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| | — | ERWIN PANOFSKY cA PERSPECTIVA COMO | FORMA SIMBOLICA ARTS GCOMUNICACRO 1 DESIGNE COMUNICACAO VISUAL. Bro Mean 3 RWEALIZAGAD CINEMATOGRAFICA, Terence Maret 4 MObOS De VER oe Bee 4 PROIDCTO DE SEMIOTICA Eto Garni { NOVOS RttOs, NOVOS MITOS. Gite Dore, 5, MSTORA DA’ ARTE E MOVIMENTO SOCTAIS, Nis Hasjienaon & Gs \tetos AUDIOVISUAIS Macllo Giocomiton wo PARA UMA CRITICA DA BCONOMIA POLITICA DO SIGNO, Jom Haun NUOMUNICACAO SOCIAL, Olver Bug A DIMENSAO ESTETICA, Heber Maes IRCAMARA CLARA, Roo ibs [ADEPINIGAD DA ARTE. Liter Feo ‘TeORIA ESTETICA.T.W. Adore ZNIMAGEM DA CIDADE, Kevi ach DAS Cosas NASCEM COISAS, fam Mara CONVITE A MUSICA, Raul de Cane ‘SEDUCACAO PLLA ARTE, Hebe Read BEPOIS DR ARQUITECTURA MODERN, Paolo Prohes "TEORIAS SOU, A CIDADE Marsa Dele Doone [ARTE CORNECIMENTO. J Bross 2 AMUSICA and de Cane A GIDADE BO AROUITECTO, Leonardo Bereoto fnSTORIA Ds CRITICA DE ARTE. Lola Ver [NIDEIA DE ARQUITECTURA, Reto de Fas Os MIUSLCOS, Roland de Cae EORIAS DO CINFSIA. Anion Tudor ULTIMO CAMTULD DA AROUITECTURA MODERNA, Leonard Benevoko ‘PODER DA IMAGE. Rae Huyghe [SRQUETECTURA MODERNA. Gs Deres SENTIDO E DESTINO DA ARTE Leos Huh SPNTbG E DESTINO DA ARTE I Rene Haye ‘RAITT ABSTRACTA, Dua Vliet PONTO LINHA PLANO) Waal Ranisy DCINEMA ESPECTACULO, Ear Gea (CuSO DA BAUHAUS, Was IRUAGEML VISAO F BMAGINACAD. VIDA BAS FORMAS, Het Fein ELOGIO DA DESARMONIA, Gio Dees IN MODA DA MODA Cis Bates OintrREssiONISMIO.Pene Fast 2 8 IDADE NEOBARROCA. Omar Caibase ‘NATE DO CINEMA. tel init EXFETTADA DE SONHOS, lee Won ‘ACOOUETIEAIE. OF APAIXAO DO FORMENOR, Catherine NDaye iia TEORIA Da PARODIA. Lindo asheon MOTION PICTURES, Wim Wenders BONE, toes Cal Ose, INTRODUCAD AO DESENHO INDUSTRIAL, Gill Dores [A LOGICA DAS IMAGENS. Win Wenger Novo MUNDO DAS IMAGENS ELECTRONICAS, Gio Tees Arisrco SO FODERDO CENTRO, Rest Arie SCORQESE POR SCORSESE Dasa Tompson fn Cesc [ASOCIEDADE DE CONSUMO, Jean Bautrirs IRIMODUEAD AAKQUTTEC TRA xsd Belo ‘ARTE GUTICA, W-Worger PeRSPCTIVA COMO FORMA SIMBOLICA, Eoin Fats cA PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBOLICA Depésit legal a ISBN 972-44-0886-8 Dircitos res EDIQOES 70, LDA Rus ERWIN PANOFSKY cA “PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBOLICA ¥... 10 \ INTRODUGAO Uma voz vibrante, mas fugaz, essoa nos primeiros eseritos tes- Ficos de Panofsky. F, sobretudo, 0 abrangente estudo sobre a pe pectiva que goza de uma fama que ultrapassa, em muito, os limites convencionais da Historia da Arte. Mas, nao raro essa fama tem) esba- {ido 0s mais ricos cambiantes da linha argumentativa de Panofsky ¢ obseurecido a sua raiz teérica. Atentar na voz que se ouve no estudo sobre a perspectiva, tomar em conta os seus meios-tons, constitu um Projecto que se reveste de interesse mais do que biogrdfico. Nascido em 1892, Panofsky integrava-se ja na segunda geracio de criticos alemaes de formagio histrica postivista, De um modo ger, estes cafticos partlhavam a visio de uma cigneia da cultura mais englo de uma prtica especializada que se nao limitasse a acumular «dados, mas procurasse entendé-los. Panofsky fazia igualmente parte de rculo de erticos conscientes das ineviliveis lacunas da ou seja, da subvalorizagao ou desprezo perante nso de sentido inerente a determinados tipos de objectos (textos, imagens), dimensdo essa de espinhosa explicayao para a His- ‘cia, As produces artistieas endo so afiemagoes feitas pelos sujeitos, tas sim formulagoes da matéria, nio so acontecimentos, so resulta- dos» (}), esereveu Panofsky em 1920. Qualguer abordagem histSrica teria de levar em consideragio a autonomia de um objecto com ais caracteristicas ea impossibilidade de se dedurir esse objecto das suas icunstincias fenomenais, Era este o primeiro estidio por que teria de Péssar qualquer histria nio materialista da cultura Este isolamento preliminar da obra de arte assemelha-se as est tégias a que recorrem o Formalismo Russo ¢ o ‘New Criticism’. De fart, tas refinamentos paralelos da pritca da leitura contributram, diferentemente, para um objectivo @ longo prazo, 0 de despertar 2 nossa sensibilidade para 0 carécter social do signo linguistico e, em tiltima andlise, para a ligagio indissoldvel entre o texto e o mundo. ‘A estratégia utilizada consistia em isolar, temporariamente, a obra, para captar, de forma mais nitida, os seus prinefpios estruturais basics €, por fim, de posse de fundamentagio mais valida, em reintegi no seu contexto original. Em A Perspectiva como Forma Simbélica Panofsky movia-se jd num/quadro metodolégico fornecido pelos primeiros historiadores de Arte Formalistas, como Heinrich Welfflin «, principalmente, Alois Riegl. Esta questio no é muito clara. Com feito, os trabalhos posteriores de Panolsky acabaram por langar 0 des crédito sobre o Formalismo na Historia da Arte e fazer com que pra- ticamente todos os especialistas se Ihe opusessem. No estudo sobre termo Kunstwollen (vohtade artistica), Panofsky condenava, por igual, a cedéncia desenfreada e irresponsavel ‘ao poder irracional do objecto de arte (a Histéria da Arte «Expres sionista» de Wilhelm Worringer ou de Fritz Burger) e 0 refigio dsiludido num historicismo eéptico, Panofsky optou pelo tratamento mais do que fenomenal» do fenémeno artistico, preconizado por Riegl. Discemniu na Weltanschawungsphilosophie (filosofia da visio do mundo), sincrénica e visiondria, de Rieg!, adogada por alpuma n pia filol6gica intencional, o gérmen de uma Hist6ria nova da Arte, uma lista ¢ idealista. Definiu-a como sendo uma «Kunsiphilosophie (filosofia da Arte) verdadeira» @), Riegl dera intcio a sua Histéria da Cultura apresentando um con- Junto novo de categorias formais. Na sua obra figuravam como atribu: iosestruturais basicos, a haptica ea 6ptica, a unidade interna ¢ externa @ coordenagao e a subordinagao, tal como acontecia com os Famosos anistica) Mas, se a perspectiva nfo constitu um factor valo- rativo 6, por certo, um factor estiftico. Poder mesmo ser carac- terizada como (eo temo to apropriado de Emst Cassrer penetra ta Histéria da Are) uma dessa «formas simboticas» em que «0 significado espiritual se liga a um signo conereto, materia e , intrinsecamente,aribufdo a esse signom. (p. 42) 15 [Nao se trata aqui de uma mera pluralidade de sentidos possiveis, mas dde uma hierarquia. Em primeiro lugar, situa-se aguilo que € Kiins llerisch, ou anistico, © que equivale ao estético. Panofsky deprecia, ‘de modo implicito, © evalon», que trata como categoria puramente local e que se basta a si mesma. De uma penada concede «liberdade» ‘aos artistas, mas, logo em seguida, ignora as suas decisbes que con- sidera arbitrérias ou idiomaticas. A um segundo nivel de sentido, encontra-se 0 estilo, tal cosho foi definido e posto em priica pelo For malismo da fase inicial, com Wickhoff, Rieg] e Wélfflin. A perspec- tiva reveste-se, pelo menos, deste género de sentido, razao pela qual é tema pertinente de uma Hist6ria da Arte com cunho cientfico. Mas 0 nivel mais profundo é o da «forma simbotica». Trata-se do nivel estru tural, tal ponto profundo que as fangées comuns, da forma eessam & so eliminadas da andlise histrica. No centro da teoria das formas simbolicas de Cassirer (conforme Panofsky a interpretou) figurava 0 conceito de um nicleo que simbotizaria a actividade. As diversas face- tas da criatividade humana seriam as «formas» a que esta actividade daria origem. Nao esquegamos que, na perspectiva defendida por Riegl, a Arte mais nao seria do que uma de entre vérias expresses de ‘uma Wollen (vontade) humana bésica, ou o impulso que levava a um «estabelecersatisfatrio de uma relagao com o mundo» ('), Foi assim que a forma simbolica fomeceu fundamentagio filosofica ¢ completou a Weltanschauungsphilosophie, em estado incipiente, de Riegl. No entanto, podemos perguntar-nos se a solugo que Panofsky encontrou para a leitura de Cassirer possuia contornos definids. ‘A caplicagao> que se propunha, da forma simboliea, encontra jus tificagdo tedrica somente na primeira afirmagao da segunda parte do estudo. Esta situagdo ndo se revela muito animadora. A pratiea, ou tica, adoptada no estudo consiste em justapor uma narrativa hist6rico- -artistica e uma caracterizagio de uma Weltanschawung (a que, muitas veres, di forma uma narrativa acerca da histria intelectual) e uni-las depois em répida e dramética ceriménia, Submetida a um exame apu- ado, esta ligagio nfo oferece muitas garantias de se manter, Vejamos, por exemplo, 0 primeiro capitulo. Panofsky comega por mostrar como tem sido dificil, desde o Renaseimento, vencer o habito de ver numa perspectiva linear. De seguida, considera que este habito no foi a trariamente imposto aos olhos do pablico, uma vez que a perspectiva linear, adoptada pelos pintores, & «apenas compreensivel para uma pereepgiio muito especifica do espaco, diria mesmo, percepgio espec ficamente moderna ou, se quisermos, para uma pereepcio do mundo» (p. 36). © que poderd estar por detris deste deslizar de Raumgefiihl (percepgio do espaco) para Weltgefihl (percepgao do mundo), consumado num informal «wenn man so will» (se quisermos)? A pala 16 va Welt (mundo) possui aqui significado de peso. E mais do que 0 uni- verso fisico;refere-se,abreviadamente,& experincia em geral. Poder isto implicar que a experigncia do espago é, de alguma forma, essen- cial 8 outra experiencia ou sua geradora? ‘A associagio da experiéncia em geral ¢ da experiéncia espacial forja o primeiro dos elos que ligam visoes do mundo a pinturas, bem como a outras formulagdes concretas do pensamento, O segundo clo da cadeia & criado pela relagao entre a experigncia espacial e a repre sentagio das pinturas. A observaglo feita acerea de WelAgefithl e de Raumgefihl que atras citémos, segue-se, de imediato, uma frase em ue se caracteriza a modemidade como Sendo «uma época cuja per- ‘eepeio foi determinada por uma concepgao do espago (Raumvor- stellung) que se exprimiu numa perspectiva rigorosamente linear», A cexpressio» a que se faz. referencia é, obviamente, uma rel simples © dedutivel, uma espécie de equivaléncia ou imitagao, A expressiio da Raumvorstellung (concepga0 do espago) num quadro nio acarreta perda nem tansformagio. ‘A mesma ligago dupla volta a ser proposta no segundo capitulo ap6s 0 debate em torno da pintura greco-romana, Assim, «a pe Pectiva da Antiguidade constitu a expresso (Ausdruck) de uma visio do espago (Rawmanschauung) especitica, basicamente nao moderna mais ainda, exprime uma concepea0 do mundo (Weltvorstellung). por igual especttica e ndo modema> (pp. 43). Detecta-se, de novo, uma igagdo inicial entre «espago» e «mundo» cumprida num quiasma de Weltanschauung, um termo jé conhecido, ¢ Raunvorstellung, temo de cunhagem recente, Que mecanismo regular, afinal, 0 outro elo, a «expresso» da visio espacial na pintura? Panofsky revela-o através da sw reformulacio da divida de Rodenwaldt acerca das razdes que pederiam ter levado Polygnotus a no pintar paisagens naturals Parte, depois, para a reformulagio da resposta por si proprio dada no estudo sobre a Kunstwollen (4), Pura Panofsky, levantar a questo de 0 Pintor da Antiguidade . Eo Raumgefith! que «busca», ue «reivindica». O artista & um instrumento da Kimstwollen e toma-se © expoente do «sentido imanente» da época ‘Aqui temos uma pega complexa deste mecanismo conceptual Sempre que & posto em actividade, regista-se uma leve alter ” seu funcionamento, No contexto da perspectiva no Séc. XVI, aponta Panofsky o seguinte: a arbitrariedade da direogio ¢ da distincia, existente no espago pict6rico (Bildraum) modemo, evidencia e vem confirmar a indi- ferenga experimentada relativamente a direcgao e & distancia no espago intelectual (Denkrawm) moderno; ela corresponde (Enispricht) na perfekao, tanto cronol6gica como tecnicamente, 40 estidio de desenvolvimento da perspectiva te6rica que, por mérito de Desargues, veio a tornar-se uma geometria projectiva eral. (p. 65) Estabelece-se aqui uma relagio de «correspondéncia» entre 0 Bil draum (espago pict6rico) € a sua formulag30 matemética. Em outros ‘momentos, essa relagdo serd «expressfion. «De novo surge esta con- cretizagio da perspectiva como mais no sendo do que uma expresso (Ausdruck) concreta de um avango contemporaine no campo da epistemologia ou da filosofia natural» (p. 60). Na frase que encerra 0 capitulo i, esta contida a mais exacta, a mais complexa das afirmagoes acerca dessas relagoes miltiplas. Depois de abordar as filosolias do espago na Antiguidade, observa Panofsky ha lugar para dvidas: 0 «espago estético» e 0 «espago te6- rico» fundem 0 espago perceptual, sob a aparéneia de uma dni fe mesma sensagao; no primeito dos casos, tal sensagiio € sim- bolizada de forma visual; no segundo, apresenta uma forma lgica. (p. 45) Assim, a Arte e a Filosofia sao transformagdes, operadas em paralelo, dda realidade empirica, quer uma quer a outra de alum modo dirigi- das por uma Empfindung (sensacio), que no é outra sendo a Weltanschauung, Mas, s6 a Arte é uma forma simbélica, A relacao da Filosofia com a Welranschauung € légica, por i$s0, nido pode tornar-se problemitica. Este o motivo por que 0 diagnéstico de Arte pode recair, alternadamente, na Weltanschauung e nas formulagies filov6ticas Nao sera muito justo descontextualizar as propostas adiantadas, por Panofsky, como se a intengao (do critico) fosse a de sugerir que a sua argumentagio se fundamentava apenas num conjunto de mani- pulagSes pouco claras e na recombinagio de termos filosoficos. Mas a verdade é que a argumentaglo de Panofsky se desenrola de uma forma ritmica que The é propria, em ciclos de andlise filol6gica c pict6rica, de ‘erande sobriedade, que culminam em afirmagdes breves e sintéticas, cconforme se viu no final do capitulo tl, anteriormente citado. Momen- Is tos hii de ret6rica ambiciosa. Florescem a partir do paralelismo e do peradoxo, reclamam alguma autonomia aforistica. Na realidade, asse- ‘guram um acabamento ¢ uma explicaco sob a forma de operagies Tingufsticas © até gramaticais. Este genéro de escrita tem os seus objectivos, apropria-se tanto a critica cultural como a uma Historia da Filosofia. Porém, & Histéria da Cultura de Panofsky falta uma certa verosimithanga histérica. As consideragSes acerca da morfologia e a sequéncia das obras de arte sdo de inspirar confianga. De certa forma, ito faz parte do seu trabalho. Mas a verosimilhanga de toda a Histéria da Cultura depende da confianga que & possivel depositar no duplo elo centre a Historia da Arte e as Wellanschauungen. Sendo uma fungio, tem de_ ser regular e compreensivel, tem de se assumir, simultanea- mente, diferenciada e integrada. Caso contrario, a associagao no possuird valor de diagndstico, Esta exigéneia pode afigurar-se-nos extrema, Mas a maioria das Historias da Cultura, a de Panofsky inelufda, reivindicam-se possui- ddoras da capaeidade de diagnstico, ou seja, da capacidade de, a partir dos produtos culturais, chegar as condigdes de origem. Histérias com {estas caracteristicas continuam a ter 0 seu campo de acgao num enqu- «dramento definido pelas ciéncias naturais. Mantém-se vivas & custa de uma relago causal, que postulam, entre uma camada basica de con- ddigdes ou acontecimentos € uma camada secundéria de si documentos. As limitagdes da capacidade explicativa dk ddiagndstico, os limites das suas pretensdes cientificas, so impostas pela arqueologia ou por outra Por via de regra, a ‘observagio hist6rica intensiva introduz 0 caos nas relagies causais e foma-as nao validas. (E claro que as préprias filologias sio métodos «que conhecem limitagoes e niio Ihes é possivel reclamar maior dose de objectividade do que a de qualquer outro método de observagio cicntifica, Hé filologias mais exactas que aperfeigoam estas e que, por sua vez, sio aperfeigoadas por disciplinas dotadas de ainda maior cxactidao. E assim se dd uma regressio infinita, s6 interrompida ao ser transposto um dado limiar de sensibilidade e tolerdncia humanas e 0 ‘mstodo se provar convincente.) Na realidade, a filologia nunea aceita a explicagio filoséfica nem definigoes de sentido a que principios cien tificos de investigagao tenham dado os fundamentos. Panofsky acabou por se ver forgado a reduzir a forma simbélica a uma espécie de repre tagio simplesmente apropriada ou mimética, e isto para dar satis- fapao as exigéncias da Filosofia ‘A oposigiio entre os pruridos historicistas e a imaginago estrut ‘asta estéilustrada nas relagbes cronol6gicas, pouco elegantes, entre Historia da Arte e a Hist6ria intelectual, estabelecidas por Panofsky. A sineronia é apenas aflorada. A geometria projectiva moderna, con- 19 forme foi desenvolvida por Desargues, tanto corresponde 20 espago privado de direcgdo de Descartes como a costruzione legittima de Alberti ¢ ainda & epistemologia de Kant. As concepgdes de espago de Demécrito, Plato e Aristdteles tém correspondéncia na pintura paisa zfstica greco-romana, O renascimento das concepedes aristotélicas nos séculos doze e treze encontra eco na escultura do Gético primitive, Estes aspectos constituem os pontos cegos da teoria de Panofsky, de ‘quem se esquecem os momentos de sintese pouco responsavel porque mais nio sio do que o reforgo ret6rico de uma argument de peso, Mas que luz langam afinal sobre esta argumentagio? Os acontecimentos filoséficos e artisticos desenrolam-se paralelamente, pois provém de uma Weltanschauung comum, As escalas temporais sao susceptiveis de divergir, j4 que as suas relagdes com essa Weltan- schaaung se diferenciam, uma € légica, a outra simb6ica. Mas, a partir ‘do momento em que entram em dessincronizagao, perde-se o dominio sobre a Wellanschauung. Resta-nos proceder & coordenagio de ‘sequéncias de acontecimentos sem qualquer tipo de relagao entre si, desconhecendo nés 0 motivo dessa ligacdo. Priva-se a Weltan: schauung (iso do mundo) da sua realidade hist6rica ¢ & como menor denominador comum entre a Arte ¢ a Filosofia que cla passa a ser apre: sentada (1, AA Filologia é particularmente perigosa para as estruturas diacro- nicas, As teleologias levantavam suspeitas a Riegl, precisamente por esta razaio. Riegl apenas aceitou a teleologia que criou, assente em bases sinerénicas. Panofsky montou uma estrutura diacrOnica nova: © ‘modelo de solugao de problemas. Mé Gricos, como a perspectiva, solucionam problemas técnicos surgidos a partir do momento em que mecanismos anteriores se tornam inoperantes. ‘A evolugiio dos mecanismos de representaydo traduz-se numa série de solugdes de conflito, de «conquistas» (p. 53). Numa escala temporal mais ampla, este esforgo doloroso espelha-se no modelo dialéetico de ‘mudanga hist6rica, proposto por Panofsky. Concebia ele @ movimento histérico como uma série de sinteses, conceped0 que se evidencia ainda em Early Netherlandish Painting (A Pintura dos Paises Bai os na sua fase inicial) de 1953 e em Renaissance and Renascences (A Renascenga e os Renascimentos), de 1960. No inicio do capitulo it do estudo sobre a perspectiva, esta ideia era aflorada na teoria das smmudangas «Se certos problemas artisticos foram j4 de tal modo aprofiun- dados que continuar a trabalhd-los, imprimindo a mesma orien= lagio a acco e partindo das mesmas premissas, pode revelar-se estéril, emtao, & posstvel que se verifique um intenso movimento, de recuo, melhor dite talvez, uma mudanga de direcgao. Essas ‘mudlangas, frequentemente associadas a passagem da «chefiao 20 em Arte para um outro pais ou para um novo género, possibilitam a ctiagao de um edificio novo surgido dos destrogos do velho. CConsegue-se isto através do abandono do que foi ja realizado, ou seja, do retomar de modos de representagio na aparéncia mais “primitivos” (p. 47).» ao é fil determinar se 0s problemas ¢ as solugSes pontuais so sim- ples manifestagdes da dialéctica universal ou se, pelo contrario, na dialéctica se integram incontaveis dialécticas individuais. De qualquer forma, tudo isto ultrapassa largamente as concepgdes de Ries. Em Die Deutsche Plastik (As Artes Plisticas Alemas), Panofsky esmerou-se: A concepedo hegeliana segundo a qual o provesso hist6rico se desenrola numa sequéncia de tese, antitese e sintese, afigura-se ser igualmente valida no que respeita ao desenvolvimento da Arte. E isto porque todo 0 «progresso» estilisticn, isto & toda a descoberta de valores artisticos novos, se faz a custa do abandono parcial de toda e qualquer realizagZo anterior. Assim, em geral, © desenvolvimento ulterior visa recuperar (com uma nova perspectiva) © que, na fase inicial de destruigao, fora posto de lado e torni-to titi aos propdsitos artisticos entretanto. modi ceados. ‘Como é evidente, uma responsabilidade muito particular recai no historiador, que pretenders provar que as concepgSes dos sujeitos da Historia, acerca destes problemas, se orientavam nesse sentido. E a Filologia raramente 0 confirmou. Além disso, esta vontade diacrénica abstracta no & compativel com a vontade sincrénica, a vontade da Cultura, ou da vistio do mundo, de se exprimir em Arte. Uma das duas vontades teri de predominar, Nao podem reclamar, em simultineo, capacidacle mimética, Se a vontade diacrénica é a tal ponto forte que se torna quase profética — Panofsky diz, em certo passo: «quase nos possivel profetizar em que ponto vai irromper a perspectiva moderna!» (p. 52) —a vontade sincrdnica limita-se a ser uma simples, mas neces- siria, fungao de cOpia. Passa-nos pela cabeca a suspeita de que 0 inverso ¢ também verdadeiro. Se acreditarmos na sineronia, o destino reservado a vontade diacrénica nao encerra surpresas. Veja-ce o exem- plo da Antiguidade, em que a direceao era reconhecida como atributo onjectivo do espago, «devido a uma necessidade intelectual © his- tarica» (p. 65) Assume especial significado 0 facto de, no estudo sobre a pers- pectiva, ser nas passagens relativas & escultura medieval que a Filolo- 1a menor perturbacao instala. Uma vez que o tema nao , de facto, a perspectiva, esta aberto 0 caminho a uma andlise que ultrapasse’ 0 campo do modelo heuristico da perspectiva, So estas as passagens 2 ‘mais complexas do estudo e as que menos se distanciam de Riegl. No capitulo 1, fora ja apresentado o modelo analitico, a0 estabelecer-se a ‘comparagdo entre a Arte Classica, de caricter antropomdrfico e fisico (héptica),¢ a Arte helenistica, unificada dos pontos de vista pict6rico © espacial (Gptica). Mas, até a imaginagio artistica helenistica manteve a ligago aos objectos isolados e, aia ponte tal, que 0 espago no era per- ccepcionado como algo susceptivel de englobar e dissipar 0 con- traste entre corpos ¢ nio-corpos, mas apenas como aquilo que subsiste, se quisermos, entre os corpos. O espago foi, assim, mos- trado artisticamente, em parte pela mera sobreposigio, em parte por uma justaposigao ainda nao sistemdtica, Mesmo quando a Arte greco-romana passou a representar intetiores auténticos e paisagens verdadeiras, esse mundo enriquecido ¢ alargado manteve as suas quebras na uniformidade, continuow a ser um mundo em que 0s corpos € 0s aibismos que os separam se tra- , Critical Iagury 8 (981), Sp. 734 ® : Ein Beitrag zur Begrffsgeschichte der Aleeren Kunsitheorie, Suadien der Bibliothek Warburg, 5 (Leipzig e Berlim Teubner, 1924). 8 Riegl, Spaerimische Kunstindustri, p, 401 ' Panofsky. «Der Begriff des Kunstwollenss,p. $2, também a nota 11 sobre o «sentido imanente» de uma época © Nao se fica, necessatiamente, mais & v ‘exacta. Vejase, por exemplo, os comentarios de Panofsky acerca do Cubismo edo conceito de Relatividade em Einstein, surgidos em Early Netherlandish Painting (Cambridge: Harvard University Press, 1953). p. 5, nots | "°Damisch, L’Origine de la perspective (Paris; Flammarion; 1987), p.29. " Consultar os excetentes trabalho de Robert Klein, «Pomponius Ga ricus on Perspective» e «Studies on Perspective in the Renaissance, ambos reimpressos em Form and Meaning (Nova lorgue: Viking, 1979), publicao foriginalmente com © tulo de La Forme et Pintlligibte (Pats: Gallimard, 1970); consultar ainda «1a Questione della prospettivan, de Marisa Dalai. na ccdigio italiana de Panofsky, La Prospestiva come ‘forma sumbolica’ (Miao: Felirineli, 1961), pp. L18-41, ¢ traduzida como Inirodugdo & edicao francesa, La Perspective comme forme symbolique (Paris: Minuit, 1975 "Wittgenstein, Philosophical Investigations (Nova Torque: Macmillan, 1958), xi, p. 193. sepuintes ¥ Snyder, «Picturing Vision», Critical Inquiry 6 (1980), pp. 499-526. 2 Esta é’uma das implicagoes subjacentes ao pensamento’ de Klein Sobre a perspectiva Ver 0 estudo «Pomponins Gauricus on Perspectives, 2! Contromtara posigde nominalista radical assumida por Nelson Good! man em Languages of Art (Indianapolis: Hackett, 1976), pp. 10-19, sobretudo .16.¢ nota 17 eontendo referéneias a diversos pensaiores com uma orien ‘ado afim. 2 Feyerabend, Against Method (Londres: Verso, 1978), p.223 seguintes, © Wissenschaft als Kunst (Frankfurt: Subrkamp, 1984). pp. 17-84 "Feyerabend, «Consolations for the Specialist, em Criticism and the Growth of Knovledge, editado por Imre Lakatos e Alan Musgrave (Cam: bridge: Cambridge University Press, 1970), p. 213, ™ Damisch, L’Origine de la perspective, 32 © seguintes. tade, quando a sincronia & 28 “TIVA COMO FORMA SIMBO CAPITULO sttem Perspectiva ist ein lateinisch Wort, bedeutt ein Dur chsehung» («Perspectiva é uma palavra latina que significa ‘ver através dle'»). Assim procurou Durer explicar o conecito de perspectiva(!. Embora esta lateinisch Wort (palavea latina) tivesse sido 4 ulilizada por Boécio ()e, a partida, nao possuisse um sentido to definido (°), adop- taremos, no essencial, a definigio de Durer. Nao vamos fazer referencia uma visio do espago totalmente «dotada de perspectivan quando se tratar de simples objectos isolados, representados em «tamanho redu- ido, como casas ou mobilidrio. $6 vamos falar dela caso se trate de uma imagem completa, transformada (e citamos outro te6rico do Renas- cimento) numa «janela» e quando formos levados a aereditar que ola ‘mos para um espago através dessa «janela» (), Assim se nega o suporte ‘material em que sio desenhados, pintados ou esculpidos as figuras Ou os objectos ¢ se reinterpreta esse suporte apenas como um «plano do {quadro». Sobre este plano do quadro projecta-se 0 continuo espacial Visto através dele © no qual se considera estarem contidos os diversos objectosisolados () Se € uma impr geomeétrica, mais ou menos «correcta» ‘Vem, até 40 momento, 20 caso. A represe! verdade, inventada no Renascimento e, mau grado 0s variados aper- feigoamentos técnicos e simplificagées a que a submeteram, perma Receu, no que toca as premissase aos objectives, inalterada até & época de Desargues, A explicagdo mais acessivel é a seguinte: imagino a ima- {gem (de acordo com a definigio da «janela») como tuma seegao trans- versal plana feita através da chamada piramide visual; ¢ 0 olho o vértice desta pirimide e ele esti ligado aos pontosisolados que fazem parte do 10 sensorial imediata ou uma representagio determinaresta projeccio, no 31 0 a representa. Como a posigio relativa destes «raios visuais» ermina a posigio aparente dos pontos que thes correspondem na imagem visual, terei apenas de desenhar o plano ¢ o algado de todo 0 na, por forma a determinar que a figura surgiré na superficie de intersecgao. O plano dar-me-é a extenséo, o algado a altura. Combi dos estes valores num terceiro desenho, set-me-d fomnecida a projecsa0 perspectiva por que ansiava (Figura 1) ‘Num quadro construido assim, isto 6, através daquilo que Diirer definiu como uma «intgrseegao plana e transparente de todos 0s raios provenientes do olho e que recaem sobre o objecto que este vé> (°), io Vidas as leis que passo a referir. Em primeito lugar, todas as perpen- diculares ou «ortogonais» se encontram no chamado ponto de fuga cen- tral, que é determinado pela perpendicular tirada a partir do olho para 0 plano do quadro. Em segundo lugar, todas as paralelas, independen- temente da direc¢o que tomem, possuem um ponto de fuga comum. Se estiverem num plano horizontal, o seu ponto de fuga estar sempre naquilo que se designa por horizonte, ou seja, na linha horizontal que atravessa o ponto de fuga central. Além disso, seas linhas paralelas for- rmarem um dngulo de 45 graus com o plano do quadro, a distancia exis- tente entre o seu ponto de fuga e 0 ponto de fuga central igualara a distincia que vai do otho ao plano do quadro. Por fim, hd a considerar ‘que as dimensGes iguais diminuem progressivamente, it medida que se ‘do seu afastamento no espago. Deste modo, se considerarmos que se ‘conhece o ponto de partida do olhar, sera possivel calcular qualquer parcela do quadro, a partirda que a antecede ou da que se Ihe seguir (ver Figura 7) Para garantir a existéncia de um espago absolutamente racional, {quer dizer, infinto, imutavel e homogéneo, a «perspectiva central» langa mio de dois pressupostos técitos, mas fundamentais, a saber: vemos com um olho imével; a secgao transversal plana da piramide visual pode ser tomada por uma reprodugio apropriada da nossa ima- gem dptica. De facto, ambas as premissas dio corpo a abstracgdes bas- {ante audaciosas da realidade, considerada aqui «realidade> como genuina impressio Sptica subjectiva. A verdade é que a estrutura de um espago infinito, imutavel e homogéneo, em resumo, um espago pura mente matematico, difere em muito da estrutura do espago psico- fisiol6gico: «A percepgao ignora o conceito de infinito, 4 partida tor nado restrito por determinados limites espaciais impostos pela nossa faculdade perceptiva. Relativamente ao espago perceptual, nio se pose falar de infinito, nem, t20 pouco, de homogeneidade, A homozeneidade do espago geométrico assenta, principalmente, na ideia de que todos os elementos desse espago, os «pontos» nele reunidos, constituem simples inicadores de posigao, privados de contetdo independente proprio fora desta relagio, da posigo que ocupam em relago uns aos outros. Na sua relagao reciproca, esgota-se-Ihes a realidade, realidade que nao € subs- tancial, mas funcional, Como estes pontos nio possuem qualquer tipo de contetido, como se tomaram, simplesmente, a expressio de relagdes 2 ideals, ndo chegam a levantar o problema da existencia de diversidade so contetido. A sua homogeneidade implica unicamente semelhanga de «srutura,baseada na sua Tunglo légica comuum, no objective no sen tido ideais, também comuns. De onde concluirmos que jamais oespaco hhomogéneo & espago dado, E sim espago criado pela representa, O conccito geométrico de homogeneidade pode, defacto, expressar se ‘no postulado segundo o qual sera possivel desenar, a partir de todos os pnts do espaco, figuras semelhantes em todas a dreogdes€ de todas as dimensdes, Nao hi ponto algum do espago da percepgao imediata em {que este postulado se coneretize. Nao deparamos Com uma rigo ‘0st homogeneidade na posigao e na direegao; a cada lugar cabe 0 seu modo proprio, o seu valor especfico, Quer o espago visual. quero ttl (Tastraum),sioanisotropieose nao homogéneos se postos em contraste com 0 espago métrico da geometria cuclideana, pois ‘as direcgoes Principais de organizagao (em frente de-atras de, em cima-em Baixo, direita-a esquerda) nao se assemelham em nenhum destes espagox fisiolégicos’» (’), Figura 1. Representagdo eperspectiva linear» medema den espaso interior rectan- sla (sein epi), Em cima, esque: plan Em bao, esqura: algo. ict imagem perspectva oneeguide sav da combinago dos sepmento eam ‘0 inapo ds segmentos ragad B ‘A representagio perspectiva exacta & uma abstracgio sistematica cconseguida a partir da estrutura deste espaco psicofisiolégico. Torar ‘através da representagiio do espago, exactamente a homogeneidade «a auséncia de limites alheios & experiéncia directa do mesmo espaco, cis o resultado da representagio perspectiva e, mais do que resultado, 0 “objectivo que esta se prope atingir. Em certo sentido, a perspectiva ‘muda o espago psicofisiolégico em espago matemitico. Renega as dife- rengas entre a parte da fyente e a de ts, a direita e a esquerda, entre os compos e 0 espaco que ene eles medeia (0 espago «vazio»), e assim senido, a soma de todas as partes do espago ¢ todos 0s seus contetidos si0 congregados num «quantum continuum» dnico. Deixa no esquecimento © facto de vermos no com um olho imével, mas com dois olhos, em movimento constante, que geram um campo de visio esferoidal. Nao toma em consideragao a diferenga imensa que hd entre a «imagem visual», psicologicamente condicionada, através da qual tomamos cons- ccigncia do mundo visivel, ea «imagem da retina», condicionada mec rnicamente, que se imprime no olho fisico. Verifica-se, na nossa cons- cigncia, uma tendéncia equilibradora muito particular, originada no trabalho conjunto da visdo e do tacto, para atribuir aos objectos aper- cebidos tamanho e forma definidos, adequados. Poresta razao, a mesma tendéncia vai no sentido de ignorar, ou, pelo menos, de no coneeder grande importincia as distorpdes a que a retina sujeita tamanhos e for- ‘mas. Digamos, finalmente, que a representagdo perspectiva ignora a circunstncia capital de esta imagem da retina, se no considerarmos a sua «interpretagiio» psicoldgica posterior e o facto de os olhos se move- rem, constituir uma projecgdo numa superficie cOncava, nao numa superficie plana, Registe-se, assim, e jé a um plano factual muito infe- rior, pré-psicoldgico, uma discrepancia basica entre a «realidade» ¢ a sua representagiio, Isto aplica-se igualmente, como € 6bvio, ao funcio- ramento, em moldes andlogos, da maquina fotogratica, Poderemos recorrer a um exemplo muito acessfvel. Se uma linha for dividida de modo a que as suas partes a, b e c subtendam dngulos iguais, as us partes, objectivamente desiguais, serio representadas ‘numa superficie cOncava (como a retina), sob a forma de extensies aproximadamente iguais. Caso sejam projectadas numa superficie plana, apareeer-nos-do, como anteriormente, com dimenses desiguais (Figura 2), Aqui temos a origem das distorg tornaram familiares através da fotografia, mas que marcam, a diferenca entre a imagem representada em perspectiva ea imagem da retina. As distorgdes mencionadas podem ter expresso matemética, traduzida na discrepancia existente entre a proporgao dos fngulos de viisao, por um lado, e, por outro, entre a proporgo das secgdes lineares resultantes da projecgao numa superficie plana. Quanto mais amplo for © fingulo de visio total ou compésito, isto é, quanto menor for a pro- porgio entre a distincia que vai do olho & imagem e 0 tamanho da u imagem, tanto mais acentuada sera a distorga0(*). Mas esta disere- ppncia, de cardcter meramente quantitativo, entre a imagem da retinae a representagdo perspectiva, jé detectada nos primérdios do Renas- rento, 6 acompanhada de uma discrepancia formal, Esta resulta prio- Fitariamente, do movimento do olhar e, em segundo lugar, da curvatura dda retina. Embora a perspectiva projecte as linhas rectas como rectas, 0 nosso olhar apercebe-as, a partir do centro de projeccio, como curvas convexas. Enquanto um padrdo quadriculado regular, visto a pequena distancia, parece expandir-se e formar um escudo, um quadriculado objectivamente curvo tomar-se-d, nas mesmas circunstancias, direito, Se as ortogonais de um edifcio, rectas de acordo com a representagao Perspectiva normal, correspondessem a imagem factual dada pela retina, teriam de ser tragadas curvas, Para ser ainda mais rigoroso, direi {que até as verticais teriam de se tornar um pouco curvas (pace Guido Hauck, cujo desenho est reproduzido na Figura 3), Figura 2. Explicagio das aistorges priferias» Dois momentos houve, na Epoca Moderna, em que a curvatura da imagem éptica foi sujeita a apreciagio: no fim do século passado, °) entre 0s psicdlogos e 0s fisicos de renome e (Facto aparentemente ignorado até & data) entre os grandes astrnomos ¢ matematicos do inicio do século dezassete. So de salientar aqui as palavras de Wilhelm Schickhardt, o singular primo do arquitecto de Wilttemberg e viajante Por terras de Itilia, Heinrich Schickhardt. Disse ele: «Todas as linhas, ‘mesmo as que sio mais rectas, surgem como ligeiramente curvas, caso nao estejam directe contra pupillam (directamente diante dos olhos). 35 ‘Mas, nao hi pintor que faga f€nisto. Por isso, para pintar as pares rectas, de um edificio, todos usam linhas rectas, apesar de, segundo a ver- ‘dadeira arte da perspectiva, tl ser incorrect... Senhores artistas, © que {zeisaisto!?»(!). Este ponto de vista mereceu a aprovagio de Kepler, pelo menos, na medida em que ele aceitou a possibilidade de, tanto a Cauda de um cometa como a traject6ria de um meteoro, ambas objec fivamente rectas, poderem ser subjectivamente apercebidas como ccurvas. O aspecto mais fascinante reside no facto de Kepler estar, por ‘completo, ciente de, a,prinefpio, ter menosprezado, negado até, essas ‘curvas ilusérias, s6 porque a sua escola tinha sido a da perspectiva linear. As regras da perspectiva em pintura haviam-no levado a consi- derar que o que é recto é sempre visto como tal, sem abrir caminho & reflexao sobre o facto de o olho projeetar na superficie interna de uma esfera, nio numa plana tabella (#), De facto, se mesmo hoje em dia, $6 ‘alguns ha que se aperceberam da existéncia das referidas curvaturas, fesse facto deve-se, em parte, ao habito, que 0 ver fotografias reforca, da representagio perspectiva linear. Esta representagao € apenas com- preensivel para um sentido muito especifico, diria mesmo, um sentido specificamente modemo do espago, ou, se quisermos, do mundo. ra 3. Atrio com pilares construido de acordo com a perspectva esubjectiva> curva (@esquerda) com 3 perspective exquemfiea ou linear (drt). (Segundo Guido Hivek) Nama época em que a percepso era dtada por uma concepelo espacial sonsubancadana perspective puramente lina, impos a redescoberta das curvaturas do nosso (chamemos-Ihe assim) universo: Spc frat Na. nama pcs soe inpervah everom esta, perspetiva que io ea linea existncin dea cu ‘ators ndo levantava davides. Isto acontcia na Amtguidade, na Optica 6 na Teoria da Arte (bem como na Filosofia, embora apenas sob a forma dle analogias),em que slo constantes as referéncins a inhas rectas vistas ‘como se fossem curvas e a linhas curvas vistas como se de rectas se tr tasse. Outras observagdes feitasapontam a necessidade de as colunas se subordinarem a entasis(relativamente fraca, em geral, na Epoca Clis- sica), para ndo parecerem inclinadas e a necessidade do epistilio e © estlGbato serem construidos curvos, de modo a nio parecetem vergar 420 peso. E é bem verdade que os resultados priticos destas descobertas esto comproyados nas curvaturas do templo dérico, nossas conhe- cidas ("). A Optica da Antiguidade, que levou a concretizacao destas ideias, op6s-se, inicialmente, a perspectiva linea. Se foram entio com- preendidas, de maneira tio licida, as distorgdes estéricas da forma, tal ompreensio radia em, ou, pelo menos, corresponde a um reconhe- cimento, mais significativo ainda, das distorgdes das grandezas. Tam bbém neste campo ateoria Optica da Antiguidade se ajusta melhor do.que a perspectiva do Renascimento estrutura factual da impressiio pica subjectiva. A Optica da Antiguidade entendia o campo de visao como uma esfera (") Sustentava, porisso, que as grandezas aparentes(st0€ as projecgdes dos objectos dentro desse campo de visio estérico) sempre ¢ exclusivamente, determinadas pela amplitude dos angulos de visio, no pela distincia a que os objectos esto do olho, Logo, a relag entre as grandezas dos objectos nio se pode exprimir em medidas de ‘omprimento simples, s6 pode ser expressa em graus de fingulo ou de arco (""). Ja no Oitavo Teorema, Euclides prevé e «anulan, de forma explicita, qualquer ponto de vista contrrio, Afirma ele que a diferenca a entre duas grandezas iguais, apercebidas de es, mio é determinada pela proporcao dessas dis a proporgdo, menos discordante, dos Angulos de visio (Figura 4) ("), Esta teoria € diametralmente oposta a que subjaz. 2 representagio perspectiva moderna, ja nossa conhecida através da mxima de Jean Pélerin, chamado também Viator: «es quantitez et les distances. Ont. concordabl ces» («AS quantidades © as d LGneias variam proporcionalmente») ("). Nao sera acidental ddeparemos com parifrases, com tradugées até, de Euclides, feitas durante o Renascimento, nas quais 0 Oitavo Teorema foi suprimido por inteiro ou submetido a tais «correcgses» que o sentido original se per- dou (7) Sem diivida que se fez sentir a contradigao entre a perspectiva nnaturalis ou communis, detendida por Euclides, e a perspectiva arti- Jicialis, que se desenvolvera entretanto. A primeira mais nao procurou «do que a formulagao matemtica das leis da visio natural, ligando, assim, a grandeza aparente ao ngulo de visio. Contrariamente a ela & segunda tentou estabelecer um méiodo que se provasse itil na repre- sentagdo de imagens em superficies bi-dimensionais. Esta contradigao 6 podria serresolvida com a reeicao do axioma dos angulos. Assim, 0 reconhecimento do axioma implica que a criagio de uma imagem Perspectiva é, em rigor, tarefa impossfvel, pois nio restam_dividas ‘quanto ao facto de uma esfera se ndo poder apresentar numa superficie. 37 Figura 4. Contrast ene 1 es ep , fe entre representagdessperspectiva lina» e eperpectva angular ‘8 perpectva linea (em cima, 1s grandezas aprentes (1S © J5) io invcrsamcne [ropercionas ds distncias (AB e AD), na perspeciva angular (em bina, ty sranderns sparetes (Be a +B) no so invesamente proporcionan 4s ustncias hve br 38 CAPITULO IL CChegados a este ponto, somos levados a pensar se teria sido pos- sivel a Antiguidade desenvolver uma perspectiva geométrica ¢ de que ‘modo, Do que até nés chegou sobre os Antigos, ficou-nos a ideia de rnunca se desviarem do pressuposto segundo o qual eram as angulos, & no as distancias, a determinar as grandezas apare1 evidente, por ‘um lado, que, enquanto a pintura Antiga se mantivesse fiel a este prin- cipio, pouco lugar nela haveria para consideragGes sobre a pro} ‘numa superficie plana. Tenderia, isso sim, a adoptar a projec ie esférica, Por outro lado, nfo oferece diividas o facto de a para por em pritica a projeceao «estereogrifica entendida, nomeadamente, no sentido que Ihe deu Hiparco. Qua ‘ito, teremos de tomar em conta se na Antiguidade se procede! no, a uma atordagem com utilidade artistica, Tal representagtio pode 3s, basear-se na ideia de uma «esfera de projeccio» — ‘ou, em planc ¢ em algado, de um circulo de projecgao—, na qual, porém, os arcos do circulo tivessem sido substituidos pelas suas cordas. Conseguir-se-ia, assim, uma aproximagio relativa das grandezas representadas as amplitudes dos fingulos, ¢ os problemas técnicos no seriam mais 1umerosos do que os levantados pelo método moderno. A pintura antiga, pelo menos a Helenistica e Romana do periodo tardio, poderd ter tido acesso a essas normas, mas dar por certa tal possibi lidade, afigura-se-nos demasiado arriscado. Numa passagem, amplamente comentada, de Dez Livros sobre a Arquitectura, de Vitrivio, encontra-se esta definigao verdadeiramente notdvel: A «Srenographia», ou seja a representagdo perspectiva de uma estrutura tridimensional sobre uma superficie, baseia-se numa somnium 10 39 Tinearum ad civcini centrum responsus» (8). A partida, ¢ Sbvio, ali- entou-se a esperanga de descobrir neste circin centrum o ponto de fuga central da perspectiva moderna, Mas esse ponto de fuga unificado no surge em uma dnica das pinturas da Antiguidade que chegaram 20s tnossos dias. E, pormenor de importancia, as prprias palavras parecem ‘luir esta interpretagao, uma vez que circini centrum significa lite- ralmente «ponto cardeabs,e nfo «centro de um effculo». Nao se pode interpretaro ponto de fuga central da perspectiva linear modema, sim- ples ponto de convergéncia de otggonais, com se fosse 0 pont fixo de uuma bussola (), Se Vitrivio se estiver a referir a uma representagdo perspectiva precisa (implicta na mengio feita a circinus),vislumbra-se uma probabilidade de ele pretender signifiear com centrum um «centro «le projecgao» que representeoollo de quem vé, eno um ponto de fuga existente no interior do quadro. Assim, em desenhos preparatsrios, esse centro (e neste aspecto haveria completa submissi0 a0 axioma do Angulo, da Antiguidade) seria o centro de um circulo que interceptasse 0 raios visual, tal como a linha recta que representa o plano do quadro imterceptaria, na representagio perspectiva moderna, os raios vistas, De qualquer forma, caso se recorra a esse «circulo de projecgio» para representar (0 que. a verificarse, levaria, conforme vimos, 2 stbs- tituigdo dos arcos do citculo pelas cordas correspondentes), 0 resultado obtido rd ao encontro dos testemunhos de que dispomos, num aspecto capital. Explicitemo-1o: os prolongamentos das ortogonais ni se ju tam num ponto nico, antes convergem tenuemente e reunem-se Dares, em pontos diversos, existentes ao longo de um eixo comum Quando o cfteulo se abre, os arcos divergem, digamos, nos extremos, 0 ue provoca um efeito de «espinha de peixe> (Figura 5). io se pode sancionar a interpretagio dada a passagem de Vitri- vio jf citada, como se fosse inequivoca.Dificilmente se poder dla por provada, poisem quase todos os quadros que subsistem, arepresentagio € pouco rigorosa, Seja como for, este principio da espinha de peixe, ou dito de maneira mais elaborada, principio do eixo de fuga, deteve, pelo menos até onde podemos remontar, um lugar central na representa ‘cio espacial da Antiguidade. Umas vezes, depara-se-nos soba forma de Uma convergéncia parcial, segundo o que foi descrito e que satisfaz nossa representagdo em eitculo hipotética(ustraglo 1), Surge-nos, de ‘outras vezes, sob forma mais esquemética, embora mais vivel, de wn paralelismo, relativamente puro, de ortogonais obliques. Desta tim versio dio j& provas os vasos do Sul de lala, do século 1v a.C. (llus- tragées 2€ 3) (). Porém, se comparada com a moderna, esta mancira de representar o expago ressente-se de um particular desequiibri e de contradigies internas. A representagdo do ponto de fuga modem distorcea extensa0, a profuindidade ea altura em proporgio constante,definindo, assim, sem Imargem para equivoco, o tamanho aparente de um qualquer object, 40 = is i Figura. Reprevetagio eperspectiva angular antiga de um espa interior retangular (ccaitaespacals) Em cima, exquerd: plano, Em bai, & ewqucrda aldo, A diet: Imagem persxctiva conseguia através de combinagto dos segments tagados mo teu de pjecgao= hho que corresponde sua grande7a real e a sua posicao relativa- mente ao olhar. Reside agui a vantagem imensa do método modemo e azo de ter sido o intensamente procurado. Segundo 0 prinespio do ceixo de fuga nio € possivel verificar-se a distorca0 constante, porque jo hd validade na organizagao dos raios, A incapacidade do principio do eixo de fuga de reduzir, de maneira correcta, um padrao quad cculado, ilustra perfeitamente o que atris dissemos. Na verdad, 0s qu ddrados do meio so demasiado grandes ou pequenos em excesso. Dis- crepincias deste teor na perspectiva foram escamoteadas pelo recurso a rosiiceas, grinaldas, drapeados e outros omamentos. Assim foi na Anti- guidade mas, sobretudo, no fim da [dade Média, quando a represet tagdo, a que venho fazendo referéncia, ressurgiu em muitos pontos da Europa (*9, Devemos acrescentar 0 seguinte: se forem representadas desta maneira, as diagonais de um quadriculado s6 ficario correctas, caso as distincias da parte posterior déem a ideia de aumentar © nao 4 de diminuir, como deveria ser 6 caso. Contrariamente, se diminuirem 4 distineias, as diagonais parecerao ficar interrompidas, E verdade que este problema parece situar-se mais no fmbito da Matematica do que no da Arte, j que se poderia, ecom razio, apontar que a imperfeigéo relativa, até mesmo a ausencia absoluta, de una Tepresentagio perspectivada nada tem a ver com 0 valor artstico (al como, no caso inverso, a rigorosa observancia das leis da perspectiva ho redundaré em prejuigo da sliberdade» artistea). Mas, se-& pers, Pectiva no consttui ufn factor valorativo, €, por certo, um feeioe eatilistico. Poder mesmo ser caracterizada Gomo (e 0 terme tio apro. Priado de Emst Cassirer penetra na Historia da Arte) uina dessas «formas simbslicas» em que «o significado spiritual se liga um signe conereto, materiale intrinsecamente, atribuido a esse signom Por isco, 6 fundamental apurar ve os peredlos e éreas da Avte possuct ou ie am a nogo de perspectivae também defini que nogao € essa AA Arte da Antiguidade Clissica era puramente Fisica: enquanto realidade artistica apenas reconhecia o tangivel ¢ 0 visivel. Os seus jbjectos eram materiis e tridimensionais, dotados de fungGes © pro. Pores definidas e, por esse motivo, em certa medida, antropore fizados. Esses objectos nao se amalgamavam numa unidade eepacia, como sucede na pintura, mas juntavan-se de modo a formar alae de semelhante a um aglomerado iect6nico ou pléstico. Cento € ter ¢ Ante helenistica comegado a afirmar tanto o valor do compo sujeito a moth ‘ago intema, como o encanto da sua superficie exterior. Igdalmente fo Por ela apereebido serem merecedoras de representacao qucranatureen !nimmada, quer a inanimada, tanto que eta pléstico e belo, como 0 pic. ‘6rio, 0 feio, 0 vulgar, os corpos sslidos e 0 espago envolvente & fn ficador. Mas até a imaginagao artistca helenistica manteve a ligagao aos bjectos isolados ¢ a um ponto tal que o espago ni era percepeienaie como algo susceptivel de englobare dissipar o comtraste entre compose 1io-corpos, mas apenas como aquilo que subsiste se quserimos, once 8 corpos. O espago foi, assim, mostrado atisticamente, em parce pela ‘mera sobreposiglo, em parte por uma justaponicao ainda mao sete, Imitica. Mesmo quando a Arte greco-roniana passou representa inte. Fiores auténticos e paisagens Verdadeiras, esse mundo enriquecido ¢ alargado manteve as suas quebras na uniformidade, continuou a ser umn ‘undo em que os compos ¢ os abismos que os separam se traduriam ‘apenas em variagées ou modificagdes de um continuo da mais elevada ‘ordem. Tomaram-se tangiveis as distancias em profundidade, mas nae Podem ser expressas em termos de um «iédulo» imutvel. As ortoge, nals reduzidas convergem, mas nunca para um horizonte nico, ¢ mito ‘menos para um centro tnico (embora se verifique. regta geral, nos tr, Sados de arquitectua aelevagio das linhas da base ea descida das linhas do tethado) (22), Geralmente as grandezas diminuem & medida que vao reeuando; essa dimimuiglo no é, de modo algum, constate. Dé-se a sa 2 nagdo» uniforme (73), Mesmo se levarmos a sério a ideia da pacipes weendem, um espago sistemitico (4), E, neste ponto, toma-se evi: iragem (**). sod to 4a se impusesse, isto seria impossfvel. Mas, por que nio foi entiio esse axioma pura e simplesmente desdenhado, como viria a acontecer mil e quinhentos anos depois? Se os Antigos nao agiram desse modo, isso aconteceu porque essa aspiragao ao espaco, que buscava exprimir-se nas Artes Plisticas, nio reivindicava um espaco sistemtico. O espago sistemético tinha tanto de impensével para os fil6sofos como de i ssindvel para os artistas na Antiguidade. Seria, por isso, pouco razod- Yel. do ponto de vista metodolégico, equacionar as perguntas «Na Antiguidade existia 0 donceito de perspectiva?» e «Na Antiguidade cexistia 0 nosso conceito de perspectiva?», como se fez no tempo de Perrault ¢ Sallier, de Lessing e Klotzen, Por muito diversificadas que fossem as teorias espaciais da Anti- uidade, nenhuma houve que chegasse a uma definigio do espago como sistema de relagdes simples entre a altura, a,extensio e a profun- dlidade (*7). Caso isto se tivesse verificado, sob & aparéneia de um «sis- tema coordenado», a diferenga entre «a parte da frente» e «a parte de Iris», «aqui» e «alin, «corpo» e «nio-corpo», ter-se-ia dissolvido no conceito, mais elevado ¢ mais abstracto, de extensio tridimensional ou, segundo Amold Geulinex, no conceito de um «corpus generaliter sumptum» (corpo entendido em sentido geral»), Melhor dito, a totalidade do mundo manteve-se sempre como algo de radicalmente descontinuo. Demécrito, pars citarmos um exemplo, criou, a partir de elementos indivisfveis, um mundo absolutamente fisico. Para garantir a esses elementos a possibilidade de se moverem, foi mais longe © pos- tulou que o vazio infinito seria um m@ on ou nio-ser (embora, enquanto correlativo de on ou ser, este se constitua, parcialmente, como neces sario). Para Plato, o espaco opunha-se ao mundo dos elementos, redu- iveis a corpos constituidos geometricamente, que funcionavam como o seu huperdoch® ou recepticulo informe (de facto, hostil & propria forma). Depara-se-nos, por fim, Arist6teles e a sua transferéncia, com lum caricter essencialmente nao matematico, de categorias qualitativas para o dominio do quantitativo. Aristoteles distinguiu seis dimensdes (diastaseis, diastémata) no topos koinos, ow espago geral (a saber, em ccima e em baixo, na parte da frente e na parte de tris, & direita e a eesquerda), apesar de os corpos isolados possuirem definigao suficiente, dada por ts dimensdes (altura, comprimento e largura). Para além do mais, Aristételes concebeu este «espaco geral» em movimento, apenas como o limite extremo de um corpo imenso, isto é, 0 ponto mais afas- tado da esfera celeste, assim como considerou o lugar especifico das eoisas isoladas (topos idios) como o limite em que 0 Uno e 0 Outro se reunem ("*). Talvez a doutrina aristotélica do espago ilustre, com par ticular clareza, a incapacidade, evidenciada pelo espirito Antigo, de encontrar para os «attibutos» empiricos concretos do espago e, sobre tudo, para a distingdo entre «corpo» e «aiio-corpo», um denominador ccomum de uma substance étendue: os corpos nio sio assimilados a um a“ sistema homogéneo ¢ infinito de relagdes dimensionais; eles sio os contetides justapostos de um recipiente finito. Na verdade, nao existe para Aristételes um «quantum continuum» em que se pudesse dis- solver a esséncia das coisas isoladas. To pouco reconhece a existéncia dp energeiai apeiron (infinito real), que ultrapassaria 0 Dasein (ser) dis objectos isolados, ja que, em termos modemnos, a propria estera das citrelas iméveis seria um

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