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O argumento evolucionista contra o naturalismo: uma apresentacio inicial The evolutionist argument against naturalism: an initial presentation Alvin Plantinga Tradugao de L. H. Marques Segundo E um prazer expressar a minha gratidio a James Beilby e seu grupo por esses probos € desafiadores ensaios sobre 0 meu argumento evolucionista contra o naturalismo (doravante AECN). Aprendi muito com eles, nio apenas sobre 0 AECN, mas também sobre derrotadores e sobre garantia. Apresentei o AECN no tiltimo capitulo de Warrant and Proper Function? Como suponho que seja pelo menos logicamente possivel que vocé nao tenha uma cépia de Warrant and Proper Function disponivel em sua mesa, comecarei por reapresentar o argumento Drevemente.’ Considere © naturalismo filosdfico como a posigio de que nio ha seres sobrenaturais ~ nenhuma pessoa como Deus, por exemplo, assim como também nenhumas 1 Introdugao de Naturaliom Defeated Fssays on Planting’ Evolutionary Argumont against Naturalism, org, James Beilbys Cornell Univerity Press (2002), pp 1-12. .2- Nova York: Oxford University Pres, 1993, 3 Mas primeiro teaho do reconhecer um ereo: a cura altura a apresentagio do “argumento proliminae” (Warrant and ‘Proper Function, 228-229; doravante WEE) confunde a probabilidade lgica ou incondicional de Rom a sua probubilidade condicional 30 naxsa conhecimenta de fund. Pars detalhes ereparo seja Worarted Chitin Belief (New York: Oxford University Press, 2000), 22980 argumento principal, felizmente, permancce inaltero. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 145 0 argumento evolucionista contra 0 naturalismo: uma apresentacto inicial outras entidades sobrenaturais, e nada que seja como Deus.* A minha alegagao foi ade que o naturalismo e a teoria evolucionista contempordnea esto em desacordo um com 0 outro —e isso a despeito do fato dessa tiltima ser comumente considerada como um dos principais pilares de sustentagao do edificio da primeira. (Claramente nao estou atacando a teoria da evolusao, ou a afirmagao de que os seres humanos evoluiram de ancestrais simiescos, ow algo parecido; estou, a0 invés, atacando a conjungao do naturalismo com a perspectiva de que os seres humanos evoluiram. Nio vejo problemas similares com a conjungéo do tefsmo ea ideia de que os seres humanos evolufram da maneira que a ciéncia evolucionista sugere). Mais particularmente, argumentei que a conjungao do naturalismo com a crenga de que nds seres humanos evoluimos em conformidade com a doutrina evolucionista atual —“evolugao” apenas ~ ¢, de maneira interessante, autoderrotante ou autorreferencialmente incoerente. De maneira ainda mais particular, argumentei que o naturalismo e a evolugao — “N & B” por brevidade ~ fornece aqueles que a aceitam um derrotador para a crenga de que as nossas faculdades cognitivas sao confidveis - um derrotador que nao pode ser derrotado. Mas entao essa conjungao também fornece um derrotador para qualquer crenga produzida pelas nossas faculdades cognitivas, incluindo, no caso de quem a aceita, a propria N & E: dai seu carater autoderrotante. O argumento Deixemos a prévia do argumento de lado. Mais especificamente, 0 AECN comega com certas dividas sobre a confiabilidade das nossas faculdades cognitivas, na qual, grosso modo, uma faculdade cognitiva - memeéria, percepgio e razio - é confiivel se grande quantidade de suas produgdes sio verdadeiras.* Essas diividas conectam-se A origem das nossas faculdades cognitivas. De acordo com a teoria evolutiva, nés seres humanos, assim como outras formas de vida, nos desenvolvemos a partir vida unicelular primitiva através de mecanismos como a selegio natural e a deriva genética trabalhando sobre as forgas da variago genética: sendo a mais popular a mutagio genética aleatéria. A selegio natural descarta a maioria dessas mutagées (elas se mostram deletérias aos organismos nos quais 4-Se uma ailise do naturalismo filosbfico fosseoferecida em meu projto, muito mais teria de sr dito (por exemple, se nto sabemos 0 que é 0 naturalism, ¢ de alguma ajuda explici-o em termo de sobrenaturalismo?); para os presentes propSsitos podemos ignorar esses pornenores ‘5 Muito a grosso modo: um teemometro emperrado no 22 nao & confiivel ainda que esteja num lugar (San Diego?) onde {faca aproximadamente 22 grausa maior parte do tempo. O que o termdmetro (cas nossas faculdales cognitivas) fariam caso as coisas fossem diferentes em certos aspects (dificil de especiicar) é também relevante. Ua ver mais, 0 nosso propssite fosse analisara confiabilidade muitos mais teria de ser dito. Note que para a confibilidade ser desse modo entendida, nao é suficiente que as crengas produzidas aumentem a apd. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 146 Alvin Plantinga aparecem), mas algumas das remanescentes acabam por ter valor adaptativo e aumentam a aptidao; elas se espalham pela populagio e entao persistem. De acordo com isso, é através desses mecanismos, ou mecanismos muito parecidos com esses, que toda a vasta variedade da vida orginica contemporinea se desenvolveu; ¢ através desses mesmos mecanismos que as nossas faculdades se desenvolveram. De acordo com o pensamento cristio tradicional (e também judeu e mulgumano), nés seres humanos fomos criados 4 imagem de Deus. Isso significa, dentre outras coisas, que Deus nos criow com a capacidade de adquirir conhecimento — 0 conhecimento do nosso entorno por meio da percepgao, de outras pessoas pormeio dealgo como aquilo que Thomas Reid chamou simpatia, do passado por meio da meméria e do testemunho, da matemiticae dalégica por meio da razio, da moralidade, da nossa propria vida mental, do préprio Deus, € muito mais.” E a abordagem evolutiva das nossas origens é compativel com a perspectiva teista de que Deus nos criou 4 sua imagem.’ Assim, a teoria da evolugao tomada em si (sem a aura do naturalismo filosdfico que geralmente acompanha suas exposigGes) nao est em tensio com a ideia de que Deus nos criow e criow as nossas faculdades cognitivas de tal modo que sejam confiaveis, que (como gostavam de dizer os medievais) h4 uma adequagio do intelecto 3 realidade. Mas se 0 naturalismo for verdadeiro, no ha Deus, ¢, por conseguinte, nenhum Deus (ou alguém mais) inspecionando 0 nosso desenvolvimento ¢ orquestrando 0 curso da nossa evolucio. E isso conduz diretamente & questio de se é de todo provivel que as nossas faculdades cognitivas, dado o naturalismo ¢ dado suas origens evolutivas, tivessem se desenvolvido a ponto de serem confidveis ¢ nos fornecer uma grande quantidade de crengas verdadeiras, O proprio Darwin expressou essa diivida: “A mim’, disse ele, 6 De acordo com Thomas de Aquino: “Uma vez que os seres hummanos so considerados 3 imagom e semelhanca de Deus em virtude de terem uma natureza que inclui um intelecto, tal natureza se encontra em grande parte na imagem de Deus em virtude de ser mais eapaz de imitar Deus” (Summa ‘Theologica la 93 a4); e “Apenas nas criaturas racionais € que encontramos uma semelhanca a Deus que conta como uma imagem. [..] No que diz respeito a semelhanca com a natureza divina, as criaturasracionais parecem atingir de algum modo uma representagao desse tipo em virtude de imitar Deus 0 naquilo © que ole & vive, mas especialmente naquilo que cle entends” (Summa ‘Theologia L993 2.6). 7 Voc$ poderia pensar que nao: se a nossa origem envolve variagto genética aleatria, entao nés as nossas facukades cogntivas deseavolvemes pelo acaso e no por desfgaio, como seria exigido caso tivéssemos sido crades 3 imagem de Deus. Mas isso ¢ ir além do termo “aleat6rio” dos bidlogos. ais variagBes aeatdras sao aleatérias no sentido de que nio surgem do plano de desig do organism eno comumente desempenham um papel em sua viabilidade; talver também sejam aleatias no sentido de que nao sao predtveis. Mas certamente disso nao segue que sejam sleat6rias no sentido muito mais forte de nao serem causadas, orquestradas ¢ arranjadas por Deus. Esuponha quc os bidlogos, ou outros, enham em mente esse sentido mals forte de “aletéri": entio a sua teoria (chamemo-la “I”) de ftoimplicaria que os sere humanos nao foram planejados por Deus. Mas Tnio seria mais provivel do que no no que diz respeito 3 evidéncia Pois haveria uma teoria empiricamente equivalente (a teoria que resulta de'T através da adogio do sentido mais fraco de “aleatorio” eda adigio que Deas orquestrou as mutagies) que seja inconsistente com T mas igualmente apoiada pela evidéncia; se assim for, T nao & ais provével do que o contrério no que iz respeito evidénciarelevante. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 147 0 argumento evolucionista contra 0 naturalismo: uma apresentacto inicial uma divida horrenda sempre surge quanto As conviegdes da mente do homem, que se desenvolveu a partir da mente dos animais inferiores, serem de algum valor ou mesmo dignas de confianga. Alguém confiaria nas conviegées da mente de um macaco, caso houvesse convicgdes em tal mente?* ‘A mesma ideia é apresentada mais explicitamente por Patricia Churchland. Ela insiste gue a coisa mais importante sobre o cérebro humano é ele ter evoluida; isso significa, diz ela, que a sua funcao principal é propiciar a0 organismo um furtcionamento de maneira apropriada: Resumindo ao essencial, um sistema nervoso propicia ao organismo sucesso nos quatro F's entar-se [feeding], fugir [fleeing], lutar [fighting] ¢ reproduzir-se [f***ing]. A incumbéncia central dos sistemas nervosos é mover as partes do corpo onde elas deveriam estar de modo que 0 organismo possa sobreviver. [...] As melhorias no controle sensério-motor conferem uma vantagem evolutiva: um estilo mais elaborado de representagao é vantajoso. na medida em que se ajusta ao modo de vida do organismo ¢ aumenta as suas chances de sobrevivencia [énfase de Churchland]. A verdade, qualquer que seja, fica definitivamente por tiltimo? al Penso que o que Churchland quer dizer é que a evolugio est diretamente interessada (por assim dizer) apenas no comportamento adaptativo (num sentido amplo que inclui o funcionamento fisico), nao na crenga verdadeira. A selegdo natural nao se preocupa com aquilo que vocé acredita; esta interessada apenas no modo como vocé se comporta, Ela seleciona certos tipos de comportamento: aqueles que aumentam o valor adaptativo, que € uma medida das chances dos genes de um individuo serem amplamente representados na proxima geragio e na subseqiiente. Ela nao seleciona a crenga, exceto na medida em que ela se relacionar apropriadamente ao comportamento. Mas entio o fato de que evoluimos garante, no maximo, que nos comportamos de certos modos - modos que contribuem para a nossa sobrevivéncia ¢ reprodugio (¢ dos nossos ancestrais) no ambiente no qual nos '8-Cartaa William Graham, Down, 3de julho de 1881, m The Lifeand Letters of Charles Darwin Including an Autobiographical (Chapter, ed Fracis Darwin (Londres: John Murray, Allbermari Strct, 1887), I: 315-316. Fvan Fales Omar Mirza chamaram a atengzo de que Darwin, provavelments,tinha ali em mente, nao crencas cotiianas como a de que o bule ests no armirio, ‘mas algo mais como convieybes religiosasefilosoficas. {9 Churchland, “Epistemology inthe Age of Neuroscience’ Jounal of Philosophy 84 (Outubro de 1987): 548. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 148 Alvin Plantinga desenvolvemos. Talvez as palavras de Churchland possam ser entendidas como a sugestio de que a probabilidade objetiva'® de que as nossas faculdades cognitivas sejam confidveis, dado o naturalismo e dado que fomos moldados pelos processos aos quais a teoria evolutiva contemporanea nos chama a atengio, é baixa. E claro que ela nao menciona o naturalismo explicitamente, mas certamente parece que ela o toma por garantido. Pois se 0 teismo fosse verdadeiro, Deus poderia estar direcionando e orquestrando a variagao de tal modo a produzir, a longo prazo, seres criados & sua imagem e, assim, capaz de conhecimento; mas entio nao seria 0 caso que a verdade fosse deixada por iiltimo. Podemos apresentar a afirmagao de Churchland como se segue P(RIN &E) é baixa, em que “R” &a proposigio de que as nossas faculdades cognitivas sio confidveis, “N” a proposicao de que o naturalismo é verdadeiro, e “B” a proposigao de que evoluimos de acordo com as sugestées da teoria evolutiva contemporinea.” Acredito que essa ideia ~ de que P(R[N & B) € baixa ~ seja também a que preocupou Darwin na citaga0 acima: vou chamé-la, portanto, “A Diivida de Darwin’? Estio Darwin e Churchland corretos? Bem, eles estio de fato corretos em pensar que a selegao natural se interessa diretamente apenas pelo comportamento, nao pela crenga; & que caso se interesse pela crenga, o faria apenas indiretamente, em virtude da relagao entre 0. comportamento ea crenga. Se o comportamento adaptativo garante ou torna provaveis as faculdades cognitivas, entio talvez a P(R[N & E) seja razoavelmente alta: nés ou 0s nossos ancestrais nos empenhamos num comportamento pelo menos razoavelmente adaptativo, de modo que tem de ser o caso que as nossas faculdades cognitivas sejam pelo menos razoavelmente confidveis, caso em que é provivel que grande parte de nossas crengas sejam verdadeiras, Por outro lado, se possuir faculdades confidveis nao é garantido por, ou sequer particularmente provavel em relagio 20 comportamento adaptativo, entio presumivelmente a P(RIN & E) ser bastante baixa, Se, por exemplo, o comportamento nao for causado ou regido pela crenga, essa tiltima seria, por assim dizer, invisivel a selecao natural; nesse caso seria improvavel que a grande preponderincia da crenga verdadeira sobre a falsa exigida 10- Para uma abordagem da probabilidade objctiva, voja WPF, 161 f 111 - Em WPF a probabilidade em questio era um pouco mais complexa, P(R|N & E & C), em que C era uma proposicio apresentandoalgumas das principaiscaracteristcasdo nosso sistema cognitivo (veja WPF, 220).Penso que essa complexidace adicionalseja agora desnecesséria. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 149 0 argumento evolucionista contra 0 naturalismo: uma apresentacto inicial pela confiabilidade estivesse por vir."* Assim, o problema do valor da P(R[N & E) depende na verdade da relagio entre crenca e comportamento. Termos evoluido e sobrevivido torna provavel que as nossas faculdades cognitivas sejam confidveis e que as nossas crengas sejam em grande parte verdadeiras somente se fosse impossivel ou improvavel que criaturas mais ou menos como nés tivessem um comportamento que aumenta o valor adaptativo a despeito de sustentarem uma grande quantidade de crengas falsas."” Fimpossivel ou improvével? Isso depende da relagao entre crengaecomportamento. Qual seria ou poderia ser tal relagao? Na tentativa de precaver-se de chauvinismo interespecifico, sugeri que pensdssemos nao sobre nés mesmos e nosso comportamento, mas sobre uma populacao de criaturas bastante parecidas conosco num planeta bastante parecido com a terra (Darwin sugeriu que pensissemos sobre macacos). Essas criaturas sio racionais: isto é, formam crengas, raciocinam, mudam as crengas, e assim por diante. Imaginamos ainda que elas e seus sistemas cognitivos tenham evoluido por meio dos mecanismos pelos quais a teoria evolutiva contemporinea nos ensina, nao sendo guiados pela mao de Deus e de ninguém mais. Qual é a P(R[N & E) especificada, no a nés, mas a eles? Para responder temos de pensar sobre a relagio entre as suas crengas e seu comportamento. Ha quatro possibilidades mutuamente exclusivas ¢ conjuntamente exaustivas.'* (1) Uma possibilidade & © epifenomenismo:'’ 0 seu comportamento nio & 12 Altemativamente, poderiamos dizer que a probablidade aqui 6 inescrutive, de modo que nao podemos dar he uma estimativa, Concedo que soja improvivel que um conjunto amplo de crengas (comparivel em tamanho ao ndimero de crengas deur humano) contivese essencialmente verdades isso nos dé uma razio para considera baixa a probabilidade em questio, Por outro lado, sabemos algo mais sobre o conjunto relevante de proposicdes, designadamente, que é um conjunto em que cada memibro é aereditado por alguém. De que modo isso afeta a probabilidade? Talver nao saibamos o que dizer, ¢ dextssemos coneluir que a probabiidade em questao éinescrutével (Estou em débito com John Hare.) 13 -Temos de concorrer com Donald Davidson, que pensa que “é impossvelsustentar corretamente que alguém pudesse estar errado na maior parte acerca de como as coisas io"? (Veja “A Coherence ‘Theory of Truth and Knowledge’ em Kant or Hegel? ed. Dicter Henrich [Stutgart: Klet-Cotta Buchhandlung, 1983], 535.) N30; 0 que Davidson mostra (se & que sostra) ¢ que nio ¢ possivel para mim enfender ura criatura a menos que eu suponha que ela sustente crencas verdadeiras no gera Isso pode (ou mais provavelmente, n3o pode) ser assim; mas dai nase segue que nao pudesse havereriaturas com crengas falsas no geral,¢ @ fortiori nao se segue que minhas préprias crengas si0 verdadeias no geral. Davidson prossegue argumentando que um intéeprete eniciente teria de usar es mesmos métodos que temos de usar e que, portant, teeia de supor que seu interlocutor sustenta crengas verdadeiras em maior quantidade; dada a onisciéncia do intérprete oniscients, fe concluiu que seu interlocutor de fato teria deter a maioria de erengas verdadeiras, Contudo, para angi tal conclusio ele emprega a premissa de que qualquer proposiga cra por um ser onisciente éverdadeira; esa premissa produ ditetamente conclusto de que hi um ser onisciente (uma ver que qualquer ser onisciente que se preze areditars que hi um ser onisciente), ‘uma conclusio com a qual Davidson podria nao querer se comprometer tio diretamente, Veja WPF, 80-81 14- Em WPF argumento envolve cinco possiblidades mutuamente exclusivas econjuntamente exaustvas; combine! aqui asduas primeiras. 115 - Assim chamado pela primeira ver por'T. H. Huxley (“O bulldog de Darwin"): “Pode-se supor [...] que as mudangas moleculares no cérebro sto as causas de todos os estados de consciénca.[..] Mas haveré qualquer evidéncia de que esses estados de consciéncia possam, conversamente, causar ...] mudangas moleculares [no cérebro] do modo que dé origem 20 FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 4150 Alvin Plantinga causado por suas crengas. De acordo com essa possibilidade, o seu movimento € comportamento seriam causados por alguma coisa ou outra ~ talvez impulsos neurais ~ que seriam causados por outras condigées orginicas, incluindo o estimulo sensorial: mas a crenganao teria um lugar nessa cadeia causal que conduz ao comportamento. Essa perspectiva da relagao entre comportamento e crenga (e outros fendmenos mentais tal como sentimento, sensagao e desejo) ¢ geralmente bastante popular, especialmente entre aqueles fortemente influenciados pelas ciéncias bioldgicas. A edigéo de dezembro de 1992 da revista Time relata que J.M. Smith, um conhecido bidlogo, escreveu “que ele nunca entendeu por que 0s organismos tém sentimentos. Afinal, os bidlogos ortodoxos acreditam que o comportamente, ainda que complexo, € regido inteiramente pela bioquimica e que as sensagoes resultantes - medo, dor, espanto, amor — sio apenas sombras feitas por essa bioquimica, nao sendo em si mesmas vitais a0 comportamento do organismo’, Smith poderia ter adicionado que (de acordo com a ortodoxia bioldgica) o mesmo vale paraas crengas— pelo menos se as crengas nao forem em si apenas fendmenos bioquimicos. Se essa maneira de pensar estiver correta no que diz respeito is nossas criaturas hipottticas, as suas crengas seriam invisiveis & evolugio; ¢ entio o fato de que seus mecanismos formadores de crenga surgiram durante a sua histéria evolutiva conferiria pouca ow nenhuma probabilidade a ideia de que as suas crengas s3o em sua maioria verdadeiras, ou aproximadamente verdadeiras. Na verdade, a probabilidade dessas crengas serem em sua maioria verdadeiras teria de ser estimada em um valor bastante baixo (ou inescrutavel). De acordo com N & E ¢ essa primeira possibilidade, portanto, a probabilidade de R sera bastante baixa. (2) Uma segunda possibilidade é 0 epifenomenismo semdntico: pode ser que as suas crengas tenham de fato eficécia causal no que respeita o comportamento, mas nio em virtude de seu contetido. Dito no jargio da moda, seria a sugestio de que as crengas sio de fato causalmente eficazes, mas em virtude de sua ‘movimento muscular? Nao vejo qualquer evidéncia desse tipo [...] [A consciéncia parece] se [..] completamente impo- tente no que diz espeito & modilicar 0 funcionamento do corpo, assim como o apito de uma locomotiva nao tem qualquer inluéacta sob sua maquinaria” I: H. Huxley, “On the Hypothesis that Animals are Automata and its History” (1874), em Method anc Results (London: Macmillan, 1893), 239-240, Mais frente no ensaio: “Tanto quanto possoajuizar, a argumen- ‘acto que se aplica as bestas se aplicaigualmente bem aos homens; portanto,[..] todos os estados de conscigncia em nés, assim como neles, s30 imediatamente causados pels mudancas moleculares da substincia cerebral. Paece-me que nos ho- 'mens, assim como nas bestas, nao hi prova de que qualquer estado de conscitnca sejaa causa da mudanga no movimento da smatéria do organise... ] Somes autmatos conscientes/(243-244). (Note a ocorréncia aqui daquel2 forma amplamente empregada de argumento, “Néo sei que qualquer prova de que nio-p; portanto, nio hi prova de que nio-p; portant, »”) Contudo, estou aqui usando 0 termo para denotar qualquer perspectiva de acordo com a qual a cenga nao esteja envolvica 1a cadeia causal que leva 20 comportamento, envolva ou nao o dualismo que aparentemente& parte da versio de Huey. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 1st 0 argumento evolucionista contra 0 naturalismo: uma apresentacto inicial sintaxe, nao em virtude de sua semdntica. De acordo com a maneira de pensar naturalista ou pelo menos materialista, uma crenga talvez pudesse ser algo como um padrio duradouro de atividade neural, um evento neuronal duradouro, Esse evento tem propriedades de pelo menos dois tipos diferentes. Por um lado, ha suas propriedades neurofisioldgicas e eletroquimicas: 0 ntimero de neurdnios envolvido na crenga, as conexdes entre eles, seu limiar de excitagao, a taxa ea forga em que se excitam, 0 modo pelo qual mudam ao longo do tempo e em resposta a outra atividade neural, e assim por diante. Chamemos sintdticas a essas propriedades da crenga. Por outro lado, porém, se a crenga é de fato uma crenga, ela serd a crenga de que p para alguma proposigao p. Talvez seja a crenga de que jd houve uma cervejaria onde hoje ¢ o Metropolitan Opera House. Essa proposicao, poderiamos dizer, é 0 contetido da crenga em questao. Assim, além de suas propriedades sintaticas, uma crenga também tera propriedades semdnticas'” — por exemplo, a propriedade de ser a crenga de que houve uma cervejaria onde € hoje o Metropolitan Opera House. (Outras propriedades seméntica verdadeira ou falsa, implicar que houve pelo menos uma cervejaria, ser consistente com a proposigao de que todos os homens sao mortais, e assim por diante). E essa segunda possibilidade é que a crenga é de fato causalmente eficaz no que ser respeita 0 comportamento, mas em virtude de suas propriedades sintéticas, nao &s propriedades seménticas. Se a primeira possibilidade é amplamente popular entre aqueles influenciados pelas cigncias biolégicas essa possibilidade é amplamente popular entre os filésofos da mente contemporineos; na verdade, Robert Cummins vai mais longe e a chama de “a posigdo aceita’.” De acordo com essa perspectiva, assim como a anterior, a P(R|N & E) (especificada para aquelas criaturas) ser baixa. A razio é que a verdade e a falsidade esto, certamente, entre as propriedades semdnticas da crenga, nio entre as sintaticas. Mas se as primeiras nio estio envolvidas na cadeia causal que conduz a0 comportamento, entio novamente as crengas ~ on, antes, suas propriedades semAnticas, incluindo a verdade e a falsidade ~ serio 16- Concedido: as analogias entre essas propriedades ea sntaxe ea seminticaé um tanto distanteeforgada; estou usando-a apenas para seguir 0 costume. 17 - Meaning and Mental Representation (Cambridge: MIT Press, 1989), 130. Em Explaining Behavior (Cambridge: MIT Press, 1988) Fred Dretske fiz um esforgo hersico (mas em minha opiniao mal sucedido) para explicar, dado o materialimo sobre os seres humanos, como poderiam as crengas (e outras representagocs) desempenhar um papel causal na producto do conhecimento em virtude de seu conteddo ou semintica, Parte do problema & que a abordagem de Dretske implica que io hi crensas dstintas embors logicamente equivalentes,e, na verdade, nenhumas crengas istntas embora causalmente equivalentes FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 152 Alvin Plantinga invisfveis & selegio natural.'* Serd, entio, improvivel que suas crengas sejam em grande parte verdadeiras, e, por conseguinte, improvivel que suas faculdades cognitivas sejam confidveis. A probabilidade de R dado N & E juntamente dessa possibilidade (como com a anterior) sera, portanto, relativamente baixa. (3) Poderia ser queas crengas sio causalmente eficazes — tanto “semanticamente” quanto “sintaticamente” - em relagio ao comportamento, embora mal- adaptativas: do ponto de vista do valor adaptativo essas criaturas seriam melhores sem elas. A probabilidade de R dado N & E juntamente dessa possibilidade, assim como as duas anteriores, também pareceria ser relativamente baixa. (4) Finalmente, poderia ser que as crengas de nossas criaturas hipotéticas estejam de fato causalmente conectadas com seu comportamento e também sejam adaptativas. (Suponho que essa seja a opiniao comum da conexio entre comportamento ¢ crenga no nosso proprio caso). Qual a probabilidade (dada essa suposicao mais N & E) de que as nossas faculdades cognitivas sio confidveis; € qual a probabilidade de que uma crenga produzida por essas faculdades sera verdadeira? Argumentei que essa probabilidade nio é aproximadamente tio alta como inicialmente se pensa. Por uma razio, se 0 comportamento é causado pela crenga, € também causado pelo desejo (e outros fatores ~ suspeita, diivida, aprovacio ¢ desaprovacio, medo — que podemos aqui ignorar). Para cada ago adaptativa determinada, haver4 muitas combinagdes que poderiam produzir essa agio; e uma grande quantidade dessas combinagSes crenga-desejo serio tal que a crenga envolvida seré falsa. Suponha entao que Paulo é um hominideo pré-histérico; um tigre faminto se aproxima. Fagir talvez seja 0 comportamento mais apropriado: apontei que esse comportamento poderia ser produzido por um uma grande quantidade de pares crenga-desejo. Citando-me: Talvez Paulo goste bastante da ideia de ser comido, mas quando vé um tigre sempre foge procurando pormelhores chances, poispensa que sejaimprovivel 18 Temas de considera aqui a possbiidade de que a sintaxee a semintica da crenga so os efeitos de uma causa coma: talvezhaja uma causa de uma crenga tendo certs propriedaissnttias adaprativas que também causa na renga propre dades seminticas que ela tem (ela leva a efeito que o evento em questio ¢ a creaga de que p para qualquer proposigio p); & talvez esa causa torne o caro que una proposigio verdadrmsseja associada& cenga (0 erento neuronal) em questo. (Ful instruido aqui por Wiliam Ramsey e Patrick Kain). Qual sera a probabilidade, dado NACE, de que haja uma causa comum em funcionamento? Suponha que seria reltivamente bana: por que ess caust comm assoiariaproposgbesterdadeiras a eventos neuronas? Mas aera respota correta nao sja.a de que aprobabilidade¢baixa, mas inescrutivl. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 153 0 argumento evolucionista contra 0 naturalismo: uma apresentacto inicial que aquele tigre 0 coma. Isso 0 deixaré no lugar certo no que diz respeito & sobrevivéncia, sem quase envolver crenca verdadeira. (...] Ou talvezele pense que o tigre seja um grande, amigivel e fofo gatinho e queira acaricié-lo; mas ele também acredita que o melhor modo de acaricié-lo € fugir dele. (...] ou talvez ele pense que o tigre seja uma ilusao recorrente, e, esperando manter aixo o seu peso, tornow-se resoluto em correra toda velocidade quando tiver tal ilusio; ou talvez ele pense que esteja prestes a correr os 1.500 metros, € queira vencer, e acredita que o aparecimento do tigre ¢ o sinal de partida; ou talvez [...]. Hé, claramente, uma quantidade de sistemas de crenga-mais- desejo que se adéquam igualmente a um determinado comportamento.”” De acordo com isso, h4 muitas combinagées crenga-desejo que levariam 4 aio adaptativa; em muitas dessas combinagées as crengas sio falsas. Sem um conhecimento adicional dessas criaturas, portanto, dificilmente conseguiriamos estimar a probabilidade de Rcondicional a N & E ¢ essa possibilidade final como alta. Um problema com o argumento assim apresentado é este. E facil ver, por apenas uma das agdes de Paulo, que h4 muitas combinagdes crenga-desejo diferentes que a produzem; é menos facil ver como poderia ser que a maioria ou todas as suas crengas pudessem ser falsas ¢ ainda assim aumentarem o valor adaptativo. Poderiam as crengas de Paulo serem de fato falsas ainda assim conduzirem a uma ago adaptativa? Claro que sim; talver a maneira mais ffcil de ver como isso se dé ¢ pensando em modos sistemiticos pelos quais as suas crengas pudessem ser falsas ¢ ainda assim adaptativas. Talvez Paulo seja um tipo de leibniziano antigo e pense que tudo seja consciente (¢ suponha que isso seja falso); ademais, seus modos de se referir 4s coisas, todos eles, envolvem descrigies definidas que implicam consciéncia, de modo que todas as suas crengas sio da forma Este tal-e-tal ser consciente & isso-e-aquilo, Talvez. ele seja um animista e pense que tudo esté vivo. Talvez ele pense que todas as plantas e animais a sua volta sejam bruxas, e todos os seus modos de se referir a eles envolvem descrigdes definidas que implicam bruxaria. Mas isso seria completamente compativel com suas crengas sendo adaptativas; por isso, penso que seja claro que haveria muitas maneiras pelas quais as crengas de Paulo pudessem ser em sua maioria falsas, nao obstante adaptativas. De um ponto de vista naturalista, ademais, nado precisamos nos restringir a exemplos meramente possiveis. Grande parte da humanidade tem sustentado crengas sobrenaturais de um tipo ou de outro; de acordo com o naturalista, tais crengas sio adaptativas embora falsas. 19- WPF, 225-226. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 154 Alvin Plantinga © que vimos até agora é que h4 quatro possibilidades mutuamente exclusivas conjuntamente exaustivas no que refere a essa populacio hipotética: o epifenomenismo simpliciter, 0 epifenomenismo semintico, a possibilidade de que as suas crengas sejam causalmente eficazes no tocante ao seu comportamento embora mal-adaptativas, © a possibilidade de que as crengas sejam tanto causalmente eficazes no tocante ao comportamento como também adaptativas. P(R|N & E) seri a média ponderada de P(R|N & E & P,) para cada uma das quatro possibilidades Pi — ponderada pelas probabilidades, condicionais a N & E, dessas possibilidades. O calculo de probabilidades nos dé a seguinte formula: P(RIN & E) = (P(RIN & E & P1) x P(PIIN & E)) + (P(RIN & E & P2) x P(P2|N & E)) + (P(RIN & E & P3) x P(P3|N & E)) + (P(RIN & E & P4) x P(P4|N &E)). E claro que a propria ideia de um célculo (sugerindo, como de fato sugere, a atribuigio de néimeros reais especificos a essas varias probabilidades) é irriséria: 0 melhor que se pode fazer & dar estimativas vagas. Contudo, isso ser suficiente para o argumento. Concordemos que P3 ~a proposigo de que a crenca entra na cadeia causal que leva ao comportamento tanto em virtude de suas propriedades neurofisioldgicas quanto em virtude de suas propriedades semanticas, mas que ainda assim é mal-adaptativa — é bastante baixa; fica claro, entio, através da férmula, que a sua contribuigio para P(R|N & E) pode ser seguramente ignorada. Note ainda que o epifenomenismo simplicitere o semantico se unem ao declararou pressupor que o contetido da crenca carece de eficécia causal no tocante ao comportamento; o contetido da crenga nao entra na cadeia causal que conduz ao comportamento. Podemos entio reduzir essas duas possibilidades a uma: a possibilidade de que o contetido da crenga ngo tenha eficdcia causal. Chamemosa essa possibilidade “C”. O que vimos até agora é que a probabilidade de R dado N & E & -C é baixa ou inescrutivel, e que a probabilidade de R dado N & E & C ¢ também inescrutivel ou, na melhor das hipéteses, moderadamente alta. Podemos, portante, simplificar (11) para (2) P(RIN & E) = P(RIN & E & C) x P(C|N & E) + P(RIN & E & -C) x P(-C[N &E), FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 155 0 argumento evolucionista contra 0 naturalismo: uma apresentacto inicial ie.,a probabilidade de R dado N & E éa média ponderada das probabilidades de R dado N&E& CeN &E &-C (ponderada pelas probabilidades de Ce ~C dado N & B) Ji notamos que o termo a esquerda do primeiro dos dois produtos do lado direito da igualdade é ou moderadamente alto ou inescrutivel; o termo & esquerda do segundo produto ou é baixo ou inescrutivel. O que resta € avaliar seus pesos, os termos & direita dos dois produto, Assim, qual a probabilidade de —C, dado N & E: qual a probabilidade de que um ou outro dos dois cendrios epifenomenistas seja verdadeiro? Note que de acordo com Robert Cummins, o epifenomenismo semantic na verdade a opiniao aceita quanto a relagao entre crenga e comportamento.20 Isso porque é extremamente dificil, dado o materialismo, imaginar um modo no qual o contedido de uma crenga pudesse estar causalmente envolyido no comportamento, Se uma crenga é apenas uma estrutura neural de algum tipo — uma estrutura que de algum modo possui contetido, entio é muitissimo dificil ver como o contetido pode estar envolvido na cadeia causal que leva ao comportamento. Pois se dada estrutura tivesse tido um contetido diferente, mas as mesmas propriedades neurofisiolégicas, a sua contribuigao causal a0 comportamento, pensa-se, seria a mesma. O que causa as contragdes musculares envolvidas no comportamento sio os estados fisioldgicos do sistema nervoso, incluindo as propriedades fisiolégicas das estruturas que constituem as crencas; 0 contetido dessas crengas parece ser causalmente irrelevante. ‘Assim, é muitissimo dificil ver, dado N & E, como 0 contetido de uma crenga pode ter eficdcia causal. E muitissimo dificil ver, isto é, como o epifenomenismo — semantico ou simpliciter — pode ser evitado, dado N & E. (Houve alguns esforgos destemidos, embora as coisas nio paregam boas). Assim, parece que a P(-C|N & E) ter de ser estimada como relativamente alta; digamos (por precisio) 0.7, caso em que a P(C|N & E) ser 0.3. Estimemos também que a P(R|N & E & -C) seja, digamos, 0.2. Assim, a P(R|N & E) serd de no miximo 0.48, menos de 14. E claro que poderiamos facilmente estar errados; © argumento a favor de ‘uma estimativa baixa da P(R|N & E) j4 nio é irresistivel; as nossas estimativas das varias probabilidades envolvidas na estimativa de P(R|N & E) no que diz respeito & populagio hipotética foi (muito naturalmente) imprecisa e fracamente apoiada. Vocé poderia razoavelmente sustentar, portanto, que o caminho correto aqui é 0 agnosticismo: nio sabemos qual a P(R[N & E). Vocé duvida de que seja muito alta; mas nao ests preparado para dizer que é baixa: vocé nio tem opinio definida quanto a essa probabilidade. Portanto, essa probabilidade & inescrutdvel para vocé. Essa parece, além disso, uma atitude sensata a se tomar. A coisa sensata a se pensar é, ento, que P(R|N & E) ou é baixa ou inescrutavel. 20- Meaning and Mental Representation, 130. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 156 Alvin Plantinga Retornemos \ Divida de Darwin, e observemos que se essa é aatitude sensataa se tomar quanto a P(R[N & E) especificada a essa populagio determinada, entéo ser4 também a atitude sensata perante a P(R|N & E) especifica a nds. Se N & E ¢ verdadeira com respeito a nés, entéo somos iguaisa eles num sentido relevante no que diz respeito as nossas faculdades cognitivas terem o mesmo tipo de origem e procedéncia que a deles. E 0 proximo passo no argumento foi apontar que cada uma dessas atitudes — a perspectiva de que P(R|N & B) & baixa e a perspectiva de que essa probabilidade ¢ inescrutavel ~ fornece ao naturalista- evolucionista um derrotador para R. Dé-The uma razao para duvidar dela, uma razao para nio sustenté-la, Argumentei a favor disso através de uma analogia. Dentre os fatos crucialmente importantes referentes a questao da confiabilidade de um grupo de faculdades cognitivas estao os fatos sobre sua origem. Suponha que acredito que fui criado pelo Génio Maligno cartesiano que se diverte fazendo criaturas que tem muitas crengas falsas (mas que pensam_ ser paradigmas da exceléncia cognitiva): tenho entao um derrotador para a minha crenga natural de que as minhas faculdades sao confidveis. Voltemo-nos, ao invés, para uma versio contemporiinea desse cendrio, e suponhamos que venho a acreditar que fui capturado por super-cientistas alfa-centurianos que me submeteram a um experimento cognitive no qual me foram implantadas muitas crengas falsas: entao, novamente, tenho um derrotador para R. Mas para terum derrotador para R nao é necessirio que eu acredite que de fato fui criado pelo Génio Maligno ou capturado pelos cientistas de Alpha Centauro. E suficiente para que eu tenha tal derrotador se eu tiver considerado esses cendrios ¢ a probabilidade de um deles ser verdadeiro for inescrutivel para mim. E suficiente que eu tenha considerado esses cendrios ¢, que para tudo que eu saiba ou acredite, um deles seja verdadeiro. Nesses casos também tenho uma razio para duvidar, uma razio para suspender21 a minha crenga natural de que as minhas faculdades cognitivas sao de fato confidveis, Ora, é claro que derrotadores podem ser derrotados. Por exemple, sei que vocé é um salva-vidas e acredito com base nisso que vocé é um dtimo nadador. Fico sabendo, contudo, que 45 por cento dos salva-vidas frisios sto péssimos nadadores: para a crenga de que vocé é um bom nadador. Ficando sabendo, porém, que voct é formado pelo Departamento de Salva-Vidas da Universidade de Leeuwarden ¢ que uma das exigéncias para se formar Id é ser um dtimo nadador: isso me dé um derrotador para © derrotador da minha crenga original: um derrotador do derrotador, como poderiamos isso me da um derrotador chamé-1o.22 Mas (retornando ao nosso argumento) pode o derrotador que os naturalistas tém para R ser por sua vez derrotado? Argumentei que nio.23 Ele poderia ser derrotado 21 - Usarei esse terme significando fala em acrediar, de modo que supende p quando ou acredilo em sua negagio ou no acredito nela e nem em sua negacio. 22- Como de fato John Pollock chama; veja seu Contemporaries Theories of Knowledge (1986), 38-39, - Qualificare isso quando chegaraos oops. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 157 0 argumento evolucionista contra 0 naturalismo: uma apresentacto inicial somente por algo — um argumento, por exemplo, que envolva alguma outra erenga (talvez como uma premissa). Tal crenga, porém, estaré sujeita a exatamente o mesmo derrotador que R. Logo, esse derrotador nao pode ser derrotado.24 Mas se tenho um derrotador nao-derrotado para R, entio exatamente por isso tenho um derrotador nio-derrotado para qualquer outra crenga B que as minhas faculdades cognitivas produzem, uma razio para duvidar dessa crenga, uma razao para suspendé-a, Pois tal crenga foi produzida pelas faculdades cognitivas que nao posso racionalmente acreditar serem confidveis. Claramente ‘0 mesmo vale para qualquer outra crenga que elas produzirem: se nao posso racionalmente acreditar que as faculdades que produzem essa crenga sao confiaveis, tenho uma razao para rejeitar essa crenga. Assim, o devoto de N & E tem um derrotador para qualquer crenga que sustente — um derrotador, como eu disse, que ¢ em tltima instincia nao-derrotado, Isso significa, portanto, que ele tem um derrotador em tiltima instincia nao-derrotado para N & E. B isso significa que a conjungao do naturalismo com a evolugio é em si autoderrotante, de modo que nao se pode racionalmente aceité-la, Prossegui adicionando que quem quer que aceite o naturalismo deve também aceitar a evolugao; a evolugao € a tinica opgao para 0 naturalista no que se refere & questao de como surgiu toda a variedade da flora e fauna. Se € assim, por fim, entao o naturalismo simpliciter ¢ autoderrotante ¢ nao pode ser racionalmente aceito — nao por alguém que tenha sido informado desse argumento e perceba as conexdes entreN & EeR. ~ Qualifcare isso quando chegarmosna discussao sobre os loops. FUNDAMENTO - Revista de Pesquisa em Fosofn13,juldes 2016 158

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