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entrevista Peer ones a Coate bits Pee ae da revolta no Chile: acest etary pretest ts EOC eC Cai perfil bE Cae atce Alutaindigenana Sreedhar Process eats pie) on TERRORISTAS PCS A CULTURA EAS RELIGIOSIDADES yee ag -AMERINDIAS SURGE UMA NOVA REFLEXAO FILOSOFICA Prosisdo de lemanjé ‘had Kaparie, Bahia colal ‘am. nesta edicao ALBERTO PUCHEU é poeta, censaista e professor da Faculdade deLetrasda UFR] CHRISTIAN cRAVOE fotdgrafo, com trabathos expostos internacionalmente e indicados aprémios como o Paul Hut eo Prix Pictet KATIUsc1a RIEIRO¢ doutoranda em Filosofia pela UFRJ LUIZ ANTONIOSIMAS Eescritore professor, mestre em Histéria pela UFRJ LUIZ RUFINO S doutor em Educagdo pela VER) RAFAELHADDOCK-LORO édoutorem Filosofia pela PUC-Rio «professor do Departamento de Filosofia da UFRJe da UER) WANDERSON FLOR DO NASCIMENTO 6 doutor em Biotica pela UnB e professor do departamento de Filosofia damesma instituigio 6 bianca santana Outoe a indignagio pelo brutal assasinato de Seu Vermelho 07 marcia tiburi Somos pessoas que funcionam conforme os aparelhos 08 marcio sotelo felippe Astrevas de hoje tm circunstinciase causas 10 entrevista Lina Meruane fala sobre novo livro e sobre onda de protestos no Chile, por Daniel de Mesquita Benevides dossié Filosofia e macumba 18 Apresentagio, por Rafael Haddock-Loboe Luiz Rufino 21 Agiramacumbistica da filosofia, por Rafael Haddock-Lobo chegada, por Luiz Rufino 29 Danecropolitica Aikupolitica, por Wanderson Flor do Nascimento 33. Driblee flechadefulni-6, or Luiz Antonio Simas 38 Mulheresnegraseaforga matricomunitéria, por Katitiscia Ribeiro 42 estante Livros para aprofundar ‘tema do dossié 44 perfil A produgopodtica e politica da pensadora Eliane Potiguara, por alberto Pucheu 48 wilson gomes Oalinhamento dos setores cculturais e artisticos ‘com obolsonarismo 50 dosleitores EsronsAvEn Daysi Bregantini Fernanda Paola EDITORDE ‘rexr0 Daniel de Mesquite Benevides pETORA DE ARTE Fernanda Ficher ASSISTENTE DEEDIGAO Amanda Maseucl REDAGAO Amanda Cavaleanti REVISKO Birhara Prince ‘Cristina Yamazaki PRo}ETO cRAFICO Fernanda Ficher ‘CAPA Andtessa Meissner DEPARTAMENTO DE ‘MARKETING Reinaldo Calazans marketing@revistacult.com, ASSISTENTE EDITORIAL Pat Ruiz patricia@revistacult.com.br Arthur Chagas fnanceiro@ revistacult.com.br ASSISTENTE GERAL Lorrayne Costa do [Nascimento SUGESTOES DE PAUTA redacao@revistacult com. brearrascartas@revistacult, com.brPARA ASSINAR assine@revistacultcom.br PARA ANUNCIAR fernanda@revistacult.com.br CcuvTuRA: Praca Santo Agostinho, 70,20°an S80 Paulo-SP / CEP 0133-070 ‘Tels 1133853385119 9998 9728 cULTLO}A.com.ne QO wevistacult @ revistacutt @ cultrevits A Revista Cult uma publicagio ‘mensal da Editora Bregantini ‘Ault ndo se responsabilizapelas ideias econeeitos expressos nos artigos assinados. E proibide A reprodusio otal ou parcial desta publicagio sem prévia autorizagao. Asedigdes antigas da Revista Cult ‘so vendidas pelo prego de capa da edigao tual gio exclusiva (bancas) Dinap Ltda Distribuidora Nacional de Publicagses| impressio Grafilar Editora Mm snons ANER Conjugagao entre macumbar e filosofar Em julho de 2019, 0s professores Rafael Haddock-Lobo Luiz Rufino enviaram uma proposta de dossié muito original: macumba e filosofia. A ideia era publicar um documento que refletisse sobre o encontro de saberes que, juntos, produzem uma poténcia filoséfica que s6 temos no Brasil. Com ataques a cultura e aos terreiros religiosos afro-amerindios, que acontecem violentamente nesta época de neoliberalismo e neopentecostalismo, uma alianga de resisténcia torna-se essencial. Este dossié foi preparado com rigor esensibilidade. Editado pelos pesquisadores Rafael Haddock-Loboe Luiz Rufino, conta com as participasées dos professores Luiz Antonio Simas, Wanderson Flor do Nascimento e Katitiscia Ribeiro. “A fundamentagio teolégico- politica instrumentalizada pelo capital e aparelhada pelo Estado legitima os crimes eo terror contra terreiros, aldeias e seus praticantes”, escrevem os organizadores, que fazem um convite A leituraea um brado coletivo com olangamento de flechase uma batalha contra o desencanto. Vamos acender velas brancase coloridas, bater palmas, espantar as sombras. Ainda nesta edigao, um ensaio do poetae professor Alberto Pucheu sobre a guerreira Eliane Potiguara, uma entrevista do jornalista Daniel de Mesquita Benevides com aescritora chilena Lina Meruane eascolunas de Marcia Tiburi, Bianca Santana, ‘Wilson Gomes e Marcio Sotelo Felippe. Boaleitura! DaysiBregantini daysi@revistacult.com.br Artistadacapa Andreta Meisner signer ete astrador Formada pela UFF?Rem cuit, ac expeializas em IheralanaesclaINAem Barcelon. Trabalho Inereaocriato desde one tev abalhos plas nora, Asin Espana esas Unies dossié Filosofia e macumba 18 Apresentagao 21 Agira macumbistica da filosofia 26 Batalha contra o desencanto: aencruza como chegada 29 Danecropolitica Aikupolitica 33 Drible eflecha de fulni-6 38 Mulheres negras ea forca matricomunitaria dossié LUIZ RUPINO ERAFAELHADDOCK-LOB0 ste dossié nasce de cruzos de ideias e do didlogo de pessoas que querem pensar, justamente, 0 encontro: as encruzihadas. E um dos lugares maisimportantes para que sejam firmados é aquele onde a filosofia se cruza ‘com a macumba. Nao queremos de modo algum fazer uma filosofia da macumba, mas sim pensar o que a encruzilhada vibra, uma vez que ela versa na maxima das possibili- dades, nesse arrebate pela remontagem dos seres, pela politica da presenga e pelo com- bate a0 esquecimento que a macumba impoe ao saber filoséfico. Nesse sentido, aarticulagio entre filosofia ‘emacumba é necessariamente politica, sendo a macumba pensada como um complexo de saber codificado de maneira continua nos trinsitos e encontros entre diferentes mo- dos de ser e saber. Macumba como um saber em ginga, aquilo que se busca aniquilar, mas que salta de maneira tética como experiencia imantada entre geragdes. Enfim, aquilo que, sendo subalternizado pela cultura eurocén- trica, precisa ser invocado e afirmado em sua poténcia méxima, A afirmatividade desses saberes como ta- refa politica do filosofar conduz a uma politica macumbeira, sendo ela capaz de mobilizar 0 transe dos corpos destrocados pela tragédia colonial, restituindo a vida, circulando axé (energia vital) e redimensionando o sentido da existéncia, Além disso, essa filosofia ma- cumbada pela politica do axé tem forga para enfientar de modo legitimo a problemética do nacional, pensando o Brasil entre a inven- tividade do terreiro o terror da plantation, © encarando sem medo e sem ufanismo nem xenofobia a questio da identidade nacional ~ questo mais do que urgente e da qual toda filosofia parece se esquivar com medo de cair nas armadilhas (eurocéntricas) do naciona- lismo. A questo permanece, portanto, em como pensar de forma miiltipla esse complexo de saber, ou seja, denunciando e combatendo as retdricas discursivas racistas e fugindo de qualquer espécie de celebragio da identidade nacional como fetiche ou desejo de consumo das diferengas subalternizadas, Na atualidade, quando ataques terroristas, sio diariamente dirigidos a territérios de flo- sofia, cultura, educagdo e religiosidade afro- -amerindias e quando povos oigindrios so assassinados cotidianamente sem a menor visibilidade, é preciso firmar urgentemente a alianga entre o simbdlico eo politico. O pro- cesso de desencantamento do mundo, que se iniciou com a racionalidade moderna (univer- salista e colonial) parece, em épocas de neoli- beralismo e neopentecostalismo, chegara seu ‘pice em termos de violéncia corporal, episté- mica e gnoseoldgica. Essa alianga entre religido, Estado e capi- tal tomna-se hiperbélica, ea l6gica do inimigo fundamenta a guerra com base em seu ataque simbélico-linguistico (como oamordacamento, a interdiglo de linguagens, a recusa a outros ‘modes explicativos fundamentais por meio de uma politica de regulago do ser e saber que aparece em frases tio conhecidas como: “Sé Jesus expulsa o capeta das pessoas”, “Haver de conhecer a palavra”, “A palavra de Deus salva’, “Sai desse corpo que ndote pertence”..). Contudo, justamente essa fundamentagéo teoldgico-politica que, instrumentalizada pelo capital e aparelhada pelo Estado, legitima os crimes e o terror contra tereiros, aldeiase seus praticantes, sendo tais ataques parte do plano de morticinio do Estado Colonial. No fundo, sabemos, atacam-se terreiros por serem espacos de producao de vida, que contrariam a légica da escassez e rompem com 0 encapsulamento de um modo que se quer tinico. Os terreiros como matrizes ¢ motrizes geradoras de vida alargam subjet vidades, credibilizam outras inscrigées e re- ‘cuperam possibilidades de um mundo outro. Nesse sentido, contrariam a politica estatal dog assassinatos, que nao suporta a alegria, a ctiagao, a celebragao da vida, inclusive por aqueles que supraviveram (encantaram-se) ‘ou cruzaram a kalunga (ancestrais) E por essa razio que esses saberes so potentes na emer- géncia de narrativas miltiplas, encruzadas, fronteitigas e transgressoras, que esquivam e revidam tal politica do achatamento simbslico do imagindrio popular praticando tervitérios nao desencantados pela politica, pela ciéncia pela filosofia dominante e propondo feitigos para imacumbié-los. Emais:se apalavra macumba, vinda muito provavelmente do quicongo, quer dizer o en- contro, a reunidio (ma) de poetas fe eneantam com a palavra (kumba), essa guerra precisa ser empreendida coletivamente, por ‘uma comunidade que pratica o encanto como politica de inscrigio do sere saber no mundo. Referenciados pot politica cdsmica e ancestral, langamos no tempo: nao ha virada epistémica ‘que nio seja também uma virada linguistica € por isso poética, Assim, essa virada linguis- tica que o feitigo invoca busca corporificar as palavras. Palavras so corpos e potencializam a presenga enquanto vida em poténcia, e nio ‘como mortandade, escassez.e desencanto. O contritio da vida nao é a morte, mas 0 desencanto, firma a sentenca disparada em Flecha no tempo. E por isso que os ebds episte- ‘molégicos que precisam ser praticados para despachar 0 carrego colonial sio também en- ‘cantamentos de palavras e de corpos, através de uma produgio textual que invoque pers- pectivas mandingueiras e brincantes, em um processo educativo continuo, pois a guerra nnunea termina, Este dossié é, portanto, um sopro que ben- dizas vivacidades que se lancam na luta, uma amarragao atada por muitas mfos e bocas que invocam a forca do feitigo e se comprometem a responder de maneira responsavel is deman- das da guerraem que estamos lancados, reivin- dicando ainventividade ea sapiéncia daqueles que dobram o tempo na hora grande e respon dem com vida aos assombros do terror. Nesta trama se encruzam cinco escritos.O primeiro deles, riscado por Rafael Haddock- Lobo, trata de despachar a porteira para fir- mar a gira macumbistica que arrebata em transe a filosofia. Luiz Rufino invoca 0 dono da rua, sua corte e pensamentos para encarar abatalha, que se dé nos ritos cotidianos, como instancia de reivindicagao da vida contra 0 desencante perpetrado pela guerra colonial. Wanderson Flor do Nascimento em seu es- ctito nos apresenta 0 conceito de ikupolitica como um modo de resisténcia & necropoli- fica, lembrando que a morte como transito da experiéncia vivente nutre de sentidos a comunidade e, assim, os regimes de terror ‘miram também o aniquilamento dos ritos > 19 dossié e sentidos que fundamentam a vida como exercicio coletivo. Em didlogo com a espiri- tualidade da aldeia Brasil, Luiz Antonio Simas convoca aqueles que supravivem no encanto, que so vivos, pois nio sio esquecidos e b: xam cagando 08 vazios; driblam e criam. Da, a umbanda e 0 futebol como arte de cabocla- riae pratica de terreirizagao de mundo. Tendo como base a ciclicidade da gira ~ assim nao ha fim, mas sempre um novo inicio~ Katitiscia Ri- beiro compartilha o axé do poder feminino nas tradigdes afticanas apresentando caminhos da politica matriarcal inscrita nas travessias tran- satlinticas e plantadas nos terreiros daqui. Saravando aespiritualidade dos guerreiros que se langam como flechas nas macumbas brasileiras, cantamos que eles si0 0s mateiros {que abrem caminhos. Sao combatentes, mas antesnos ensinam também o momento de ob- servagiio, a estratégia ea tecnologia ancestral que diz. 0 momento certo do bote. E nao po- demos nunca deixar de esquecer que a forga do guerreiro, seja qual for sua carapuga, étam- béma forga do feitigo. Por essa raziio, a encruzilhada na qual se ‘encontram para arviar suas ofertas apalavra- das esses cinco filhos de Ogun, em Ketu, ou de Nkosi, em Angola, carregados no axé dos guerreiros das aldeias daqui 6 poderia ser, no Brasil, uma ma-kumba. E aqui fica o convite a todos que querem coletivamente langar seus brados e atirar suas fechas, plantar vida, semear vida como bata- Iha contra o desencanto!@ A gira macumbistica da filosofia POR UMA FILOSOFIA POPULAR BRASILEIRA, ABERTA AS RUAS E ENCRUZILHADAS ‘Meu pai veio da Aruanda e a nossa mée élansa, , gira, deixa a gira girar. 'm_1977, Roberto Gomes publicava seu primeirolivro, Critica da razdo tupiniquim, no qual apresentava algumas sérias provocagGes & pro- dugao filoséfica brasileira. A importancia do livroé tanta, embora aparentemente ignorada pela comunidade filoséfica, que Darcy Ribeiro chegou a afirmar, quando do seu langamento, ‘gye 0 Brasil teria voltado, afinal, a filosofar. Dois anos depois, em 1979, Gerd Bornheim, fildsofo brasileiro e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), publicou o ensaio “Filosofia e realidade nacional”: defen- dia que uma flosofia dita brasileira precisa ser substantiva, ¢ no meramente adjetiva. Isso ‘quer dizer que ndo basta produzir uma filo- sofia em territério nacional para dizer que no Brasil se faz filosofia brasileira. Gerd Bornheim chama atengo de que preciso algo mais para que fagamos uma filo- sofia brasileira -fato para o qual o provocative livro de Roberto Gomes jé atentara antes. Am- bos apontam que a filosofia precisa se debru- sar sobre a singularidade de nossas questées, (miiliplas, diversas, plurais) e abandonar as. ideias de neutralidade e universalidade que, junto com a colonizagao, chegam em nossas academias de contrabando. Sem isso, nio con- seguiremos abandonar seu patamar eitista e ter algum contato real com aquilo que, das ras, provoca o verdadeiro pensamento. E nesse sentido que venho tentando afir- ‘mar que a flosofia brasileira, para ser digna desse nome, precisa ser uma filosofia popular brasileira. Uma filosofia produzida com base ‘em uma experimentasio efetiva dos saberes, € culturas produzidos por aquilo que a elite chama de “popular”. £ claro que esses saberes io elaborados independentemente da acade- ‘mia, mas meu intuito é, justamente, mostrar ‘© quanto esta perde ao no se conectar com a potente produgao que se encontra em anda~ mento nas ruas. Diante dessa pluralidade, ou dessa mul- tiplicidade de vozes e sotaques, uma filosofia “brasileira” seria aquela que, sem clamor b dossié identitério ou nacional, assumitia perspecti- vas dessas vozes ¢ desses sotaques, a fim de produzir um pensamento que emerja dessas experiéncias. Buscando reunir esses elemen- tos, passeando pelos pensamentos dxs grandes fildsofxs do Candomblé (como Mie Beata de Iemanjé, Mie Stella de Oxéssi, Omindarewa, Professor Agenor) de fldsofxs afto-brasileirxs (como Sueli Carneiro, Abdias Nascimento, Lé- lia Gonzalez, Nego Bispo, Ua Flor do Nasci- ‘mento, Renato Noguera, Marcelo Moraes); de fildsofxs amerindixs (como Davi Kopenawa, Ailton Krenak, Tonkire Akratikatéjé, José Uru- tau Guajajara, Sandra Guarani Nhandewa), cabo me encontrando com dois pensadores que, juntos ou separados, me ajudam hoje a recolocar essa constante provocagio endere- ada & filosofia, Sao eles Luiz Antonio Simas, um filésofo-historiador (das ruas), € Luiz Ru fino, um filésofo-pedagogo (das encruzilha- as), cuja produgao intelectual ¢ preciosa para pensar uma vez:mais o que seria uma flosofia brasileira através justamente de uma relagio imprescindivel entre filosofia e macumba. Eles nos chamam a atengGo para o fato de que tal debrucar sobre a cultura popular bra- sileira s6 pode acontecer se 0 fildsofo, aban- donando seus escritérios, suas bibliotecas, ¢ mesmo suas salas de aula, pegar seu cader- ninho de anotagées, como fizeram tao bem ‘Walter Benjamin e Guimaries Rosa, sair dos ‘muros das universidades e se dirigir as ruas, aberto aos encontros que as encruzilhadas propiciam. Esse movimento de saida da aca- demia as ruas, que poderia ser compreendido ‘como um giro ético-politico tal como parece acontecer na filosofia ocidental contempori- nea, parece ter uma configuragio um pouco diferente quando se di em nossas terras. Como somos produtos da colonialidade, isto €, desde a colonizagao do pensamento até oassassinato de habitantes nativos, sequestro, escravizagio e estupros de negros, esse giro ético-politico certamente se da de modo dife- rente em terras tupiniquins: aqui é preciso pro- ‘mover o gito a partir daquilo que é, ao mesmo tempo, mais prdprio, mais comum, mais banal, ‘mas também mais escondido, mais temido, ‘mas causador de vergonha, que, juntoa Rufino eSimas, chamo de macumba. Se 0 termo pejo- rativo macumba é usado como ofensa, pata di- ‘minuir os saberes das religiosidades afticanas ce amerindias que se encruzam em nosso solo, devemos, seguindo a performatividade queer, potencializar tal termo para extrair dele o mé- ximo, afim de afirmar a relevancia epistemo- légica, estética, ética e politica das macumbas. Macumba, entao, passa a ser pensada na perspectiva de uma filosofia da cultura popular brasileira, com base no apenas nas praticas religiosas afro-amerindias, como os candom- biés, as umbandas, os batuques, os catimbés, as juremas, os tambores de minas, mas também das capoeiras, dos sambas de roda, dos fundos de quintal, dos jongos e de todas as rodas que promovem outras epistemologias e que, por serem de fato populares, istoé, originarias das rruas,sio por isso mesmo revolucionérias. Entretanto, um giro macumbistico como esse que ocorreria ao Sul, que é certamente ‘to ético e politico como o ocidental ow mais, porque ¢ também poético ¢ epistemoldgico, nao pode téo somente tomar a forma de um giro, no sentido de reviravolta, virada ou tan- tos outros nomes que se dé a um novo rumo de certo pensamento. Como me lembrou Ro- rigo do Amaral Ferreira, se falo de giro ma- ‘cumbistico, o que preciso marcar é que tal giro se transforma em gira. {A gira, o feminino do giro, sua feigo mu- Iher, que, ndo apenas gira como o giro no sentido de mudar, desviar, promover desloca~ ‘mentos, mas que também gira como a festa, a roda, o encontro que abre os caminhos e que 6 marcada pelo termo quimbundo njira. Falo, portanto, de uma gira macumbistica da flo- sofia brasileira, gira através da qual a filoso- fia brasileira, antes apenas adjetivada como ‘uma produgio do territério nacional, pode vir a encarnar a brasilidade das ruas, tornar-se substantivo produzido por corpos, musicas, sonoridades, cores, espiritos, cheiros e tantas otras coisas que jamais compreendera nossa vi academia. Besse “jamais compreender” é, aqui, perativo, pois a ideia de compreensio, ativi dade unicamente mental, é 0 que impede a propria relacdo com o conhecimento macum- beiro, que precisa ser sentido pelo corpo como ‘um todo, experimentado por sentidos erazées miltiplas para que, em vez de ser compreen- dido, prendido, apreendido, aprendido na forma de sujeito e objeto, ele seja incorporado, tateado, degustado, cheirado, ouvido, cantado. 6 assim ele podera baixar, ainda que sempre proviséria e precatiamente, assombrando-nos e sendo, tal conhecimento, muito mais o “su- jeito” dessa relagio. Por fim, ao contratio de Hegel, que afirma que o Espirito se fenomenaliza por meio de di- versas e subsequentes etapas arquitetadas pela Razdo, afirmo que 0s espiritos baixam através de diferentes giras, sem ordem nem razio prévias, guiadas apenas pelo imperativo do “deixa vir quem tem de vir” ~como dizia minha falecida mie de santo Concheta Perroni. E por essa razdo que essa gira macumbistica forga a filosofia a se constituir como uma espécie de “empitismo radical”, no qual a hipérbole da no- io de experiéncia é tamanha que os préprios lugares de sujeito e objeto, de consciéncia e mundo, ou qualquer outro dualismo episte- moligico, encruzam-se de al maneira que nfo podemos mais definir com preciso os limites entre 0 dentro e o fora, mas apenas marcar 0 encontro no coragao da encruzilhada. E assim, s6 assim, a filosofia, em vez de barrar ow atrapalhar o que ver das ruas, pode deixar a gira girar-imperativo, enfim, de uma filosofia popular brasileira.@ Ministerio da Cidadania, Governo do Estado de $30 Paulo, por melo da Secretaria de Cultura e Economia Cratva,Bradescoe Instituto Tomie Ohtake apesentam INSTITUTO TOMIE OHTAKE ingressos a venda www..institutotomieohtake.org.br 1 inst. tomie.ohtake @ lnstitutotomieohtake —_ seine SS rao — Poradesco GVA —arennce dossié Batalha contra o desencanto: aencruza como chegada PARA AQUELES QUE ALIMENTAM O INVISIVEL HAVERA SEMPRE UMA MAO QUE AMPARE A QUEDA Exu Tranca Rua éhomem; Promete pra néo faltars (Quatorze carros de lenha pra cozinhar sua gambd. A lenha jd se queimou ea gambd estd pra cozinhar. LuEZRUFINO: ponto que abre essa gira, como todo ponto cantado, é uma amarragao de palavras que serve de montaria para que muitos saberes baixem. Esse corpo-palavra é corpo ofertado ao tempo - fala-nos da invocago de presengas que correm mundo e se encar- nam nas esquinas mais vagabundas e nos tipos mais despretensiosos. Essas inscrigdes ‘também nos apontam os limites das menta- lidades obcecadas em serem totais. Assim, © prineipio dindmico da vida nos convoca & tarefa da transgressio. A cada esquina em que cisca o vivoe se alimenta o rito, estd ris- cado um inventario de mltiplos saberes e se fazum campo de possibilidades. Seu Tranca Rua, trabalhador brasileiro em termos macumbisticos, vadeia nas dobras do tempo e nos arremates da vida soprando afo- rismos como esse para que nos remontemos € inventemos solugdes. Mas, afinal, oque pode a ‘macumba? Quais sao suasimplicagdes politicas como seus praticantes, munidos de um amplo repertério de tecnologias ancestrais, batalham emum mundo assombrado pelo desencanto? Por aqui, nem toda vela que se acende é reza. Dessa forma, hé de considerarmos que nenhuma esquina come e bebe sem que seja para se erguerem batalhas que nos convo- quem a inventar vida, circular e expandir axé. E no didlogo com uma corte de seres comuns, senhores e senhoras que se encantaram nos caminhos por onde a vida passa, que lango mais uma pedra nessa canjira: qual é a possi- bilidade do ser diante de um estado radical de violéncia? No canto da porta, um toco aceso uma cachacinha dio o tom do arrebate, e estala um tapa ao pé do ouvido: a lenha ja se queimowe a gamba estd pra cozinhar. A encru- zilhada, umbigo e boca do mundo, nos diz que nio existe nada acabado. Estamos em batalha. ‘A macumba como ciéncia encantada e a encruzilhada como tempo e espago praticado € signo das poténcias de Exu nao podem ser reduzidas a uma leitura que se satisfaga em banhar-se na beirada. Para os praticantes das ‘margens de cé, a reivindicagao desses hori- zontes perpassa a emergéncia de nos reposi- cionarmos na luta, encarnando as mandingas, repertérios politicos e poéticos praticados em ‘esquinas, rodas, matas, terreitos, aldeias, vie~ Jas e profundezas desta terra. esse jogo se tece um grande balaio, pala- vras de forga, sopros ritmados que erguem rea- lidades, pedras langadas que imantam energia vital e vencem demandas, faz-se a macumba. esse fundamento tisca-se 0 ponto do alarga- ‘mento do tempo e subjetividades, dos saberes fronteitigos, da ampliagao das gramiticas, da A encruzilhada, umbigo e boca do mundo, nos diz que nao existe nada acabado. Estamos em batalha instauragio da divida, do movimento, de um primado ético responsavel com as diferengas € 0 inacabamento do mundo. Brinda-se a en- cruza. Macumba e encruzilhada sio principios que compreendem um amplo repertério que diz, desde a presenga, os conhecimentos, as linguagens e as aprendizagens tragadas como forma de luta contra a dominagao colonial. essa maneira, cabe confrontarmos qual- quer forma que invista nessas nogBes de ma- neirafetichista, efeito do racismo estruturante ‘que se manifesta desde ainterdigao dos termos, nas ofensivas de terror contra seus praticantes critos,etambém em certo deslumbre por parte de grupos que consomem os repertérios ma- cumbeiros com certo exotismo, gerindo uma ‘economia que nio credibiliza aforga inventiva a sofisticagao do pensamento dessas priticas ‘na emergéncia de despachar os carregos deixa- dos pela obra colonial. Assim, a macumba dos encantadores de ‘corpos e palavras que podem fustigar e ataza- nar a razdo intransigente e propor maneiras plurais de reexisténcia pela radicalidade do encanto e a encruzilhada como tempo e es- paco de invengdo, transmutagdes, aprendiza- gens miltiplas erasura da obsessio cartesiana sio aqui reivindicadas como disponibilidades conceituais e formas de batalha contra o de- sencantamento perpetrado pelo colonialism mantido pelo seu carrego. Em transe deslo- cando as dimensées do ser e saber, 0 capitio da encruza encanta os quatro cantos desse ‘campo de mandinga. O que nos guarda nas. esquinas? Uma vez que, ao dobré-las, depara- ‘mos com nés mesmos, nossas demandas, trau- ‘mas esperangas. Os capoeiras nos lembram que campo de batalha é também campo de mandinga. As- sim, ainda que venha uma rasteira inesperada ‘ou mesmo um golpe de traigZo, para aqueles que alimentam o invisivel haverd sempre uma mio que ampare a queda. Dai, nao se cai, 0 corpo da um jeito, emenda-se uma resposta. ‘Omalandro ndo vive de sorte. Dai mandinga ser a arma de guerra, jé que ninguém vai a0 campo de batalha desarmado. » ” dossié Na rua, onde tudo passa, os mais atentos as demandas da vida tém sempre um com- padre a quem se podem confiar as pelejas do dia. Afinal, em um contexto em que batalha e ‘mandinga forjam nossa experiéncia vivente, ‘cabe-nos responder como inscreveremos nossa travessia no tempo. Ao lado de capoei ras, malandros, mulambos, mogas formosas, moleques, feiticeiros, sacerdotes da foliae es- pantadores da miséria, inscreve-se um arse~ nal de maneiras que nio sé denunciam, mas sucateiam as engrenagens da aparelhagem de guerra erguida hd mais de cinco séculos pela empresa colonial. Dobrando a palavra, firmo que a critica 20 colonialismo nao pode ser algo meramente datado ou regimentado por um senso politico {que nao fale as linguas das ruas. A critica a0 colonialismo, a meu ver, perpassa uma vi- rada politica e de conhecimento, que deve ganhar ancoragem nos dizeres das margens eno enfrentamento cotidiano das demandas do tempo ¢ da guerra colonial. Tendo como orientagio que vivemos sobre as dimensdes das energias e efeitos do constructo colonial, ‘cabe-nos despachar esse assombro com @ imantagao das belas batalhas, ou seja,insere- ‘vendo lutas macumbeiras, mandingueiras. ‘A experiéncia dos batalhadores daqui ‘como um duplo entre o encantamento de um Brasil terreiroe oestrangulamento provocado pelo latifiindio, catequese ¢ o estado de sitio nos coloca’ uma problematica pedagégica: como responder com vida a um sistema de ‘mortandade? Sobre a guerra nos cabe lembrar que esse evento nao fundamenta somente a “ortopedia do Novo Mundo, mas também a es- piritualidade de escassez que permanece ser- penteando no tempo produzindo desencante. Para enfientar essa guerra intermindvel ali- ‘mentada pela ansia de dominagaodo ocidente- -europeu, alicergada na triade intervengaio mi- lita, eologia-politica elucro, cabe-nos invocar ‘e encamar as batalhas inscritas nas encruzas do tempo. Aquelas plantadas como tecnologias ancestrais, que substanciaram a vida de muitos que fazem a volta na hora grande, mas que si comumente descredibilizadas pelos modosde pensamento ocidentalizado. Dessa maneira, tomemos a encruzilhada como fundamento de mundo, nao antiocidental, mas que cruza todo e qualquer caminho. Ouseja, nelatudo dé se langa em transformacées, reivindicando as ambivaléncias e inacabamentos que nio ‘cabem em uma légica binaria, maniqueista e hierarquizada. Na encruza responde 0 outro ‘com a propria vida, se avivam 05 atos,ritos € relagSes. Fnesse rumo que a encruzilhada nos convoca a responder de maneira responsivel questi da descolonizagzo. Ena encruzithada que arriamos nossos atos, é ld que nascem, criam-se e consagram- se 0s batalhadores. Ao contritio da guerra colonial, substanciada pelo desencanto da dominagao, a batalha dos seres comuns se inscreve como ato de liberdade, pois ¢ funda- ‘mentalmente uma mirada pela vida em toda sua amplitude e formas. Osmulambos, vadios, ruciros, descartados e marginais ji cantatiam aos senhores da rua, navegantes do tempo € donos da gira: “Santo Anténio de Batalha faz de mim batalhador, corre gira Pombagira, ‘Tranca Ruae Marab6”.@ Da necropolitica aikupolitica TOQUE DE IKU, MAS SER MORTO POR ELEMENTOS VIOLENTOS. QUE NOS RETIREM DA COMUNIDADE WANDERSON FLOR DONASCIMENTO codemos dizer que os tempos presen- tes sio gravemente mortais. Guer- ras, acidentes com refugiados, con- frontos com milicias e as forcas do Estado, violéncias de todas as ordens. O pensa- or camaronés Achille Mbembe tem nomeado de necropolitica esse modo de gestio das popu- lagdes que seinstaura em nossos tempos, mar- cado por um persistente encontro entre as rela- ‘es poiticas, culturais e econémicas sob uma sombra racial, subjugando a vida aos poderes da “morte”. Para Mbembe, as relagBes entre 0 capita- lismo, 0 racismo, a xenofobia-¢ eu acrescen- taria patriarcado-instauram-se em tornoda figura do inimigo, esse simbolo privilegiado nnas relagGes sociais em tempos nos quais a so- ciabilidade é hegemonicamente beligerante ¢ odio é oafeto que marca parte importante de 1noss0s contatos com o mundo piiblico. Tal édio por vezes se esvazia de intensi- dade, seja por uma rapida euforia, seja por ‘uma potente falta de empatia ante o softi- ‘mento das pessoas que nos cercam. Jé nao la- ‘mentamos de maneira nao fugidia as mortes violentas ao nosso redor. Assistimos aos espe- ticulos da guerra e ds tragédias ocorridas com {migrantes como intervalos dos nossos reality shows prediletos, nos quais a diversio giraem torno das violéncias simbdlicas e do inimigo que elegemos durante a “temporada”. Ronda nossos tempos uma impressio de sufocamento ou, ainda, uma sensagao de que estamos em um mundo sem saida - talvez, até pior, de que a tinica saida seja 0 extermi- nio do inimigo. Essa impressio foi-nos ensinada ao longo da Modernidade, que adotouuma gramitica ra- cista para organizaras.elagdes sociais etrouxe, como efeito imediato, uma hierarquia entre > 29 Passamos da condicao de vivos a condigao de ancestrais mortos-viventes que pertencem A comunidade, vivendo na memiéria das pessoas e também no espaco comunitario osexistentes, comegando pelos seres humanos: aqueles para com quem devemos manter uma relagio de dignidade e aqueles outros, que ora so semi-humanos, ora so desumanizados € colocados a disposicio para uso de sua forga de trabalho de modos exaustivose mortais. Com a operagio dessa gramética, desapren- demos ater uma relagio de proximidade com os ‘outros, essa figura que, 20s poucos, vai tomando a forma do inimigo. Esse foi um dos movimen- tos que criaram a dimensio politica generali- zada do Nés contra Eles. E essa figura do Eles, os inimigos, cresce vertiginosamente. Os estrangeiros, as mu- Iheres, os povos originérios,a classe trabalha- dora em busca de direitos, a prépria natureza vertida em mero recurso, as pessoas LGBTs € tantos outros que so transformados em Eles ‘em uma perigosa trama odiosa. Fjé no mais se lamenta a morte d’Eles. Sio espécies de vida de segundo nivel, combustiveis em uma ‘guerra incessante. Ambientamo-nos com um tipo de morte no lamentavel (¢ que alguns pensaréo que tal modo de morrer é necessério). E a morte parece se estabelecer como um destino dese javel a esse inimigo que encontramosem cada 30 canto. E celebramos uma necropolitica, uma politica de morte como jeito de lidar com es- ses Eles que nos rondam. Entretanto, nem sempre, e nem para todos (08 povos, a relago com a morte foi pensada assim. E aqui tomarei o exemplo dos povos de terreiro, para os quais a morte no figura como ‘um tipo de destino desejavel aos inimigos. Paras povos de terreiro, morrer nao éum problema, nem ¢ encarado como evento pu nitivo. Para entender isso, é importante saber que Iku, 0 modo como a palavra morte é en- tendida em ioruba - lingua de um dos povos que compdem os terreiros de candomblé -, &, antes de qualquer coisa, um orixa, istoé, uma divindade. Aquela divindade encarregada de desvencithar o corpo das pessoas que habi- tam uma comunidade do restante daquilo que as faz ser pessoas, para que elas possam seguir na comunidade como ancestrais. ku &, portanto, a morte ¢ também a divindade que, ‘a0 nos tocar, retira-nos parte daquilo que nos faz sermos pessoas vivas: nossa ligagZo com ocorpo. Assim, ku, a morte, nao é entendida como ‘um processo que rompe nossa pertenga & co- munidade. Ela a transforma, Passamos da con- digdo de vivos a condi¢ao de ancestrais mor- tos-viventes que pertencem & comunidad, vi- vendo na meméria das pessoas e também no ‘espago comunitério, no qual, como ancestrais, ‘nos comunicamos, nos alimentamos, agimos. Em algum momento, Iku nos vem e nos toca, transformando nosso modo de estar na comunidade, embora ela esteja, como di- vindade, sempre presente junto a nés, sem nos tocar: Portanto, ela ndo é, em si, emda, pois nao provoca nenhuma ruptura perma- nente nos lagos que mantemos com nossa comunidade, com 0 terreiro. Bla nfo nos faz, desaparecer, nem & uma manifestagio de nenhum mal. Ao fim e a0 cabo, Iku é parte da vida da co- ‘munidade. Esta vida interligada, interconec- tada, interdependente, que habita tudo 0 que existe nos terreios. Iku érespeitada, mas no nos assusta, nem aterroriza, pois ela nao nos desti6i nem nos afasta do que somos: apenas ‘muda parte de quem somos (a relagio com 0 corpo) e omodo como passaremos a interagir na comunidade Por isso, Iku no & a morte que assola, destroga e que participa de uma existéncia sofrida. Ela ndo é, em si, violenta. Diferente- mente da “morte” (thdnatos) experimentada nos regimes necropoliticos baseados em ma- tar (nekréu) ow em expor a essa “morte”, Iku niio é um resultado do peso de um viver que, emvez de ser experimentado como poténeia, « € vivenciado como maldigao para alguém que pode ver esse sujeito vivo como um ‘migo, como parte de um Eles. A “morte”, no contexto necropolitico ~ seja autoimposta ou imposta por alguém - é sempre rodeada de violencia ou crueldade: ‘uma espécie de resolugao de uma vida sofrida, mio de uma vida vivida, tal como acontece ‘quando Iku nos toca. Dizendo de outro modo, para os terreiros o problema nao é morrer pelo toque de Iku, mas ser morto por elemen- tos violentos que nos retirem da comunidade, em vez.de nos manter nela. Em tempos nos quais desaprendemos a ser em um coletivo de gentes, de certa ma- neira desaprendemos a viver. Nao somos to- cados por Iku, mas por outro tipo de “morte”, por esse necrés que nos alcanga solitariamente, ‘tanto como essa vida que se sofreu, em vez de setter vivido. ‘Uma das coisas nefastas que a necropo- litica provoca é a perda dessa morte vivida, dessa morte que nao nos afasta de nossa co- ‘munidade, A necropolitica tem matado tam- ‘bém nossos modos tradicionais de morrer, de ‘nos mantermos nas memérias de nossas co- munidades, Mortes violentas, tristes, crudis tendem a langar os mortos no esquecimento, para que nos protejamos da dor de reviver 0 momento trigico da morte cruel de alguém que amavamos. E, assim, 0 morto deixa de habitar a comunidade a qual pertenci Enesse contexto que talvez devamos nos langar na construgio de uma ikupolitica que promova novamente modos em que morrer nao seja vivenciado apenas no modo do ser ‘morto, Reviver as tradiges comunitarias e experimentar uma morte que possa ser fes- tejada, ou seja, vivendo uma vida boa, atra- vessada de lagos que nos mantenham em nossas comunidades. Luiz Simas e Luiz Ru- fino lembram-nos que um jeito de resistir a essa “morte” que sai do controle é retomar jeitos brincantes, festivos, evitando esquecer que somos viventes apenas nesses contextos comunitiios - agindo assim, de modo dife- rente desse modo a que a tradicéo necropoli- tica nos acostumou. Retomar um modo de vida alegre e festi- vamente coletivo, tal como o orixa Ibeji, vin- culado, em nosso imaginério, eom as criangas, retomando a vida como poténcia, aprendendo a vivé-la, em vez de sofré-la sob a égide do racismo e de outras violéncias que a moder- nidade nos legou. Promover uma ikupolitica que seja um modo de resisténcia & necropol tica. Tarefa para realizarmosno coletivo, tanto ‘como viver e buscar reconstruir um mundo co- ‘munitério, onde se possa viver e morrer para sermos raizes. Viver uma vida na qual os con- flitos nao sejam mortais, mas constitutivos e potencializadores.@ a Al Sh a TT eee —e apn lado, de Candombi ‘Salvador aban, Frade io Jags, local fradiionl fnde se vende desde wtensios domésticors Drible e flecha de fulni-6 EM QUE MEDIDA ESTA NA UMBANDA A CHAVE PARA ENTENDER NOSSOS MODOS SINCOPADOS DE PENSAR? LOM ANTONIOSIMAS ‘omecei a desenvolver 0 conceito de “culturas de sincope” a par- tir de uma pesquisa para um livro sobre a Portela, que publiquei em 2012 (Tantas paginas belas: historias da Portela) Anecessidade de pensar 0 conceito surgi de ‘uma constatagio: os estudos sobre o samba iplesmente nao viam o préprio samba como manancial para a elaboragio de conceitos capa- zes de dialogar com o complexo cultural que circula em torno do géneto que, saido dos batu- ues do Congo, espraiou-se na diaspora. ‘Mas que diabos é a sincope? Ela é uma alterasao inesperada no ritmo, causada pelo prolongamento de uma nota emitida em tempo fraco sobre um tempo forte. Na pri- tica, a sincope rompe com a constincia, que- bra a sequéncia previsivel e proporciona uma sensagiio de vazio que logo ¢ preenchida com fraseados inesperados. A sincope opera bor- dando de sutilezas 0 vazio entre as duas mar- cages do ritmo. F ali que ela mora. Assincope subverte a normatizagao, busca caminhos que nao so os do enfrentamento, joga com o tempo e o contratempo no deslo- camento do jogo ritmico, traz.o segredo da po- lirritmia tipica da mmisica africana: o bailado sonoro de padrées ritmicos complexos, geral- mente envolvendo um ritmo tocado contra 0 outro, que na contraposigo se complemen- tam para dar conta das sutilezas, mais que do som, da vida. As cultutas de sincope, por sua vez, dialo- gam com o drible, jé que sio capazes de “gar- rinchar” tempo e espago. E ai penso mesmo no futebol. O jogo inventado pelos britinicos consistia na tentativa de evitar o adversirio por meio de langamentos longos, bolas alga~ das em diregao ao arco inimigo ~ 0 famoso “chuveirinho”, na linguagem dos boleiros. Em vez do chuveirinho, ou da troca de pas- ‘ses curtos ou longos, o futebol brasileiro se ca- racterizou pela estratégia do drible, aquela que foicorporificada em sua poténcia maisampla > por Mané Garrincha. O drible consiste na ten= tativa de burlaroinimigo pelo deslocamento do corpo/bola para o espago vazio, aquele onde o ‘oponente nao esté e nao pode chegar. ‘Ao subverter a norma da marcagao (como faz a sincope) e propor o ritmo quebrado, ne- cessariamente inusitad, capaz de deslocar 0 jogo para a brecha, Garrincha abre o campo, amplia o horizonte de possibilidades que, em suma, podem levar ao gol. Surpreendentemente, entretanto, era co- mum também que Garrincha interrompesse a marcha em diregao ao gol para retornar a0 ponto de origem da jogada: o drible, Exaspe- rados com o que aparentemente seria falta de objetividade do craque, alguns técnicos e comentaristas acusavam Mané de preferir, a0 gol, afinta. E era isso mesmo. Garrincha era senhor do tempo da partida. Garrinchar o pensamento é subverter @ ligica do jogo e entender que o processo -dri- ble-pode ser mais importante que o objetivo final: 0 gol. Arriscar 0 deslocamento para o va- io, fugir da previsibilidade, chamar o marca- dor para a roda, entender o que corpo pede, transitar entre o atleta e 0 dancarino, ver na bola -o objeto-a flecha fulni-6 acariciando o alvo,refazer a jogada, produzir o espanto, gar- galharna cara do zagueiro, sincopar o tempo para encontrar, no proprio tempo, oritmo ade~ ‘quado: & dojogo. Falo de Garrincha elembro que o futebol se cespalhou no Brasil com notivel rapidez-e se im- és como um elemento catalisador das paixdes brasileiras. 0 jogo se consotidou, ao longo do século 20, como elemento protagonista na pro- dug de certo imaginério da brasilidade. 4 Nesse sentido, o futebol representou para ‘oimagindrio de um Brasil possivel, no campo do esporte, algo bastante parecido com aquilo que a umbanda representou no terreno dos ritos religiosos. A popularizagio e o abra leiramento do esporte inglés e a formagao da tumbanda ocorrem no mesmo contexto: 0 das primeiras décadas do século 20, O futebol e a ‘umbanda se encontram na encruzilhada em que o brasileiro, nas frestas de um sistema ex- cludente, apropriou-se do jogo britanico e do kardecismo franeés para construir seus modos de jogar bola e conversar com os mortos. ‘versio mais famosa para a criagao da um- banda do Rio de Janeiro uma espécie de mito de origem que nao exclui os sentidos de diver- sos outros~remete ao diaem que no distritode Neves, na cidade de Sio Gonealo, em 1908, 0 jovem Zélio Fernandino de Moraes sofreu uma paralisia inexplicdvel. Depois de certo tempo sem andar, Zélio teria se levantado e anun- ciado a propria cura. No dia seguinte, saiu an- dando como se nada tivesse acontecido. A mie de Zélio, Leonor de Moraes, tomou um sustoe levou o filho a uma rezadeira chamada Dona Candida, conhecida na regio, que incorpo- rava oespirito do preto velho Tio Antonio. ‘Tio Anténio baixou em Dona Cindida e disse que Zélio era médium e deveria traba~ Ihar com caridade. Em 15 de novembro, por sugestio de um amigo do pai, Zélio foi levado A Federagio Espirita de Niterdi, dfusora do kardecismo francés no Brasil. Chegando ld, ‘orapaz e o pai sentaram-se & mesa. Subver- tendo as normas do culto kardecista, Zél levantou-se subitamente e disse que ali faltava uma flor, deixando a turma do centro espirita sem reasao. Foi até o jardim, apanhou uma rosa branea e colocou-a, com um copo de égua, no centro da mesa de trabalho. Aida segundo a versio mais famosa para © acontecido, Zélio incorporou um espirito que batia no peito e dava flechadas imagina- rias, Simultaneamente diversos médiuns pre- sentes receberam caboclos, indios e pretos ve~ Ihos. Instaurou-se, na visio dos membros da Federagio Espirita, um furdunco inadmissivel. Zélio incorporou um espirito que batia no peito e dava flechadas imaginarias. Simultaneamente diversos médiuns presentes receberam caboclos, indios e pretos velhos. Instaurou-se, na visio dos membros da Federacao Espirita, um furdungo inadmissivel Advertido pelo dirigente da Federagio, o espi- tito incorporado em Zélio perguntou por que os kardecistas evitavam a presenga dos pretos ecaboclos do Brasil pois nem sequer se digna- ‘vam a ouvir suas mensagens. ‘Um membro da Federago argumentou com o espirito que Zélio recebia, dizendo que + pretos velhos, indios e caboclos eram cultural- mente atrasados e nao podiam, dessa forma, ser espiritos de luz. F perguntou o nome da entidade. O espitito encarnado em Zélio res- pondeu que daria inicio a um culto em que os pretos, indios e caboclos do Brasil poderiam difundir suas mensagens e cumprir missées, espitituais. Disse ser 0 Caboclo das Sete En- cruzilhadas, aquele capaz.de percorrer todos thos. Estudiosos da histéria da umbanda, 20 destrinchar 0 mito centrado na figura de Zé- lio, destacam que 0 buraco é mais embaixoe vai além da anunciacdo do Caboclo das Sete Encruzilhadas, talvez seu mais famoso co cadot. A umbanda é um sarapatel que mistura ritos de ancestralidade dos bantos, calundus, pajelangas indigenas, catimbés (0 culto de origem tapuia fundamentado na bebida sa- grada da Jurema), encantarias, elementos do cristianismo popular, do candomblé nagé, das magias e dos sortilégios de ciganos, mouros e judeus,e do espiritismo kardecista europeu No mito da anunciagao, o Caboclo das Sete Encruzilhadas estava insatisfeito porque o centro espirita nfo permitia a chegada dos espititos de indios, cabocios e pretos velhos; preferia dar passagem apenas aos espiritos ja vistos como desenvolvidos ow em proceso de desenvolvimento ¢ doutrinagao. Na religiio que 0 Caboclo das Sete Encruzilhadas anun- ciou, 0s espiritos daqueles que formaram 0 Brasil aos trancos e barrancos seriam bem chegados para dar passes, consultas, curar, dangarete. 0 futebol brasileiro popularizado esta para © futebol inglés como certa umbanda para 0 kardecismo e 0 cristianismo institucionali- zado. 0 futebol praticado aqui comesava a ser visto como um jogo inglés subvertido, rein- ventado e encantado pelos modos brasileiros de jogar bola. O gramado/terreiro em que sé dangavam na gira do jogo os jovens das elites. € 0s trabalhadores europeus residentes no Brasil comesava também a ser ocupado pe~ los descendentes de escravizados e de indios, pelos subalternizados no violento processo de formagao do pais e por quem mais resolvesse baixarna gira. Quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1958, orei da Suécia cumprimentou todos 08 jogadores brasileiros. Entre eles Pelé, um descendente de bantos escravizados, e Mané Garrincha, um indio fulni-6. 0 gramado, afi- nal de contas, também é uma das sete encruzi- Ihadas percorridas pelo caboclo macumbeiro, ‘aquele que nunca encontra caminhos fecha- dos e langa suas flechas por pernas tortas, ca- pazes de curvar monarcas e alargar o mundo. Em que medida est na umbanda a chave para entender nossos modos sincopados de pensar e de jogar bola?@ dossié Mulheres negras ea forca matricomunitaria A CONTRIBUIGAO FEMININA NOS TERRITORIOS TRADICIONAIS ESTABELEGE A CONDIGAO DE ESTAR EM IGUALDADE DE DIREITOS karriscta nimeino poder do feminino nas tradigées africanas 6 milenar ~ ¢ esas, relagGes de pertencimento esto envoltas por valores ancestrais, «e sociais, pois os poderes de gestagdo niio so somente para gestara vida, masestéotambém nas forgas dindmicas e propulsoras que mover as relagées de todo um processo do comum, que organiza e propde perspectivas de interrela- ‘¢6es grupais. Essas dindmicas instrumentam. ‘aexisténcia comunitéria e colocam as mulhe- res como forca para gerire gestar a vida e gerir egestat as organizagoes ancestrais, sociais, co- némicas e politicas de um povo, assumindo © papel de matrigeradoras e matrigestoras de uma comunidade. Quando falamos em poder estamos fa- lando de relagdes sociais de africanidade, es- tabelecidas com base em um coletivo socio- ancestral que baseia seus modos de vivéncia e experiencia alicercados nas tradigdes de um povo - tradigdes essas que buscam re~ forgo e equilibrio nos elementos da natureza como principio basico de reorganizagao exis- tencial.£ por isso que é preciso compreender que nessas relagdes existe uma antropoteo- logia segundo a qual os seres humanos sio 8 ‘considerados ontologicamente constituintes do sagrado, como ensina 0 filésofo Jayro Pe~ reira de Jesus. esse contexto, o poder do féminino, consti- tuido na natureza e no corpo das mulheres, in- terliga-se com aparte masculina e,nesse encon- ‘tro, produz a manutengio da vida, sendo reves- tido por um valor sagrado. Esse valor faz parte daroda celica da existéncia, que busca o equili- brio dinamico, necessério para pensar o fortale- ‘cimento do povo preto na sua matriz.germinativa deengrentamento aos massacres colonialistase a0 epistemicidio (de acordo com a filésofa Sueli Carneiro). Ou seja, a forga biomitica (biologica ce divina) restabelece dentro da comunidade 0 segredo, 0 sagrado social, econémico ¢ politico que garantira a resisténcia ea sobrevivencia do povo preto na dispersio da didspora. CO sequestro do Atlantico trouxe flosofias e cigncias capazes de reestruturar e realocar 0s descendentes de Africa dispersos pela escra- vizagio. Essas priticas, embasando as teorias afrocéntricas, recriaram nos territérios ne~ gros dos terreiros e quilombos representagées materiais e simbélicas que permitiram o res~ guardo de capitais cientificos, culturais, am- bientaise filoséficos que resistem As violagées MINISTERIO DA CIDADANIA E GOVERNO DO ESTADO DE SAO PAULO, POR MEIO DA SECRETARIA DE CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA, APRESENTAM MUSEU DAS MINA JOGADORA E ¢violéncias impetradas ao povo negro. Mode- los de sociedades matriarcais e comunitérias embarcaram nas memérias da juventude da negra escravizada e as bagagens existenciais, depositadas em seus corpos suportaram todo ‘omassacre e a dor e restabeleceram as forgas para assim garantir o compromisso de reorga- nizaro tritho civilizacional do povo negro dis- perso, forade Africa. Sendo preciso retornar &s experincias co- munitirias e cooperativas que esses grupos jé vivenciaram (heranga de seus antepassados, repassada por geragGes), no momento de dor, a safda era olhar para trés (Sankofa) e firmar ‘um pacto de compromisso com a/o outra/o africana/o esctavizada/o, mesmo sendo de etnias diferentes. Mulheres e homens, aco- Ihendo-se com energias ancestrais, olhares, falas, cicatrizes, curas ancestrais, toques, cheiros, afetos, choros,risos prineipalmente ‘escutas e observagdes, reinventavam suas di- ferengas ¢ resguardavam todas as estratégias de reorganizagio. Cada mulherecadahomem. foram trazendo suas formas de conhecer e or- ‘ganizar e assim foram tecendo suas historias recriando mapas que deram direcionamento ‘uma aco conjunta, percebendo que havia algo comum entre elas e eles: a sobrevivencia do povo negro fora de Africa. 0s processos de observaso, escuta e es- pera foram a base da auto-organizagio e do planejamento de espacos de potencialidade de vida. E as mulheres foram fundamentais, para desenhar novas formas de convivéncia > DAS JOGADEIRA VISITE 0 MUSEU DE TODO BRASILEIRO. DE TERA A DOMINGO, DAS 9H AS 18H. te Te AATF RRR aS dossié possibilidades de viver em sociedade, articu- lando formas de compreender as dinimicas do ‘escravismo, Aproveitando seu transito dentro das casas-grandes e senzalas, igrejas ¢ ruas, para transmitirideias revolucionarias para fora das estruturas pensantes escravocratas, elas fo- ram fundamentais para a criagao de planos de sobrevivéncia, rotas de fuga e a construcio, por ‘grupos de diferentes etnias, de espagos afasta- dos das casas-grandes e senzalas: os terreiros € osquilombos, lugares que reelaboraram aforga subjetiva africana de organizagioe de humani- zagio desses individuos. No Brasil, as liderancas femininas negras estio presentes até hoje & frente de grandes co- ‘munidades tradicionais (quilombos terreiros) organizages comunitarias, como entidades sociais de mulheres negras, escolas de samba, empresas solidérias, associagGes e cooperat vas. Os vineulos solidarios e a matriz, mati near sao referenciais importantes de reorien- tago sagrada e constroem no universo social das lutas das mulheres negras as priticas su- cessérias de relagdes de acolhimento, respeito ce cumplicidade com as demais diferencas. ‘As familias de asé (axé), nos territétios de terreiros e quilombos, so reorientadas no iitero mitico de Africa (ancestral), sacralizadas e ressocializadas. E as mulheres, impulsiona- das pela forga dessas raizes ancestrais, organi- ‘zaram com 0 povo negro contrapontos is forgas externas, trazendo a solidariedade aos povos afviéanos, materializada nas familias extensas ‘que sio recriadas nas religides tradicionais, , Mae Senhora, Mie Stella, Mae Olga do Alaketu, Me Menini- nha do Gantois (Bahia); Tia Ciata, Mie Beata, Mie Mariazinha, Y Torody (Rio de Janeiro); Mae Rita do Candombe (Beco Firme); Mie Apolinaria (Morro de Santana); Mae Pretinha do Oxald (Vila Floresta); Mae Marlene da Obi (ila Santa Izabel); Mae Nilza de Temanja (Vila Bom Jesus); Mae Maria de Oxum (Vila Cru- zeiro, em Porto Alegre); Mae Ciana, Joana Bi riba, Mae Gilda (em Santa Maria da Boa Vista, PE), estas tiltimas sobrevivendo e trazendo priticas e téenicas de convivéncia no semi 40. ido nordestino. Todas essas mulheres desen- volviam e desenvolvem trabalhos sociais em comunidades marcadas pela segregagio e ex: clusdo, com atuagdes comunitarias de grandes exemplos de sociabilidade que precisam ser vivenciados e reproduzidos como autodesen- volvimento territorial e autossustentabilidade para o povo preto. Essas mulheres agregaram no sagrado s0- cial e politico das comunidades de terreiros ‘uma reconstrugio dos valores de convivéncias sociais e politicas, recriando os vinculos com as comunidades, em sua grande maioria de po- pulagdo negra, populagao essa destrogada pela légica colonialistae judaico-crista. Apresentar ‘outras perspectivas mais humanas dialégicas de conceber o sagrado é fundamental para ga- rantir a participagdo comunitéria, igando as realidades interna e externa dos individuos até encontrar um elo entre a meméria eointeresse pela propria historia. Para assim vencerem as adversidades, 0 preconceito ¢ os esteredtipos de demonizacioimpostos aos cultos afro. Essas mulheres deram palavras para seus corpos, e foram suas dangas ancestrais € suas cantigas que trouxeram as memérias corporal e social como estrutura das bases solidarias, tem que os compassos, os ritmos e as cantigas entoadas traziam novamente a histéria comu- nitéria, politica e social. Revera historia desses territriose seu formato de onganizagio ¢ com- preender que asmulheresnegrastiveram etém papel fundamental na continuidade da vida e estabeleceram relagdes de equilibrio para 0 respeito a outras formas de conceber osagrado diante das barbaras opressdes e do terrorismo ue sofrem ainda hoje essas comunidades. ‘A contribuigao feminina nos terri tradicionais estabelece a condigao de estar em igualdade de direitos. © matriarcado e ‘a matrilinearidade assumem a condigéo de respeito, vida e autossustentabilidade, retroa- limentando o poder sagrado, social e comuni- tério como instrumento para um Devir negro. Uma reconstrugdo gestada por mulheres a fim de gestar a poténcia e sobrevivéncia de um ovo: O Negro. @ Oensaio fotogratico“R negra’, queile este dossié, fa partedeuma ‘série demais¢ somilimagen ‘capturadas po Christian Cra noiniciodosa 1990, nacidad de Salyador, Bahia. Entdo ‘commenosde anos, ofotégr. registroucorp tradigese ritosreligioso quemostram| heranga afrie: dacapital baie trabalho foi publicado pel: CosacNaify em2015. a re = Uma sele¢ao de titulos para aprofundar otema Fogomo mato: aelincia encantadadas ‘macumbas Simase it Rutoo la Era serkernas Os autores propdem uma interpretago do Brasil a partir do conhecimento originadona macumbaeem ‘outros saberes populares. Olham o pais desde as, encruzilhadas, a sincope, os corpos o encantamento para apresentar amacumba como fundamento de uma pratica cexistencial da qual se origina uma nova epistemologia. PENSAR ice) — Pensarnagé Montes ees Sodré sugere uma forma de compreender o mundo ©0cosmo. partirde um construto tedrico assentado emum milenar patriménio simbélico african, 0 pensamento nag6. Num vies particular, aquiele surge como uma flosofia de “negociagao”, aberta aoencontroe dluta nadiversidade. e Oterreiro ‘eacidade: ) Sora social negro- brasileira unizSodreé Maud sea Pheinas Tr A partir da ideia de territério como elemento necessirio a formagao de identidades, grupais e individuais, Muniz Sodré apresenta o espago do terreiro como fonte de diversidade existencial e cultural, do qual se originam tragosmarcantes da subjetividade histérica das classes ditas subalternas “populares” do Brasil. a ‘eambiente (rg, Blise Larkin Nascimento (Grupo editorial Summas mrarkerwas Artigos de Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Mae Beata de lemanjé, Helena ‘Theodoroe outras intelectuais sobre o poder feminino no culto 20s orixds, ‘papel das religides afro-brasileiras na vida das mulheres negras, ancestralidade, culturae identidade, intolerancia religiosa, entre outros temas. Flechano ‘tempo Simare Lie A educagio é reivindicada como um prineipio e im faze politico que emana das pessoas ede suas ages no mundo. As “sabedorias de frestas” eas experiéncias de sociabilidades no cotidian surgem como espacos de poténcia para aemergéncia denovos modos de saber que confrontam a arrogincia de modelos “universais”. [0 ENSINO OE| FILOSOFIA E a Gensinode Miosofiaealet 10.639 Renato Noguera Pallas st6phcrwas O professor e filésofo busca responder is seguintes perguntas: a flosofia é exclusiva da cultura ocidental ‘oud uma criagio do pensamento humano? Asculturasafricanase afro-diaspéricas sio relevantes para oentendimento da filosofia? Existe uma filosofia africana e/ou uma flosofia afro-brasileira? Como ensiné-la? PEDA GOGIA EMG) ZULHA Dy Rufino sugere um projeto poético, politico e ético que temem Exuagénese de uma pedagogia antirracistae decolonial. Questiona a ideia de uma universalidade do conhecimento, confronta os parmetros do colonialismo e trabalha conceitos como “tolé epistemolégico”, inspirado nas sabedorias dos capoeiras, entre outros. Cosmovisio sfticana bobiaal elementos para ‘umafilosofia Afrodescendente Basardo Olin Grif Poplar iaarhorwas Ahistéria ea cosmologia afticanas sio estudadas como um sistema de valores principios que redesenham. tanto aidentidade nacional como 0 projeto politico, econdmico e social brasileiro. Enguanto modos de organizagao social, sio também ‘manifestagdes histéricas que respeitam as diferengas €promovem aalteridade. Alexandre ‘Marques Cabral Viaverite Guia Mestre Malandrinho (cuZé Pelintra) fala por meio daialaorixé Viviane De Osiin. Como “artista daexisténcia”, ‘mostra outras formas de vida possiveis, mais belas, livres e plenas. Sua experiéncia funda ‘uma “teologia da malandragem’”, que almeja produzir sentidos por ‘meio dos quais a vida valha pena integralmente, Pedrinhas ‘miudinhas: ensalos Sobreruas, Aldelase terreiros Lule Antonio Mérula Editon aapkorwas: Para pensar o Brasil de dentro, Simas recorre As historias € aos saberes ancestrais, cultura de rua eas personagens que nfo esto nna Hist6ria oficial: capoeiras, feirantes, folides anénimos, motoristas, pretos velhos, caminhoneiros, retirantes. 0s 41 ensaios tém como elo asculturas afro-brasileira eamerindia. Filosota de sncestaidade: corpo demaito Snedacaph brass Eds Gries opr Sankomne ee ‘Uma investigacio sobre os elementos necessirios para construiruma filosofia de ‘matriz afro-brasileira euma pedagogia que valorize os, ensinamentos dos ancestrais, reverencie a experiéncia dos antepassadose dinamize acultura dos maisjovens. Aancestralidade aparece convertida em principio maximo efundamento da educagio.

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