You are on page 1of 15
/» tar das relagGes igualdade-equidade e igualdade- difedenca e seus desdobramentos no debate contemporineo, em especial no campo educacional, essa cobra oportuniza potentes reflexdes que, certamente, auxiliardo a compreender os simulacros e mistificagdes presentes no debate atual da érea educational. Ao tempo ‘em que descortinam e sicuam o principio da desigualdade como estruturante da sociedade capitalist tais reflexdes contribuem para 0 aprofundamento da problemtica que envolve as desigualdades sociais e a educagio.Trata-se de um cenério de globalizagio e reestruturacio produtiva que captura e ressignifica bandeiras historicas do movimento educacional, valendo-se de um proceso de ‘mercantilizagio e financeirizacéo da educagio que envolve ‘questées atinentes a privatizagao do fundo piblico, qualidade, dindmicas curriculares, produgio de material didético, aquisigdo e fusio de instituiges educativas. mrarranaael rear PROGRMADE POLGRADUACO EM EDUCACAO - PPGE eO UFG Marilia Gouvea de Miranda (organi zadora) Z EDUCAGAO°E {DESIGUALDADES © [ex af. aS CAPES AIRGDO® LETRAS (ado Iteraconis de aslo na Pablo ado (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) sail cae © Baglin soa 7 aS CNR ‘Miranda, (organizadora). ~ Campinas, SP : Merc: det 2016. (As Dimensées da Formacio Humana) ee ‘Varios autres. Bibiograia ISON: 978-85.7591.2045 1. Desigualdade social 2. Educacao 3. Fracasuo escolar 4 Pesquisa educacional , Miranda, Maria Gouves de Il. Sie. 16.00207 00370 Tndices para catalogo satematico: 1. Desigualdades sociais: Pesquisas: Educagio 370, ‘capa e gerenciaedioral: Vande Rota Gomide preparac0 0s originas:Editora Mercado de Leas [AS DIMENSOES DA FORMACAO HUMANA coordenagso ‘Wanderson Fereira Alves - Universidade Federal de Coids Sandra Valeria Limonta Rosa - Universidade Federal de Goits Esta obra conta com 0s apoios institucional: PPGE/FE/Univesidade Federal de Gots CAPES. DIREITOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA '© MERCADO DE LETRAS® ‘VR GOMIDE ME ua Joto da Cruz e Souza, 53 Telefax: (19) 3241-7514 ~ CEP 130702116 Campinas SP rast wow mercado-tetetras.com br liveox@mercadode-letras.com be Hedicao 2016 IMPRESSAO DIGITAL I MPRESSO NO BRASIL im obra esta protegida pela Lei 961098, E proibida sua reprodugdo parcial ou total sem a avorizacdo prévia do Editor O infrator ‘estat sujet 25 penalidades previsas na Le SUMARIO Prefaicio EDUCAGAO € DESIGUALDADES SOCIAIS: \VARIOS OLHARES QUE SE ENTRECRUZAM « Luiz Fernandes Dourado APRESENTAGAQ. —IGUALDADE, EQUIDADE E EDUCACAO anita Azevedo Resende e Marla Gowve de Mirando CALIDAD Y EQUIDAD EN EDUCACION, UNA CONTRADICCION INSALVABLE - +--+ Roberto Donoso Torres __- EQUIDADE, DIFERFNCA F IGUALDADE: [AS DESIGUALDADES SOCIAIS E SUA MISTIFICACAO. - ‘Marlia Gouvea de Miranda LUNIVERSALIZACAO DA EDUCACAO BASICA E DESIGUALDADE EDUCATIVA NO DISCURSO EDUCACIONAL BRASILEIRO te Elianda Figueiredo Arantes Tiballi ‘4 NSTRUMENTOS” DE JUSTICA CURRICULAR: CIDADANIA, DIFERENCA, CULTURA. Fablany de Cassia Tavares Silva e Maur 3 1B 89 19 sociais intrinsecamente desiguais. Vinculado ao projeto “Estudo do sucesso/fracasso escolar na trajetéria académica dos estudantes que ingressaram na UFG por meio do Programa UFGInclui*, o texto apresenta um estudo comparativo entre estudantes cotistas e nao cotistas oriundos de cursos que mobilizaram maior e mencr niimero de cotas no processo seletivo 2009/1. Ainda no campo da historia da educac3o, 0 texto de Virginia Sales Gebrim, “Psicologia, higiene e educacao no Brasil entreatos, palavras e ages (1920-1940), revela como a questi da desigualdade social era tratada do ponto de vista do enfoque higienista. Baseados na eugenia, 0s higienistas alardeavam que a solugdo dos problemas sociais residia no controle social preventvo, atuando inclusive na composigo racial do povo brasileiro, Para tanto, a escola deveria se converter em um espaco de intervencéo médico-sanitéria. Por fim, o texto de Wellington Ferreira de Jesus, "Educagao infantil, desigualdade e financiamento: os Polegarzinhos e o Estado’, analisa a questo da desigualdade do ponto de vista das politicas para a educaco infantil no pafs. 0 autor considera que a educagao para infancia é um dos marcos da cidadania historicamente negado, sobretudo, aos brasileiros em condigées de desigualdade socioeconémica. Em sintese, o leitor encontrar neste livro reflexdes e relatos de pesquisa que se identificam na preocupacao com um desafio fundamental que é enfrentar a questo das desigualdades sociais, ‘A expectativa é de sua leitura contribua para 2 reflexdo sobre essa questo e para subsidiar novos estudos ¢ pesquisas. Nossos agradecimentos a0 Programa de Pos-Graduacao 10 apoio na elaboracao deste livro, que lo incentivé ‘em Educagao pel oe FAPEG/CNPq, contou com financiamento SERIE AS DIMENSOES DA FORMACAO HUMANA 6 [1] IGUALDADE, EQUIDADE E EDUCAGAO, Anita C. Azevedo Resende Marilia Gouvea de Miranda Este texto! apresenta, como marco importante na definicao € consolidagao das reformas educacionais ocorridas em todo (© mundo e, particularmente, na América Latina, a partir de 1990, a referencia a equidade como um principio central nas propostas de desenvolvimento econémico e social na regido. A apreensao das conformacdes e sutilezas conceituais contidas nessa viragem retérica constitui 0 ponto de partida para a sua compreensio, Especial relevo 6 dado também ao processo de globalizacao que fundamenta e repde, em bases diferenciadas, as elagdes sociais capitalistas na atualidade, agravando a questio da desigualdade. Discute-se ainda 0 preceito da igualdade como inerente constitui¢do e consolidagdo da sociedade capitalista. Essa no¢do € 0 contraponto necessario para a apreensi0 dos significados de equidade como um conceito neoliberal, porque permitira compreender o sentido mistificador da palavra e as suas implicagdes na educagao, 1. Versio ampliadae atualizada de texto publicado pelas autoras no Méxi- co em ivro organizado por Flores e Narvaez (2008). EDUCAGAO E DESIGUALOADES SOCIAIS 9 Palavras ndo sd0 apenas palavras Palavras so construgdes logicas e historicas. So sinteses da realidade e, como tal, ao tempo em que as nomeiam, sio produzidas por objetivagdes humanas em condicées histéricas particulares. Enquanto expresse e retenha a realidade na qual se constitui, a palavra j4 expressa e contém a sintese da histéria que Ihe antecede e que se deposita na materialidade constituindo-a Assim, a palavra ndo se esgota na materialidade imediata ¢ também expressa aquilo que € produto de objetivacdes humanas, da abstragao e das representagées do real realizadas por homens determinados em condigdes determinadas. Construgdes Iégicas de realidades histéricas, nos seus sentidos e significados, as palavras nao so inocentes, e reproduzem em si as contradicées € impasses da realidade que sintetizam. Assim, revelam ou velam intencionalidades ou diregdes, projetos ou interdigdes, preceitos e conveniéncias, epistemologias e politicas, entre mais. Arguir a inocente objetividade neutra da palavra que nomeia movimentos, processos ou estruturas sociais, além de fundamental para a reflexdo acerca da realidade, ¢ condico para enfrentar seus desafios. E dessa perspectiva que se pode propor que a andlise das reformas que ocorrem no campo da educacao latino-americana desde os anos de 1990 deve elucidar palavras e termos, sentidos e significados do discurso neoliberal e combater uma retérica paraa ‘qual palavra parece pretender instaurar arealidade ou, a0 menos, arcrid-la @ imagem de sua intencionalidade e semelhanca de seus projetos e conveniéncias, Nesse campo, palavras novas podem parecer representando as novidades e rupturas para desaparecer fem seguida ou criar-se e recriar-se reiteradamente como se seus ‘sentidos e significados fossem intercambidveis ou inaugurais, N3o raramente essa mudanga de palavras e termos se oferece a velar velhas estruturas que podem, dessa maneira, permanecer ocultas sob novas ressignificagdes. a SERIE AS DIMENSOES DA FORMAGAO HUMANA Nessa quadra da historia tém sido especialmente importantes no campo da educacéo a (re)incorporagdo (Fe) significagdo da palavra equidade, Ao longo dos iltimos vinte e cinco ‘anos, a palavra passou a ser utilizada como sucedanea de igualdade fem documentos e textos académicos que exprimem e discutem as reformas educacionais e as politicas piblicas em educagdo. Como ‘corre com as palavras que alimentam a ret6rica das reformas, a despeito da grande desigualdade existente na educagao latino- americana, equidade é empregada sem maiores questionamentos por um amplo conjunto de autores com posigdes diversas do ponto de vista politico, ideolbgico e epistemologico. J4.em 1998, Saviani, ao tratar dos conceitos de equidade e qualidade, formulava a questo: “[~] por que se passou a falar em ‘equidade e nao mais em igualdade no campo da educa¢30?" (p.1). ‘Também Roberto Donoso (1999), em uma obra em que discute 0 impacto da globalizacéo na educacdo latino-americana, abordou criticamente a substituigSo da ideia de igualdade por equidade nas reformas educativas. Ambos questionaram o sentido dessa troca de palavras: 0 que equidade pretenderia significar e quais seriam as implicagdes do arrefecimento do emprego de (gualdade nos documentos e estudos no campo da educapao? De fato, no € possivel supor uma mera identidade entre equidade ¢ igualdade e tampouco afirmar que essa mudanga seja desprovida de interesse, intencionalidade, direcio ou projeto, para dizer o minimo. Ao contrario, a mudanga de palavras pode servir de justificagao para as desigualdades sociais no estagio atual do capitalismo "ao permitir a introducao de regras utilitarias, de conduta que correspondem a desregulamentagao do Direito” (Saviani 1998, p. 2) ‘Assim, como premissa pode-se postular que a sintese representada pela palavea equidade tenderia a “resolver” uma contradigao insuperavel contida, ao fim, no preceito da igualdade. Afinal, a igualdade € um preceito meramente formal na ordem capitalista, porque é substantivamente irrealizével nesse modo de producdo. 0 preceito de igualdade carrega consigo uma contradig0 insanavel: € uma promessa cuja manutengdo é necessaria 3 EDUCACAO OESIGUALDADES SOCIAIS » funcionalidade do sistema social e 6, contudo, imposstvel de ser realizada, Contraditoriamente, nos seus desenvolvimentos, essa impossibilidade real da igualdade permanece como denuncia da realidade, e a necesséria manutensao de sua existéncia como promessa mantém viva uma possibilidade historica. E ainda: se a manutengao da promessa da igualdade nao garante sua realizagao, © enfraquecimento do seu real significado humano permite disfargar a contradic que a impede e legitimar as condigdes reais desse impedimento. Ressignificar a igualdade, atualizar com novas palavras a mesma impossibilidade, em muito pode contribuir para velar a realidade. Com base nessas premissas gerais é que se discute a prevaléncia da sintese representada na palavra equidade sobre a sintese representada na palavra igualdade. Educagéo e equidade A universalizacéo da educagdo é tributéria dos desenvolvimentos do mundo moderno e, como tal, é confrontada com os inevitdveis limites impostos pelas contradigSes que af se estabelecem. Afinal, a promessa de uma educacao igual para todos é ja na sua origem uma ilusdo necessaria. A sociedade que requeriaa educagao de todos e que, em menor ou maior grau, dela necessitava nao poderia efetivé-la de modo universal, para todas as classes, géneros, racas, povos e nasbes. Ainda yue 0 acesso a escola basica tivesse sido possivel, em algumas partes do mundo e sob alguns aspectos, a universalizac2o da educa¢do formal permaneceria como uma longinqua quimera. E ainda que fosse possivel dizer que hoje em alguns paises todas as criancas com idade correspondente tem a garantia do acesso A educago bésica, a ma qualidade dessa educasio desmentiria a ideia de sua universalizacao, ‘As sucessivas reformas politicas no campo da educagao podem ser interpretadas como tentativas malogradas de contornar essa situarao, Um marco dessa questo 6 a conhecida Declaracao = SERIES DIMENSOES DA FORMAGIO HUMANA Mundial de Educagdo para Todos, resultante da Conferéncia realizada em Jomtien, Tailandia, em 1990, convocada pelo Fundo ddas Nagées Unidas para a Infancia (Unicef), o Programa das Nagdes Unidas para 0 Desenvolvimento (PNUD), o Programa das Nacoes Unidas para a Educagao, a Ciéncia e a Cultura (Unesco) e o Banco Mundial, Ratificando o principio de que “a educagao € um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no ‘mundo inteiro”, a Declaragdo (1990[1998, p.4) estabelece, em seu artigo 12, que: [1] cada pessoa - crianga, jovem ou adulto - deve estar em condigéesde aproveitar as portunidadeseducativas voltadas para satisfazer suas necessidades bdsicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos cessenciais para a aprendizagem (., quanto os conteddos bbasicos da aprendizagem [..],necessérios para que os seres hhumanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar ‘a qualidade de vida, tomar decisoes fundamentadas & continuar aprendendo. (Grifo do documento) esse dispositivo, a expressdo "aproveitar as oportunidades educativas” j sugere uma qualificagao da noréo de igualdade bem préxima 4 conotacao que o conceito de equidade passaria a adotar. De fato, a Declaragao de Jomtien (1990{1998 p. 5]) opera com 0 conceito de equidade, explicito no artigo 3°, que propde “untversalizar 0 acesso & educayo © promover a equidade” esclarecendo, no primeiro paragrafo, que “L..] a educagao basica deve ser proporcionada a todas as criangas, jovens e adultos. Para tanto, é necessdrio universalizé-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades”. Observa-se que a promogao da equidade aparece, no documento, fortemente vinculada ao imperativo de universalizar 0 acesso & educagao, reforgando a nogao de igualdade de acesso. Aeducagao como direito universal foi traduzida, assim, como direito a educagao basica, destinada a satisfazer as necessidades EDUCACAO £ DESIGUALOADES SOCIAIS B basicas de aprendizagem. Para Torres (1996, p. 133), esta é uma “visdo ampliada” de educa¢do basica (bem distinta daquela que 0 Banco Mundial passaria a defender a partir da década de 1990), pois {-] inctul igualmente criangas, jovens e adultos, iniciando- ‘se com 0 nascimento e estendendo-se pela vida toda, nao se limitando a educagao escolar nem & escola de primeiro grau, nem tampouco a um determinado mimero de anos ‘ou niveis de estudo, mas que se define por sua capacidade de satisfazer as necessidades basicas de aprendizagem de cada pessoa. Também em 1990, a Comisséo Econémica para a América Latina e Caribe das Nagdes Unidas (Cepal) publicou o documento “Transformacién productiva con equidad: la tarea prioritaria del desarrollo de América Latina y el Caribe en los afios noventa" (Cepal/Unesco 1990). Tomando como ponto de partida o retrocesso econémico e social da América Latina, que teria ocorrido nos anos de 1980, e os desafios da globalizardo da economia mundial, 0 documento indica a necessidade de transformar perfil e a qualidade da producao na regido, ou seja, promover uma transformagao produtiva para tornar-se competitiva no mercado internacional. E ainda, prevendo que o reordenamento econdmico implicaria aprofundamento das tendéncias regressivas, a Cepal associou outra dimensao ao seu programa: transformagao produtiva com equidade (Coraggio 1996, p. 28). Esses principios foram a base do documento, também elaborado pela Cepal, em conjunto com a Oficina Regional de Educagdo para a América Latina e Caribe da Unesco (Oreale), intitulado Educacién y conocimiento: eje de la transformacién productive com equidad (Cepal/Orealc 1992). Seu objetivo era propor linhas de agao para politicas e instituigBes orientadas pela vinculagao entre educagdo, conhecimento e desenvolvimento e sua “[-] estates se articula en torn a objetves(ciudadania y compedtivda ba eriteros inspradores de politicas (equidad y lesempefio) y a lineamentos de reforma institucional (integracién a. SERIEAS DIMENSOES DA FORMACAO HURIANA y descentralizacion)" (Cepal/Orealc 1992, p. 2). 0 tema da fequidade foi, desse modo, incorporado como principio orientador das politicas educacionais, compondo os assim chamados "novos paradigmas da educagao”, junto com qualidade, descentralizagao da gestdo e centralidade do conhecimento (Miranda 1996). Deve ser ressaltado que, como consequéncia dos efeitos sociais regressivos decorrentes das politicas de ajuste estrutural impostas 4 América Latina na década de 1980, foram propostas por parte do Banco Mundial outras organizacdes multilaterais varias medidas compensatérias focalizadas na pobreza. Para Coraggio (1996, p. 33), pareceu estranho que a equidade fosse 0 valor colocado em perspectiva nas politicas que focalizavam 0 gasto social na pobreza extrema, em especial porque nao haveria interesse por parte do Banco Mundial em contemplar as “causas da pobreza’, uma vez que esta seria “eventualmente resolvida em longo prazo pelo livre jogo do mercado”. Sobre 0 Banco Mundial, nao é demasiado insistir na importincia de sua atuagao na defini¢do das politicas puiblicas em paises periféricos como os da América Latina. Os recursos que 0 Banco Mundial empresta a esses paises sao bem menos expressivos que 0 alcance e o carater estratégico dos acordos que patrocina, orientados para 0 processo de ajuste neoliberal, tendo por consequéncia, na educagao, a impregnacao do discurso politico € pedagogico com a sua légica econdmica fundada em uma economia do mercado? Em 1990, o documento Dividends of learning vincula produtividade e educacdo, associando a equidade na educacdo ‘como condigao para a eficiéncia econdmica global, o que também implica a qualidade na educagao (Coraggio 1996, pp. 59-61). 2, Refere Puiggrds (2004, p.5): “Esa carencia de mediaciones entre el po- der econdmico y los espacios de produccidn de cultura es sintoma del ‘empobrecimiento cultural, de la profundizacién de la dependencia de las naciones latinoamericanas y del deterioro sufrido por sus socieda- des civiles desde las dictaduras militares. Lo es también tanto del oca- 50 de los nacionalismos populares como de los déficit producidas por ‘ese modelo sobre la autonomia de las sociedades civles y su capacidad para educar’ EOUCAGAO E DESIGUALOADES SOCIAIS 5 Sistematicamente reiterada desde os anos de 1990, apalavra equidade designa o principio de igualdade de oportunidades. Como as iniquidades nao apenas se mantém, mas se aprofundam, ‘sao redobrados os esforgos retéricos para justificar as politicas orientadas para a promosio da equidade com o sentido de igualdade de oportunidades. Por exemplo, no Relatério sobre © Desenvolvimento Mundial: equidade e desenvolvimento, do Banco Mundial, equidade significa “[..] que as pessoas devam ter oportunidades iguais de buscar a vida que desejam e serem Poupadas da extrema privagio de resultados” (Banco Mundial 2006a, p. 2).Um press release desse documento destaca a distingao entre igualdade e equidade: A equidade, afirmam os autores, no significa igualdade de renda ou de situagao de saiide ou qualquer outro efeito espectfico. Pelo contrério, 6a busca de uma situagao em que aS oportunidades sejam iguais, ou seja, em que o esforso Pessoal, as preferéncias e a iniciativa - e nao as origens familiares, casta, raga ou género ~ sejam responsavels pelas ciferencas entre realizagdes econdmicas das pessoas. (Banco Mundial 2006b, p. 2) Nessapassagem, ficaevidente que ndoesté em causaa defesa de um principio de igualdade com o sentido de uma igualdade efetiva de educacdo, satide ou qualquer outro “efeito especifico”. ‘Também é importante observar que na oferta de “oportunidades iguais" devem prevalecer 0 “esforco pessoal, as preferéncias e a iciativa” sobre “as origens familiares, casta, raga ou género", que ‘sao fontes de desigualdade, sso equivale afirmar que nenhuma crianga, mesmo aquela submetida as condigdes de desigualdade relativas & sua classe social, casta, raga, género e, podemos acrescentar, deficiéncia, locaizarao geografica e outras iniquidades, nenhuma dessas criangas poder ser privada da ‘oportunidade de acesso aos bens e servigos sociais, na estreitamedida de seu esforgo pessoal, de suas iniciativas e escolhas. (Miranda 2012, p. 261) é SERIEAS DIMENSOES DA FORMACAO HUMANA A época, ainda mais que em décadas anteriores, a preocupacdo era, fundamentalmente, a reducdo da pobreza absoluta, sendo essa"a missio do Banco Mundial". Ouseja,diante de uma perspectiva ainda mais grave com relacao as desigualdades no mundo, uma politica voltada para a equidade seria necessaria para minorar a condigao de “extrema privacio de resultados”. Tendo ‘por objetivo justificar 0 foco na equidade para o desenvolvimento em longo prazo, 0 referido relatério: (1) analisa as evidencias de desigualdade de oportunidades em um mesmo pais e entre paises; (2) argumenta sobre a importéncia de se promover a equidade @; (3) discute a ago publica com vistas a equilibrar os campos de atuagao politico e econdmico. Apis descrever as iniquidades dentro dos paises, entre paises e em escala mundial, 0 relatério discute algumas medidas que promovam alguma forma de justica distributiva e define como "marcos de oportunidade desiguais" 0 ‘género, aetnia, a histéria familiar e o pais de nascimento. 0 documentos citades ndo se ocupam em conceituar equidade e indicar suas fontes, mas ¢ evidente que a concepcao de equidade como igualdade de oportunidades subjacente as reformas encetadas pelo Banco Murdial e seus parceiros deve muito a0 liberalismo igualitario, em particular © pensamento chamado “neocontratualista’, cujo expoente é John Rawls. Em Teo- ra da justiga, de 1971, Rawls defende uma “justica como equidade" para as sociedades democrdticas com base em dois principios: pelo primeiro, direitos ¢ liberdades deveriam ser to extensos quanto possivel para cada individuo; pelo segundo, o chamado “principio da diferenca’, as desigualdades sociais e econdmicas deveriam ser ‘ordenadas de modo a permitir, ao mesmo tempo, “o maior beneficio possivel para os menos favorecidos”, € a vinculagdo a posi cargos acessivels a todos “em condigdes de igualdade equitativa de oportunidades” (Rawls 2002, p. 333) ‘A énfase na ideia de equidade parece sugerir, contraditoriamente, uma espécie de desisténcia do projeto de que todos possam ter uma educagao de qualidade. Isso se torna ainda mais grave quando se reconhece que, por detras do deslocamento do principio da igualdade para o principio da equidade, escondem- se as condigBes da produgio da desigualdade, exacerbadas EDUCAGAOE DESIGUALOADES SOCIAIS ” no contexto da globalizagao. Para Donoso (1999, p, 171): "Ll cualquiera sea el concepto de Equidad que se adopte, en ningin caso contribuiré a resolverla cuando las causas que la generan permanecen inalteradas”. Globalizagao e desigualdades sociais ‘A nogao de equidade como contraponto de igualdade se manifesta no contexto da globalizacao. Vista imediatamente, a globalizagdo pode até ser tomada pela abertura de fronteiras econémicas ou pela aposta na regulacdo de um espaco mundial comum. Dessa perspectiva, o que antes era um grande, conturbado e contraditério mundo parece ter ficado menor, mais acessivel, mais “o mesmo”, mais familiar, menos estranho. Um dos s{mbolos principais dessa hist6ria, da globalizacao do capitalismo, é 0 desenvolvimento do capital em geral, transcendendo mercados e fronteiras, regimes politicos ¢ projetos nacionais, regionalismos e geopoliticas,culturas civilizagées. (lanni 1996[1997, p. 19]) ‘As particularidades,as singularidades,as nares, os projetos nacionais, as politicas nacionais parecem submetidos as mesmas regras, as mesmas determinagdes, numa uniformidade que postula luma efetiva, estavel e bem-sucedida organizagdo que eliminaria 0 caos, superaria as contradigdes e resolveria a historia, Vista numa perspectiva mais rigorosa essa realidade revela processos e estruturas complexos anunciados nos primérdios do desenvolvimento do capitalismo que, regido pela constante intensificardo, ja demonstrava a vocagao civilizatéria de um modo de Produrdo ao qual secre ‘nenhum repouso. Num sentido amplo, 0 processo de expansio combinado com concentracéo ou a vocasio apatrida do desenvolvimento do capital que este n, a sua rigem podem i rs origem podem ser apreendidos quando se confronta a realidade " SERIE AS DIMENSOS Da FORMAGAO HUMANA atual na qual qualquer ponto do planeta promete estar a0 alcance de todos (ou de alguns) no compasso da produsdo e circulagdo de mercadorias, sugerindo que os interesses sejam comuns, as aspiragdes uniformes e as possibilidades iguais para todos. Essa historia vem de longe. Na virada de 1847 para 1848, Marx e Engels (1848(s.d.]) referiam-se a um “mercado mundial’, constitufdo como exigéncia do crescimento, acumulagio e concentrac3o do capital, e as suas implicacdes cada vex mals rapidas e em escala cada vez maior no desenvolvimento tecnol6gico fe no mundo do trabalho, apontando af um ponto-chave para a compreensio do desenvolvimento capitalista. A universalizacdo répida e acentuada e suas implicagdes no mundo do trabalho s4o particularmente importantes nesse “mercado mundial”. ‘A vocagdo para se universalizar, se constituir como proceso civilizat6rio, se expandir, revolucionar est4 na estrutura mesma do modo de producdo que 56 pode existir com a condicao de revolucionar incessantemente os instrumentos de produsdo, por conseguinte, as relagées de producao e, com isso, todas as relagées sociais. Essa vocacdo de ser "essa subversio continua da produgao, esse abalo constante de todo movimento social, essa agitacio permanente e essa falta de seguranca distinguem a época burguesa de todas as precedentes” (Marx e Engels 1848(s/d. p. 24)). Constituindo e precisando expandir mercados, “a burguesia invade todo 0 globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar toda parte, criar vinculos em toda parte” (Marx e Engels 1848{s/, p. 24]). Com a intensificagao desse processo estaré em evidéncia v desenvolvimento de um pad do cada vez mais universal de produgao e consumo, que colocam em questo a base da nagdo, dda regido, ou do pais. Est4 em causa, desde sua origem e como exigéncia de sua consolidacdo, desenvolvimento e sobrevivéncia, a globalizagao do capitalismo. Isso implica processos de produc3o e reproduco que permitam garantir seu desenvolvimento, afirmar sua eficdcia, ocultar seus limites, controlar suas contradicdes e afiangar sua perpetuacao, constituindo a realidade como afirmacao e confirmacao. EDUCAGAO E DESIGUALDADES SOCIAS » Essa expansio ¢ universalizaclo nao esto referidas somente aos objetos da produsao. A universaltzagie de an aay de produgdo ¢ mais que somente a universalizagio de ectuene © processos de produso material e econémica. Trata-se da uuniversalizagao de uma forma de produzir a vida, a relasdes, ox valores, 0s procedimentose formas de vivereagir.Estdem questa ortanto, um processo de expansdo de um modo de predec 2 vida em todos os seus sentidos materiais e espirituais objetives ¢ subjetivos. Essa expansio combinada com concentragio nan 4 casual, arbitraria, ocasional ou conjuntural. E determinada el exigencias, necessidades e imposigdes estruturais do proprio mode de producdo que se universaliza, . Evidente, ndo se trata de atribuir a Marx uma capacidade demidrgica na postulacao de que tenha esgotado as possibilidades de compreensao do processo de globalizacdo que se desenvolve na atualidade. Mas certamente nao é possivel deixar de reconhecer que suas andlises sio pontos fundamentais para entender 0 Processo de mundializac3o do capital e seus desenvolvimentos relativos 4 universalizacdo de processos, estruturas, relagdes, ideias, valores, modo de ser, sentir e pensar. O capitalismo, como modo de produgo vocacionado a proceso de civilizacao global, encontra-se em desenvolvimento. © desenvolvimento do modo capitalista de produsso, ‘em forma intensiva e extensiva, adquire outro impulso, com bases em novas tecnologias, criaglo de novos produtos, recriagdo da divisto internacional do trabalhn @ mundializacio dos mercados. As forcas produtivas basicas, compreendendo capital, a tecnologia aforgadetrabaihoe a divisdo transnacional do trabalho, ultrapassam fronteines geograficas,histéricas e culturais, multiplicando-se assim as suas formas de articulasdo e contradic. Esse ¢ um processo simulteneamente civlizatéro, jd que desafa Fompe, subordins, muta, destr6i ou recriaoutrasformay sociais de vida e trabalho, compreendendo modos de ser pensar, air, sent imaginar. (anni 19961997, p. 14) SERIE AS DIMIENSOLS DA FORKIAGAO HUMANA Contudo,esse no ¢umprocessohomogeneo,ndoé uniforme, ‘do atinge todos os palses da mesma maneira e nem do mesmo modo os que vivem no mesmo pais. 0 desenvolvimento desigual € combinado do capital coloca em curso a producdo da extrema riqueza, do desperdicio, do esgotamento dos recursos naturais, da deterioragdo de estruturas de organizacio e regulagio social, da miséria humana e, ao invés de promover a igualdade, retrata a lobalizagao da exclusao de parcelas cada vez mais signifcativas da Populardo mundial. 0 processo de globalizagao ndo produziu “um sistema unificado de controleem escala mundial’ (Mészdros 2002, p-91), ndo tornou 0 mundo mais igualitrio, nao organizou 0 caos, ‘do superou as contradigdes ¢ ndo resolveu a historia, Esses desenvolvimentos ndo prescindem de estruturas de poder e de controle glotais que vinculam paises centrais ¢ periféricos e expressam formas de controle, configuracées contradigdes da sociedade mundial, “So estruturas globais de poder, &s vezes contraditérias em suas diretrizes ou praticas, mas sempre pairando além das soberanias e cidadanias nacionais regionais (lanni 1996[1997, p. 21)). Essas estruturas globais de oder, controle e regulamentagdo pretendem definir a reparacdo de fundos ¢ financiamentos, induzir o desenvolvimento, regular 0 mundo da produgio e da reproducao em todos os seus aspectos. Do trabalho ao comércio, do uso dos recursos naturais & cultura, das criangas as guerras, da destinago dos recursos as prioridades do desenvolvimento, entre mai, nada prescinde dessas estruturas mundiais como o Banco Mundial, Unesco, O1T, OMC, Bird, FMI, Unicef entre tantas que controlam o passo e compasso da impossibilidade de regular a desigualdade estrutural. A essa regulagdo nao escapa a educacao. Em definitive, a globalizagio tem significado reforgamento dos mecanismos de exploragio e aprofundamento das desigualdades sociais em dimensdes globais. Fé nesse cenario que a palavra equidade, como sintese de ideia, ideais, projetos @ diregdes, se reapresenta, Minimamente ¢ um paradoxo que, perante a extensdo global e radical da desigualdade, se postule 0 abandono da palavra igualdade como sintese de um projeto para a humanidade em nome de equidade, EOUCAGAD EDESIGUALDADES SOCIA'S ” Em defesa da igualdade A ideia de uma igualdade essencial entre os homens 6 uma Produeao histOrica. A aparéncia e a formalizagéo desse preceito sdo to efetivas que ele pode aparecer como demasiadamente Sbvio ou natural: os homens seriam iguais na condicdo de cidadao de uma sociedade de iguais perante a lei e 0 Estado, No sécule XVIII, a democracia burguesa que se prenuncia prega a igualdade diarte da lei, da liberdade individual e da fraternidade entre os homens. Todos esses direitos fundamentais s&0 determinadoe condicionados por outro direito inviolavel e sagrado: o direito a propriedade. 0 personagem da sociedade que se constitui 6 9 cidadao, mais precisamente, o proprietario livre e igual perante a lei para vender ou comprar a forga de trabalho; portanto, igualdade, liberdade e propriedade. A interrogacao acerca das condigdes e possibilidades da igualdade ressoa nessa sociedade em germe. Os fildsofos dos séculos XVII e XVIII debrugaram-se sobre esse tema extraordinério, passando a indagar sobre as origens da desigualdade social. Rousseau pode ser tomado como emblema dessa indagagao, Em seu “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade ‘entre os homens” (1755(1983]), defronta-se com a questéo da desigualdade apontando a distancia entre o estado de natureza, a0 qual o homem deveria retornar para existrlivremente,e o estado ‘social, no qual a desigualdade entre os homens efetiva. A base real de sustentagav da desigualdade no mundo social & a propriedade, dda qual decorrem a sociedade, as lels e © desaparecimento da liberdade natural. "O verdadeiro fundador da sociedade civil foi fo primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto € meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples para acredité-lo” (Rousseau 1755(1983, p. 259). Ao apontar para 0 fundamento da desigualdade, a propriedade, Rousseau pode indicar o fundamento da liberdade, a igualdade. A par do limite de sua critica moral, Rousseau representa um momento importante da elaboracdo e compreensao do condicionamento da igualdade e liberdade a propriedade privada, = SERIE AS DIMENSOES DA FORKIAGAO HUMANA A vista dessa sociedade que se constitula com base na desigualdade estrutural e no seu processo de cesenvolvimento e consolidagdo, alguns documentos sao emblemiticos porque poem fe repdem o principio da igualdade: a Declaragdo dos Direitos do Homem e do Cidadao de 1789, no contexto da Revolucao Francesa; ‘mais recentemente, a Declaracdo Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e a Convengao Europeia dos Direitos do Homem, de 1950. Esses documentos so marcos importantes para a definicao de constituigées nacionais, em que a nocao de igualdade, associada a de liberdade, refere-se A questo de justica, direitos e deveres do cidadao e do Estado (Almeida 2002). De inicio, 0 substantivo a se ter em conta é que, na sociedade capitalista, postular a igualdade implica postular a liberdade individual e também a propriedade; ¢ ainda, que todos esses princ{pios ndo séo subjetivos, mas objetivos. Isso significa situd-los numa sociedade que se estabelece sobre a troca entre proprietarios de mercadorias representados pelo trabalho e pelo capital. Portanto, uma sociedade que se funda nao sobre a igualdade objetiva, afinal no ha igualdade entre proprietérios de mercadorias tdo desiguais. Compreender a igualdade como realidade exclusivamente subjetiva impede de compreender que a troca funda a desigualdade objetiva entre proprietarios. Igualdade, liberdadee propriedade séovvalcres distintos, mas ‘muito préximos, estiveram presentes no surgimento da sociedade bburguesa, contrapondo-se as bases do regime feudal organizado ‘em castas, ou seja, em segmentos distintos, hierarquizados, fixos. Perante esse novo mundo em construcao apregnava-se que todos seriam livres e iguais por principio, independente de suas condicdes sociais e culturais. A igualdade passou, assim, a ser regida pelo Estado tornado principio organizativo da vida social. A partir daf e ao longo do desenvolvimento da sociedade os preceitos de igualdade e liberdade sofreram transformacdes importantes, sendo modificados os seus significados. No entanto, aquele outro preceito, solidario e contemperaneo destes, a propriedade, se manteve intacto e se solidificou, e a ele nao foram atribuldos outros significados. 0 principio da propriedade EDUCA{AO € OFSIGUALDADES SOCIAIS ” ndo necessitou ser “ressignificado” ao longo da historia do desenvolvimento capitalista, Certamente isso est referido ao fato ‘de que, de todos 0s preceitos, esse foi o tinico que efetivamente se realizou, se intensificou, se expandiu e universalizou. ‘Ao contrério da propriedade, o princfpio da igualdade nao se efetivou na sociedade capitalista. E, do ponto de vista da légica do desenvolvimento, nao ha nisso nenhuma irracionalidade. Afinal, a ideia de igualdade, vinculada a de liberdade e propriedade, éuma condigdo essencial para que a exploracdo do trabalho seja possivel: para vender sua forca de trabalho, o trabalhador necessite ser individualmente "livre", estar desembaracado de qualquer virculo e ser reconhecido proprietério de sua forga de trabalho, podendo oferecer-se livremente no mercado como qualquer um que esteja nessa mesma condigo. Que igualdade pode estar em causa? De individuos “livres proprietarios” que possam se encontrar no mercado como “personificagao de relagdes econdmicas’, iguais perante a lei, com garantia do contrato afiancado pelo direito que regula e controla essas relades. Guardides das mercadorias, & necessario que os individuos sejam “livres” para se apropriar da mercadoria alheia enquanto aliena a propria para reconhecer-se a sie ao outro como proprietério privado numa relagdo contratual e ‘econdmica entre possuidores de mercadorias. © principio da igualdade, como estabelecdo por todo rat mnt tatal, aparato de regulacdo legal, pelo aparato de controle stata, pelas rundial, pela defesa retorica de principios, estruturas de controle mundial, sa : formas de organizasao econOmica, social € fundamental as 1 italsta. Contudo, concebida dessa forma, vciedade capitalsta. Contudo, ene an “derinitivamente comprometida. Essa constatacao a Uberdade) al. mas estrutural e histérica. A sociedade que do € conceit. propriedade privada é, em seu fundamento, se estrutura sobre Pi igual. se aa racionalidade estrutrante dessa sociedade que a ‘necessaria as praticas produtivas para extracdo desigualdade 2" se afirme sobr de excedente do trabalho “livre re a igualdide lo ex 10 principio organizative ss aeratual. 0 contrato, come principio organizative da vida SER AS DIMENSOXS DA FORMACKO HUMANA “ social, expressa 0 dominio da lei e as pretensdes mistificadoras das possibilidades de igualdade no e com o capital. Num sentido amplo, € possivel afirmar que essas pretenses mistticadoras se sustentam, portanto, no preceito da “igualdade diante da lei" Ocorre que coma consolidacdo e intensificagao do modo capitalista de produgao até essa [] “igualdade diante da lei" mostrou-se falsa, gragas 30 poder dagranderiqueza xploradora e,naprética,comprar servigos preferenciais (inclusive os da lei). Acumulando riquezas, as “personificacdes do capital’ podiam tomar para si, eda maneira mais in(qua imaginavel, “utilidade” e “felicidade", Na verdade, com frequéncia até exagerada,elas ‘conseguem até assassinar com literal impunidade, gragas & sua disposigio protegida e insttucionalmente privilegiada [J demonstrando de forma cabal que somente na ficgdo legal se pode separar a forma da lel de seu conteddo [.. Com esse histérico dolorosamente irrefutavel, s6 os mais descarados defensores do capital poderiam defender a ordem estabelecida em nome do idealizado "Dominio da lei" [.}. (Mészaros 2002, pp. 279-280) AA igualdade “perante a lei" no questiona 0 justo, a0 contrario, fundamenta e justifica a separa¢ao entre o que é legal © 0 que € justo. Tomada dessa forma, aplainou a estrada que legitimaria uma das maiores mistificagdes necessarias e inerentes a0 mundo capitalista:o preceito da igualdade entre os individuos; necessiria¢ extruturalmonte impossivel nessa sociedade. Porque, separando 0 que ¢ legal do que é justo, ou antes, transformando 0 que & legal no que & necessério a0 funcionamento e controle da sociedade, 0 preceito da igualdade pode abandonar 0 “dever- set’ da emancipagio em nome do que “poder-ser" da adaptagdo e confirmagao do que jd ¢; ou seja: 0 preceito da igualdade entre os homens como projeto de emancipacio é regulado e submetido as possibilidades de igualdade formal da sociedade capitalist, Trata-se de uma inversio: o que nio pode se realizar por Principto (a igualdade no marco de uma sociedade fundada na EDUCAGAO E DESIGUALOADES SOCIAIS » desigualdade) parece nao ser plenamente realizavel nos estreitos contornos de iguais perante a lei, Essa inversio mistificadora precisa ser desinvertida, sob pena de se abdicar da possibilidade humana e emancipadora contida no preceito justo da igualdade substantiva em contraposicdo A sua adjetivacao legal. Ainda: 0 preceito de igualdade perante a lei assenta-se sobre a legitimacio do que j4 esté assentado, confirmando o que esta posto, legitimando regras de controle para ser igual e abdicando de construir a igualdade substantiva que implica a emancipagao de cada um e de todos. Essa cortradicao se desenvolve na medida em que sio cada vez mais complexas as relagdes de produsao, estabelecendo formas mais sofisticadas de exploracdo do trabalho, o que implica rocessos de exclusdo mais complexos e mais elaborados, sendo que os trabalhadores so ainda fustigados por padrées de consumo muitissimo elevados, revertendo prioridades com relagio as necessidades hamanas, Diante dessa realidade, como entdo pensar o tema da igualdade, no contexto das transformagdes fundamentais no mundo do trabalho, deavanco de tecnologia, de transformacées das nogdes de tempo e espago, e de absoluta inoperdncia de instrumentos de ‘regulacio desse mundo? Como enfrentar a questo da igualdade sem partilhar 0 preceito tal qual se apresenta no desenvolvimento do capital, sem resolvé-1a em termos legais ou politicos falsos, sem ontar com uma organiza¢ao social diferente, sem apelar para exercicios retéricos que substituam palavras e, principalmente, ‘sem abdicar de principio justo da liberdade substantiva necessaria 20 projeto de emancipacao humana? Estabelecendo a diferenca ‘como ponto de partida? De infco, 0 principio da igualdade s6 se justifica na Perspectiva da igualdade entre os diferentes. & porque os homens Sto diferentes que ¢ necessério afirmar a sua igualdade: nao so ‘uals, portanta, a despeito de suas diferencas, ‘suas derencas Compreende-se in ‘do ¢ trivial. Esta em questo, singular e o universal cuja com ‘mas por causa de ‘assim que o principio da igualdade nesse principio, a relagdo entre 0 ipreensio escapa a uma apreensio a SERIE AS DIMENSCKS DA FORMACAG HUMANA imediata, No limite, o fundamento da igualdade é o de serem os homens e mulheres pertencentes 2 uma mesma humanidade. Esse é 0 principio que € a0 mesmo tempo racional e moral, que ‘se constitui a partir das diferencas. NZo haveria por que falar em igualdade se ndo fosse para afirmaro que é igual perante o diverso: negros e brancos sao humana e universalmente iguais, mulheres e homens, adultos e criangas... Mas nao sendo esse o fundamento sobre o qual se assenta a sociedade mercantil, 6 necessério tomar 0 contraponto real da igualdade no que é fundamental, ou seja, na desigualdade e no a diferenga. E mistificadora a contraposicao entre igualdade e diferenca na sociedade capitalista porque nao é esse 0 seu fundamento. Afinal, a diferenga diz da universalidade humana, 6 anterior e posterior a desigualdade e independe dela. Fomos, somos e seremos diferentes em dimensées que envolvem individualidades, coletividades, subjetividades e objetividades. 0 fundamento da sociedade da vendabilidade universal € a desigualdade, e somente em situagSes sociais de explorago uma diferenca se torna justificativa de desigualdade e pretexto para a exclusdo. “Um negro é um negro, Apenas dentro de determinadas condigdes ele se torna um escravo. Uma maquina de fiar algodao & uma maquina de fiar algodao. Ela se transforma em capital apenas ‘em condigdes determinadas” (Marx 1847{s/d., p. 69)) Pode nao ser casual que as atitudes, omissdes e palavras em defesa das diferencas sejam to enaltecidas no momento mesmoem que as desigualdades so dramaticamente exacerbadas no mundo contemporaneo. & nessa perspectiva de defesa de suposto avango nna doutrina de direitos cujo apice seria a extenséo de direitos focalizando as diferencas que 0 termo equidade vem ganhando proeminéncia, A ideia de equidade estaria muito mais préxima de uma nogao de justica distributiva entre diferentes, bem aos moldes de um discurso que privilegia as diferencas. Pode nao ser casual que essa ret6rica se dé em nome da ética, Ancorando-se em um discurso que opera em nome da ética, & possivel postular que aideia de igualdade tenha sido historicamente superada e substituida por uma nocdo superior porque capaz de EDUCAGAO £ OESIGUALOADES SOCIA'S ” acolher as diferencas. Haveria muitas justficativas para a superacao da nog de igualdade. Ela seria caracterizada como utopica Porque representaria aspiragbes igualitariashistoricamente superadas. Além disso, 0 suposto da igualdade entre os homens, a0 defender o que seria referente a todos, nao contemplaria aquile que também ¢ proprio dos homens: as suas particularidades, ay suas diferencas. Essa postulasdo obscurece a questdo fundamenta Bots nao ¢ de diferengas que se trata. O fundamento da sociedade 6 adesigualdade que nao se resolve nem na questdo da discussao do Poder e tampouco em oportunidades iguais para todos ‘Trata-se, assim, de uma éticatrivializada que ndo se insere vamente na realidade. Porque a essa “ética” ndo cabe a critics Facional da realidade, nem o desvendamento nessa realidade de fins € valores universais que atendam as exigéncias de um agir verdadeiramente racional. Trata-se de uma ética que abdica do universal e pode ser transmutada no politicamente correto, na trivializacaodoagir, noconformismo,naadaptagao, naconcordancia @ até na legitimacao da barbarie, Nao ha apelo ético que sobreviva @ abdicar da universalidade, do estranhamento diante do ethos, da luta pela constituigao das condigdes de possibilidade de enfrentar essa realidade, criticé-la, explicitar suas razdes e superar o estreito limite do que é para repor 0 compromisso com 0 que deve ser, 0 justo. Afinal, a questdo da diferenca pode permitir sustentar 0 mito da igualdade, especialmente de oportunidades, e manter o seu ofosto da desigualdade que funda a ordem capitalista. final, {.} implorar a um sistema de reproducao sociometabélica profundamente perverso ~ baseado na periciosa divsto hie Trirquica do trabalho ~ a concesszo de “oportunidades iguais” para as mulheres (ou pra 0 rabalhador}, quando ele ¢ esr uralmente incopaz de fazer iso, ¢translormar em zombaria a de emancipasao. (Mészdros 2002, p.269) propria id Quando se postula 0 pleno exercicio da igualdade pela extens30 dos direitos focalizados nas diferencas se encobre o Z SERIL AS DINENSOLS DA FOKAIA AO HUMANA carter estrutural da desigualdade A deta de “equidade” estaria, assim, muito mals proxima de uma nocdo de justica e de igualdade entre diferentes aos moldes do requeride pelo capitalismo atual, A transmutago da igualdade em equidade seria solidaria da transmutagio da desigualdade em diterenca. Nao haveria oportunidaide para todos, mas em principio ninguém derxaria de ser contemplado por ser diferente. Nessa perspectiva, a protecio dos diterentes esconde desiguars. E verdade que reiteradamente se criam ¢ recriam formas de diseriminagao dos “diferentes”, & verdade que & necessario enfrentar essas formas. Mas no se pode negar que nao so essas as formas que esto na base do funcionaments do capitalismo. A questo fundamental nao esta na torma como 0 poder se exerce, ow na variedade de formas de discriminago dos diferentes, Se essa fosse a questo, seria possivel promover a igualdade dos diterentes mantendo a estrutura desigual de produgo do modo de vida. Ocorre que essa igualdade ¢ estruturalmente incompativel com a forma produtiva. Poder-se-ia objetar que se ¢ assim, se a igualdade & um preceito irrealizével por principio sob o caital, resta abdicar dele € buscar 0 que seja possivel, realizavel Nisso consiste 0 cerne da critica. A par da impossibilidade de realizaydo, 0 preceito da igualdade substanuva é térul porque se contrapde, porque desmascara, porque nao integra e perque, tundamentalmente, desafia a historia € mantem as possibilidades & compromissos ‘com a emancipayao de cada um ¢ de todos os homens ¢ mulheres. Como Mészaros (2002. p. 72) a dizer da causa da emancipacdo das mulheres: Como © modo de funcionamento do capital em todos os terrenos ¢ todos os niveis do intercimbio societirio & absolutamente mcompativel coma necessinis afrmagao da pratica da igualdade substantiva, a causa da emancipagio {das mulheres ende a permanecer ndo ntegravel eno tundo Arcesisuvel, ndo importa quantas derrotas tempordnas ainda tenba de strer quem luta por la FOUCAGAO { DESIGUALOADLS SOLAS Converter desigualdades em diferengas atualiza e fortalece 1a autoridade do capital. Ademais, a par de que 0 preceito da igualdade nao tena se realizado, a sua existncia como princfpio sempre foi uma lembranca, um alerta, um questionamento a uma ealidade que nao o realizava, Afirmar a igualdade ainda pode ser uma deniincia de algo que era como se fosse ou pudesse ser num mundo de desiguais, Abdicar da igualdade pela sua impossibilidade no mundo do capital e reduzi-laa diferenca é fazer da realidade nao mais algo que se refere ao que pode ser, mas em mentira manifesta que confirma e perpetua o existente. Referéncias ALMEIDA, Célia (2002). “Equidade e reforma setorial na América Latina: um debate necessério.” Cadernos de Satide Publica, vol. 18 (suplemento), Rio de Janeiro, pp. 23-36. BANCO MUNDIAL (2006a). Relatério sobre desenvolvimento ‘mundial: equidade e desenvolvimento. Washington, D.C: Bird/Banco Mundial. . (2006b). A equidade aumenta a capacidade de reduzir a pobreza: relatério sobre o desenvolvimento mundial (press release). Washington, D.C. Bird/Banco Mundial, Disponivel fem: http://go.worldbankorg/BS9QZ1YODO. Acesso em 02/04/2007. (2007). A pobreza cai absixo de 1 bilhdo: indicadores do “sesenvolvimento mundial - WDI (press release). Disponivel fm: http://go.worldbankorg/data/wdi. Acesso em: 28/04/2007. CEPAL/OREALC (1990). Transformacién productiva con equidad: 1a tarea prioritaria del desarrollo de América Latina y el Caribe en los aitos noventa. Santiago do Chile. Disponivel em: heep://repositorio.cepalorg/handle/11362/2102. Acesso ‘em: 08/01/2016. os SERIEAS DIMENSOES DA FORMAGAO HUMANA CEPAL/UNESCO (1992). “Apresentagao", in: Educacién conocimiento: eje de la transformacién productiva con equidad. Santiago do Chile. Disponivel em: http://www. welac.org/publicaciones/xml/0/4680/Icg1702e.htm| Acesso em: 08/01/2016. CORAGGIO, José Luis (1996), Desenvolvimento humano e educagao. do Paulo: Cortez. DECLARAGAO Mundial sobre Educa¢do para Todos e Marco de Asio para Satisfazer as Necessidades Bésicas de Aprendizagem (1990(1998]). Jomtien, Tailandia. Dispontvel em: http:// http://unesdoc.unesco.org/images /0008/000862/086291por.pdf. Acesso em: 20/01/2016. DONOSO, Roberto (1999). Mito y educacién: el impacto de la ‘globalizacién em Ia educacién en Latinoamérica, Buenos Aires: Espacio Editorial. FLORES, René Pedraza e NARVAEZ, Carlos E. Massé (orgs) Educacién y Universidad: desde la complejidad en la globalizacién. Mexico: Universidade Auténoma do Estado do México, 2009. IANNI, Octavio (1995). Teorias da globaliza¢do. Rio de Janeiro: Civilizagdo Brasileira. ___. (1996(1997)). A era do glotatismo. Rio de janeiro: Civilizagao Brasileira, MARX, Karl (1847[5/41). “Trabalho assalariado ¢ capital’, in: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich Textos, vol. 3. Sdo Paulo: Edigdes Sociais. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich (5/d.) “Manifesto do Partido ‘Comunista’ in: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich Textos, vol. 3. So Paulo: Edigdes Sociais. MESZAROS, Istvan (2002). Para além do capital. S40 Paulo: Boitempo; Campinas: Ed. Unicamp. MIRANDA, Marfia G. (1996). “Novo paradigma de conhecimento € politicas educacionais na América Latina” Cadernos de Pesquisa, n® 100, pp. 37-48. EDUCACAO E DESIGUALOADES SOCIAIS ” MIRANDA, Marilia G. e RESENDE, Anita C. Azevedo (2009). “Igualdade, equidade e educagao’, in: FLORES, René Pedraza e NARVAEZ, Carlos E. Massé (orgs.) Educacién y Universidad: desde la complejidad en la globalizacién, Mexico: Universidade Auténoma do Estado do México. (2012). “Igualdade, equidade e diferenca: termos contrapostos no debate educacional’, in: SILVA, Fabiany de C. Tavares e KASSAR, Ménica de C. Magalhaes. Escrita da pesquisa em educacdo no Centro-Oeste. Campo Grande: Oeste. PUIGGROS, Adriana (2004). Educacién neoliberal y alternativas. Disponivel em: http://firgoa.usc.es/drupal/node/17136/ print. Acesso em: 02/09/2006. RAWLS, John (1971(2002}. Uma teoria da justica. Sdo Paulo: Martins Fontes. ROUSSEAU, Jean J. (1755{1983]). “Discurso sobre a origem ¢ os fundamentos da desigualdade entre os homens’, in: Rousseau. Sao Paulo: Abril Cultural. (Os Pensadores) SAVIANI, Dermeval (1998). “Equidade e qualidade em educagéo: equidade ou igualdade?" PUCviva, n® 2, pp. 17-19. TORRES, Rosa M. (1996). “Melhorar a qualidade da educacio basica? As estratégias do Banco Mundial”, in: TOMASI, Livia de, WARDE Mirian J.e HADDAD, Sérgio 0 Banco Mundial eas politicas educacionais. Sa0 Paulo: Cortez SERIES DIMENSO>S DA LORMAGAC HUMANA CALIDAD Y EQUIDAD EN EDUCACION, UNA CONTRADICCION INSALVABLE Roberto Donoso Torres Lo bueno de ser despistado, es que mi siquiera te das cuenta de que estas perdido. Laura Restrepo, Demasiados héroes, 2009. Advertencia previa ‘Algunas personas, seguramente bien inspiradas, me han

You might also like