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a Aad O 00 anos _— da Independéncia do Brasil... ZZ0Z | 6S ol BPUNLT POL9UIY ep [PLOWIaW Op BISIAaY VILIOUT exon Ipiranga atualizaa Novo Museu do ‘meméria brasileira Paraos quevirio Artigode Almino Afonso essa 39 g ie =| ‘ubsardoRascor eI toes 2 ei se roe sce vaoinsmies nao fant ERASE EP esa ce sto raut> seater, verti sateen ‘Aine Hone Karsten jatar ‘Rarer i Aint de stepettomtgen st tae mine Sat vatesRaguine Yana Hives Ee See sett wgemarnn. BOE ae a mataicene™ sigetocmniste Pera ate ana: FSS Se, EReee wou mers EERE, SAREE rai, Sumario ‘4 Balitorial 6 _ NovoMuseudo tpiranga atualizaameméria, nacional, 10 Florio da américa 14, Opassadonao escraviza futuro Apinturaea construgio das identidades nacionais na América Latina 22 Aatualidade do pensamento do Patriarca da ndependéncia 28 Se fosse gto de mulher, indo seria Hist6ria, mas histeria 30 33. Umamulherque mudaa regra do jogo Ovisivel, oapagado e ‘opalitico dos corpos femininos 36 ‘1. Uavlagempelos sons do primera ‘longa esta da ht independéncia sonora MEMORIAL DAAMERICALATINA 449 ASiigitaisnegras do ‘samba construsram nossa ‘dentidade cultural Moxos de viver e westir no perfode da Independencia do Brasil 52 6 Apompa da corte ea 56 estratégia de poder 0s povos originias eo Estado, 200 anos de urna histrianglicla 60 O Fait, aescravidaoe a Independéncia doBrasil 67 ‘Trés autoras brasleiras copacas e fugitivas contra a mascarabranca da nyvisibitidade R Por tras da mistificagao, uma heroina da, independéncia latino~ americana, 76 80 Conhegoomonstro, f vivi emsuasentranhas, 84, Economia brasileira: as veiascontinuam abertas 89 Para os que virdo sho Pau.o Editorial 4 duzentos anos sur- gla uma nova nagao com caracteristicas diferentes de todos os futros pafses que, nas, américas, vinham con uistando aindependéncia desde 1776.0 ‘nosso Brasil, claro. Mas quas as especi: ficidades do processo politic brasileiro? Eleé tao diferente assim ou faz parte de lum mesmo movimento histérico que atravessou os continentes americano e europeu no final doséculo XVI e inicio «do XIX? Quais os mitos construidos em tornodaseventos heroicos des fundado res da patria? E, mais importante, como aatualidade olha esses fatosantigas? Ou, em outras palavras, uals as perguntas ‘que o presente endereca ao passada? Essas si0 questdes que norteiam a edigioda Nossa América que oleitor tem fem maos. Oepicentro paulista da festa civic do Bioentendrio da Independéncia 4o Brasil é, sem duivia, a reinaugura~ gaodo Museu dorpiranga Que bela obra {oirealizada lal A instituigdo dobrou de tamanho eesta modernizada. & impor- fante notar que as doze exposides que se espalham pelos espagos expasitivos ho s6 apresentam 0 acervo histérico, ‘como o contextualizam e convidam & reflexao critica, Eo que fazo professor jodoPimenta, haentrevistaem que ele abordasfatos histéricos e os mitos que construiram, ‘ameméria ea ientidade brasieiras. A historiadora Maria Ligia Coelho Prado ‘também refletesobre a nese da nossa nacionalidade, mas ofaz.comparativa~ mente, por meio da analise de pinturas histéricas do Brasil, Urugual, Venezuela, ‘México e argentina, Com excecao do Haiti, cujahistéria ‘também contamos, as independéncias, latino-americanas foram protagoniza~ {das pot homens brances da elite, como José Bonifécio, sobre o qual publicamos lum texto, Mfas oque poucos saber é que as mulheres também participaramdessa lua. tessa Amériea raz ensalos,crénica € ficcdo que relatam a atuacao de Ma~ ria Leopoldina, Maria Quitéria, Marla Felipa e Joana Angélica, no Brasil, ede ‘Manuela Séenz, naGra-Colémblae Peru. Elas aparecem como simbolos e repre- sentantes do feminino na construgio de seus paises, cjapartcipacdo ft apagada por certa histétia oficial Alls, 0 apagamento histérico da maioria dos brasileiras nao consegul climinara sua resisténcia cultural, como fica evidente nas textos que tratam das estratégias de sobrevivéncia das popu lagdesescravizadas eds poves origina rigs, Seana literatura, sejaina misica, sela na moda, as mulheres, os negros, (s indigenas, os pobres, os explorados =sioeles quiedaootom doque oBrasil temde melhor. Intitulada “Para os que virdo”, esta edicdo termina com uma bela home= nagem de Almino Afonso, presidente do Conselho Curador do Memorial da “América Latina, a0 bardo amazonense ‘Thiago de Mello, falecidoeste ano. Para conclu, fago minhasas palavrasdo po- eta “Nao importa que doa: é tempo/de avancar de maodada/ com quem vai no mesmo tumo,/mesmo que longe ainda esteja/ de aprender a conjugat/ o verbo amar.” Boa letra Jorge Damido de Almetda Presidente da Fundagio ‘Memorial da América Latina a Semen oe S BIcENTENARIO DA EAS ST Pern Novo NUE do Ppt e eg Pi, atualizaa 4 memoria nac onc! reinauguragao domtuseu do Ipiranga em de se~ tembro de 2022 Sera um marco nas comemora~ ‘bes do Bicentenario da Independéncia do Bra~ sil E uma pausapara reflexdo.além de conferir exuberante edificio-monu~ ‘mento projetado pelo arquitetotallano ‘Tommaso Bezzi- comsuas caracteristi~ cas iniciaisrestauradas eampliadas ~, 6 uma oportunidade para se refletir sobre as formas pelas quais a sociedade bi sileira tem criado-e recriado a meméria nacional. 850 porque o modo como sera aptesentado o acervo colocasob escr~ tinlo a versdo oficial da nossa historia Fazem parte das12novas exposigoes do Museu do Ipitanga obras artisticas ‘que homenageiam figuras e situagoes controversas, como estatuas de ban deirantes equactras com representagies que celebram a destruicgo de missoes populacées indigenas. Os curadores domuseu, porém, tiveram um cuidado especiallcom essas obras, que devern ser tratadas como documentos histéricos, portato, como obras que nos informnam sobre um modo de pensarde determina~ dos grupos socials em um determinado periodo de nossa histéria 0 objetivo & dar ao visitante os elementosnecessarios Ay tab ona soe cmmgororancarraagarpemies ‘isos aaineses os paraqueelepossacompreender critica mente essas criagbes, Espago mais importante do Museu, ‘ Saléo Nobre possui 182m" e mais de 10 metros de pé-direito. Foi projetado para abtigar a tela de Pedro américo, ‘Que figura o momento em que se anun= cloua tuptura politica com Portugal ~ 0 Initico Grito do Ipiranga € abordado nas Imatérias seguintes, nas péginas 14.427. Eo pontoculminante do chamado Eixo ‘Monumental, ue comera no saguao, no piso térreo, passa pelas escadarias, até ‘chegar no ponto central do edifico. Das janelas do Salao Nobre é possivel ver 0 Jatdim, oParquedatndependéncia, a av. D.Pedrote,nohorizonte, oextremonor- tede Sio Paulo, ‘Todo o acervo artistico doBixo Mo- rhumentalé patrimdnio cultural tombado pelos drgaos de preservacao,e foi con= servado em sua integridade. Parte dos ‘Quadros aiexpostos foiencomendadae roduzidacercade 100 anos atras, para ascelebragdes do primeltocentendrio da Independencia, Outros, prem, sdomais ntigos, como o proprio Independencia ‘ou morte, concluido em 1888, Aconstru¢ao de um novo auaitério, em conjunto com a entrada mais am= pila, permitira receber grandes grupos escolatese para enfrentaresses temas, 7 romoveraulas cursos nopréprio Mu- seu Como persar os monumentes que slorificam herdis queno queremos mais, cexaltar? Que perguntas opresentefazao ppassado? analisar processos hist6ricos nunca 6 um trabalho neutro; por isso, fol fundamental tornar transparente 0 ‘modo de produ3o desses conhecimen= tos, buscando distinguirmeméria, uma categoriasocial, deHistéria, umacate~ _goriacognitiva que permite o fendmeno social da meméria, Essas e outras questdes informam (0 curadores da exposicao temporaria "'Mlemiérlasda Independéncia”, que ocu~ ppaa drea de expansao do Museu sob a esplanada, Elaaborda diferentes priticas memorlaise comemorativas relaciona~ das ao processo de Independencia, que resultaram em sucessivas celebragbes ‘a0 longo dos séclos XIX, XX e XXI. E mostra como o processo de ruptura foi disputado pot projetos celebrativos e festividades em Sio Paulo, no Rio de Janeiro (a antiga capital) e em Salvador (onde Independéncia s6 fol concluida em823). ‘Aexposigaotrouxeacervos de outras Instituigdes brasileira, especialmente do Rio de Janeiro e da Bahia. No total, estdoexpostos 3.058 itens pertencentes aoacervo do Museu, 509 itens deoutras ‘a fvicakspesmest epee ie pe ‘ena colegdese 76 reproducdese fac-simils. Amaior parte dos objetos datados séeu~ Jos XIXeXX, mas héitens mafs antigos, {que remontam ao Brasil colonial. S80 pinturas,esculturas, moedas, documen~ tos texts, fotografias, objetas em te~ cido e madeira que foram conservados prepatados para fazer parte do novo projeto expografic. 0 corpo docente do museu também elaborouoeixo curatorial “Para enten- dera sociedad”, que se relacionaa pro- cessos socias ligados aos imaginatios que alimentam histérias do Brasil, a0 universo do trabalho, ea constituigao dos espacos domésticos como lugares de formacao de identidades. 0 outro eixo curatorial chama~ ~se “Para entender 0 museu”. AS exposicdes deste elxo trazem infor mages sobre a histéria do edificio, da instituicao e seu ciclo curatorial (aquisigao, conservacdo, catalogacao, exposigao). Além de uma exposi¢ao Introdutéria sobre esses temas, oeixo conta com mais quatro exposicdes, que exibem as maiores colecdes do ‘Museu = medalhas, moedas, imagens, e objetos do cotidiano, brinquedas e lousas nacionais e estrangeiras. Elas do utilizadas para demonstra ofun= clonamento do ciclo curatorial, dis~ ccutidos a partir de quatro atividades chamadas de 4C = coletar, catalogar, conservar e comunicar. Leia a seguir um resumo das ex- DsigGes que compéem os eixos “Para entender a sociedade” (1 6)e “Para entender 0 maseu” (7 a1) 8 ‘Omaha dcalotata dresses Gombe qdetlsraess relma ‘moueodopuo xo ae Ding pangs 4, Uma histéria do Brasil: a expo~ sigio compreende o hall, a escadaria principal e 0 Saléo Nobre e tem como acervo principal as obras de arte que esto integradas @ arquitetura, como atela Independéncia ou morte, de Pedro ‘américo, ssa decorarao constitui uma vversao da historia do Brasil produzida para as comemoracdes do centendrioda Independéneiaem 1922. Amosttacoloca em questao a nocao de realidade dessa narrativa, a escolha dos seus persona- ‘gens eo modo como elase subordina & histéria paulista, 2. Passados imaginados: exibe as telas de grandes dimensoes, além da ‘maquete de gesso representando aci- dade de Sao Paulo em 1841, Otexto que ‘aacompanha demonstra que as acon- tecimentos repre~ sentados nessas obras nao sao uma janela parao pasado que est alirepresentadoye simo proceso de criagaode artistas em determinadas épocas. Acostu~ mado a entender estas representa~ ‘bes como cenas veridicas, por conta do modo como foramapre~ sentadas nos li~ vos didaticos, 0 piiblico encontra nessa exposicaoa recontextualiza~ ‘¢20 das obras de arte para serem compreendidas dentro do sistemaque as produziu, 3 Territ6rios em disputa: expde os ‘objetosligadscolonizacgiomaisanti~ gosdo Museu, que remontamaos séulos XVI e XVI. Sao objetos, cattas de ses~ ‘maria, mapas e outros documentos que contam como os europeus implantaram has terras colonials nogGes de territrio ‘que se materializaram nao apenas por meio de legislagao ou da forca bruta, ‘mas pelo uso de objetos inéditos para 0s poves indi ‘4-Mundos do trabalho: a exposica0 trata do universodotrabalhonumamplo espectrodeatividaes, deseo perfodoco- Jonialaté os dias atuas;langaluzessobre trabalho anénimo deindigenas, negros escravizades, forros, homens livres, mi- srantes,imigrantes e, com isso, apresenta ‘Questdes centrais paraacompreensao do trabalhado nas dias de hoje, Porexemplo, o trabalho manual ou seriado nao pode serdesconectadodo trabalho intelectual 5, casas ecoisas:expde 0 processo de transformagio dos espagos da casa que levou ao esvaziamento de suas fungies prodiutivas. A casa era um lugar mul~ ‘ifuneional ~ o lugar onde se cultivava alimentos, se praticava 0 comércio, se produzlam coisas, onde as criangas te= ‘cebiam educagao, se realizavam encon~ ‘ros cuturais. Ao longodo tempo, essas, attibuigdes foram sendotransferias para Instituigdes especiticas fora da casa. Ao perder essa fungdes tradicionais,acasa ‘evoltapara uma experiéncia inédita:fa~ zerparte da formagao daidentidade. Eno séeulo XIXque apalavta “interior” passa ‘a conectar artefatos e espacus da casa ao interior psiquico de seus moradores. 6. A cidade vista de cima: a filtima cexposigao do eixo “Para entender a so~ ‘ciedade” fica num espaco que leva 20 Imirante do edificio-monumento. Nela, oapresentadas imagens que mostram, (0s diferentes momentos da histéria da cidade de Sao Paulo. +7.Paraentender oMuseu: exposigio Introdutéria sobre elxo, Conta hist6~ riadoedificioeda instituigio,explican~ docomoéotrabalhona éreade Historia ‘eCultura Material, comosurgiuo Museu «porque ele fol instalado em um edifi~ cio projetado para ser um monumento ‘memiéria da Independéncia, 8,Coletar:imagens eobjetos. Amos~ tras das colegdes sao utilizadas para explicar as mudancas nas politicas de coletade documentos, que levaram tanto ‘uma ampliagao da cadela de segmen= tos socials representados quanto auma variedade de materiaise técnicas. 9, Catalogar: moedas e medalhas. ‘A pratica da catalogacao explorada a partirda tradicional colegao de moedas, ‘emedalhas, que tem forinas muito es= tabelecias de identificacao e descriggo deseus materiaise suas simbologias. 9 10, Conservar: brinquedos, S40 cen tenas de objetos de brincar de casinha ‘a0 lado de carrinhos, espaconaves efo~ _guetes. Epossivel mostrar otrabalho de conservagdo desde aavaliagao na entrada, doitem nacolecao, as atividades de hi- ‘lenizagao e restauracdo, os modos de embalar eaguarda nas reservas técnica. 11, Comunicar: lougas. Reflete sobre ‘como se produz uma exposiao, bem diferente da prética de simplesmente expot os objetos,relacionada aselecao, ctlacdo e interpretagio, portanto, um processodle conhecimentoqueestalonge de serneutro oudeatestar umaverdade, ‘eros dase wheramcemarecpes3oe ‘sacs etoks setae: ‘eto ae tag msen pangs el ‘eademicos do Centro Brasliet de Estudos da América Latina, Doutore Mestre mn Comuncaca0 pela USP BIcENTENARIO DA INDEPENDENCIA DO BRASIL at ety ri Fe] America OP ecm cd tec eee ra ir ase eer Eee eae Mea ere ee Pee eM Tm tec Ipiranga ~ ampliado, lidade renovada emoderna seguranca. Conon eM t ns te cc le) yo0 le ete emer ener Peon OMCs te un iad Meet cee nes ere ec erect e rama nn) a etd POR Sencar amg yc eee eur inne Nun ees ae em no ics Co eR er Me cuenta Pen et ce oa tan ane) Porno One) Coren M ese unos escy Paulo. 0 edificio, tombado pelo patri= ménio histérico municipal, estadual ¢ federal, foi construidoentre 18851890 Peer en Peet Emo yore ‘Tommaso Bezzi, Coneebide original Setar ae Core Mn ener Pentre t) en) eter eee au nn ct Peon a ko pais. Fst, desde 1963, soba adminis= arson een etc rere ei Peotone cn eee ten Sane us eee ir cuenta tite tho de restauragao das particularidades Bomar triton con cre rar nas do corredor principal, em que até Beene cane RIa Cy dos visitantes passaram pelo trabalho eos Rete coe en ton a eRe oa uaa oo pony onan Por ceo ES ores coors Petree uence Pesan a Dee Nee ee acSy era grande, prineipalmente nas visitas escolares. Agora, neste novo projeto, hi Interligagdo entre as sala, facilitandoo fluxo pelas expasigbes, Com investimento de RS 211milhdes, ‘obtidos por meio da lel federal de in. centivo & cultura, a obra foi executada tem dua frentes: restauro do edifcio :monumento e ampliacao do conjunto arquitet6nico, Para a ampliagdo, uma tescavacdo em frente o prédio a areada esplanada, retizou 35 mil metros cibicos deterra(2milcaminhdes). Comonovo espaco, oMuseudo Ipiranga passa ater 6.800m*. Aexpansdoabtiga anovaen~ trada integtada ao Jardim Franeés,além de bilheteria, café, loja, auditério para 200 pessoas, espacos esalas paraaten~ dimentoeducativo e uma grandesala de exposigées temporérias, com 900m’. Do café, veer os 8 espelhos d’égua do Jardim Franeés, gragas a um artojado corte na murada do prédio. OjardimFrancésem frente aomuseu também fol recuperado aumcusto deRS eget an deers 20 mu sem phen gta cneto Tears nee 19milhdes. Aobraincluiarestauragiode todaa érea constru‘da edopaisagismo, reforma da antiga administracao para instalacao de um restaurante, infra. ‘trutura para food bikes, madernizacio da iluminagao piblica, requalificacso das vias de acesso, reativacao da fonte centrale ~ grandenovidade - arecupe racio de duas fontes presentes no pro. jetooriginal dojardim que haviamsido ppados com o futuro do Brasil ‘Alndependéncia do Brasil esta sen~ do revitalizada, Historicamente, é um. ‘tema visto como chelo de distorgdes e invengGes, Os brasileiros associaram a Independénciaa comemoragdes oficlas, regimes autoritérios, sobretudoa dita~ dura de 1964, Meso em19220 governo de pitécio Pessoa, da Republica Velha, utilizou muito ocentenérioa seu favor. Eum tema antipatico. Mas os historia ores se desvencilharam disso ha um ‘bom tempo, Elessabem que, para pen= saromundo, € necessério olhé=lo com uma certa distancia; nds ndo podemos hos misturar, nos confundi 100% com le, Issonospermitiria explicaralgumas coisas, mas nos impediria de explicar ‘uitas outras. Ent, os ritmas de va~ lotizagaoda independéncia nahistorio~ ‘grafia seguiram um curso prdprio, com altos e baixos, Jd desde 0s arnos 1980 a Tndependéncia é um tema muito estu~ dado pela historiogratia. Estamos num ponto interessante em ‘que muitos historladoresse dedicat ou se dedicaram recentemente aoestudo de ‘umtema que esta sendo fortalecido no senso comum do brasileiro. Nis temos ‘uma enorme mobilizacdo da parte de historiadores, jomalistas, comunicado- es, outros intelectuas,clentistas socials. para oferecer & sociedade recursos de entendimento darealidade, Tem muitos histotiadores produzindo textos, videos, {que estao tentando se comunicardite= tamente com asociedade em linguagens nao académicas, de modo muito aces sivel, com fundamento decormunicaca0 dde massa, ainda que sejam tentativas pontuais.Isso€ muito interessante, Esté ‘mostrando uma tentativa de aproxima: do entre a academia e asociedade em geral. Das duas partes parece haver 0 entendimento de que isso é necesséio para genteentenderum poucooquea Independéncia estdfazendo em nossos dias, qual 6aatualidade da independén ciaedemuitos outros temas da Historia do Brasil NA: 0 Brasil 6 herdeiro de certo pen samento civilizatorio eurocéntrico e bbraneo. Nos separamos de Portugal,mas somos herdeiros dele. Quais osimpactos dessa ruptura na formagie brasileira? JPGP: A Independéncia foi uma impor tantissima ruptura, uma das grandes rupturas da histéria deste pais, porque © Brasil nao existia como nag#o, como Estado tal qual ele existe hoje, antes dessa ruptura fundadora. No entanto, no existe nenhurma ruptura absoluta nahistérladahumanidade. Arupturana historia doBrasil,como quaisquer outras grandes rupturashistéricas, se fez tam 'bémem meloacontinuidades. Nenhuma ruptura € absoluta, Nunca existiu uma ruptura completa numa sociedade, algo sempre se mantém. A Independéncia criou um Estado que nao existia antes. 0 Estado brasileiro, esse estado existe até hoje, com muitas reconfiguragdes nasiltimas 200 anos. Elese houve com cédligos legais, com territério bem de~ finido, onde se exerce determinada so- beranla, com sistemaeleitoral, sistema tributarlo, exéreito nacional, estruturas administrativas queconectam diferentes regides do pais em ditecaoa capital Tudo {sso folsendoreconfiguradoao longo do tempo,mas comesot aserctiado ha 200 anos, 0 Estado brasileiro, existente até hoje ¢ uma eriagao da Independéncia. AA nacao brasileira, que também existe hoe, ela & também uma criacdo da In- depensléncia, O queé anacao brasileira? Eumacomunidade, um grupo bastante amplo de pessoas que se reconhecem ‘como integrantes dessa comunidade Identificada como nagao brasileira; e, por sua vez, 6 identificada por outras Comunidades como sendo uma nagio brasileira. Nao existia nacio brasileira antes da Independéncia. Eno existia ‘osentimento de pertencimento a essa ‘comunidad, Nao existia acomunidade ‘endo existiaaaspiracao, uma ideia vaga de pertencimento a essa comunidade. Porque muitas vezes as pessoas que rem criaruma comunidade porque elas ssesentem parte disso que esté para ser criado, A identidade nacional, isso m0 cexistia antes daIndependéncia. Anagao ea identidade, hoje elas existem e s30 ‘riagao da Independénela, Isso jé bas taria para caracterizar a profundidade esse processo hist6rico, porquecriou3, coisas importantissimas que formatam, oserbrasileitoatéhoje ~ Estado, nagao eidentidade. A Independéneia nao criou isso de maneira exclusiva e imediata. A Independencia criou as condigées de cexisténcla de um Estado, uma nagao e uma identidade nacional, que foram ssendo modificadas, mas sem perder a Ccondigao da sua substancia inicia ‘No entanto, a Independéncia nao ssubverteu a ordem social, nao inverteu papéis, nio fer ricos se tornarem po- bres, pobres virarem ricos, ngo aboliu, formas de dominacao social, nao criou ssubitamente estruturas econdmicas. & Independéncia manteve as esttuturas socials? Ela manteve a escravidao? Ela Ianteve a economia agtoexportado- ra? Nao exatamente. Ela reconfigurou lessas coisas todas. Ela reconfigurou 0 territ6rio, reconfigurou amonarquia, reconfigurou a escravidao, reconfigu- rou as estruturas sociais. Quando digo reconfigurou,éque ela colocou algunas coisas novas nissotudo, massem abolir as estruturas socials e econémicas. Fok (0 caso ento das estruturas colonials, ‘que se observaram ainda no Brasil, mas, nao mais exatamente como estruturas coloniais, mas como estruturas nacio- 16 ‘eos Peete dha (926) wsaMsG93eM, ‘obra ruption etade cane 7 nals. claro que sso passou desaperce: bbido pela maior parte das pessoas, que continuaram pobres, que continuaram. escravas, que continuaram no mesmo lugar em que elas estavam na socieda: de, Mas muita gente, os protagonists esse processo, sabiam que ees estavam criando coisas fundamentalmente no ‘vas ~ mas eles nao queriamcriar coisas totalmente novas. INA: Qual relagdodesse processo politi~ co brasileiro como restante da América Latina? Por ser uma monarquia escra- vistaem meio arepiblicas,o Brasilera visto como inimigo? Eos brasileiros, ‘como viam e vemos processos dein ‘dependéncia da América espanhola? JPGP:Em 2013, pesquisandoasatitudese as relagies dos brasileiras em geral com, ‘seu passado, e mais especificamente coma Independléncia, concluimas que (0s brasileiras sofriam uma tendéncla a menasprezaranassa historia econside- ré-lamenore menos importantedoque ahistéria de outros paises. sso, no en tanto, é combatido poroutras brasileiros com uma atitude oposta de glorificacao ce heroicizacao da historia. Entao, tem muito brasileiro que acha que o Brasil ‘um pafs insignificante, mediocre pela suahistéria, enquanto outrosbrasieiros, de uma maneira opesta, acreditam qu ‘Brasil é uma nagao com uma histéria, ‘loriosa, constradaporherdis que devern ser exaltados, HA uma atitude pendular ds brasilelros. Ora, nenhuma historia ‘deumpais émenos importante doquea hist6ria de outropaés, salvoquandoessa histériatem, digamos, alguns impasses. mundiais. No existe um processo impor~ tanteque sejadesprezivelem comparacao ‘com um processo importante de outro hi~ gar, deoutrotempo,deouttoespaco. Nao existe independéncia menos importante neste contexto do século XIX, inclusive porquea Independencia do Brasil nao fol umprocesso isola ‘A Independéncia do Brasil fol toda ‘marcadapela independéncia da América espanholaeo inverso também é verda~ elro. Claro, o Brasil foi mais marcado doqueo contrario porque as da América espanhola comegaram antes. Analisei pontos de conexao, como que pessoas doBrasilliamnoticias da América espa~ ‘hola, como elas reagiam aisso, como mpactava aalta politica no Brasil eem Portugal. Ou seja, 0 rocesso histérico Pode criar oque eu chameide experiéncia ‘Umeonjunto deaprendizado conscien. te. inconsciente, direto eindireto, um conjunto de modelos, de paradligsnas, de exernplos.a serem seguidos ou re~ jeltados, as independéncias da Amé= rica espanhola ofereceram parametros pra quem estava fazendo ou querendo evitar a Independencia do Brasil. Por exemplo, desde 1808, Brasil e Portugal tomararmuuma série de medidas militares preventivas nas fronteiras com a Amé~ rica espanhola.Eles negociavatn com as poténcias europelas e ao mesmo tempo hegociavam.comos governos indepen. ddentes revoluciondriosda América espa~ hola. Essas independéncias compdem uma unidadehistérica, Separd-las, como seelastivessem acontecidedemaneira {solada, 6uma violencia contraa propria histérla, As pessoas que viveram essa hist6ria, nioaviverem separadamente. Claro, elas viveram algumascoisas mais Jntensamente doque outras, adepender do grupo social, a depender da época especifca, da regiao em que as pessoas estivessem, maso processo de indepen déncia do Brasil fo todo atrelado aos processas de independénela da América espanhola. Todos eles fizeram parte de tumconjunto de mudangas politicas que diz respeito’ revolucao do Fat de 1804, as guerras napolednicas, que termina rams6 em 1815, arevolugao francesa, ¢ atéa independéncia dos EUAléem1776. Tudo isso é cheio de idas e vindas, de fénfases, de vatiagbes, masé uma mesma uunidade histérica, INA; Entao, € também um mito essa ideia de que 0 processo sécio-politico doBrasil,noséculo XIX, foi totalmente diferente dos outros paises latino-a~ rmericanos? JPGP; 0 que a imensa maioria das pes~ Soas faz 6 seguir a tradigGes historio- ‘graficas posteriores a Independéncia, tradigoes essas que se misturaram &p16~ ppriaconstrucdo das memétiasnacionais, cestode 8 De ee Then Sl ete ‘oc So Bae le io o> Trees atrapalhara paz do homem que estudavaao lado. Lim~ peipacientemente as lentes feministas. Com as lentes impidas, coloquei os éculos ea informagaocontinuava isem 1822, uma mulher eraaregenteinterina do Brasil eassinow o documento da Independéncia, Segurei onovo grito que se formava emminhagar- ganta, nao queria que ninguém achasse que sou histe- rica, Mas meu corpo nao conseguia parar de se mexer, tamanha aempolgacao! Porque tantose fantasiasobre um grito dado por um homemy mas nao se fala so- breaassinatura de uma mulher? Decidida acontribuir para tirar as mulheres do ponto cego da Histéria, sai dabibliotecae corri paracasa, precisavame colocar em Ao criar uma representagao deD. Leopoldina, pude partir de outras referéncias: saio coragao bom da princesinha, entraa cabega estratégica da monarca ‘movimento sem ser julgada esilenciada por ninguém. ‘Agora eu nao tiraria meus éculos feministas nem pot ‘um segundo! ‘S6tem um detalhezinho que aindanio falei: nao sou historiadora, sow artista. Muitas historiadoras esto empenhadas em arrumar esse probleminha machistade nossa historiografia tradicional, pesquisando Historia ddas Mulheres. Mas as memérias nao sao feitas apenas de fatos, mas também de ficgao. E se pode ser feita uma ficedo sobre um principe gritando, por que nao fazer ‘uma ficcao sobre a princesa que realmente assinou a Independencia? Esse foio ponto de partida para acriacao do livro Sus~ surros 0 que acontecet antes do grito, urna dramaturgia {feministaquetraz D. Leopoldina como protagonista dos bastidores que resultaram na independéncia do Brasil, imaginando como Leopoldina pensava, agia e reagia durante esse processo, desde a safda da familia real portuguesa do Brasilaté um dia depois do famoso grito. ‘Meu primeiro passo foi olhar, através das lentes, as representagies de Leopoldina, A maioria delas segue umideal de feminilidade, aquele estabelecidonosséculo XIX, aptesentando uma Imperatriz doente, a mulher bobinha trafda, a amiguinha benevolente do povo. As lagrimas estavam prontas para saltar de meus hos © ‘molharminhas lentes, mas nao foi preciso, pois pesqui- 5as mais atuais, amparadas por estudos de documen- tos historicos e artisticos, ja trazem outras formas de pensar sobre D. Leopoldina: uma mulher inteligente, Muito culta, que era ouvida por D, Pedro Inos assuntos governamentais; uma princesabela, porémnao muito Vaidosaj e uma mulher que, aparentemente, teve uma relacao comseu marido marcada por traigdes, sim, mas também por momentos de afeto. ‘Ao criar uma representacao de D. Leopoldina, pude partir de outras referéncias: sao coracao bom da prin cesinha, entraa cabeca estratégica da monarca. Quem assino'a Independencia nao fota mulher ileal, mas uma princesa europefa, poligiota, que tinha visto e vivido uma Europa modificada pela Revolucao France- sae por Napoledo, e que sabia das batalhas e divisoes ue estavam ocorrendo nas terras vizinhas do Brasil, colonizadas pela Espanha, Uma mulher que havia sido educada para serumaprincesa, paraentreter, encanta e casar. E para proteger sta familia, seus bens, stias osses e set reino. Enuanto ia escrevendoo livro, imaginando essanova D. Leopoldina deslizando, se articulando, interagindo no ambiente politico, parei muitas vezes, mantendo meus éculos feministas, mas tirando meu olhar do passado. Esfregando meus olhos, olhavaparaopresente me questionava: quanta coisa poderia ser diferente se nossa Historia nao tivesse sido severamente miope para as mulheres por tantos anos? Cem anos depois da assinatura de D. Leopoldina, em 1922, mulheres brasileiras lutavam ha tempos para serem entendidas como “cidadaos”, aqueles que estavam registrados na Constituicao da Repitblica brasileira, que podiam votart e serem votados. Passados mais cer ans, votamos somos eleitas, mas ainda somos minoria e constante~ ‘mente violentadas 20 nos enfiarmos no meio politico. Pensando nisso tudo, muitas vezes quis gritar. Gri- tarde raiva, de dor, de cansaco. Se D. Leopoldina, uma princesa branca, eutopeia, rica e influente é tao apagada de nossa Histéria, como nao pensar que tantas outras ‘mulheres foram apagadas, esquecidas, silenciadas? ‘Mas eu nao gritei, apenas sussurrei para mim. ‘mesma que eu devia continuar. Afinal, se uma mulher sitar, vai virar Historia ou histeria? ‘Anna Carolina Longano Escritora, atria, pedagogn€ Desqulsadora, dowtoranda pela EACH/USP cofundadora fa produtora artista Cla Rudo Rosa 32 Uma mulher que muda aregra do jogo 04.0447 hoje recebi um retrato dele. meu deus! é um homem extra: ordinariamente belo, tem uns olhos magnificos e um belo nari, gostei até de seus labios, embora sejam mals gros 0S que as meus. fico pensando o que vai acontecer comigo ‘quando o vir todos os dias. ail no sou bonita, isso ja seth tempos. mas sua beleza hd de contar por nés dois em breve, nomeu ventre 07.05.17 se estar apaixonada significa nao ter outra coisa na cabepa anao ser o Brasil e Pedro, entdo estou. 3 de maio: que lin da data! a cada dia mais prdxima, além de ser para sempre ‘© marco do meu casamento, 6 também aniversério de meu ‘querido futuro sogro. 14.0537 ontem contrai matrimdnio ao meu amadlo Pedro, que nao estava presente, ele foi representado pelo arquiduque Carlos Luis, men tio.a cerim@nia me cansou demais porque usel um vestido terrivelmente pesado e adorno na cabeca. mas Deus ‘me deu forca espirtual suficiente para suportar com firme: za todo aquele ato sagrado comovente. agora sou esposa. Leopoldina do Brasil 05.147 depois de oitenta e cinco dias de uma viagem extenuante, finalmente hoje pus meus olhos sobre a costa fluminense. estou absolutamente maravilhada. a primeira impressa0 ue 0 paradisiaco Brasil dé a todo estrangeiro & impossi vel de descrever com qualquer pluma ou pincel. quase des~ ‘maiei quando finalmente conheci omeu amado Dom Pedro. ‘meu deus! como é bom estar viva & ser esposa. Pedro me

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