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DIALETICA DOS GRUPOS - Contibuigdes de Sartre a Compreeusto dos Grupos. * Carlos Rubini Psicodramatista, Mestre em Psicologia. Professor-Supervisor pela FEBRAP. SINOPSE ‘© presente estudo apresenta uma introdugtio as idéias de LP.Sarte a respeito da génese ¢ processo dialético dos grupos. Discorre sobre os diferentes momentos do proceso grupal. abordando conceitos de série e serialidade (dispetso € solidao dos homens) e a superacao da serialidade pela constimtigao do grupo (grupo em fusdo). Analisa 0 proceso de sobrevivencia do grupo ou pettificacio progressiva do mesmo através dos conceitos de juramento, organizagao, fraternidade-terror e instiruigdo, ressaltando a contribuicao de Sartre para a compreensao da vida dos grupos. ABSTRACT This paper presents an introduction to JP. Sartre's ideas concerning the genesis and the dialectical process of groups. Te reasons on the different stages of the group process by means of series and seriarion concepts (man’s dispersion and loneliness ) and seriation surmounting through group constitution ( tie group melting). It analyses the group survival process and / or the progressive group petrification throtgh the concepts of oath taking, organization, fraternity-terror and institution. It also emphasizes the important contribution of Sartre’s thought to the understanding of group live. UNITERMOS Série e serialidade. Grupo em fitsdo, Juramento. Organizagao. Fraternidade-Terror. Instituigao. UNITERMS Series and seriation. Group meltin Oath. Organization. Fratemity-Terror. Institution, 1-INTRODUCAO Este texto pretende apresentar uma breve introdugao teérica as idéias de J.P.Sartre a respeito dos grupos. Baseia-se no estdo da obra “Critica da Razio Dialética” onde & proposta nfo uma “historia real”, mas uma “génese ideal” buscando a inteligibilidade dos grupos e dos diferentes momentos do processo grupal: série, grupo em fusdo, organizacdo e instintigao mediados pelo Juramento e fraternidade-terror + Texto publicado na Revista Brasileira de Psicodrama, vol. 7; n. 2— ano 1999 Pata a compreensto dos grupos proposta por Sartre necessirio se faz, antes de mais nada desvencilhar-se do modo de pensar deteminista e racional, da légica das coisas prontas acabadas. A inteligibilidade dos grupos passa pela dindmica da woca e da reciprocidade, dinamica esta inscrita numa relagao dialética. Dialética como o caminho do homem em sta relagao com a natureza ¢ a sociedade, a_fim de transformélas: € a logiea da agdo “sempre recomecada”. pois procede de contradigaes, de negagdes parciais, de dados jamais acabados e sempre questionados. E a logica do inacabado. E a dialética como ligica viva da acdo nfo pode aparecer & uma razio contemplativa. “Bla se descobre durante a praxis e como um momento necessdirio desta, ou se se prefere, ela se cria de novo a cada agao e torna-se método teérico-prético quando a acao que se desenvolve dé suas préprias luzes”. (\ , p. 170 Vol. 1). ‘O homem é mediado pelas coisas na mesma medida em que as coisas sto mediadas pelo homem. Este é um exemplo da circularidade do pensamento dialético. Representa um tipo de raciocinio qne deve ser feito para que o cenério humano seja inteligivel. Inteligibilidade esta que & fimdamentalmente uma questo de compreender © meio pelo qual uma pluralidade € constituida como um todo - seja tado sujeito ou todo objeto: “uma totalizagdo é uma organizagdo unificadora de uma pluralidade e 0 cendrio Iumano é uma pluralidade de tals organtzagoes”. (Gp. 211-212 - Vol.1), 44 a totalidade se define como um ser que, radicalmente distinto da soma de suas partes, se reconhiece todo inteiro - de uma forma ou de outra - em cada uma de suas partes e que entra em ‘contato consigo mesmo quer por sua relagdo com uma ou varias de suas partes, quer por sua relagdo com as relagies que todas ou varias de suas partes mantém entre si. Mas esta realidade por estar feita por hipdtese (1am quadro, uma sinfonia, ef), s6 pode existir no imaginério, i. ‘como correlative de um ato de imaginacao © grupo, portanto, nfo pode ser pensado como uma totalidade pronta, acabada, e sim como uma totalizacao em processo. E a dialética dos grupos seri o movimento sempre inacabado dos grupos. que strgem e se mantém através da praxis Ao movimento dialético nos grupos opde-se a anti-dialética. Segundo Sartre, existem grupos esclerosados, reificados (coisificados). E a antidialética de um. universo humana no qual os objetos fabricados, as coisas oriumdas da prixis mana transformam-se em ordem “pratico- inerte”, vazios de qualquer scntido vivificante. “Grupos, sob a agdo de determinadas circunstincias e em determinadas condicdes, morrem antes de se desagregarem. O que quer dizer que se perrificam, se estratificam..” (1, p. 394 - Vol. 1). E 0 couceito fimdamental que descreve a reificagio dos grupos € 0 conceito de série e serialidade. II - SERIE E SERIALIDADE ‘0 grupo encontra-se em luta constante contra a serialidade e a alienagao. Serialidade & o tipo de relagdo que se estabelece entre individuos que compdem uma série. Série € uma forma de “coletivo” (conjunto humano) cuja unidade provém do exterior. Sartte da 0 exemplo de uma fila de pessoas diante de tum ponto a espera do dnibus. Cada um sente-se em frente ao outro em solidao, como se nada tivesse em comum com os demais. Essas pessoas - de idade, sexo, classe e meios muito diferentes - realizam na banalidade do cotidiano a relagao de solidao, de reciprocidade e de unidade pelo exterior. Relagdo esta que catacteriza 0s cidadaos de ‘uma grande cidade. A solidao é vivida como a “negagdo proviséria por cada um das relacdes reciprocas com os outros”, Trata-se de uma pluralidade de soliddes que expressa a conttaparte negativa da integragdo dos individuos. Cada um vive como teciprocidade no meio do social a negacio exteriorizada de toda interioridade. A intensidade da solidao. como relacio de exterioridade, exptessa 0 “grau de massificagdo” do conjunto social. Neste nivel. as solidges reciprocas como negacdo da reciprocidade significam a integracao dos individuos na mesma sociedade A série representa um tipo de relagZo que nega a reciprocidade. Coisifica o outro e expressa a alienagdo do homem na setialidade. F um tipo de relagdo que tem as caracteristicas do “identico”, ‘onde todos so vistos como equivalentes aos demais. Cada umn é apenas um néimero substituivel por outro, E apenas quantidade, Qs individuos na fila do Gnibus negam reciprocamente qualquer elo entre seus mundos interiores. E 0 Gnibus, objeto material e exterior, que determina esta ordem serial. © énibus, como ser ‘comum ¢ exterior a cada um, produz a séric, vinculando individuos numa série onde cada um € ‘um mimero qualquer do conjunto. E. segundo Sartre, existem modos seriais de comportar-se. sentimentos seriais, pensamentos seriais. “A série é wn modo de ser dos individues uns com relacao com os outros e com relagito ao ser comum e esse modo os metamorfoseia em todas as cestruturas”. (1, p. 406 - Vol. 1). IIl- A PRAXIS GRUPAL (© grupo se constitui numa Inta constante contra a serialidade e a alienacao pela superacdio das ‘mesmas, 0 que gera uma unificacao das liberdades e com ela a relagio de reciprocidade. A reciprocidade ¢ a rela¢o na qual cada um ¢ para © outro como si mesmo Sartre procura determinar a génese de um grupo, as estruturas de sua préxis ot a racionalidade da acao coletiva, Para ele “o grupo & como paixéo, isto é, enguanto luta interior contra a inérecia pritica que o afeta”. (1. p. 12 - Vol. I), E a praxis do grupo & o movimento que se institui na Iuta contra a serialidade e a alienacdo. E um atuar com consciéncia da alienagdo para uma transformagao ativa, A prixis ¢ 0 processo pelo qual o homem constantemente busca desalicnar- se. i€, realizat-se como homem, modificando-se ¢ modificando o meio, Ao modificar 0 meio modifica-se também a si mesmo, o que implica em wm “fazer” ¢ um “compreender”, pois ambos so momentos distintos da préxis. (1, p. 216-232 - Vol. IL). (© grupo constitui-se contra a série, nasce na fusto da setialidade, A série € dispersio ¢ 0 grupo é totalizagao. Dessa maneira a vida do grupo, sta dinémica, coustitui-se numa permanente tensi0 entre estes dois polos: serializagdo ¢ totalizagdo. O grupo mantém sua existéncia em fingdo de ‘uma luta permanente contra tim sempre passivel retomo a disperséo. A totalizacdo que constitui o grupo é sempre buscada mas nunca conseguida de modo definitivo. Totalizagdo sempre inacabada, jamais constititindo-se como totalidade, um scr-do-grupo que transcenda os proprios individuos agrupados. Grupo é movimento constante de desenvolvimento sem jamais atingit uma totalidade esirururada, © grupo se tabalha, assim, constantemente. E uma praxis comum, grupal, com seus componentes estabelecendo wns com os outros relagdes que constituem 0 grupo, Nesse sentido Sartre define grupo como ato € nao como ser. E a acdo do _2mpo sobre si mesmo. IV 0 PROCESSO GRUPAL 1. O Nascimento do grupo - A Fusto ‘Como ocorre a transformagdo de uma série (individuos isolados ) em grupo? ‘A serialidade encontra-se na origem de todo grupo ¢ este se constitu, unm primieiro momento, contra a setialidade. Ao constituir-se o grupo ocorre una fusdo das distintas serialidades de cada ‘um dos integrantes, Pode-se descrever essa ruptura do isolamento da série a partir da tensto original da necessidade (escassez) ou de um perigo coum. “O grupo se constitui a partir de uma necessidade ou de um perigo comm ¢ se define pelo objetivo comum que determina sua préxis comum..." (1, p. 1-15 - Vol. IL) ‘momento da fusdo (nascimento do grupo) acontece com a tomada de consciéncia de uma tarefa ‘comum (a partir da necessidade, escassez, perigo, etc.) onde cada um depende dos demais. E 0 ‘momento em que individuos isolados tomam conscigncia de sua interdependéncia, de seus interesses comuns. Estabelece-se um “degelo” das comunicacdes. A fusdio & 0 momento fundamental da vida de um grupo. E o momento da superacao da inércia pettificante da série, Além da necessidade ¢ da conscigncia da mesma € necessirio, também, ‘querer mudar a situacdo. Surge novo tipo de relacdo: cada qual toma-se pata si e para 0s outros ‘uma pessoa com a qual € necessario contat. Hé uma transformago qualitariva nas relagbes entre as pessoas ¢ a “fusio” dos interesses comuns conduz a uma a¢4o comum (praxis erupal),tirando as pessoas da inércia, transformando a realidade. ‘Um trago essencial da fusio € que cada um é 0 grupo ¢ o grupo esta em cada um como una sintese volvente e sempre atual, em que cada um €, a0 mesmo tempo, “mediador” € “mediado”- ele proprio ¢ o grupo. (1, p. 39 - Vol I), Ocorre uma unificagao das liberdades estabelecendo-se, deste modo, uma relaeao de reciprocidade. E na relacao de reciprocidade cada um é para 0 outro como si proprio. Cada um é 0 mesmo que o outro mum sentido hunano. e no de idéntico ou de coisa. E a interiorizacao da reciprocidade, interiorizacao do outro como vinculo humano. Para Sartre as relagdes reciprocas ¢ temérias fundamentam todas as relagbes entre os homens. E no grupo as relagdes sio ternétias ¢ nao bindrias ( cu - tw) , pois entre 0 individuo © o grupo ha sempre um terceiro. E entre dois individuos do grupo também hi um terceiro, através da mediac2o, Na mediac2o tanto o grupo pode ser o terceiro como cada integrante pode funcionar ‘como ferceiro no grupo. Todos os membros do grupo sdo “Teteeiras pessoas” ao mesmo tempo em que se associam em pares de reciprocidade. Como terceira pessoa cada um totaliza as reciprocidades de outrem, Essa € uma das mediagdes que constitu o grupo, pois cada terceira pessoa revela o grupo para as outras terceiras pessoas, que sdo todas constimtintes do grupo. (1. pg. 39-46 - Vol. ID (© grupo em fisao est em toda parte. A unidade do grupo é ubigiiidade. Nesta ubiqhidade nfo é aquilo que sou no outro - nesta praxis unida nao existe outro. Na praxis do grupo em fusto a praxis de cada um € realizada por cada qual como eu em toda parte. A citcularidade do grupo em fusao vem de toda parte e ao mesmo tempo, como atividade livre. real. A unidade do grupo fundido encontra-se no interior de cada sintese. Cada ato de sintese esta unido por interioridade reciproca a todas as outras sinteses do mesmo grupo. E também é interioridade de cada uma das ‘outras sinteses. A unidade € a unificagao vinda do interior da pluralidade das totalizacoes. A ‘unidade do grupo, segundo Sartre, € dada pela agdo grupal, pela unidade das ages. A unidade do grupo é pritica, Nao € ontolégica, de wm ser ou estado, mas de um ato em curso. (1, p. 66 - Vol. 1). “A unidade grpal é vista como relacao sintérica que re os homens com wm ato e para um ato”. (2. pS - Vol. IL). Tomando o exemplo das pessoas na fila de espera do énibus. o niimero de pessoas era a série, uma quantidade de individuos isolados. No grupo em fustio passa-se ordem da qualidade. Assim 0 décimo, por exemplo, no grupo em fusao € ao mesmo tempo todo mundo do grupo de dez e ninguém. j4 que cada pessoa é necessiria para se constituir um grupo de dez pessoas. Cada um dos membros assume, idealmente, as dez posigdes ja que este grupo nao € uma reunido inerte de dez pessoas. Trata-se, portanto, de uma telacdo sintética que realiza a unidade do grupo pela agao, pela unidade (ubiqiiidade) das agdes dos componentes do grupo. [No grupo em fusdo a relacdo sintética faz com que cada um seja em toda a parte o mesmo. Cada ‘um pode decidir por todos. Esse “nds” grupal € “pritico e nao substancial”. “é 0 conjunto das liberdades praticas reunidas na brusca ressurreigéo da liberdade que se levanta contra a priséio do mundo prético-inerte”. (1, p. 66 - Vol. T). Tal explosao, segundo Sartre, ¢ a liquidagao sitbita dessa prisdo pela liberdade comum em oposicao A necessidade Resumindo, 0 grupo em fusdo o inverso da serialidade. Coutitui-se por meio € no interior da dispersdo que precede o grupo. E sua primeira caracteristica € manter sua existéncia como uma uta constante contra uma volta, sempre possivel, & série, & dispersto, sotidao e alienacdo, Uma segunda caracteristica ¢ a totalizagdo inacabada, que constitui o grupo, sem se constituir num set-grupal que transcenda 0s individuos agrupados, Caracteriza-se como praxis grupal, ago do gmupo sobre si mesmo, trabalhando-se incessantemente numa relagdo sintética, fundindo as multiplicidades das sinteses seriais. 2. 0 Juramento ‘Uma vez constituido o grupo, ha o risco coustante de nova dispersio (volta & série). Surge entdo 0 “juramento” cuja origem & 0 temor permanente da dispersto inicial, caracterizando-se como ‘compromisso: a liberdade de cada um comprometida com a permanéncia no grupo. “E quando a Tiberdade torna-se préxis comum para construir a permanéncia no grupo produsindo por ela mesma ena reeiprocidade mediada sua prépria inércia, este novo estatuto chama-se juramento”. (1, p. 84 Vol ID. (© juramento surge contra o risco de ruptura do grupo, contra o proprio risco da libendade, Pode ser visto como uma forma de “resisténcia do grupo” a agdo da separado ou afastamento, como

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