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Ademir Antonio Ferreira Ana Carla Fonseca Reis Maria Isabel Pereira GESTAO EMPRESARIAL: de Taylor aos nossos dias Evolucao e Tendéncias da Moderna Administracao de Empresas EDITORA PIONEIRA ‘Sao Paulo II ESCOLA DE RELACOES HUMANAS ORIGEM Pode até parecer paradoxal que, frente a enorme onda de desemprego resultante da crise de 29, os estudiosos das organiza- ces se preocupassem com 0 fator humano no trabalho. Entretanto, a crise funcionou como sinal de que, assim como os principios econdmicos vigentes até entao, o paradigma da administracao também necessitava passar por uma reformulacao radical. CRISE DE 29 — DO LIBERALISMO AO INTERVENCIONISMO, A crise de 29 foi um dos maiores choques que a economia mundial ja atravessou. Até entao, o capitalismo norte-americano seguia uma politica liberal: os empresérios pagavam salérios baixos, mantinham 0s precos elevados, aumentavam a producao e o Estado nao intervi- nha. Quando nao havia demanda suficiente para a producao, recor- riam ao financiamento da estocagem. Quanto maiores os estoques, maior a paralisacao da producao, maior o desemprego, menor o nivel de consumo, A crise se refletia na Bolsa, onde havia maior ntimero de vendedores do que de compradores de acdes, negociadas a precos cada vez mais baixos. Apés a quebra da Bolsa, o governo assumiu uma postura intervencionista na Economia, regulando a produ¢ao e fixan- do limites para precos e saldrios. Surgiram o salario minimo, o limite maximo de trabalho didrio, a previdéncia social e a legalizacao das organizacées sindicais. A busca de uma maior eficiéncia nas empresas exigiu a recon- sideracao das relacdes e aspiragées dos elementos humanos na organizacao. A humanizacao dos conceitos administrativos se apresentou como mais adequada as novas exigéncias. Para- lelamente, desenvolveram-se varios campos das ciéncias hu manas, que permitiam compreender melhor o funcionamento d psicologia do trabalhador. Assim, 0s pesquisadores e estudiosos da psicologia do trabalh ¢ industrial ressaltavam a importancia da consideracao conjunt 26 EVOLUGAO DAS TEORIAS ADMINISTRATIVAS. dos fatores humano e material para a avaliacao da produtividade no trabalho. Foram fundamentais para o desenvolvimento dessas propostas os conceitos desenvolvidos por Lewin" sobre 0 com- portamento dos grupos sociais e que posteriormente também foram explorados na explicacdo dos aspectos comportamentais do processo de mudanca dentro da organizacao. Todavia, as expe- riéncias desenvolvidas por Mayo” e sua equipe na fabrica da West- em Electric Company (Hawthorne, Chicago) formam o quadro de referéncia que possibilitou delinear os principios basicos da Esco- Jade Relacdes Humanas. LEWIN E 0 ESTUDO DOS GRUPOS Judeu alemao emigrado para os EUA nos anos 30, Kurt Lewin (1890- 1947) estudou em Berlim com Max Wertheimer, um dos fundadores da Gestalt. Lewin defendia como comportamento do grupo um conjunto de forcas e interacdes simbolicas que afetam nao somente a estrutura pal mas também o comportamento individual. Esse processo con- ‘tinuo de adaptacao mutua recebeu o nome de “equilibrio quase-esta- mario” . 1945, Lewin fundou o Research Center for Group Dynamics, no fassachusetts Institute of Technology (MIT), voliado para a juisa pura eaplicada sobre aformacao eo comportamento dos gru- na sociedade e nas organizacées. PRESSUPOSTOS DA ABORDAGEM DE. .COES HUMANAS: ‘As pesquisas de Elton Mayo propiciaram um cenério favora- 41a introdugao de uma nova abordagem na solucao dos proble- de administracao, focalizada no processo de motivar os indi- juos para o atingimento das metas organizacionais. Para tanto Ins pressupostos sobre o comportamento humano precisavam aceitos e considerados pelos administradores: + Integracao e comportamento sociais — embora dotado de excelentes condig6es fisicas para o trabalho, o trabalhador §4 Dynamic Theory of Personality (1935), Principles of Topological Psychology (1936) sing Social Conflicts (1948), Field Theory in Social Science (1951). Tre Human Problems of an Industrial Civilization (1933). The Social Problems of an ‘Civilization (1945), The Political Problems in an Industrial Civilization (1947). §. Daniel A., The Evolution of Management Thought. Nova York: The Ronald Press wy, 1972, pp.322-325, GESTAO EMPRESARIAL socialmente desajustado tera baixa eficiéncia. Isso porque 0s aspectos sociolégicos, psicoldgicos e emocionais sao mais importantes do que os técnicos. O papel da integracéo grupal é primordial para o bem-estar psicoemocional dos trabalhadores. Eles nao agem individualmente mas como membros de grupos. Desviando-se das normas grupais, sofrem punicées sociais ou morais dos colegas mais severas do que as impostas pela organizacao, porque os margina- lizam do relacionamento como grupo. Eo “esprit de corps” (espirito de corpo) que leva a situacdes como ade alguns tra- balhadores que, mesmo nao concordando com uma greve, participem do movimento em nome da coesao grupal. A administragao que busca a eficiéncia e o aumento da produ- tividade deve entao atentar a conciliacao dos objetivos empresariais com os interesses subjetivos dos trabalha- dores, para obter os resultados desejados. Participacao nas decisées —a participacao de cada um no proceso decisdrio ¢ fundamental, embora condicionada a situacao e ao padrao de lideranca adotado. O trabalhador umser pensante; ele deve estar sujeitoaum controle deresul- tados mas nao a uma supervisao estrita, principalmente no que se refere ao modo de realizar sua tarefa. A participacao nas decisoes, favorecida através de uma comunicagao de baixo para cima, estimula a iniciativa dos funcionarios e aumenta a produtividade empresarial Homem Social — o comportamento dos trabalhadores esta condicionado nao somente a aspectos biolégicos mas tam- bemanormas e padrées sociais. Dada a importancia atribui. daaos fatores psicoemocionais, amotivacao econdmica pas- sa a ser secundaria na determinacao do rendimento do trabalhador; sao prioritarias a necessidade de reconheci- mento, aprovacao social e a participacao. Contetido do trabalho — trabalhos simples e repetitivos sio monétonos e negativos para a motivaao do trabalhador e, conseqiientemente, para o nivel da producao. As tarefas devem ser estimulantes, incentivando o trabalhador a se interessar pela produtividade e qualidade do que desenvolve EVOLUGAO DAS TEORIAS ADMINISTRATIVAS MAYO E A EXPERIENCIA DE HAWTHORNE Formado em filosofia e medicina, professor em Harvard, o australiano Elton Mayo (1880-1949) comecou a se interessar em 1923 pela rota- | tividade de pessoal e queda de produtividade. A partir dos anos 20 percebia-se nas empresas americanas 0 que se convencionou chamar | de “ spleen industrial”: um abatimento moral dos trabalhadores, com da de interesse pelo trabalho, fadiga e monotonia.” Como conti- acao de uma série de estudos anteriores, entre 1927 e 1929, Mayo envolveu experimentos junto a grupos de trabalhadores da drea de agem de relés da industria Hawthorne, da Western Electric. A ‘iencia se baseava na alteracdo de uma varidvel da condicao de alho (iluminacao, pausas, jornada de trabalho) , enquantoas outras aneciam constantes. Como a produtividade aumentava tanto no ‘experimental quanto nos outros, a conclusao foi a de que fatores cos influenciam menos a producao do que os emocionais. O sim- fato de mostrar, pela presenca dos cientistas e pelas experiéncias, hhavia interesse pelas condicées dos operdrios, incentivava-os ase essar novamente pelo trabalho. forme o relatério das experiéncias: “Em termos do conceito de ‘organizacao industrial enquanto sistema social, muitos dos pro- mas humanos de gestio podem ser reformulados. Uma visio tradi- desses problemas frequentemente distorce a situacao humana [na planta industrial. Os trabalhadores, supervisores ou execu- 's0 multas vezes considerados separadamente de seu ambiente hist6ria pessoal e sao tratacos essencialmente como homens 1icos. A simples anélise de causa e efeito de seu comportamen- bstituida pelo contexto situacional mais rico, no qual suas vidas : prevalece a relacao de dependéncia mutua."® 40 — Uma descrigao detalhada de todas as fases da experiéncia de © sua equipe pode ser encontrada no relatério de pesquisa "Manage- dthe Worker” eno video "O Fator Humano: 0s estucios de Hawthorne sgerentes ce hoje", produzido por Salenger Educational Media e dis- do no Brasil por Siamar — Treinamento e Desenvolvimento Ltda. SUICOES IMPORTANTES PARA A ABORDAGEM [STICA *r Sheldon, fildsofo britanico, apresentou em 1923 uma E Omar. op. cit. pp.201-202 RGER, F.J. £DICKSON, William}., Management and the Worker. Cambridge. Harvard University Press, 6th. Edition, 1943, p.569. 29 GESTAO EMPRESARIAL filosofia de administracdo, enfatizando as responsabilidades so- ciais da empresa. A organizacao tinha como obrigacao nao apenas oferecer produtos e servicos 4 comunidade, como também zelar por seu bem-estar. Para tanto, era fundamental o estabelecimento das diretrizes a serem seguidas pela organizacao. Definindo o papel da administracdo, incluia: “a determinagao € a execucao de politicas, a coordenacao de fungGes e os processos das organizacées como atividades vali- das e integrais da administracao.”* Alfred J. Marrow, psicélogo especializado em psicologia industrial, foi durante vinte anos dirigente da Harwood Manufac- turing Corporation. Sua maior contribuigao foi a introducao dos métodos de pesquisa da psicologia aplicada a solucao dos proble- mas das organizagées industriais, defendendo a criacao de um cli ma de trabalho capaz de satisfazer as necessidades do trabalhador. “Para conseguir entender melhor comoas pessoas senteme por que agem de determinada maneira sao necessérias mais do que simples explicagées. Nao sera por meio de informacées que administradores conseguirao conhecer seus empregados. Esse entendimento sobrevird quando examinarem a fundo seus préprios métodos, quando compreenderem o que empresta eficiéncia a lideranga e quais sao as motivagées a serem tomadas em consideracao."* Ordway Tead, defendia a compreensao do comportamento administrativo a partir do conhecimento da natureza humana. O administrador, sendo um profissional com dons especiais e um educador, deve ser um lider. “A natureza humana é, por assim dizer, matéria-prima com a qual todo chefe executivo, em qualquer nivel, tem de trabalhar. Se tiver algum conhecimento da forca de tensao, da elastici- dade, da perfeita capacidade de reacao do material com que tra- balha, seus julgamentos, estratégias e métodos terao probabili- dade de dar melhor resultado do que se trabalhasse por instinto.”® © MEGGINSON, Leon C., MOSLEY, Donald C. & PIETRI Jr, Paul H., Administracdo ~ Conceitos e Aplicacdes. Sio Paulo: Harbra, 1986, p 63. = MARROW Alfred J, Administracao Humanizada, Sdo Paulo: IBRASA, 2Edigio, 1964 = TEAD, Ordway. A Arteda Administracao, Rio de Janeiro: FGV, 2\Edicao, 1975, pA2. EVOLUGAO DAS TEORIAS ADMINISTRATIVAS Mary Follett atribuia grande importancia as relacdes indivi- duais na organizacao e ao reconhecimento das motivagoes dos tra- balhadores, cujas reacdes nao podem ser definidas com precisao. Assim, nao ha formula fixa para a solucao dos problemas da empresa. Utilizando conhecimentos de psicologia, analisava padrdes de comportamento dos funcionarios, dentro das organi- zacdes. Como conclusao, recomendava as organizacoes desejosas de alterar o comportamento de seus funcionarios no trabalho que alterassem seus proprios padrdes de comportamento: “A psicologia, assim como nossa observacao, mostra-nos nao apenas que nao podemos levar as pessoas a fazer coisas de forma mais satisfatdria através de ordens ou exortacdes; mas também que até mesmo raciocinar com elas, convencé-Ias intelectual- mente, pode néo ser suficiente. Até mesmo o consentimento do governadonio ira leva-las a realizar todo o trabalho quesuposta- mente deveriam fazer, uma consideracao importante para os que advogam a representagao dos funcionarios. Toda a nossa vida passada, nosso treinamento inicial, nossas tiltimas experién- Cias, todas as nossas emogoes, crengas, preconceitos, cada dese- jo que temos, formaram certos costumes mentais que os psicdlo- gos chamam de padrées de acao. (...) Esta é uma consideracao importante para nés, por que de um certo ponto de vista 0 sucesso nos negécios depende grandemente disso — se nossa empresa € tao organizada e administrada, que tende a formar certos habitos, certas atitudes mentais."* INSIDERACOES ACERCA DA ABORDAGEM RELACOES HUMANAS Damesma forma que as teorias cientifica e classica, aabordagem inistica foi alvo de veementes criticas. Se muitas delas apre- fundamento, outras se referem a uma anélise superficial da lagem, gerando compreensées equivocadas de suas propostas, tanto, por mais acidas que sejam as analises dos princ{pios por defendidos, cabe lembrar que sua eclosao serviu de base para 0 wolvimento de escolas posteriores em estudos de gestao. * Negacao do conflito entre empresa e trabalhadores Como 0 reconhecimento do conflito entre os objetivos da "ALF. Henry C. & URWICK, L., Dynamic Administration — The Collected Papers of Parker Follett. Nova York: Harper & Brothers Publishers, 1940, pp.51-53, 31 GESTAO EMPRESARIAL empresa e 0s interesses dos trabalhadores implicaria na diferen- ciacao das metas dos trabalhadores e da empresa, o movimento de relacdes humanas tenta resolvé-lo negando sua existéncia. Essa atitude reflete uma superficialidade no tratamento do tema, em detrimento dos trabalhadores. A negacao exclui qualquer possi- bilidade de resolucao do conflito, o que ¢ simplesmente uma posicao confortavel para a administracao. + Restrigéio de varidveis e da amostra A abordagem de relacdes humanas se restringiu a um numero excessivamente pequeno de varidveis. Restringiu também o estudo a fabricas, impossibilitando a generalizacao de seus resultados a outros tipos de organizacao. Como resultado, a defesa de um homem social, em oposicao ao homem econdmico dos classicos, pecava por nao considerar o meio social como apenas um dos fatores que influenciam 0 comportamento das pessoas na empresa. + Concepedo ut6pica do trabalhador A teoria das relacdes humanas se baseava na visao idealizada de um operario feliz e integrado ao ambiente de trabalho. Entre- tanto, isso exigia uma negacdo das constatacées praticas de que existem operérios infelizes e produtivos e outros felizes e impro: dutivos. Felicidade e produtividade nao sao, portanto, direta- mente proporcionais. « Enfase excessiva nos grupos informais A importancia da integracao grupal como fator de aumento da produtividade também foi supervalorizada. A influéncia do grupo, além de ser limitada, representa apenas um dos fatores capazes de alterar o nivel de produtividade dos trabalhadores. +Espionagem disfarcada O estimulo a participacao dos funcionarios nas decisées empresariais, através da comunicacao de baixo para cima, acabou por deturpar seus objetivos declarados. A critica que se faz é que a abertura de um espaco para a expressao dos trabalhadores passou ser uma forma da administracao: espionar as idéias e insatis- facoes dos trabalhadores, inteirando-se previamente dos movi- mentos trabalhistas reivindicatorios. + Auséncia de novos critérios de gestao A teoria das relagdes humanas pode ser criticada por nao EVOLUGAO DAS TEORIAS ADMINISTRATIVAS fornecer critérios efetivos de gestéo, indicando de forma mais pratica o que deve ou nao ser feito para se obter os melhores resul- tados empresariais. Paralelamente, nao apresenta uma visao s6cio- ‘econdémica realista das relacées empresa-funcionarios.* INFLUENCIA DA ABORDAGEM DE RELACOES HUMANAS NOS ESTUDOS POSTERIORES Apesar dessas limitac6es, as propostas que originaram a abor- ddagem de relacdes humanas ¢ os estudos que Ihe deram seguimen- to permanecem vigentes até nossos dias. A abordagem humanisti- levantou aspectos que, pela primeira vez, comecaram a ser Jlisados com seriedade dentro do contexto organizacional. Sua éncia e comprovada importancia empirica os tornam atuais, is de meio século apés seu surgimento. Dessa forma, quem hoje ousaria contestar a relevancia da cria- eda manutencao de um clima organizacional favordvel aos tra- adores? As empresas modernas nao cessam de desenvolver 0 . estimulando as iniciativas que favorecam o bom relaciona- {to entre seus funciondrios e a formacao da boa imagem da yresa junto aos mesmos. A defesa do endomarketing e as wuisas de clima organizacional patrocinadas pelas proprias iizacdes sao bons indicadores da atualidade e do interesse ado pelo assunto. A anillise constante dos fatores motivadores do trabalho, oesti- jo a um comportamento favoravel as mudancas exigidas pelo iente € a iniciativa dos funciondrios sao aspectos que nao pas- despercebidos por nenhum executivo que se considere em dia as modernas propostas de gestao. O que se busca, hoje, nao é mais do que um objetivo tracado pela abordagem humanis- = “manteras pessoas trabalhando efetivamente, ao mesmo tem- ‘em que ha permissao para que os individuos desenvolvam seu ial e encontrem seu lugar na sociedad Carlos Daniel, O Compertamento Humano em Administracao de Empresas. Sto Ezitora Pioneira, 1985. NSON, MOSLEY & PIETRI, 0p. cit, p.68. 33

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