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Prefacio Q BUSCAR 9 CITAR E] # PREFACIO Este trabalho, realizado com amplo alcance, interessante e claramente escrito, critica 0 poder discriciondrio nos atos do Poder Executivo como entrave 4 aplicagao do direito — os atos do Poder Executivo nao sao privilegiados em relagao aos outros atos do poder pablico. Isso se deve fundamentar a partir da primazia da Constituicao e da vinculagao de todo © poder ptiblico com a Constitui¢ao e a lei. Além disso, 0 autor combate a tese de que atos discriciondrios poderiam ser tolerados ou até mesmo estendidos na Justica. O presente estudo destaca-se, precisamente, por investigar, ao mesmo tempo, as facetas administrativa e judicial do problema. O propésito do autor vai, porém, ainda mais longe, e direciona-se a uma anilise das decisdes judiciais no Estado Constitucional. Além da dimensao dogmitica do tema, o autor aprofunda suas reflexes para uma eritica fundamental da doutrina (ainda) dominante no Brasil acerca da decisio judicial. Essa doutrina é por ele caracterizada como “paradigma relativista”. Sustenta o autor, com apoio em Ronald Dworkin e, ao mesmo tempo, no quadro da teoriaestruturante do direito, que pode haver, em todos os Ambitos, no caso concreto, apenas uma tinica resposta concreta lireito vigente & questo que foi apresentada ao Executivo e/ou rio pelo litigio e pelo conflito social ou politico a ele subjacente. Essa posigio deve ser, no que concerne 4 Teoria estruturante do direito, discutida mais detidamente. Contudo, a tese defendida é compativel com a referida teoria, O cerne de sua tese consiste, precisamente, em que o pos- positivismo da Teoria estruturante do direito nao admite que se deem as questdes juridicas, apresentadas no caso litigioso e que devem ser decididas, respostas miltiplas e também conflitantes, cuja escolha esteja a discricionariedade do intérprete. Ademais, 0 autor sustenta, com acerto, que o pés-positivismo estruturante (conceito que surge, como termo, jf na obra “Juristische Methodik”, de 1971, ¢ substancialmente, ja na obra “Normstruktur und Normativitit”, de 1966) nfo deve ser confundido ou misturado como “neoconstitucionalismo”. O autor apresenta, de maneira hitcida, de forma sistematica, e com um notivel cuidado, os fundamentos, conteitdos e consequéncias relacionados com o conceito pés-positivista da Teoria estruturante. Logra ele estabelecer, de modo convincente, a delimitacao desse conceito tanto em relacao ao neoconstitucionalismo quanto a outras escolas que, atualmente, encontram uma adesao é la mode. Da Alemanha, parece, prima vista, surpreendente, como o autor afasta, energicamente, 0 poder discricionario. Esse tem, justamente na cultura juridica alema, seu sélido Ingar em alguns setores da pratica e da doutrina. Contudo, aqui, esse poder ~ de modo particular, por influéneia da doutrina estruturante do direito, e gragas ao trabalho do ‘Tribunal Constitucional Federal ~ é bastante limitado ¢ racionalizado a fim de ser ainda compativel com 0 Estado de direito e com o Estado constitucional democritico. Em contrapartida, o autor critica veementemente a situacZo no Brasil. Essa é, conforme a sua exposigao, caracterizada por um frouxo relativismo metédico, por pontos de partida tedricos falhos, por apoio em pensamentos silogisticos de subsuncao do velho positivismo ji hé muito ultrapassados (como 0 da ficgao de uma norma abstratamente predeterminada), assim como pelo deseuido do problema lingutstieo no Ambito da pratica do direito. Noutras palavras, a diferenea pés-positivista fundamental entre texto da norma e norma jurfdica nao foi ainda compreendida pela doutrina dominante brasileira, e tampouco o papel construtivo do caso pratico para a producdo concretizadora da norma juridica, Passado o positivismo, em vez de situar doutrina e pratica em novas bases, as tendéncias dominantes operam, como de costume, eclética, assistematica e ilogicamente. Onde quer que a fachada positivista apresenta lacunas e fendas, onde “subsungio", “silogismo” e “norma abstratamente predeterminada” falham na pratica, 14, por toda parte, surgem formulas vagas e praticas inseguras como “ponderacao”, “proporcionalidade” e ideias semelhantes em primeiro plano. Essas formulagoes tém, em sua inseguranga e suscetibilidade para valoragoes subjetivas, muito a ver em sua estrutura, com 0 “poder discriciondrio", 0 qual, nesse trabalho, o autor combate fundamentadamente. Na verdade, esses modelos de argumentagao existem também na Alemanha, mas ~ tal como 0 “poder discricionério” — de forma jé muito mais criticamente claborada e mais limitada, As formas ainda um pouco ingénuas e simplificadoras da recepcio no discurso brasileiro manifestam-se como recepcdes defeituosas do discurso alemao. E onde, no Brasil, o velho positivismo nao mais € representado, permanecem os inconvincentes, indeterminados, meros antipositivismos da primeira metade do século XX Gurisprudéncia dos interesses, hermenéutica das ciéncias humanas e outros). Em comparagao com meu pais, deve-se dizer que o autor, obviamente, no versa acerca do “poder discriciondrio” alemio, mas acerca de uma praxe normativamente defeituosa — uma indefensavel arbitrariedade nas vestes de um defensavel poder discricionario. Essa suspeita é confirmada pelo fato de que o autor faz de uma afirmacao de Kenneth C. Davis um discretamente referido Leitmotiv (condutor principal) de sew livro: “Where law ends, discretion begins”. Assim, nas hipéteses em que a decisao (escotha entre variantes interpretativas) ainda fundamentada e justificdvel racionalmente, e pode ser imputada aos textos normativos, nesses casos, o direito justamente ainda nio est no fim. Precisamente esta racionalizagao otimizada do discurso juridico, com a inclusio da realidade social e da realidade linguistica do trabalho juridico, precisamente esse realismo orientado pelas normas do Estado democratico de direito, constitui o projeto da + Teoria estruturante do direito. O autor adere a esse projeto, exitosamente, com fundamento em conhecimentos mais extensos ¢ interpretacdes mais profundas. Conforme o conceito estruturante, o resultado de uma decisao 6, pode-se dizer, “defensavel”, quando e contanto que sua motivacéo juridica seja defensavel. Se esse fundamento é, em uma minoria de casos, até mesmo vinculante (sobretudo em relagdo a textos normativos, determinados numericamente, sem ulteriores complicacées: por exemplo, casos simples de prazos e termos), entdo, o resultado pode ser denominado o “tmico correto”. Essa corregao é, assim, (apenas) o caso limite da defensabilidade. Em muitos litigios, porém, hd mais do que apenas uma tinica solucio defensavel a ser fundamentada. Constituem a ilustragdo quotidiana desse fato as decisdes divergentes umas das outras de tribunais de uma mesma jurisdicdo em casos da mesma natureza ow as divergéncias nas decisdes do mesmo caso no Ambito das instncias. Se essa situagao fosse diversa, nao precisariamos de nenhum recurso e de nenhuma hierarquia na Justica. Os juizes que decidem diversamente 0 mesmo caso na primeira, segunda e terceira instancias nao sao, por isso, nem tolos, nem maus. Eles fundamentam “conforme a melhor ciéncia e consciéncia” (com boa-fé) em modo diverso, porque isso € possivel. E. isso & possivel porque nossos sistemas juridicos nao representam algoritmos formalizados, mas devem ser formulados na lingua natural do pais. O fato de que termini technici (termos técnicos) especializados sejam incorporados A jurisprudéncia, nada modifica na (sob a perspectiva linguistica) qualidade “natural” da Tinguagem juridica * incluindo-se_polissemias, ambignidades da seméntica oracional, contextual e textual de textos normativos, pareceres, pleitas, motivagdes de sentengas e comentitrios. ‘Trata-se da situagao linguistica (e, assim, também juridica) fundamental a partir do todo. Considerada a partir do juiz singular ou tribunal, a situagao apresenta-se do seguinte modo: ou se oferece apenas uma ‘inica sohugio (questo numérica, questo meramente formal), ou se apresentam, por exemplo, duas fundamentagoes “defensaveis”: quando todos os textos de norma atinentes e todos os fatos do caso sejam abrangidos, e quando a fundamentacio pode conduzir 0 resultado, de forma metodicamente racional e transparente, a textos de norma vigentes, sem infringir a Constituigdo. In praxi, uma das duas solugées se apresentard sempre mais plausivel do que a outra, fandamentada mais concludentemente e mais compativel com a Constituigao. Essa variante, deve o juiz, deve o tribunal escolher + sem lugar para discricionariedade arbitréria, fundada apenas irracionalmente. ‘A parte no processo tem um direito a essa decisio [1] — posicionamento esse que eu sempre havia sustentado [2 ]e, no Brasil, é defendido pelo Prof. Lenio Streck ¢ agora, felizmente, também pelo autor desse livro. No Ambito da Metédica e da Teoria do direito estruturantes, essa posic&o foi elaborada até mesmo como direito a igualdade de métodos. Todos os envolvidos tém um direito a decisdes que nao sao arbitrarias, precisamente também no ambito dos métodos de trabalho empregados pelos juristas. Nesse ponto, o autor do livro adere & teoria juridico- Tinguistica da defensabilidade no Ambito da Teoria Estruturante do Direito. 0 livro é muito bem escrito. Ele revela conhecimentos e interesses muito extensos, com frutiferas indicagdes a um amplo material constitufdo de fontes, em parte também exorbitantes da ciéncia juridica. Como tese de doutorado, esse trabalho é extraordinario. E como livto, que, felizmente, ja pode agora aparecer, é uma obra que contribuir4 construtivamente para superar, fundamentadamente, modelos ultrapassados de pensamento e de atnagdes no direito brasileiro, em diregao a uma nova modernidade do trabalho juridico que merece esse nome. Heidelberg, em Outubro de 2013. Friedrich Miiller ‘Tradugao para o portugués de Edson Kiyoshi Nacata Junior

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