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BET] irl) Bey De eM rice) ee eo ener ri Uma das mais renomadas pesquisadoras \ a Eee ee ee Cee Re er eet tc melhores condigées de aprendizagem. Autora de doze livros sobre o tema. eee ee ea que passou a ser editado em formato de bolso Pee nea) Cee eee ce DOR eee tear Cee er ee rr e no exterior, e Diretora da Editora Mediacao, Peaa Ms ee) Peo aoc Uma pratica _ | em construgao | da pré-escola | a universidade edt) Raed 62 VvoaLonaig-sa9sv 66H lil oupsqudwig Pe UC Lene yaa et ASCES - Biblioteca AVALIAGAO MEDIADORA uma pratica em constru¢gao da pré-escola a universidade Jussara Hoffmann © Editora Mediacao 32% Edigao Porto Alegre 2012 NAO RISQUE Coordenagao Editorial: ussara Hoffmann Assistente Edi Revisio de Texto: Rosa Suzana Ferreira Capa: Kundry Lyra Klippe! Editoragao: 1uana Aquino Setor Editorial Mediago DADOS INTERNACIONAIS DA CATALOGACAO NAFUBLICACAO (CIP) 1699 Holinann, Fssara ‘Avalago mediadora: uma pritica em constujdo a pé-ecola 3 ‘universidede Jssara Mara Lereb Hoffmann, ~ Porto Aleze: Medias20, 2008 (ed. atuale rev.) 176 p. ISBN: 978-85-87063-09.0 |. Avaliago do desempenho escolar: Educasto Infanti universidade: Inovagio edvcacional 2. AvaliagSo do desempenbo escolar; Freire, Paulo 3. Avaliago do desempenho escolar: Piaget, Jean 4, Avalago bertadora Tile [ibictecirias apo Maa Hedy Labiaco Panda CRB — 107190 "Neti Seine Aatunes Meneres~ CRB 10939 Todos 0s direitos desta edigdo reservados & @ Editora Mediacao Distribuidora e Livraria Ltda Av. Taquara, 386/908 Bairro Petrépolis Porto Alegre RS CEP 90460.210 Fone/Fax (51) 330.8105 ceditora.mediacao@terra.com.br ‘wweditoramediacao,com.br ‘Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ‘ou duplicada sem autorizagdo expressa do Esitor. © by Jussara Hoffmann, 2007 Printed in Brazil/Impresso no Brasil ASCRS - Biblioteca Aos educadores guerreiros que encontro Por este pais afora, que lutam, sem esmorecer, Por uma escola de acolhimento e respeito a todas as criancas e jovens deste pais. NAO RISQUE ASCES - Biblioteca As idelas no influenciam © homem profundamente quando sZo apenas ensinadas como ideias e pensamentos. Usual= mente, quando apresentadas de tal maneira, modificam outras ideias; novos pensamentos assumem o lugar de antigos pensamentos, novas palavras tomam o lugar de velhas palavras. Mas tudo 0 que acon- teceu foi uma mudanga nos conceitos e nas palavras. Por que seria diferente? & extremamente difcil para o homem ser mobilizado por ideias e aprender uma verdade. Para fazé-lo, ele precisa superar as resisténcias profundamente enraizadas da inércia, o medo de estar errado ou de afastar-se do rebanho. O simples travar conhecimen- to com outras ideias nio é bastante, embora essas ideias, em si mesmas, sejam corretas e poderosas. Mas as ideias s6 tm, realmen- te, um feito sobre o homem quando sio vividas por aquele que as, ensina, quando sio personificadas pelo professor, quando a ideia aparece encarnada. Se um homem expressa a ideia de humildade, aqueles que 0 escutam compreenderio o que é a humildade, Nao apenas compreenderao, como também acreditario ‘que ele esté falando de uma realidade e no apenas proferindo pala- vras.© mesmo se aplica a todas as ideias que um homem, um filésofo ou um mestre religioso possam tentar transmitir Erich Fromm, NAO RISQUE SUMARIO INTRODUGAO ... POR UMA ESCOLA DE QUALIDADE nnn Avaliacéo classificatoria e ensino de qualidade? Provas e notas: redes de seguranca dos professores Sucesso na escola e desenvolvimento do educando ‘AS CHARADAS DA AVALIAGAO Por que um aluno nao aprende? Os responsiveis pelo fracasso: professor, aluno ou sociedade? 44 (© compromisso do professor diante das'diferencas individuais 48 UMA VISAO CONSTRUTIVISTA DO ERRO .... A questio da subjetividade nas tarefas avalativas 58 Gabaritos do professor ou entendimentos do aluno? Uma pratica mediadora em construcéo POR QUE CORRIGIR, PROFESSOR? se 9 ‘A corresio ma expectativa dos pas, alunos e professores 83 Correcio ou coergio? 86 Aceitar versus valori2ar mnnun sn 3 Professor, meu trabalho & nota 10? os 7 O erro nao é um pecado! tol RELATORIOS DE AVALIACAO seni OS O privilégio a questdes atitudinais na pratica tradicional Ho Elaborando relatérios de acompanhamento vs 16 AVALIACAO MEDIADORA NO ENSINO MEDIO ENO ENSINO SUPERIOR = Posturas conservadoras ‘Alunos desinteressados e desatentos? ‘Tempo e cisponibilidade: entraves do processo? didlogo professor/aluno © acompanhamento individualizado A formacio de um profissional competente © CIRCULO AMPLIA-SE = Uma experiéncia no Ensino Superior Um projeto em desenvolvimento no Ensino Médio. Avaliago mediadora em pritica de ensino AVALIAGAO MEDIADORA: UMA POSTURA DEVIDA. ones 159 O resgate do cotidiano : A formacio teérica © rressignificado da avaliagio na escola REFERENCIAS INTRODUGAO Este livro representa um compromisso! De encaminhar- se de fato da reflexdo 4 ago — principio maior de uma postura avaliativa mediadora ~ e de contribuir para a cons- truco de uma pritica alicergada em tal principio. No inicio das investigacdes sobre o tema, procurei con- figurar o mito da avaliagéo sentenciva,em sua concepcio de julgamento de resultados finais e irrevogaveis, por meio dos depoimentos de muitos professores e alunos. A primeira obra, “Avaliagdo mito & desafio: uma perspectiva constru- tivista”, de minha autoria, teve como objetivo desvelar os fantasmas da pratica tradicional, os alicerces teéricos que nos levaram a exercer tal pratica, bem como desencadear a tomada de consciéncia dos educadores e administradores ‘em geral sobre o significado da manutencio da avaliacio classificatoria na construgao de uma escola libertadora.As questées ento desencadeadas reuniram muitos educado- res interessados em debaté-las. 9 ditora Mediagao 10 Anlagio mediadora Essa segunda obra ¢ principalmente consequéncia dos debates e estudos que se seguiram. Significa ato continuo, como prosseguimento de discussio, de reflexio, de relato do cotidiano dos professores em termos de avaliagio. Ela é resultante de uma constante busca tedrica para responder as questdes que surgiram nos debates, acompanhamento de Projetos e assessoria a escolas e,a0 mesmo tempo, imagem, reflexo de vivéncias de educadores com quem desenvolvi esses estudos ao longo de minha carreira docente. Nao poderia nomear a todos que se fazem presentes nos exemplos,nos relatos,nos questionamentos desencade- adores dos textos aqui apresentados. Mas posso dizer que slo professores de varios lugares desse pais, ousados ¢ co- rajosos a ponto de também tentar desafiar esse mito. Suas perguntas, suas historias, suas indignaces e paixdes no po- deriam ser expressas em apenas uma obra Tarefa dificil, gual- mente,o aprofundamento em todas as questées sugeridas. Mesmo assim tenho a esperanca de que eles se reconhe- sam como personagens de situagdes relatadas,assim como encontrem fundamentos para algumas de suas perguntas. Os caminhos porventura tracados representam sempre tentativas provisérias de explicitacao teérica sobre alguns procedimentos, descrevem experiéncias de alguns profes- sores que, em sua (nossa) ousadia, apontam possibilidades dessa pratica. Sempre por discuti-las,negé-las,contradizé-las a partir de novas reflexdes, do ajuste a realidade de cada professor, de cada escola ou regiao. Esse tem sido 0 caminho que procurei tracar até entio no aprofundamento dos principios da avaliago mediadora, aitora Mediagio Jussara Hofmann 11 Formular muitos porqués (que, por vezes, angustiam alguns professores), contar muitas histérias, tendo como ponto de partida, principalmente, as duvidas e 0 cotidiano das escolas em avaliacio. Na maioria das ocasiées, alunos e professores mostra- ram-se indignados com a avaliacio tradicional. Desenharam monstros e os encarceraram, ao menos em suas imagens... Estou apostando na grossura dessas barras! Na transforma- ‘so do monstro! Talvez pela tenacidade de muitos educado- res em sugerir o amanha da avaliagao como metamorfoses dessas imagens negativas. Mas isso exige tempo, amadurecimento, evolugio. Os textos desse livro revelam, sobretudo, um tempo em que se discute ferrenhamente uma perspectiva de avaliacao que se contraponha a pratica tradicional. Porque, nao ha como negar, nas tltimas décadas, o tema ressurgiu com muita forga nos meios educacionais. E preciso, porém, respeitar a sua complexidade, digni- ficando toda e qualquer tentativa, respeitando o tempo necessério para o amadurecimento, buscando-Ihe o ver- dadeiro sentido em diregao a uma educacao igualitaria e libertadora que tenha sentido de vida. Leio em Andreola (1993, p.41): Este deveria ser nosso desafio maior de intelectuais e de pesquisa- dores deste fim de século e de milénio: reinventar um conhecimento que tenha feigSes de beleza: reconstruir uma ciéncia que tenha sabor de vida e cheiro de gente, num século necréfilo, que se especializou na ciéncia e na arte da morte, da guerra e da destruiczo. Editora Mediagio 12 Arakasio mediadora ‘As tentativas nessa diregao ampliam-se gradativamente a0 longo dos ultimos anos. Ha muitos e muitos personagens fazendo parte dessa hist6ria,acreditando que ¢ preciso tra- balhar por uma escola que respeite o educando de todas as idades, que 0 acolha em suas desesperancas e desperte-Ihe confianca no futuro. Anénimos, muitos professores per- manecem em siléncio quanto a suas conquistas, humildes € orgulhosos, bastando-Ihes 0 respeito que lhe conferem os alunos. E o meu dever chamar por eles, retira-los do anonimato e convocé-los a divulgagio dos seus feitos. Experigncias em avaliacdo mediadora precisam ser am- pliadas, pela conquista de novas parcerias e também pelo ataque aos céticos. Esse continua a ser o desafio maior! Jussara Hoffmann Editora Mediagio POR UMA ESCOLA DE QUALIDADE ‘A maior polémica que se cria, hoje, em relagdo a uma perspectiva inovadora da avaliacio, diz respeito 4 questo da melhoria da qualidade de ensino.Acredito, mesmo, que nao poderia iniciar discutindo esse tema antes de abordar tal questio. Muitos fatores dificultam a superagio da pritica tra- dicional, jé tao criticada, mas, dentre muitos, desponta sobremaneira a crenca dos educadores de todos os graus de ensino na manutengao da aco avaliativa classificatéria como garantia de um ensino de qualidade, que resguarde um saber competente dos alunos. Essa no é apenas a concepgao vigente entre professo- res, mas a crenga de toda a sociedade e que transparece em noticidrios de jornais e da televisdo, nos comentarios de pessoas pertencentes a diferentes niveis sociais ou categorias profissionais. B éitora Mediagio 14 Avalagio mediadora As escolas justificam os seus temores em realizar mudancas a partir da séria resisténcia das familias quanto a tais inovacées, pela possibilidade do cancelamento de matriculas, por exemplo, nas escolas da rede particular e pela corrida em busca das escolas conservadoras. A verdade é que ha um sério descrédito em relacao as escolas inovadoras ¢ o sistema de avalia¢ao é um dos focos principais de critica da sociedade, uma vez que se constitui em componente decisivo na questio resultados, ou seja, produto obtido, em educacaof Enfim, a crenca popular é que os professores tendem a ser menos exigentes do que tradicionalmente e que as escolas nao oferecem 0 ensino competente a semelhanca das antigas geragées. Essa questo pode ser analisada a partir de trés pontos fundamentai 1. sistema de avaliagao tradi assegura um ensino de qualidade? 2.A manutengao das provas e notas é garantia do efetivo acompanhamento dos alunos no seu proceso de aprendizagem? 3.0 sucesso de um aluno na escola tradicional repre- senta 0 seu desenvolvimento maximo possivel? ional, classificatério, Avaliago classificatoria e ensino de qualidade? A primeira pergunta refere-se 4 crenga no sistema tradicional de avaliacao como responsavel por uma escola competente (uma visio bastante saudosista da escola exi- ulitora Mediagio Jussara Hofimann 15 gente, rigida, disciplinadora, detentora do saber) que, no entanto, no encontra respaldo na realidade com a qual nos deparamos nesse momento. Porque nao se pode considerar como competente uma escola que nao da conta sequer do alunado que recebe, promovendo muitos alunos a categoria de repetentes e evadidos. A problematica do acesso escolar pode ser vista de duas maneiras no meu entender:acesso como ingresso, por ‘oferta de vagas no ensino pubblico; acesso a outras anos e graus de ensino, por permanéncia do aluno na escola, por meio de um processo de aprendizagem continuo e que Ihe possibilite, de fato, o acesso a outros niveis de saber. Ora,a escola brasileira tem sido prédiga em construir barreiras para que tal acesso no ocorra, seja qual for a Perspectiva em que se venha a analisé-lo. Nao precisamos sequer recorrer a dados estatisticos para comprovar esse fato.A maioria das escolas piblicas apresenta o mesmo panorama: muitas turmas, de muitas criancas, nos anos iniciais do Ensino Fundamental; turmas Unicas, de poucos alunos, ao final deste segmento...Para cada 100 escolas de Ensino Fundamental, |0 escolas,em média, de Ensino Médio. indices assustadores de reprovacio nas classes de alfabe- tizago e quintos e sextos anos, principalmente, além de discutiveis indices de evasio (O aluno desiste, muitas vezes, quando percebe que ser reprovado!). Tal quadro nos leva a discutir sobre o papel da escola na questio do acesso em seus dois entendimentos, Os politicos, responsaveis pela criagio de escolas, apontam Editora Mediagio 16 Aalasio mediadors 0s indices de reprovacdo nas anos iniciais para justificar a inexisténcia de vagas para todas as criangas. Na verdade, mesmo que almejassemos ae negativos de reprovacio, nao haveria escola para todos(O que pretendo dizer é que, em primeiro lugar, no se pode falar em melhoria da qua- lidade de ensino sem antes atender 0 direito fundamental da crianga de ter acesso (ingresso) & escola. Por outro lado, 6 preciso perceber que 0 acesso (a outros niveis) passa a ser obstaculizado pela definicao de critérios rigidos de aprovagio ao final dos anos letivos, estabelecidos @ revelia de uma anilise séria sobre o seu significado e com uma variabilidade enorme de pardmetros por parte dos educa- dores, entre eles os alfabetizadores. Pretendo alertar, pois, que 0s professores sio muitas vezes coniventes com uma politica de elitizagio do ensino piblico e justificam-se por meio de exigéncias necessirias manutencao de um ensino de qualidade. ‘A énfase continua na testagem e, especificamente, os testes de Ql servem para legitimar um sistema de ‘estratificagao a) ‘escolas. A testagem proporciona uma justificag3o. nica para as diferengas individuais a fim de manter uma proviso constante de mao de obra barata e manter a estratificagio de classe[O papel das escolas em uma estrutura capitalista behaviorista é“produzir” trabalhadores que alimentam um sisterna econémico desigual (KAUFMAN, 1993, p. 94). ‘Aumentar 0 nimero de escolas, de turmas e de pro- fessores no resolve igualmente a questo do acesso dos alunos a melhores condig6es socioeducacionais. Muitas ddessas medidas administrativas ndo garantem a melhoria da Esitora Mediagdo Jussara Hoffmann 17 qualidade do ensino,mas apenas a ampliagao do ntimero de ofertas. Os alunos que engrossam a fila dos matriculados na rede publica, assim como os demais que permanecem, correm 0 risco de receberem um atendimento“barateado”, pela falta da qualificagio dos profissionais que os atendem, pela falta de infraestrutura administrativa e pedagogica das escolas condizente a tal demanda. Em suma, maior niimero de alunos matriculados pode, inclusive, significar indices proporcionalmente maiores de reprovacio e evaséo na escola piblica se nio forem discutidos os significados de tais indices.A discusséo mais urgente, entio, dos educadores é sobre o seu compro- misso de manter na escola esse aluno ingressante, mas Ihe favorecendo de fato 0 acesso ao saber e, por conseguinte (nao simplesmente por promové-lo), 0 acesso a outros graus do ensino (acesso como permanéncia, continuidade dos estudos), Uma melhoria da qualidade do ensino deve absorver 0 dois niveis de preocupaco: escolaridade para todas as criangas e escolas que compreendam essas criancas a ponto de auxilid-las a usufruir seu direito ao Ensino Fundamental no sentido de sua promogio como cidadaos participantes nessa sociedade; ou seja, que se perceba a educagio como direito da crianga e que se assuma 0 compromisso de tornar a prépria crianga consciente desse direito e capaz de reivindicar uma escola de qualidade. Se nos reportarmos a um principio saudosista da avalia- 40, correremos o grave perigo de negarmos a existéncia de Eiitora Mediagio 18 Aralagio mediators uma escola elitista, alicerce do capitalismo, e que reforga a privatizacéo da escola para a manutenco da pirdmide escolar. Essa escola seguiu sempre parametros de uma classe social privilegiada, onde a concepgao de crianga of desse ambiente:uma crianca atendida pelos pais,com recur- sos suficientes para bem se vestir,alimentar-se, manter-se limpa, usar uma linguagem culta, um vocabulario variado, manusear materiais gréficos com desenvoltura (Iépis, tesou- ra, cola,‘tintas, cadernos). Criangas cujo universo abrange, pelo minimo, varias cidades, muitos bairros de uma cidade, amplos horizontes, pelas suas condicdes sociais. rem do seu Educagio ..quando 0 senhor chega e diz “educaci mundo. O mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala vem dum outro lugar da vida dum pobre, como tem gente que diz. Compara- | ¢fo,no seu essa palavra vem junto com qué? Com escola, nio vern? | Com aquele professor fino, de roupa boa, estudado, livro novo, bom, caderno, caneta, tudo muito separado, cada coisa do seu jeito,como | deve ser...Do seu mundo vem estudo de escola que muda gente em doutor, € fato? Penso que 6, mas eu penso longe, porque eu nunca, viisso aqui (BRANDAO, 1980, in FREIRE, 1992), Tais parametros sugerem aos professores contetidos programiticos, atividades a serem realizadas, materiais a serem adquirides e, o que é mais grave, determinam, igualmente, critérios de aprovacao/reprovacao no Ensi- no Fundamental e Médio. Consequentemente, qualquer Dialogo travado entre um camponés de Minas Gerais ¢ professor & antropelogo Carlos Brandio, em uma pesquisa que realzou. Ele apresenta esse logo no Preticio do seu ivr. Euitora Mediagio Josars Hoffmann 19 refer€ncia saudosista a um ensino de qualidade, significa, automaticamente,a manutencao de uma concepcio elitista do aluno ingressante em qualquer escola. Ou seja, significa negar a pluralidade do “jeito de viver” dos nossos alunos e limitar nossa agao pedagogica no sentido de compreensio dessas realidades, E preciso atentar para o fato de que uma escola de qualidade é a que da conta, de fato, de todas as criancas brasileiras,concebidas em sua realidade concreta.E a escola, hoje,insere-se numa sociedade marcada por muita violéncia, miséria, epidemias, instabilidade econémica e politica. O ca- minho para o(desenvolvimento é uma educac4o iguali que acolha os filhos dessa geracio em conflito e projete essa geracio no futuro, conscientes do seu papel numa possivel transformacao. Se essa crianga desde logo for considerada como de um futuro impossivel, no tera nem um tempo justo de provar o quanto poderemos contar com ela. Provas e notas: redes de seguranca dos professores E interessante como os educadores reagem a questées de inovacao que digam respeito a metodologia tradicional de aplicagao de provas e atribui¢io de notas/conceitos periédicos. Nos cursos e semindrios, a maior expectativa deles € quanto a sugestées para realizar essa pratica de maneira mais coerente (até porque percebem as incoe- réncias nesses aspectos) sem, no entanto, refletir sobre 0 significado dessa metodologia. Editora Mediacio 20. Aralacio mesladors Frequentemente apresento a gravura seguinte para ilustrar essa questéo: REDE DE SEGURANCA RODAS PARA MANTER OCAVALOEM PE ‘A figura do cavaleiro foi-me oferecida por um engenhei- ro que trabalha com seguranca do trabalho. Comentava com ele a necessidade que se tem em encontrar “mecanismos instrumentos sofisticados” em avaliagao, antes de questionar 0 verdadeiro significado dessa pratica. Ele lembrou-se dessa figura. Porque os engenheiros, muitas vezes, criam novos instrumentos de seguranca, mas néo se preocupam em formar trabalhadores que tomem cons- ciéncia do que tal equipamento significa para sua sobre- vivencia. Os educadores, em geral, discutem muito “como Editora Mediagio ASCES” Biblioloca fazer a avaliagdo” e sugerem metodologias diversas, antes, entretanto, de compreender verdadeiramente “o sentido da avaliagio na escola”. Nio hé ordem opressora que suporte que um dia todos os homens: acordem perguntando: por qué? Por isso € necessério proibir 0 porqué, € necessério proibir 0 pensar Por isso, a escolarizacio é a proibico do pensar, € a adaptagdo dos homens ao nio pensar (FREIRE, 1979, p. 116). Mas, sem diivida, esse nao é um comportamento que se observa apenas nos professores, porque toda a sociedade vem se manifestando no mesmo sentido, ou seja, reagindo quando se fala em abolir o sistema tradicional de realizacéo de provas obrigatérias e atribuigéo de notas e conceitos periodicamente, basicamente como “uma rede de seguran- 6a” que se constituiu sem se refletir exatamente por qué. Nos anos 90 surgiram como programas de governo,em Estados brasileiros, propostas de progressao continuada para o Ensino Fundamental, em resposta, justamente, a séria constatagao sobre indices de evasio e repeténcia na escola piblica. Nesse sentido, poderiamos citar os projetos da Secretaria Municipal de Educagio de Sao Paulo, 1992, e da Secretaria Estadual de Educagio do Rio de Jansire, 1992, ambos na diregdo de uma progressio continuada! dos alunos nas séries iniciais do Ensino Fundamental’. Na *0 projeto da Secretaria Municipal de Educacio de Sto Paulo propunha mu- dangas na divisio tradicional de oito séries escolares no Ensino Fundamental e redefinia a seriagio em trés etapas ou ciclos (I*,2" e 3° sére;, 4,5" e 6 séries; © 7" e 8 séries). A avaliagio passou a ser semestral e por conceltas.A aprova- Editora Mediagio 22 halacio medida verdade, tais projetos pretenderam ampliar experiéncias como a de estudes continuos ou blocos tinicos nas duas primeiras séries, desenvolvidas em Santa Catarina e outras localidades brasileiras hé alguns anos. Em 1992 participei de um Seminario promovido pela Secretaria de Educagao do Estado do Rio de Janeiro, reali zando palestras para dois grupos de professores estaduais. Senti a enorme preocupacio dos professores quanto proposta delineada. E principalmente a sua resisténcia em mudar metodologias ha décadas configuradas, Naquela ocasiao, entusiasmei-me pela possibilidade que teria de conversar com esses professores sobre uma questo essencial: 0 principio que venho defendendo de que qualquer proposta pedagdgica de nio reprovacio (re- gimes nao seriados) no Ensino Fundamental néo pode ser entendida pelos professores como uma proposta de no avaliacaofPorque se percebe em suas falas que entendem propostas de progressio continuada como total eliminacéo da pratica avaliativa nas escolas; Ha muitos anos investigo o significado da avaliagéo entre 10 educandos e educadores de todo o Brasil.A configura- Gao do mito é clara e consistente. Quando representam a (Go de uma série a oucra em cada ciclo era automatic, s6 havendo reprova- (Go na passagem dos alunos de um ciclo para outro, quando entio ele repetia. 2 kima série desse ciclo. O projeto da Secretaria de Educagio do Estado do Rio de Janeiro propunha progressio continuada nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, com aboligio do sistema tradicional de provas periédieas e atribuigio de notas nessas series e avaliagio dos alunos como um sistema de acompanhamento permanente @ continuo, Editora Mediagio Jusears Hofmann 23 : Jb avaliago por meio de imagens, surgem carrascos, ae relampagos e trovoadas.? Entretanto, os fantasmas da avalia¢ao so muito menos representativos do processo como um todo do que de elementos constituintes desse processo: provas, notas € registros de aprovacio/reprovasio. (© entendimento do processo em sua amplitude é res. trito a poucos educadores. Quando se questiona sobre a possibilidade de eliminar a avaliagao da escola,ha inumeros e entusiasmados adeptos dessa hipétese. Observo, nessas horas, que nao € ao processo amplo que se referem, mas a obrigatoriedade de realizacao de provas e atribuicio de notas finais. Para intimeros professores, pela sua histéria de vida € por varias influéncias sofridas, a avaliagio se resume a decisio de enunciar dados que comprovem a promogio ‘ou retencao dos alunos. E uma penosa obrigaco a cumprir na sua profissao, que deve ser exercida da forma mais séria (rigida?) possivel e no menor tempo de que possam dispor! Livrar-se dela & absolutamente “uma delicia”, nas palavras de uma professora paulista. A questo que coloco é de que forma tais professores vém interpretando, no seu cotidiano, propostas de pro- gressio continuada? Pois, se apenas aplicam provas aos alunos por obrigacao do sistema, por ter de enunciar e comprovar resultados periédicos e finais do aluno, essas Imagens representativas de avaliagio no livro de minha autoria: Avaliacio: mito & desafio. Uma perspectiva construtivsta Porto Alegre: Mediagio, 1991 Editora Mediagie NAO RISOITR 24 Anaigio mediodora propostas passam a liberd-los de quaisquer compromissos nesse sentido. Ou seja, se antes s6 realizavam provas finais para constatar resultados, entio, agora, nem isso ne- cessario fazer. Podem simplesmente “dar suas aulas”, sem se preocupar em ver 0 que 0 aluno sabe ou nao sabe, jé que ele ser aprovado mesmo. Comprovam essa hipétese as palavras de um professor/pesquisador entrevistado a respeito dessa questio: Proibir a repeténcia ¢ um suicidio total uma demagogia de baixissimo nivelincompativel com a tentativa do Brasil de sair doTerceiro Mun- do. se depois de cito anos descobrirem que o aluno & analfabeto,0 que vio fazer? Matar o aluno para nfo comprometer a modernidade do pais? Parece-me que é isso que esta sendo proposto! ©GLOBO, 01 dez. 1991,p. 18) Seus comentérios sugerem que uma proposta de pro- gressio continuada automitica significa abandono total do aluno pelos professores, porque, caso contrario, como se suporia que um professor levasse oito anos para desco- brir que o aluno nao escreve, nao lé, ndo realiza nenhum exercicio? E preciso perceber que tal depoimento reduz a pratica avaliativa a realizagdo de provas obrigatérias e & atribuigio de notas para fins burocrdticos e dessa forma sugere que, ao nao ter de aprovar/reprovar, deixe o pro- fessor também de avaliar (no sentido de observar, realizar tarefas, orientar). Ou seja, que nao reprovagao significaria nio avaliagdo. Hustro minhas consideragées com tal depoimento para reforgar minha tese de que qualquer proposta de pro- Editora Mediacio Jussara Hoffmann 25 ASCES - Biblioteca gressio continuada que parta de tais consideracées pelos educadores, sem o repensar da pratica avaliativa no Ensino Fundamental, corre 0 risco de maximizar 0 abandono as nossas criangas. Nao concordo, ao mesmo tempo, com a afirmago de que evitar a repeténcia reforca nossa condicao de pais do Terceiro Mundo. Porque paises, como a Itilia,a Franca ea Alemanha, vém perseguindo tais principios ha muitos anos, praticamente zerando indices de repeténcia e analfabetismo a partir de tais propésitos. O que podemos perceber a partir do depoimento de um Inspetor da Educacéo Na- cional da Franca: Nio estamos mais tio preocupades com que aluno cumpra lum determinado némero de anos ou de programas, mas sim em possibilitar-Ihes, a0 méximo, um percurso individualizado. Para cada Ciclo de aprendizagem, o Ministério de Educacio definiu objetivos a serem atingidos. Nesse sentido ha uma avaliagiio, mas 0 fato de no compartimentar a aprendizagem por ano letivo ¢.pragramas fecilita uma aprendizagem mais individualizada (Bernard Capet, Inspetor da Educago Nacional da Franca, em entrevista & Revista Nova Escola, set/1991,p. 18-20, grifo meu). Importar tal modelo? Nao é possivel, porque naqueles paises o Ensino Fundamental é um direito de todas as crian- 65, no ha evasio no ensino obrigatério e sua proposta bisica € dar escola para todos, formar e valorizar © pro- fessor. Mas, apesar da nossa realidade, seriamente distante ainda do panorama de tais paises, parece-me altamente contraditério defender uma pratica classificatoria e seletiva em nome da modernidade do pals. Editora Mediagio NAO RISaTTR 26 Avalingio mediadora ‘A concepcio que pretendi explicitar dos professores sobre a defesa da manutengao das provas e notas obriga- torias ndo se restringe aos educadores em geral. E idéntica a visio dos alunos a respeito desse tema, das familias e da sociedade. O significado da avaliagao na escola alcanga um significado préprio e universal, muito diferente do sentido que se atribui a essa palavra no nosso dia a dia. Percebe-se © aluno sendo observado apenas em situagdes programadas. E natural, portanto, que os governantes, os pais, os préprios alunos resistam a inovacdes nesse sentido, porque Ihes parecem propostas de abandono. As notas e as provas funcionam como redes de segu- ranga em termos do controle exercido pelos professores sobre seus alunos, das escolas e dos pais sobre os profes- sores, do sistema sobre suas escolas. Controle esse que parece no garantir 0 ensino de qualidade que pretende- ‘mos, pois as estatisticas so cruéis em relagao a realidade das nossas escolas. Diante desse fato, surge uma questio: faz sentido um sistema se- riado numa escola bisica, em que se pretende que o aluno vé num processo crescente de construsao de um conhecimento bisico que lhe permitira viver na sociedade como um cidadio participante? Ou seré mais adequado eliminar as séries e no bloquear esse processo de construcio do conhecimento? (LUDKE; MEDIANO, 1992, p.44) A verdade é que tal sistema classificatério é tremenda- mente vago no sentido de apontar as falhas do processo. ‘Nao aponta as reais dificuldades dos alunos e dos pro- Editora Mediacio Jusara Hoffmann 27 fessores. No sugere qualquer encaminhamento, porque discrimina e seleciona antes de tudo. Apenas reforsa a manutengao de uma escola para poucos. ‘Sucesso na escola e desenvolvimento do educando Até entio venho repetindo, em diferentes contextos, o termo qualidade. E esse termo, também em avaliagio, en- contra muitas interpretacées. Ele esta presente em textos tedricos, em resoluges dos érgios oficiais de educacio, nos regimentos das escolas, nas falas dos professores e, hoje, toma um grande impulso a partir das empresas, que divulgam programas de “qualidade total” (Muitas escolas particulares estudam esses programas e a teoria que os fundamenta). Convém, portanto, tratarmos dele em relacao a avalia- 40, na introdugio da terceira questo: 0 sucesso de um aluno na escola tradicional representa o seu desenvolvi- mento maximo possivel? Muitos professores, principalmente, parecem discutir hoje 0 “aluno nota 10”. Pais, que séo educadores, entre outros, nem mesmo pretendem que seus filhos tenham tal perfil. Observamos, com frequéncia, histérias contraditorias de maus alunos que se tornam excelentes profissionais. Ou 0 inverso, alunos nota 10 em cursos superiores que realizam estagios profissionais mediocres.|Por outro lado, nem sempre os comentarios dos professores sobre falta de concentracao, auséncia de raciocinio légico, desinteresse em Fditora Mediagio 2B _Aralagio medadora Participar das atividades e outros esto de acordo com a Percepcao que temos dos filhos em situacdes extraescolares Aonde pretendo chegar a partir de tais consideracdes? A seguinte pergunta: em que medida a escola parece hoje alcangar um ensino de qualidade no sentido de desenvolver as possibilidades dos educandos? O sucesso alcancado por alguns (notas altas, primeiros lugares) representa, de fato, sua formagio no sentido de um individuo capaz de desco- brir alternativas para enfrentar o mundo atual, descobrir-lhe 0 enigmas e enfrenté-los corajosamente? Kamii (1991) aponta os resultados de um grupo de Pesquisadores sobre o desenvolvimento do pensamento ritico e légico dos jovens americanos. Diz a autora: Os pesquisadores descobriram que 25% ou pouco menos eram capazes de sélidas operacdes formals. No ambito moral, néo preci- samos de nenhuma evidéncia de pesquisa para saber que a maioria dos adultos ¢ subdesenvolvida em relagéo ao seu potencial, Basta abrir 0 jornal diariamente para constatarmos a corrupcio na vida Publica e vérios atos imorais na vida privada.A maioria dos adultos aru num nivel bastante abaixo do seu potencial (pig. 14). que a autora pretende alertar em seu texto é sobre a desvinculagao dos objetivos da escola tradicional com o desenvolvimento miximo possivel dos alunos. No quadro abaixo, ela nos diz que o sucesso do aluno na escola e desen- volvimento maximo possivel néo podem ser representados Por circulos que se sobreponham perfeitamente. Ha uma Pequena intersecco entre eles Editora Mediagio Jusara Hofmann 29 Desenvolvimento ‘Sucesso maximo na possivel escola A parte que nio se sobrepée 20 circulo(..) refere-se as respostas “corretas” que os estudantes aprendem somente para satisfazer 0 professor e passar nos exames.A maior parte desse tipo deapren- dizado” 6 esquecida assim que o exame termina (p. 14) Um grupo de professores municipais, de Nova Petrépolis/ RS, estabeleceu o seguinte paralelo entre essas duas questdes: Sucesso na escola Desenvolvimento tradicional maximo possivel memorizagio aprendizagern notas altas compreensio obediéncia questionamento passividade participacdo Talvez pudéssemos discutir teoricamente as possiveis relagdes entre esses termos apontados por eles (foram usadas outras expressdes além dessas), mas a intengao Ealitora Mediagio 30 Avalacio medadors de relatar a tomada de consciéncia que esses professores © muitos outros revelam sobre o caminho a perseguir na escola na questio de sua qualidade.A oposi¢ao que se es- tabelece nesse quadro revela a esperanca dos professores numa relacao dialégica em sala de aula, de compreensio, questionamento, participacao, oposta a educacao percebi da como transmissio, imposicio de ideias e de condutas. Posturas inconcilidveis, como diz Becker (1993), entre a educacio bancéria e a consciéncia critica:“..quanto mais 0 educando for objeto dos conhecimentos nele depositados, menos condigées terd de emergir como sujeito de consci éncia critica, condigio esta de sua insercao transformadora no mundo” (p. 145). © temeroso é que a escola vem perdendo gradativa- mente o sentido critico necessario a vida que enfrentamos hoje.A crianga e o jovem frequentam as escolas, mas no “vive” a escola. As perguntas da escola nao esto para serem respondidas ou descobertas no seu dia a dia, ou Para Ihes auxiliar a enfrenté-lo."Escola é escola” para eles, a vida é diferente. Uma frase escrita no quarto de uma adolescente diz: ‘Quanto mais eu vou a escola, mais eu estudo, quant ais eu estudo, mais eu aprendo, quanto mais eu aprendo| ais eu esqueso, entio para que ir a escola? O que revelaa sua concepgio de escola para memoriza- do de fatos que nao adquirem significado algum ao longo de sua vida, fatos transmitidos, memorizados, esquecidos. Editora Mediacio ee ‘SORE - Biblioteca Numa perspectiva construtivista da avaliagio,a questo da qualidade do ensino deve ser analisada em termos dos objetivos efetivamente perseguidos no sentido do desen- volvimento maximo possivel dos alunos, 4 aprendizagem, no seu sentido amplo, alcancada pela crianga a partir das oportunidades que o meio Ihe oferece. Por que conhecimento possivel? Explica-se:porque a capacidade de conhecer é fruto de trocas entre 0 organismo e o meio. Essas trocas so responsiveis pela construgo da prépria capacidade de conhecer; sem elas, essa capacidade nao se constréi (RAMOZZI- CHIAROTTINO, 1988, p. 6). A escola, portanto, nessa concepsio, torna-se extre- mamente responsdvel pelo possivel, a medida que favo- rece oportunidades amplas e desafiadoras de constr conhecimento. Se, entio, tratamos de qualidade do ensino, o termo podera ser interpretado diferentemente: na concepcéo de avaliacao classificatoria,a qualidade se refere a padrées preestabelecidos, em bases comparativas:critérios de pro- mosao (elitistas, discriminatérios), gabaritos de respostas as tarefas, padrdes de comportamento ideal. Uma qualidade que se confunde com a quantidade, pelo sistema de médias, estatisticas, indices numéricos dessa qualidade. Sem desconsiderar que ha causas, fora da escola, que condicionam as dificuldades e insucessos dos alunos, é preciso verificar também, dentro da escola, como esta vem tratando as suas dificuldades ¢ pro- duzindo os seus fracassos. Reconhece-se que também na escola, por rmecanismos mais ou menos explicitos, hé uma pratica discriminatéria aitora MediagSo 32 Avalagle medadora que acentua um processo de selesio e manutencio da hierarquia social, Ai situa-se 0 processo de avaliacio da aprendizagem que reflete ¢ € um reflexo da dindmica escolar (SOUZA, 1991, p, 103) Contrariamente, qualidade, numa perspectiva mediadora da avaliagio, significa desenvolvimento maximo possivel, um permanente “vir a ser”, sem limites preestabelecidos, embora com objetivos claramente delineados, desencade- adores da aco educativa. Nao se trata aqui, como muitos compreendem, de nio delinearmos pontos de partida, mas, sim, de nao delimitarmos ou padronizarmos pontos de chegada. Parece-me que muitos deixaram de fazer perguntas essenciais a escola: — Os alunos desenvolvem-se moral e intelectualmente? — Estéo ativos, curiosos, felizes nesse ambiente? — Quais os seus avancos, as suas conquistas? ~ Que oportunidades de refletir sobre a vida a escola Ihes oferece? — Que projeto de vida eles enunciam? — Em que medida a escola vem contribuindo para que 0 seus projetos se tornem possivei: Encontro esse sentido em Freire (1992): Nao hd como nao repetir que ensinar no é a pura transferéncia ‘mecinica do perfil do contetido que o professor faz 20 aluno, passivo €¢décil. Como nic ha também como nao repetir que, partir do saber ue 0s educandos tenham no significa ficar girando em torno deste Editora Mediagio Jussara Hoffmann 33 saber. Partr significa pér-se a caminho,ir-se, deslocar-se de um ponto a outro € nao ficar, permanecer (p, 70-71), Assim, se lutarmos por uma escola de qualidade, nao poderemos pressupor que essa escola apenas “aceite” as pré-condicdes socioculturais do educando e ai permaneca, regozijando-se apenas com os avancos que ele possa vir a demonstrar por essas condigdes ja adquiridas. Agindo a partir de um referencial no seletivo, a repeténcia deixard de existir: 0 aluno poderd ser lento nesse pro- ‘cesso, mas 0 processo de construso do conhecimento ¢ cumulativo @, em situagdes comuns, no € retroativo; nunca 0 aluno tera que voltar para tras, sempre teré ganho e terd possibilidade de prosseguir no proceso (LUDKE; MEDIANO, 1992, p. 123) O significado primeiro e essencial da aco avaliativa mediadora é 0 “prestar muita atengdo” na crianga, no jovem, eu diria “pegar no pé” desse aluno mesmo, insis- tindo em conhecé-lo melhor, em entender suas falas, seus argumentos, teimando em conversar com ele em todos os momentos, ouvindo todas as suas perguntas, fazendo-lhe novas e desafiadoras questdes, “implicantes”, até, na busca de alternativas para uma acéo educativa voltada para a auto- nomia moral e intelectual Autonomia, que segundo La Taille (1992, p. I7),"significa ser capaz de se situar consciente e competentemente na rede dos diversos pontos de vista e conflitos presentes numa sociedade.” Nesse sentido, entao, teremos perseguido uma escola de qualidade e para todas as criangas e jovens desse pai Eaitora Mediagio ASCES - Biblioteca AS CHARADAS DA AVALIAGAO TTenho apresentado a seguinte"‘charada” a grupos de pro- fessores e surgem respostas muito interessantes e variadas: Uma pessoa mora no 18° andar de um prédio de apar- tamentos. Todos os dias desce pelo elevador para ir ao seu local de trabalho.Ao final do expediente, retornan- do para casa, vai pelo elevador até o 13° andar e sobe os demais andares pela escada. Isso se repete todos os dias. Vocé saberia dizer por qué? Sugiro ao leitor que formule a sua resposta antes de prosseguir no texto. Quando surgem respostas cuja Iégica nao é entendida de imediato, muitos professores manifestam-se e pedem explicagdes, ou ajudam quem as disse a buscar coeréncia. E cada resposta que surge acaba por sugerir varias outras, um tanto “cémicas” inclusive. 35 ditora Mediagio 36 Avalagio medadora Algumas das respostas: — Essa pessoa pretende fazer exercicio para emagrecer. —Vai visitar a mae que mora no 13° andar. ~ Apanha a chave do apartamento no vizinho desse andar. —Molha as plantas desses cinco andares todos os dias. —E supersticioso, o 13 the da sorte. ~O elevador s6 vai até o 13° ( Resposta muito discu- tida pelos participantes). — Quer apanhar a mulher de surpresa. Geralmente, um ou dois professores descobrem, sem pretendé-lo, a resposta que esta na “folha de respostas” do livro de charadas. Muitos perguntam sempre qual é a “resposta certa” entre todas (Se o leitor também estiver curioso,a resposta é:a pessoa é tio baixinha que sé alcanca até o 13° dentre os botdes do painel do elevador).Surgem, entio, muitos comentirios, risadas e exclamagées quando aponto o professor “acertador’ — Ele tem o livro de charadas em casa! — Ele viu a resposta no seu material! Tenho iniciado por essa brincadeira porque a considero uma boa estratégia para introduzir a pergunta: por que um aluno ndo aprende! Pois essa questo é também uma das charadas que a prética avaliativa nos propée. E uma das mais complexas, sem divida alguma! Tradicionalmente, parece que temos procurado respos- tas certas, uniformes, para essa pergunta que,a semelhanca Editora Mediacio Jusaea Hofimann 37 da charada inicial, pode ter varias respostas possiveis logicas, uma vez que se refere a realidades diferentes, indi- viduos difererites, vivendo, cada um, sua prépria experiéncia de_vida. Ha também a interpretacao das respostas pelos professores a partir de seu jeito de perceber as coisas. Ora, no caso da charada anterior, as muitas respostas sugeridas pelas pessoas sdo validas e ldgicas. No entanto, é curioso,em primeiro lugar, que sintam a necessidade de saber a resposta do livro e, em segundo, que sempre surjam comentérios de davida sobre o fato de alguém ter descoberto uma resposta um tanto diferente da dos outros, um tanto esperta talvez. / Asemelhanga dessa situacao, o que foge ao normal,ao padrao, 6 motivo de estranheza em situacao de aprendiza- |gem: respostas muito diferentes dos alunos, por exemplo, ‘ou apenas um que acerta todas as questdes da prova. \\ Numa ocasido me surpreendi com a resposta do Mar- celo;professor de uma escola em Ipatinga, Minas Gerais. Ele respondeu a charada dizendo: —A minha resposta é NAO SEI! Como iria sabé-lo? Interessante a surpresa que senti com a resposta “néo sei! Foi uma resposta inédita.A tendéncia dos professores ade omitir suas incertezas, possiveis dividas que possam ter. Por que um aluno nao aprende? © que pretendo sugerir € que os educadores passaram muitos anos buscando a objetividade,a preciso, as respos- tas certas para os problemas de aprendizagem dos alunos. Editora Mediacio 38 _Aralagio medadora Pouco se disse“‘nio sei” as situagées complexas enfrenta- das e muito se buscou em manuais e regimentos a justificativa para a tomada de decisées sobre situacdes extraordinarias com os alunos. Deixou-se, assim, de refletir sobre como se dé 0 conhecimento pela rotina de repetir os encaminha- mentos convencionais, reproduzindo a pratica avaliativa das geragdes mais antigas. Mas, hoje, muitos questionam os ditames da avaliacio tradicional, discordando, denunciando a sua incoeréncia. O que esta dificil é acreditar que existam muitos caminhos possiveis para essa pritica, desde que te- nham significados légicos. Nao se trata de buscar respostas nicas para as varias situacdes enfrentadas, mas construir uma pratica que respeite o principio de confianca maxima na possibilidade de o educando vir a aprender, Tal principio converge para posturas construtivistas em educagia. Compreender e perseguir esse principio, entretanto,nao parece ser uma questio tio simples. Uma jovem professora, que dizia trabalhar nesse sentido, fez a seguinte pergunta: — Estas querendo dizer que se um aluno nao aprende no é porque ele nao presta atencio? Ela demonstrou surpresa diante dessa possibilidade que enunciei, ou seja, com o fato de existirem outras razes possiveis que levem o aluno a nao aprender que nao seja a sua desatencao a explicagio da professora. A sua per- gunta fez-me perceber © seu “ndo dar-se conta” de estar revelando uma concepsao de conhecimento discordante da postura epistemolégica que enunciara. Eaitora Mediasio Jusara Hotimann 39 Passei, entio, a incluir a discussio sobre tal questo nos cursos e semindrios que realizei a seguir: Parece-me que nao haveria mesmo como fugir dessa discussio, porque, de certa forma, é ela que motiva muitos professores a repensarem sua pratica avaliativa, Diria que enfrentamos algumas situacées caracteristicas com nossos alunos. Uma delas refere-se aos alunos que participam das aulas, realizam todas as tarefas, estio atentos as explicagdes do professor e aprendem, alcancam bons resultados de aprendizagem. Outra situagio refere-se aos alunos que faltam a muitas aulas, nao realizam as tarefas, sio agitados e desatentos e nao aprendem. Essas duas si- tuagdes nés explicamos muito bem. Os alunos agitados e desatentos sio problemas que buscamos resolver, mas se entende o seu mau resultado de aprendizagem. Entretanto, ha situagSes que fogem a explicagio tradicional-alunos sem- pre“agitados” que nao apresentam dificuldades mais sérias. E alunos que esto presentes as aulas, atentos, realizam as tarefas, perguntam, sio “comportados”, nio demonstram problemas emocionais e nao aprendem. Como explicamos a ultima situago? Ora, tradicio- nalmente, a culpa, entio, € remetida ao professor ou ao aluno, muitas vezes encaminhado a psicélogos, especialistas ou considerado carente e irremediavelmente sujeito ao fracasso escolar. Um professor de quimica, Ensino Médi comentou em seminari ~ Se dos 35 alunos de minha turma, 32 aprendem trés no aprendem, a culpa no é minha! Eaitara Mediagio NAO RISQUE 40 Avalide mediadora ‘Ao mencionar uma possivel culpa, ele revela que teme tal responsabilidade por alguns casos que ele talvez nao saiba como explicar. Dai, entio, a ansiedade do educador em discutir avaliagéo, em entender os porqués de alunos como esses. Por isso, diria, que a ultima situacao, principal- mente, é a que vem reunindo os professores em seminarios @ encontros sobre avaliacao. Considero muito importante discutir os entendimentos sobre fracassos de aprendizagem, porque “as enunciadas culpas” sobre tais fracassos podem significar um dos maio- rres entraves a discussao entre os professores sobre a sua pratica avaliativa nas escolas e universidades. Sentindo-se responsaveis, ndo ha didlogo entre os educadores a esse Tespeito, nao ha trocas ou sugestées entre eles. Em sua concepcao behaviorista de aprendizagem; muitos profes- sores partem do pressuposto de que qualquer assunto poderia ser ensinado a qualquer aluno,desde que com certa competéncia, independente de sua idade ou estagio de desenvolvimenta/Acrescente-se tal visio a influéncia sofrida por eles do apriorismo (a psicologia da Gestalt), que 0s torna ainda responsaveis em buscar técnicas de motivacéo, para"mexer” com o aluno e fazé-lo interessar- se pelo objeto de estudo. Concebida de tal forma a aprendizagem, nada mais natural que se busquem justificativas para o fracasso que digam respeito aos dois sujeitos essenciais desse processo: professor e alurio. Discutir 0 fracasso, nessa visio, significa delinear a incompeténcia do professor em transmitir Editora Mediacio ssi assunto com eficiéncia ou encontrar 0 estimulo adequado para despertar a motivagao pelo tema em estudo. Por parte do aluno, significa analisar o carater de sua desatengio ao estimulo selecionado ou incapacidades varias de perceber aquela experiéncia como Ihe foi apresentada. Dado 0 envolvimento afetivo que o professor acaba tendo com sua Pratica profissional,é inevitavel que o fracasso de seus alunos acabe Por atingi-fo em sua autoimagem, colocando em questio sua propria ‘competéncia. Na medida em que no consegue articular este fato @ falta de assisténcia técnica, &instabildade funcional, aos baixos salé- rios, & auséncia de recursos didéticos, e & prépria mé qualidade de sua formagio, ele tem apenas as alternativas, ou de assumir também © fracasso, ou de buscar entre os indicadores mais imediatos os su- postamente responsavels. Eo que mais diretamente gana visibilidade para ele 6a situagio de caréncia dos alunos com os quais se defronta « cada dia em sala de aula (MELLO, 1985, p. 95), Utilizam-se, entéo, 0s professores de escudos e armadu- ras para resistir a quaisquer ataques no momento de apre- sentagio dos resultados. Indices de reprovacao elevados? A culpa estd nos anos anteriores, nos professores anterio- res, Sdo esses considerados competentes? Entio a turma de alunos é rebelde, indisciplinada, desatenta. Nao é esse © perfil dos alunos? Entio sao incapazes, mesmo, carentes, esfomeados. Sugestées de outros colegas que deram certo? Nem pensar! E utopia, entusiasmo de professor novo! As posturas conservadoras e resistentes acabam por impedir que haja o didlogo efetivo entre os professores e destes com os alunos, com as familias. Nao se dio, dessa forma, a reflexo conjunta e © aprofundamento teérico Editora Mediacio 42. Avago mediadora necessario para se evoluir nessa problematica.Ampliam-se as listas de justificativas! Sio desmesurados os indices de repeténcia e evasio no ensino piblico. llustram tais consideracdes as respostas de um grupo de professores & questa: Por que um aluno no aprende? ~O aluno nao se interessa pelo contetido da escola (30) — O professor desenvolve metodologias inadequadas 9 e a aluno apresenta caréncias diversas (doencas, mi- séria, falta de tempo para estudar) (27) = O aluno enfrenta problemas familiares e/ou desin- teresse dos pais por seus estudos (20) =O aluno tem dificuldade de aprender (16) —O aluno nfo se concentra na aula (10) =O aluno apresenta problemas de relacionamento com professores e colegas (10) —O aluno nao apresenta maturidade (06) —Oaluno nao tem oportunidade de expressar suas ideias a0 professor (03) ~O professor apresenta falta de conhecimento quanto a questées de aprendizagem (0!) _ (Respostas obtidas de um grupo de 30 professores \, estaduais de Educacao Infantil, Ensino Fundamental e ‘Medio, reunidos em semindrio em Porto Alegre) Fditora Mediasio Jussara Hofmann 43 © que se percebe em suas respostas? A totalidade dos respondentes (30) justificou a nao aprendizagem pela falta de interesse dos alunos em relagao ao conte- Udo desenvolvido, e a quase totalidade pela metodolog inadequada do professor (29). Essas duas justificativas, por si s6, revelam a grande responsabilidade que tais professores conferem a si préprios, de acordo com as consideragdes anteriormente desenvolvidas. Sem diivida, eles dividem essa “culpa” com os alunos, esses, por que séo considerados desinteressados, os professores, por nao serem capazes de despertar-lhes a motivagio. .No mesmo quadro, observamos outras dificuldades que dizem respeito ao aluno e nao ao professor. O aluno, en- to, passa a ser um misto de réu e de vitimal Observe-se que, na maioria, os respondentes sugeriram mais de uma hipotese para a questio proposta, dai o grande ntimero de alternativas. Esto presentes nessa lista muitas respostas que pode- riamos analisar com maior profundidade, como as ques- t6es socioafetivas, de caréncias, relacionamento, questdes familiares que vém sendo abusivamente consideradas como justificativas de todos os males na escola. Um grande nime- ro de criangas, hoje, de escolas piblicas e particulares, vm sendo encaminhadas precocemente a terapeutas de todas as especialidades/ Qualquer atitude diferente é considera- da imediatamente anormal e motivo de encaminhamento. ‘As questdes cognitivas ai presentes também preocupam, como a sugestio de incapacidade intelectual de alguns Editora Mediagio NAO RISaTTR 44 Avaliagio mediadors alunos, o que reforca sobremaneira a classificagio a priori dos alunos em capazes e incapazes sem sequer Ihes dar uma chance de provar 0 contrario. Dentre todas essas respostas, contudo,chamo a aten¢io para duas delas.Apenas trés professores em 30 enunciam a auséncia, na escola, da relacdo dialégica necessaria a0 processo de construgio do conhecimento: ~ O aluno no tem oportunidade de expressar suas ideias ao professor! Ou seja,o aluno nao aprende porque no tem a oportu- nidade de revelar o que pensa, discutir suas ideias, elucidar suas dividas! E somente uma resposta aponta a necessidade de se repensar a formagio dos professores: —O professor apresenta falta de conhecimento quanto a questées de aprendizagem. © que nos levaria a pensar se muitas vezes nio se diz que 0 aluno nao aprendeu porque nao compreendemos, de fato, 0 que significa aprendizagem em termos da com- plexidade dessa questio. Os responsaveis pelo fracasso: professor, aluno ou sociedade? Chegamos assim a determinadas praticas na escola que se configuram, tradicionalmente, a semelhanga da situago que exemplfico a seguir: Eaitora Mediagio Jussara Hofmann 45 Magali é aluna do sexto ano de uma escola estadual. | Durante © Conselho de Classe do segundo bimestre, 05 professores de portugués, geografia e historia fala- ram que a menina apresentou muitas dificuldades nes- sas matérias, nao tendo alcangado conceitos de apro- vacao. Magali apresentou bom desempenho em outras disciplinas conforme os conceitos apresentados pelos outros professores, principalmente em matem Os professores, reunidos em Conselho, deci encaminhar & aluna as seguintes recomendagées: PRESTAR MAIS ATENCAO EM AULA REALIZAR TODAS AS TAREFAS SOLICITADAS PLANEJAR MAIOR TEMPO DE ESTUDO EM CASA © que se observa nessa situacao? Em primeiro lugar, a responsabilidade pela melhoria do desempenho foi exclusiva e imediatamente remetida @ aluna: Depende dela dar maior atengéo-aas estudos para alcancar melhor desempenho. Os encaminhamentos do Conselho parecem revelar que os professores consideram essas as justificati- vas essenciais para as dificuldades que a aluna apresentou Poderiamas levantar a hipétese de uma relacéo entre as reas em que a Magali apresenta dificuldade: portugués, historia © geografia sugerem o necessario dominio da leitura, escrita e interpretacao de textos, por exemplo. Falta de comprometimento? Por que apenas nessas discipli- nas? O normal seria um desempenho semelhante em outras Editore Mediacio 46 Avalgto mediadora disciplinas. Representariam elas o privilégio a questées de memorizagio enquanto a matemética estaria trabalhando com a compreensio, 0 raciocinio Iégico? (E claro que se tratam de hipéteses a respeito! © que é importante de se salientar em relagao a tais situacées & que ha um visivel privilégio quanto a questes atitudinais nas discussées dos professores em relagio ao desempenho dos alunos. E que,apesar de as conversas ver- sarem algumas vezes (poucas,é certo) sobre as dificuldades nos aspectos cognitivos, os encaminhamentos ao aluno ou aos pais acabam sendo referentes ao comportamento deles em termos de disciplina ou comprometimento. Ironicamente, muitos educadores gostariam de ver a autonomia moral ea autonomia intelectual em seus alunos. A tragédia estd em que, por no saber a distingio entre autonomia e heteranomial e por terem ideias ultrapassadas sobre 0 que & que faz as criancas “boas” e “edu cadas", continuam a depender de prémios e punicoes, convencidos de que estes slo essenciais para a producdo de futuros cidadaos adultos bons e inteligentes (KAMI, 1984, p. 123-124), © que tal fato revela? Uma visio de conhecimento beha- viorista que sugere que o aluno no aprende simplesmente porque nao faz as tarefas previstas, nao presta atengio as explicagées do professor, nao corresponde ao ideal do““bom aluno”.Nao se quer dizer que tal conduta do aluno na escola no seja necessdria. Mas tal explicacio sumiria e definitiva deixa de lado questées muito importantes por investigar. Recordo-me que o Marcelo, meu filho, quando chegou ima série (atual oitavo ano), fez o seguinte comentario: Eeltora Mediagio Jussara Hoffmann 47 — ASCES - Biblioteca ~ Mie, levei seis anos estudando sujeito e predicado. S6 agora fui entender o que significa! Diante do seu comentario, poderia ser tentada a tecer comentarios desabonadores escola e aos seus professo- res. Ou, entdo, comentar sobre o comprometimento do meu filho nas tarefas, ou seu desinteresse por gramatica. ‘A“culpa” seria dele ou dos seus professores! Hoje,levanto varias outras questdes a partir do que disse o Marcelo: ~ Em que medida o meu filho teria condigdes de efe- tivamente compreender as relacdes abstratas entre tais funcées sintéticas da ora¢io em seus primeiros anos na escola? — Quais as estratégias utilizadas pelos professores Para ensinar aos alunos “como se fazia” (treinando mecanismos, dando dicas) diante de sua dificuldade de entendimento da explicacdo tedrica do tema? ~ Que confusées nao teriam se originado desses en- sinamentos a ponto de o Marcelo chegar a enunciar sua incompreensio anterior? Dai chegarmos, portanto, indiscutivel contribuigao da teoria de Piaget para o avanco em sérias questées da pritica avaliativa. importante, igualmente, para desarmar o professor quanto as suas tradicionais ‘culpas”, para levé-lo a perceber que 6 urgente entender como se di 0 conhecimento nos diferentes estdgios de desenvolvimento da crianga e do jo- vem,e perceber-se em continuo proceso de conhecimento esas questdes, sujeito igualmente de tal proceso. Editora Mediacio NAO RISQUE 48 Anliacio medisdora CConstrutivismo significa isto:a ideia de que nada,a rigor,esté pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento nao ¢ dado, ‘em nenhuma instancia, como algo terminado. Ele se constitui pela interag3o do individuo com o meio fisico e social, com o simbolismo humano,com mundo das relacdes sociais;e se constitui por fora de sua agio e no por qualquer dotacio prévia, na bagagem here- ditaria ou no melo, de tal modo que podemos afirmar que antes da ‘ago no hd psiquismo nem consciéncia e,muito menos, pensamento (BECKER, 1993, p. 88-89). © compromisso do professor diante das diferengas individuais Em que medida o professor compreende e valoriza manifestagdes diferentes dos alunos diante de tarefas de aprendizagem? Estard esse professor buscando uniformidade nas respos- tas deles ou provocando-os a diferenciadas formas de ex- press ou alternativas de solusio as “charadas” propostas? © aluno constréi o seu conhecimento na interagio com o meio em que vive. Portanto, depende das condigdes desse meio, da vivencia de objetos e situages, para ultra- passar determinados estagios de desenvolvimento e ser capaz de estabelecer relacdes cada vez mais complexas € abstratas. Os entendimentos dos alunos sio decorrentes do seu desenvolvimento préprio frente a umas e outras reas de conhecimento. Poder a escola entender como possivel a formacéo de turmas homogéneas? Poderemos conceber um grupo de alunos como iguais em sua ma- neira de compreender o mundo? Poderao os professores Editora Mediacio Jussara Hofimane 49 encontrar critérios precisos e uniformes para avaliar o desempenho de muitas criangas? Corrigir tarefas por gabaritos Unicos? Numa classe de alfabetizacao ingressam alunos oriun- dos de ambientes dos mais diversos. Meninos que, desde cedo, esto nas ruas, trabalhando, cuidando dos irmaos menores, sobrevivendo a cidade grande e outros meninos que viveram esse mesmo tempo protegidos pelos pais,sem apanhar sozinhos uma condusio, tendo a sua disposico brinquedos, revistas, televisdo, mas tendo a sua casa como © espago de vida. Como poderdo ser comparados, na es- cola, em termos de suas “capacidades”? Todos aprenderam muitas coisas, mas a partir de experiéncias tio diversas que torna bastante dificil explicar os varios entendimentos que expressam sobre os fendmenos. Esperar de todos a mesma compreensio do material de leitura, de atitudes em aula? ‘Assim como as criangas tém diferentes historias de experiéncias gerais, assim também devem ter diferentes historias de experiéncias sociais ‘ou interagdes sociais. Essa historia individual de interacdes sem divida contribui para as diferencas individuais.(..) Mesmo com os gémeos idénticos educados na mesma familia ndo se pode assumir que eles vivenciaram as mesmas experiéncias (WADSWORTH, 1992, p. 156). Um dos principios da teoria construtivista é funda- mental a avaliacao: o desenvolvimento do individuo se da por estagios evolutivos do pensamento a partir de sua maturacao e suas vivéncias:“os novos comportamentos cujo aparecimento define cada fase, apresentam-se sem- pre como um desenvolvimento das fases precedentes” ditora Mediagso 50 Avalacio medadora (PIAGET, 1987, p. 358). Tal desenvolvimento depende, da mesma forma,do meio social que pode acelerar ou retardar esse desenvolvimento. Nessa visio nao ha como se fugir da necessidade de revisio dos objetivos educacionais coerentes aos alunos em seus diferentes estagios evolutivos de pensamento. © ensino de regras gramaticais, por exemplo, de natureza arbitraria, nes anos iniciais, podera caracterizar-se por um ivo,imposto, porque em busca da légica e do ‘concreto, essa crianga ainda nao compreende a existéncia das convengées, das arbitrariedades do sistema linguistico. Por outro lado,a memorizagéo de formulas matematicas outras nega, no Ensino Médio, a oportunidade aos jo- vens de realizarem operacées formais, limitando o seu desenvolvimento em termos de raciocinio. Revitaliza-se 0 compromisso do professor diante da crianga e do jovem de todos os niveis socioculturais. Porque, se concebermos a aprendizagem como a sucessio de aquisicdes constantes e dependentes da oportunidade que o meio he oferece, assumimos o compromisso diante das diferencas individuais dos alunos. Compreenderemos, igualmente, que ndo depende exclusivamente da explicagio clara do professor o entendimento do aluno sobre uma ou outra questo. Que tal entendimento ocorre diferentemen- te de acordo com a sua vivéncia anterior, sua compreensio prépria das situagdes ‘Que tipo de interferéncia compete ao pedagogo, se é que Ihe compete alguma? Nao se trata de evitar toda e qualquer interferéncia, mas sim Editora Mediacao Jussara Hofimane 54 de efetué-ba, indiretamente, sobre 0 meio cultural e social da crianca, operando modificagdes na situasio que ela enfrenta, promovendo situagGes interessantes © problemiticas, disparando a sua atividade organizadora e estruturadora (CASTORINA, 1988, p. 46-47). Muitos professores justificam-se diante da incompre- ensio de textos ou explicagées pelos alunos, dizendo que sempre esperam que perguntem o que nao entenderam, ou que sugerem a utilizagio de diciondrios ou livros didéticos. Muitos alunos nao iréo perguntar, porque construiram a0 longo de suas vidas entendimentos préprios a respeito de determinadas expressdes ou assuntos apresentados em aula:“a linguagem nao exclui nunca a intervengao dos significantes individuais que continuam a ser as imagens imitativas interiores” (PIAGET, 1978, p. 353). Uma professora me conta que sua filha de oito anos chega em casa e pergunta:— Mie, onde moravas antes de Pedro Alvares Cabral descobrir Brasil? (Qual o significado do ano de 1500 para uma crianca dessa idade?) Outra professora de historia relata que o aluno es- creveu em prova:— Sao contribuigées da cultura grega, na literacura,as comédias e os “desastres” (Seu entendimento sobre tragédias?). de uma professora de Educagao Infanti —Ao pedir a um aluno que representasse um conjunto vazio, ele desenhou uma arvore.Achei estranho e a0 conversar com ele 0 porqué veio:— Vazio de frutas, professora! Uma crianga de trés anos disse & sua avé: — Nao me explica mais nada, v6, tu me esquisita! Editora Mediagio 52. Analiagto mediadora Na quinto ano, o professor pergunta:~ O ar é matéria? O aluno responde: — Sim, tanto que caiu na prova! Se os entendimentos dos alunos decorrem de sua experiéncia de vida, o mesmo acontece com 0 educador. Dai a tarefa avaliativa ser uma verdadeira charada, Ou seja, ha diferentes maneiras de o aluno compreender o professor, a matéria, o que a escola Ihe pede; ha diferen- tes maneiras de o professor compreender o aluno, pelo seu maior ou menor dominio em determinadas areas de conhecimento, expectativas predeterminadas. E preciso observar e refletir. Como diz Becker (1993, p. 148) (© educador, na educacio problematizadora, refaze reconstréi, cons- tantemente, o seu conhecimento na capacidade de conhecimento dos seus educandos; estes passam a investigarcriticamente a realidade em didlogo com o educador que, por este mesmo processo dialégico, torna-se também um investigador eric. Em que medida existe resposta 4 pergunta: por que © aluno nao aprende? Se entendermos a construcdo do conhecimento como permanente e sucessiva, a negativa (no aprende)'torna-se incoerente. Segundo Freire (1979, p.81),fa educacao critica considera os homens como se- res inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com ela”. Portanto,em permanente processo de aprendizagem (ainda no aprendeu). Entéo é tarefa avaliativa muito maior investigarmos sobre a natu- reza dos seus desentendimentos, Esse ndo é um caminho que 0 professor possa tracar objetivamente e a partir de Editora Mediasio stra Hoffmann 53 metodologias precisas e generalistas, porque, como sujeito desse proceso, cada situacao precisa ser vivida em sua especificidade. E ha muitas e curiosas respostas dos alunos a serem analisadas no cotidiano da escola, Se se propée a alunos do pré-primario (seis anos), e também aos de sexto ano (|| anos), uma colecio de fotografia perguntando-lhes, «em cada caso, se é ou ndo ser Vivo, e por qué, obtém-se frequente- mente respostas positivas para o relégio (porque o ponteiro gira), © ventilador (porque faz barulho), 0 televisor (porque se mexe).(..) Em todos 0s casos & 0 movimento que serve de indicador para responder...) Essa primeira abordagem, a mais imediata, corres- onde muitas vezes aos trabalhos que se realizam na iniciagio do conhecimento das representagSes. Pode-se ler nela uma espécie de fascinasdo por esse universo, que no suspeltam nem mesmo 08 textos ofciais, os manuais escolares, nem as progresses pe- dagogicas claras. Seu interesse ¢ o de uma tomada de consciéncia de cardter irredutivel a nossa da légica cognitiva dos alunos até uma idade avancada, e de a necessidade disso ser levada em conta (ASTOLF,, 1990, p. 38-39). Sem duvida, existem muitas respostas possiveis pergunta: Como se dar o entendimento do aluno sobre questées de aprendizagem? } Pensar sobre isso é ponto de partida para uma re- lacdo dialégica, de troca, de discusses, de provocagio dos alunos, que possibilitard o entendimento progressivo aluno/professor. Ultrapassar posturas convencionais na avaliagao do de- sempenho dos alunos exige o aprofundamento em questdes de aprendizagem o dominio da area de conhecimento das Editora Mediagio 54 Avalagio medadora diferentes disciplinas. Mas, antes disso, pressupée acreditar que existem muitas respostas possiveis as charadas que en- frentamos. Todas as respostas devem ser respeitadas desde que sejam coerentes ao principio de maxima confianga nas possibilidades dos educandos. Eaitora Mediagio UMAVISAO CONSTRUTIVISTA DO ERRO Eaanilise do cotidiano do professor, em todos os graus de ensino, que nos permite perceber o quanto as suas préprias ideias e determinacdes imperam sobre as dos edu- candos, tolhendo-os em suas possibilidades de discussio, de contra-argumentagao, de opiniao. Despropor¢éo do poder do adulto em relagio as decisdes das criangas e jovens. HA muitos professores afetuosos, gentis, e que, contudo, nao oportunizam ao aluno liberdade de expressio ou desconsideram totalmente suas condigées préprias de desenvolvimento, professores, com jeito carinhoso, voz macia, dizendo: — Espera, Gabriela, vou dizer como se faz! —Atengio! Vou corrigir a questéo no quadro. Copiem no caderno a solucao correta! 55 Editors Mediagio NAQ RISOTIF: 56 Aralagio medadora Segundo Kamii (1992, p. 23),a proporcio de coopera- Gao na interago adulto-crianga ser o fator determinante para o desenvolvimento da autonomia. E um bom comeso para se observar a rela¢io de autoritarismo e controle da avaliagdo é a andlise da postura dos professores em termos da corregio das tarefas feitas pelos alunos em todas as situagdes de aprendizagem. Muitas escolas solicitam-me orientagio quanto a elabo- ragdo de testes e tarefas. Considero, entretanto, a andlise das posturas do educador diante dos erros observados nas tarefas mais séria do que estudos sobre elaboracio de instrumentos de avaliagao. Sempre existiu uma grande preocupacao em formular ordens claras e precisas nos exercicios propostos aos alu- nos:"amarrar os comandos” no dizer de alguns professores de Brasilia, De tal forma que,ao encontrar diferentes res- postas por parte dos alunos, o professor é levado algumas vezes a revisar a forma de elaborar a questo ou mesmo a anulé-la, por ndo ser suficientemente objetiva. Dessa forma, passamos a atribuir um desmesurado valor as questées de Unica e miiltipla escolha, questées de lacunas, de respostas dito “objetivas” a serem respondidas pelos educandos, como garantia de uma suposta precisio dos resultados conferidos pelos professores. Contudo, 0 cotidiano da sala de aula apresenta certos fatos que apon- tam para a urgente necessidade de reflexdo a respeito de algumas tarefas propostas as criangas. Observe os seguintes itens de um teste de ciéncias: Editora Mediagio Jussara Hoffmann 57 ASCES - Biblioteca =A é formada de ~ E utilizada na ~A palavra______quer dizer -A originou-se do Portanto, é muito Essas questdes apareciam entre outras um pouco mais explicitas em relacao ao contetido especifico do teste ela- borado pelo professor. Mas, sem duivida, 0 aluno que nio tivesse decorado, linha por linha, os “pontos de ciéncias”, nao teria como respondé-las. Poder-se-ia, talvez, orientar o professor a elaborar questées de lacunas, dizendo-Ihe que“o corpo da questo deve guardar um significado légico para o respondente, de forma a sugerir-lhe a complementagio devida”. Mas essa orientagio € pouco significativa diante do privilégio a memorizacao que tal tarefa revela. Pela seriedade de tais procedimentos. sugiro uma estratégia inversa nessa questo: em vez de iniciar a reflexio com educadores sobre teorias de elaboracao de instrumentos de avaliagio, realizar sessdes de estudo a partir de testes e tarefas realizadas pelos alunos em diversas ocasides, analisar questdes elaboradas pelo professor versus as muitas respostas oferecidas por seus alunos e suas posturas de “correcao” diante de tais respostas.A partir da dificuldade de muitos alunos em realizar tarefas, de respostas muito uniformes ou muito diferentes, podem-se levantar varias ideias a respeito delas. Editora Mediacio 58 _Avalagio medadora Acredito que muito temos a descobrir debrucando-nos sobre as respostas das criancas e jovens, lendo-as nas linhas e entrelinhas, pensando como possam té-las compreendido, suas incriveis e curiosas solugdes e a interpretacio possivel em relagio as perguntas feitas, as ordens dos exercicios. © que nao significa que possamos encontrar explicagdes definitivas em todas as ocasiées, mas, sim, que possamos refletir sobre muitas possibilidades de 0 educando ser levado a formular a resposta daquela maneira. E que nés observamos pouco, porque para fazé-o temos que nos re- colher no siléncio de quem olha para ver, de quem ouve para escutar, de quem pode contemplar e admirar o outro, apenas para saber 0 que cle pensa ou faz (..) E que um observar, que produz conhecimento, exige do observador uma atividade nada passiva de estruturar com sentido aquilo que the é dado contemplar, condiclo para a arte de refletir, do poder refletir (MACEDO, 1991, p. 13) A questio da subjetividade nas tarefas avaliativas A objetividade e a subjetividade sio geralmente enten- didas referindo-se “forma de elaboracéo” das questes de um teste. No entanto, é pela corregio, justamente, que as questées se caracterizam em “objetivas” ou “subjetivas”. Ou seja, elas so objetivas quando ao aluno se torna possivel uma Unica resposta diante de alternativas simples, miltiplas, itens de lacunas, por exemplo.A forma de corresio pelo professor é objetiva, porque nao Ihe cabe interpretar se a resposta esté certa ou errada, mas simplesmente procu- Editora Mediacio sara Hoffmann 59 rar por resultados previamente determinados (gabaritos). Ao contrario, se as questdes sugerem uma resposta pes- soal do aluno, opiniées, consideragées, dissertacao sobre determinado assunto, entio o professor ter de interpretar (subjetivamente) a resposta para consideré-la certa ou er- rada.As““questdes de cruzinha”, portanto, sio denominadas objetivas, pela sua sistematica de corre¢io, essencialmente. De fato, a subjetividade é inerente ao processo de elaboragio de questdes de tarefas em todos os graus de ensino. No momento em que © professor formula uma questi, seja oralmente ou por escrito, revela uma intencao pedagégica e uma relacio com o educando, o que implica obrigatoriamente subjetividade.As questes elaboradas revelam o entendimento do professor sobre 0 assuntos, sua compreensio sobre as possibilidades dos alunos, sua visio de conhecimento. Ao fazé-las, ele seleciona temas que Ihe parecem prioritirios, 0 vocabu- lario utilizado é parte de sua vivéncia pessoal, a pergunta elaborada segue uma semantica propria. Isso significa que no hé como solar © sujeito que pergunta da pergunta que ele préprio faz. Ela é reveladora do individuo, do seu conhecimento a respeito dos fenémenos. A subjetividade é inerente também a interpretagéo da questio pelo aluno. Nao hd mesmo como “amarrar os co- mandos” de forma a eliminar do processo os entendimentos préprios dos respondentes. Ocorrem af significados diferen- tes atribuidos a termos utilizados, maior ou menor compre- ensio sobre os temas selecionados (hipéteses preliminar- Falitora Mediagso 60 Aalagio medadora mente formuladas), experiéncia do aluno com determinadas cordens de exercicios, disposicao para a realizacao da tarefa. Nao hé como fugir, muito menos, da interpretacao do professor no momento da corre¢io.A prova disso é que certas pesquisas demonstram a variabilidade de escores obtidos quando mais de um professor corrige uma mesma questdo dissertativa de um aluno ou sua producio textual Mesmo em “questées de cruzinha” muito se teria a pensar sobre a escolha das alternativas pelos respondentes. Mas por que estiveram os educadores tio preocupados em eliminar do processo corretivo a subjetividade? Na visio tradicional da avaliagio,a classificaao do aluno se dé a par- tir do processo corretivo. Ou seja, decorrente da contagem de acertos e erros em tarefas, atribui-se tradicionalmente médias finais aos alunos, classificando-os em aprovados ou reprovados em cada periodo letivo, Em nome da “justica da preciso”, portanto, buscam os educadores elaborar tarefas que evitem o maximo possivel interpretagdes sobre as respostas dos alunos, evitando a variabilidade de escores decorrente do carater subjetivo, que levaria o professor a ‘cometer injusticas no momento de tomada de decisio final. Pretendo alertar que, numa concep¢io mediadora de avaliagao, a subjetividade inerente a elaboragio e corre¢io de tarefas avaliativas nao é um problema,mas um elemento a trabalhar positivamente. Porque, sem tomar a tarefa como um momento terminal e, sim, como um elo de uma grande corrente, tanto os “erros” dos alunos como as duvidas dos professores em interpreté-los retornarao a sala de aula para Editora Mediacio Jsara Hofmann 61 serem discutidos por todos, elementos importantes e po- sitivos na continuidade das aces desenvolvidas, de outras tarefas propostas. Nesse sentido, o momento de correcao passa a existir como um momento de reflexio sobre as hipoteses que vierem sendo construidas pelo aluno e néo para consideré-las como definitivamente certas ou erradas. Nos trés graus de ensino, utilizam-se toda e qualquer tarefa realizada pelos estudantes com carater de selecio a semelhanga dos concursos vestibulares e outros.A escola nao tem por objetivo a eliminacao de candidatos como tais concursos e age como se tivesse tal finalidade. Quando a finalidade ¢ seletiva, 0 instrumento de avaliagao & consta- tativo, prova irrevogavel. Mas as tarefas,na escola,deveriam ter 0 carter problematizador e dialogico, momentos de troca de ideias entre educadores e educandos na busca de um conhecimento gradativamente aprofundado. Paulo Ricardo (ito anos) respondeu as seguintes ques- tes da prova de ciéncias: 1.Como sio os ossos das aves? Os ossos das aves sio ocos, sio pneumiticos. 2.Como ¢ feita a impermeabilizacio das penas das aves? E feita em consultérios. A segunda resposta do aluno surpreende, é curiosa, diferente. Resumiu-se 0 professor a consideré-la errada € ponto final. Nao teve ele curiosidade sobre as ideias do aluno que o levaram a responder assim? Editora Mediacto 62 Avago mesiadors © pensamento do menino tracou caminhos um tanto curiosos para chegar a resposta. Conversando com ele, a mae descobriu seus “entendimentos” e “desentendimen- tos” a respeito de um assunto tio complicado para sua idade: Paulo relacionou, inicialmente, os dois termos que aparecem acima:"pneumaticos e impermeabilizacai se tivessem sentidos andlogos. Ele entendeu o significado do pneumitico e sua resposta demonstra isso. Respondeu a segunda questio a partir de tal entendimento e pensando em quem seria responsavel no cuidado com ossos. Como seu irmao, de braco quebrado, fora ao consultério médico em dias anteriores, chegou aquela resposta. Em que medida, pergunta-se, poderd tal resposta ser classificada simplesmente em certa ou errada? Como pode © professor prosseguir em sua ago educativa desconsi- derando esse momento do Paulo? Quantas descobertas deixa de fazer sobre 0 aluno ao tomar a tarefa como ponto terminal de sua tarefa de educar? Subjetividade? Interpretagio do professor sobre os entendimentos dos alunos? Lutar contra isso? Nao significa anular a prépria ago educativa, reflexiva por principio? A hipétese que defendo é que, se tarefas de aprendizagem forem consideradas como elementos de investigaco do professor sobre o processo de construgao do conheci- mento, descobrir-se-4 como reformuld-las para serem adequadas a tal investigacio, bem como desencadear-se-40 processos de revisio em relacéo a determinados contetidos rotineiramente trabalhados pelos professores. Editora Mediacio Jussara Hotimann 63 Gabaritos do professor ou entendimentos do aluno? Liicia (10 anos), leu um texto do qual fazia parte o seguinte pardgrafo: Dona Brigida Pontes pedis licenga para examinar a pobrezinha e logo

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