You are on page 1of 69
EMILE BENVENISTE O HOMEM NA LINGUAGEM (22 Edigao) INTRODUCAO A UMA PRATICA DA LEITURA Maria Alzira Seixo Para a Fat (0s que nouttos dominios descobrem a importincia da linguagem, verdo assim como aborda um linguista algu- mas das questdes que foram levados a pOrse ¢ talvez se apercebam de que a configuracto da linguagem determi- 1a todos os sistemas semidticos.. Emile Benveniste Prefdcio a Problémes de lingustique générale. 1. A LLEITURA E A ESCRITA ‘A colecg&o que com este volume se inicia tem uma finalidade es- pecifica: a de reunir, em cadernos de preco acessivel, traducdes sé- rias de alguns textos importantes e, por motivos diversos, dificeis de se encontrarem familiarmente ao alcance da mao. A importéncia desses textos delimita-se em fung&o de um conceito de leitura que nos prende, insuficientemente definido na sua evidéncia de acto quotidiano constante € transparente, mas cuja necessidade de efecti- vagio se torna pungente na auséncia das condigdes precisas para 0 realizar. A leitura € antes de mais uma decifragdo de codigos de lin- guagem que permitem a comunicagio; como tal, pressupde 0 conhe- cimento das cifras utilizadas, 0 contacto possivel com os codigos que a condicionam ¢ 0 entendimento das situagdes humanas que a linguagem reverte € subverte — porque na materialidade da cifra 1 cutural do codigo, s€ encontram 10B0 05 dads inciais de pa marca culitjescoberta que a utilizagao individual, personalizan. formulagto @ Tratutariamente em conceptualizacdo humana. Por do, concretiza, Tega imediatamente, fazendo-se, uma pressentida isso a lela ve fase de apreensdo maquinal de significacao, ¢ mas inexisiei ig progressiva efectivagdo, em escrita potencal,is- convertest go dindmica (mental ou pragmatica) que por sua vez 1 eer in nacessidades de leitura. Esta, a importancia do sujeito ciara movie ler. Mas tal pratica ¢ fundamentalmente social. E a ta aeomum que nos cria a necessidade de ler: ler os outros, ler vias fen disposigho para os OutrOS, ler 0 LexlO COMUM que nds € os a ros escrevemos de todos para todos. Se escrever ¢ viver, ou vice- cata, isto &, produzit materialmente um sentido literal da exisén- erst Tprocesso original, ler seré seguramente a objectivacdo, em seem, de tal processo con-fuso, a sua dilucidagdo, a iluminacdo da Signfigagdo sobre a comunicagZ0. Dai o cardcter ambiguo da leitu ve simultaneamente convertora dos valores da escrita e demonstra- dora do seu plural; mais responsavel, numa certa medida (a dos scatamentos ¢ a dos imperativos) que a escrita; menos dada que es- ta 20 romantismo e A difusdo mas difundindo até a possivel sobrie- dade da escrita, A leitura tenta, na sua qualidade de operacao conciliatoria, repetir os erros da escrita para os irradiar ou subde- senvolver gradualmente; até a lisura total do objecto projectada no infinito, Ler como compreender. Ler como saber. (Legere: reunir, percorrer, tomar;-escolher). Essa vocagdo enciclopédica da leitura (pode-se ler tudo, nao se pode escrever tudo) resume bem o caracter social, néo ja da sua producdo, mas da sua insercdo e, portanto, reprodugio — fenomeno perigoso e sedutor (cf. a ideologia da d Gactica, a cultura de massas, 0 psitacismo). Donde, 0 papel impor- tante da apreensdo dos codigos pelo sujeito ledor. Mas que antes de mais se defronta com a cifra, a letra, 0 desenho material da barrei- ra que impossibilita 0 acesso ao nao iniciado. Por isso € que @ pre- ciso iniciar. Para que a leitura seja uma transposicdo total dos si- nais dados, baseada entretanto na sua visdo directa, rigorosa, in- substituivel. A consideragdo dos elementos do Processo da comuni- cagdo € a mais perfeita fidelidade a sua orgdnica ¢ condigao essen- cial de toda a inteligibilidade. A leitura assenta no signo, como a escrita, mas enquanto esta se revela como actividade explosiva que © fende ou «des-significa», para na sua abertura espantada nos ofertar 0 poder de uma milagrosa erecedo, pertence a leitura 0 exercicio do reajustamento das quebras, da concatenagao das falhas Pulverizadas que permita o Tegresso ao estado de repouso e de jun- a posse tranquila dos sentidos, a satisfagdo concreta da preen- lo. Entretanto, aconteceu o Prazer do texto. AA leitura @, assim, uma actividade dindmica que se funda numa peditncia (numa fidelidade) a unidades minimas de comunicecas Sera se transcender na plural Sensacdo colhida, caminho de revolta Ph de traigdo, de fuga, de criagdo nova, tragado da desordem que se faz ordenadamente. O que é ja escrita. (Mas onde uma leitura ‘que nunca se tenha escrito?) A LEITURA COMO PREENSAO Tomemos entdo a leitura, se possivel, operagdo em que algo se toma esquecendo mente) 0 modo como se produz, encaremos o signo como objecto que nos ¢ dado a ler. E assim: com(o) preendé-lo? Um livro & uma sequéncia de frases e, estas, sequéncias de pala- Wras que, por sua vez, $e constituem como sequéncias de letras-sone, Sequindo as etapas etimologicas da leitura (sempre as actividades de origem nos Promovem desconhecidamente), poderemos soletrar os sinais que nos sdo dados, através da nossa capacidade de os urew, nin»: Poderemos «percorrer» esses sinais e, j4, sintagmatiziclos, isto 6, entendé-los na sua relagdo uns com 05 outros, sobretudo com os que lhe esto proximos, imediatamente antes e depois (a isto se cha. ma, correntemente, ler}; poderemos, ainda, «tomé-los» como pre. sengas que so marcas de certas auséncias e, assim, paradigmati. zarlos, quer dizer, sabé-los correlacionados com todo um eixo da tealidade que se subentendeu na escrita aparecendo numa inica no. meagdo que implica as nomeagoes proximas ou distantes que 1 nao estdo em vez dessa (a isto se chama, correntemente, assimilar ou relacionary; poderemos, finalmente, «escolher» da leitura o que nos & importante, tendo em conta que essa importancia se nfo delimitou atraves das formas superficiais de percurso do texto mas sempre 4p0s 0 seguimento, incompleto embora, das varias fases assinaladas (a vulgarmente denominada interpretagao), Também no filme, no quadro, na pega musical a leitura se pode ordenar em fung#o dessas quatro operagdes, tendo para nos que a maior das dificuldades @, nestes casos, ndo o prosseguimento das fases mais avangadas do processo global de apreensfo, mas a mais clementar, a do entendimento das unidades minimas, as suas «le. \ras» (imagens, cores ou tragos, sons). E isso porque tais unidades fundamentais nao sto univocas, nem 0 seu caracter discreto pode 10 por um leigo (¢ dificil separar um som de outro som, ta de outra tinta, uma imagem de outra imagem — ao pas. So gue, de uma maneira geral, toda a gente conhece as letras ¢ as sabe juntar, isto é, justapor ‘apos a percepeao de uma separacdo). E como fase inica, como um pouco (nunca total- 9 | por i880 que ver um quadro, ouvir uma musica, ver y Senta uma actividade que simultaneamente @ mais 0” {I rep uma leitura normal: porque, por um lado, ver ¢ ‘ourit MNOS Que naturais, ndo exigem uma capacidade de decifracto, a i SeNtidog mo uma simples jungdo do sujito ao objecto; mas, poy tT co a capacidade de ver ou de ouvir ultrapassa as cites gee tt? do, como possivel trabalho, escamoteando-as mas mantendo « nti%em ciéneia de as nao ter em conta. Dai que, a0 exprimit ui jn O% to sobre um filme, um quadro, uma peca de musica ocr atm mos estas trés formas, alias, com exclusivo caracter de ft de), qualquer pessoa no especilizada tenda sempre a nce que eu ndo entendo nada de cinema (ou de pintura, oa se" Ga) apenas uma opinido...» mas raramente se pronungig “nie: modo em relagdo a literatura, Porque a letura das leas moje? consabida capacidade elementar de decifragdo. Donde, o enna faci, e a sensagdo de que 0 galgar desse primeiro desrau impor’ possibildade de gelgar todos o8 outros. Donde, também, a dances Gio manifesta de muita gente de que endo gosta de lr» ou ds neg «se aborrece com os livros» — quando 0 que aconiece & aoe, tt maior parte dos casos, pura e simplesmente se no sabe ler, ino & sabe-se soletrar ¢, por vezes, sintagmatizar (0 que ja € mais dificil, lembremo-nos do nosso problema em ler as descrigdes, nos roman ces que nos preencheram a adolescéncia, ¢ nos salios constanes pa, ra as paginas de didlogo) — a paradigmatizagao e a colocasto sub. jectiva em fungdo da obra sdo fases em geral distanciadas da poss. bilidade comum. AA Ieitura como preensio implica o percurso destas quatro fases, E, se a capacidade de soletrar é oficialmente fornecida por uma pe. dagogia primaria, se a de sintagmatizar (ler por sequéncias, em tem- poe em espago) depende do desenvolvimento da cultura social de uma educagdo do gosto — a colocagdo subjectiva ¢ a capacidade de interpretagao intra-literaria entendem-se ja como dependentes de uma divulgagdo de técnicas ¢ de uma compreensao de linguagem es- pecificas (a linguagem da musica, a linguagem do cinema, a ling gem da pintura, a linguagem da literatura) que ndo podem ser twidas, antes necessitam de ser comunicadas, através do fornecimen. to do seu arsenal de conceitos de base ¢ da problematizagdo das questdes que Ihes sdo peculiares. E isto 0 que uma pratica da leitura, convenientemente deter nada, devera tentar realizar. Entendendo no termo «leitura» a pesa- da carga que até aqui Ihe definimos e, no termo «pritica», o trabe- tho de transformacdo que pressupde a passagem, no sujeito, de uma dada fase a outra mais claborada, através de um objecto exterior que € 0 texto que se lé. O que significa que a leitura é muito mais 10 do que uma operagio (como complexo de operagdes a definimos, como investimento subjectivo numa efectivagao vital produtiva, também), € um cruzamento de valorizagdes em que um mais sempre se adianta nas trocas sucessivas ¢ progressivas entre 0 sujeito € 0 texto, nunca se capitalizando porque logo (quando o proceso é normal ¢ entendido em abstracto) aplicado na escrita que o revela € imediatamente investido na leitura que a justifica, Dai o caracter abstracto do acto de ler, cruzamento de olhos com o texto-objecto, ndo necessariamente materializado (como a escrita, exigente de uma mediagdo, de um instrumento que Ihe sancione o caracter de produ- 40); dai também o habito de ler com um lapis na méo, de subl nhar, para marcar a leitura como um trabalho. Mas € necessario sa- lientar que esse trabalho se situa na zona de uma troca de energias e nao na do fabrico do objecto (aplicagao). E por isso é que é dificil e ndo na do fabrico do objecto (aplicagao). E por isso é que é dificil prender o signo, na leitura; porque, uma vez escrito, 0 tex- to ja ndo se transforma objectivamente, a ndo ser numa reescrita, ou numa escrita sobre (Ieitura materializada, leitura como profis- so). Dai também que existam varios niveis de leitura: 0 da apreen- sao critica ou analitica (trabalho produtivo), 0 da apreenséo infor- mada (pratica intersubjectiva de prazer ou de conhecimento), o da apreenso elementar (decifragdo dos cédigos socialmente difundi- dos). E no segundo nivel que nos detemos, evidentemente, procu- rando, por um lado, fornecer materiais que permitam uma percep- 40 mais elaborada (consciente) dos textos e difundir problemas que 0s condicionam ou postulam. Porque é necessario que o leitor en- tenda, de uma vez por todas, que a escrita é um trabalho como qualquer outro, com as suas leis, as suas exigéncias e as suas liber- dades inventivas, ¢ que para o atingir ¢ 0 praticar (lendo), tem de ultrapassar 0 mero critério utilitario, tem de deixar de apenas se servir do texto para Ihe perceber um pouco o modo de fabrico e de organizag4o. O que atinge simultaneamente 0 escritor € 0 leitor. O que concretiza, com actividade de recorréncia, esse cruzar maquinal € quase imperceptivel dos olhos do sujeito com 0 corpo do texto que se lhe oferece. Do voyeurisme a relago dual, eficaz, transfor- madora. Ou para la caminhando. Sempre. 3. A LEITURA DE BENVENISTE Ou: como é que, lendo estes artigos de Benveniste sobre a situa- g40 do homem na linguagem, nos preparamos melhor para entender a linguagem, escrita ou ndo, que nos cerca? Antes de mais, so a propria litura de Benveniste g ie (cor)responder. Escrever essa leitura antes da sua Pratica equ pera 4 um dos vicis da reprodusdo que atras enunciémos ideo" da didictica). Iniciar nto ¢ ensinar (Sob a forma que eat term aire na maior parte dos cos, de ditadura de conan pac $0 estas paginas se iniiam por si, numa pedagogis io deers tenconiar cada um o seu proprio ditado, que at pede'yc eis dos 0s outros), que alias creio ser caracteristica das xposigdes Benveniste € por isso o postulo como comeco desta pray -me endo passear a beira dessas paginas que se seguem discretear talvez um pouco eruditamente, com um escrever do pela experiéncia cultural e muito apés ela (0 que acaba por ser sempre a caracteistca maior da divulgaglo). Mas sempre ny dado concretos foram marcos no nosso caminho. Assim. «© Homem na Linguagem» € um capitulo do vol, Problémes de Linguistique Genérale (Gallimard, 1966), Emile Benveniste reuniu cerca de trinta estudos dispersos por revis. tas. Partindo basicamente de andlises concretas de fenomenos das linguas naturais, encarados de um ponto de vista tebrico, filosético ou nas suas puras relagdes formais, normalmente entrevisias de uma erspectiva metodologica estrutural, fornece directrizes muito Solidas para _entendimento do proceso da comunicagdo e para a definigao de determinadas categorias linguisticas de largo efeito sobre ‘Outras areas antropoldgicas. Mas nao esperemos encontrar subitamente nestas Paginas uma especie de manual completo e organizado que definitivamente nos Preencha os desejos ou insuficiéncias de leitores. Nem isso seria de- sejavel (qualquer sistema de fechamento oprime uma actividade transformadora), nem possivel (sendo a leitura uma dependéncia da ‘escrita, sempre uma nova leitura surgira de uma nova ou mesma es- crita acontecida ou relida), nem foi inteng&o de Benveniste corres- Boner esPecificamente a estes projectos com os trabalhos aqui ne blicados. Trata-se de seis artigos, escritos ao longo de quase vinte anos, ¢ Pensados fundamentalmente elo autor enquanto linguista, que se Tema, 4¢ algumas questdes basicas do processo da comunicagas Tendo a reflexdo sobre a linguagem alcangado desenvolvimenc tavel durante este nosso século, ao mesmo. tempo que se tornou = a semiologia — que enconira onto de partida para a consider, POsigdes de ica. Resta. Sobre elas enc I dos obra em que tros dominios), nem encarar desde jé determinados problemas gerais de uma filosofia da comunicacdo, alias assente nos dados mais ele- mentares, € normalmente aceites, do processo. Desta mancira, os trabalhos de Benveniste tém a vantagem, simultaneamente, de inci- direm sobre questdes concretas € insofismaveis, problemas de base na articulagdo de qualquer pensamento sobre a escrita ou a fala, ¢ de alargarem esse estudo, miudo ¢ pormenorizado, de questdes a que a primeira vista qualquer leigo ndo seria sensivel, a uma afinal muito generalizada colocacao dessas questdes num eixo de interesses que dificilmente deixara de tocar 0 que quer que seja no nosso co- mum processo de existéncia e de interveniéncia. ‘Assim, ao encarar algumas particularidades do verbo francés, dos pronomes, das pessoas gramaticais, etc., parece (¢ & verdade) que Benveniste se ocupa de aspectos avulsos de morfologia ¢ de sin- taxe; mas 0 que é mais importante é que, a partir de tais aspectos avulsos (que, alids, nesta ligacdo de seis artigos independentes, se subordinam a uma uniformidade tedrica notavel pela convergéncia ¢ ‘mitua iluminaco dos conceitos propostos), 0 autor conclui sobre leis gerais da comunicacdo ¢ da escrita que (mais importante ainda) vetificamos suportarem grande parte da reflexdo semiologica actual. Procuraremos ento sublinhar a importancia que, nestas paginas (quanto a nos de um interesse j historico inultrapassavel), adqui- rem alguns conceitos propostos € determinados processos analisa- dos. ‘No primeiro artigo (wAs relagdes de tempo no verbo francés», 1989)!, estabelece-se, pela primeira vez de uma maneira sistematiza- da, uma distingdo entre dois termos (dois niveis de discurso) que vi- ria a tornar-se classica (adaptada ¢ desenvolvida) na semiduca litera- ria: a distingdo entre historia e discurso. A natrativa historica, se- gundo Benveniste, ¢ «0 modo de enunciagto que exclui qualquer forma linguistica autobiografica», enquanto a narracdo discursiva € justamente «toda a enunciago que supde um locutor ¢ um recep- tor, tendo o primeiro a intengdo de influenciar 0 outro seja de que modo form; 0 que pressupde que 0 discurso se liga a uma colocagdo subjectiva enquanto a historia € o dominio exclusivo da terceira pes- soa, do indeterminado. Esta distingdo tem a vantagem de ser esta- belecida a partir de critérios formais facilmente detectaveis e de sen- tido univoco, 0 que embora admitindo a evidéncia das contamina- ges possiveis entre esses dois niveis de narracdo, proporciona possi bilidades de andlise susceptiveis de acerto e, sobretudo, operacio- nais. Em 1966, Tzvetan Todorov, no famoso n.° 8 da re\ " Seguimos a ordem cronologica da publicacdo dos artigos, ndo a ordem logica por ave aparecem seriados nos Problémes e que é também a do presente volume. 13 fem que se lancaram as bases da ang fe pareve! elias cals dhaiacha pasate nivel da areca dois planos ndo totalmente correspondentes aoy q. 32? ile te mas a que tambem chama «historia (a articulacio co ¢ abstracta existente entre os elementos de uma narratives © discer. so» (0 modo concreto ¢ efectivo pelo qual 2 escrita organiza ma articulagdo). De qualquer modo, a decorréncia @ evidente, dincer. se ¢ sempre entendido como uma historia que se actualiza x a Sao de comunicarin de wes ox ae eiieve On fils & wariree ou ouve, de um emissor a um receptor. Anotaremos ainda ume Paralelismo a estabelecer entre estes conceitos © uma tenn muito anteriormente defendida pelos formalistas russes (fable © sujet ¢, contemporaneamente, por Jean Ricardou, ovo romance (aficed0n € «narragdo»)?. A consideragdo destes ac blanos narrativos permite, como ponto de partida indispensave) = da uma reflexdo concreta, que se tem vindo a realizar Posteriormen. te, sobre as relagdes entre tematica, narragdo e escrita que, de outro modo, tenderiam sempre a ser consideradas nas suas Telagdes mi twas ¢ emaranhadas, anulando qualquer via taxinomica: por oums, Palavras, ela esta na base de toda a analise estrutural da Rarrativa. Nos dois ultimos artigos, respectivamente «A filosofia analtice e a linguagem» (1963) e «Os verbos delocutivosn (1958), chama-se a Hencdo. pela observaao de particularidades de certos tipos de ver, bos, encarados através de mutuas relagdes de expressdo ¢ de comtei- do, para uma caracteristica da linguagem com fundas Tepercussdes, te accmlamos nos, na actividade escrita em geral e, particularmen, {&; na escrita literdria: a capacidade que a lingugaem tem, enquanto linguagem mesma, de fundar a realidade ou, mais Precisamente, uma efectivacdo de real. Os restantes artigos so, quanto a nos, os mai verdade, eles fundamentam, Que, ndo obsiante, importantes. Na atraves de uma anélise linguistica pura, ou talvez por isso mesmo, se torna ao mesmo tencial com implica- toda uma teoria do Sujeito que nos anos tempo reflexao filosofica sobre a colocacao exist Ses muito prolongadas, mais recentes tem sido a da nogdo fundamental de sujeito (que desempocira ¢ objectiva um vasto € por vezes confuso amontoado de nogdes tradicionalmente presas a ideia de «humano»), intimamente ligada ao conceito de texto, € sem divida Benveniste, ao considerar, nestes artigos, 0 pro- cesso da institui¢do subjectiva, contribui para o entendimento de tais termos de uma maneira que ndo pode ser ignorada. A definigao do eu ¢ do tu (correlagdo de subjectividade ¢ correlagdo de persona- lidade), a sua integracdo na deixis (sua relacionacdo com o tempo € com 0 espaco), a nogdo de instdncia de discurso (e respectiva liga- Ho com a nogdo de presente), a relacdo entre o singular ¢ o plural (articulacdo do individual com o colectivo) sdo fases da sua analise que tém repercussdes de extrema importdncia no actual proceso re- flexivo sobre 0 entendimento dos textos, escritos e falados. Sobretudo, Benveniste interessa-nos pelo que, em suma, resume todos estes aspectos: a constitui¢do do homem através da linguagem € possibilidade de definicao do seu estatuto enquanto produtor ¢ produzido pela sua capacidade de fala. O que, simultaneamente, € do mais elementar e do mais complexo que poderemos arriscar. Por isso escolhemos Benveniste para iniciar esta coleccao. Por- que a sua leitura da actividade humana proferida se situa no seu ponto inicial, la onde as evidéncias so questionadas («por vezes, itil pedir a evidéncia que se justifiquen, in «Da subjectividade na linguagem»), Lendo-o nos leremos também, por aquilo que de nos mesmos ¢ dos outros somos, isto é, pela linguagem que nos (re)pro- duz. 1s 1 ESTRUTURA DAS RELACOES DE PESSOA NO VERBO © verbo é, com o pronome, a iinica classe de palavras sujeita a categoria de pessoa. Mas 0 pronome tem tantas caracteristicas espe- cificamente suas e relagdes to diferentes que exigiria um estudo in- dependente. Embora utilizando os pronomes sempre que necessario, é apenas da pessoa verbal que nos iremos ocupar. Em todas as linguas com verbo se classificam as formas da con- jugagdo segundo a sua referéncia a pessoa, sendo aquela constituida propriamente pela enumeragdo das pessoas; podem-se distinguir trés conjugagées: no singular, no plural e, eventualmente, no dual. Esta classificagdo € nitidamente herdada da gramatica grega, onde as for- mas verbais conjugadas constituem nedowna, personae, «figuragdes» que realizam a nogio verbal. A série de npdowna ou personae forne- ce de certo modo um paralelo de mrdoci; ou casus da flexdo no- minal. Na nomenclatura gramatical da india, a nocdo tambem se exprime pelos trés purusa ou «pessoas», a que se chamam respecti- vamente prathamapurusa, «primeira pessoa», (=a nossa 3.* pess.), madhyamapurusa «pessoa intermédia» (=a nossa 2.* pess.), € uttamapurusa, «iltima pessoa» (=a nossa 1." pess.); realizam a mesma sequéncia, mas na ordem inversa; a tradigdo determina a di- ferenga: os gramaticos gregos citam os verbos na 1." pessoa, os da India na 3.*, 17 Aceita-se ainda hoje esta classificacao tal como fo; Jos Gregos, para a descrigdo da sua lingua, nao 54 copia pe da por todas as linguas dotadas de verbo, mas tambaaah SOmprova, ral ¢ inscrita na ordem das coisas. Resume, nas tras ren institui, 0 conjunto das posi¢des que determinam uma forsee? Wt provida de indice pessoal, ¢ € valida para qualquer ee Verba quer lingua. Assim, existem trés pessoas ¢ apenas trés, Con qual. preciso denunciar 0 caracter sumario € ndo-linguistico de unit’ § goria formulada deste modo. Ao colocarmos numa ordem cory ¢ num plano uniforme «pessoas» que se definem pela sua snn® € que se referem a esses seres que S40 «eu» € «ture weley, nase” zemos sendo transpor para uma teoria pseudo-linguistica difersy de natureza lexical. Aquelas denominagdes nao nos informam ac. ca da necessidade da categoria, nem acerca do conteiido que eg implica, nem acerca das relagdes que reunem as diferentes pessoas E preciso, pois, ver como cada pessoa se opde a0 conjunto das og, tras € em que principio se fundamenta a sua oposic20, visto que n&o podemos chegar la sendo por aquilo que as diferencia. Levanta-se uma questo prévia: pode existir um verbo sem dis- tingdo de pessoa? O que equivale a perguntar se a categoria de pes. soa é verdadeiramente necessaria e congenial ao verbo ou se consti- tui apenas uma possivel modalidade sua, que se realiza na maioria das vezes, mas nao @ indispensavel, como, ao fim ¢ ao cabo, o sio muitas das categorias verbais. De facto, podemos destacar, embora sejam rarissimos os exemplos, linguas onde a expresso da pessoa é susceptivel de faltar ao verbo. Assim, no verbo coreano, segundo Ramstedt, «the grammatical ‘persons’... have no grammatical dis- tinction in language where all forms of the verb are indifferent 10 person and number» (G. J. Ramstedt, A. Korean Grammar, p. 61). E certo que as principais distingdes verbais do coreano sao de ori- gem «social»; as formas diferenciam-se imenso consoante o nivel do sujeito e do interlocutor, e variam muitas vezes conforme se fala com um superior, com um igual ou com um inferior. O falante suprime-se, prodigaliza expressdes impessoais; para ndo acentuar in- discretamente a relagéo das posicdes, contenta-se muitas vezes com formas indiferenciadas quanto a pessoa, que apenas o sentido agu- do das conveniéncias permite entender correctamente. Contudo, nao seria preciso, como faz Ramstedt, instituir 0 habito em regra abso- uta, em primeiro lugar porque 0 coreano possui uma série comple ta de pronomes pessoais que podem entrar em cena, ¢ isto & essen- cial; além disso, porque, mesmo nas frases que cita, a ambiguidade 18 nao € aquela que poderiamos supor'. Assim pogatta, ul shall see; you will see; he will see; one can see; one is to see» (Ramstedt, p. 71), significa, geralmente, «eu verein; © wiu veras» diz-se porida, A frase: banyn yo So hagani-wa tasi-nan hati ani hagetta (nao hhagesso), «this time I forgive you, but I shall not forgive you jin» (Ibid., p. 97), significa antes, se substituirmos hagetta por handa: «(verifico que) ele te perdoa por esta vez, mas que ndo te voltara a perdoar, pois 0 tema nominal ¢ abstracto hagi nado con- vem muito a 1." pessoa. De facto, devemos traduzir i san-son yl makkoni-wa ithom yn mollasso, «although 1 eat this fish, 1 dont’ know its name» (Ibid., p. 96), mas, se substituissemos mollasso por mollati, a frase estaria na 2.* sing: wembora tu comas esse peixe, tu no sabes 0 seu nomen. Do mesmo modo, a frase ilbon ¢ sardaga pyon yl edesso, «I lived in Japan and 1 got this sickness» (Ibid., p. 98), significara «tu apanhaste essa doenga...», se substituirmos edesso por odokasso. Todas estas restrigdes de uso e, sempre que necessatio, do emprego dos pronomes, contribuem para introdurir variagdes de pessoa num verbo em principio indiferenciado. Nas linguas paleo-siberianas, segundo R. Jakobson (American Anthropologist, XLIV [1942], p. 617), as formas verbais do gilyak nao distinguem geralmente nem pessoa nem numero, mas os modos «neutros» opdem a primeira a ndo-primeira pessoa do singular; ou- tras linguas do mesmo grupo também so distinguem duas pessoas: por exemplo, em yukaghir, a primeira funde-se com a segunda, ou entdo em ket, onde a primeira se funde com a terceira. Mas todas essas linguas possuem pronomes pessoais. Na totalidade, parece que nao se conhece nenhuma lingua dotada de verbo onde as distingdes de pessoa nao sejam marcadas de uma maneira ou de outra nas formas verbais. Podemos, pois, concluir que a categoria de pessoa propria das nogdes fundamentais © necessarias do verbo. Esta é uma verificagdo que nos basta, mas é evidente que a originalidade de cada sistema verbal deveré ser estudada, separadamente, a luz desta relacao. So se pode constituir uma teoria linguistica da pessoa verbal com base nas oposigdes que diferenciam as pessoas; ¢ essa teoria ti- card inteiramente condensada na estrutura dessas oposigdes. Para a formularmos, podemos partir das definigdes utilizadas pelos grama- ticos arabes. Para eles, a primeira pessoa & al-mutakallimu, «aquele que fala»; a segunda al-muhatabu, «aquele a quem nos dirigimos»; mas a terceira € al-ya‘ibu, «aquele que esta ausenten. * Certifiquet-me disso ao interrogar Li-Long-Tseu, coreano eulto ¢ também linguis: ‘quem devo as rectiicagdes que se seguem. Reproduzo na transcriglo do coreano sua pronancia 19 sy Nestas denominagdes encontra-se subjacente uma nogag das relagBes entre as pessoas; justa, sobretudo porque revela gat paridade entre a 3.* pessoa e as duas primeitas. Ao contrary 4 Guilo que @ nossa terminologia levaria a supor, 140 so homoge neas, E 0 que é preciso esclarecer em primeiro lugar. ‘Nas duas primeiras pessoas, ha simultaneamente uma pessoa im. plicada e um discurso sobre essa pessoa. «Eu» designa aquele que fala e implica ao mesmo tempo um enunciado a conta do «euy: qj. zendo «eur, eu no posso nao falar de mim. Na 2.* pessoa, «tu» ¢ Recessariamente designado por «eu», € no pode ser pensado fora de uma situacdo colocada a partir de «eu»; e, ao mesmo tempo, «eu» enuncia algo como predicado de «tu». Mas, quanto a 3.* pes. Soa, um predicado s6 € bem enunciado fora do «eu-tun; esta forma f, assim, excluida da relagdo especifica de «eu» ¢ de «tu». A partir 1 legitimidade desta forma como «pessoa» encontra-se posta daqui, em questo. Estamos, neste momento, no centro do problema. A forma dita de 3." pessoa comporia uma indicagdo de enunciado sobre alguem fou alguma coisa, mas no se refere a uma «pessoa» especifica, Falta-the 0 elemento varidvel e propriamente «pessoal» destas deno- minagdes. E mesmo 0 «ausente» dos gramaticos arabes. Apresenta apenas o elemento invariavel inerente a toda a forma de uma conju gagdo. Devemos formular nitidamente a consequéncia: a «3.* pes- oan nfo € uma «pessoa»; é até a forma verbal que tem por fungao ‘exprimir a ndo-pessoa. Fundamentam esta definigdo: a auséncia de qualquer pronome da 3.* pessoa, facto fundamental que basta lem- brar, € a situagZo muito particular da 3.* pessoa no verbo da maio- ria das linguas, de que daremos exemplos. Em semita, a 3.* sing. do perfeito ndo tem desinéncia. Em tur- co, de um modo geral, a 3.* sing. tem a marca zero, a |.* sing. -m ¢ a 2.* sing. -n; assim, no presente durativo de «amar»: |. sev-iyor-um, 2. sev-iyor-sun, 3. sev-iyor; ou no pretérito determina- do: 1. sev-di-m, 2. sev-di-n, 3. sev-di. Em ugro-finico, a 3.* sing. representa o tema nu: ostiak 1. eutlem, 2. eutlen, 3. eutl; na conju- gacdo subjectiva de «escrever», em hungaro: 1. ir-ok, 2. ir-sz, 3. ir. Em georgiano, na conjuga¢do subjectiva (a unica onde intervem ex- clusivamente a consideragdo da pessoa como sujeito), as duas pri- meiras pessoas, além das suas desinéncias, so caracterizadas por Prefixos: 1. v-; 2. h-, mas a 3.* sing. sO tem a desinéncia. Em cau- casiano do Noroeste (especialmente abxaz ¢ tcherkesse) os indices pret a fa primeiras pessoas forma constante e regular, duas primeiras — uma forma nominal d rook Ga inal de nome predicativo. Em es- 20 quimo, W. Thalbitzer marca bem 0 caracter ndo-pessoal da 3.* Ging.: «Of @ neutral character, lacking any mark of personality, ie the ending of the third person singular -og... which quite aprecs ‘with the common absolute ending of the noun... These endings for the third person indicative must be regarded as impersonal forme kapiwog «there is a stab, one is stabbed», (Hdb. of Amer. Ind, Langu., 1, p- 1032, 1087). Em todas as formas das linguas amerindias onde © verbo funciona por desinéncias ou por prefixos pessoais, esta marca falta geralmente a 3.* pessoa. Em burusaski, a 3." sing. de todos os verbos esta sujeita aos indices das classes no- minais, enquanto © mesmo ndo se passa com as duas primeiras (Lo- rimer, The Burushaski Language, 1, p. 240, § 269)... Encontraria- mos sem dificuldade muitos factos semelhantes noutras familias de linguas. Os que acabam de ser citados chegam para pér em eviden- cia que as duas primeiras pessoas no estdo no mesmo plano da ter~ ceira, que esta € sempre tratada diferentemente e n&o como uma verdadeira «pessoa» verbal e que a classificagdo uniforme em trés pessoas paralelas nao convém ao verbo daquelas linguas. Em indo-europeu, a 3.* sing. anomala do lituano @ mais um exemplo do que se disse acima. Na flexdo arcaica do perfeito, se analisarmos os elementos das desinéncias 1. -a, 2. -tha, 3. -e, obte- mos: 1.{- :¢, 2.91 2€, opostos 4 3. -e, que funciona como desinén- cia zero. Se encararmos a nivel sincronico, fora de qualquer refe- réncia a frase nominal, 0 futuro perifrastico sanscrito 1, kartésmi, 2. kartasi, 3. karté presenciamos 0 mesmo desacordo entre a 3.* pessoa € as duas primeiras. Também ndo & por acaso que a tlexdo de user» em grego moderno opde as duas primeiras eluate cioai uma 3.* pessoa civai comum ao singular e ao plural com uma estrutura distinta, Inversamente, a diferenga pode manifestar-se por uma for- ma de 3.* sing., a iinica marcada: assim, em inglés, (he) loves pe- rante (I, you, we, they) love. Temos de reflectir sobre todos estes factos concordantes para discernirmos a singularidade da flexdo «normal» em indo-europeu, por exemplo, a do presente atematico es-mi, es-si, es-li em tr8s pessoas simetricas: longe de representar um tipo constante € necessario, é, no seio das linguas, uma anoma- lia, A 3.* pessoa ficou conforme as duas primeiras por razdes de si- metria € porque toda a forma verbal indo-europeia tende a por em relevo 0 indice de sujeito, 0 ianico que ela pode manifestar. Temos aqui uma regularidade de caracter extremo ¢ excepcional. Conclui-se que, geralmente, a pessoa s6 é propria das posi¢des «eur ¢ «tur. A 3.* pessoa é, em viriude da sua propria estrutura, a forma nio- -pessoal da flexdo verbal. De facto, ela utiliza-se sempre quando a pessoa nao é designada € particularmente, na expresso dita impessoal. Reencontramos 2 aqui a questdo dos impessoais, velho problema € debate estéril en. acamio se persstir em confundir «pessoar € «sujeito». Em ug, sonar, ia rains, € como nao-pessoal que © processso é relaiado, co. vompuro fenomeno, cuja produsdo ndo se refere a um agente; ¢ as TmeugdesZeve vet, so, sem diivida, recentes ¢ de qualquer modo ra- Gionalizadas ao inves. A autenticidade de Ge: provem do facto de Snunciar positivamente © processo como desenvolvendo-se fora do «eu-tu», os Unicos que indicam pessoas. Com efeito, uma caracteristica das pessoas «eu ¢ «tu» é a sua unicidade especifica: 0 «eu» que enuncia, © «tu» a0 qual «eur se Ginige sio sempre unicos. Mas «ele» pode ser uma infinidade de su- jeitos — ou nenhum. E por isso que o «je est un autre de Rim- baud fornece a expressdo tipica daquilo que € propriamente a «alie- nagdo» mental, onde o eu é despossuido da sua identidade constitu- tiva. Uma segunda caracteristica de «eu» € «tu» € serem invertiveis: aquele que «eu» defino por «tu» pensa-se ¢ pode inverter-se em eu», ¢ «eu» (eu mesmo) torna-se uM «tu». Nenhuma relagdo seme- Ihante é possivel entre uma destas duas pessoas ¢ «ele», visto que «ele» em si mesmo nao designa especificamente nada nem ninguem. Enfim, devemos tomar plenamente consciéncia desta particulari- dade: a «terceira pessoa» @ a unica pela qual uma coisa é predicada verbalmente Nao devemos, pois, representar a «3.* pessoa» como uma pes- soa apta a despersonalizar-se. Nao ha aférese da pessoa, mas exac- tamente a ndo-pessoa, possuindo como marca a auséncia daquilo que’ qualifica especificamente 0 «eu» e 0 «tu». Porque nao implica nenhuma pessoa, pode ter qualquer sujeito ou nao ter nenhum, € esse sujeito, expresso ou ndo, nunca é assumido como «pessoa». Esse sujeito apenas acrescenta como aposto uma preciso con: da necessaria para a compreensdo do conteudo, ndo para a determi nagdo da forma. Assim, volat avis ndo significa «o passaro voa», mas «ele voa (scilicet), 0 passaron. A forma volat basta-se a si mes: ma ¢, embora nao-pessoa, inclui a nogdo gramatical de sujeito. Do mesmo modo procedem 0 nahua ou o chinook que incorporam sempre © pronome sujeito (e eventualmente também 0 pronome regimen) na forma verbal, sendo os substantivos sujeitos ¢ regimen tratados como aposios; chinook igigenxaute ikanate (EmeiwélEms, «os espiritos vigiam a alma», literalmente «eles vigiam-na (8h Hh toy, a alma (kanate), 08 expirtos (iemewalEma)» (cl. Boas, anaea estate ak: pear I p. 647). Tudo 0 que fica ga Tea eee tote a euros, sTeeeba. comms predicado «3. pessoa» e ndo pode receber nenhuma oulra- n Esta posi¢o muito particular da 3.* pessoa explica alguns dos seus usos particulares no dominio da «fala», Podemos ligi-la a dduas expressdes de valor oposto. Ele (ou ela) pode empregar-se co- mo forma de alocug&o junto de alguém que esta presente quando queremos suprimi-lo da esfera pessoal do «tu («vos»). Por um la do, como reveréncia: é a forma de delicadeza (utilizada em italiano, fem alemao ou nas formas de «majestaden) que eleva o interlocutor acima da condicdo de pessoa e da relagdo de homem para homem. Por outro lado, como testemunho de desprezo, para rebaixar aquele {que nem sequer merece que se Ihe dirijam «pessoalmente», Da sua fungao de forma ndo-pessoal, a 43." pessoa» fica apta ndo so a vir a ser uma forma de respeito que faz de um ser muito mais do que uma pessoa, mas também uma forma de ultraje que pode aniquila- slo enquanto pessoa. Compreendemos neste momento em que consiste a oposi¢do en- tre as duas primeiras pessoas do verbo € a terceira. Opdem-se como membros de uma correlagdo, que € a correla¢do de personalidade: ‘«eu-tu» possui a marca de pessoa; «ele esta privado dela. A «3." pessoa» tem como caracteristica € fungdo constantes representar, sob a relagdo da propria forma, um invariante ndo-pessoal, ¢ nada mais do que isso. Mas se eu» € «tu» so ambos caracterizados pela marca de pes- soa, facilmente se vé que se opdem, por sua vez, um ao outro, no seio da categoria que constituem, por um trago cuja natureza lin- guistica tem de ser definida. ‘A definigto da 2.* pessoa como sendo a pessoa a qual a primei- ra se dirige convém sem divida ao seu uso mais vulgar. Mas vulgar ndo quer dizer iinico e constante. Podemos utilizar a 2.* pessoa fo- ra da alocucdo ¢ fazé-la entrar numa variedade de «impessoal». Por exemplo, «vous» funciona em francés como anaforico de «on» (ex. won ne peut se promener sans que quelqu’un vous aborde»). Em muitas linguas, tu (v6s) utiliza-se como substituto de on: lat. memo- ria minuitur nisi eam exerceas; crederes «on croirait» (julgar-se-ia) sr. einai av, «on dirait», (dir-se-ia); gr. mod.\hég , «on dit» (diz se) mag , «on va» (vai-se); em russo, nas locucdes formulares ou proverbiais: govoris s nim — on ne slusaet, «on lui parle, il n’écou- te pas» (falam-lhe, ele ndo ouve); podumases, cto on bolen, «on croirait qu'il est malade» (julgévamo-lo doente) (Mazon, Gramm. russe § 157). E preciso € € suficiente representar uma pessoa dife- rente de «ew» para que se Ihe aponha o indice «tun. Assim, toda a pessoa que se representa é da forma «tu», ¢ muito particularmente — mas nao necessariamente — a pessoa interpelada, O «tu» («v0s») pode, pois, definir-se: «a pessoa ndo-eu». Ha, portanto, possibilidade de se constatar uma oposiclo de «pessoa-eun & «pes- 2B soa ndo-eur. Em que base se estabelece? E propria Uo par gy , uma correlagdo especial a que chamaremos, a falta qe cty/ correlagdo de subjectividade. O que diferencia wu» de wy os primeiro lugar, 0 facto de ser, no €as0 do eu», interior ay en ciado ¢ exterior a0 «tu», mas exterior de um modo que nag sn.” me a realidade humana do didlogo; pois @ 2." pessoa dos exer citados em russo, etc., € uma forma que pres los, UME OU SUSCita time pessoa ficticia € institui por isso uma relacdo vivida ent 3 Fe «eur ¢ essa quase-pessoai além disso, «eu € sempre transcendente em ri sA0 a «tu». Quando saio de «mim» para estabelecer uma relagas va com um ser, encontfo, ou coloco necessariamente um «tun, gee é, além de mim, a unica «pessoa» imaginavel. Estas qualidades ye interioridade ¢ de transcendéncia sdo proprias do «eu» e invertems. no «tu». Poderemos, pois, definir 0 «tu» como a pesos nao-subjectiva, perante a pessoa subjectiva que «eu» representa: « estas duas «pessoas» opdr-se-40 conjuntamente 4 forma de unio. pessoa» (= «elen). Parece que todas as relagdes estabelecidas entre as trés formas do singular deveriam permanecer semelhantes se as transpuséssemos para o plural (as formas de dual s6 levantam questao como dual, nao como pessoas). E, contudo, sabemos que, nos pronomes pes. soais, a passagem do singular ao plural ndo implica uma simples pluralizacdo. Alem disso, existe em muitas linguas uma diferencia. sao da forma verbal da 1.* pess. plur., sob dois aspectos distintos (inclusivo e exclusivo), que denuncia uma complexidade particular. Como no singular, © problema central é também o da primeira pessoa. O simples facto de palavras diferentes seem geralmente uti- lizadas para «eu» e ands» (€ também para «tu» ¢ «vos») chega pa- ra excluir os pronomes dos processos vulgares de formacdo do plu- ral. Ha algumas excepgdes, mas muito raras e parciais: por exem- plo, em esquimd, do sing. uwana, «eu», ao plur. uwanut, «nos», 0 tema @ semelhante e entra numa formagdo de plural nominal. Mas illi, «tu, ¢ illi"sse, «vos» ja contrastam diferentemente. De qual- quer modo, a identidade das formas pronominais no singular ¢ no plural continua a ser excep¢do. Na maior parte das linguas, o plural Pronominal nao coincide com o plural nominal, pelo menos tal co- mo é representado vulgarmente. Com efeito, @ evidente que a unici- dade ¢ a subjectividade inerentes a0 «eu» contradizem a possibilida- de de uma pluralizacdo. Se nao pode haver varios «eu» concebidos Pelo proprio «eu» que fala, € que «nds» é, nado uma multiplicagao de objectos idénticos, mas uma jungdo entre 0 «eu» ¢ 0 «ndo-cu», seia qual for o conteido desse «ndo-eu». Esta jungéo forma uma totalidade nova e de um tipo muito particular, cujos componentes nao sto equivalentes: em «nds», € sempre «eu» que predomina vis- 24 to que ndo ha ands» sendo a partir do «eu», € este «eu» subordina a si o elemento «ndo-eu» pela sua qualidade transcendente. A pre- senga do «eu» é constituinte do «nds». © ando-eu», implicito € necessario em «nds», tem nitidamente a possibilidade de receber, em linguas muito diferentes, dois contet- dos precisos € distintos. «Nos» diz-se, por um lado, para «eu + VOS», € Por Outro, para «eu + eles». Sdo as formas inclusiva ¢ exclusiva que diferenciam o plural pronominal ¢ verbal da 1." pes soa na maior parte das linguas amerindias, australianas, em papu, fem malaio-polinésio, em dravidiano, em tibetano, em manchu, em tunguz, em nama, etc. Esta denominagdo de «inclusivo» e «exclusivo» nao pode passar como satisfatoria; de facto, ela assenta sobre a incluso ou a exclu- sto do «vos», mas, em relag4o a «eles», as designagdes poderiam ser exactamente inversas. Contudo, sera dificil encontrar termos mais apropriados. Parece-nos mais importante a analise desta cate- goria «inclusivo-exclusivoy do ponto de vista das relagdes de pes- soa. © facto essencial a assinalar € que a distingao das formas inclu- siva e exclusiva se modela, na verdade, sobre a relagdo que estabele- cemos entre a 1.2 ¢ a 2.* sing., € entre a I.* ¢ a 3.* sing., respecti- vamente. Estas duas pluralizagdes da 1." sing. permitem reunir sem- pre os termos opostos das duas correlagdes definidas acima. O plu- ral exclusivo («eu+eles») consiste numa jungao das duas formas ‘que se opdem como pessoal € ndo-pessoal devido a «correlagdo de pessoa». Por exemplo, em siuslaw (Oregon), a forma exclusiva do dual (-a*xin, -axda) e no plural (-nxan) € composta pela 3.* dual (-a*x) e plural (-nx) acrescida da final da 1, sing. (-n) (cf. Frach- tenberg, Hdb. of Amer. Ind. Langu. Il, p. 468). Pelo contrario, a forma inclusiva («eu+ vos») efectua a jungdo das pessoas entre as quais existe a «correlagdo de subjectividaden. E interessante verit car que, em algonkin (fox), 0 pronome independente «nds» inclu: vo, ke-gunana, tem o indice ke- da 2.* pess. ke-gwa, «tun, € ke-guwawa, «vos», enquanto «nds» exclusivo, ne-gundna, tem aque- le indice, ne-, da 1." pess. ne-gwa, «eu» (Hdb., 1, p. 817): é uma pessoa que predomina em cada uma das duas formas, «eu» no ex- clusivo (fazendo a jungdo com a ndo-pessoa), ¢ «tu» no inclusive (fazendo a jungdo da pessoa ndo-subjectiva com 0 «eu» implicito). Isto ndo é sendo uma das realizagdes, muito diferentes, desta plura- lidade. S40 possiveis outras. Mas assistimos aqui a diferenciacao que se opera sobre 0 proprio principio da pessoa: em «nds» inclusi- vo que se opde a «ele, eles», & «tu» que sobressai, enquanto, em 2s vos», € «eu» que fica acentua. wo que se opde 2 anos» exclusive GU ve que organizam © sistema das pessoas ng correlates was do. Ay SO umes msm, dla expt de indiferenciado das outras linguas, por exemplo das deve ser encarado numa perspectiva diferen- sees ce Os er pee ota ¢ Em yalquer coisa diversa de uma junglo de elementos de- xnos» & petominio de «eu» é ai 140 forte Que, em certas condi- vee este plural pode ccupar o lugar do singular. E isto porque Sees Gmgo € um ecu» quantificado ou multiplicado, € um «cum Slaredo para la da simples pessoa, simultancamente acrescido ¢ de caataenoe vagos. Disto resultam, fora do plural vulgar, dois empre- gor apostos, mas nao contraditorios. Por um lado, 0 «eu» SMpliticasse em anos» numa pessoa mais massiva, mais solene inenos definida; € 0 «nos» de majestade. Por outro lado, o empre- fgo de ands» esbate a afirmacao demasiado mareada de «ew» numa Roressto mais ampla € difusa: € 0 «nds» de autor ou de orador. Tambem podemos tentar explicar deste modo as contaminagies ou encavalgamentos frequentes do singular ¢ do plural, ou do plural do impessoal na linguagem popular ou camponesa: por exemplo, ‘em francés «nous, on va» (toscan. pop. «noi si canta»), ou «je sommes» em francés do Norte, 0 que corresponde simetricamente ao «nous suis» do franco-provencal: expressdes onde se misturaram: a necessidade de dar ao «nds» uma compreensdo indefinida ¢ a afirmagdo voluntariamente vaga de um «eu» prudentemente genera- lizado. Mas 0 «nos» te. De um modo geral, a pessoa verbal no plural exprime uma pes- soa amplificada ¢ difusa. O «nds» anexa ao «eu» uma globalidade indistinta de outras pessoas. Na passagem do «tu» ao «vos», quer se trate do «vos» colectivo ou do «vos» de delicadeza, verifica-se uma generalizacdo de «tu», quer metaforica, quer real, ¢ em relagdo @ qual, nas linguas de cultura, sobretudo ocidentais, 0 «tu» toma Muitas vezes 0 valor de alocudo estritamente pessoal, logo familiar. Quanto @ ndo-pessoa (3.* pessoa), a pluralizagdo verbal, quando ndo € 0 predicado gramaticalmente regular de um sujeito plural, de- sempenha a mesma fun¢do que nas formas «pessoais»; exprime a Seneralidade indecisa do on (francés) (tipo dicunt, they say). E a Propria ndo-pessoa que, extensa ¢ ilimitada pela sua expresso, ex- Prime © conjunto dos seres ndo-pessoais. No verbo como no prono- me Pessoal, 0 plural € factor de ilimitagdo, n&o de multiplicagdo. 26 ‘Assim, as expressdes da pessoa verbal so, no seu conjunto, agrupadas em duas correlacdes constantes: 1. Correlacdo de personalidade que opde as pessoas eu/tu a nao- pessoa ele. 2. Correlagdo de subjectividade, interior a precedente ¢ opondo cua tu. ‘A distingdo vulgar entre singular e plural deve ser, se nao subs- tituida, pelo menos interpretada segundo a ordem da pessoa, como uma distingdo entre pessoa estrita (= «singular») e pessoa ampla (= aplural). SO a aterceira pessoa», sendo nao-pessoa, admite um verdadeiro plural. 27 2 AS RELACOES DE TEMPO NO VERBO FRANCES © conjunto das formas pessoais do verbo francés reparte-se tra- dicionalmente por uma certa quantidade de paradigmas temporais denominados «presente», «imperfeito», «pretérito perfeito», etc., € estes, por sua vez, distribuem-se pelas trés grandes categorias do tempo, presente, passado, futuro. Estas divisdes, incontestaveis no seu principio, esto, no entanto, longe das realidades de emprego ¢ nao sdo suficientes para o seu agrupamento. Nao encontraremos na simples nogdo de tempo o critério que ha-de decidir da posi¢do ou ate da possibilidade de uma forma dentro do sistema verbal. Por exemplo, como saber se il allait sortir (ia sair) pertence ou ndo a0 paradigma de sortir (sair)? Em nome de que classificagao temporal se podera aceitar ou rejeitar esta forma? Ficamos perante uma grave dificuldade se tentarmos reduzir as divisdes temporais as oposigdes que aparecem na estrutura material das formas verbais. Por exemplo, consideremos a oposi¢ao das for- mas simples ¢ das formas compostas no verbo. Se podemos opor il courait (corria) a il avait couru (tinha corrido, correra), nao @ de qualquer modo, no mesmo eixo temporal onde il courait (corria) se opde a il court (corre). E, contudo, il a couru (correu, tem corrido) é de certo modo uma forma temporal, visto que pode ser equivalen- te a il courut (correu). As relagdes das formas compostas com o tempo permanecem, assim, ambiguas. Certamente que podemos transferir a distingdo entre formas simples ¢ compostas para a ques- 29 to do «aspectov, mas ndo se ganhara com isso em clareza, pois g tao do ambem nao fornece um principio univoco de correlagao de ari m outro, € isto faz com que, apesar de tudo, yo de formas cor Igumas. rais, mas apenas al s ase, pois, de procurar, de um ponto de vista sincronico, as relagdes que agrupam as diversas formas temporais do sistema ver. Tajo trancés moderno. E devido ao contributo daquilo que parece ser uma falha nesse sistema que se podera distinguir methor a ver- sRlicira natureza das articulagdes. Ha um ponto em que o sistema se toma indevidamente redundante: na expresso. temporal do Spassado», que dispde de duas formas, il fit (fez) ¢ il a fait (fez, tan feito), Na interpretagdo tradicional, seriam duas variantes da mesma forma, uma utilizada na escrita (il fid, outra na fala (il a fait), Teriamos aqui 0 indice de uma fase de transic4o, onde a for- ma antiga (il fit) se conserva na lingua escrita, mais conservadora, enquanto a lingua falada indica antecipadamente a forma de substi- tuto (il a fai, forma concorrente instalada, destinada a impor-se sozinha. Mas, antes de reduzirmos 0 fenomeno aos termos de um processo de sucessdo, seria conveniente perguntar por que razio a lingua falada e a lingua escrita se divorciam neste ponto da tempo- ralidade e ndo noutro, como é que a mesma diferenga se nao esten- de a outras formas paralelas (por exemplo, il fera, fara, e il aura fait, tera feito, permanecem absolutamente distintas, etc.) e, antes de mais, se a observacdo exacta confirma a distribuigdo esquematica segundo a qual é habitual opé-las. Assim, toda a estrutura do verbo requer um novo exame, devido a estes problemas. Pareceu-nos, en- 140, que a descri¢do das relacdes de tempo constituia a tarefa mais necessaria. ‘Os paradigmas dos gramaticos levam a supor que todas as for- mas verbais extraidas de um mesmo tema pertencem a mesma con- jugacdo, devido apenas 4 morfologia. Mas propomo-nos demonstrar ‘que a organizagéo dos tempos depende de principios menos eviden- tes e mais complexos. Os tempos de um verbo francés nao sdo utili zados como os membros de um sistema inico, mas distribuem-se em dois sistemas, distintos e complementares. Cada um deles apenas abrange uma parte dos tempos do verbo; ambos vivem em concor- réncia e apresentam-se disponiveis a cada locutor. Estes dois siste- mas manifestam dois planos diferentes de enunciagdo, que distingui- remos como 0 da histéria € 0 do discurso. A enunciag4o historica, actualmente reservada a lingua escrita, caracteriza a narrativa dos acontecimentos passados. Estes trés ter- mos «narrativa», «acontecimento», «passado», devem ser igualmen- te sublinhados. Trata-se da apresentagdo dos factos acontecidos ac 30 dentalmente num dado momento do tempo, sem nenhuma interven- glo do locutor na narrativa. Para que possam ser registados como produzidos, estes factos 1m de pertencer ao passado. Sem divida, valia mais dizer: logo que sao registados e enunciados numa expres- so temporal histérica, encontram-se caracterizados como passados. A interveng&o historica constitui uma das principais fungdes da lingua: imprime-Ihe a sua temporalidade especifica de que & preciso assinalar em seguida as marcas formais. E na delimitagdo especifica que impde as duas categorias verbais do tempo e da pessoa considerados em conjunto, que 0 plano histo- rico da enunciagdo se reconhece. Definiremos a narrativa historica como 0 modo de enunciagdo que exclui qualquer forma linguistica «autobiografican. O historiador nunca diré eu nem tu, nem aqui nem agora, porque ndo utilizaré nunca o aparelho formal do dis- curso, que consiste, em primeiro lugar, na relagdo de pessoa eu:tu. Assim, apenas verificaremos na narrativa historica estritamente con- sequente formas de «3.* pessoa». Paralelamente, definiremos 0 campo da expresso temporal. A enunciagao histérica comporta trés tempos: 0 aoristo (= «passé simple» ou «passé définin, pretérito perfeito simples)’, 0 imperfeito [incluindo a forma em -rait (-ria), chamada condicional], ¢ 0 mais- que-perfeito. E eventualmente, de um modo limitado, um tempo pe- rifrastico, substituto do futuro, a que chamaremos prospectivo. Exclui-se 0 presente, com excep¢do — rarissima — de um presente intemporal como o «presente de defini¢ao»?. Para um mais amplo esclarecimento da ossatura «historica» do verbo, reproduzimos em seguida trés espécies de narrativa, tomadas a0 acaso; as duas primeiras sio do mesmo historiador, mas de ge- neros diferentes, a outra é tirada da literatura de imaginagdo?. Su- blinhamos as formas verbais pessoais que dependem dos tempos enumerados acima‘, ' Esperamos que nio haja inconveniente em chamarmos «aoristo» ao tempo que € © «passe simple» ou 0 upassé definin (pretérito perfeito simples) das nossas gramiticas. 0 termo uaorision no tem noutros contextos conotagdes muito diferentes © precisas que estabelecam a confusto, ¢ € preferivel ao de upretérito» que correriamos o risco de confundir com «imper + Deixamos completamente de lado as formas modais do verbo, assim como as for- mas nominais (infinitivo, participios). Tudo 0 que se disser a respeito das relagdes tem- porais é igualmente valido para essas formas. » Evidentemente, a enunciagdo historica dos acontecimentos @ independente da sua verdade «objectivan. Apenas conta 0 designio ahistorico» do escritor. * Devido ao titulo deste capitulo, achamos preferivel ndo traduzir os extractos cita- dos por Benveniste. (N. da T.) 31 Pour devenit les maitres du marché mediterr deployérent une audace et une perseverance inc puis la disparition des marines minoenne était infestée par des bandes de pirates: des Sidoniens pour oser s'y aventurer, tant par se debarasser de cette plaie: ecumeurs de rivages, qui durent transi leurs exploits dans I’Adriatique. avaient fait profiter les Grecs de le appris Vurilite commerciale de Wécriture, ils furent evinces des cotes de I'lonie et chassés des pécheries de pourpre égcennes; trouvérent des concurrents & Cypre et jusque dans leurs propr villes. Ils portérent alor leurs regards vers "Ouest; mais 1a ence, fe les Grecs, bientOt installés en Sicile, séparérent de la métrope, le orientale les colonies phéniciennes a’ "Espagne et d’ Afrique. Entre |'Aryen et le Sémite, la lutte commerciale ne devait cee dans les mers du Couchant qu’a la chute de Carthage. ranéen, les Grecy ‘omparables. De. et mycénienne, Ege il n’y cut longtemps que Les Grecs finirent pour. ils donnérent la chasse aux ferer le principal theatre de Quant aux Phéniciens qui "ur expérience et leur avaient (G. GLOTZ, Histoire grecaue, 1925, p, 228, Quand Solon eur accompli sa missior archontes et a tous les citoyens de se c ment qui fit désormais prété tous les at mus a la majorite civique. Pour prévenir les lutics intestines et les revolutions, il avait prescrit & tous les membres de la cite, comme une obligation correspondant a leurs droits, en cas de troubles dans l'un des partis opposes, sou mie entrainant l’exclusion de la communauté: sortant de la neutralité les hommes exer formeraient une majorité suffisante pour ar teurs de la paix publique. Les craintes étaient tions furent vaines. Solon n’avait satisfait ni le Se pauvre et disait tristement: n, il fit jurer aux neufs onformer a ses lois, ser- ins par les Athéniens pro- de se ranger IS peine d’ati- il comptait qu’en mpts de passion réter les perturba- justes; les précau- s riches ni la mas- «Quand on fait de grandes choses, il est difficile de plaire A tous.n* Il était encore archonte qu'il était assailli par les invectives des mécontents; quand il fur sorti de charge, ce fut un dechainement de reproches et d'accusations, Solon se défendit, comme toujours, par des vers, c'est alors qu'il invoqua le témoignage de la Terre Mére. On l'accablait d'insultes et de moqueries parce que «le coeur lui avait manqué» Pour st faire tyran, parce qu'il n’avait pas voulu, «pour are le * Exemplo de uprospectivon (vide acim: * Intrusdo do discurso na narracdo, 32 ‘com mudanca correla malire d’Athénes, ne fOt-ce qu'un jour, que de sa peau écorchée fon Mit une autre et que sa race f0t abolien’. Entoure d'ennemis mais résolu & ne rien changer de ce qu'il avait fait, rover: Peut-Bire aussi que son absence calmerait les esprits, il decide de quitter Athénes. Il voyagea, il parut a Cypre, il alla en Egypte se retremper aux sources de la sagesse. Quand il revint, la Inte des partis était plus vive que jamais. Il se retira de la vie publi. que et s'enferma dans un repos inquiet: il «vieillissait en appre- ant toujours et beaucoup», sans cesser de tendre Moreille aux bruits du dehors et de prodiguer les avertissements d'un patrio- tisme alarmé. Mais Solon n’était qu’un homme; il ne lui apparienait pas d’arréter le cours des évenements. Il vécut assez Pour assister a la ruine de la constitution qu'il croyait avoir af. fermie et voir s’étendre sur sa chére cite lombre pesante de la tyranni Ubid., p. 441-2) Aprés un tour de galerie, le jeune homme regarda tour 4 tour le ciel et sa montre, fit un geste d’impatience, entra dans un bureau de tabac, y alluma un cigare, se posa devant une gla- ce, et jeta un regard sur son costume, um pleu plus riche que ne le permettent* en France les lois du goat. II rajusta son col et son gilet de velours noir sur lequel se croisait plusieurs fois une de ces grosses chaines d’or fabriquees a Génes; puis, apreés avoir jeté par un seul mouvement sur son épaule gauche son manteau doublé de velours en le drapant avec élegance, il reprit sa pro- menade sans se laisser distraire par les oeillades bourgeoises qu'il recevail. Quand les boutiques commencérent a s’illuminer et que la nuit lui parur assez noire, il se dirigea vers la place du Palais- Royal en homme qui craignait d’étre reconnu, car il ctoya la place jusqu’a la fontaine, pour “gagner a I’abri des fiacres l'en- trée de la rue Froidmanteau Vemos que, neste modo de enunciagdo, o efectivo e a natureza dos tempos permanecem os mesmos. Nao ha nenhuma razdo para que mudem durante o tempo em que a narracdo historica se efec- tua, e, alias, ndo ha nenhuma razdo para que esta pare, visto que 7 Sobre o discurso indirecto, ef, adiante p. 39. * Reflexdo do autor que nto pertence ao plano da narragto, 33 podemos imaginar todo 0 passado do mundo continua que seria inteiramente construida sobre esta ra ral tripla: aoristo, imperfeito, mais-que-perteito. pose eee: ciente que © autor permanesa fiel a0 seu propésito de hiorgn aue prosereva tudo 0 que é estranho a narragdo dos acontccnen (discursos, reflexdes, comparasdes). A bem dizer, até ja nem na narrador. Apresentam-se 08 acontecimentos como se fostem sry zidos & medida que surgem no horizonte da historia. Ninguem ect” aqui; parece que os acontecimentos se narram a si proprios. O tem. o fundamental & © aoristo, que € 0 tempo do acontecimenta fon da pessoa de um narrador. como uma narracag Para contrastar, deiximos para depois 0 plano do discurso. Te- mos de entender discurso na sua mais lata extensdo: toda a enuncia. ¢40 que supde um locutor ¢ um receptor, tendo o primeiro a inten. do de influenciar 0 outro seja de que modo for. Em primeira lu. gar, @ a diversidade dos discursos orais de toda a natureza ¢ de to. do o nivel, desde a conversa trivial até a arenga: mais empolada Mas ¢ tambem a série de escritos que reproduzem discursos orais ou a que Ihes imita 0 modo ¢ os fins: correspondéncias, memorias, tea- tro, obras didacticas, em resumo, todos os generos em que alguem se dirige a alguém, se enuncia como locutor ¢ organiza o que diz na categoria da pessoa. A distingdo que fazemos entre narrativa hisio- rica e discurso ndo coincide, pois, de modo nenhum com a distin- so entre lingua escrita ¢ lingua falada. Actualmente, a enunciagio historica reservada a lingua escrita. Mas o discurso tanto escrito como falado. Na pratica, passamos de um para o outro instanta. neamente. Todas as vezes que no seio de uma narrativa historica aparece um discurso, por exemplo quando o historiador reproduz as palavras de uma personagem ou quando ele proprio intervem para julgar os acontecimentos referidos?, passa-se para um outro sistema temporal, 0 do discurso. E proprio da linguagem permitir estas transferéncias instantaneas. Como paréntesis, indiquemos que a enunciagdo historica ¢ a do discurso podem ocasionalmente reunir-se num terceiro tipo de enun- ciagdo, onde o discurso é referido em termos de um acontecimento € transposto para o plano histérico; é aquilo a que vulgarmente se chama «discurso indirecto. As regras desta transposic4o implicam problemas que ndo serao examinados aqui. * E 0 caso verificado acima, nota 8. discurso distingue-se nitidamente da narrativa historica pela 0 egos tempos do verbo". O discurso utiliza livremente todas eee ssoais do verbo, tanto eu/tu como ele. Explicita ou ai ia relagdo de pessoa esta presente em toda a parte. Devido a facto, a «3.* pessoa» ndo tem o mesmo valor como tinha na wva histOrica. Nesta, como o narrador nao intervém, a 3.* do se opde a nenhuma outra, ela é verdadeiramente uma Pisencia de pessoa. Mas no discurso, um locutor opde uma néo- “pessoa, ele a uma pessoa eu/tu. Do mesmo modo, o registo dos tempos verbais € muito mais amplo no discurso: de facto, todos os tempos s80 possiveis, com excepgdo de um deles, 0 aoristo, banido ‘agora deste plano de enunciag%o como forma tipica da historia. Te- mos de sublinhar sobretudo os trés tempos fundamentais do discur- so: 0 presente, 0 futuro € 0 perfeito, os trés excluidos da narrativa historica (com excep do mais-que-perfeito). Comum aos dois planos € 0 imperfeito. : ‘A distingdo que aqui se opera entre dois planos de enunciagao no scio da lingua coloca numa perspectiva diferente 0 fenomeno que ha cinquenta anos foi chamado «o desaparecimento das formas simples do pretérito»' em francés. O termo «desaparecimento» ndo convem de maneira nenhuma. Uma forma so desaparece se a sua fungdo ja nao for necesséria ou se uma outra forma a desempenhar melhor. Trata-se, pois, de tornar precisa a situagdo do aoristo em relagdo ao duplo sistema de formas e de fungdes que constitui o verbo. Ha duas relagdes distintas a observar. Por um lado, € um facto que 0 aoristo ndo se utiliza na lingua falada, e que nao faz parte dos tempos verbais proprios do discurso. Em contrapartida, como tempo da narrativa historica, 0 aoristo conserva-se muito bem, no se apresenta de forma alguma ameagado e nenhum outro tempo o poderia substituir. Aqueles que o julgam em vias de extin- sto 86 tém de fazer a experiéncia de substituir, nos trechos citados acima, 0s aoristos pelos perfeitos. O resultado seria tal que nenhum autor se decidiria a apresentar a historia numa perspectiva seme- lhante. Podemos postular como um facto, que quem inicia uma narrativa de acontecimentos passados utiliza espontaneamente 0 a0- Tisto como tempo fundamental, evoca esses acontecimentos na qua- idade de historiador ou cria-os como romancista. Se se preocupar este narrati Felamos sempre dos tempos da «nattativa hisiérica» para evitarmos © termo “tempos narrativos» que tanta confusdo criow. Na perspectiva tracada aqui, 0 aorisio ¢ lum sempo narrativon, mas 0 perfeiio também pode ser um deles, 0 que tornaria obs- ‘ur 4 distingto essencial entre os Jois planos de enunciagdo. € 0 titulo de um artigo de Meillet, publicado em 1909, que foi inguisque historique et linguistique génerale, 1, p. 149 $8. werido em com a variedade, podera mudar de tom, multiplicar os vista e adoptar outros tempos, mas entdo abandona o pla fativa historica. Seriam necessarias estatisticas precisas, basead, Amplas andlises de textos de toda a espécie, de livros e de joman” comparando 0 uso do aoristo de ha cinquenta anos com o dorms, para mostrar a toda a gente que este tempo verbal pemeaeee tdo necessario como outrora, nas condigdes estritas da sua tines Linguistica. Entre 08 textos que serviriam de testemunho, deveria ad incluir também as tradugSes, que nos informam sobre as equivalty, thas espontdneas encontradas por um autor para passar uma narra, gio escrita numa lingua diferente para o sistema temporal que me vem ao francés". - Pontos de nO da nar. Inversamente, a estatistica faria sobressair a raridade das narrati- vas historicas inteiramente redigidas no perfeito, ¢ mostraria quanto © perfeito esta pouco apto a acompanhar a relagdo objectiva dos acontecimentos. Isto pode verificar-se em obras contempordneas em que a narracdo se fez, propositadamente, no perfeito”. Seria inte- ressante analisar 05 efeitos de estilo que nascem desse contraste en- tre o tom da narragdo, que se quer objectivo, ¢ a expressio utiliza. da, 0 perfeito na 1.? pessoa, forma autobiografica por exceléncia. (© perfeito estabelece um lago vivo entre 0 acontecimento passado ¢ 6 presente onde a sua evocagdo encontra lugar. E o tempo daquele que relata os factos como participante; assim, € também o tempo que escolhera todo aquele que quiser trazer até nds 0 acontecimento referido € junta-lo ao nosso presente. Como o presente, 0 perfeito pertence ao sistema linguistico do discurso, porque a referéncia tem- poral do perfeito € 0 momento do discurso, enquanto a do aoristo @ 0 momento do acontecimento. Para citarmos dois exemplos de tradugSes recentes, o tradutor da novela de Er est Hemingway inttulada La Grand Riviére au cocur double (na colectinea The Filth Column and the Forty-nine Fist Stories, em francés Paradis Perduy Paris, 1949) wth zou continuamente 0 aoristo ao longo de quarenta paginas (com 0 imperfcito ¢ 0 male Gqueperfeito). Com excepcto de duas ou irs frases de monblogo interior. rods 8 Ws tive esta, em francés, instalada nesta relacfo temporal porque nenhuma Ot pouive, — © mesmo se passa com a verso francesa de Heyerdahl, L'Expevion du Kon-Tiki, que epresenia excusivamente no aoristo, em capitalos inion, » maior PAS da narratv go exclusive do peri Me ido em profundilade, mas * p. HTH 1B 0 caso de L'Etranger de Albert Camus. O empre tu narrative, como tempo dos acontecimentos foi comenta fgundo um outro ponto de vista, por Jean-Paul Sartre, Situations |, 36 Alem disto, seria preciso no se tratar 0 aoristo como uma uni- dade global dentro de todo o seu paradigma. Também aqui a fron- teira atravessa 0 interior do paradigma e separa os dois planos da enunciagdo na escolha das formas pessoais. O discurso excluira o aoristo, mas a narrativa historica, que o utiliza constantemente, apenas conservara as formas de 3.* pessoa'*. Consequéncia disto é que nous arrivames (chegamos) ¢ sobretudo vous arrivates (chegas- tes) ndo se encontram nem na narracdo historica, porque sao for- mas pessoais, nem no discurso, porque sdo formas de aoristo. Em contrapartida, il arriva (chegou), ils arrivérent (chegaram) apresentar-se-40 a todo o instante na pena do historiador endo tém substitutos possiveis. Assim, 0s dois planos da enunciagao delimitam-se em tragos po- sitivos € negativos: — Na enunciacao historica, admitem-se (em formas de 3.* pes- soa): 0 aoristo, 0 imperfeito, 0 mais-que-perfeito ¢ 0 prospect excluem-se: 0 presente, 0 perfeito, o futuro (simples e composto); — Na enunciagdo de discurso, admitem-se todos os tempos em 3¢ © aoristo (simples € composto). As excludes sdo tdo importantes como os tempos admitidos. Para 0 historiador, 0 presente', 0 perfeito € 0 futuro s4o excluidos porque a dimensao do presente € incompativel com a intencdo his- torica: 0 presente seria necessariamente entdo o presente do historia- dor, mas o historiador ndo pode historiar-se sem desmentir 0 seu designio. Um acontecimento, para ser tomado como tal na sua ex- pressdo temporal, tem de ter deixado de ser presente, tem de ja nao poder enunciar-se como presente. Pela mesma razo se inclui o fu- turo; ele ndo € mais que. um presente projectado no porvir, implica prescrig&o, obrigago, certeza, que so modalidades subjectivas, ndo categorias historicas. Quando, na narrativa dos acontecimentos, ¢ devido ao jogo do encadeamento historico, surge uma iminéncia ou se tem de acusar uma fatalidade, 0 historiador utiliza o tempo a que chamamos prospectivo («il allait partir» — «ia partirn; «il devait tomber» — «devia cairn). “ preciso matizar esta afirmacdo. O romancista utiliza ainda sem esforgo 0 a0- risto nas 1.*5 pessoas do singular e do plural. Encontramo-las em cada pagina de uma natrativa como Le Grand Meaulnes d’Alain-Fournier. Mas com o historiador isso jd ‘lo acontece. Evidentemente, ndo fal € um artificio de estilo. ymos aqui do «presente historico» das graméticas, que ape 37 Pelo contrario, no discurso, a exclusdo limita-se ao aoy isto, po historico por exceléncia. Introduzido no discurso, o aoring tert pedate, livres. Para enunciar facts passados, 6 geet 0 utiliza o perfeito, que é simultaneamente o equivalente fu ional forisio, logo um tempo, e também algo diferente de um worn’! tempo. E ao tratarmos do perfeito chegamos a um outro. mma, tanto de estrutura formal como de uilzagto: qual ¢ 4 rage énire tempos simples € tempos compostos? Tambem aqui os en” digmas da conjugac20 no ensinam o principio da distribu Brande probie. Ido, vis. to que, como vimos, a distinedo que fazemos entre dois planos de enunciagdo atravessa a distingdo entre tempos simples © tempos compostos, Verificimos este facto singular: 0 mais-que-perteio ¢ comum ao discurso ¢ a historia, enquanto © perfeito pertence unica, mente a0 discurso. Sob estas aparentes irregularidades podemor contudo, reconhecer uma estrutura coerente. i Nao @ uma grande originalidade observar que os tempos simples € compostos se repartem por dois grupos simeticos. Se negligen, ciarmos as formas nominais, que aliés Thes obedecem do mesmo modo, temos: il écrit ila écrit il écrivrait il avait écrit il écrivit il eut écrit ill écrira il aura écrit” sistema em expansdo, onde as formas compostas produzem por sua vez formas compostas, as quais chamamos sobrecompostas: ila écrit ila eu écrit il avait écrit il avait eu écrit O paralelismo formal das duas séries com todos os tempos ¢ sufi ciente para mostrar que a relacdo entre formas simples e compostas nao € ela propria temporal. E, contudo, ao mesmo tempo que se ex- pulsa desta oposigdo a temporalidade, é preciso reintroduzi-la parcial- mente, visto que il a écrit (escreveu) funciona como forma temporal do passado. Como sair desta contradigao? Reconhecendo-a ¢ tornando-a clara. 1 a écrit opde-se simultaneamente a il écrit ¢ a il " Exemplo: «en un instant il eut écrit cette lettre». " Exemplo: «ll aura écrit cete lettre dans une heuren. 38 écrivit (escreve, escreveu), mas ndo de igual modo. E isto porque os tempos compostos tém um duplo estatuto: estabelecem com os tem- pos simples dois tipos distintos de relagdes: 1.° Os tempos compostos opdem-se um a um aos tempos sim- ples, enquanto cada tempo composto fornece a cada tempo simples um correlato no perfeito. Chamamos «perfeiton a toda a classe das formas compostas (com avoir, [ter], ¢ com étre, [ser], cuja fungao — definida sumariamente, 0 que neste momento nos basta — con- siste em apresentar a nogdo como «realizadan em relagdo ao mo- mento considerado, ¢ a situag4o «actual» como o resultado dessa realizago temporalizada. As formas de perfeito tém um critério formal: podem sempre ser construidas como verbos de uma proposicdo livre. Agrupa-las-emos segundo a série: perfeito de presente: il a écrit perfeito de imperfeito: il avait écrit perfeito de aoristo: il eut écrit Perfeito de futuro: i! aura écrit 2.° Os tempos compostos tém uma outra funcdo, distinta da precedente: indicam a anterioridade. Este termo presta-se facilmente 4 discussdo, mas nao encontramos melhor. Na nossa perspectiva, a anterioridade determina-se sempre e somente em relacdo ao tempo simples correlativo. Ela cria uma relacdo légica e intra-linguistica, nao reflecte uma relaco cronoldgica que seria introduzida na real dade objectiva. Porque a anterioridade intra-linguistica conserva 0 Processo no mesmo tempo expresso pela forma correlativa simples. Esta é uma nogdo especifica da lingua, 0 mais original possivel, sem equivalente no tempo do universo fisico. Devemos rejeitar os termos proximos do termo «anterioridade», tais como «passado do passa- do», «passado do futuro», etc., segundo uma terminologia bastante espalhada, mas a bem dizer desprovida de sentido: so ha um passa- do, ¢ este nao pode admitir nenhuma qual «passado do passado» é to inteligivel como o seria «infinito do infinito», A marca formal das formas de anterioridade é dupla: 1.° nao podem ser construidas como formas livres; 2.° devem ser utilizadas conjuntamente com formas verbais simples de igual nivel temporal. Encontraremos as formas de anterioridade em proposigdes nao li- vres introduzidas por uma conjungdo como quand, (quando). Assim, agrupar-se-4o do seguinte modo: 39 anterior de presente: quand il a écrit une lettre (il envoiey anterior de imperfeito: quand il avait ecri... (jl Venvoyaiy anterior de aoristo: quand il eut écrit... (il l'envoya) anterior de futuro: quand il aura écrit... (il enverray, A prova de que a forma de anterioridade nao traz consigo ne. huma referencia a0 vempo @ que ela tem de se apoiar sintactce, mente numa forma temporal livre da qual adoptara a estrutura for. mal para se estabelecer no mesmo nivel temporal e realizar assim 4 sua fungdo propria. E por isso que ndo podemos admitir: quand i a ecrit..., il envoya. Os tempos compostos, quer indiquem a realizagao ou a anterio- ridade, tém a mesma reparticdo que os tempos simples quanto aos dois planos de enunciagdo. Também pertencem, uns 20 discurso, outros @ narrativa. Para nao cairmos em conjecturas, formulamos os exemplos na 3.* pessoa, forma comum aos dois planos. © principio da distingao @ 0 mesmo: «quand il a fini son travail, iJ renire chez lui» pertence ao discurso, por causa do presente, ¢, tam- bem, do anterior de presente; — «quand il eut fini um enunciado histori risto. il rentray & . por causa do aoristo, e do anterior de ao- A realidade da distingdo feita por nos entre formas de realizado ¢ formas de anterioridade parece-nos ainda ser evidenciada por um outro indice. Conforme se trata de umas ou de outras, a estrutura das relagbes enire as formas temporais ¢ diferente. Na categoria do realizado, a relagdo que se estabelece entre formas composias € si- métrica 4 que existe entre as formas simples correlativas: il a écrit ¢ il avait écrit estdo entre si na mesma relagdo de il écrit ¢ il écrivait. Opsem-se, pois, no eixo do tempo, por uma relagdo temporal para- igmatica. Mas as formas de anterioridade nao tm rela¢ao tempo- ral entre si. Sendo sintacticamente formas ndo livres, ndo podem entrar em oposigdo sendo com as formas simples de que sio 0s cor- relatos sintécticos. Num exemplo como: «Quand il a fait son tra- vail, iI part, 0 anterior de presente aquand il a fait» opde-se 20 Presente wil part», o anterior de presente «(quand) il a fait», opde- se 20 presente «il faut», € deve 0 seu valor a esta oposicao. E uma ‘elagdo temporal sintagmatica. Tal @ © estatuto duplo do perfeito. Dai provem a situacdo ambigua de uma forma como il avait fait, que ¢ membro de dois emas. Enquanto forma (livre) de realizado, i avait fait 0 opde-se a forma livre il faisait ¢ ndo estabelece anocas & forme fer i fal ¢ 0 cables nenhuma reago decide quanto @ pertenga da forma de perfeito a uma ou a outra das duas categorias. Encontramos aqui um processo de grande alcance e que interessa ao desenvolvimento da lingua. E a equivaléncia funcional entre je fis (fiz) ¢ j'ai fait (fiz), que discrimina precisamente 0 plano da nar- rativa historica ¢ do discurso. De facto, a 1." pessoa je fis nio & admitida nem na narrativa, porque @ 1.* pessoa, nem no discurso, porque é aoristo. Mas a equivaléncia também é valida para as ou- tras formas pessoais. Vemos agora por que je fis foi substituida por jai fail. Foi a partir da 1." pessoa que 0 processo comegou, estan- do ai colocado 0 eixo da subjectividade. A medida que 0 aoristo se especifica como tempo do acontecimento historico, distancia se do passado subjectivo que, por tendéncia inversa, se associa @ marca da pessoa no discurso. Para um locutor que fala de si mesmo, o tempo fundamental é 0 «presente; tudo aquilo que o locutor toma por sua conta como realizado, ao enuncia-lo na 1.* pessoa do per- feito é fatalmente transposto para o passado. A partir dai, a expres- sdo fixou-se: para especificar 0 passado subjectivo, bastara utilizar no discurso a forma de realizado. Assim, da forma de perfeito j’ai lu ce livre (li este livro), onde j’ai Iu (li) € um realizado de presente, passa-se para a forma temporal de passado j’ai Iu ce livre l’année derniére (li este livro no ano passado), j’ai lu ce livre dés qu'il a paru (li este livro mal saiu). O discurso é entdo provido de um tem- po passado simétrico ao aoristo da narragdo e que contrasta com ele pelo seu valor; il fit objectiviza o acontecimento desligando-o do presente; il a fait, pelo contrario, liga 0 acontecimento passado ao nosso presente. Mas devido a isto o sistema do discurso @ sensivelmente atingi- do: ganha uma disting4o temporal, mas com um prego, o da perda de uma distingdo funcional. A forma j’ai fait torna-se ambigua ¢ cria uma deficiéncia. Em si, j’ai fait € um perfeito que fornece quer a forma de realizado, quer a forma de anterior, ao presente je fais (fago). Mas quando j’ai fait, forma composta, toma a fungdo de forma simples, j’ai fait é, ou perfeito, tempo composto, ou aoristo, tempo simples. Para remediar esta perturbagdo do sistema, este criou a forma que lhe faltava. Perante o tempo simples je fais, ha © tempo composto j’ai fait para a nogdo de realizado. Ora, visto que j’ai fait entra na ordem dos tempos simples, havera necessidade de um novo tempo composto que por sua vez exprima o realizado: sera 0 sobrecomposto j’ai eu fait. Funcionalmente, j’ai eu fait € o novo perfeito de um j’ai fait tornado aoristo. Este ¢ 0 ponto de partida dos tempos sobrecompostos. O sistema fica assim reparado 4 € 05 dois pares de oposi¢des tornam-se, de novo, simey presente, je mange (como), opde-se um perfeito jai ma ue fornece a0 discurso: 1.° um realizado de presente (pn, 2% mange: je n'ai plus faim»; 2.° um antetior de preseme 2! quand j'ai mange, je sors me promenct». Quando j'ai mang, torna aoristo, recria-se um novo perfeito j'ai eu mange que us ~ ralelamente: 1.° um realizado de aoristo (p. ex.: "ai eu mars mon repas en dix minutes»); 2.° um anterior a0 aoristo (pe quand j’ai eu mangé, je suis sortin). Além disso, 0 paraleang temporal € restabelecido entre 05 dois planos de enunciagio. ao mr i mangea (aoristo): il eut mange (perfeito) da narracao historica discurso responde agora com il a mangé (novo aoristo): il +c mangé (novo perfeito) ‘Apenas esbosamos aqui sumariamente problemas acerca de um assunto muito vasto, que exigiria longas andlises ¢ estatisticas por. menorizadas. O essencial era mostrar estas grandes divisoes, por ve. zes pouco visiveis, que percorrem o sistema temporal do verbo fran- cés moderno. Umas, como a distingao entre a narrativa historica e 6 discurso, criam dois subsistemas de tempo € de pessoas verbais; a outra, a do presente ¢ a do perfeito, ndo & de ordem temporal; mas, em cada nivel temporal, o perfeito tem duas fungdes que a sintaxe distingue: fungdo de realizado e fungao de anterior, simetr- camente repartidas, em parte por reconstrugdo, entre a narracio e 0 discurso. O quadro de uma conjugacdo de um verbo francés, onde os paradigmas se alinham, completos € uniformes, nem sequer nos Geina suspeitar que o sistema formal do verbo tem uma estrutura Gupla (conjugagdo de presente € conjugagao de perfeito), assim co- mo é dupla esta organizacao temporal bascada em relagdes © oposi Goes que constituem a realidade da lingua. TiC08. Ao INGE (comiy 42 3 A NATUREZA DOS PRONOMES No debate sempre aberto acerca da natureza dos pronomes, & habito considerarem-se estas formas linguisticas como constituindo uma mesma classe formal e funcional; 4 semelhanga, por exemplo, das formas nominais ou das formas verbais. Ora, todas as linguas Possuem pronomes, e em todos estes se definem por referéncia as mesmas categorias de expressdo (pronomes pessoais, demonstrativos, etc.). A universalidade destas formas e destas nogdes leva a pensar que o problema dos pronomes é simultaneamente um problema de linguagem e um problema das linguas, ou melhor, que so é um pro- blema das linguas porque é, em primeiro lugar, um problema de linguagem. E como facto de linguagem que ele sera tratado aqui, para se demonstrar como os pronomes nao constituem uma classe unitaria, mas espécies diferentes segundo o modo de linguagem do qual eles sdo os signos. Uns pertencem 4 sintaxe da lingua, outros sdo caracteristica daquilo a que chamaremos «instancias de discur- so», isto é, Os actos discretos e unicos através dos quais a lingua se actualiza em fala para um locutor. Em primeiro lugar, devemos considerar a situagéo dos pronomes pessoais. Ndo chega distingui-los dos outros pronomes por uma de- nominagdo diferente.E preciso ver que a definigéo vulgar dos pro- nomes pessoais como contendo eu, tu, ele, destroi precisamente a nogdo de «pessoa». Esta so € propria a eu/tu, ¢ falta em ele. Vere- mos esta diferenca intrinseca na analise de eu. Entre eu e um nome referente a uma nogao lexical, ndo ha ape- nas diferencas formais, muito varidveis, que a estrutura morfoldgica ¢ sintactica das linguas particulares impde. Ha outras, que provém 43 do proprio proceso da enunciagdo linguistica © que sto de mais geral ¢ mais profunda. O enunciado que contem eu Aquele nivel ou tipo de linguagem a que Charles Morri pragmatico, que inclui, com os signos, aqueles que os utili demos imaginar um texto linguistico de grande extensa: exemplo, um tratado cientifico — onde eu © tw nao apar. tunica vez: inversamente, seria dificil conceber um curto t onde ndo fossem utilizados. Mas os outros signos repartr-se-iam diferentemente entre estes dois generos de textos be ra desta condigo de utilizago, que por si ja € distintiva, hau men cionar uma propriedade fundamental, ¢, alidis, manifesta, de eu 1 na organizagdo referencial dos signos linguisticos. Cada instincia da utilizago de uma palavra refere-se a uma nogdo constante ¢ «objec. tivam, apta a permanecer virtual ou a actualizar-se num objecto sin. gular, ¢ que continua sempre idéntica na representagdo que suscit Mas as instancias de utilizagdo de eu nao constituem uma classe de referéncia, visto que ndo ha «objecto» definivel como eu a que es. sas instancias se possam referir de maneira idéntica, Cada cu tem a sua referencia propria, ¢ corresponde, de cada vez, a um ser inico, formulado como tal. Patureea Pertence iS chama izam. Po. Cae resam uma (EXO falado da lingua Qual €, pois, a «realidade» a qual se refere cu ou tu? Unica: mente uma «realidade de discurso», que ¢ algo de muito singular Eu so pode definir-se em termos de «locugdo», no em termos de objectos, como acontece com um signo nominal. Eu significa «a pessoa que enuncia a actual instincia de discurso que contém cus, Instancia unica por definigdo, ¢ valida somente na sua unicidade, Se cu me apercebo de duas instdncias sucessivas de discurso que con- tém eu, proferidas pela mesma voz, nada me assegura ainda que uma delas ndo seja um discurso que se refere a uma citaglo onde eu seria imputavel a um outro. E preciso, pois, sublinhar isto: eu nao pode ser identificado sendo pela instincia de discurso que o contem € apenas por ela. SO é valido na instincia em que ¢ produ- zido. Mas, paralelamente, ¢ também enquanto instincia de forma eu que tem de ser tomado; a forma eu nao tem existéncia linguisti- ca sendo no acto de fala que a profere. Ha, pois, neste processo, uma dupla instancia conjugada: instdncia de eu como referente, ¢ instancia de discurso que contem eu, como referido. A definigdo Pode entdo ser formulada do seguinte modo: cu é 0 «individuo que enuncia a actual instdncia de discurso que contém a instancia lin- Buistica eu». Como consequéncia, ao introduzirmos a instincia de «alocugdo», obtemos uma defi inigdo simétrica para tu, como © «in- dividuo alocutado na actual instancia de discurso que contém a it tAncia Linguistica tu». Estas definigdes visam eu ¢ (u como categoria 4 da linguagem e referem-se & sua posi¢do na linguagem. Nao consi- deramos as formas especificas desta categoria em certas linguas, ¢ pouco importa que estas formas tenham de figurar explicitamente no discurso ou apenas implicitamente. Esta referéncia constante ¢ necesséria 4 insténcia de discurso constitui 0 trago que une a eu/tu uma série de «indicadores» que pertencem, pela sua forma ¢ pelas suas aptiddes combinatorias, a classes diferentes, uns sendo pronomes, outros advérbios outros ainda locugdes adverbiais, ‘Temos assim, em primeiro lugar, os demonstrativos: este, etc. na medida em que se organizam correlativamente aos indicadores de Pessoa, como em lat. hic/iste. Ha aqui um trago novo e distintivo desta série: € a identificagto do objecto por um indicador de osten- sto concomitante a instancia de discurso que contém o indicador de pessoa: este sera o objecto designado por ostensdo simultanea a ac- tual instancia de discurso, a referéncia implicita na forma (por exemplo, hic oposto a iste) que associa essa ostensdo a cu ¢ tu. Fo- ra desta classe, mas no mesmo plano ¢ associados a mesma referén- cia, encontramos 0s advérbios aqui e agora. Poremos em evidéncia a sua relagio com eu ao defini-los: aqui e agora delimitam a instan- cia espacial € temporal coextensiva e contemporanea da presente instancia de discurso que contém eu. Esta série nao se limita a aqui € a agora; estende-se a uma grande quantidade de termos simples ‘ou complexos que procedem da mesma relagéo: hoje, ontem, ama- nha, daqui a trés dias, etc. De nada serve definir estes termos © os demonstrativos em geral pela deixis, como estamos a fazer, se ndo acrescentarmos que a deixis ¢ contempordnea da instancia de discur- so que tem 0 indicador de pessoa; é desta referencia que 0 demons- trativo tira 0 seu cardcter sempre Unico ¢ particular que ¢ a unidade da instancia de discurso a qual se refere. © essencial & pois, a relacdo entre 0 indicador (de pessoa, de tempo, de lugar, de objecto que se mostra, etc.) € a presente instan- cia de discurso. Porque, desde que ja ndo se vise, pela propria ex- pressio, esta relagdo do indicador com a instancia anica que 0 ma nifesta, a lingua recorre a uma série de termos distintos que corres- pondem um por um aos primeiros ¢ que se referem, ja ndo a ins- Lancia de discurso, mas aos objectos «reais», aos tempos ¢ lugares «histéricos». Dai, correlagdes como: eu: ele — aqui: acola — ago- ra: entdo — hoje: naquele dia — ontem: na véspera — amanha: no dia seguinte — na proxima semana: na semana seguinte — ha trés dias antes, etc. A propria lingua mostrara a diferenga profunda en- tre estes dois planos. Tratamos, demasiado levianamente e como se fosse evidente, a referéncia ao «sujeito falante» implicito em todo este grupo de ex- 45 referéncia da sua significacdo propria se irago pelo qual cla se diferencia dos outros sig. no distinguirmos © tanto, € um facto simultaneamente original nos linguisticos. No Shane as «pronominais» ndo remeterem par fundamental 0 de cme vosigoes wObjectivas» NO esPacO OU no tem, a wrealidaden nem Puvdcao, sempre Unica, que as contem, e reflect, pen mias paran enunellc! ” Medisensoh a ligoniuen ad rem, assim. a S48 Pirera do problema que esias formas ajudam a sua funcdo Pele rasatro senao 0 da comunicagdo intersubjective resolver, ¢ due Mie este problema ao criar um conjunto de signos ‘A linguagem resol iais em relago a «realidaden, sempre dis. avaziosn, no tererrpam xplenos» desde que um loculor os assumg oniveis, ¢ Aue * ti seu discurso. Desprovidos de referéncia mate. em cada instanei’ tal ulilizados; ndo fazendo nenhuma assercac, ee ie 4 condigdo de verdade ¢ fogem a toda a dene- rae ese en papel € 0 de fornecerem o instrumento de uma con. eee Modemos chamar a converséo da linguagem em dis. elon identificar-se como pessoa Unica que pronuncia cu que Cada um dos locutores se coloca, cada um por sua vez, como «su- jeito». A utilizagdo tem, pois, como condicdo a situagdo de discurso @ mais nenhuma outra, Se cada locutor, para exprimir o sentimento que tem da sua subjectividade irredutivel, dispusesse de um «indica- tivo» distinto (no sentido em que cada estagdo radiofonica emissora possui 0 seu «indicativon proprio), haveria praticamente tantas linguas como individuos ¢ a comunicagdo tornar-se-iaestritamente impossivel. A linguagem evita este perigo ao instituir um signo ini co, mas movel, eu, que pode ser assumido por cada locuior com a condigdo de apenas remeter para a instancia do seu proprio discur- so. Este signo esta, pois, ligado ao exercicio da linguagem e declara © locutor como locutor. E esta propriedade que funda o discurso individual, onde cada locutor assume por sua conta toda a lingua. gem. © habito torna-nos facilmente insensiveis a esta diferenga pro- funda entre a linguagem como sistema de signos e a linguagem as- sumida como exercicio pelo individuo. Quando o individuo dela se apropria, a linguagem transforma-se em instancias de discurso, ca- racterizadas por este sistema de referéncias internas cuja chave & eu, € que definem 0 individuo pela construgdo linguistica particular de que ele se serve quando se enuncia como locutor. Assim, os indica- dores eu ¢ tu ndo podem existir como signos virtuais, sO existem en- quanto actualizados na instancia de discurso, onde marcam, através de cada uma das suas proprias instancias, 0 processo de apropr 40 pelo locutor. © caracter sistematico da linguagem faz com que a apropriagdo assinalada por estes indicadores se propague na instancia de discur. 46 pressdes. Esvazia-se est

You might also like