola de Chicago apresenta seu maior avanco, A Teoria dos Contratos Diferenciais foi a primeira contribuigio do autor. Por tal teoria, entende-se a conduta criminal como urn comportamento aprendido, adquirido socialmente por influéncia do meio social em que 0 sujeito est submetido. Para Sutherland e para a Escola de Chicago, portanto, 0 crime nao era compreendido como algo herdado ou inventado, mas, sim, como uma ago aprendida da integracao social, que pode ocorrer de forma normal ou diferenciada, Diz-se Teoria dos Contratos Diferenciais, justamente, porque o aprendizado “diferencial” 6 aquele que gera e mantém as condutas criminais, enquanto o aprendizado “normal” seria aquele em que 0 entorno social e as relacées interpessoais ndo ensinaram comportamentos delitivos aos sujeites. Sobre isso, ainda, defende John Tierney (2006, p. 93): aprendida da mesma forma como se aprende qualquer outro tipo de comportamento. Através da associagio diferencial, 0 individuo no s6 aprende a cometer crimes - por exemplo, como quebrar um veiculo - mas, também, aprende a perspectiva moral e as 66 Nessa formulaco, Sutherland se encontra argumentando que a delinquéncia é motivagées que propiciam 0 comportamento criminal Ha, ainda a Teoria das Subculturas Criminais, outra teoria de fundamental importdncia & construcso da criminologia sociolégica, Considerando sua primeira teoria e a idela de que o comportamento delitivo € aprendido pelo delinquente, Sutherland compreende que existem certos contextos em que funciona uma 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm espécie de cultura paralela, uma subcultura em que 0 comportamento criminal aprendido naturalizado e, até mesmo, valorizado, e para exemplificar suas premissas, 0 autor inicia 0 estudo dos crimes de “colarinho branco” = crimes cometidos pelos poderosos e que, por vezes, sto aqueles que criam e executam as leis. O referido autor entendeu em tal teoria que os "nao criminosos', 0s titulares e criadores das leis, no eram Imaculados, mas também cometiam crimes e, por vezes, até mais graves e com mais frequéncla que os demals sujeitos da sociedade. A diferenca destes para os criminosos comuns, no entanto, era que muitos desses comportamentos sequer eram classificados como crime. Ambas as teorias mencionadas apresentam. fundamental importdncia para a construcao da Criminologia Critica. Sobre isso, no entanto, trataremos a seguir, VIDEOAULA: A ESCOLA DE CHICAGO ‘Aula em video sobre a ecologia criminal, vertente sociolégica do pensamento criminal também surgida junto & Escola de Chicago. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital AS TEORIAS SOCIOLOGICAS ‘Apés as catdstrofes produzidas na primeira metade do século XX com as Guerras Mundiais e considerando as contribuigdes obtidas pelas teorias sociolégicas, a ruptura com a tradi¢do positivista efetivamente ocorre com as obras que constroem a Teoria do Etiquetamento ou do interacionismo simbélico, A Escola de Chicago, como visto, ja compreendia o crime como um fato social, isto &, nem individual, nem patol6gico, mas, sim, um fenémeno social, reativo aos fatores socioculturais. No entanto, é com a Teoria do Etiquetamento que a ruptura comeca a se efetivar porque é com suas contribuigdes que a criminologia passa, finalmente, a compreender o crime como um fato que se consuma como uma construgo social, criado por meio da lei e que, por vezes, pode ser instrumentalizado em favor de interesses escusos por influéncia tanto das agéncias de controle social informal, mas, principalmente, pelas agéncias de controle formal. Aproveitando as conclusées de Sutherland sobre as subculturas criminais e dos contratos diferenciais, autores como Erving Goffman e Howard Becker passam a identificar que a criminalidade nao é um fenémeno ontolégico ou uma tendéncia inerente a determinados sujeitos, mas, sim, é resultado de um processo de “etiquetamento” social. Se a criminalidade é um fato social construido por meio da legisla, quem produz a legislagdo também determina quais condutas sero consideradas crimes e, consequenterente, quals caracteristicas pessoais, de quails grupos sociais e quais fatores sociais, econémicos e culturais constituirdo o individuo delinquente. Ou seja, a Teoria do Etiquetamento revela a influéncia das agéncias de controle informal, mas, principalmente, das agéncias de controle formal, que criam e executam as leis, conhecem a dindmica e explicam a criminalidade. 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm A ideia principal que resume a Teoria do Etiquetamento é a de que as nogées de crime e de criminoso sio construfdas socialmente partindo-se da definigio legal, bern como das ages e das agéncias de controle social formal, os dois mecanismos que determinariam quais comportamentos - e quais individuos - seriam considerados “inimigos” da sociedade, delinquentes e, por isso, devem ser apartados do convivio social. Nesse sentido, os estudos marxistas contribuiram muito na compreensdo sobre quais seriam, portanto, os possiveis interesses que guiavam a dindmica da criminalidade correlacionada aos interesses das agéncias de controles sacial formal e informal, e as causas dessa problematica se revelaram, para esses investigadores, na dinamica do capital Asse respeito, Gabriel Anitua (2005, p. 430) ensina sobre os autores marxistas: mercado de trabalho: o nimero da populacio encarcerada e seu tratamento no interior 6 6 Rusche ensinaré que a pena, e em concreto, a prisSo, depende do desenvolvimento do do cércere depende do aumento ou diminuic3o da mao de obra disponivel no mercado. de trabalho, e da necessidade que dela tenha o capital, Os autores marxistas, ao estudarem a punigao, descobrem em sua dinmica histérica uma economia politica que coincidentemente servia muito bem & manutengao do sistema econdmico capitalista e, claro, & manuten¢ao do status quo, com a protecio dos privilégios centendrios das elites, Assim, portanto, passa-se a compreender que tanto a criminalidade quanto a vitimizacao podem ser formadas or meio do etiquetamento de setores especificos da sociedade, ¢ 0 controle social toma o protagonismo na compreensdo da criminalidade. A partir daf, o pensamento criminolégico vai se tornando cada vez mais critico, compreendendo que a criminalidade é um fenémeno social complexo, que precisa ser estudado considerando seus quatro objetos de estudo, com especial enfoque ao controle social VIDEOAULA: AS TEORIAS SOCIOLOGICAS ‘Aula em video sobre as teorias sociolégicas do pensamento criminolégico (teorias marxistas e Teoria do Etiquetamento). Para visualizar o objeto, acesse seu material digital ACRIMINOLOGIA CRITICA Para entender a perspectiva da criminalidade de acordo com a Criminologia Critica, inevitavelmente, hé que acercar-se primeiramente da Teoria Critica da Escola de Frankfurt. Walter Senjamin, judeu e alemdo que morreu Tugindo Ga perseguigav nazista, fol UIT Ge seus principals expoentes v Critics Go Mito Ga Tazau tlumninista"e do 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim ideal de "progresso” para conduzir a humanidade e determinar o que seria 0 “bem-estar” da coletividade, Benjamin defendeu que a ideia de progresso nao foi capaz de evitar a catdstrofe nazista e tantas outras que tiveram lugar na modernidade ocidental. Na verdade, denunciou que esse “progresso” se constréi sobre ruinas e cadéveres de milhares de pessoas, que sao encarados pela “histéria oficial’ do Estado como “os custos" desse "progresso”. Porém, como Benjamin atenta, para que a histéria oficial do Estado aconteca, paralelamente, ela também gera, paralelamente, uma outra hist6ria que conta 0 relato desde a perspectiva das vitimas que deixa, e que se configura como uma verdadeira “tradi¢3o dos oprimidos" (BENJAMIN, 2006). Nesse sentido, como ensina Rivera Beiras (2016, p. 27): para a plenitude do lluminismo, sendo, retrocede e se funde em um novo género de barbari [..] A Teoria Critica que aflorava na Escola de Frankfurt partia de uma experiéncia dolorosa: a humanidade no somente ja ndo avangava para o caminho da liberdade, conhecimento dos primeiros “/ager" e, por fim, o Holocausto, demonstraram a dialética indicada. Assim, foi inspirando-se principalmente pela Teoria Critica dos Frankfurtianos e considerando as contribuigées das teorias sociolégicas prévias que a Criminologia Critica surge e toma especial forca durante a década de 1970 nos Estados Unidos, figurando como uma corrente de embate, que buscava lutar contra a criminologia tradicionalista e racista, ACriminologia Critica adota como objeto de estudo as Instancias de aplicagao do sistema — seja para sua reforma ou sua eliminagao -, sempre considerando uma carga critica e considerando o crime a partir da perspectiva do “mais fraco", com uma perspectiva de conflito - como 0 marxismo e 0 feminismo -, com 0 objetivo de tentar eliminar essa fragilidade ou desigualdade. Dentre as principais correntes surgidas dessa vertente criminolégica encontram-se os abolicionistas, que defendem que a solucdo para o enfrentamento das injusticas do sistema penal &, justamente, promover a descriminalizacao de determinadas condutas e, mesmo, a erradicacio das penas. H4, ainda, correntes menos radicais que advogam pelo “direito penal minimo", como 0 caso do garantismo de Luigi Ferrajoli e Alessandro Baratta, por meio da qual defende-se que é através de legislagées fortes e protetivas, as quais respeltam ao ‘maximo 0s direitos fundamentais e as garantias processuais, que se poderd coibir as possiveis arbitrariedades judiciais e proteger 0 processo penal dos excessos promovidos pela possivel instrumentalizagio do sistema penal. Essa corrente também levou em consideragao sua compreenséo do momento histérico anterior, considerando que 0 objeto de estudo nao deve ser o crime, mas os dispositivos que geram e manejam esse crime, substituindo em defi tivo a abordagem etioldgica do Positivismo por uma abordagem macrossociolégica, que considerasse a criminalidade de forma estrutural, 2504/2022 17:23 ad_wl_221_u2_tun_evie ‘Assim, portanto, a Criminologia Critica gera uma ruptura definitiva, expandindo os horizontes do pensamento criminolégico, que passa a interpretar as falhas da teoria juridico-penal até ali construfda e, compreendendo as probleméticas estruturals da sociedade, advoga por um Direito Penal e uma criminologia que se ocupe em proteger os grupos sociais dominantes das investidas injustas por trds do sistema penal. VIDEOAULA: A CRIMINOLOGIA CRITICA ‘Aula em video sobre o surgimento e as caracter as da Criminologia Critica, Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. ESTUDO DE CASO Walter Benjami (© judeu alemao e investigador expoente da Teoria Critica da Escola de Frankfurt, antes de perder sua vida tentando escapar do regime nazista que o perseguia, fez uma profunda reflexéo sobre o quadro “Angelus Novus’, de Paul Klee. A interpretac3o de Benjamin sobre a referida obra é uma verdadeira aula de filosofia, sociologia e criminologia, e pode ser observada a seguir: “Angelus Novus, de Paul Klee. Fonte: Beias (2011, p41). Ha um quadro de Paul Klee que se chama “Angelus Novus", Nele se vé um anjo, ao que parece, no momento de afastar-se de algo sobre o qual este tem seu olhar cravado. ‘Tem os olhos arregalados, a boca aberta e as asas estendidas. O anjo da histéria deve | ter esse aspecto. Seu rosto est virado para o passado. E no que, para nds, aparece 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm ‘como uma cadeia de acontecimentos, ele vé uma catéstrofe Gnica, que se acumula aos seus pés, ruina sobre ruina, amontoando-se sem parar. O anjo gostaria de deter-se, para despertar aos mortos e recompor aos destruidos. Mas uma tempestade sopra desde o paraiso e se prende as suas asas com tanta forga, que ele jS no pode mais feché-las. Essa termpestade o arrasta de forma irresistivel em diregdo ao futuro, ao qual cle vira as costas, enquanto 0 aciimulo de ruinas cresce frente a ele em diregao ao céu. Essa tempestade é 0 que nés chamamos de progresso. — (BENJAMIN, 2006, p. 226) Como se vé, Benjamin critica a histéria contada apenas pelo ponto de vista dos vencedores, apontando a faldcia que uma observagio mais apurada dos fatos revela no caminho da humanidade em direco ao "progresso". No Brasil, um pafs que se constréi sobre a tradicao social, politica, econémica e cultural da Europa ocidental, e que leva em sua bandeira os mandamentos “ordem e progresso", remetendo diretamente aos valores iluministas, evidentemente que essa tendéncia também se apresentaria junto ao sistema penal Nesse sentido, é por meio de uma politica criminal punitivista, por tantas vezes afastada das contribuigdes da Criminologia Crit -a, que o Estado brasileiro segue, diariamente, punindo milhares de brasileiros, enviando-os & experiéncia do “estado de coisas inconstitucional” que é a realidade do cércere brasileiro, Considerando a critica 20 “progresso” e a linearidade histérica realizada por Benjamin na interpretacao do quadro apresentado, e considerando todo o aprendido sobre a evolucdo do pensamento criminolégico até o surgimento da Criminologia Critica, reflita e responda: vocé consegue identificar a influéncia do controle social formal na criminalidade e compreender a visao critica sobre o “anjo da histéria" de Benjamin? O sistema juridico-penal brasileiro, a0 perseguir os ideais de “ordem e progresso”, tem respeitado os direitos fundamentals e perseguido o “bem-estar" eo interesse coletivo tal como se propée? Redija um texto critico expondo suas observacGes ¢ reflexdes, RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO (© que Benjamin faz, ao refletir sobre o quadro de Paul Klee e apresentar sua interpretagao critica sobre o “anjo da historia’, € deixar claro que o ideal de “progresso” baseado na “razo" ocidental no foi capaz de conduzir a humanidade a paz. Em nome desse “progresso” da “civilizagéo" ocidental ndo apenas ndo se evitou que catéstrofes ocorressemn como, em realidade, se legitimou que episédios de profunda desumanidade, que produziram graves danos sociais, pudessem ocorrer sob a protecao da prépria lel. Um exemplo dessas atrocidades, influenciada pela ideia de “progresso” iluminista e legitimada pela legislacio do Estado foi o Holocausto judeu, que ocorreu na Alemanha Nazista e do qual o préprio Walter Benjamin foi vitima. No texto citado, Benjamin se refere ao anjo e a sociedade de formas bastante distintas, e é nessa distin¢ao que reside a ligo que o autor quer passar. O anjo da histéria de Benjamin apresenta em seu rosto a expresso de horror e desespero esperada de alguém que vé diante de seus olhos o “fim do mundo” ocorrer, mas se encontra 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm incapacitado de agir para mudar essa situac3o devido a tempestade, Essa tempestade representa o ideal de “progresso”, que constréi a histéria ocidental deixando uma verdadeira “tradicao dos oprimidos” por onde passa No entanto, enquanto 0 anjo demonstra pavor pelos horrores e pelo sofrimento que presencia, a sociedade de modo geral ignora a catdstrofe que ocorre diante de seus olhos. Benjamin denuncia que 2 sociedade ocidental vive inebriada pelo mito da razao iluminista como condutora da humanidade a maiores quotas de bem-estar e desenvolvimento, de ‘progresso", ¢ por isso é incapaz de enxergar as violéncias e os danos colaterals profundamente desproporcionais que sao feitos em nome desse “progresso’ Benjamin atenta que essa ignordncia da sociedade é o que permite que se viva em uma sociedade de normalizagao da violéncia e do sofrimento. No entanto, 0 autor faz um alerta a sociedade: enquanto essa naturalizagao do sofrimento, das catastrofes e dos genocidios em nome do “progresso” da humanidade for aceitvel e representar a Unica forma de interpretar-se os fatos hist6ricos, uma grande parte dos grupos sociais, que arcam com os custos, com os "danos colaterais” desse "progresso”, estardo fadados a uma vida de injusticas e desumanidade. Na realidade do sistema penal e penitenciario brasileiro, essa ligSo de Benjamin se faz necesséria e leva & reflex3o, Como se sabe, o sistema penitencidrio brasileiro funciona por uma politica criminal punitivista, que continua enviando ao “estado de coisas inconstitucional" que é a realidade do cércere brasileiro, a milhares de brasileiros todos os anos. No Brasil, é em nome da “ordem" e do “progresso" que milhares de brasileiros, ano apés ano, sao enviados para uma experiéncia de profundo sofrimento, sem qualquer perspectiva de reintegracao social. £ também em nome desses mesmos valores distorcidos que milhares de mortes de agentes policais, detentos e até mesmo civis ocorrem todos os anos, dentro e fora do cércere, em nome da luta pela “seguranca publica" e pelo “combate & criminalidade”, E, portanto, nesse sentido que a Criminologia Critica é to fundamental & realidade brasileira: pois é criticando as inconsisténcias do nosso sistema penal e do nosso Estado e compreendendo a influéncia das agéncias de controle social formal e informal na construcao da criminalidade que ser possivel, finalmente, garantir-se a justiga em cada caso em concreto. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 69 Saiba mais + "Criminologia critica e critica do Direito Penal’, de Alessandro Baratta Essa obra fenomenal de introducao a Criminologia Critica e 8 Sociologia Juridico-Penal, é um “antes” e um “depois” na vida de qualquer operador do Direito ou investigador criminal. 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim © autor, um dos nomes mais importantes da criminologia contempordnea, apresenta a sociologia juridico- penal, atentando para a urgente necessidade de pensar-se uma sociologia criminal que desmistifique as construgdes equivocadas e as anilises tendenciosas feltas ao longo dos séculos sobre o fenémeno criminal, explicando a fundo a importancia da observacao do comportamento delitivo, sua génese e funcao dentro da estrutura social. Nao deixe de conferir! Aula3 RUPTURAS MODERNAS DO PENSAMENTO CRIMINOLOGICO Comeca-se a observar que o sistema penal é seletivo, que o carcere ndo ressocializa e que os maiores danos sociais sequer eram definidos na legislagao como condutas criminosas. INTRODUGAO Apartir da Criminologia Critica, finalmente, passa-se a interpretar a criminalidade considerando a influéncia dos aparatos de controle social formal, identificando, de forma aprofundada, quais sio os impactos que a atuacao dos 6rgaos publicos do sisterna penal e penitenciério apresentam na dinamica do fenémeno criminal. Com o surgimento dessa corrente de pensamento criminolégico, portanto, a criminologia pode avancar € esmiugar o fendmeno criminal e, assim, surgem novas vertentes de pensamento que jé partem da interpretagao do crime como fato social e que comecam a identificar que é no préprio sistema penal, por suas caracteristicas e dinamica de funcionamento, que se encontram os maiores danos sociais, os maiores “crimes” contra a humanidade na contemporaneidade. Comeca-se a observar que o sistema penal é seletivo, que o cércere no ressocializa e que os maiores danos socials sequer eram definidos na legislag3o como condutas criminosas. Nesta aula, trataremos sobre essas questées. Vamos comesar? ASELETIVIDADE PENAL E O CARCERE COMO INSTITUIGAO TOTAL Se a Teoria do Etiquetamento ensina que o caréter desviante da conduta criminal resulta da reagao social frente a certos comportamentos determinados pela lei como crimes, ¢ importante identificar quais so os pardmetros que definem e limitam as condutas criminais para entender quais S80 os objetivos reais da legisla¢o penal. ‘Afinal, a reacdo social que coloca 0 estigma de criminoso sobre alguém nada mais é que uma das formas pelas quais a sociedade decide “excluir” um membro do grupo, por entender que este ndo se adequa aos “padrées” sociais. 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm Dessa ideia e da observacao da real dindmica que rege o funcionamento dos sistemas penais e penitencidrios, Portanto, pode-se retirar que o poder punitivo do Estado atua de forma direcionada, selecionando aqueles sujeitos “estigmatizados" por influéncia das agéncias de controle social para recolhé-los no interior de uma instituigdo total profundamente disciplinaria, como € o cércere. Ateoria criminolégica que surge com a Criminologia Critica e possibilita a explicagao dessa situaco & a Teoria da Seletividade Penal, que defende que a légica de seletividade do sistema penal se manifesta por duas categorias de criminalizacao (primaria e secundéria) e por dois niveis de discricionariedade (quantitativo e quali tivo) Diz-se que 0 sistema penal é seletivo por seu aspecto quantitativo porque os investigadores criticos do sistema j8 puderam identificar a incapacidade estrutural do aparato penal e penitenciario em perseguir e apresentar respostas punitivas a todos os crimes efetivamente realizados. Essa incapacidade estrutural do sistema de punir a todas as condutas criminals esconde uma “cifra oculta", constatando um abismo entre a criminalidade real e aquela efetivamente registrada e punida. Isso leva, inevitavelmente, ao aspecto qualitativo da seletividade do sistema penal: suas atribuiges se relacionam de forma mais concreta com o controle e exclusdo de determinados sujeites, ndo guardando tanta relagdio com a contengaio de praticas delltivas (ZAFFARONI, 2001). Complementam essa explicagao critica da dindmica do sistema penal os processos de criminalizagao primaria e secundéria. A criminaliza¢ao priméria ocorre no momento de produgo da lel penal, em que os legisladores penais definem os bens juridicos que sero tutelados e suas respectivas penas. £ também nesse momento que 0 “padrdes” de comportamento entendidos como inaceitveis serao definidos, fazendo surgir uma diversidade de fatores seletivos, que direcionam a aplicaco do sistema penal perseguictio de determinados grupos, Apartir da compreensio da seletividade priméria do sistema, é possivel identificar também um proceso de criminalizago secundéria: no podendo o sistema penal punir todos os crimes realizados, € por meio da atuacéo dos agentes estatais que aplicam a lei que se decidir quais serao os casos que receberao punicao. E, bem, uma vez selecionados os sujeitos que receberdo, de fato, resposta punitiva do Estado, no Brasil e em grande parte do mundo, é no carcere que executarao a pena recebida, © problema é que, conforme ensina Erving Goffman (2007, p. 11), 0 cércere é uma instituicSo total, assim entendido como “[... um local de residéncia e trabalho onde um grande numero de individuos com situag3o semelhante leva uma vida enclausurada, formal e rigorosamente administrada’, onde o objetivo é disciplinar os sujeitos, destruindo sua individualidade e “reeducando-o” de acordo com os padres determinados pelo grupo social dominante. Assim, como se vé, 0 sistema penal ndo se configura justo e proporcional sequer quando funciona corretamente e, portanto, nao deveria continuar sendo aplicado em pleno século XI. VIDEOAULA: A SELETIVIDADE PENAL E O CARCERE COMO INSTITUIGAO TOTAL Aula em video sobre a Teoria da Seletividade Penal e sobre o carcere como instituicio to Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim A DECADENCIA DO IDEAL RESSOCIALIZADOR DA PENA DE PRISAO (Ossistema penal tem como funcGes a retribuicdo e a prevensdo, que deve ser alcancada nao apenas pela intimidaco gerada a coletividade pela pena aplicada ao delinquente, mas, principalmente, pela reeducacao do apenado para que, uma vez em literdade, este nao volte a delinquir. Para ser legitima, portanto, a pena deve ser justa, cumprindo as fungdes as quals se propde a cumprire apresentando carter proporcional, Nesse sentido, conforme ensina Prado (2008, p. 563): 6 6 [.] Assevera-se que a pena justa 6, provavelmente, aquela que assegura melhores condigées de prevencao gerale especial, enquanto potenciaimente compreendida e aceita pelos cidadios e pelo autor do delito, que sé encontra nela (pena justa) a possibllidade de sua expiacio e de concilagio com a sociedade. Dessa forma, a retribuigao juridica torna-se um instrumento de prevensao. Se assim nao fosse, a pena seria injusta e instrumentalizaria 0 corpo do apenado, violando os direitos humanos. E dai que vem a importancia do ideal “ressocializador” da pristo para manter legitima a intervengo do Estado e a aplicagao de seu poder de punir. Porém, frente as intimeras crises experienciadas no século passado, frente ao avanco do capitalismo, expansio tecnolégica e urbana, evidentemente, a criminalidade também passou a crescer e logo percebeu-se que a estratégia de combate e prevengio do crime, prevista na tradicao juridica ocidental, nao conseguia cumprir com. suas fungées. Fol nesse periodo que se descobriu, finalmente, a decadéncia do ideal ressocializador da pena de encarceramento. O principal estudo que evidenciou sua ineficdcia foi o artigo intitulado “Does Prision Works?", de Robert Mattinson, em 1974, que acompanhou 231 casos em programas de tratamento de reabilitagao de apenados nos Estados Unidos, concluindo sobre a reincidéncia criminal: com raras excegdes, o esforgo para reabilitar, reeducar 0 apenado nao surtia qualquer efeito sobre a probabilidade de esse sujeito voltar a delinguir. ‘Apés a divulgagdo desse estudo, a funcdo da pena que “Justificava’ seus excessos em nome do “bem coletivo” caiu por terra, gerando um grande ceticismo no émbito das ciéncias criminais com relagao a funcao da punigdo, Esse ceticismo, no entanto, desencadeou uma série de novas formas de pensar a punigdo estatal, porém, duas correntes dicotémicas ganham especial destaque: o “Realismo de Direita’, que surge nos Estados Unidos e na Inglaterra, 0 qual relacionado a ideais neoconservadores, que criticam o papel assistencialista do Estado e que origina uma prética juridico-penal “punitivista’; e o “Realismo de Esquerda’, que engloba uma série de teorias relacionadas a garantia dos direitos humanos, tais como o garantismo penal, o abolicionismo, etc. 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm Tudo isso exposto, como reflete criticamente 0 professor lfiaki Rivera Beiras (2017, p. 24-25), ainda que nunca se tenha demonstrado cientificamente o sucesso da func3o reeducativa da pena, “..J claro esté que ela cumpriu centenariamente a fungio de se apresentar, no discurso juridico como doutrina de justificago do cércere unitivo". € ainda que esta se mantenha vigente ainda no presente, “como finalidade e doutrina de justificagso da pena carceréria, ela restou efetivamente sentenciada” apds as descobertas da criminologia no século XX. Por isso, faz-se fundamental questionar, assim como questiona 0 supramencionado autor: "em que pese 0 discurso politico que hoje ainda pretende sustenté-la, cabe pensar com realismo: que sentido e que possibilidades possui uma aposta semelhante em contextos e tempos de crise econémica, politica e social profunda, em que o cércere se reclama como uma medida inécua?" (RIVERA BEIRAS, 2017). VIDEOAULA: A DECADENCIA DO IDEAL RESSOCIALIZADOR DA PENA DE PRISAO ‘Aula em video sobre a decadéncia da fungdo "ressocializadora" da pena privativa de liberdade de acordo com os conhecimentos da criminologia. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital UMA CRIMINOLOGIA GLOBAL E DO DANO SOCIAL (© Holocausto judeu acorrido durante @ Segunda Guerra Mundial na Alemanha Nazista representou uma ruptura profunda na Histéria. Durante esse periodo, todo o mundo péde acompanhar a jungao entre violéncia, burocracia e racismo, trabalhando sistematicamente a mando do Estado e produzindo uma catastrofe mundial, provocando danos sociais inimaginaveis e legitimados pelo préprio Direito. E como bem ensina Bauman (2010, p. 34), 0 Holocausto e todas as atrocidades que culminaram com a Segunda Guerra Mundial eram fruto previsivel dos ideais da “civilizagéo" ocidental moderna e de seu projeto iluminista. Os valores desse movimento nao representaram condicdes “suficientes”, mas sim, “necessérias” para que o Holocausto se realizasse: 6 6 Foi o mundo racional da civilizago moderna o que fez com que o Holocausto pudesse ser concebido. [..J Ao invés de potencializar a vida, que era o elo original do lluminismo, ‘comegou a consumila. O sistema industrial europeu e a ética associada a ele fizeram ‘com que a Europa fosse capaz de dominar 0 mundo. E 0 assassinato em massa da comunidade judia europeia perpetrado pelos nazistas ndo foi apenas um éxito tecnolégico da sociedade industrial, mas também um éxito organizativo da sociedade burocratica. 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm Dessa percepsao critica, surgiu a tendéncia, nas ciéncias humanas e sociais, de interpretar a hist6ria de maneira negativa, identificando quando os fatos no sao contados de forma “completa” pelas vias oficiais e passando-se a considerar, também, as perspectivas, os relatos e a vida daqueles sujeitos que sofrem os “danos colaterais" da hist6ria construda sobre o ideal de “progresso”; as vitimas deixadas pela histéria para que o status quo - e os privilégios das elites ~ pudessem ser mantidos. Fol apés a Segunda Guerra Mundial, portanto, que surglu profunda preocupagao da ciéncia e da sociedade acerca dos danos sociais que, por vezes, nao sdo crimes, mas que evidentemente afetam de modo profundo a coletividade, Inaugura-se, assim, toda uma nova vertente de pensamento critico da criminalidade, que pretende se desvincular ainda mais das amarras do Direito e da letra da lei para, assim, ser capaz de perseguir a todas as condutas que causam danos 8 sociedade. Um dos principais expoentes dessa linha de pensamento é Wayne Morrison (201 2), que defende em sua obra que a “criminologia tradicional’, que esteve vigente até o século XX, ocupou-se apenas em estudar os crimes comuns, 0s sujeitos que o praticam e os 6rgos que os administram, mas sempre dentro de um determinado “espaco civilizado", sem considerar a sociedade de forma global. Assim, essa criminologia jamais confrontou a teoria da responsabilidade individual com os massacres e genocidios que foram perpetrados pelos Estados € pelas grandes empresas, cujas ages ocasionaram diversos danos sociais nas uiltimas décadas. Morrison critica as vertentes tradicionais da criminologia ao apontar que elas se dedicaram a lidar com o ladrao de bicicletas, com os homicidas e com tantos outros criminosos que praticaram crimes comuns, mas que jamais se ocupou em analisar os homicidios em massa produzidos pelas pollticas dos Estados, as violagdes produzidas com finalidades politicas e de tantas outras lesdes a direitos humanos que, proporcionalmente, so muito mais graves. Assim é que o autor defende a necessidade urgente de produzir-se uma criminologia que se compreende “globat’, “universal” e, portanto, nao se restringe a estudar apenas aquilo que determina a lei penal dos Estados como crime e, principalmente, que no exclui nem ignora o genocidio. VIDEOAULA: UMA CRIMINOLOGIA GLOBAL E DO DANO SOCIAL ‘Aula em video sobre a perspectiva de uma “Criminologia Critica Global" e sobre a Criminologia do Dano Social como ruptura moderna do pensamento criminolégico. Para visualizar 0 objeto, acesse seu material digital ESTUDO DE CASO Imagine a seguinte situacao: Jo%0, motoboy e morador da periferia, é, também, usuario de maconha, Por esse motivo é que Jodo, as 20h de uma tipica quarta-feira, portava consigo trés cigarros de maconha quando foi revistado ocasionalmente no centro da cidade, préximo de um dos locais onde trabalhava. 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm Os policiais apreenderam junto a Jodo, além dos trés cigarros de maconha, R$ 58,00 em notas trocadas, o que motivou a lavratura de Boletim de Ocorréncia contra ele, apontando-o como suposto “traficante de drogas" e constando come provas do delito o testemunho dos dois agentes policiais que o detiveram Durante o proceso penal, Jodo ndo pode arcar com as custas de um advogado, razio pela qual Ihe foi nomeado um defensor pUblico que explicou, na defesa, que o réu ear apenas de um usuério da cannabis, figurando, portanto, no disposto no art. 28 da Lei de Drogas (BRASIL, 2006) e ndo no crime de trafico previsto no art. 33 do mesmo diploma e que figurava na dentincia contra Joao. 0 juiz, no entanto, utilizando-se de seu direito ao “livre convencimento motivado" e utilizando-se das abstracées da Lei de Drogas, entendeu que as provas presentes no processo eram suficientes para provar a materialidade ea autoria do crime de tréfico de drogas, quais sejam ()) os trés cigarros de maconha, totalizando em torno de duas gramas de cannabis; (i) RS 58,00 subdivididos em duas notas de vinte reais, uma nota de dez e o restante do valor em moedas; (il 2 declarac3o dos dois agentes policais que realizaram a apreensdo. Por isso, Jodo foi condenado a cumprir pena de privago de liberdade junto ao sistema penitencidrio brasileiro. Porém, frente as condicdes precérias do sistema, com a alimentagio deficiente e rica em gordura oferecida, pela escassez de toda sorte de bens materiais, bem como pelas pressGes e ameacas de violencia entre os detentos, Jodo se vé obrigado a encontrar uma forma de ganhar dinheiro para poder sobreviver de forma segura pena privativa de liberdade nesse “estado paralelo"; mas ao ser preso, perdeu o emprego e sua Unica fonte de renda, No entanto, poucas unidades penitencidrias brasileiras oferecem oportunidade de trabalho aos detentos e, infelizmente, a priso em que Jo3o cumpriu pena nao era uma delas. Frente a esse cendrio de absoluto abandono material por parte do Estado e frente a sua situagio de necessidade, Jodo se filia a facc3o criminal que domina a drea em que se encontra preso, colocando-se & disposi¢go do comando criminal para fazer as atividades necessérias, em troca de proteio material e fisica dentro do cdrcere, bem como a de sua familia, durante o periodo de sua pena, Assim é que Jodo, que ndo era criminoso antes de adentrar o sistema penal, o deixar comprometide com 0 mundo do crime durante toda a sua vida Ante 0 caso hipotético exposto, que simula histérico de um detento e que conta com diversos elementos comuns da realidade pratica do sistema penitencidrio brasileiro, reflta e responda com base nos conhecimentos adquiridos nessa aula: + Vocé consegue identificar os processos de criminalizagdo primaria e secundéria no caso analisado? Explique. + Da forma como se dé a experiéncia pratica da privac3o de liberdade no Brasil, vacé acha que o cércere, controlado pelo Estado, produz danos sociais? RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO No caso apresentado, 0 réu Jodo foi acusado do crime de tréfico de drogas conforme disp6e o art. 33 da Lei de Drogas e cuja pena aplicavel pode ser de cinco a quinze anos de prisio. Ocorre que, como visto no problema, Joo no traficava, apenas portava a cannabis para seu consumo préprio, e deveria enquadrar-se no aue dispde 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim © art, 28 do mesmo diploma legal, recebendo pena relativa a infracdo penal de menor potencial ofensivo e cujo objetivo é, justamente, ndo levar o individuo ao cércere Adistingo entre a figura do usuario e do traficante, justamente, para impedir que a confusdo entre as duas figuras aconteca no momento de fixacao da pena, devendo a pena de trafico, crime equiparado a hediondo, ser aplicada apenas nos casos comprovados, para no haver injusticas. Porém, no caso exposto, no fol isso o que ocorreu, Joao, usuario de cannabis, fol denunciado como traficante. Dentre as provas utilizadas para fundamentar a condenagio, estavam apenas trés cigarros para uso pessoal, notas diversas totalizando R$ $8,00 - dois pontos interpretados pela jurisprudéncia patria como circunstancias indicativas do crime de trafico - e o testemunho dos agentes policiais que abordaram Jodo e o identificaram como “traficante’. No entanto, como se pode perceber, é a deficiéncia legislativa e a vagueza do: mos previstos na lei o fator que primeiro permite que a seletividade penal ocorra, por meio da criminalizagao primaria. Nesse sentido, 0 parSgrafo 2° do art. 28 da Lei de Drogas dispoe que: Anatureza e quantidade da substncia apreendida, ao local e as condiges em que se 66 ‘Art, 28. §2° Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, 0 juiz atendera desenvolveu a agao, as circunstancias sociais e pessoais, bem como a conduta e aos antecedentes do agente. Assim, ao determinar que a distingdo entre a figura do “traficante” e do "consumidor” se basele por termos to genéricos e abstratos, a legislagao cria todo um sistema de lacunas legais que possibilita, também, a seletividade secundaria. Afinal, se a lei é abstrata em um pais estruturalmente racista, patriarcal e capitalista, evidentemente a criminalizaco secundaria seguiré no mesmo sentido. Ao nao indicar a quantidade de substancia entorpecente que ser considerada como “aceitvel” ao consumidor, a legislagao permite a instrumentalizacao da referida legislacao: ‘com uma certa quantidade de droga, ela poderd ser mais facilmente identificada como usudrio (e, portant, nao seré submetida a prisdo) quando comparada a um homem, 6 6 ‘Se uma pessoa de classe média, em um bairro de classe média, venha a ser encontrada pobre, em possessio da mesma quantidade de drogas em seu bairro pobre. — (MACHADO, 200, online) u seja, a0 dispor arbitrariamente sobre determinados fatores fundamentals 4 compreensao da conduta criminal, permitiu-se que os processos de criminalizac3o priméria e secundaria constitulssem a Lei de Drogas no Brasil como ferramenta de instrumentalizacao do sistema penal para perseguir aos grupos marginalizados. 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm E ao submeter 0 sujeito perseguido ao “estado de coisas inconstitucional” que reflete a realidade do cdrcere brasileiro e cuja dindmica se configura como uma espécie de “escola do crime”, é evidente que o Estado acaba gerando danos sociais muito mais graves 8 sociedade com a aplicagao incorreta do seu poder de punir do que aqueles danos ocasionados por sujeitos que, como Jodo, sdo selecionados ao cércere por meio dos critérios, definidos pela lei. Em casos como o exposto, se Jodo se torna criminoso, é porque ele foi, primeiro, vitimizado pelas agéncias de controle social formal e, consequentemente, pelo Estado. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 69 Saiba mais + “Hacia una de Ifiaki Rivera Beiras Esse artigo cientifico é uma breve mas muito completa viagem pelos fundamentos, funcdes e objetivos da criminologia frente as probleméticas sociais da contemporaneidade. O autor, expoente da Criminologia Critica, propoe a compreensdo dessa vertente de pensamento de uma forma "global’, considerando 0 Ambito universal e os direitos humanos fundamentais como horizonte de atuago das ciéncias criminais. A leitura é répida, facile vale a pena o esforco! Disponivel em: https://vwww.redalye org/iatsReno/537/53744476003/htm/index. htm, + *Criminologia, civilizacién y Nuevo Orden Mundial", de Wayne Morrison A obra indicada é 0 estudo mais significativo de Morrison e expe com clareza os primeiros contornos da ruptura epistemolégica que prope a Criminologia do Dano Social. A obra aponta a responsabilidade dos Estados e das grandes corporacées capitalistas em episédios que ocasionaram diversos danos sociais gravissimos humanidade e que, apesar disso, nunca receberam qualquer resposta - ou reconhecimento da ilegalidade — junto ao sistema penal. Quando vocé tiver aquele tempinho, ndo deixe de encaixar essa experiéncia na sua lista de leituras! SessGes de cinema para aprender mais sobre a criminologia: + “Laranja mecanica’, de Stanley Kubrick (1971) Esse filme oferece uma experiéncia artistica profunda, que te conduz na histéria de uma gangue de jovens que, num futuro utépico e autoritério, espalham o caos por meio de atos de violéncia gratuita e que acabam detidos junto ao sistema penal para serem "curados" por melo de um programa especial do Estado de “reeducacao". Explorando questées socials e pollticas atemporals, o filme promove uma reflexdo critica muito complexa sobre o ideal ressocializador do cércere punitivo e sobre as fungées da punigao. Nao deixe de conferir! 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim IMPACTOS DAS ESCOLAS CRIMINOLOGICAS NO BRASIL Identificar as Escolas Criminolégicas e comparar suas principais aiferencas de pensamento, correlacionando tais ensinamentos as problematicas que envolvem o fenémeno criminolégico no Ambito brasileiro. INTRODUCAO Como foi possivel perceber pelos temas estudados até aqui na disciplina, os conhecimentos da criminologia quase sempre foram idealizados e implementados considerando 0 contexto social do norte global, mais especificamente, do continente Europeu e sé muito recentemente tém-se atentado a urgente necessidade de pensar-se uma criminologia prépria as caracteristicas e necessidade do sul global, Justo por isso € que, por séculos, 0 Brasil e 0s outros paises das “periferias do mundo ocidental’, se viram profundamente afetados pela tradicao juridico-penal proposta pelas escolas criminolégicas europeias e, coincidentemente, foi com a primeira escola americana - Escola de Chicago e, posteriormente, a Criminologia Critica - que a emancipagao do pensamento criminolégico do tradicionalismo europeu comecou a ocorrer. Nessa aula, portanto, sobre os impactos das Escolas Criminolégicas na realidade brasileira que nés vamos estudar. Vamos comecar? IMPACTOS DE UMA CRIMINOLOGIA RACISTA © principal aspecto de interesse ao Ambito sociocultural que foi trazido pela cultura europeia aos espacos que colonizou, é 0 racismo. 0 racismo nao surge com 0 Colonialismo, mas é nesse processo que, pela primeira vez, a cor da pele negra é atrelada a inferiorizacao. O préprio conceito de raga utilizado para classificar os seres humanos é criago da Modernidade, e ganharia forga especial com o lluminismo, que, posteriormente, justificaria essas “crencas” por meio da “razo cientifica". Nesse contexto & que se pode afirmar que o principal impacto das Escolas Criminolégicas no Brasil foi o “racismo criminolégico’. Conforme bem ensina Silvio de Almeida (2019, p. 23), 0 racismo pode ser definido como “[..] uma forma sistémica de discriminacao que tem a raga como fundamento, e que se manifesta por meio de praticas conscientes e inconscientes que culminam em desvantagem ou privilégios & individuos, dependendo do grupo racial ao qual pertengam". O autor defende que o racismo “é sempre estrutural’, no sentido em que é elemento constitutivo dos Estados Modernos e, por ébvio, no Brasil ndo seria diferente. Dentre os impactos do racismo no Brasil, podem ser citados inumeros episédios. O genocidio dos nativos Indigenas e a escraviddo que perdurou por quase quatro séculos so dois dos mais graves exemplos dessa realidade segregadora. No entanto, 6 com a aboligao desamparada da escravidio que o racismo brasileiro passava a ser exercido “..J cada vez mais em siléncio, no interior das instituigBes” (FLAUZINA, 2008, p. 74) 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm Como bem ensina Nascimento (2016, p. 62),“[..] deixando aos africanos e seus descendentes fora da sociedade, a aboligo exonerou de responsabilidade a todos os senhores de escravos, 0 Estado e a Igreja. Se extinguiu todo © humanismo, qualquer gesto de solidariedade ou justica social: 0 africano e seus descendentes que sobrevivessem como pudessern" ‘A l6gica seletiva do sistema, no entanto, nunca deixa de ser racista, e é no encarceramento que 0 Estado encontraré a forma mais eficiente de continuar a perseguir 0 grupo negro, 0 que faz respaldado nos fundamentos do Positivismo criminolégico, que nao debxaria de ser aplicado, mas passaria a esconder-se nos discursos publicos a partir da década de 1930. Isso porque, no referido periodo, o Brasil se preparava para se adequar a dindmica do capitalismo industrial, gerando a necessidade de unificagéo social e 2 formacao de um mercado interno. Essa necessidade, somada as diversas tens6es sociais que eram palco politico e cultural da época, faz com que o Estado brasileiro invista na disseminagao da imagem de um Brasil constituldo por uma “democracia raciat’, assim entendida, conforme ensina Nascimento (2019, p. 35), como um Estado em que J negros e brancos convivem harmoniosamente, disfrutando de iguais oportunidades de existéncia, sem nenhuma interferéncia, nesse jogo de paridade social, das respectivas origens raclais ou étnicas’ Essa ideia foi muito bem recepcionada pelos mais diversos segmentos da sociedade brasileira e impactou profundamente na naturalizacao do racismo estrutural do Estado, desencorajando qualquer discussao de raga j8 que, no pats da democracia racial, desigualdade sequer pode ser pauta, No entanto, essa ideia passaria a ser identificada como “mito” quando surge a Criminologia Critica, com uma interpretacio negativa da histéria, passando a compreender a influéncia das agéncias de controle social formal no fendmeno criminal e denunciando que o projeto racista do Estado brasileiro continuava vigente, apenas havia trocado sua forma de expressio, VIDEOAULA: IMPACTOS DE UMA CRIMINOLOGIA RACISTA Aula em video sobre os impactos do racismo no fenmeno criminal brasileiro. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital O SISTEMA PENAL BRASILEIRO. Como jé estudado, fol a Criminologia Critica que rompeu efetivamente com a tradicdo positivista do pensamento criminolégico. Foi a partir dela, também, que o projeto racista do Estado brasileiro péde comesar a ser revelado, mas seria por meio dos abusos experienciados durante o periodo de Ditadura Militar, iniciado em 1964, que a sociedade brasileira passaria a questionar e criticar 0 poder punitivo do Estado. Porém, como ensina Flauzina (2008, p. 83), a Ditadura Militar de 1964". foi a primeira vez em que a truculéncia do aparato policial brasileiro se posicionou, incontestavelmente, em diregdo aos corpos brancos, dentro de movimentos que se insurgiram contra a Ditadura, construindo a imagem de um ‘inimigo interno’ a 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm quem toda sorte de intervencao estaria legitimada’. €, nao coincidentemente, foi justo nesse periodo que a atuag3o arbitréria, desproporcional e violenta desse Estado comegou a ser denunciada com forca junto & sociedade, Ou seja, em um Estado profundamente marcado pelo racismo contra o negro desde sua constituigao, 6 apenas no momento em que a violéncia se direciona aos corpos brancos que se captura a atengdo do ambiente académico sobre a brutalidade policial brasileira, Contudo, mesmo antes, durante e depois da Ditadura Militar, 0 aparato punitivo do Estado jamais deixou de perseguir os corpos negros como prioridade, e até hoje, ern 2021, os dados do sistema penal e penitenciério brasileiro ainda apresentam profundos impactos do racismo. € isso, por exemplo, que se pode retirar de uma anélise critica do perfil do detento junto ao sistema penitenciario brasileiro, De acordo com dados do Departamento Penitencidrio Nacional (BRASIL, 2021), quem é atualmente preso no Brasil & 0 jovem (41,9% tem entre 18 29 anos), pobre e negro (66,28%), que é conduzido ao cércere em razdo da pritica de crimes patrimoniais (40,919), categoria delitiva que sé costuma ser praticada por quem nao tem recursos, e pela Lei de Drogas (29,9%), uma das principais ferramentas de seletividade penal dentro do ordenamento juridico-penal brasileiro (© que se tem no Brasil é, justamente, o que Wacquant (2010) denomina um processo de “criminalizagio da pobreza’, segundo o qual o sistema penal, por meio de sangGes estigmatizantes e seletivas aplicadas por seu aparato punitivo aos individuos de classes mais pobres, atua impedindo que os integrantes dessas classes ascendam socialmente as classes mais altas, justamente com o objetivo de segregé-los da sociedade, mantendo-os excluldos dos privilégios de ter “direitos iguais", Essa criminalizacio da pobreza na realidade brasileira, no entanto, nao pode desvincular-se da questo racial, jé que como visto pelo histérico do ordenamento juridico-penal brasileiro, o grupo de afrodescendentes, que corresponde, atualmente, a mais de 56% da populacdo brasileira, jamais recebeu uma chance justa de integrar alguma classe social, que no, a classe baixa, j4 que o Estado e a sociedade brasileira nunca repararam 0 dano ocasionado por quatro séculos de escravidao. Nesse sentido, com a Lei de Drogas e a politica criminal punitivista que vem sendo aplicada no Brasil desde 2006, uma anélise do encarceramento massivo desde uma perspectiva de raga denuncia que a “guerra as drogas” que vem sendo travada pelo Estado brasileiro melhor se definiria como uma “guerra aos negros e aos obres', j4 que so esses os sujeitos que acabam sendo selecionados massivamente ao cércere em razo dessa legislagio. VIDEOAULA: O SISTEMA PENAL BRASILEIRO ‘Aula em video sobre os impactos do racismo no sistema penal brasileiro na contemporaneidade. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital HORIZONTES DO PENSAMENTO CRIMINOLOGICO NO BRASIL 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim Como vis , € 0 racismo um dos problemas estruturais brasileiros, importados da tradico europeia imposta a todo 0 territério brasileiro desde sua constituigao, Nas ciéncias criminals, trata-se do “racismo criminolégico" o fator de maior impacto na problemética da criminalidade brasileira. € em razao da manutengo das bases dessa tradicao criminol6gica ainda presente na pratica das agéncias de controle social formal do Estado que 0 racismo, como fator de criminalizac3o, continua legitimando violencia e segregacdo no interior do sisterna penal. Nesse sentido, como denuncia Flauzina (2008, p. 69): racismo que, por meio da criminologia, construiu uma prética policial republicana consciente de seu papel no controle da populagao negra. Esto ai as bases da afirmagao tao contempordnea e verdadeira de que ‘todo camburao tem um pouco de navio 6 6 Se’ chicote sobreviveu nos subterrdneos do sistema penat, fol gragas a0 aporte do negreira. Assim & que qualquer direcionamento das ciéncias criminolégicas na realidade brasileira deve, inevitavelmente, tratar o racismo como um elemento fundamental no momento de compreender a dindmica da criminalidade. Isso porque é possivel afirmar que o sistema penal brasileiro aplica uma "necropolttica", assim entendida como uma politica criminal que determina quem pode viver e quem pode morrer, e em que o racismo ¢ 0 que determina quem poderd morrer. ‘A“necropolitica", segundo Mbembe (2018, p. 32): © local por exceléncia em que os controles e as garantlas da ordem judicial podem ser [..] Consiste fundamentalmente no exercicio de um poder & margem da lei. eno qual tipicamente a ‘paz’ assume o retrato de uma “guerra sem fim’. [..] AS col6nias so suspensos - a zona em que a violéncia do estado de excegio supostamente opera a servico da “civilizacio". Afinal, é inegavel, ao analisar os dados oficiais sobre a criminalidade e sobre o sistema penitenciario no Brasil, que o problema criminal ainda se encontra profundamente atrelado 8 raca, e a violéncia do sistema atua em direcdo ao mesmo alvo definido pelo projeto colonial o negro, Essa 6 a gravidade dos impactos desse racismo velado na atuagdo seletiva do sistema penal, sendo a Lei de Drogas uma das ferramentas utilizadas para perseguir seus objetivos racistas. E as vitimas, dos dois lados, so 0s negros: 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm 6 6 Nés estamos olhando os niimeros e percebendo que, enquanto o Brasil finge que nao tem problemas raciais, um racismo estrutural organiza as relacbes raciais do pals, € quem morre e quem mata so, proporcionalmente, muito mais os negros que os brancos. [..J é cruel perceber, na pratica, que as vitimas de todos os lados desse confronto que nao faz o menor sentido s4o as mesmas. Entre os policiais e entre a populac3o como um todo, nés estamos matando aos negros. —(01As; ADORNO, 2020, online) Ou sea, é evidente que o racismo estrutural é o principal fator que define a dinamica seletiva do sistema penal brasileiro ainda na contemporaneidade, refletindo um proceso histérico e cultural de naturalizagao da desigualdade racial, e a construc de uma criminologia capaz de enfrentar eficientemente essa realidade nao pode se desvincular do enfrentamento a esse racismo. Assim, os horizontes do pensamento criminolégico no Brasil devem englobar andlises criticas do sistema penal, \dicionalmente eurocéntrica. € na que busque a emancipacio cientifica da producao de conhecimento compreensdo das reais raizes do racismo e suas especificidades na realidade brasileira que uma criminologia propriamente brasileira deve seguir para enfrentar, eficazmente, a criminalidade. VIDEOAULA: HORIZONTES DO PENSAMENTO CRIMINOLOGICO NO BRASIL Aula em video sobre os horizontes do pensamento criminolégico de acordo com as caracteristicas especificas da criminalidade na sociedade brasileira, Para visualizar o objeto, acesse seu material digital ESTUDO DE CASO Observe as informacées a seguir aduzidas: 1. Dados sobre desigualdade racial no Brasil De acordo com dados do Senado Federal (2020), ao menos 56% da populago brasileira se autodeclara negra No entanto, de acordo com pesquisa do IBGE (2018), 0s negros e pardos trabalham, estudam e recebem menos que os brancos no pais. Em 2018, os negros representavam 64% dos desempregados, apenas 46,9% dos trabalhadores e, dentre os empregados, a maior parte ocupava atividades nos setores com menor rendimento médio. Em 2017, estima-se que os brancos receberam um salério 72,5% maior que aquele recebido por negros e pardos no mesmo periodo. Enquanto 16,4% dos brancos brasileiros encontrava-se entre os 10% da populagao 2504/2022 17:23 ad_wl_221_u2_tun_evie situago, a desigualdade também se revela: 13,6% dos negros estavam entre os 10% com menores rendimentos © apenas 5,5% entre os brancos se encontravam em situagao similar. Aprépria pesquise menciona que “esse resultado [...] que se mantém com pequenas oscilagdes ao longo da série, reflete desigualdades historicamente constituidas, como a maior propor¢ao dos trabalhadores negros e pardos no segmento de empregados sem carteira de trabalho assinada’ (IBGE, 2018, p. 45). Como se v8, 0 racismo estrutural herdado do projeto colonial no Brasil ndo condiciona o segmento negro apenas ao carcere. 2. 0 mito da “democracia racial” ‘Abdias Nascimento (2016, p. 41), um importante autor antirracista brasileiro, denuncia o mito da “democracia racial” desde 1970: 6 6 Desde os primeiros tempos de vida nacional até os dias de hoje, o privilégio de decidir tem ficado unicamente nas méos dos propagadores e beneficlérios do mito da *democracia racial’. Uma “democracla"cuja artificlosidade se expe aqueles que queiram ver; em que s6 um dos elementos que a constituem detém todo 0 poder em todos 0s niveis politico-econémico-socials: o branco. Os brancos controlam os meios de disseminacio de informacées, 0 aparetho educacional eles formulam os conceitos, as armas ¢ 0s valores do pats. 3. Seletividade penal racial e a Lei de Drogas no Brasil ALei n? 11.343/2006 tem sido apontada por juristas e investigadores criminolégicos como uma ferramenta que tem possibilitado 0 encarceramento massivo no Brasil. Desde que a referida legislagao foi criada, a populacdo carceréria brasileira cresceu mais de 300%, como é possivel observar no grafico abaixo: {Grfico 1 | Evolugo do aprisionamento no Brasil~ 2000 « 2013, ‘a00 3 —_ 7.08 000 som mass 2mo00 vase on000 ee ‘00 2001 zone z008 2004 2005 2006 2007 2008 2009 A010 ziti 2012 ams ore 2015 2016 017 2018 2019 — hscara stuns Femara == Pree sb Cua s_— Tt cesns ecaco Fonte: Férum Brasileiro de Seguranga Piblica - FBSP (2020, p. 282), 2sioar2022 17:28 tas_wi_221_u2_fun_etim ‘Além de resultar em um aumento do encarceramento, a legislacao citada também tem sido apontada como um. instrumento que possibilita o direcionamento do aparelho punitivo do Estado ao segmento negro da sociedade brasileira. Tal argumento se sustenta ndo apenas pelos determinantes histéricos da punicdo no Brasil, mas, principalmente, pelos dados que evidenciam que quem tem sido enviado ao carcere, desde a criagdo da Lei de Drogas é, justamente, 0 povo negro: TTabela 1 | Evolucdo do encarceramento entre a populagdo negra e branca no Brasil entre os ancs de 2005 e 2019 Ped is. Asoo cecy 2005 nr Se em] 8] 1088] oF a7] oz 2006, 135426 567 7.2 08 187 oF oz a3 07 ma serfs ma EJ 0a | wa 2008 217100 ea W748 35 278) 7 ait a 2000 20351 $80) 16.197 Ba 2126 08 En co 2010 278 203) 16535 20) 206 05 78 02 cn =] aa] 000] 5 100] 05 7a] 02 2012 248 cu rast 357) 214 a5 er a2 2018 ans an an Ex] 2785 08 7] cy 2014 32635 817, e805 312 3312 a7 266 ar 5 ial =r, o7 7) 2018 ‘Mos 035) 188741 2 amt 08 co at aor wom eas] 928 ms] sa] 03] 1200] we 2018 8057 080 108.84 a) 552 08 1201 a2 208 oi war] eae wal sa 08 i ca Fonte: Férum Brasileiro de Seguranga Pablica - FBSP (2020, p. 304), De acordo com os dados apresentados, reflta e responda de forma critica: + Como o mito da “democracia racial’ se relaciona com os impactos do racismo estrutural na prética do sistema penal brasileiro? + Pode-se afirmar que 0 encarceramento em massa promovido pela politica criminal punitivista do Estado brasileiro e aplicado, especialmente, pela Lei de Drogas, tem apresentado resultados mais impactantes no segmento negro que no grupo branco? RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO Por meio de uma andlise critica dos dados expostos, pode-se perceber que, ainda que os negros sejam matoria da populagio brasileira, ainda constituem uma minoria econémica, politica e cultural, enquanto também figuram como densa maioria dos suieitos pertencentes 20s espacos de exclusdo, sendo 0 cércere sua exoresséo mais grave. 2sioar2022 17:28 tes_wi_221_u2_fun erm © mito da “democracia racial” corresponde a um dos principais instrumentos que permitem a naturalizagao do racismo estrutural no Brasil, que permite com que esse status quo racialmente segregador permaneca vigente. ‘Afinal, por melo da propagaco desse mito, rege as relagdes socials no Brasil uma espécie de “etiqueta racial’ 6 6 Essa etiqueta dita fortemente contra qualquer discussio da situagao racial, e assim ela efetivamente ajuda a perpetuar o modelo de relagdes que tem existido desde a escravidao. Tradicionalmente, se espera que os negros sejam gratos aos brancos por generosidades que Ihes foram concedidas, e que continuem dependendo dos brancos, {que atuam como patronos e benfeitores deles; também se espera que os negros continuem aceitando aos brancos como porta-vozes offciais da nao, explicando aos cestrangeiros a natureza ‘tinica’ das relagées racials brasileiras. A etiqueta decreta também que os sofismas oficiais usados para descrever a situagao brasileira como uma ‘democracia racial’ sejam aceltos sem discussao, enquanto a andlise critica e a discussao aberta desse delicado assunto sdo fortemente desanimadas. — (MINORITY RIGHTS GROUP, 2018, online) Foi por meio do mito da “democracia racial", com a negacao do racismo e a consequente invisibilidade do sofrimento e da vitimizagio do negro brasileiro que os detentores do poder puderam reformular e continuar 0 mesmo projeto racista aplicado desde o BrasilColénia, No entanto, apés a difusdo desse mito, é por meio de uma nova forma de necropolitica, que deixa de agir com violéncia direta e passa a atuar de forma velada, que racismo se concretiza. Esse 6 0 impacto desse mito no sistema penal brasileiro e em sua l6gica de seletividade, j6 que, como bern ensina Almeida (2079, p. 49) aideia de “democracia racial “—..J ndo se explica por uma ‘revolugdo interior’ ou por uma ‘evolucio do espirito’, mas por mudangas na estrutura econémica e politica que exigem formas mais sofisticadas de dominacao". E é nesse sentido, correspondendo a uma dessas “formas sofisticadas de dominag3o", que a Lel de Drogas e a politica criminal punitivista que com ela se aplica se apresenta na realidade brasileira. Isso &, justamente, o que se pode retirar de uma anélise critica dos dados apresentados. Pode-se observar que, ‘em 2005, os negros representavam apenas 58,4% dos encarcerados, enquanto os brancos eram 39,8%. A partir do ano de 2006, com a entrada em vigéncia da Lei de Drogas, no entanto, a proporcionalidade entre o aprisionamento de brancos e negros muda consideravelmente, € em 2019 os negros jé representavam 66,7% dos encarcerados, e os brancos, somente 32,3%. A taxa de variaggo no encarceramento negro é de 377,7%.Jé a de brancos, é de apenas 239,5%. Assim, considerando que os delitos relacionados as drogas correspondem a uma das causas mais frequentes de encarceramento (quase 30% dos delitos), atrés apenas dos delitos patrimoniais, 6, sim, possivel afirmar que a juerra as drogas” promovida pelo Estado brasileiro tem, sim, impactado muito mais profundamente os negros racismo € 0 principal fator que determina a légica seletiva do sistema penal brasileiro, 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 63 Saiba mais Leitura complementar: + “Racismo estrutural”, de Silvio de Almeida Essa é uma das obras mais importantes para compreender a estruturacao do racismo no Brasil. O autor trata do tema considerando quatro eixos principais, trabalhando o racismo como ideologia, seus impactos junto & politica, no émbito do Direito e junto 8 economia, contextualizando e explicando uma série de probleméticas que envolvem discriminagao de raca e que afetam a vida na sociedade brasileira, No deixe de ler! + “O genocidio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado”, de Abdias Nascimento A obra citada € uma das mais valiosas contribuigées hist6rica, sociol6gica, poltt -a e cultural no ambito brasileiro. © autor promove uma reconstrucao histérica critica que denuncia o racismo estrutural e 0 projeto de genocidio do negro brasileiro que, desde a era colonial, segue vigente nas entrelinhas da atuagao do ‘ado brasileiro, sendo o mito da “democracia racial’ uma das principais ferramentas que permitem a manuten¢So dessa situagio de profunda desigualdade racial no pafs. Vale muito a pena conferie! "A seletividade penal e racismo estrutural no Brasil: a importdncia da perspectiva da memséria no combate ao genocidio racial”, de Julia Abrantes Valle Esse artigo, da autora deste material, é uma op¢do para que vocé possa se aprofundar ainda mais na Teoria da Seletividade Penal e como ela se relaciona, na realidade brasileira, ao racismo estrutural que compée o Estado. Se quiser e puder, lela! Disponivel em: https://doi.org/10,32361/2021130211526. REFERENCIAS Aula1 ALMEIDA, S. L. Racismo estrutural. Sdo Paulo: Editora jandaira, 2019. ANDRADE, V. R. P. Sistema penal maximo x cidadania minima: cédigos de violéncia na era da globalizacao. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 2504/2022 17:23 d_wl_221_u2_fun_erim BARATTA, A. Cri inologia critica e critica do Direito Penal: introducao a sociologia do Janeiro: Freitas Bastos, 2002. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Cédigo Penal. Brasilia, DF: Presidéncia da Republica, 1940. 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