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CAPITULO I com MICHEL DE CERTEAU DOMINIQUE JULIA A beleza do morto: 0 conceito de «cultura popular» ® gue cobreessas™ melo inocer as "Gt" precisamente na base dew d concep¢aio™elitista—da~cultara. “Aen propria distancia {que sepata 6 ouvinte—d 1O_Suposto _compo- sitor. : Mas a atitude assim delimitada no é apenas obra de uma aristocracia mais ou menos masoquista. E realizagio dos Cons- tituinees. O inguérito que 0 Abade Grégoire, péroco de Embermesnil, lana em Agosto de 1790 acerca dos patois de Franca, e que tem como resultado o seu famoso relatério © Histoire de le rosiére de Salancy ou recucil de pitces tant en prose 4qu'en vers sur la rositre dont quelques unes n'ont point encore parues, Paris, Merigot, 1777, p. 83. : 7 Nas anesiine relagdes de festas de roseiras do fim do ie culo XVIII, 0 povo surge como um fgurante 305 olhios enternecidos dos cortesios que vém fazer uma viagem ia. "CE Ainda, hoje enti Davenson,, Le Livre de Chanons, Club des Libraires de France, 1958, p. 20. Digitalizado com CamScanner 54 A BELEZA DO MORTO de Prairial, ano II: Sur la necéssité et les moyens Aantantin In patois et d'universaliser V'usage de la langue Srangaise € extre. mamente revelador. O que conta aqui no so propriamente a informagdes — que 0 historiador pode ¢ deve retirar dat Para uma anélise da cultura popular — mas sim a intengag manifestada pelo inuiridor e seus correspondentes. Tratase simultancamente de colewionar («Tem obras em patois impressas ou manuscritas, antigas ou modernas? [...} Seria possivel arranjé-las facilmente'®?») e de reduzir («Qual seria a impor. tancia religiosa e politica da destruicao completa desses patois? {1 As pessoas do campo sio mais preconceituo. Sas ¢ como? [...] Esto mais esclatecidas hoje do que hé vinte anos?»). A maioria das respostas. (fornecidas em grande parte or burgueses — homens de lei, ou padres) é a fave, de fina climinagio dos patvis. Sem divida que a raedo mais em disso se aperceberem, o facho ‘ida pela Igreja da reforma catélica: tal como antes o regresso do. herético — far-se-é através da instruggo, on scja, pela eliminagio de pak “sist@ncia devida a ignordncia. Alguns teceiam sem ‘hivida Pela «pureza» dos costumes rdsticos; mas, como nota um deles, © patois esté jd condenado: «Os costumes dos Digitalizado com CamScanner CAPITULO I S_ monumen- -] Quase todos os idiomas possuem . Jé a Comissio das a recolha desses. monu- € preciso procurar as pé- mentos impressos ou manuscritos; rolas até no fumeiro de Ennius"2,» © perfodo entre 1850-1890 define uma segunda etapa deste culto castrador devolvido a um povo que se constitui, a partir dai, como «objecton de ciéncia. Seré ainda preciso que nos interroguemos acerca dos postulados subjacentes do CE Por ex. G. Bolléme, eLiteéreure populaie..», op it po: 6657 1B. Chartier, in Revue bistorique, 495 (1970), pp. 193-197. 4 ® CE. por exemplo Jean-Paul Sartre, «Points de rue: culcute 4 F he et culeure de’ masse», in. Temps moderns, 208 (Maio de 1965) Digitalizado com CamScanner ' CAPITULO II 61 cigagio ¢ do gosto da verdade, do desejo de Felicidade, do esforgo para a virtuder”, Mas, para G. Bolléme, tudo isto funciona porque «hd» no povo, um «gosto», o de saber ou de «ser instrufdo»™, que 0s almanaques despertam da sua sonoléncia. Este «gos- to», equivalente de uma «necessidade» ou de uma. natureza profunda, € trazido a luz do dia pelos almanaques que co- mecaram por apresentar 0 povo como o lugar onde habita uum Deus pobre e onde uma sabedoria interna se transmite. Mas, afinal nao se deverd concluir que o Deus escondido nao é mais que este «gosto» € esta «necessidade», 0 sol que a trombeta dos letrados faz sair da sua noite? Para M. Soriano, o esquema parece ser inverso. Para ele, é a propria literatura popular, «muito antiga», enraizada nas origens da histéria e levada por uma tradigéo oral, que emerge na literatura cldssica. Transparece pouco a pouco na obra dos eruditos, no momento em que, tal como Perrault, estéo em «simpatia particular com as massas laboriosas» ¢ julgam ape- nas utilizd-la. Contrariamente & hipétese de G. Bolléme, M. Soriano vé o movimento subir das profundezas da tradigéo popular até as obras cléssicas, e no descer de uma literacu- ra de elite para dar lugar a uma vulgarizagio estimulante. Esta vinda a superficie retira a sua forga de «necessi- dades fundamentais» e de «aspiragées profundas». A expres- séo popular € a sua manifestagio primeira. A histéria li- teréria encontra af a sua «origem» natural. Na perspectiva de Soriano, esta «origem» nao é totalmente invisivel nem pode reduzir-se & evocagio de aspiragdes populares. Ela tem, mais préxima de si do que as obras dos letrados, uma ex: pe ani oe oe oe A rs oe Oe passa, portanto, por uma pesquisa dos textos «primirivos». Um método textual, alids notvel, deve pois pressupor que estes textos primitives sio caracterizados por um estilo «sObrio, hetvose e eficaz». Deste modo, corna-se possivel hierarquizar as verses do mesmo conto e recuperar «o autenticamente ® G, Bolléme, Les Almanachs populaires, PP- 123-124. 3G. Bolléme, in Livre et Société... PP- 75 ¢ 89. Mare’ Soriano, Les Contes de Perranlt, p. 489. Digitalizado com CamScanner 62 A BELEZA DO MORTO popular» na literatura das elites. A «sobriedaden, a versig Curta, © vigor: todos estes elementos, emprestados a uma nialidade fundamental, permitem dizer onde se encontrg ° «primitivo». . Evidentemente que esta construgao se baseia completa mente naquilo que pretende provar. Pressupde que o Popu- Tar € 0 «comeco» da literatura e a «infinciay da culeura; que a pureza de uma origem social esté escondida na historia: que uma genialidade primitiva € permanentemente compro metida pela literatura, e deve ser incessantemente Preserva- da e reencontrada; que, por fim, a tradi¢ao popular articula as profundezas da natureza (as «aspiracées Profundas») © as perfeigdes da arte (sobriedade, ivacidade, eficécia do tela. to). Com um pouco de psicanilise, explicar-se-ia facilmente © recalcamento desta origem e o regresso do tecalcado. na Prépria linguagem da repressio. © que chama a atengio nestas andlises, no sio, como dlzia Maget, as «aporias» consequentes dos terms a proble- Hmiat como ele € colocado, mas 0 peso deste mesims pro- blema: cncontrar as origens perdidas. Qualquer que seja 0 coma mento cientifico, esta fascinagio do objecto perdido tome Mi metclialcriee os verigen de ena contradigao inter- na. Agatra-as na sua impossibilidade, Mais do que criticar a contribuigo, que se sabe consi- derivel, dos estudos assinal: lados, © nosso exame visa a pres- xerce sobre eles esta questio das especifico da auréola. popu: Qual € entio o significado at que a cobre aos nossos olhos deste. fantasma que designa j ue Digitalizado com CamScanner CAPITULO II 63 gem ao mesmo tempo que a esconde, desta «auréolar que mostra «cobrindo»? Impée-se uma hipétese, mesmo que nfo justifique tudo. Estes estudos sobre a cultura popular atribuem-se como ob- jecto a sua propria origem. Perseguem na superficie dos tex- tos, perante si, aquilo que € na realidade a sua condigao de possibilidade: a eliminagio de uma ameaca popular. Nao sur- preende que este objecto assuma.a imagem de uma origem petdida: a ficcio de uma realidade a encontrar mantém a marca da acco politica que a organizou. A literatura cientifica faz funcionar 0 gesto que esté na sua origem como uma fe- presentacio mitica. Nao poderia, pois, introduzir no discur- so, como um objecto ou um resultado de processos rigoro- 0s, 0 acto inicial que constituiu uma curiosidade apagando uma realidade. E, sem dtivida nenhuma, nao resolverd as suas contradigdes internas enquanto este gesto fundador for «es- quecido» ou negado. Temas populares on leituras cubtas? Voltamos a encontrar, ao nivel da andlise € da interpre- tagio destes temas, a ambiguidade do objecto cultura popular que deixavam ja transparecer as formulagdes contrérias, e con- tudo solidérias, em relagdo ao problema das origens. O. pri- meifo momento € o do recenseamento. Ele € titil e necessério, © que nfo quer dizer que seja evidente. G. Bolléme ¢ R. Mandrou constituiram repertérios, alids abertos, dos temas essenciais que encontravam nos almanaques ou nos livros da Bibliotheque bleue: «Explorar os temas principais, as pre~ sengas e auséncias no seio do repertério da Bibliothéque blene, atingir, em larga medida, os préprios temas da cul- tura popular francesa do Antigo Regime...» Muito bem. Mas eis que se pressupde que estes temas se oferecem de moto proprio como pertinentes, ¢ que as «unidades signifi- Cacivasy assim inventariadas 0 so na tealidade, Reencontra- oe 8 R. Mandrou, op. city p. 21. Digitalizado com CamScanner 64 A BELEZA DO MORTO mos aqui o problema irritante ¢ clissico que coloca aos his. toriadores, tal como a outros estudiosos das cigacias uma. fas, a modéstia agressiva dos folcloristas — da classificagzg de Aarne-Thompson a0 Manual de Van Gennep: solidamente cntrincheirados num positivismo proclamado, na recusa de interprecar ou de concluir, estes inventétios no serio 0 es. tratagema dltimo, € como que o reverso da interpretacio? Sabe'se hoje que nenhuma classificagio € inocente, Daqui nasce uma nova interrogagio: a partir de que pers. Pectiva falam os historiadores de cultura popular? E que objecto constituem em consequéncia? Nao é indiferente assinalar que as nogdes que serviram para constituir a sua rede de inventétio foram todas retiradas das categotias “dy saber (em G. Bolléme) ou, mais amplamente, da cultura «cultay 8 qual R. Mandrou quis restituir 0 correlato popular”, «um Bivel cultural ignorado, esquecido»: 0 fetrico, 0 maravilbos, © pagdd, 0s conhecimentos cientificas ou ocultos definem me. nes © conteddo de uma cultura popular do que o olhar que sobre ela faz incidir 0 historiador. «A inflexo em direccio a0 real, ao actual, a0 humano» que G. Bolléme 1é nos alma- aques do século XVIII conduz a que real, a que histéria, a que homem? A recusa da durago em que se vé alids, a ca- racteristica deste fundo cultural” nao sera antes 0 reconhe- cimento pela cultura «erudita» de hoje, da sus tempora- lidade essencial e, por fim, uma confissdo surpreendida Perante © scu outro? A incerteza reconhecida acerca dail fronteiras da drea do Popular, acerca da sua homogenci: dade em face da unidade profunda ¢ sempre reforgada da cultura das lites, do popular ainda XA afitmacio implicita de uma simetria parece se 6 reveladora da cultura «erudita» que e acaba por esquecer Digitalizado com CamScanner CAPITULO 65 séculos™». $0, paradoxalmente, os termos empregados pe- los antigos censores. Estas incoeréncias so, contudo, 0 re- verso da nossa impoténcia para encontrar a coeréncia de uma totalidade cultural: eis os nossos primitivos. Daf decorre tam- bém, o que € mais grave, uma desqualificagéo do objecto assim classificado, recolocado, e a partir desse momento, tran- quilizador. Os temas da historia social Mas hé mais. A um nivel mais profundo, os problemas do inventério remetem para os da interpretagio dos temas e, em primeiro lugar, para os que coloca o proprio estatuto da interpretagdo. Que dizem os textos assim trazidos & luz do dia? Que podem eles dizer? A temética da literatura popu- lar apresenta-se em todas as nossas obras como a manifesta- cdo de outra coisa que Ihe serviria de suporte: 0 popular. Nada mais esclarecedor a este propésito do que o capitulo sumario dedicado por Soriano 3s massas camponesas ¢ a0 fol- “lore no final do século XVIP"; pe em causa, aumentando os problemas, a propria existéncia de uma histéria social da Culeura: uma evocagio répida do «obscuro século XVII», al- gumas generalidades acerca das tenses sociais no campesi- veto frances (as revoltas) ¢ da sua suposta derivacio ideolégica G_ feiticaria), alusées a0 mundo da crenca e da_superstigso tomadas dos autores recentes, vém servit de caugdo hist6rica ao inquérico: «E, diz Soriano, neste contexto que é preciso sicuar 0 folclore ou seja, 0 conjunto das manifestagdes artisticas deste campesinato: dancas, ceriménias, cangdes e naturalmence Contos,» Para além do facto de nao estar clara a identidade cacre 0 «arristico» € 0 «populars, vé-se claramente que a i 36 R, Mandrou, op. cit P> 150. Diferenga fundamental contudo: a incoeréncian de que, falam’ estas censuras implica uma apreciagfo mo- sincere uma desordem mental; em M. Mandrou designa 1" LiInconscient, | a ng , pp. 89-118. © 'M. Maget, in Ethnologie générale, oP- cit. p. 1283. Digitalizado com CamScanner A BELEZA DO MORTO 70 criangas tais como as remodelam 0S estudos etnolégicos, 4 sua «cultura» apresenta-se af como que alterada, Para nao aparecer diferente da dos adultos. Num outro sentido, fey necessirio «alteri-la» para a adequar ao sonho do adulto, colocé-la sob 0 signo dos «Civilizadas»" ou dos Espelhos de virtudes; apagaram-se-lhes dois aspectos fundamentais: a sexus. lidade e a violéncia. Nao se tera feito a mesma coisa com 0 povo, pata o con- formar & imagem que 0 exotismo etnogréfico ou «popularis. ta» como todo o exotismo, tem como objectivo fornecer ao adulto, a0 homem ou ao burgués? Nao hé nada to belo «como a honestidade rude e grosseira do attesio», escreve o jornal Le Frangais em Agosto de 1868 a propésito do livrinho La Malice des grandes filles. Do mesmo modo «maldito seja quem perturbar a limpidez destas aguas». A Comissio de Censura seré o «anjo da guarda» protegendo a inocéncia do Povo contra as «fotografias impuras». Nisard, porta-voz, mais uma vez, desta ciéncia, diz mui- to sobre este assunto. Assim, a propésito dos conhecimentos Sexuais das criangas, extasia-se perante as «patetices» que encontra no Catéchisme des amants, bar demandes et réponses, on sont enseigntes les principales maximes de V'amour et le devoir d'un véritable amant (Tours, 1838) quando se fala da «idade em que se pode comecar a fazer amor, que é de catorze anos Para 0s rapazes e de doze anos para as rapatigas”». Nio sabia’ muito acerca dos hébitos infantis ¢ camponeses. Mas 0 adulto precisa da «inocéncia» que atribui a crian- S@ (€ que, por exemplo, os trabalhos de Gaignebet sobre as lengalengas desmiscificaram)*®, Nega o que se opde ao seu Sonho. Reflexo caracteristico cuja forma seria necessfrio ana-— lisar mais detidamence pela maneira como insiste na elimi: Digitalizado com CamScanner CAPITULO It n tencio que Se estende sobre a sexualidade, M. Soriano conta- Henga eseranha hist6ria passada no conto d'A Bela Adonec- Je ao homem casado que era seu amante, substituiu-se um principe adolescente, € € apenas enquanco esti inconsciente, Prrgulhada num sonho mégico, que ela faz amor com ele € que dé a luz®. Poder-se-A ver nesta hist6ria a alegoria daquilo que se passa até em alguns estudos consagrados & cultura popular? 6s conhecimentos ou as relacdes amorosas mergulham af num sono mégico. Entram no inconsciente da literatura «culta». rd a G. Bolléme, deixam de existir, a nao ser para De Nisa inverosimilhanga. assinalar a Send posstvel ser-se bretdo? Nao encontramos nenhuma incursio das «classes perigo- sas», das reivindicagées ameagadoras, nesta /iteratura. Para que intervenham € preciso, por exemplo, que M. Soriano se afaste do terreno da literatura e passe ao da histéria (sobte- tudo, no seu artigo dos Annales, para analisar a fungdo ¢ 0 lugar social desta literatura). A articulagéo dos textos com uma histéria politica é, contudo, fundamental. $6 ela expli- ca como se constituiu um olbar. O mesmo , «os reservatérios profundos onde dormem © sang! paar ifica quanto as. revoltas conflitos autonomis- a ° 4 a Soriano, op. cit, pp. 125-130. i livrinhos azuis de Troyes, diz ele, i i {Eada de consciéncia, das condiges socials ¢ polity % SUT oe) etidos esses meios populares» (De la culture populate Digitalizado com CamScanner ZA DO MORTO A BE R as Iigrimas do povo» (1887). OF te Populares emergem apenss, nas pesssas eraditas, sob a forma de um Shjecto. miserivel a : «as tradigBes francesas abo- lidas ou desfiguradas.» Serd possfvel ser-se bredo?, perguntava Morvan Lebesque. Nio, responde a literatura cientifica, a nfo ser enquanto objecto «abolido» € nostélgico. Mas a histéria ‘Mostra que a violencia foi apagada da literatura porque o tinha sido an- tetiormente por uma violéncia. As datas sio eloquentes. © «burlesco» dos Perrault (1653) segue-se & repressio das frondas politicas. O interesse que demonstram os correspon- dentes de Grégoire pelos patois (1790-1792) acompanha e pressupde 0 apagamento politico dos regionalismos perante © «patriorismo. Os estudos de Nisard acerca do colportage (1854) tornaram-se possiveis gracas a derrota dos movimen- tos republicanos ¢ socialistas de 1848 e pelo estabelecimento do Impétio em 1852. A violéncia politica explica a elimina- gfo da violéncia no estudo dos particularismos, do mundo campesino, ou da «cultura» popular. O que permitiu a exis- téncia destes paraisos perdidos oferecidos aos letrados foi sempre a vitéria de um poder. Nao se poderia aliés censurar uma literatura por se arti- cular numa violéncia (uma vez que € sempre esse 0 caso), mas por no a confessar. Ciéncia ¢ politica Para onde quer que olhemos voltamos a deparar com 0s problemas que de Tristes Trépicos A recente Paz Branca de R. Jaulin, os etndlogos aprenderam a encontrar numa préti- ca mais imediatamente concreta e politica, mais facilmente decifrével que a dos historiadores. Numa primeira aborda- gem, queterfamos tirar a ligio de alguns destes livros recen- tes, importantes, aqui ctiticados longa e facilmente. Tive- fm © mérito, nfo 0 esquegamos, de inventar um assunto ‘pico na sua prépria ambiguidade ¢, também, de se basea- fem fum enorme trabalho de decifragio sugerido por um ‘© nlmero de pistas de estudo; a mais cldssica, que talvez er CAPITULO I B geja a mais dificil pela taridade de q vos, seria a via de uma sociologia da c io, da sua difusio, da sua circulagio: quiset, a abordagem externa de uma coeténcia, nevess contudo insuficiente. A outra via passa por uma critics in. terna da mesma coeréncia; pode recorrer a instruments coy diversos (mas também tio probleméticos) como a anilise lin. guistica, a formalizacéo do telato reduzido a esquemas-tipo”, ao método textual, & anélise das representaées conceptiais, etc. Todavia, trata-se apenas de abordagens cujo objectivo principal € a definigio de uma meta, e a partir daf um ob- jecto a invencar. Para o historiador, tal como para ‘o etnélogo, o objectivo é fazer funcionar um conjunto cultural, fazer aparecer as. suas leis, ouvir-lhe os siléncios, estrucurar uma paisagem que no poderia ser apenas um simples reflexo sob pena de néo ser nada. Mas faria mal se pensasse que os seus instrumentos sio neutros e o seu olhar inerte: nada se dé, tudo tem que ser tomado, e a prépria violéncia da interpretagio pode aqui criar ou suprimir. A mais ambiciosa das nossas obras, a mais audaciosa, € também a menos historiogréfica e aquela que mais falha, com certeza, 0 seu objecto, ao. pretender subme- té-lo ao fogo convergente de uma série de interrogagdes (lite- rétia, folclorista, Linguistica, histérica, psicanalitica, etc.) M. Soriano declara «assumir de bom grado o rétulo de eclec- tismo»’?, Mas, no serd um eclectismo da indiferenga, ilus6rio, aquele que pretende submeter 0 mesmo objecto a tantas in- terrogacées, como se cada uma delas niio_constituisse, na sua especificidade, um novo objecto cuja disténcia em relagio aos outros, e nfo a similitude imediata, € constitutiva? ° — no € utilizar «ao mesmo tempo métodos reputados in 7 as sim uti- liavei ‘ abstém de fazer, mas S! iveis» , or se abst i ee la retirar da sua diferenca- lizétos da mesma forma sem nada fevlml © ua a Neste sentido, 0 ensinamento mais aceon na qual se Set a arquitectura quase autobiogréfica do TWO, el p P LW. Propp, Morphologie dv emis p. 638 locumentos significati- ultura, da sua produ. esta pode ser, se se tis, CE 88 tradugdes recentes de S Le Seuil e Gallimard, 1970. Attigo citado, Annales ESC, 1970s Digitalizado com CamScanner A BELEZA DO MORTO 74 ode tentar Jer a maneira como o inquérito «conduziu» o fea autor, £ que, em altima andlise, o estudo informa-nos muito mais acerca do que ¢, para um universitério progres. sista de hoje, falar da cultura popular do que sobre a culta, ra popular enquanto tal. Remete-nos para uma pergunta que encontramos a cada passo, € 2 qual é preciso tentar respon. ders de onde se fala, que € possteel dizer? Mas também: de onde falamo:? © problema torna-se desta forma imediatamente politico uma vez que pde em causa a fungio social — quer dizet, em primeiro lugar, repressiva — da cultura «erudita». Esté claro que através da critica de Soriano, € 0 nosso lugar que nos propomos definir. Onde estamos, senio no seio cultura «erudita»? Ou, se se quiser: a cultura popular existiré fora do acto que a suprime? E evidente, por outro lado, que a nossa agressividade postula, talvez menos ime. diatamente mas de forma téo segura como o progressismo confiante dos nossos autores, um tipo de relacéo politica social na qual a relacio da cultura popular com a cultura serudita» poderia nao ser de simples hietarquizacdo, mas uma espécie de democracia cultural cuja utopia é apenas o con- tratipo da violéncia que exercemos. Se recusarmos a distin. so elite/povo, que as nossas obras admitem sem problemas no inicio da nossa investigagio, nfo podemos igaorar que Um acto escrito (portant, 0 nosso), uma intengio, nio pode- tiam suprimir a histéria de uma Tepressio, nem pretender feriamente fundar um novo tipo de relagdo: teservat-se a pro- fecia politica € a tltima artimanha do saber. Aliés, serd possivel pensar uma organizacio nova no seio da cultura que nio seja Soliddria de uma mudanca da relagio das forcas sociais? Precisamente 0 que o historiador — é, afinal, 0 nosso lugar — pode indicar as anélises literdrias da cultum. Pela tune Pyoptia funcio ele desapossa-as de um pretendido. esta- gto de Puras espectadoras manifestando-lhes em toda a parte Presenca de mecanismos sociais de escolha, de critica, de find, a lembrando-lhes que é sempre a violéncia quem finda um saber. & neste aspecto, ¢talvec seja’ mesmo 0 ‘tiico; Digitalizado com CamScanner CAPITULO II 15 ria se coma 0 lugar privilegad Porém, seria vo esperar edolens ae © oe oe ama libertagio. das culcuras le um questionamen- Pe urma_espontanedade. lve ee eee Tee os. primeitos foleloriss. “A sein das an et meen eg ensinaenes que nena Selene ae Gualquer_ organizasa0 pressupde uma repressio. Sim ae ae esta claro que esse repressio deva sempre ae undo uma distribuigao social hier4rquica das Eom (ce geperiencia politica iva ensinar-nos aquilo que ¢la pode pet soubermos_incerprerar Talver seja sil recordé-lo 10 que sé colocam as questoes prementes de uma ulturais. ue # histo! se jpterroga- to politi nnsina-nos ser sf momento em politica e de uma acco ¢ Falta demarcar 0S limites da propria jnverrogacio. Tod yn articula cultura ¢ Piewreza segundo ume OF olhar € do saber. a antropologi dem que & ‘A invengao conta de uma ou de querer e como que vindicar cod maioritaria ¢ estatica: 4 politica pode propor novas dinamica da repressao. ‘Nao essa nova ordem que éo i t o reverso da hist6ria. ac e voltat a a cultura Conrado, uma OBE a ae origem * delimitagoes- outra repress» mesmo ; pacio politica. linguage™ inseala-se entre aquilo que ! plic il He céncia recebe OS objectos a oo a mas nao 0 seu estatuto; nao lhe © ae e sempre necessario dUe aja orto uséncia OU a sl i ent so; ela dira a sua que a tornou PC explicé-la. Apoiada # porta, visando © jnexiscente ue es manece 0 enigma Esfing® oa ‘ma mantém o espas? problemétic? Digitalizado com CamScanner f

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