You are on page 1of 42
A Evolugao da Comunicagao essozs em um safari na Africa as vezes tém a sorte de ver uma hiena malhada apresentar 0 seu grande e inchado pénis para outro individuo, que entdo inspeciona o drgao de per- to enquanto talvez ofereca ao primeiro a chance de tocar com 0 focinho, cheirar ou lamber seu préprio pénis ereto (Figura 9.1). Essa operagao bastante embaragosa chama a atengao da maioria das pessoas que a veem, mas 0 que realmente impressiona é saber que as hienas que fazem isso sao fémeas e nao machos. Na hiena malhada, ambos os sexos sao provides de um “pénis” que pode ficar ereto, e ambos usam 0 apéndice de modos que parecem comuni- car algo as demais hienas Comecamos este capitulo com 0 caso do pseudopénis das fémeas de hienas para ilustrar dois pontos fundamen- tais: primeiro, a diferenca entre questées sobre a origem evolutiva de uma caracteristica comportamental versus questées sobre o valor adaptativo do compor- tamento e, segundo, a habilidade dos cientis- tas de progredirem avaliando e reavaliando continuamente as hipdteses uns dos outros. Rens Chlamydosaurus kingii pode rite ecg Eeyore] Pe ee re) demonstracao? ee een at 288 John Alcock FIGURA9.1_ © pseudopanis de uma “ 1a malhada famea pode ficar ereto (A), condigao em que é frequentemente apre sentado a outra hiena (B) na ceriménia de tencontro nesta espécie. A, fotografia de Steve Glickman; B, fotografia de Heribert Hofer. A origem e a modificagao de um sinal Em algum momento, uma fémea ancestral das hienas malhadas de hoje deve ter sido a primeira a oferecer a outra hiena a chance de inspecionar seu "pénis”. Como essa fe shea veio a se comportar dessa maneira tio incomum? Para responder a essa quest#0, primeiro realizaremos comparagdes entre as familias de Hyenidae, que inclui apenas {quatro espécies, uma das quais éa hiena malhada. As quatro espécies comunicanyst quimicamente, o que inclui o uso de suas glandulas odariferas anais para marcar seu Pabitat, Machos e fémeas também inspecionam a regiao anogenital de outras hienas ¢ portanto,o ancestral da hiena malhada provavelmenterealizou comportament simi- Jar’, Em algum momento, fémeas de um predecessor imediato de hienas malhadas adicionaram a inspecdo anogenital inspecdo dos pénis eretos de outras hienas, tante de machos quanto f@meas. Mas para isso ocorrer, o pénis da fémea teve que evolu De onde veio esse érgao? ‘Em 1939, L. Harrison Matthews props que o pseudopénis poderia ser 0 resulta dodo desenvolvimento de altos niveis de horménios sexuais masculinos em fémeas de hiena™ Em 1981, Stephen Jay Gould introduziu a hip6tese para um grande pi blico em seus populares ensaios na revista Natural History."* Gould contou a seu Ieitores que o pénis do macho eo clitoris da fémea de mamiferos desenvolvem-se ex2 Comportamento Animal 289 tamente a partir de os mesmos tecidos embrionérios. A regra geral em mamiferos pa- rece ser que se esses tecidos s40 expostos cedo (como quase sempre so em embrides de macho) a horménios masculinos como testosterona ¢ outros androgenios,¢ 0 pénis €0 resultado final. Se as mesmas células-alvo nao interagem com androgénios, como €0 caso do tipico embrido de fémeas de mamiferos, entdo o dlitéris se desenvolve. De fato, quando 0 embridio de uma fémea da maioria dos mamfferos entra em contato com testosterona, seja em um experimento ou por algum tipo de acidente, 0 clitéris ‘torma-se maior e se parece com um pénis.“ Esse efeito tem sido observado em nossa prépria espécie nas filhas de mulheres gravidas que receberam tratamento médico que inadvertidamente expés sua prole a altas quantidades de testosterona,*” assim. como em fémeas cujas glandulas adrenais produzem mais testosterona do que o nor- mal. Considerando 0 padrao geral de desenvolvimento da genitélia externa de mami- feros, Gould julgou ser provével que embrides de fé meas nas hienas malhades fossem expostos a concentracoes nao usuais de androgénias masculinos. Sustentando essa hi- pétese, ele apontou para um trabalho escrito em 1979 por P.A. Racey e J.D. Skinner," que relatou que fémeas de hienas malhadas tinham niveis de testosterona circulante igual aos de machos, ao contrério de outras hienas e mamiferos em geral. Essa des- coberta pareceu confirmar @ hipétese de que um ambiente hormonal atipico levou & ‘origem do falso pénis, estabelecendo a base para a origem da cerimOnia de saudaao cheirando o pénis do parceiro. 94 Quando Gould escreveu seu artigo sobre a hiena malhada,* concluiu que a per- gunta “Para que serve 0 pseudopanis?” era desnecessétia & pouco inteligente porque Tirava a atencéo do que ele considerava ser @ questo mais importante: “Como ele sur- iu?" O que voré acha? Trabalhos sobre a hipstese do androgénio extra continuaram com alguns pes- quisadores verificando os niveis de androgénio em fémeas de hienas malhadas na natureza (tarefa dificil). Esses cientistas encontraram, para sua surpresa, que 0s niveis. de testosterona nessas fémeas sao na realidade menores do que em machos adultos." Entretanto, fémeas hienas gravidas tem um nivel maior de testosterona do que féme- as lactantes (Figura 9.2).*" Esse resultado abre espaco até certo ponto para a hipstese do androgénio extra, assim como a descoberta de que machos e fémeas tém niveis si- milares de um precursor da testosterona™' chamado androstenediona (substancia que Machos Fémeas 3 8 Testosterona no sangue TB andeogénio nas fezes TEBE Testoxteronana sangue Di Androginio nas faxes 868 8 868 8 (wou) 5029; seu ou 9Bospuiy Testosterona no sangue (ng/ml) (jui/6u) soz0j seu oweBapuy Testosterona no sangue (ng/ml) 0 Machos adultos, ‘Machos imigrantes Fémeas\actantes Beas grivicas FIGURA 9.2. Concentracées de testosterona em machos e fémeas de hienas matha- das. A testosterora foi madide no sangue e nas fezes de quatro categarias de hienas na na- tureza: machos adultos nascidos em grupo onde vivem, machos adultes que imigraram para um grupo, féreas lactantes e fémeas gravidas. Adaptada de Dioniak e colaborador 290 John Alcock ficou famosa quando o jogador de beisebol Mark McGwire tusou horménio regular mente em 1998, obtendo timo desempenho nos jogos). Como a placenta de fémeas gravidas convertem androstenediona em testosterona, embrides femea poderiam ser ‘expostos a niveis masculinizadores de testosterona. No entanto, também é verdade que, durante 0 periodo de desenvolvimento embrionério do clitéris (em queha maior sensibilidade a androgenios), as células placentérias da hiena mae estao produzindo quantidades substanciais de uma enzima que inativa androgénios. Fm humanos ¢ outros mamiferos, a mesma enzima previne a masculinizacéo da genitalia de fémeas embrionarias. Se a hipétese do androgénio extra estiver correta, entio a administracio de qui- micos antiandrogénicos em fémeas adultas gravidas deveria impedir a formagao do pseudopénis nas fémeas nascidas posteriormente. Também se esperaria que houves- se femmizacao da genitélia externa dos machos nascidos. Na realidade, entretanto, quando administra-se antiandrogenos a fémeas de hienas gravidas, as filhas das fémeas tratadas retém seu elaborado pseudopénis, embora com a forma alterada. * Esse resultado também ndo apoia a visdo de que a exposigao precoce a horménios sexuais de machos € suficiente por si sé para que embrides de fémeas de hienas ma- Thadas desenvolvam sua genitalia pouco usual." Nossa compreensao das bases pro- ximais para 0 pseudopénis esté menos certa do que um dia pareceu Se 0 pseudopénis da hiena realmente se originou como resultado de uma muta- ‘glo que expés 0 feto do sexo feminino a altas concentracdes de androgénio, ¢ se 0 de senvolvimento do pseudopénis agora independe da exposicao do feto a androgénio, enido grandes modificacdes genéticas devem ter ocorrido durante a evolugio das hie- nas malhadas, Essas mudancas evidentemente resultaram no desacoplamento parcial ‘ou completo do desenvolvimento do pseudopenis de seu contexto hormonal original, assim como a ativacdo do comportamento sexual na serpente Thamnophis strialis eno passarinho Zonotrichia leucophrys, nao mais sujeita a controle de horménio sexual (ver Capitulo 5). Nas hienas malhadas, algumas mutagoes talvez tenham se espalhado, uma depois da outra, em parte porque reduziram a concentracdo de horménios simi- lares ao androgénio dos machos presente em fémeas ancestrais ou porque modifica- ram seus efeitos, reduzindo assim os danos no desenvolvimento por efeito colateral da exposigdo a androgénios (ver a seguir). Agora, talvez, muitos genes contribuam para o desenvolvimento das caracteristicas sexuais secundarias das femeas de hie- has malhadas da atualidade. Como resultado, esses animais possuem um mecanismo de desenvolvimento menos custoso para a producdo de um elaborado pseudopénis, aparentemente usado para se comunicar com outras hienas, 9.2. Estudando comportamento de corte de moscas empidideas, EL. Kessel ficou impressionado ao descobrir que na espécie Hilara sartor, os machos agregern-se cat- regando baldes de seda vazios."” Nessas espécies, as fémeas voam até 9 agregaréo, faproximam-se do macho e recebem o baldo, que elas seguram até 0 acasalamento ocor- for Na grande maioria das espécies de moscas, incluindo alguns outros empidideos, @ Corte nao envolve a transferéncia de nenhum objeto do macho para a fémea. Mas além (i) dos balées de seda vazios de H. sartore (2) da auséncia de presentes de cortejo em iguns empidideos, machos de algumas espécies do grupo cortejam fémeas oferecendo: {@ presentes na forma de item alimentar comestvel inseto morto recentemente, (8) pre- Tentes como um fragmento de inseto seco envolto em seda ou (5) um insato comestivel Savolto em seda, Conetrua uma flogenia comportamental que considere uma hiodtese Consistente com a nogdo de que a histéria evalutiva envolve 0 actimulo de mudanga apés mudanga, na sequéncia histérica levando ao comportamento de oferecer um baléo de Seda vazio. Como voc’ poderia testar sua hipétese? Para trabalhos sobre moscas empid- deas, ver Cumiming™ e Sadowski, Moore e Brodie.” “Tentando entender como 0 comportamento de oferecer baldes vazios para as féme- as comegou, © que voce pode extrair da informac3o de que em uma espécie © macho Comportamento Animal 291 ‘ferece uma grande presa comestivel, enquanto que em outras o macho oferece presas pequenas e ainda em outras ele prové & férea um buqué de serientes nao comest~ veis de uma planta parecida com o dente-de- edo. Quando pesquisadores pegaram ‘Bresas reais de machos dessa espécie e substtuiram por pequenss bolas de algodso indo comestiveis, as fémeas aceitaram 0 presente e copularam com os machos por apro- ximadamente o mesmo tempo do que a3 fémeas que receberam uma pequena press comestivel © valor adaptativo de um sinal Entender a historia de uma caracteristica considerando sua origem e mudancas sub- sequentes é um objetivo de bidlogos evolucionistas, mas outro objetivo é descobrir por que algumas mudangas espalharam-se e persistiram enquanto outras desapare- ceram com o tempo. Esses objetivos se unem em perguntas como: por que a primeira hiena fémea mutante com filhas com genitélia externa masculinizada teve mais des- cendentes do que outras fémeas de seu tempo? Certamente suas filhas masculiniza- das teriam sofrido algum dano pelo rompimento de padres de desenvolvimento sexual ja testados ha muito tempo. Em nossa espécie, fémeas expostas a quantidades de andrégeno maiores do que o normal na fase embrionéria ndo apenas desenvolvem clitéris maior como também podem ser estéreis quando adultas, ilustrando o quanto o efeito de horménios sexuais masculinos as fémeas pode ser danoso a reproducao. E mesmo em populagdes modemas de hienas malhadas, aproximadamente 10% de todas as fémeas morrem na primeira vez que tentam dar & luz, porque os recém-nas- cidos tém de passar pelo clitéris (Figura 9.3), que oferece um estreito canal de parto, diferentemente do canal de parto vaginal da maioria dos demais mamiferos; além disso, mais ou menos 60% de todos os primeiros filhotes que nascem dessas hienas ‘morrem também."* Mas esses dados de mortalidade vém de uma populagao de cati- veiro; em seus estudos com populagdes naturais de hienas,"” Heather Watts e Kay Holekamp nao constataram excesso de mortes entre fémeas de hienas no primeito ano em que se re- produziram, Se hd um alto custo reprodutivo de possuir uma genitalia masculinizada para as fémeas de hienas malhadas, possibilidade a ser confirmada, o pseudopénis em si tem que prover substancial beneficio em termos de aptidao, ou seu mecanismo de desenvolvimento deve prové-lo.“”""" ( foco nas causas proximais do pseudopénis levou a mui- tas hipéteses de subproduto para essa caracteristica, pelas quais imagina-se que a selecdo gerou algum outro atributo realmente adaptativo e teve como subproduto 0 desenvol- vimento do clitéris aumentado. Por exemplo, talvez 0 gene mutante que aumentou os niveis de androgénio em fémeas espalhou-se porque ajudou a deixar fémeas adultas maiores e mais agressivas, ndo porque ele tenha ajudado as fémeas a adquirir o pseudopénis.™ Fémeas de hienas malhadas sao de fato atipicamente agressivas, pelo menos em comparagio com machos, sempre subordinados e complacentes a0 sexo opos- to. Fémeas nao apenas se impdem sobre os machos, mas tam- bém tém um sistema hierarquico para seu préprio sexo, com fémeas que ocupam postos altos no ranqueamento (e herda- ram suas posigdes no ranqueamento de suas maes) ganhan- do prioridade de acesso aos gnus e zebras que 0 cla mata cu FIGURA 9.3 _Um custo para o pseudopénis de fémeas de rouba de ledes. (Figura 9.4)."""* Desse alto ranqueamento _hienas malhadas. O canal de parto desta espécie se estende hho cla decorrem ganhos significativos no sucesso reproduti- Pet dentro do pseudopénis, o que estreta muito ocanal e vo. Rotwas nbitopocuinpre eonseguer cagarne taeciameda pate overs compliensiesftae pervs faleeaniiaipete : ‘ filhote durante o nascimento. Desenho de Christine Drea, reti- ‘enquanto que fémeas subordinadas em algumas circuns- ado de Frank, Weldele e Glickman.” 292 _John Alcock tancias tem de procurar alimento fora da area ocupada pelo cla, uma missio arriscada. Os jovens de fémeas no topo do ranqueamento crescem mais rapido, tém maior chance de sobre- viver e tém mais chance de alcanca- rem 0 topo do ranqueamento do que fémeas filhas de hienas subordinadas (Figura 9.5)."* Esses fatos parecem estar relacionados ao fato das féme- as dominantes produzirem mais an- drogénio durante a segunda metade da gravidez do que as subordinadas; quanto mais androgénio atingir o feto em desenvolvimento, maior a proba- bilidade dele ser agressive quando for filhote, sendo este o primeiro pa: 50 para ele se tornar mais agressivo quando adulto.™ Todos esses benefi- TGURA?A, Aconosticho per slimerin 4Infania anita Khiieiwalindincqus “ube decipoalie aanienginic pod Pale evorecerindviduos mu agresives. Um da de hienas pode consumiruma girafa iam possivelmente ter alguns efeitos inteira em poucos minutos. Fotografia de Andrew Parkinson. colaterais custosos, como, por exem- plo, ter um pseudopénis se vocé for uma fémea dehiena malhada Mas existem problemas aqui: por um lado, se ter um pseudopénis fosse estri- tamente uma desvantagem, a selecdo certamente teria favorecido alelos mutantes que reduzissem 0 efeito danoso que androgénios (ou outros potentes quimicos que influenciassem o desenvolvimento) tem em embrides fémeas. Entdo talvez 0 pseu- dopénis tenha valor por si $6, apesar de seu bvio custo. A primeira hipétese adap- tacionista desse tipo foi oferecida por Hans Kruuk (o mesmo bidlogo que estudou o comportamento agressivo em gaivotas; ver pagina 185). Em 1972, ele sugeriu que a _genitélia ereta da fémea era usada para reduzir a tensdo entre as fémeas muito agres- sivas do cla, promovendo ligacdes sociais que manteriam o grupo coeso e trabalhan- | do pelo bem comum."* Mas Kruuk nao especificou por que um pseudopénis ereto seria necessério para ligar socialmente as fémeas nessa espécie, quando outras hienas exibem uma ceriménia de encontro perfeitamente eficaz baseada apenas na inspecao da glandula anal do coespecifico. Nessas outras espécies, as fémeas dao a luz pela vagina, com nenhuma das complicagées que as hienas malhadas enfrentam por dar a luz pelo clitéris alongado. 10 | eos | : ze FIGURA9.5 A dominancia 3 = aumenta muito o sucesso re t 5 08 produtive da femea nashienas = 8 malhadas. O status social da g 3 mae édiretamente ligadoaso- oe brevivéncia do filhote até os dois: 3 anos de idade e 0 ranqueamento de dominancia determinado pela checcomlodemennsescore o ao pores de hengs Adoptada de 19 08 00 05 10 0 05 09 05 10 Hofer e East." Status social maternal Status social maternal Comportamento Animal 293 Por conta das deficiéncias da hipotese de lacos sociais, Martin Muller e Richard ‘Wrangham ofereceram outra razao para explicar porque o pseudopénis é adaptati- vo. Eles argumentaram que o mimetismo estrutural de machos por fémeas proveria uma camuflagem “masculinizadora” que reduziria a chance de serem agredidas, presumivelmente porque fémeas sao enganadas a tratar individuos com pseudo- pénis como se fossem machos.""* Os préprios Muller e Wrangham reconheceram, entretanto, que a evidéncia a favor dessa ideia é fraca; por exemplo, a hipdtese leva a improvavel previsao de que fémeas agressivas usam principalmente pistas visuais associadas a genitalia externa para identificar 0 sexo de outra hiena e, portanto, te- iam dificuldade em distinguir machos e fémeas. Mas, como hienas em particular e mamiferos em geral s40 muito dependentes de pistas olfativas e actisticas para dis- tinguir entre machos e fémeas,'""* fémeas adultas quase certamente podem diferen- ciar com rapidez se outra hiena adulta é um macho ou uma fémea, particularmente quando estao inspecionando outro individuo de muito perto durante a ceriménia de encontro, Tudo isso nos traz de volta a essa ceriménia na qual o pseudopénis atualmente ‘exerce um papel. Seré que essa fun¢ao poderia ser to importante a ponto de compen- sar as desvantagens reprodutivas impostas pelo clitéris alongado da fémea? Uma hipstese adaptacionista Para explicar por que uma fémea de hiena malhada pode se beneficiar por ter uma es- trutura mimética a um penis para usar na cerimOnia de encontro, talvez pudéssemos ‘unir os elementos da “harmonia social” de Kruuk com aspectos da hipétese do “mi- metismo sexual” de Muller e Wrangham. Essa hipdtese combinada requer que consi- deremos 0 contexto evolutivo em que o pseudopénis talvez tenha se originado (note a complementariedade dos diferentes niveis de andlise oferecidos pelas hipéteses sobre a origem de uma caracteristica e sobre seu valor adaptative). Imagine que a relacao femea-dominante e macho-subordinado tenha evoluido antes do pseudopénis apa- recer. Indo um pouco além, imagine que um pénis ereto fosse uma das pistas que os machos subordinados motivados sexualmente apresentassem as fémeas dominantes que estivessem cortejando. A apresentacdo desse Grgao a fémea claramente sinalizaria 0 sexo do cortejador e, como consequéncia, seu status subordinado e no ameacador. Esse sinal paderia encorajar fémeas nessa ocasiao a aceitar a presenga do macho em vez de rejeité-lo ou maté-lo. Subsequente a evolucao desse tipo de sistema de comunicacao entre machos e fémeas, femeas mutantes com um pseudopénis teriam a possibilidade de penetrar em um sistema jé estabelecido para sinalizar subordinacao, algo titil de se fazer em uma sociedade muito competitiva com hierarquia de dominancia entre fémeas.'"* 0. beneficio para um subordinado capaz de sinalizar a aceitacao de seu baixo status nes- sa hierarquia viria dele ter a permissao de permanecer no cla em vez de ser expulso e ficar em um ambiente no qual hienas solitérias sequer vivem muito tempo, quanto mais conseguirem se reproduzir. Hienas que vivem em um cla tém a chance de repro- duzirem em algum momento; hienas que morrem jovens nao. Evidéncia a favor dessa hipétese vem da observacdo de que fémeas subordina- das ¢ jovens sio muito mais propicias a iniciar a interacdo envolvendo a exibigdo do pseudopénis do que animais dominantes, indicando que elas ganham ao transferir informagao de algum tipo para individuos dominantes.™ A cooperacao entre hienas subordinadas e dominantes pode avancar se a fémea dominante puder acessar com precisio 0 estado fisiol6gico (p.ex., hormonal) de um subordinado ao inspecionar seu pénis ou seu clitoris ereto e cheio de sangue. Talvez subordinados realmente submis- sos estejam sinalizando a falta de um horménio (ou algum outro quimico detectével) necessario para iniciar um enfrentamento sério ao individuo dominante, que entao pode tolerar esses individuos, j4 que eles ndo apresentam ameaga imediata a seu. status. Observe que essa hipétese assemelha-se & de Kruuk quanto ao ponto de que a “harmonia social” vem do fato do subordinado aceitar seu status relativo ao indivi- 294 John Alcock duo mais dominante, Além do mais, omimetismo do macho pela fémea também esta envolvido jé que. fé mea subordinada comporta-se como macho para demonstrar seu ranqueamento relativo a outras fémeas (e nao para enganar os membros de seu cla sobre set sexo real). teeter) 9.3. Como voc’ poderie usar dados comparativos para testar a hipétese de que o uso do pseudopénis na ceriménia de encontro das hienas malhadas possul valor adaptativo para um emissor subordinado como meio de demonstrar sua intengo de se submeter 2 ma fémea dominante? Tire proveito do fato de que existe informagao sobre o compor- tamento de outra espécie de hiena no social, Alem do mais, outro m muito social, o roedor Heterocephalus glaber (rato-toupeire-pelado; ver Figura 5.14) um membro da ordem Rodentia, é de certe forma similar as hienas malhadas, pois a repre uso das fémeas em determinado grupo 6 altamente enviesads. No caso de H. gabe uma Gniea “rainha” & dominante &s véris outras fémeas em seu grupo com o gual ela in erage, e 2 rainha é 2 Gnica reprodutore de seu grupo.”" Embora os incividuos de H. gla berndo tenham geritalies masculinizades, um cltéris mais desanwolvido do que 0 normal é caracteristico em fémeas de lémures em Madagascar," e a caracter aparece em varios outros mamiferos."* ica tarrbém A histéria de um mecanismo receptor de sinais A hist6ria da hiena malhada ilustra, entre outras coisas, que bidlogos comportamen- tais ainda tfm quebra-cabecas interessantes para resolver. Tendo ido o mais longe que podiamos até o momento com a possivel origem e valor adaptativo do sinal emitido pelo pseudopénis, nos concentraremos agora na evolucao do outro lado da equacio, a recepedio do sinal. Nosco foco sera a espécie de mariposa Hecatesia exultans, em que os machos produzem fortes pulsos ultrassénicos de som ao bater suas asas (Figura 9.6A). Apesar de ndo ouvirmos esses sons, outras dessas mariposas conseguem, como @) FIGURA 9.6 Comunicagio ultrassénica. (A) Machos da mari- posa Hecatesia exultans produzem ultrassons ao bater as “cas: {anholas” de suas asas anteriores. (B) Um macho desta espécie foi atraide pelas gravacdes da vocalizagdes de outro macho tocado em seu territério por meio de um pequeno alto-falante, confirmando que esta espécie usa esses sons para comunicar. Fotografias do autor. Comportamento Animal 295 demonstram ao voar em direcao a um alto-falante tocando a gravagio de sinal emiti- do por um indivicuo de H. exultans no habitat apropriado (Figura 9.6B), na tentativa de encontrar e interagir com o macho emissor.”* Portanto, os sons feitos por machos podem ter um papel tanto na defesa do territério de vocalizacao quanto na atraco de femeas receptivas ao emissor. ‘Tanto macho quanto fémea de H. exultans possuem mecanismos para escutar as ‘voralizagdes agudas de outros membros de sua espécie."“” O sistema de recepgao de som consiste em parte em um ouvido de cada lado do t6rax, perto do ponto onde a asa traseira prende-se ao torax. Essa mariposa é uma Noctuidae, membro da mesma familia que as mariposas que detectam morcegos que vimos no Capitulo 4, assim como naquelas mariposas, a parte externa do ouvido dessa espécie é composta de ‘uma fina cuticula que forma uma pequena elipse chamada de membrana timpanica, que cobre o saco aéreo. Quando a membrana vibra em resposta ao ultrassom, 0 saco ‘aéreo também se mexe, provendo energia mecanica para receptores sensoriais asso- ciados. Esses mecanorreceptores entio enviam sinais para outras partes do sistema nervoso. Como esse sofisticado dispositive evoluiu para detectar sinais ultrassOnicos de outres mariposas dessa espécie? Pesquisadores interessados nessa questdo tém operado seguindo as mesmas re- gras basicas daqueles interessados na origem do pseu- dopénisnas hienas malhadas. Fles conjeturaram que ao, mudar de um presumivel estado ancestral, que seria nao ternenhum ouvido (mesmo hoje, a maioria das maripo- sas ndo os tém), essa estrutura ndo apareceu por meio de apenas uma ou duas mutagoes. O sistema € muito complexo e composto de muitas partes inter-relaciona- das para ter se desenvolvido a partir de uma mudanga em um ou dois genes. Em vez disso, é muito mais pro- vavel que 0 ouvido tenha se constitufdo gradualmente, com uma pequena mudanca adaptativa sobre a outra,, até produzir o complexo mecanismo actistico na presen- te forma. Mas como testar essa hip6tese? James Fullard e Jane Yack decidiram procurar pis- tas sobre o passado no corpo das mariposas de hoje.” Examinaram algumas mariposas saturnideas, mem- bros de um grupo que ndo possui ouvido e, portanto, no podem escutar nada. Fles prestaram especial aten- co as partes do t6rax das saturnideas onde podemos encontrar ouvidos nas noctuideas (Figura 9.7) Fullard e Yack encontraram, ligados na cuticula da regiao do té- rax de saturnideas, células mecanorreceptoras estrutu- ralmente muito semelhantes as células mecanorrecep- toras dos ouvidos de mariposas noctufdeas, sugerindo que os ouvidos de noctideos nao vieram do nada, mas Mariposa esfingidea Mascul eros do estingiden Mariposa noctuides Tam eK lice Miscules e nervos do noctuideo sim que houve modificagdes de células sensoriais pre~ existentes que desempenhavam outra funcdo em mari- posas sem ouvido. ‘O que essas “células mecanorreceptoras nao acis- ticas” fazem para saturnideos? Elas esto ligadas a uma parte do t6rax que movimenta-se ritmicamente enquanto as asas se movem, em especial quando a ma- riposa esta vibrando as asas com rapidez. para gerar ca~ lor metabélico antes de voar. Esses mecanorreceptores traduzem energia mecénica do movimento da cuticu- la em mensagens liberadas em outro lugar do sistema nervoso, onde a informacao sobre o alinhamento de va- rias partes do corpo é usada para ajustar a posigao da FIGURA 9.7. Evolucdo de um sistema sensorial. Mariposas esfingt deas, assim como mariposas satumideas, no conseguem ouvir, mas ‘mariposas noctuideas podem. As setas vermelhas na porcéo superior da figura apontam para a mesma regifo tordcica nas duas mariposas. Neste lugar, esfingideos no possuem ouvido com cavidade timpari- ca, mas nactuideos tém. & porgao inferior da figura mostra a relacao entre as placas tordcicas (as duas camadas claras no topo de cada desenho), alguns musculos tordcicos (bandas pontilhades) e um nervo sensorial amificado. Observe as semelhancas anatémicas entre as dues mariposas, especialmente no que diz tespeito ao nervo senso- rial, O ramo do nervo chamado de bi transmite informacdes sobre a posigdo da asa posterior no esfingideo; no noctuideo, esse mesmo ramo passa a informagao acistica da membrana timpanica para o sistema nervoso central da mariposa. Adaptada de Yack’ e Yack e Fullard;'** desenho da mariposa estingidea adulta de Diane Scott. 296 John Alcock mariposa no espaco. Um tipo similar de mecanorreceptor em uma mariposaancestral na linhagem de noctufdeos pode ter conferido uma fraca habilidade de ouvir certos sons fortes, porque sons fortes podem fazer 0 exoesqueleto de um inseto vibrar.” E interessante notar que um receptor de estiramento ancestral para monitorar a posi- {ao do corpo também evoluiu em um receptor auditivo para detectar sons vindos do meio aéreo em outros insetos nao relacionados as mariposas,'“* demonstrando que a funcao dos receptores pode sim mudar ao longo do tempo. “Quase certamenie, a primeira mariposa noctuidea a escutar nao possuia nada parecido com as sofisticadas habilidades sensoriais dos descendentes atuais daquela rariposa. Mas com a adigdo de outras pequenas modificagdes, como a leve reducdo hha espessura da cuticula sobre 0 mecanorreceptor “actstico", 0 aumento de cavidade respitatoria atrés dessa parte do trax e um modelo de mecanorreceptor de alguma maneira mais sensivel a sons de frequéncias particulares, essas mariposas mutantes pederiam ter escutado as voealizagbes de morcegos de maneira mais confidvel: Hoje, P timpano de pelo menos algumas mariposas noctuideas claramente se modificou de Gutras maneiras, porque essa regio ¢ estruturalmente diferenciada com uma “zona paca” central envolta por tum cfrculo de cuticula mais fina e clara. Os receptores estdo ligados & zona opaca, que vibra com muito mais vigor em resposta a uma es: timulacao ultrassOnica do que a cuticula ao redor. ‘% Em outras palavras, a regido timpinica de mariposas noctuideas modernas é mais complexa (e presumivelmente ‘mais efetiva em detectar ultrassom) do que parece & primeira vista. Se receptores com audigao ultrassonica superior sobreviveram melhor e por isso se reproduziram mais, entao seu sucesso genético teria sido o primeiro passo para a préxima pequena melhora espalhar-se pela espécie por seleco natural A histéria das asas dos insetos ‘Darwin reconheceu hé muito tempo que mudangas na funcao adaptativa ocorreram comumente ao longo do tempo evolutivo. Em um maravilhoso livro sobrea evolucéo de orquideas, ele escreveu: “No curso regular dos eventos, apazentemente, a parte que originalmente serve para uma funcao torna-se adaptada por pequenas mudan- ‘as para funges bem diferentes.” Essa regra parece se aplicar para os mecanismos: widitivos da mariposa H. exultans, derivados de sistemas que um dia monitoraram \ibragdes de asas em vez de vibragées sonoras vindas pelo ar. Além do mais, 0s ouvi- dos de H. exultans agora fornecem aos individuos informagoes sobre o sinal actistico produzido por outro individuo de H. exultans, enquanto que os ancestrais dessa ma- Fiposas quase certamente usaram sua habilidade auditiva para um propésito diferen- te: a detecgo de ultrassom produzido por morcegos. (© argumento de que estraturas adquirem diferentes fangdes a0 longo do tempo evolutivo pode ser reforcado examinando de onde as asas de insetos vieram e identi: ficando o que as estruturas dos antecedentes faziam para os animais que as possuiamn- Em individuos de H. exultans modernos, asas sao utilizadas para voo e para producio de som. Os modelos dessas asas e seu sistema de controle sao extremamente com: plexos, néo podendo ter evoluido a partir de um tinico passo evolutivo. Algumas pessoas acreditam que os precursores das asas de insetos resultaram do crescimento, para fora do corpo, do aparato respirat6rio — as branquias — de um artropode ances: tral aquético no qual as branquias estavam ligadas as pernas.® Esse ancestral forne- eu aus descendientes modernos um conjunto de genes que agora tém papel essencial ho desenvolvimento do plano corpéreo de crustéceos, insetos, milfpedes, xifosuros caranhas. Dois desses genes, pdm/nubbin e dptero, sdo ativos no desenvolvimento de bbrinquias de crustaceos mocernos, que também sao apéndices ligados ds pernas des” es animais. Em xifosuros, os mesmos genes sao ativados durante o desenvolvimento de aparato respiratorio aquatico, as branguias foliéceas, Em dois grupos de animais aparentados que deixaram a 4gua h4 muito tempo, a8 aranhas e 0s insetos, esses Be wes foram mantidos, mas agora contribuem para o desenvolvimento de pulmées foli- 4ceos em ararhas e de asas em insetos (Figura 9.8). Comportamento Animal 297 fae Grupo de ranquias oe Membro muliramiicado Felha branquial (epipode) Custsonos -Apendice da pera = Insetos Miiépodes ArSpode ancestral aquético ithe folisceas Xifosures Avanos Mudance da ‘gua para terra Pulmées Fiandeiras folidceos FIGURA 9.8. As branquias de artrépodes evoluiram e tornaram-se vérias estruturas dife- rentes e com diferentes funcdes. Em um artrépode ancestral aquatica, as placas branquiais serviram para respirar; elas estavam ligacas as pernas desses animais. Nos descendentes ‘modernos desses antiges animais, as branquias retiveram seu papel respiratério sobre a 4gua ‘em crustéceos e modificaram-se em branguias foliiceas em xifosuros. Nas trés linhagens ter- restres derivadas do artrépode ancestral, as placas branquiais foram pardidas nos mirigpodes; ‘etidas, mas modificadas como pulmées folidceos e fianceires em aranhas; e retidas de forma ‘akamente modificada como asas em insetos. Adaptada de Damen, Saridaki e Averof.** Portanto, um cendrio para a evolugao das asas dos insetos vé sua origem em inse~ tos que, em seus estagios imaturos aquéticos, possuiam placas branquiais respiraté- ras no térax que também podiam ser movidas, auxiliando, assim, a locomogao sobre a dgua (Figura 9.9)."" Se alguns desses animais reteve suas placas méveis quando se metamorfosearam em adultos terrestres, entlo essas estruturas poderiam ter sido usadas como velas em um veleiro para possibilitar ao adulto recém-formado deslizar pela superficie da agua para a terra. Um deslocamento mais rapido pode ter sido vantajoso se houvesse predadores prontos para capturar os recém-adultos enquanto boiassem na égua. Mesmo hoje, algumas espécies de plec6pteros — antigo grupo de insetos aquaticos —que nao voam, ficam sobrea superficie da égua quando tornam-se adultos e usam suas modestas asas como velas para aproveitar o vento a seu favor (Figura 9.10).”” Ao menos uma espécie de efémera, outro grupo antigo de insetos aquaticos, faz 0 mesmo." As efémeras quase certamente descenderam de ancestrais que voaram, mas perderam essa habilidade porque vivem em éguas onde peixes so extremamente escassos; como o risco de predacdo foi reduzido nesse inseto, as van- tagens de um vo eficaz diminuiui de maneira correspondente. Quando Jim Marden Melissa Kramer (aluna de graduacao na época) cortaram as asas de espécies de ple- cépteros voadores de maneira que os insetos nao podiam levantar vo, os individuos com as asas cortadas ainda podiam deslizar sobre a gua mais répido do que imatu- ros podiam nadar. Ent&o aqui temos outra demonstragio de que as pequenas asas de insetos ancestrais que nao voavam podem ter tido valor adaptativo e poderiam entao Destino das branquias (epipodes) Erénquias (epipodes) sas (Perds) Branquias foliaceas Pulmdes foléceos, ‘raqueias e fiandeiras. 298 John Alcock ter se espalhado nas populagdes no passado, mesmo que nao conferissem ha- bilidade para var." Como asas para "velejat” tornaram-se comuns para algumas espécies an- cestrais antigas, individuos mutantes que conseguissem mover esses apendices como remos podem ter sido capazes de deslocar-se como um barco movido a remo, como faz um plecoptero vivente do Chile.”” Posteriormente, outros mo- ‘vimentos alados mais potentes guiados por musculos mais poderosos podem ter deslocado um remador ou um aquaplanador mais rapido pela agua. Essas simples projeqSes achatadas teriam sido o primeiro passo para outra modifica- gio, o aumento na capacidade do mésculo de voo que poderia fazer um bom aquaplanador sair da gua. Alguns plecdpteros modernos demonstram como ‘essa transicao entre aquaplanar e voar pode ter ocorrido. Plecépteros adultos do genero Leuctra batem as asas para conseguir impulso suficiente de modo que apenas as duas pernas traseiras fiquem em contato com a 4gua. Essa po- icdo estabiliza 0 inseto, permitindo que ele mova suas asas de maneira muito ‘mais ampla do que seria possivel para aqueles plecdpteras que mantém as seis pernas na superficie da agua, Os que se apoiam nes pernas traseiras deslocam- ‘se aproximadamente 40% mais rapido do que os que se apoiam nas seis pernas (Figura 9.11), mostrando como individuos mutantes de algumas espécies de insetos ancestrais que usaram essa estratégia de deslocamento podem ter al- cancado vantagens adaptativas."° £ um pequeno passo de aquaplanar sobre as ppernas traseiras para o voo completo, que teria levado os primeiros verdadeiros Soadores para longe de peixes que se alimentam de insetos para o relativamen- te seguro meio aéreo. De fato, 03 plecpteros voadores modernos empregam ‘asas de insetos? As placas branquiais mé~ E sae etc Mleceptero extnto podem ter quase exatamente 0 mesmo conjunto de movimentos quando estio parados vols este pecet cares Wasto core gobTee Agua pulain para fora els emt comparasio A plecépteros que aqua- see a canetures dese ipo podem ter sido _planam sobre as pernas traseias hoje em dia, o que demonstra o qeemue éplau- oe ev ieitins de um veleiro por insetes.sivel o cendrio em que uma espécie ancestral que aquaplanou sobre as pernas aquéticos quando eles aquaplanavam sobre m i evo” sults ane atu: . ote tertha dado origem a um descendente capaz de voar’ va-Peck** 9.4 Adiversidade de comportamentos entre plecipteros viventes sugere um cenério histérico que vai de beiar na supericie da agua até pular ds superficie da aqua e voor (ver Figura 9.11), Essa hipotese historica pode ser testada plotendo o comportamanto de ce gcos de plecépteros em uma filogenia do grupo (ver Thomas e colaboradores." ou ftto fei pbu.edu/People/Faculty/Marden/skim. htm). Dade 2 evidéncia disporivel, Qual sua avaliagdo sobre a validade dessa hipdtese? Folhas branquiais FIGURA 9.9 Precursores evolutivos de “ @ FIGURA9.10 Um plecéptero aquaplanador (A) parado sobre a dgue. (8) © plecdptero Tavantou as asas curtas, que usa estritamente para pegar vento ao aquaplanar sobre a agua tmontendo suas 6 pernes na superficie da Sgua. Fotografias de Jim Marden. Comportamento Animal_299 Velocidade (ern/segundo) Nado Nado- Remo Aque- = Aqua: Aque: Veo aquaplanagen planagem planagem planagem com ‘com compernas Spemes 4peras —traseires Tipo de locorrogio 9.5 Quel oproblema pare a hipétese de que todos os insetos voadores modernos evo- luiram de um ancestral que aquaplanava na dgua, considerando que se acrecita que os paremtes proximos de insetos aladas modernos sejam um grupo chamado de Thysanura, ‘exclusivamente terrestres (2s familiares tragas que andam pelas prateleiras de livros per- tencem a esse grupo}. Do mesmo modo, o grupo de insetos do qual tanto os Thysanura ‘quanto os insetos alados moderos evoluiram @ outro grupo essencialmente terrestre. Finalmente, 0 ancestral crustéceo de todos os insetos também parecie ser terrestre. Em algum ponto na evolugao do voo dos insetos, as protoasas de formas ances- trais tornaram-se completamente modificadas, possibilitando 0 voo completo. Nesse momento, mecanorreceptores no t6rax que forneciam informacao sensorial sobre a -posicao das asas (entdo com fungio de vela) relativas ao térax podem ter ajudado es- ses insetos a controlar seus movimentos ao monitorar o batimento das asas. Quando o ancestral das mariposas surgiu, essa espécie provavelmente jé tinha sensores de posi- ‘<0 de asa. Ao longo do tempo, esses mecanorreceptores gradualmente evoluiram em detectores de ultrassom com nova fungio antipredadora (ver pagina 114). Entretanto, ouvidos que evolufram por suas vantagens contra morcegos também podem detectar ultrassom vindo de outras fontes, incluindo membros da propria espécie. Os ouvidos da mariposa Hecatesia exultans estavam disponiveis para adquirir ainda outra funcac: a deteccao de sinais ultrass6nicos produzidos por batimentos das asas de machos coespecificos.* Exploragao sensorial de receptores de sinais De acordo com o cenério delineado acima, machos da mariposa H. exultens usam ultrassom para se comunicar com coespecificos, porque um ancestral dessa mariposa tinha morcegos como predadores, tornando a percepeao de ultrassom reprodutiva- mente vantajosa no passado. Assim que os detectores de ultrassom surgiram, sua existéncia diminuit a relacio custo /beneficio reprocutivo para individuos mutantes que gerassem sinais ultrassénicos. Os individuos receptores, devido a sua heranga evolutiva, podiam ouvir esses sinais ultrassénicos mais facilmente do que sons em baixas frequéncia. FIGURA 9.11. Caminho evolu- tivo possivel do nado até 0 voo completo em plecépteros. Es- ‘80 mostrados aqui dados sobre a velocidade média de desloca- mento dentro ou fora da égua por representantes vivos de 7 diferentes tipos de plecépteros. ‘Os grupos estao organizados por velocidade de deslocamento do mass lento para o mais répido, Se a evolucao tiver atuado na cia mostrada aqui, cada plecéptero modificado teria sido capaz de se deslocar com mais rapidez dentro ou fora da agua. Adaptada de Marden ¢ Tho- mas.” PAG a: 300 John Alcock "Skrraa” agressive Uso de “skrraa” em: ‘Agressso <6, (Beeps exten) FIGURA 9.12. Um sinal ancestral foi rpoptade om alguns passaros-caraman- Shelvos. Na meioria dos passaros-cera- ‘nancheres, machos usam a vocalzaca0 : rakes para ameagat vais. Em Um Poliginia,constugie Grune de espécies proximas, que incl Soest 5 Chiamydera maculata e 0 Chlamydere ichane decorate do Oe inal ager verve coma, coP Te Adastede de Borgia e Coleman." Monogaria —+.— Da mesma maneira, sugeri antes que poderiamos entender melhor co uso do pseudopénis das fémeas de hienas malhadas em exibicdes Surante a cerimOnia de encontro se essa espécie js tivesse evolufde um Sistema de comunicagao macho-femea que permitisse ao macho 0 150 de seu penis para sinalizar seu status subordinado para uma femea ‘De modo similar, em um grupo de passaros-caramancheiros, machos team uma desagradével vocalizacao “skrraa” quando estio cortejando Femeas (acstunto explorado em maiores detalhes no préximo capitu- Jo), quase certamente porque essa vocalizacéo adquiriu’ um Nove papel apée originalmente ter evoluido como um sinal agressivo entre machos (Figura 9.12). Entao aqui temos um sinal preexistente cooptado para outra fungo porque fémeas podem utilizé-lo para escolher adaptativamente um macho. © ontrério ocorre quando animais produzem um novo sinal tirando proveito de um mucanismo de percepcio existen’e em um receptor do sinal- fenémenc fre- temente chamado de exploraga0. ‘sensorial.”"* Em um dos exemplos melhor seeclade, Heather Proctor hipotetizou que a corte moderna realizada por machos de uma espécie de dcaros aquaticos comecou quando machos acidentalmente ex- ploraram 0 comportamento predatério de femeas esperando capturar pequenos invertebrados aquaticos chamados de ‘copépodes."” Enquanto a fémea predadora teat em posigao de ataque, chamada de “posigio de rede”, 0 ‘macho vibra uma perna dianteira em frente a ela, que pode entio pegé-lo, usando a mesma resposta {que utiliza para capturar copépodes. Entretanto, ela solta ‘omacho ileso, que se vira Oideposita espermatsforos (pacotes de esperma) proximos 8 fémea, que recebe em ua abertura genital se estiver receptiva (Figura 9.13). © aparente uso de captura predatoria pela fémea em resposia & demonstracao vvibratoma do macho sugeriu a Proctor que machos estavam mimetizando © estimulo prodiuzido pelas presas desses Acaros, os copépodes. Talver 8 reagdo da fémea atenha Preatificadh como patencial parceira sexual ¢ terha mostrado a0 macho ‘onde posi- onar seus espermat6foros (esse Acaros no enxergam). Se machos desencadeiam a resposta que femeas exibem ao detectar presas,entio femeas em caliveiro ‘mantidas ‘Chiamydera nuchalis Comportamento Animal 301 ‘ wy FIGURA 9.13 Exploracao sensorial e 2 evolucdo de um sinal de corte no acaro aquatico Neumania Papillator. (A) A fémea (& esquerda) esté em sua pos! $0 de capturar presas (posigao de rede). © macho se aproxima e vibra a perna dianteira na frente dela, pro- duzindo vibrages semelhantes 3s que um copépode Pode fazer. A fémea pode responder pegando-o, mas ela o solta sem feri-lo. (B) O macho entao deposita os espermatéforos na vegetacso aquitica na frente da fémea antes de movimentar suas peras sobre eles. ‘Adaptada de Proctor.””” um e, portanto, com fome, deveriam responder mais a sinais de machos do que bem alimentadas. Elas realmente o fazem, dando suporte & ideia de que uma = que 0 primeiro macho ancestral usou o sinal vibrat6rio, seu comportamento e sua ‘nereditéria espalharam-se por terem desencadeadlo de maneira eficaz um meca- o de deteccio de presa preexistente em fémeas."” A explicagio, entretanto, néo de eriticas por varios motivos, incluindo a possibilidade de fémeas com mais estarem mais dispostas a solicitar acasalamentos para adquirir um espermato- © rico em nutrientes para digerir."” Entre 0s caros aquiticos, a corte vibratéria ocorre apenas em poucas espécies, as em que fémeas adotam a “posicdo de rede”. Medindo um grande nime- de caracteristicas em varias espécies de acaros aquiticos, Proctor construiu uma ia desses animais. A filogenia indica que a postura de rede de fémeas origi- ‘em um Acaro aquético ancestral que originou oito espécies descendentes. linhagem, 0 comportamento de corte vibratoria apareceu posteriormente vezes, uma vez no ancestral do género Unionicola e uma vez no ancestral que FIGURA 9.14 Dois cenérios evolutivos para a evolucio da corte vibratéria em dcaros aqusticos do género Koenikea (duas espécies), Neumania (trés espécies) ¢ Unionicola {cinco espécies). (A) A corte vibratéria do macho (CV) pode ter evoluido aproximadamente no mesmo momento em que féneas predadoras adotaram a po: cestral de Neumaniia e Unionicola (PR+, CV+), com a corte vibrat linhagem levando a uma espécie de Neumania (CV). (8) Outro cenério igualmente simples para a evolucio da posigio de rede no ancestral de dois géneros, Neumania e Unicnicola, ‘mas em vez de ume inica origem para a corte vibratéria, teria havido duas origens, uma no ancestral de Unionicola e outrano ancestral de Neumania papillator (N1) e seu parente pr- ximo (N2). Adaptada de Proctor."”* * 3 8 a nl ve oa = 2f_a_f_ff fee PR Gt} Koerikea Neumania Unionicola Koenikea — Neumania Unionicola KI K2 NI N2 NZ Ul U2 U3 Us US Kr K2 NI ON? NB UI U2 U3 U4 US & a evs al PR: 302 John Alcock FIGURA 9.15 Um peixe ciclideo fémea (e3- ‘querda) é atraida pelas manchas alaranjadas na nadadeira anal de um macho. dividiu-se em duas espécies de Neumania (Figura 9.14), Se essa filogenia estiver cor- eta, a corte vibratoria pode ter se originado bem depois das fémeas terem adotado tum estilo de vida cacador de copépodes e terem evoluido sensibilidade a vibragoes debaixo d“agua associada com essas presas. Machos que por acaso tenham sico os primeiros a mimetizar essas vibrag6es tiveram suas chances de acasalamento aus- Prentadas, por aproveitarem-se de mecanismos sensoriais que as fémeas tinham ad quirido por outra raza. eicheras esate 9.6 Femeas de um peixe ciclideo africano oviposita no fundo de lagos em depres feitas por machos '*” A fémea pega seus ovos cor de laranja com sua boca quase 130 rapido quanto ovipée (ela protege os ovos fertiizados e os recém-nascidos, deixanclo-os Tentro de sua boca), Quando as fémeas ovipositam, o macho que fez 0 “ninho” pode ir para frente dela e exbir sua nadadeira anal (Figur 9.15), decorada com uma linha de ‘grandes manchas alaranjadas. A fémea se move em diregao a ele e tenta pegar as mar Shas na nadadeira, e, enquanto isso, 0 macho libera seu esperma, que a fémea pege pela boca, onde ocorre entao a feriltzaco dos seus aves. Use a teoria da exploracio sensorial para explicar a origem evolutiva do comportamento do macho. O primeiro macho estaria, sande esse sinal para levar vantagem sobre sua parceita no sentido de reduzir a aptidéo dela para se beneficiar? 9.7. © corpo da aranha Nephi pilipes 6 extremamente colorido (Figure 9.16). Quando Se padrdes coloidos s80 pintados de preto,ofrequéncia em que mariposas e outras pre- Sec notumnas voam contra a tela da aranha cai drasticamente, especialmente 8 noite ‘Que relevancia tem essa pesquisa para pessoas interessadas na hipotese da exploragae sensorial para a evolucSo de sinais de cortejo em snimais? CO argumento desenvolvido para 0 cortejo dos acaros aquaticos Neumania papilla~ tor também foi aplicado a sinais e respostas de lebistes machos e fémeas. Femeas em algumas populacdes dese pequeno peixe preferem se acasalar com machos com manchas alaranjadas brilhantes na pele (Figura 9.17). 8 Lebistes machos nao conse- gguem sintetizar o pigmento laranja que da as cores ao seu corpo ¢ tém que adquirir cxses carotenoides das plantas que comem. Os que conseguem carotenoides suficien- tes de suas refeicdes tornam-se mais atrativos para as fémeas. Mas por qué? ‘Uma hipétese sobre a origem da preferéncia da fémea por machos com manchas cor-de-laranja sugere que, quando essa preferéncia sexual apareceu pela primeira Ve7, era um subproduto de uma preferéncia sensorial evolufda em outro contexto, ssa hipétese recebeu suporte de observacdes de lebistes fémeas alimentando-se com avidez de frutos raros e valiosos nutricionalmente que as vezes caiam nos cOrregos de Trinidad, onde os lebistes vivem.”* Entao, ¢ possivel que fémeas tenham evoluido Sensibilidade visual a estimulos cor de laranja por causa dos beneficios associados a essa habilidade, nao por conta de qualquer beneficio de aptidao resultante de uma escolha seletiva de parceiro sexual. Se isso for verdade, entio podemos prever que lebistes fémeas responderao com mais intensidade a estimulos laranja de que outras cores quando estado se alimentando. A equipe de pesquisa que estudou esse fendmeno aproveitou-se do fato de que lebistes fémeas vivendo em diferentes cérregos diferem em sua preferéncia por machos com manchas alaranjadas. A intensidade da preferén. cia sexual foi correlacionada com a frequéncia relativa com que fémeas mordiscaram discos alaranjados apresentados a elas sob a Agua (Figura 9-18). Se a exploracao sensorial é um fator importante na origem de sinais efetivos, entéo deve ser possivel criar novos sinais experimentais que gerem respostas de ani- mais que nunca encontraram esses estimulos antes. Para testar essa previsao, pes- quisadores tocaram sons para sapos com elementos actisticos ausentes nas vocaliza~ gOes naturais da espécie,"*""* colocaram faixas de plastico amarelo nas caudas de machos de uma espécie do peixe Xiphophorus,” adicionaram tufos de pena sobre a cabeca de aves marinhas Aethia pusilla’ ” ¢ deram ornamentos vermelhos artificiais Comportamento Animal 303 Taxa de inter Presente Ausente FIGURA 9.16 Os circulos © linhas brilhantes no padrio de coloracéo da aranha Nephila pilipes parecem atrair presas 20 predador & noite. (A) Regiso dorsal da aranha. (8) Regio ventral da aranha. (C) Nimero de presas capturadas na teia de ura aranha natura com cores brithantes quando a aranha esta va presente (oarra azul) e quando a aranha estava ausente (barra la ranja). A, fotografia de Chik-Yuan Chang; 8, fotografia de Jin-Nan Huang: ambas as fotogratias s80 cortesia de |. Min-Ts0; C, adapta- da de Chuang, Yang ¢ Tso." FIGURA 9.17 Alimento, carotenoides ¢ preferén- clas sexuais das fémeas nos lebistes. (A) Machos tém de adquirir pigmentos alaranjados do alimento que comem, como essa fruta de Clusia que caiu em um cérrego onde lebistes vive. Machos que garantemn uma quantidade suficiente de carotencides incorporam 05 quimicos em padrées de coloracao ornamental em seu corpo. (B) Fémeas (como o peixe maior a direita) acham machos com grandes manchas alaranjadas mais sexualmente atrativos do que machos sem elas. Foto. grafias de Greg Grether. 304 John Alcock 0.04 02 ia da f@rne0 00 002 Intensidade da prefer “05-03 01 0) 03 05 Madigao das mordidas de fémeas em um disco laranja FIGURA 9.18 Preferéncias sexuais por pontos alaranjados correspondem & pre- feréncia de forrageio de fémeas de lebistes por alimentos com cor-de-laranja. A intensi- Gade-da reagao da fémea a pontos alaran- jados nos machos varia de populacéo para populacSo e é proporcional & intensidade Ue resposta de forrageio a um disco larania. Cada ponto representa uma populacso diferente de lebiste vivendo em um cérrego diferente. Adaptada de Rodd e colabora- dores."** FIGURA 9.19 A resposta de Aethia pusilla a trés novos sinais artificias. (A) Macho de Aethia pusilla ‘empalhado com crista artificial como a usada em expe- rimentos de preferéncia sexual nesta especie. (B) Dia~ rama de algumas cas cabecas de modelos usados no 00 fexperimento (da direita para a esauerda): 0 controle (sem a crista, assim como machos da espécie), mode'o a machos de peixes esgana-gata para que adicionassem a seus ninhes.'™' Em todos esses casos, os pesquisadores verificaram que atributos artificiais desen- cadearam respostas mais fortes de fémeas do que os alternativos naturais (Fi- gura9.19) Embora esses dados sustentem a hipétese de exploracdo sensorial, existe ‘uma hipotese alternativa para esses sinais artificiais de cortejo, talvez a espé cie testada tenha evoluido de populagdes que utilizaram sinais semelhantes no passado. Se isso for verdade, entio os descendentes dessas populacdes ancestrais ainda podem reter as antigas preferéncias sensoriais mesmo que nao exibam mais esses sinais complexos. ” Essa conjectura é plausivel, con- siderando os numerosos casos em que caracteristicas elaboradas de machos usadas em cortejo e agresséo foram perdidas apés terem evoluido uma vez, como indicado pelo fato de que, nesses casos, todos os parentes proximos das espécies sem ornamento possuem os ornamentos em questao (0 que sugere que o ancestral comum também o possuia| )."* Um exemplo € 0 lagarto Scelo- porus virgatus, que nao exibe as grandes manchas azuis no abdome presentes fem varios outros membros de seu género. Essas outras espécies usam as man- chas azuis quando adotam uma postura de ameaca, na qual o lagarto eleva e comprime o corpo lateralmente, deixando o abdome visivel. Mas embora 0 sinal aparentemente terha sido perdico em S. virgatus, o mesmo nao aconte- ceui com a resposta comportamental, como mostrado quando alguns sujeitos experimentais foram artificialmente pintacios com manchas azuis. A probabi- lidade de lagartos recuarem frente a um rival exibindo-se agressivamente foi muito maior se este ultimo possuia mancha azul artificial do que co ver um rival sema mancha artificial (Figura 920)."" 3533S SS Crista Crista Crista Controle grarde peouens no paito o 13 12 WW 10 og 08 © Crista grande # Crista pequens = Crista no peito © Controle Frequéncia de exibicdes sexuais com crista no peito, modelo com crista pequena @ Medelo out'o com crista grande. (C) Os modelos com cristas {grandes geraram a maior frequéncia de exibicdes Sexuais pelas fémees durante 0 perfado de epresen- tacio. A fotografia de lan Jones; B-C, adaptada de Jores e Hunter.” TET Resposta agressiva TH Resposta submissa | 1s Resposta neutra Sceloporus virgatus Porcontaca das wypostan Controle Mancras —Manchas— Manchas brancas ——_pretas azuis Cor abdominal do openente Mas ser4 que alguns receptores de sinais possuem uma preferéncia por sinais que eles e seus ancestrais nunca tiveram ou para o qual nunca responderam? Uma maneira de testar essa hipétese 6 utilizar individuos com uma nova caracteristica pro- vavelmente ausente em suas espécies ancestrais. £ por essa raz4o que Nancy Burley e Richard Symanski vestiram passarinhos mandarins (Taeniopygia guttata) e bavetes (Poephila acuticauda) com penas brancas coladas nas cabecas, deixando-os com apa- réncia ridicula. Nem esses passarinhos australianos, nem seus parentes préximos possuem cristas, entao, presumivelmente, seus ancestrais também nao as possuiam. Entretanto, fémeas das duas espécies associaram-se mais com os machos de cristas branca na cabeca do que com machos de aparéncia normal (Figura 9.21). ‘Aatual preferéncia por nadadeira caudal alongada e colorida (cauda em forma de espada) em algumas espécies de peixes Xiphophorus pode ter se originado sim- plesmente porque fémeas eram, por acaso, atraidas ao estimulo oferecido pela cauda ‘mais longa e mais colorida do macho mutante. Apoiando essa hipétese, a espécie mo- derna de peixe Priapella olmecce, parente préximo de Xiphophorus, ndo possui cauda em forma de espada, o que também 6 0 caso de peixes mais distantes de Xiphophorus, sugerindo que o ancestral do género quase certamente nao tinha essa cauda (Figura 9.22). E, entretanto, quando Alexandra Basolo forneceu a machos de Priapella e de uma espécie de Xiphophorus sem cauda em forma de espada uma cauda amarela ar- tificial, femeas acharam machos com essa nova caracteristica muito atraentes; além disso, quanto maior a cauida, maior o desejo da fémea de permanecer perto do macho. Basolo concluiu que a preferéncia da fémea por caudas alongadas precedeu a evolu- go de caudas em forma de espada em alguns Xiphophorus.” Nem todos concordam com a hip6tese do viés sensorial para preferéncias da fémea nesses peixes com cauda em forma de espada. Por exemplo, Alex Meyer e colabora- dores argumentam, com base em uma detalhada filogenia de Xiphophorus, que essas Comportamento Animal FIGURA 9.20. Individuos receptores podem responder a um sinal ancestral ausente om sua espécie. Lagartos de uma espécie cujos parentes possuem manchas azuis no abdome tém mais. chance de abandonar um combate quando con- frontados com um rival coespecifico com manchas ‘azuis pintadas no abdome do que ao verem a ‘exibigao agressiva de um individuo controle no ‘manipulado ou com manchas artficiais brancas ou Pontos pretos pintados no abdome. Adaptada de ‘Quinn e Hews;""”' fotografia de Paul Hamilton. 305 306 John Alcock FIGURA 9.21. Preferéncias sexuais por um novo orne- ‘mento. (A) Um macho de Poephila acuticauda (esquerda) ¢ um macho de Taeniopygia guttata forem vestidos com penas brancas extravagantes na cabeca. (8) A adicao de Benas braneas tornou machos ée T. guttatta mais atraen- fos a fémeas do que machos-controle sem estas penos ° fou machos com penas vermelhas ou verdes na cabeca. A, fotografia de Kerry Clayman, cortesia de Nancy Burley: B, ® Op jue fomneas gastaram de estimulo & mente com cada tipo » Porcentagem de tempo Giste Sem Crista Crista branca ciista_vermelha verde adaptada de Burley e Symanski.* Ornamentos masculine caudas evoluiram e foram perdidas varias vezes nesse género de peixe. ** Caracteristi- ‘as de exibicdo sexual parecem ser particularmente-propicias a mudarem com rapidez “durante o tempo evolutivo, o que poderia tomar dificil reconstruir a histéria evolutiva pelos métodos comparativos tradicionais (se todas as espécies sobreviventes em wm grupo perderam a caracteristica ancestral). “ Alguns pesquisadores também se pet- funtaram se 0 que parece ser a preferéncia arbitraria por uma caracteristica especifica, Simo uma elaborada extensio caudal, poderia ser na verdade a preferéncia adaptativa por uma caracteristica mais geral, como maior tamanho corpéreo. A preferéncia da fe ea por machos relativamente maiores poderia estar presente no ancestral de Priapéa ¢ Xiphophorus e, se isso for verdade, a preferéncia adaptativa e preexistente por machos grandes, ativos e saudaveis poderia estar na base da preferéncia nio adaptative por ‘uma cauda puramente ornamental "*"™" (ver Basolo"}, Mesmo que machos mutantes apareceram em algumas espécies com caracte- risticas que ativaram preferéncias estéticas, preexistentes nas fémeas, eles estavam provavelmente explorando as fémeas no sentido proximal de estimular um equipa- mento sensorial evoluido para alguma outra fungao. No nivel evolutivo, fémeas que responderam positivamente a machos com 0 novo atributo ganharam aptidao por tama entre varias razies. Talvez seus filhos pudessem herdar a caracteristica sexual atrativa ¢ por sua vez produzir mais filhotes, ou talvez machos capazes de produzir sinais exagerados de cortejo eram fisiologicamente capazes de ajudar a cuidar da cria da fémea que os escolheu. (Teremos mais a falar sobre 0 valor adaptativo da escolha dda fémea nos proximos dois capitulos.) Se tivesse sido reprodutivamente prejudicial para fémeas responder de modo positive a machos com novos sinais de cortejo,féme- fs das espécies que por acaso tivessem equipamento sensorial resistente a exploracso teriam presumivelmente tido maior sucesso, levando, com 0 tempo, a substituigao de femeas predispostas a ser enganades por seus parceiros sexuais Cran Amavist, entretanto, sugeriu que evoluir resisténcia a sinais explorat6rios poderia ser custoso para fémeas sob algumas circunstancias. * Por exemplo, machos de Eorpentes de género Thamnophis “cortejam” fémeas rastejando sobre elas e movendo Comportamento Animal 307 Nadadeira caudal a) Origem da cauds X cortezi X. alvarezi cot ritmicamente seus corpos de tal maneira que a fémea tem dificuldade em respirar. Nesse estado, as fémeas ativam a resposta chamada de descarga cloacal, quase cer- tamente adaptativa quando sio capturadas por predadores que podem ter 0 ataque inibido pelas fezes e quimicos repelentes malcheirosos liberados pela cloaca aberta Machos dessas serpentes parecem tirar proveito da descarga cloacal jé que as féme- as abrem a cloaca ao exibir esse comportamento, facilitando a intromissao do érgao copulatério do macho." E fémeas de serpentes Thamnophis que néo respondam a pressao pré-copulatéria do macho talvez também nao reajam adequadamente quando capturadas por predadores, reduzindo assim suas chances de sobrevivéncia e de re~ produgdes futuras. Sendo assim, a sele¢do pode favorecer a retencao de uma resposta adaptativa apesar dos machos terem evoluido a habilidade de usar o comportamento dda fémea estritamente para seus prOprios fins reprodutivos. Anhipétese da exploragdo sensorial representa um caso especial do argumento his- torico de que caracteristicas ja evoluidas influenciam quais tipos de mudancas adicio- nais sio ou nao possiveis. Se fosse dado & selecao natural o papel de montar um aviio, @ inicio seria a partir do que ja estivesse disponivel, como um teco-teco, mudando esse ancestral peca por peca, com cada modificacao proporcionando um voo melhor do que a versio precedente, até que um aviao moderno fosse construfdo.”” Na natureza, tran- sigdes evolutivas ocorrem dessa maneira porque a seleco nao pode comecar do nada. Como resultado, os produtos da evolugao frequentemente se parecem com pecas im- provisadas que poderiam ter sido desenhadas por Rube Goldberg, cartunista famoso por suas invengées ridiculamente complicadas feitas para o dia-a-dia.* Por exemplo, 0 polegar do panda nao é um dedo real, mas sim um osso do pulso altamente modificado {a mao do panda tem os mesmos 5 dedos que tem a maioria dos vertebrados e mais uma pequenarprojegao em formato de dedao saindo do osso sesamoide radial, presen- te, embora como um osso menor, nos pés de ursos, cachortos, mios-peladas e outros animais similares). Por que pandas tém seu polegar especial proprio? De acordo com * Goldberg morreu em 1970, mas seus excéntricos quadrinhos ainda podem ser vistos em http:// rubegoldbergcom/ FIGURA 9.22 Exploracdo sen- sorial e filogenia do peixe Xi- phophorus. O género Xiphopho: rus inclui os espadas, grupo de peixes que possuem a nadadeira caudal alongada, e os platis, gru- po sem ornamentacao na caude. ‘Como os parentes mais proximos destes dois grupos pertencem a0 género Priapella, cujos machos nao possuem cauda alongada, o ‘ancestral de Xiphophorus prova- velmente também nao tinha ess caracteristica, A cauda alongada ‘aparentemente se originou na linhagem evolutiva que divergiu dos platis, o grupo de peixes ‘sem a ornamentagao caudal. Apesar disso, femeas dos platis, como a especie X. maculatus, consideram machos de sua espé- ie com cauda experimentalmen- te mais alongeda mais atrativos, sugerindo que possuem um viés sensorial em favor desse tipo de cauda, Adaptada de Basolo.”” 308 John Alcock FIGURA 9.23. 0 “principio do panda” é evidente no compor- tamento sexual de um lagarto coluna da esquerda, o macho de uma espécie sexuada se envolve ‘em cortejo e comportamento de cépula com uma fémea. Na coluna da direita, duas fémeas de uma espécie partenogenstica filogeneticamente préxima a pri meira se envolve em um compar tamento muito similar. Adaptada de Crews @ Moore.” Stephen Jay Gould, pandas evoluiram de ancestrais carnivoros cujo primeiro digito tornou-se uma parte integral do pé utilizado para corrida, Como resultado, quando ‘pandas evoluiram para herbivoros comedores de bambu, o primeiro digito nao estava disponivel para ser empregado como um polegar ao arrancar folhas de brotos de bam- bus. A selegac atuou na variagio no osso radial sesamoide do panda, que agora pode ser usado como polegar pelo comedor de bambu. “principio do panda’, nome dado por Darwin ao principio da imperfeigao, pode ser visto em dezenas de outros casos. Considere a persisténcia do comporta- mento sexual em espécies partenogenéticas de teideos (algo que também ocorre em algumas espécies de peixes e salamandras composta inteiramente de fémeas e, entretanto, se a fémea for cortejada e montada Em alguns desses lagartos, a espécie € por outra fémea (e fémeas se envolvem em comportamentos sexuais pseudomachos ‘como esse, por razSes ainda desconhecidas), ela tem muito mais chances de produzir uma desova do que se ela ndo recebesse essa estimulacio sexual pela parceira (Figura 9.23)."" A relacdo entre cortejo e fecundidade da fémea em lagartos unissexuais ob- Comportamento Animal 309 viamente existe porque esses répteis tinham ancestrais sexuados. As fémeas parteno- genéticas mantém caracteristicas, como a necessidade de cortejo que seus ancestrais do partenogenéticos possufam, que um engenheiro biolégico certamente eliminaria se ele ou ela pudesse brincar de Deus e projetasse no papel uma espécie composta apenas de fémeas e depois a criasse de uma s6 vez. A selecao natural, entretanto, nao pode brincar de Deus, porque é um processo cego sem objetivo em mente e sem meios de chegar a um ponto pré-determinado. eR 9.8 Embora aselecio natural seja cega, 0s produtos desse proceso s30 com frequén- €ia incrivelmemte complexes. Para explicar como um processo cego dependente ce eventos 20 acaso (mutagdes) pode gerar essa complexidade, Richarc Dawkins criou urna analogia.“* Ele nos convida a imaginar que uma caracteristica complexa & uma frase em inglés — por exemplo, uma fala da pega de Hamlet de Shakespeare: METHINKS IT IS LIKE A WEASEL As chances de um macaco produzir essa frase ao bater nas teclas de uma mé- quina de escrever so extrememente pequenas, uma em 10® trilhdes. Essas ndo so boas chances, Mas en vez de tentar fezer um macaco ou um computador produzir a frase cor- rota de uma unica vez, mudemos a regra de maneira que agora comegamos com uma or- dem de letras cerada aleatoriamente, como SWAJS MEIURNZMMVASJDNAYPOZ. Ago- radeixamos um computador copiar essa sentenga vérias vezes seguidas, mas com uma equena taxa ce erro. De tempos em tempos, pedimos 20 computador que escareie a lista @ escolha 2 sequéncia mais préxima de METHINKS IT IS LIKE A WEASEL. Qualquer sentenga mais préxime ¢ usada para a préxima geracao de copies, novamente com al- guns erros de reprodugao. A sentenca desse grupo que for mais préxima a METHINKS, 6 selecionada para ser copiada e assim por diante. Dawkins realizou o experimento e verificou que levou de 40 a 70 geracdes para alcancar afrase alvo, alguns segundos do tempo de um computador, nfo anos. Qual era 0 ponte principal de Dawkins ao ilustrar 0 que ele chamou de “seleao acumulativa"? Em qual sentido voc8 dlria que a analogia de sentenca mais se aproxima de selecao artificial do que de selegao natural? Questées adaptacionistas sobre comunicagao A teoria da exploragdo sensorial direcionou nossa atengao para a importancia de mudangas passadas em moldar a evolugao de um novo sinal comunicativo. Infor- mag0es sobre a origem de uma caracteristica, entretanto, ndo torna desnecessério considerar por que um sinal, depois de ter aparecido, foi mantido em uma espécie 20 longo do tempo. Por exemplo, saber que fémeas de lebistes provavelmente eram sensiveis a cor laranja por causa de sua associagdo com uma comida favorita ndo elimina a possibilidade de que usar essa preferéncia em um contexto sexual tenha aumentado o sucesso reprodutivo de fémeas com viés sensorial. Se a escolha da fémea baseada no mimetismo de alimento com manchas alaranjadas aumenta a sua aptidao, entao esse efeito adaptativo teria contribuido para a manutengao, por se- lecao natural, do vies de coloracao, e seu uso tanto em encontros sexuais como na alimentagao. O fato de que machos de lebistes parecem melhorar seu sistema imu- nolégico quando consomem carotenoides sugere que, a0 divulgarem a quantidade de carotenoides consumida exibindo suas manchas alaranjadas, eles podem estar sinalizando sua satide, tornando vantajoso as femeas usarem essa pista para esco- Therem parceiros sexuais.™” De maneira mais geral, um interesse no possivel valor adaptativo de virios ele- mentos de sistemas de comunicacao resultou na solugao de uma classe de quebra- -cabecas que difere das relacionadas a origem e subsequente modificagao de sinais. Quebra-cabecas darwinianos em comunicagdo vém 4 tona quando observadores vem emissores ou receptores de sinais aparentemente sofrendo desvantagem por 310 John Alcock FIGURA 9.24 Grupo de corves alimentando-se de uma carca- «ga para a qual foram atraidos elas vocalizagées de um coes peciico. Fotografia de Bernd Heinrich suas agies. Se emitir ou prestar atencdo a um sinal reduz a aptidao dos emissores ou dos receptores em relacao aos outros, entao esses comportamentos deveriam desapa~ recer com o tempo. Com essa l6gica selecionista em mente, Bernd Heinrich sabia que havia algo que valia a pena estudar quando ele ouviu um grupo de corvos gritando alto e se alimen- tando de um alce morto que um cagador havia deixado em uma floresta em Maine, nos Estados Unidos (Figura 9.24)."" Corvos sac aves incomuns em Maine e mesmo assim 15 delas haviam se juntado sobre uma carcaca escondida, quase certamente porque algumas das primeiras aves a encontrar o alce haviam vocalizado para as ou- tras, Esse comportamento nao fazia sentido para Heinrich. Por que atrair competido- res para um alimento em fartura? Por que ndo ficar em siléncio e comer came de alce sozinho o inverno inteiro em vez de dividir com um bando de corvos famintos? Em outras palavras, por que a selegdo nao teria eliminado qualquer tendéncia hereditéria de corvos gritarem ao encontrarem carcacas? ( quebra-cabeca poderia estar resolvido caso as aves reunidas pertencessem uma grande familia, com parentes gritando para atrair filhotes distantes para o ban- quete. Heinrich pensou que isso era pouco provavel,jé que um par de corvos produz no maximo 6 filhotes por temporada reprodutiva. Posteriormente, testes de DNA mostraram inequivocamente que esse grupo de aves era de fato composto por indivi- duos nio aparentados. Mes pode ser que corvos gritem porque os sinais chamem a atencéo de um urso ou umcoiote, que podem abrir a carcaca dura de um alce, talvez possibilitando que as aves tivessem acesso a came que nao poderiam obter de outra maneira. Para testar essa hipotese, Heinrich arrastou uma cabra morta de 70 kg através dos bosques de Maine, deixando-a em varios pontos diferentes durante o dia e recolhendo a carcaga mal chei- rosa para seu alojamento a noite, para nao perdé-la para algum urso. Corvos as vezes se aproximavam da cabra em decomposicéo, mas apenas depois de Heinrich esperar por horas em esconderijos apertados e gelados. Mas, ao contrario de sua previsio, as aves nio gritaram nenhuma vez.ao encontrar a isca. Além disso, em alguns casos Hein- rich observou corvos gritando em carcagas que jé tinham sido abertas. Esses resultados obrigacam-no a abandonar a hipétese de “atrair alguém para abrir a carcaca”. Fle entdo voltou sua atencao para uma explicacao alternativa, ideia estimulada pela observacio do quanto s80 cautelosos 0s corvos quando se aproximam das car- cacas ao encontré-las pela primeira vez. Ele argumentou que talvez quem descobriu a carcaca grite para atrair outros corvos cle maneira que se um predador estiver por perto, as outras aves serdo possiveis alvos, reduzindo a chance do descobridor de ser Comportamento Animal 311 _pego por um coiote ou uma raposa escondida, As aves recém-chegadas seriam atraidas porque ga- sihariam muita comida em troca do pequeno risco de serem as vitimas de um predador. Entretanto, ‘essa hipétese gera a previsdo de que uma vez que ‘2s aves se agruparam, deveriam se calar para nao atrair mais corvos, 0 que seria indesejado endo ‘seria necessério para dar seguranca. A observaao de que os gritos continuavam em iscas que jé sham adquirido varias aves alimentado-se ativa- ‘mente convenceu Heinrich a descartar a hipstese Nara ce avon acs do “risco de predagio diluido”. FIGURA 9.25 0 grito como sinal de recrutamento. © grafico mostra a Enquanto Heinrich continuava carregando _ porcentagem de dias em que iscas de carcaca foram visitadas por varios cabras mortas pelos bosques de Maine, ele se deu _corvos. Carcagas foram exploradas por aves teritoriaisesilenciosas,sozi- Conta de que, sempre que va corvos sozinhos ou "has ovem pares, ou por grandes grupos de corvos,vrios des grande, Bites etn fol Gerba comida, exoey © 00 Helens nb ren ANd Heinrich. corvos estavam quietos. Os gritos aconteciam ape- ‘nas quando trés ou mais corvos estavam presentes ¢ era entdo, e somente entio, que um ‘grande ntimero de corvos vinha para o local. Heinrich sabia que corves adultos mais velhos formam pares que defendem um territ6rio o ano inteiro. Aves jovens que nao se acasalaram normalmente viajam sozinhas por grandes distancias em busca de alimen- to. Se um animal sozinho tenta se alimentar no territorio de um par de aves residente, o casal ataca. Heinrich especulou se o grito poderia ser um sinal dado por intrusos no territoriais, sinal que atrairia outras aves que ndo se acasalaram para o banquete que eles poderiam explorar se conseguissem superar as defesas do casal residente. Essa hipotese do “ataque em bando aos residentes territoriais” leva a varias pre- vvistes: (1) residentes territoriais nunca devem gritar; (2) corvos nao residentes de- veriam gritar; (3) 0 grito deve facilitar o ataque em massa a carcaga por corvos nao residentes; (4) casais residentes nao deveriam ser capazes de repelir um ataque em bando a seus recursos; (5) uma rica fonte de alimento deveria ser comida tanto pelo casal residente quanto por tum grupo de corvos, Heinrich coletou dacos que deram suporte a todas as suas previsdes (Figura 9.25),"* e concluiu que, quando um corvo jovem grita, as consequéncias de fornecer informagées (“banquete aqui”) para outras aves pode trazer beneficios (acesso pessoal a comida para 0 corvo que a encontrou) que compensem os custos energéticos do grito, assim como o risco de ataque pelos corvos residentes que guardam a carcaca.™ Gritar tem, portanto, as propriedades de ‘uma adaptacao, porque pode fornecer beneticios Ifquidos de aptidao a individuos que dao o sinal em circunstancias apropriadas. Parcentagem de dias Por que ninhegos vocalizam tao alto para pedir comida? Heinrich sabia como usar a abordagem adaptacionista para resolver um mistério, ¢ ‘outros bidlogos tentaram fazer 0 mesmo com outros sinais que a primeira vista pa- por alto custo aos emissores. Por exemplo, vocé poderia pensar que seria suicidio para ninhegos no ninho vocalizarem fazendo muito barulho para pedir comi- da toda vez que os pais voltam ao ninho. Os fortes gritos poderiam dar a um gavio ou a um mio-pelada todas as informacdes necessdrias para que eles localizassem 0 ninho e roubassem os filhotes. De fato, quando fitas com vocalizagoes de ninhegos de andorinhas-das-érvores foram reproduzidas em um ninho artificial contendo um ovo de codorna, 0 ovo no ninho “barulhento” foi pego ou destruido por predadores antes do ovo no ninho-controle “silencioso” por perto, em 29 de 37 casos.”” Mais evidéncias do custo para aptidao da vocalizacao de filhotes para pedir co- mida vém de um estudo das diferencas das vocalizacSes de espécies de felosas ¢ ma- Tiquitas que fazem ninhos no chao versus os que fazem em arvores, locais relativa- mente mais seguros.“ Os ninhegos desses passaros que nidificam no chao produzem vocalizagdes com frequéncia mais alta do que seus parentes que estdo nas érvores 312 _ John Alcock a Nidifiea em arvore Frequéncia sonora (kH:) FIGURA 9.26 Risco de preda- ‘io afetou a evolugao da voce- lizaglo de ninhegos em alguns péssaros. (A) A vocalizagao de ninhegos de espécies de passa- 108 que nidificam no chao & mais, aguda (frequéncia sonora mais alta) do que a vocalizacao de rinhegos em espécies que niclfi- cam em arvores. (B) Sons grava- dos da vocalizacéo de ninhegos de uma espécie que nidifica em Srvore (Dendroica caerulescens) ‘em ninhos artifciais colocados ‘no solo resultaram em maior taxa de encontro por predadores do que as gravacées de vocalizacoes de uma espécie que nidifica no chao (como Seiurus aurocepilla) ‘Adaptada de Haskell. @ Nidifica no solo Numero de ninhos predados (Figura 9.26A). Esses sons de alta frequéncia nao se propagam tao longe, escondendo melhor os individuos que os produzem, visto que so especialmente vulneraveis a predadores em seus ninhos no chao, David Haskell criow ninhos artificiais com ovos de argila e 0s colocou no solo ao lado de uma gravacao que tocava as vocalizagoes de passaros que nidificam no solo ou em arvores. Os ovos associados a gravagdes de aves que nidificam em érvores foram encontrados e mordidos com mais frequéncia do que aqueles associados a aves que vocalizam no solo (Figura 9.26B). Esse estudo sugere que vocalizacdes para pedir comida evoluiram propriedades que reduzem seu potencial para atrair predadores. Se isso for verdade, entao talvez, filhotes de espécies que sofram alta taxa de predacao no ninho também deveriam produzir sinais para pedir comida em uma frequéncia mais alta do que filhotes de espécies que sofram menor pressao de predacao. Essa previsdo foi sustentada por dados coletados em um estudo com 24 espécies de uma floresta do Arizona, nos Es- tados Unidos,” mais evidéncia de que a pressao de predagio favorece a evolugao de vocalizacées para pedir comida que dificultem a localizacao do ninho. Finalmente, alguns pais de filhotes dao vocalizagées de alarme quando ha peri- go perto do ninho. Em ao menos uma espécie, essas vocalizagées podem induzir os filhotes a ficarem quietos, possibilitando outra maneira de reduzir 0s custos das vo- calizacées dos jovens.""* Mas todos os ajustes que vimos aqui apenas reduzem e no climinam o risco de um predador destruir um grupo de filhotes cujas vocalizagoes parecem dizer: “Venham me comer”. Ent&o por que fazer qualquer tipo de barulho se a consequéncia pode ser letal? ‘Uma hipétese proeminente focaliza a competicio entre filhotes irmaos. Talvez cada jovem esteja usando sua vocalizacao e outros comportamentos como bater as. ‘sas para pedir comida e, assim, receber de seus pais alimento suficiente para maxi- mizar sua aptidao. Outra explicacdo, a hipotese do sinal honesto, vé os filhotes como ‘emissores de sinais honestos (mensagens que fornecem informacdes com preciso, neste caso, sobre a necessidade de comida) que permitem a seus pais dar comida da ‘maneira mais eficaz possivel (isto 6, de maneira a maximizar a aptidao dos pais). De acordo com essa ideia, qualquer tentativa dos filhotes de trapacearem deveria resultar na selecao de adultos que ignorassem a “informacao” manipulativa de sua cria."“" Entdo, por exemplo, a observacao de que os filhotes maiores de chapim-azul con- seguem se aproximar dos pais usando a forga quando eles trazem comida para o Comportamento Animal_313 o8 Aproximando-se primeira (proporcao) Movende a cabega primeire (praporeao) (proporgao} Comende mais Testosterone Cleo ninho™ ¢ compativel tanto com a hipétese da competigao (com os filhotes maiores dificultando 0 acesso dos menores & comida trazida pelos pais) quanto com a hipétese do sinal honesto se filhotes maiores famintos estiverem sinalizando a seus pais que cles tém uma real necessidade de comida que, se satisfeita, provavelmente resultaré em um filhote saudavel, bem alimentado e com alto potencial de aptidao. Geeks) 9.9 Em uma espécie de guincho (Chroicocephalus ridibundus), afémea pe ts ovos, mas comega a incubar antes que todos os ovos estejam postos. Como consequencia, 0 _primeiro ovo leva vantagem ¢ produz um filhote tipicamente maior do que seus irmacs. Ele, portanto, voceliza para pedir comida de modo mais eficaz e em geral ganha mais comida do que seus irméos e irmas, Mas as mBes colocam mais androgénio em oves que ‘0 eclodir mais tarde, e esse androgénio extra permite que esses filhotes mais jovens vo- calizem para pedir comida com mais vigor do que seriam capazes caso nfo recebessem essa dose extra (Figura 9.27) “" Como esse exemplo ilustra as dificuldades de se estabe- lecer quem tern 0 controle das interagSes de sinalizacdo entre aves jovens e seus pais? Ha pouca dtivida de que, em algumas espécies de aves, 0s filhotes sao capazes de ‘competirem intensamente por recursos. Inclusive muitos desses irmaos so capazes de se matarem na briga por comida (ver Capitulo 12). Se o comportamento de voca- lizagao para pedir comida estiver relacionado a competicao por alimento pelos filho- tes, ento jovens deveriam ajustar seus sinais em relagao Aqueles produzidos por seus irmaos. Concorciando com essa previsdo, quando filhotes de passarinhos experimen- talmente desprovidos de comida e barulhentos foram colocados em um ninho com irmios alimentados, normalmente seus irmBos e irmas intensificaram a vocalizacao para pedir comida.’ Da mesma maneira, quando filhotes do emberezideo Melospiza ‘melodia acabam competindo com o filhote do parasita chopim (Molothrus) introduzi- FIGURA 9.27 A testosterona afeta a taxa de vocalizacso para pedir comida e taxa de alimentaco em filhotes do guincho-comum o nome atual do género Chroicocephalus. (A) Adultos da gaivota com um flho- te. (8) Pesquisadores pegaram pares do primeiro ovo produzi dos no mesmo dia, e deram a um dos ovos uma injegao suplemen- tar de testosterone, enquanto © outro (controle) recebeu uma injecdo de éleo. Os dois ovos foram entao dados 2 um casal de adultos com ninho cuja postura foi removida. Quando os evos ‘eclodiram, aqueles que recebe- ram testosterone extra se apro- ximaram dos adultos primeiro e com mais frequéncia, realizaram um movimento tipico da cabeca para cima e para baixo (parte da exibicéo para pedir comida) e acabaram comendo mais do que seus itmdos que receberam 6leo. A. fotografie de Corine Eising; 8, adaptada de Eising e Groo: thas 314 John Alcock a sancia (kHe) Frequi FIGURA 9.28 Um sinal honesto de fore? (A) Um ninrego de painho-de-Wison (Oceanites oceanicus). Apesar desses ninhe- {gos no terem companheiros de ninho com ‘quem competir, eles emitem chamados espe- is para pedir alimento, produzidos quando ‘um dos pais retorna ao tunel do ninho com comida, (B) Os diagramas rostram dois re- istros com seis e cinco chamados “longos", respectivamente. Um maior nimero de cha- mados longos indica uma maior necessidade do ninhego. A, fotografia de Petra Quillieldt; B, adaptada de Quilfeldt."* 2 4 6 ° 2 4 6 Tempo (segundos) Tempo (segundos) dos experimentalmente no ninho, eles aumentam a intensidade da vocalizagio, mas reduzem a frequéncia com a qual vocalizam quando um dos pais aparece com comi- da. Essa mudanga induzida por competicao nesses passaros parece funcionar; eles recebem tanta comida quanto coespecificos da mesma idade que téma sorte de serem criades em um ninho sem um chopim faminto como companheiro de ninho.'” Em alguns casos, podemos eliminar a competicao como um fator que influencia as taticas de vocalizagdo para pedir comida ao estudar aves que, como € 0 caso do painho-de-Wilson (Oceanites oceanicus), em que os pais deixam seu tinico filhote em ‘um ninho e o alimentam com comida regurgitada de dois em dois dias. Quando Petra Quillfeldt examinow a vocalizacdo desses jovens, constatou que eles produzem uma vocalizagao especifica, usada apenas quando um dos pais vem para o ninho trazer cO- mida (Figura 9.28). Para avaliara relagao entre a necessidade do filhote e o comporta- mento de vocalizar para pedir comida, Quillfeldt monitorou a sua idade e o seu peso. Essesdados permitiram que ela estimasse a condicao corpérea deles. Alguns estavam em condigées ruins (bem abaixo do peso médio para jovens da mesma idade), alguns estavam em condigdes medianas (aproximadamente 0 peso normal para a idade) € outros estavam em boas condigdes (mais pesados do que a média). Assumit-se que filhotes em condigdes ruins estavam com mais fome do que a média, e esses indivi- duos produziram vocalizacées para pedir comida em uma taxa mais répida e no geral vocalizaram mais do que aqueles em boas condigées.""* Portanto, pelo menos em alguns casos, vocalizar para pedir comida parece fornecer uum sinal honesto de necessidade (ou talvez da viabilidade do jovem) que os pais pode- riam usar para decidir 0 quanto investir naquele filhote. O fato de que os pais podem. controlar quem ganha 0 qué independentemente do que os filhotes fagam é ilustrado pelo comportamento do adulto do péssaro pisco-de-peito-azul (Luscinia svecica) (ver Figura 4.34). Essas aves preferencialmente alimentam 0 maior (primeiro a nascer)filho- te, apesar do menor, o tiltimo a nascer, vocalizar quando esté com fome com amesma intensidade e frequéncia do que seu irmao maior. Nessa espécie pelo menos, 0 tamanho corpéreo é mais importante do que ocompartamento de vocalizacio para pedir comida quando se trata de decisdes parentais sobre quem receberd comida Mas a questio vem a tona: nas espécies em que os pais prestam atengao nos sinais transmitidos pelas vocalizagSes dos filhotes, por que um filhote nao vocaliza com espe- ial vigor mesmo quando nao est com tanta fome? Fazendo isso, ele poderia assegurar Comportamento Animal_315 a4 i cephalus scimpaceus 22 Sire aire et eA, Bop 8s a Me ety » ee es (O) Ninhago de a (kt) a \ ees om pementaymio cere ery ja oA No AD PAN, a er emer Tempo (segundos) ‘comida em altas taxas, resultando em rapido crescimento ou grande tamanho, ambos potencialmente vantajosos. O jovem de parasitas de ninhada faz isso e se beneficia bas- fante; um filhote de cuco europeu, por exemplo, consegue igualar o som de uma ninhada inteira de jovens de A. scirpaceus (Figura 9.29); em consequéncia disso, seus pais adotivos trabalham tao duro para ele quanto fariam para quatro filhotes de sta espécie.”" Se voce colocar outro filhote no ninho de um A. scirpaceus, escolhendo uma espécie de tamanho compardvel ao cuco ~ como um icterideo -, os jovens dessa tiltima espécie vocalizam ‘com menos intensidade que o cuco e, por isso, $20 alimentados com menos rapidez. Mas tocando a gravagio de uma vocalizagao para pedir comida de um cuco quando os pais ‘vém a0 ninho o icterideo sortudo recebe um aumento aproximado de 50% mais comida por hora trazida por seus pais adotivos superestimulados (Figura 9.30).*" FIGURA 9.29 A vocalizagao para pedir comida do filhote de cuco europeu equivale a de quatro filhotes do passarinho ‘Acrocephalus scirpaceus. (A) Um filhote de cuco pedindo comida parao adulto de A. scirpaceus que 0 adotou. As vocalizacoes mostradas abaixo da fotografia 80 as de (B) um Unico filhote de AA. scitpaceus, (C) uma ninhada de quatro A. scirpaceus e (0) Lum Ginico filhote de cuco. A, fotografia de Roger Wiimshurst; B.D, adaptada de Davies, Kilner e Noble. 316 John Alcock @ x FIGURA 9.30 A vocalizagio para pedir comida dos cucos estimula (05 pais adotivos a alimenté-los ‘com mais frequéncia. (A) Um fi- thote de icterideo foi colocado no ninho de outro péssaro, Acroce: 2 pphalus scirpaceus. Um alto-falante esta visivel 20 fundo. (B) Se 2 vvocaliza¢ao para pedir comida do filhote de cuco for tocada para os pais adotives quando eles visita 0 riinho, 0s pais dio mais comida aos 10 filhotes de icterideo. A quantidade de comida trazida 6 equivalente a trazide quando se toca a gravacao de uma ninhada inteira de A. scir ppaceus. A, fotografia de Nick Da- vies: B, adaptada de Davies, Kilner e Noble.” Numero de alnentagoes po Controle Cuco_Ninhada de Acrecephalus ‘Som tocando fo alto-felente Embora vocalizagbes vigorosas para pedir comida tenham alto custo energético, medidas de gasto metabélico decorrentes da vocalizacao dos jovens demonstram que © custo é provavelmente baixo em comparacao ao potencial ganho calérico.**° A desvantagem de uma vocalizagao excessiva pode nfo ser a energia gasta, mas o dano que um glutio pode causar a seus irmaos em espécies nas quais varios filhotes s40 cuidados pelo pai e a mae. O sucesso de um individuo na propagacao de seus genes pode ser afetado por mais do que apenas o seu sucesso teprodutivo pessoal (ver pa- gina 471), Esses animais que prejudicam seus parentes préximos podem, na verdade, estar destruindo os préprios genes. Portanto, um filhote muito bom em pedir comida a seus pais, mas prejudicando seus irmaos, pode na verdade deixar menos e6pias de seus genes do que outros mais contidos ao vocalizar. Te ett) 9.10 Ofilhote de cuco europe, uma ave parasita, se livra dos competidores ejetando 108 0V0s e flhotes do hospedeira doninho. O chopim, outre ave rarasita, comporta-se de outia maneira, frequentemente eoexistindo com um ou mais fihotes do hospedeito. Por que o comportamento do chopim é enigmatica? Como voce explicaria a tolerancia ‘desse parasita aos filhotes a luz da andlise do comportamento de vocalizacao para pe- dir comida apresentad acima? Veja Kilner, Madden e Hauber”” cepois de completar sua resposta, 9.11 As aves no s80 05 nicos animais em que a cria tem sinais especiais que parecem comunicar necessidade aos pais. Desenvolva uma anélise evalutive do choro de bebiés humanos considerando as duas teorias descritas acima pare fihotes de aves pedindo co- ida. Empregue entao os sequintes dados para avaliar suas hipsteses: (1) bebés gastam uma energia consideravel quando choram; (2) a taxa de crescimento para bebés tipicos & maior nos 3 primeiros meses da vida, com cada vez menos energia sendo investida ey crescimento em oposicéo & manutengao; (3) 0 pico do consumo de leite materno é em 3 4 meses de idade e entio declina; 4) 0 pico de choro é em 6 semanas de idade e ocor- re progressivamente menos depois de 3 meses de idade, exceto quando a crianga esta Comportamento Animal 317 Chucks \ | wal revenge} / / f Tempo (segundos) FIGURA 9.31 Receptores ilegi timos podem detectar os sinais de suas presas. (A) Um macho do sapo Physalaemus pustulosus sendo desmamada: (5) criancascarregadas por todo lugar e amamentadas sob demanda pode desavisadamente atrair um (como em sociedades tradicionais) choram bem menos do que ctiangas em sociedades receptor ilegitimo: 9 morcego ‘cidentais; © (6) 0 choro agudo de criangas nao saudaveis 6 considerado especialmente Trachops cirrhosus, um predador aie Sa mortal. (8) 0 risco de ataque desapradével por adultos. ? E € maior se 0 canto do macho incluir um ou mais chucks (azul nos sonogramas), assim como Como lidar com receptores ilegitimos o whine voters nos Um mio-pelada (guaxinim, mamifero da familia dos quatis) que ouve a comunica- Merlin D. Tuttle, Bat Conserva: sao entre filhotes de aves no ninho e seus pais é um receptor ilegitimo, pois ele usa ton International; 8, sonogramas informagao do sinal em detrimento da aptidao de legitimos emissores e receptores. 4° Mike Ryan. Receptores ilegitimos podem ter efeitos répidos e poderosos na evolugao de sistemas de comunicagao. Por exemplo, Marlene Zuk ¢ colaboradores documentaram que qua- se nenhum macho do grilo Teleogryllus oceanicus canta para atrair parceiros sexuais nas ilhas havaianas de Kauai. Ao ficarem em siléncio, gracas a estrutura de asas, es- ses machos evitam a mosca parasitoide Ormia ockvacea, recentemente introduzida em Kauai." Fémeas dessa mosca localizam machos de grilos por seu canto e depositam larvas letais nos infelizes emissores (ver pagina 126). O fenétipo silencioso é, portanto, bem menos propicio a ser encontrado por fémeas de mosca. Em menos de 20 geracoes, ‘machas silenciosos vieram a dominar a populacao de grilos, testemunhando o poder de receptores ilegitimos para moldar a evolugao de um sistema de comunicacao.""" Oconhecimento da possivel consequéncia evolutiva de receptores ilegitimos aju- dou Mike Ryan a explicar porque machos do sapo Pitysalaemus pustulosus frequen- temente dao vocalizagées do tipo whine sem chucks (sons curtos e graves), apesar de fémeas em busca de parceiros preferirem machos que adicionam chucks a seus cantos. Como se revelou, parte da audiéncia dos machos desses sapos inclui certas moscas sugadoras de sangue e o morcego Trachops cirrhosus, que pode achar e matar os sapos (Figura 9.31)."" Tanto 0 morcego quanto a mosca sao atraidos pelos sinais produzicios por suas presas, em especial 0s machos de sapos que produzem vocalizacdes whines (sons longos e agudos) e chucks," que juntos tornam a localizacao dos emissores mais fécil""* © morcego T, cirrhosus teve uma probabilidade duas vezes maior de inspecionar, e mesmo pousar sobre um alto-falante tocando um whine-chuck do que apenas um whine. Portanto, esperariamos que 03 sapos teriam maior probabilidade de vocalizar com os dois componentes (whire-chuck) quando o risco de predagao fosse menor. A chance de tornar-se uma refeicdo para um morcego declina para sapos em grupo por causa do efeito de diluicdo (ver pagina 196) e machos em grandes grupos Sao especialmente propicios a emitirem uma vocalizagao whine-chuck.""* 318 John Alcock FIGURA 9.32. Gritos de alerta do chapim-real. Sonogramas de (A) uma vocalizacao de enfrenta- ‘mento (mobbing) e (8) uma vo~ calizagao de alerta do tipo seet. Observe os sons de frequéncia mais baixa no sinal de enfrenta- mento. A, cortesia de William timer; B, cortesia de Peter Marler (A) Vocalizagdo de enfrentamento (®) Vocalizac3o de alerta tipo seet Frequencia He) Tempe (segundos) Tempo (segundos) 0 risco de exploracdo por um receptor ilegitimo também pode ser responsavel pelas diferencas entre a vocalizacao de enfrentamento (mobbing) e de alerta do cha- pim-real. (Figura 9.32).”” Esses pequenos passaros europeus as vezes se aproximam fe um gaviao empoleirado ou coruja e produzem uma forte vocalizacto de enfren: tamento cuja frequéncia dominante é cerca de 4,5 kHz. Esse sinal actistico de facil ocalizacdo ajuda outras aves a aché-las e juntarem-se a elas para ameacar 0 inimigo ‘comum (ver pagina 184). Se, entretanto, 0 chapim-real localiza um gavido voando, ele produ uma vocalizagio de alerta muito mais fraca, a qual parece alertar parcels vexuais ¢ filhotes sobre um possivel perigo. A frequéncia dominante dese sinal fica ‘entre 7 e 8 KHz, ent&o 0 som se atenua (enfraquece) apés atravessar uma distancia muito menor do que o sinal de enfrentamento. A atenuacdo répida da vocalizacso ‘ealerta a toma eficiente em alcancar receptores legitimos, mas também diminui a chance de que um predador cagando seja capaz.de encontrar o animal vocalizando. ‘Além do mais, as frequéncias da vocalizacdo de alerta ficam fora das que um gaviio pode ouvir melhor, mas no pico de sensibilidade do chapim-real (Figura 9.33) Como eenultado, o chapim-real pode vocalizar para um membro da familia a 40 metros, mas ‘nfo seta ouvido por um pequeno gavido, a menos que 0 gavido esteja a menos de 10 m de distancia.” @ 0 iar de atidigao (48) Frequéncia (He) FIGURA9.33 Habilidades auditivas de um predad {A) Um gavido do género Accipiter em fotografia m: tor que esta atacando um chapim-real. (6) O traco llés mostra a difere ‘entre 0 som mais leve de determinada frequéncia que o chapim-real SS gavido podem ouvit. © gavido pode ouvir sons de 0,5 24 kHz que Séo mais fracos (5 2 10.dB mais fracos em intensidade) do que aqueles que um chapim-real pode ouvir. Mas um chapim-real pode detectar um som de 8 kre (dentro da frequincia de vocalizagao de alerta), 30 dB seals fraco do que qualquer som de & kHz que esse gavido consegue de- tector, Adaptada de Klump, Kretzschmar e Curio.” Comportamento Animal 319 FIGURA 9.34 Evolugio convergente em um sinal. A vocali- z2edo de alerta seet, em alta frequéncia (aguda) do chapim-re- ‘ailver Figura 9.328) € muito similar 3 vocalizagao de alerta ‘Gada por outros passaros ndo aparentados quando localizam ke gaviao se aproximando. Adaptada de Marler.” i Emberiza schosniclus Emberiza schosniclus Turdus sp Fringilla ccelebs pj Meee 02s 05 075 ‘Tempo (segundos) Fringilla coelebs Sea vocalizacao de alerta do chapim-real tiver evolufdo propriedades que redu- zem o risco de deteccao por seus inimigos, sinais de alerta com propriedades simi lares também deveriam ter evoluido em espécies nao relacionadas. A extraordinaria convergéncia na vocalizagao de alerta de varios péssaros europeus nio aparentados sugere que a pressio de predagao por gavides predadores de passaros favoreceu a ‘evolucao de vocalizagoes de alerta dificeis para um gaviao ouvir (Figura 9.34). 9.12 Machos do peixe Xiphophorus birchmanni atraem parceiros sexuais com exibi- {es répidae que mostram sua cauda elaborada, Mas essa espécie tem que dividr seu habitat com um peixe predatério letal, o tetra-cego Astyanax mexicanus. Q corpo dessa espécie de Xiphophorus, em especial sua cauda, reflete uma considerével quantidade de radiagio ulravioleta ™” Quando pesquisadores colocam machos e fémeas em tanques com 2 sem fltro para radiacéo ultavioleta, percebemos que as fémeas s30 mais atraides por machos quande a radiagdo ultraviolets esta disponivel. Considerando que esses pes- ‘Quisadores estavam interessados em como essa espécie de Xiphophorus pode reduzir 0 fisco de seus sinais serem interceptados por A, mexicenus, qual outro experimento eles devem ter feito também? Esquematize a ciéncia que embasa essa pesquiss, comecando pela questdo causal e terminando com as possivels conclusbes a que os pesquisadores podem ter chegado. po. & 320 _John Alcock Alta Defensor pequenc Baia Frequéncie de vocalizagio Por que resolver disputas com ameacas inofensivas? Temos usado uma abordagem adaptacionista para examinar casos em que emissores parecem, a primeira vista, reduzir seu sucesso genético. Vamos agora examinar al- ‘uns casos em que receptores de sinais parecem perder aptido ao reagirem a certas mensagens de outros. Primeiro, por que tantos animais resolvem suas disputas com exibigdes de ameaca altamente ritualizadas? Em vez de bater em um rival, machos de muitas espécies de aves resolvem seus conflitos por tertitérios ou parceiros com cantos e mexendo suas penas, mas sem nunca se tocar (ver capitulo 2). Mesmo quan- do lutas genuinas ocorrem no reino animal, os “lutadores” com frequéncia parecem star se apresentando em uma pera cémice. Depois de um ou dois encontres, um ‘lefante-marinho subordinado em geral foge to rapido quanto pode, arrastando o corpo desengoncado pela praia até a agua, enquanto o vencedor vocaliza e persegue o perdedor, mas normalmente sem causar danos fisicos. ees 19.13 As vezes se ouve que a razdo pela qual muitas espécies resolvem seus conflitos principalmente via sinais de ameaca inofensivos seria reduzir o numero de danos fisicos TT portanto, proteger os adultos necessérios para produzt a goracSo seguinte de filhates. Qual o problema com essa hipstese? Adaptacionistas modernos hipotetizaram que mesmo perdedores ganham ap- dao quando disputas sao resolvidas rapidamente sem uma briga séria.”* Con- sidere 0 sapo europeu Bufo bufo, cujos machos competem por fémeas receptivas. ‘Quando um macho encontra outro macho montado em uma fémea, ele tenta puxd- “Jo das costas dela. O macho montado vecaliza assim que é tocado e em geral 0 outro macho de imediato assume a derrota e vai embara, deixando o macho baru- Thento fertilizar os ovos da fémea, Como pode ser adaptativo para o receptor do sinal nesse caso desistir da chance de deixar descendentes apés ouvir uma simples vocalizagio? Machos desses sapos possuem diferentes tama- hos, eo tamanho influencia no qudo grave é a voca- lizagio produzida pelo macho. Por isso, Nick Davies e > ‘Tim Halliday propuseram que machos podem julgar 0 tamanho do rival pelos sinais actisticos. Se um macho Defensor pequeno puder distinguir, somente ouvindo, que esté diante de um rival maior, o macho menor pode desis- tir sem se envolver em uma luta que nao pode vencer. Se essa hipotese estiver correta, as vocalizacdes graves, emitidas por machos maiores, deveriam inibir atacan- tes com mais eficacia do que vocalizagoes mais agudas (emitida por machos menores).*" Para testar essa pre- visio, os dois pesquisadores colocaram casais de sapos em tanques com um macho sozinho por 30 minutos. O macho montado, que pode ser grande ou pequeno, foi silenciado com um eldstico na boca. Toda vez que 0 ‘macho sozinho tocou 0 casal, uuma gravacdo produzia 0 som de uma vocalizagao grave ou aguda por 5 segun- ‘Alta Baixa FIGURA.9.35. Vecalizacées graves inibem rivais. Quando a greva- dos. Machos pequenos eram atacados com bem menos Foo de uma vocalizagdo grave fol toceda para eles, machos de sapos _ frequéncia seo outro macho ouvia uma vocalizacio gra- Bufo bufo fizeram menos contato e inter rivals silenciados do que quando uma vocalizacdo mais agude foi tocada, Porém, pistas tacteis também tiveram um papel como pode- mos ver pelo maior numero de ataques a sapos menores, Adaptada de Davies ¢ Halliday." giram menos com machos ye (Figura 9.85). Portanto, coachos graves até certo pon- to inibem rivais, embora pistas tacteis também tenham seu papel em determinar a frequéncia e a persisténcia de um ataque.

You might also like