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CENTRO DE POS-GRADUAGKO.EM PSICOLOGIA ENSTITUTO DE SELECKO E ORTENTAGKO PROFISSIONAL FUNDACAO GETOLIO VARGAS PSICOLOGIA SOCIALE IDEOLOGIA - A INSERGAO. DE UM NOVO/VELHO CONCEITO E SUAS CONSEQUBNCIAS PARA A ANALISE DOS FENOMENOS PSICO-SOCIAIS. Por, JORGE COELHO SOARES. ie Dissertagao. submetida coho requisito parcial para obtengdo do grau de a” MESTRE EM PSICOLOGIA Rio de Janeiro, A GRADE CIM EN TOS Ao Professor Eliezer Schneider, meu orientador de tese. Ao Professor Helmuth Ricardo Krilger de quem permanentemente xecebi incisivas e oportunas observagées e criticas a este trabalho, além de valiosas indicagdes bibliograficas Devo-1he muito e me orgulho de t@-1o como meu amigo e cole- ga na UERI, A todos os meus colegas de magistério com quem mantenho cor diais e enriquecedoras discussées, particularmente ao Pro- fessor Celso Pereira de Sa, quer por suas sugestSes biblio- graficas, quer pela oportunidade da troca de experiancias e pontos de vista tedricos. SU _M-A-R ZO © presente trabalho teve por objetivo examinar o surgimento do conceito de ideologia e as transformagSes que vem sofrendo desde entdo, tendo como objetivo fundamental su gerix areas de estudo dentro da Psicologia, particularmente da Psicologia Social, onde a aplicag&o desta categoria de a- nalise poderia langar uma luz mais esclarecedora e satisfaté ria sobre uma série de fendmenos de comportamento, areas es= tas que até agora persistem em ignorar os fenémenos ideolégi, cos. Ao final do trabalho foram formuladas criticas se veras 4 maneira pela qual a Psicologia Social vem se reali - zando no Brasil via BUA, quer a nivel metodolégico, quer par- ticularmente quanto aos fendmenos por ela estudados. Entre nés se patenteia a auséncia e aceitagio de enfoques interdis ciplinares, bem como a dissociagdo de tais fendmenos do con- texto hist6rico-politico onde ocorrem. Sugeriu-se também a criagdo entre nds de uma nova Brea de estudos preferencial para a Psicologia Social - Psi- cologia Social do Proletariado ~ visando estabelecer, num fu- turo prdximo, um referencial tedrico capaz de refletir e com preender realmente a dindmica social desta classe, isento de comprometimentos classistas, reflexo da ideologia dominante & qual tal classe é tradicionalmente submetida. SUM M A R-¥ The aim of this paper is te examine the recent appearance of the concept of ideology and the transformations it has undergone - however the fundamental objective being to suggest area of study within Psychology, mainly Social Psychology, where the application of this type ofanalysis could better elucidate a series of behavioural phenomena. Up to now almost nothing is known of the ideological phenomena in those areas. At the end of the paper severe criticism are presented as regards the way Social Psychology is manifested in Brazil, via USA, be it either at the methodological level or, particularly regarding the phenomena studied by Social Psychology. Here in Brazil what has become evident is not only the absence and acceptance of interdisciplinary focuses, but also the dissociation of such phenomena from their historical political contexts. It has also be suggested thay a new area of preferential studies be created for Social Psychology - social Psychology of the Proletariat - so that in anot distant future a theoretical referential to be established, may truly reflect and comprehend the social dynamics of this class , devoid of classes compromise, a reflex of the dominant ideology to which such a class is traditionally submitted. ion 0 ies Agradecimentos -~: Sumario - Summary INTRODUCKO n-==--= 002 011 1.1. Ideologia:da Polissemia ao caos Teédricos 1.2. Utilizag&o da Ideologia como Categoria de Analise 1.2.1, Utilizag&o da Ideologia como Categoria de Anlise em Sociologia e Psicologia ---------- 012 EVOLUGKO DO CONCEITO DE IDEOLOGIA 2.1. Destutt De Tracy e os Idedlogos -- 017 025 036 042 2.2. Francis Bacon e a Teoria dos "Idola" 2.3. Helvetius e Holbach e a Critica ao Poder 2.4, Marx-Engels 2.4.1. A Importancia da Concepg&o Maxista da Ideolo- gia - 041 2.4.2. Raizes Intelectuais da Concepgo de Ideologia em Marx -- 045 2.4.3. Ideologia e Falsa Consciéncia - Ideologia e Consciéncia de Classe 046 2.4.4. O Nascimento da Consciéncia Ideolégica - 054 ~ 2.4.4.1, Divisio do Trabalho e Alienagdo - Alienagdo e Ideologia — 2.4.5. Criticas ao uso da Teoria da Tdeologia em Marx - Ideologia e Verdade - + 2.4.6. A Tdeologia e Alienagio em Marx e Freud - um 054 061 breve Confronto -: 065 2A9, 0 Concedes Wéclogia fi nasi cu tig Marxis 072 mo Leninismo - 2.5. Mannheim e a Wissenssoziologie —- 2.5.1, Mannheim e a Sociologia do Conhecimento - a sintese das Idéias Centrais -. 2.5.1.1, Ideologias Particulares - Ideolo - gias Totais 2.5.1.2. Falsa Consciéncia em Mannheim - 2.5.1.3, Utopia e Ideologia - Mentalidade Utdpica x Mentalidade Ideologégica 2.5.2..Mannheim e o Problema Sociolégico da Intel- Em, ligentsia ----: 2.5.3. Critica 4 Mannheim -: 3. PSICOLOGIA SOCIAL E IDEOLOGIA - A INSERCKO DE UM NOVO/VELHO CONCEITO 3.1, A Crise na Psicologia Social - - 3.2. Psicologia Social e o Conceito de Ideologia 3.3. Consideragdes Finais - REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR —- 079 079 083 089 089 092 094 106 121 135 139 153 "Uma das razdes que fazem com que a vida moderna seja to intranquile & que crescemos duvidando de coisas que sempre foram consideradas verdadeiras. Antigamente as pes — soas acreditavam no que acreditavam porque achavam que era verdade, ou porque era isso que todos os bem-pensantes pen- . savam, Mas desde que Freud nos expds nossa propensdo a ra — cionslizagio e Marx nos mostrou como noseas idéias se origi nam de ideologias, comegamos a nos perguntar: Por que acre= dito no que acredito?|0 fato de nos colocarmos esse tipo de é Pergunta envolye a crenga de que deve haver uma resposta a Ser encontrada. Mas mesmo que conseguissemos respondé-la a um nivel determinado, restatia outra sem resposta: Por que acredito no que actedito que me faz acreditar nisso? Dessa forma permanecemos numa obscuridade total. A verdade nzo é mais verdadeira, 0 mal j@ ndo @ mais mau. "Tudo depende do que se quer dizer". Mas isso torna a vida insuportavel - preciso encontrar uma saida” (Robinson, Joan - 1979 pag, 7) Todos sio livres para dangar e se divertir como desde a neutralizagao histérica da religiao, sio livres pa- ra ingressat em uma das inimeras seitas. A iiberdade na es- a colha das ideologias, contudo, que sempre reflete a Sressao econdmica, revela-se em todos os setores como liberdade do sempre igual", (Horkheimer, 4. & Adorno, T.W. 1970 pag. 200) 1, ZnTRODUGKO Se neste exato momento, inicio da, década de oiten- ta,olhassemos criticamente, ndo 86 a Sociedade em que vivemos mas a situagio politica global, reflexo do relacionamento en- tre todos os demais pafses do nosso planeta, verfamos que a esmagadora maioria dos problemas que constituem a tragédia a- tual, prentincio de nova convulsfo onde ninguém poder& se refu aulniainaweaeieiacey secogderiyacnd ana diferengas profundas entre as diversas maneiras de conceber o relacionamento entre 0s homens e sua dindmica social. Bm outras palavras, decorrem do confronto de projetos de Sociedade antagénicas, partindo de premissas diferentes, nos quais o papel do homem e o valor que a ele se atribui sofre“énormes variagdes. Nosso mundo social portanto é caracterfsticamente um mundo ideologicamente dividido, tanto ao nivel de cada so- ciedade politica isoladamente, quer de maneira mais ampla, no contexto da Comunidade Internacional. Esta divisdo do mundo social em ideclogias antagé- nicas, da maneira como se processa atualmente, & um fato rela tivamente novo na Hist6ria da Humanidade. Uma viséo retrospec tiva desta Histéria nos mostra que os homens, quer como indi- viduos isolados, quer se associando formando grupos, tribos e mesmo Estados, lutaram entre si, competiram e entraram em con flito cujo objetivo foi quase sempre a riqueza, o poder sobre as coisas e sobre os homens. £ claro, lutavam também por suas crengas,mas dificilmente no passado encontraremos uma cuerra oz. ou conflito que refletisse prioritariamente o confronto entre duas diferentes concepgdes de Sociedade, da maneira como ve- mos em nosso sculo, particularmente no momento presente, en- volvendo 0 destino de todos os homens que habitam o planeta e fazendo da neutralidade um termo obsoleto ou reservado aque les cujo nivel de fantasia e alienag&o suplanta o de realida- de e engajamento. Vivemos um momento impar na Histéria da Humanidade onde a possibilidade, concreta, presente, de uma Terceira Gran de Guerra, que 6 sem divida aterradora, seria acima de tudo < © resultado de um confronto de Ideologias, maneiras diferen - tes de conceber o relacionamento entre os homens, 0 seu pa - pel, 0 seu valor, © seu presente e o seu futuro... a, Como se vé a palavra ideologia, muito longe de um conceito perfeitamente inocente e inofensivo,é capaz de desen « cadear forgas impetuosas. Diz respeito 4 Dindmica Social, su- gere a polaridade, a contradigéo viva, a dialética. A experi- Sneia social que cada um de nds tem dessa palavra @ uma expe~ riéncia carregada de significado dramtico e quando a usamos, oupercebemos seu uso, 6 sempre para tocar em pontos vitais da vida social. 1.1 - IDEOLOGIA - DA POLISSEMIA AO CAOS TEORICO SDEOLOGTA ~ DA POLISSEMIA AO CAOS TEORICO Porém,ao se utilizar a palavra ideologia para se referir a uma série de fendmenos sociais de imensa relevancia estamos usando uma categoria de an&lise cujo sentido @ exato, inter-subjetivo e isento de ambiguidades? aC a) x acbarlogna. adic o ml de Caner popes fos port & wm opleo souad (uma clown , OA exempde mon wouS Upeo prmcr cow) ASA motKgon yoberts war pros carnnenun miukhcocta 2 Sivichar kt Bde 0 sat p \ seis rae aia fe He) (Koiakou 4 Bolakow: ki, WBemehe SDPO aes Tesi in Bolfomorey Tom — Koni Morr - coe GR Wiss. asloopa € we cts oneeobeh sin iateoi 0B. be aia pores ol ceaieans, sae RE een en on ne cin Hea Wyilidlads mem O cordmnr Ae pomromentO [Weralé, ws efode fem Baqodin’, baige 19%) $ Zageni) Jouiog ~ O Trahalko na Benwocrracda - Riosoka do RUC So Fes ETS Bewlia EA. dol Venter ocetie ts host loa- INel py ee FEA a CUR RIO, Sei nerd sea ioe hole, i daw t ‘ - (er QEOACLO apne fob oO Sigg k coco ds wae Sendivcia Laslett Bahn i a Sneed og como Kis Farmar DB HMSO | ye sd Waloradioay 2 onadas a modo da fod Aomciorar low.o Opn dt acdes 2 du compos KareneXos, corre WEnios idoreos hora qustrkicon © wxerciio Fo odr, exrphican 2 hub GS aconfecimen- Foy WEBS, Amphicor or cormecoes ett alfkivida cles Jpatitieon 2 cutis formorde elvictodte, (Racyotimr, be A981 = potoy 24) sm A realidade nos mostra que nfo. Usado de maneira indiscriminada, seu sentido original se transformou, sofreu metamorfoses variadas e hoje corre o risco de se perder num emaranhado de miltiplas e diferentes acepgdes. Esta polissemia do termo§ @ a maior dificuldadeque® modernamente o caracteriza. (Bendix - 1975; Horkheimer 4 Adorno 1973; Gurvitch 1960; Grinberg & Grinberg 1971;Horkheimer @ Adorno 1971). Para se ter uma idéia do problema, Gurvitch listou treze significados diferentes que o termo atualmente apresen ta, e que s6 se recobrem muito parcialment J. As ilusdes coletivas ou mistégicacées, represen- tagGes inconscéentemente falsas que os homens , 08 gaupos, as classes fazem de sé proprios, dos seus adversarios, dos conjuntos de que particé - pam, das situacdes sociaés em_que se encontram Essas Lusdes podem Ligar-se A consciéneia de classe ou mais amplamente integrar-se 2 mentali- dade que caractenriza uma classe. Podem-se encon- tran exemplos nos casos em que 0s representantes de uma classe salam da "ordem" lesquecends que a "oxdem™ para sua classe & "desordem” para as classes opostas), da "nesponsabitidade perante a hacdo" ete... As meamas ékusdes cu mistégicagdes, quando sic gonscientes ou semi-conscientes. Por exemplo: os "stogans" de propaganda, a constaucto de imagens = fabacéosas dos advensanios, a invencdo, a emis - Sao e didusao de chavoes imagénarios que nada ga zem sendo ocultar a verdade no que conceane a conduta, & mentatidade; as ideias, 2s escatas de valores que caracterizam as classes opostas. 3. AS interpretacdes das situacdes sociais a partin das avaliacées politicas, moras, neligiosas ou filosoficas, que implicam uma tomada de posicao mas n@o necessariamente uma itusdo. Tal & 0 caso em particular de toda a "consciéneda de classe " mesmo a mais oxelareeida. t Cho) “ Sdastoogo Lum wl5 que hi adolade cS) quodmen® ous 2.0010, foram erpecrticd Grfro ape RAYE Oerd bose okie a uation | eee AO WH oO Soria} ”. a TRicrand T. Ye Geng ates pr Baila, Brcisio M. - 1972 ke Dail, Tarkio Mexreles — Uma Klason Ao Epona = RI- Pillar 19h2 péy et Bee Aeieleiad! Canin Wee Seem Aer gillema apitico 2 antics 4, tanto, Wico de idhiad ,de de cierve Yeogeidlad., a fo OAL penn VOLON LirrctTo 2 Att VIS Abin © jroweo da. ard! da Souedodh au Oo tmonlengcco do stalin qo) Do siaondo - 3& afercreisraimnente sie US Ax Hemakor ) nO roreditmnd At sus adaplos, ae wapiam © keen jerricd & errGoprr Vedio. dis rerio,” ( Reailha, orto Meirelles — 19%2 poy 24) Kono atima “toda 04. 4, As doutrénas ekaboradas pola justifécacio quer das itusdes , quer das avaliagées interpnetati - vas referentes Gs situagdes sociais, sobretudo & tuta de classe, do ponto de vista de una classe particular, As douthinas sociats e politécas in- chusive a comunista tal como Manx a Constauiu , poderiam fonnecen exemplos do caso. 5. Toda obna "objetiva" da "conscééncia reat" coe. tiva e indévidual a um tempo (Linguagem, Diredto, Moral, Ante, Conkecémento) na medida em que cosa obsa esta em conneLagado funcional com uma classe ou em que partécépa da estruturagado de uma classe 6. As CéBneias Humanas, princépatmente as Ciéneias Sockais 2 ate a propria Sociologia, peto fato da éntensidade do seu coesicéente Social (com exee - gao da Economia Politica, trans formada pelo man - xismo em "Sociologia Econdmica” e eLevada a cate- goria da vatidade objetiva. 7. 0 conhecimento gitosdfieo, devido ao seu cardton partidario e d impossibitidade da sua venigicagao 8. A xeligido, por se tnatar de um produto mental per * nicioso, privado de qualquer veracidade ¢ caracte aizado pelo grau mais intense de abcenacao Gurvitch acrescenta ainda mais cinco novos signifi cados de inspiragio neo-marxista (Sorel, Mannheim etc) e nos marxistas freudizantes: + 0 conjunto de sénais e simbo£os caractertstions de uma classe social & que exprimem os seus comple - X0S, aS Suas angustias e as suas aspinacdes 10. 08 métos e as utopias, Tal & » mito da "greve go ral" ou a utopia do desaparecimento do Estado. 04 mitos ¢ as utopias sa0 sistematizagdes imaginati- = vas dos simbolos afetivos e voluntarios. 11, 0 conjunto das iddias e valores que j{&_ndo sao va Lidos numa dada situagdo social, isto t, ja nao $40 apropriades ao quadro social em que’ desejaria mos promové-Los, i Bi Teo iBe O fendmeno da atteragdo mental ou peeo menos de interpretacio errinea, por uma classe social , do papel efetivo que eta % Levada a desempenkar (earactertstico em particular de uma classe que peadeu o poder ou que esta diminudda na sua im- portancia social), As’ condutas inadequadas & situacao dada ou & pi sigdo social de uma classe: testemunho da éna - daptacao da sua consciéneda a mudancas das r0- tagdes entre as classe, da conjuntuna ou da es- trutura. (Guavétch - 1960 - pag. 63 e 84) A estes treze significados poderiamos agregar outras tantas tentativas de circunserever o termo dentro de defini - ges: M4. + tay 16, Coneeito empregado para designar os valores pri manéos que as pessoas possuem e que as habdili — tam _a impor certa ordem mental aos diversos in- dividuos e experténcias socéais que eles encon- nam, (Robert - 1972 - pag. 115) A ideoogia & o elemento da conscitncia social que contnibud déretamente para a solugio das 4anefas sociais postas a sociedade, servindo quer pana consofédar, quer para modigicar as nelagoes sociais. Em todas as socéedades de elas bes, a édeologéa reveste-se de um cardter de classe, ou Soja exprime no inteLecto - consagran do-05 - os intenesses de uma classe. (Kelle & Kovatzon - 1976 pag. 329) Pontos de vista mais ou menos sistematicos, que ~ so histonicamente desenvolvides por grupos s0- ckais deginidos om gases desinidas do desenvol- vimento social e que variam de acordo com a sua onrigem social chamam-se ideotogias. (Comngorth - 1976 Vol. IIT pag. 88) ze 18, 19, 20. Sistema de id@ias e de juizos, explicita e geral mente organizado, que serve para descrever exple car, interpretar ou justifioar a situacdo dum gtx po ou de uma coletividade e que, énspirando-selar gamente em valores, propde uma ortentag&o preci 44 & acto histonica desse grupo ou dessa coleti vidade. (Rochen - 1977 VoL. 4 pag. 205) Qualquer manifestagdo da consedéneda social adqui ne inevitavelmente um carater de classe. 0 con - junto de opinédes politicas, jurtdicas, morais , artisticas ¢ outras de doterminada classe, cons— titué sua Ldeologia. (Aganasiev in Sodr® 1968 pag. 127) Se se coloca do ponto de vista da teoria dos fa Zones a sociedade humana @ como um pesado fando que diferentes "forcas" - oral, Déneitc, Econo- méa ete... = puxam cada uma de seu Lado, no cami nho da Historia. Mas se se cofoca do ponto de vis ta da concepedo mateniatista, moderna da Hists - ria, tudo muda. 0s "{atones historgcos" aparecem como simples abstnagoes e, quando o seu nevoecno se dissipa, tonna-se claro que os homens nado a- Zem historias distintas - a Héstonia do Direito @ Héstonia da MOnal, da Filosofia, etc... - Mas uma 80 Historia, a de suas nelagies socéais, con décionadas a todo momento pelo estado das mente, ao retornar para o fundo da caverna de imediato, nao 86 deixaria de enxergar como seria considerado cego por todos 0s outros. Poderiamos entiio interpretar as sombras projetadas. na parede da caverna como as nossas experiéncias em que acre- ditamos e tomamos como real e os objetos verdadeiros situados no exterior da caverna e iluminados pelo sol como as verdades eternas. J& 0 p§$isioneiro que se liberta seria o filésofo/in- vestigador capaz de procurar a verdade, a luz e nao as som— bras e mais do que isso de suportar o escarnio e a possibili- dade de ser chamado de cego porque & capaz de “ver" realmente. (Mondolfo - 1959; Vergez & Huisman 1972; Platdo - 1978). Bacon portanto, inspirado neste mito retira dele o seu segundo tipo de idolos - os idolos da caverna - querendo dizer particularmente com isso, baseando-se no sentido do mi- to de Platdo, que o homem & como um ser que vive em uma caver na e & propenso a julgar o mundo exterior somente a partir de seus pontos de vista particulares, determinados pelas suas disposigées subjetivas ou como consequéncia da educagio, do convivio com outras pessoas, principalmente das chamadas “au- a5 toridades" intelectuais que tem poder sobre os individuos que s&o admiradas e até mesmo veneradas pelos individuos que a elas se submetem e reproduzem fielmente suas id&ias e opi - niGes. Em relagao a este Gltimo ponto, Bacon foi bastante con ‘ tundente atribuindo ao mesmo enorme importancia, j4 que consi derava a £8 cega na autoridade e a aceitagio acritica de opi- nides convencionais, fontes de profundas deformagées. ‘Ossidoles-do»mereado™por sua vez, pelo.que represen tam, tem particular importancia na histéria da investigacio das Ideologias. Nasceu do fato dos homens viverem em Sociedade e terem como instrumento de comunicagio a Linguagem. Neles , Bacon reconhecia a origem das maiores perturbacdes: 04 homens, com efecto, crcem que a sua naz&o gover- na as patavras. Nas acontece que as palavaas heton- nam e@ kefletem suas foreas sobre o énte£ecto. (Bacon - 1973 pag. 34/35) A Linguagem ao mesmo tempo que € vista coma fora de reunir os homens que entre si trocam idéias como moeda cor xente no “mercado social" tem também a capacidade de iludi - los, j4 que nfo constituem o valor objetivo, natural, das coi sas mas refletem um valor convencional que é produzido duran- te o intercdmbio entre os homens. Os idolos do mercado refle- tem exatamente estes equivocos e deformagédes durante este in- tercambio, basicamente relacionado com a falta de precisdo da Linguagem. Cabe entdo ao investigador, tendo tomado conscién- cia de que a Linguagem pode ser fonte de representagées erré- neas,"tomper o jugo que tais goamas de Linguagem impoem ao pensamento para obter assim a compreensiio reat dos fatos ocuk, tos sob as palavaas (Lenk - 1971 pag. 11) 34, Por fim, os idolos do Teatro constam de idGias que inibem 0 conhecimento e que esta condicionadas pela autorida de, a tradi¢ao, a convengio e as teorias irracionais. Derivam da submisséio do nosso espirito A autoridade dos sistemas Filo séficos e dos métodos defeituosos de demonstrag3o das idéias em que acreditamos e nos fazem acreditar.A razdo deste nome ) decorre, segundo Bacon, do fato de que todas as FIlosofias in Ventadas equivalem & pegas que apresentam acs nossos olhos mn dos imaginarios e teatrais. Bacon acreditava, tal como se pode deduzir de sua obra, na possibilidade de se fazer uma espécie de profilaxia dos erros que os homens cometiam ao tentar captar e dominar a Natureza através de suas leis. Isto se tornaria possivel por um auto-exame que fortaleceria em iiltima inst@ncia a confian- ga humana em sua capacidade cognoscente. Dificilmente porém se poderia omitir e deixar de ver a contradi¢ao entre certas afirmativas do Novum Organum , Segundo as quais alguns idolos seriam inerradicaveis do nosso espirito e do outro lado o propésito metédico de Bacon de con Seguir por meio de sua teoria uma correta andlise do processo de conhecer ¢ expressar a Natureza, obedecendo-a. Em relagio Por exemplo aos 1dolos da tribo sdo eles apresentados como de feitos intrinsecos e incurdveis da nossa razdo que, segundo © Préprio Bacon, tem como se fora a estrutura, de um "espelno curvo", impréprio para refletir a realidade. Nao bastaria por fanto "poli" 0 espelho da razfo 4 que ao fazé-lo a “curvatu ¥a" continuaria existindo e deformando a imagem refletida a5) Em outro ponto, a respeito dos idolos da caverna, Bacon sustenta que cada homem @ conduzido em grande parte, por fatores irracionais, pois chega a afirmar que o espirito huma no & cheio de agitagdes e quase governado ao acaso. Se os idoLos congénitos da alma induzissem o espind 40 a conceber e explicar as coisas do mundo nao "ex analogia unéversi" como deveria fazé-to mas "ex ana Logia hominis" como em verdade o faz, entéo se pode xia por em divida o principio da interpretagao da Natureza de Bacon. Este painctpio consiste em que a ciéncia phoporciona uma cdpia das coisas e esta destinada a proporciona-La. (Barth - 1945 pag. 34/35) Por outro ladoyagora ao olharmos como um todo a con tribuigio de Bacon com sua teoria dos idolos nao poderiamos a lém de reforcar o fato de que a mesma influenciou diversos ou tres filésofos e pensadores, deixar de assinalar que a mesma permitiu, através da Filosofia francesa do século XVIII uma aplicagio e desenvolvimento de suas idéias, visando a critica do Estado, da Sociedade, da Igreja, da religido e seus funda- mentos. Nessa andlise o mesmo fundamento irracional do Estado e da religido apareceu ent&o como idolo ou preccuweito que de via justificar-se ante o "tribunal da razéo". Nao tendo sido aprovado no exame, este preconceito - Estado/Iqreja/Religiao ~ foi desmascarado como algo que visava o interesse de uma clas se ou grupo. Este dobrar~se da razdo sobre si mesma serd mais tarde e de forma mais contundente, acrescido de muitas outras propostas de andlise, mais verdadeiramente revolucionarias , particularmente por Marx e seus sequidores. | 36. 2.3 - HELVETIUS E HOLBACK Outros dois £118sofos que também merecem um lugar destacado ao estudarmos a evolugdo da nog&o de Ideologia ¢ as maneiras pelas quais este conceito foi usado, mesmo utilizan- do outras expressdes para o que se poderia modernamente cha- mar de critica ideolégica, foram Claude Adrien Helvetius(1375 1094 (3971) e Paul Henri D'Holbach (1725-1789). Ambos conseguiram , dentro das limitagdes histéricas em que se deu o seu processo) de analise, passarpx{ de uma andlise da Ideologia do tipo crf-' tico-cognoscitiva (Bacon, Condillac por exemplo) para uma re~ £lexdo critico-social ou de critica ao poder. 2 © fato de té-los colocado em nosso trabalho aps Destutt De Tracy, mesmo sabendo que a contribuig3o de ambos & anterior ao do autor de Elements D'Ideologie, foi intencio- nal j@ que neles vimos um verdadeiro preniincio da nogio de ideologia tal como Marx a concebeu e a quem pretendo a seguir analisar. © préprio Marx atribui a eles uma particular rele- vancia,nfo s6 se detendo para analisa-los em sua obra A Sagrada Familia, como vendo neles uma contribuigio tedrica que "vai | dar dinetamente no 40 iakismo @ comunismo” (Marx - 1978 pag 196); vé também uma clara influéncia das idéias de Helvetius em relagio a Bentham e deste em relagio 4 "Owen fundadonr do comunésmo inglés, a partin do Sistema de Bentham" {Max - 1976 pag 197). icin 37, © tema central da contribuigao de Helvetius e Holbach & a dependéncia que afirmam existir entre as idéias as _estruturas sociais nas quais sio produzidas. Bm outras pala vras procuraram investigar a participagao da Sociedade no nas~ cimento e contefido das idéias. . £ preciso porém antes de prosseguir, assinalar que a palavra idéia é empregada por eles num sentido quase ilimita do pois abnange niio somente as nogdés que foxmamos das rela 950s entre as coisas & 05 homens e das coisas _e 05 homens com outnos homens, mas tambam as opinides com cokonagoes agetivas que regletem os juegamentos posi tivos ou negativos que se oxientam de acondo com wit benegzedo ou pacjudzo, ja véveneéado ou meramente es perado. Portanto, uma id@éa pode expressanr tanto um preconcedto condicionado por perspectivas subjetivas Como por um conhecémento adequado (Banth - 1945 pag. 50 Paraeles a Sociedade onde as idéias se formam e di - fundem nfo “nos oferece um apoio fidedigno, pois nela o espiri: to humano pode ser obscurecido e desviado, j4 que insensivel - mente recebemos desta sociedade um mundo de preconceitos e fal sas nogdes sobre ela e seu modo de organizagao. Perceberam entSo que o entendimento destes assuntos estava ligado intimamente 4s préprias condigées sociais onde ocorriam, ou seja,nossas idéias sociais e politicas sio refle- xos ou transfiguragées das situagdes reais da sociedade, como mais tarde sustentard de maneira contundente o marxismo. Partindo dal, puseram em relévo a idéia de que todos 38. os detentores do poder tem interesse em cultivar e @ifundir |, as idéias favorveis a conservagio do estado de coisas reinante | © impedir a difusdo das idéias que possam abalar as bases es- pirituais da sua dominagao. A melhor exemplificagio dessa ver dade estava para eles no controle da Igreja ¢ do Estado abso- lutista sobre a vida intelectual, j4 que estas duas estrutu - ras repressoras se fortaleciam mutuamente, sobretudo na Fran- 5 ga com uma verdadeira alianga obscurantista entre o trono e © altar. Interpretavam eles ent&io, que as sombras que co- briam a verdade nfo se derivavam de uma suposta tendéncia 4 irracionalidade dos homens mas, revolucionariamente, enfrenta vam a forga da Igreja e do Estado ao procurarem demonstrar | gue as limitagdes intelectuais do povo surgiam da agado delibe | xada dos interessados que detinham ou almejavam o poder, nao se tratando portanto de uma deformago natural mas artificial Identificaram e passaram a acusar abertamente a casta sacerdotal como os mafores art{fices de um plano secu - Jar de cultivar nos povos a superstigao e os preconceitos aos quais podemos ficar para sempre aprisionados e limitados inte lectualmente, caso ndo consigamos percebé-los e deles nos li~ vrarmos . Todo homem que nado effete, permanece todo o tempo de sua vida dentro desses preconcedtos. Es4es pre- concedtos Sao 04 obstaculos mais funestos ao conke cimento dos homens. Predispostos, por paixoes de tal ou qual especie, sejfa devocdo, intemperanca hancon, amon, onguého, cite, curtosidade, eke n@o véem quase nada no seu estado natural; o obfe- to estd sempre disgargado pelo colorido intermedia néo, athaves do qual @ percebsdo 39 Pana remedian esses

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