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ALBANO AFONSO luz encarnada em corpo / corpo evanescido em luz CASA BANDEIRANTE © chiaroscuro, que nasce na pintura renascentista do século XV, 6 uma estratégia para a representacao dos contornos. Com ela, 08 objetos e figuras das pinturas deixam de ter contornos lineares, passando a ser definidos por imersao em luz ou som: bra Albano Afonso produz em suas obras uma reflexao sobre a tra- digo da historia da arte. Seus trabalnos partem dos géneros @ lematicas provenientes principalmente da historia da pintura, ‘em que, nao por coincidéncia, a questo “luz e sombra’ se apre- senta como alemento central. So luz e somibra, ou 0 chiaros: curo, que conferem volumetria as pinturas de natureza-morta, ramaticidade as pinturas histéricas, mistério e melancolia as, pinturas de paisagem, poder e forga aos retratos e autorretratos. O principio primario de fidelidade na captura do real aos poucos passou a dar lugar a estratégias de expressao; razer a luz ou deixar-se esvair na escuridao passa a ser ferramenta composi tiva conceitual na pintura. ‘Aideia de bindmio se apresenta; atinal, luz e sombra, apesar de opostas, andam sempre igadas e so inseparaveis. A existon. cia de uma depende da auséncia da outra, ou de uma constante batalha de existéncia compartiinada. Para além desse principio fisico, a ideia de oposi¢ao © dependéncia entre luz @ sombra se amplia como metatora estabelecida, também pela tradicao, para diversos outros bindmios como bem e mal, esclarecido ¢ misterioso, sagrado e protano, vida e mort, entre tantos outros, As imagens, instalagdes e objetos de Albano Afonso estao i- radiados por essas ideias. Os trabalhos produzidos pelo artista Cconstantemente fazem mengdo a pinturas consagradas pela historia da arte; ou, se ndo mencionam diretamente, S30 com- postos a partir de elementos que deixam claro a referéncia a las. ‘Suas esculturas so naturezas-mortas de luz. Em Naturezé ‘morta, ossadas. frutas e jarros revestidos de espelhos perdem ‘a detini¢do clara que suas matérias thes conferem para refletir luz. Perdem também identidade, viram apenas formas ausentes de alma. A matéria viva suscetivel is agdes do tempo esta cristal ada e agora @ perene. Enclausurados em uma caixa de vidro, e38es objetos estéo ao alcance da luz e da vis4o, mas indispo- niveis ao toque. Residem ali, eternizados, porém mortos. Em O lobo e os passaros e em O passaro e os lobos as pecas {que foram a escultura so maos em diferentes posigdes. Fun- didas em bronze, negam a luminescéncia das pecas espelha das; so opacas e densas. Banhadas por uz, projetam-se no ‘espaco encenando a presenga dos animais. Constroem a mag ca de um teatro de sombras, onde uma forma é convertida em ‘outra, e a matéria se desconstréi para revelar uma cena onirica Esse cenario onitico de luz — que parece viver entre momentos reais, 0 universo dos sonhos e as proprias reteréncias historicas da arte - se amplifica ou se reduz em escala, mas ¢ uma cons- tante no trabalho Uma atmostera construida por projegao e retracao, onde cristais replicam ou relratam a luz atravessa as obras, e agora atraves sa as salas da Casa Bandeirante. Em Anatomia da luz n° 3, ga- thos de arvores se juntam a cristais e ossos espelhados. As for- ‘mas se misturam @ se complementam, gerando outras formas. ‘Suspensas, essas pegas se move delicadamente, rebatendo a luz nelas projetada, Surge entdo um espago em constante movimento, de embate entre formas definitivas e provisorias. AS pegas que compoem a obra permanecem as mesmas, mas a ‘movimentagao delas cria luzes inconstantes, que dancam pelo espaco. Brlho, reflexo e retracdo se tornam objetos de estudo e assunto das obras. Imagens de luzes e de brthos e a propria paleta luminosa ca- racteristica do dia e da noite, novamente bindmios, assumem 0 espaco da Casa Bandeirante, Aqui, se vé parcialmente o artista ‘em algumas esculturas. A presenga do artista esta convertida ‘em partes do corpo fundidas em bronze, ausentes de vida, mas moldadas a partir dele. E essa a alquimia que Albano opera luz e corpo se converter em matéria sélida e opaca, e matéria sélida e opaca se converte em imaterialidade e luz Douglas de Freitas | curador

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