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a “Voce j& teu o livre da Ana Mar- tins Marques? Nao, quem é? Uma poeta mineira. Vocé tem que ler”, me disse 0 poeta Niério Alex Rosa. Fui a cata. Nao oachei em nenhuma livraria do Rio. Te- lefonei para o nosso amigo comum, Be- tinho, dono da Scriptum, que tinha lan- gado © livro A vida submarina, e ele o mandeu, via Sedex, para este leitor se- dento: mergulhei de ponta-cabega, fui de capa a capa num félego sé. Agora, dois anos depois, as provas de Da arte das armadilhas me chegam as maos. Vou de novo de fio a pavio. O que me faz lé-la assim? Logo eu, que gosto de ler poesia salteadamente? A resposta vem de pronto: a poesia de AMM tem um sequenciamento que exi- ge de AFF esse continuum. Nao da para largar ou intercalar. Apesar de nao co- nhecé-la, me sinto préximo da poeta, Parece que ela esta sentada ao meu lado escrevendo/dizendo no meu ouvi- do o que tem de mais intimo, nos seus variados acentos, vida afore, Sua poesia, portanto, arma um dis- creto arco-iris de sensagSes profundas que vai, as vezes, da imanéncia a trans- cendéncia num voo, no espago de um piscar de olhos, e em outras numa mi- rada mais serena, com escalas. Nem sei se ela engendra conscientemente esse andamento lento, que coincide com meu desejo de degustar melhor o que é dite e escrito, de ir poupando a nao vai me deixar na mao: fechado o volume vel estar comigo, vei acompa- nhar os passos do pensamento e do corpo. Ela esta ao meu lado como a luz do so| ou do abajur na hora da leitura, durante o dja e 4 noite. F cuando o sol desiste eo abajur se apaga, nostra sua luz propria, intrinseca, de sua natureza mesma, e ensina: Quem abre a torneira convida a entrar o lage oro omar Ligdéo apurada na conta certa, pois tem aquela “beleza sem esforco” de que falava Lucio Costa ao qualificar Diamantina, @ gue serve tambem de le- gehda pera toda essa poética faiscante. Armando Freitas Filho RODRIGO VALE NTE Ana Martins Marques nasceu em Belo Horizonte, em 1977. Recebeu duas a “Voce j& teu o livre da Ana Mar- tins Marques? Nao, quem é? Uma poeta mineira. Vocé tem que ler”, me disse 0 poeta Niério Alex Rosa. Fui a cata. Nao oachei em nenhuma livraria do Rio. Te- lefonei para o nosso amigo comum, Be- tinho, dono da Scriptum, que tinha lan- gado © livro A vida submarina, e ele o mandeu, via Sedex, para este leitor se- dento: mergulhei de ponta-cabega, fui de capa a capa num félego sé. Agora, dois anos depois, as provas de Da arte das armadilhas me chegam as maos. Vou de novo de fio a pavio. O que me faz lé-la assim? Logo eu, que gosto de ler poesia salteadamente? A resposta vem de pronto: a poesia de AMM tem um sequenciamento que exi- ge de AFF esse continuum. Nao da para largar ou intercalar. Apesar de nao co- nhecé-la, me sinto préximo da poeta, Parece que ela esta sentada ao meu lado escrevendo/dizendo no meu ouvi- do o que tem de mais intimo, nos seus variados acentos, vida afore, Sua poesia, portanto, arma um dis- creto arco-iris de sensagSes profundas que vai, as vezes, da imanéncia a trans- cendéncia num voo, no espago de um piscar de olhos, e em outras numa mi- rada mais serena, com escalas. Nem sei se ela engendra conscientemente esse andamento lento, que coincide com meu desejo de degustar melhor o que é dite e escrito, de ir poupando a nao vai me deixar na mao: fechado o volume vel estar comigo, vei acompa- nhar os passos do pensamento e do corpo. Ela esta ao meu lado como a luz do so| ou do abajur na hora da leitura, durante o dja e 4 noite. F cuando o sol desiste eo abajur se apaga, nostra sua luz propria, intrinseca, de sua natureza mesma, e ensina: Quem abre a torneira convida a entrar o lage oro omar Ligdéo apurada na conta certa, pois tem aquela “beleza sem esforco” de que falava Lucio Costa ao qualificar Diamantina, @ gue serve tambem de le- gehda pera toda essa poética faiscante. Armando Freitas Filho RODRIGO VALE NTE Ana Martins Marques nasceu em Belo Horizonte, em 1977. Recebeu duas of ates pene Aono ‘eat on 20, 2 be ANA MARTINS MARQUES Da arte das armadilhas Tonia Ts CET Sumario titre a cata aso, § AAgucareico, 13 Cavite, 14 roteira, a5 Cristaleira, 15 alheres, 15 comoda, Bstante, 17 Cortina, 27 Capacto, » Canteiro, 28 Toner, Banheiro, 13 Varal, 29 Regador, 21 Pimenteica, a Bspelho, 23 pn © 01s Wry Mero fain antete pense donb ito A hig gear a ilo des dns ei arses ‘Teatro, 35 Arapucas, 35 Mos, 37 Acsuela, 38 Cariaa Selo, 39 aga, 45 fearo (1), 42 Acgueds, 43 Mitoibgieas, 44 Penélope, as © petde-pérolas, 47 Do que eu fiz hoje, 48 1977, 49 Lado a lado, Fotografia. 52 Cinema, 3 Parangolé, 54 Resistencia a teoria, 56 Lapso. 97 Tres postals, 59 Alas, «a, Toma-viagem, 65 Abeira-mar, 64 Naulragio, 66 Sophia e o sol. 62 Sumario entre a cata eo ase, 9 Agucatelco, 13 Cedeira, 14 eutelra, 35 Cristaleir, 35 Talheres, 16 comoda, 7 Bsuante, 7 contina, 37 Capacho, 38 Canteira, x Tomeira, Ranheiro, 19 vara, 29 Regador, 21 Pimenteica, 28 snelho, 23 -Reléio, 23 A linguager: sem cess, 33 Falésias, 93, Aleseoherta do mundo, 34 NOs. 74 Alesta, 75 Apparuilba, 76 Poema de amor, 77 Obrince, 80) Da arte das armadilbas, 83 Teatto, 35 Arapucas, 35 Mos, 37 Acsuels, 38 Cara a Sato, 59 Casa, 42 fearo(1), 42 cued, 43 Mlvidgieas, 44 Penélope, 4 © perde-perolas, 47 Do que eu fiz hoje, 8 1977, 49 Lado a lado, 52 Forograia. 52 inera, 53 Parangol, 54 Resistinca a teorie, 96 Lapso, 57 Tes posts, 59 Atlas, 2 Toma-vagem, 6 Abelra-mar. 6 Noutrigh, 66 Sophia eo sol, 6 fear 2), 69 Medicio, 70 Lke my body, 72 ‘A.um passante, 72 Rowekra, 73 Ns, 74 A lesta, 75 ‘Apparuilba, 76 Poema de amor, 77 Obrince, 80) Da arte das armadilhas, $3 centre a casa centre a jura 05 Jogos centre a vera asvoltas a morada penélopes entre a lha, eolrse ee centre a casa centre jura 08 Jogos centre a volta eas voltes a morada penélopes centre a ilha, eoirse INTERIORES INTERIORES Acucansixo De amergo basta Agricoce, cla disse Masa mira pareceu amarso cApEIRA Repetes diaciamente 0s gestos do primetro homem ‘que ve sentou ‘numa tarde quente olhando as savanas Pouso de gigantescos passaros ceansadlos | | Acucansino De amergo basa Agricoce, la disse ‘Mas amir parece amano ‘Quer se lembrou de pr sobre a mesa cessas doces evidéndas a morte? Guarda erevela ander branea a louga incendie Aespareaco os cristais cApEIRA Repetes diariamente 6 gestos {do primetro hamem ‘que x seniou. ‘numa tarde quente olhanido as savanas Pouso de qigantescos passaros cansados 4 cotter Se. sot nela batesse em cheio por exemplo ‘numa mesa posta ‘no jarcien Imediatamente se formaria ‘um pequend lago dele Garp "Eon és ramos foresee ‘ometal aca Sus Ita elegance nao escamotvia oft: ‘Quem se lembrou de pdr sobre a mess cessas doces evidéndas a morte? Guarda erevela a nuder branea da louse incendie desparcaco os cristals comooa dela fo que restou sento sobre a cdmoda um par de brincs ‘que telvez mao sejam dela? Dentro da garrafa ‘enavio acaba te partic coRTINA Entre 6 fora @ o dentro ks. o vento cotter Se. sol nela batesse em cheio por exempla snusma mesa posta ‘no jar Imediaramente se formaria ‘um pequend lago de luz Garp ‘em ts ramos Mloresce ‘ometal Faca Sus fra eleginicia o fato: cla que melhor ve presta 20 assassinato, Home sweet canreina ‘Onde. casa cresce sem prajetos ‘0 sabor do sat dy sombras eatents 0 noricirio das nuvens TORNEIRA Quem abre a torneira convida a entrar o lage. onio comona dela fo que restou sento sobre a cdmoda a pa de brineos ‘que telvez nao sejam dela? ponte da garrata acaba de partic comTINa tre 6 fora e o dentro kes o vento HAMHECRO (BANHO NS XAMPU) apr Ezabets Bishop, ccomalzums sia de Aaa Lopes ‘Sem lembranca de liquens fou memérla omar de pe sozinha no banheiro do apertemento sem pretext para o pranto no mere tears rosniam os rotulos da Johnson & Johnson — ayo eu mesins ‘meus cabelos ccurtos ‘que um dia vvoct lavou numa baca cenquante Home sweet ‘Onde.a casa cresce sem prajetos a sabor do sat dhas sombras eatenta 0 noriciario das nuvens Quem abre a torseira convida a entrar ole ero Suas camisetas colorem ‘vento Seus jeans, atvatizam a palsager| Sua camisa branca rendide a0 fundo noite ampla HanHBERO (BANHO DS KAMPU) apr Ezabeth Bishop, ccomalgums esis de Aaa Lopes Sem lemranca de liquens omar deve sorinha no banhelro do apartamento sem pretexto para.o pranto —na mere tears rosnam os rétulos dda Johnson & Johnson — ayo cu mesma ‘meus cabelas que um dia numa basa enguante pelo basculante ayo como ela mesma a emassada ua brilha Num canto do jardin nde alguéen o esqueceu pronto, ereto, 0 regador aponta para o sol ‘embaragadas por dentco loves répidas ou lentas florem findarn FIMENTEINA. A pequena érea de sol do spantemento cabe a cla la guarce aol em seu coragao rubro rim eno prato que repastimos Suas camisetas colorem ‘vento Seus jeans, atvatizam a palsager| Sua camisa branca rendide a0 fundo anoite ampla tapes cinacs Nos cacos. Aoespetto quebrado vow’ se smuliplica hf um de vos em cada camio repecido em cada Por que squcbrs slo ara? Num canto do jardin onde alguém 0 esqueceu pronto, ereto, 0 regador aponta para 0 sol ‘embaragadas por dentco loves répidas ou lentas lorem findarn FIMENTEINA. A pequena érea de sol do spantemento cabe a cla la guarce aol em seu coragio rubro rim eno prato que repartimos devolve-c0s hoje ardente sal de ontem netocio Dee que nos serviri uum relégio? se lavamos as roupas brancas: édia 95 roupas escuras: E noite se partes com a faca uma laranja fem duas da se abres com os dedos um tigo maduro: notte se entornanes vinho: tapes cinacs Nos cacos. dn-espethio quebrado vow’ se smuliplica hf um de vos em cada cemto reperido em cada Por g queda slo sera azar? ‘quando abrimes certos Acusta de dlecol,cigarras, siléacio: fos Fenios se adogamos 0 chs sa Se nBo 0 adoxamnos noite se varremos a casa ou a enceramos: aia se nela passamos panos dimidos: noite se tenes emxaquecas, cevemas, aergias ia se tems febre, eélieas, nflamagbes: aspitinss, ralo X, exame de urina dia netocio Dee que nos serviri uum relégio? s lavamos as roupas brancas: édia as roupas escuras: E noite se partes com a faca uma laranja ‘em dus: da ‘© abres com of cedos um tige maduro: notte se derramamos égvet dia se enfornames vinho: noite ‘quando ouvimos o alarme da torradetra ‘ou a chaleira como um pequeno animal ‘que tentasse cantar: dia se esquento em banho-maria @ mel que existalizou 0 uso limes para limpar os videos: sa se depois de comer magis guatdo por capricho o papel roxo-escuro: noite se dato claras em neve ia ss corinho betctrabas grandes: noite se excrevemos a pis er papel pautado: ia se dobramos as folhas ou as amassamos: (extensies e imas: dia ccamaidas obras: noite) ‘quando abrimes certos livros Tentos Acusta de dlecol,cigarros, saci: se adogamos 0 ch ‘a se no 0 adogamos: noite se varremos a casa ou a enceramos: dia se nela passamos panos dios: se ens enxaquecas, eczema, alergas: dia se temos febre, eicas, inflamagies: aspirines,raio X. exame de urina die tadiuras, compressas, unguentos: noite se deixas a dgua fervenda sori noite Sepela Janela 0 mar ess quiero lerdo e engordarado ‘somo uma poga de deo: ia se est eaivoso fespumando ‘como urn cachorra hidrstabo: se um pingaim chega a Ipanema

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