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Apontamentos sobre o status cientifico das técnicas projetivas Liza Fensterseifer Blanca Susana Guevara Werlang Existe uma variedade expressiva de instrumentos de avaliagao psicologica gerados para a exploracdo de diversas varidveis e processos psicol6gicos. Cada tipo de instrumento oferece atributos positivos e limitagdes que o psicélogo deve considerar quando o inclui ou exclui de um processo avaliativo. As técnicas projetivas, como instrumentos que geram hipéteses interpretativas, sdo importantes ferramentas para a identificagao de caracteristicas e tracos de ersonalidade, bem como de sinais e sintomas relacionados a quadros psicopatolégicos. Qualquer avaliacao psicol6gica tem como objetivo fornecer informacées, para que, a partir destas, sejam tomadas decisées sobre o individuo avaliado. Estas decisdes situam-se nos mais variados ambitos, tais como no organizacional (individuo se encaixa ou nao no perfil dese- jado para determinado cargo), no juridico (individuo deve ou nao ser considerado imputavel Por algum delito cometido) e no clinico (individuo precisa ou nao de acompanhamento psi- col6gico ou psiquidtrico), citando apenas alguns. Em todos estes ambitos é comum que se faca uso de técnicas projetivas. Independentemente da area de atuagio, a atividade profis- sional do psicélogo vincula-se diretamente ao ato de avaliar e, na sociedade contemporanea, cada vez mais & preciso avaliar comportamentos humanos em diferentes contextos e com alto grau de preciso e confiabilidade. Testes e técnicas projetivas podem ser utilizados na avaliaco da personalidade e de outros elementos (relacdes interpessoais, dindmica familiar) que se mostrem importantes para a compreensio de um sujeito ou de uma situagdo vivenciada ou percebida por ele. Na “lei- tura” de um fendmeno projetivo, deve se considerar a percepcio externa que um individuo tem de determinado estimulo, que ¢ influenciada e determinada pelo seu mundo interno. Assim, € possivel pensar que a produgio feita a partir de uma mancha de tinta, um desenho ou uma historia sempre traré consigo informacdes sobre o que se passa internamente com aquele que a fez. Essa ideia abre espaco para que as técnicas projetivas sejam utilizadas em outros contextos e nao apenas na investigacdo da personalidade, trazendo dados sobre a forma com que cada sujeito percebe determinadas cenas ou situag6es. Por isso, concorda- se que a eleicdo do instrumento que sera utilizado em cada situacao de avaliacao deve ser Pautada por trés grupos de fatores: 1) os objetivos da avaliacio; 2) a orientacao teérica e a 16 ATUALIZAGOES EM METODOS PROIETIVOS PARA AVALIAGKO PSICOLOGICA preparacdo do avaliador para o uso de determinada técnica; e, 3) as caracteristicas do sujeito, como idade e outras peculiaridades (Sendin, 2000). PROJEGAO, PSICOLOGIA PROJETIVA E TECNICAS PROJETIVAS Projecdo é um termo introduzido na érea da psicologia por Freud, para nomear, primei- ramente, um mecanismo de defesa, que consiste em atribuir aos outros ou ao mundo externo impulsos ¢ afetos que pertencem ao proprio sujeito. No momento em que é possivel pro- jetar (para o exterior) contetidos inconscientes, o individuo pode, através dessa estratégia, ignorar © que é indesejavel, protegendo-se de um possivel sofrimento ou ansiedade (Freud, 1986a, 1986b). Em 1913, com o texto Totem e Tabu, Freud (1994) passa a considerar a projecio como um mecanismo normal, determinando, em parte, o modo como cada um percebe o mundo externo. Dessa forma, o autor destaca que tal mecanismo também ocorrer4 onde nao h con- flito, salientando que as lembrangas passadas de um individuo tm papel decisivo em suas percepsdes de estimulos atuais. A projecao também pode ser entendida como uma forma de funcionamento mental, proporcionando ao sujeito a estruturacao de seu mundo externo, a partir do interno. A “principal suposigao de Freud é que as lembrangas conscientes ou incons- cientes influenciam na percepgdo de estimulos contemporaneos” (Werlang, 2002, p. 410). Fica claro, entao, que a projecdo desempenha importante papel na maneira com que cada um estrutura e percebe o mundo externo, Valendo-se das ideias psicanaliticas e protestando contra as principais correntes da psi- cologia académica da época, que tinham sua atengao voltada, principalmente, para a resposta dos sujeitos frente a determinados estimulos, desvalorizando os componentes internos que podiam estar envolvidos naquele proceso, surgiu a psicologia projetiva, nome dado a um ramo da psicologia e que se refere a um conjunto de pressupostos, hipéteses e proposigbes, expresso em métodos projetivos usados por psicélogos clinicos, para o estudo e o diagnéstico da personalidade humana (Abt, 1984). Diferentemente das correntes tedricas vigentes naquele periodo, a psicologia projetiva baseia-se no estudo funcional dos individuos, investigando a estrutura intrinseca e as propriedades internas dos sistemas, o que faz com que avaliacdes dessa ordem sempre sejam expressas em termos dindmicos. Para Anzieu (1981), 0 principal objetivo da psicologia projetiva é “colocar em evidéncia 0 conjunto dos fatores internos, de registro puramente psicol6gico, intervenientes nas condutas humanas” (p. 263). Quando a psicologia projetiva insiste em uma anélise dinamica e funcional da personalidade, entende-se que ela nao se ocupa de segmentos isolados da conduta, mas de técnicas mais complexas. S40 as fungdes e 0s processos psicol6gicos que compéem a personalidade total de um sujeito que interessam a psicologia projetiva. Alguns fatores podem ser listados como grandes inspiradores da psicologia projetiva, sublinhando cada vez mais 0 seu caréter dinamico e holista. O primeiro fator ¢ 0 desenvolvi- mento da teoria psicanalitica, com a insisténcia de que os comportamentos séo impulsionados € determinados por motivagées inconscientes, apontando, consequentemente, para a exis- téncia de uma estrutura e de uma dinamica de personalidades subjacentes, para 0 emprego de mecanismos de defesa e, finalmente, para a utilidade da interpretagao do significado sim- bélico das elaboragdes e produgées dos sujeitos. O segundo fator é o desenvolvimento das escolas totalistas, que tm a Gestalt como seu principal icone, célebre por sua compreensao ArONTAMENTOS SOBRE 0 STATUS CIENTIFICO DAS TECHICAS PROJETIVAS v do ser humano como uma totalidade, que sempre teré prioridade e representaré mais do que {as partes que o compéem. O terceiro fator ¢ o surgimento da psicologia do individuo, cujo maior representante é Alfred Adler, que pregava a ideia da personalidade como uma uni- dade indissoltivel e tinica. Por fim, outro fundamento que merece mengao ¢ a personologia de Murray, segundo a qual os individuos tém necessidades, que fazem pressdo/forca para serem satisfeitas. Sob grande influéncia desses fatores, a psicologia projetiva sustenta firme- mente que a causalidade psicolégica sempre sera singular, ou seja, os individuos nao podem ser estudados como representantes de classes de individuos ou de caracteristicas, e sim como ‘sujeitos Gnicos. Entretanto, a crescente necessidade de criagao de classes para andlise formal e validagao de técnicas projetivas, exigiu a maior consolidagio de uma teoria da psicologia projetiva, sugerindo e explicitando conceitos claros para condutas e para a personalidade, passiveis de verificagao (Bernstein, 1951; Abt, 1984; ‘Abt & Bellak, 1984). £ evidente que essa verifi- cacao deve, por um lado, ser empreendida com métodos e condigdes vidveis para esse tipo de técnica — as projetivas. Por outro, é de grande importancia que os dados gerados por esta investigacdo possam ser admitidos no conjunto geral de conceitos e proposigdes na rea da psicologia, mostrando sua utilidade no estudo e na avaliacao da personalidade. © conceito de projecdo e a psicologia projetiva foram, entdo, aqueles que sustentaram ‘© nascimento dos métodos projetivos, expresso utilizada pela primeira vez por L. K. Frank, em 1939, para se referir a trés técnicas Teste de Associacao de Palavras de Jung, Rorschach e ‘Teste de Apercepedo Tematica (TAT) -, que, segundo ele, “formavam 0 modelo de uma inves- tigacao dinamica e global da personalidade” (Werlang & Cunha, 1993, p. 123), ideia central destes instrumentos. Tipicamente, caracterizavam-se por uma situacao-estimulo, sem qual- quer significado estabelecido pelo examinador ou aplicador do instrumento, sobre a qual 0 sujeito pode imprimir um sentido particular, singular e proprio (Montagna, 1989; Bunchaft & Vasconcellos, 2006). Para Rapaport (1971), a hipétese que sustenta a existéncia das técnicas projetivas indica que por trés de toda atividade humana esté a individualidade do sujeito que a empreendeu. ‘Assim, a interpretagdo de qualquer conduta pode servir como base para a compreensao de aspectos de sua personalidade, bem como de aspectos adaptativos e nao adaptativos. Além disso, a ideia de que cada individuo vive em um mundo tinico, que Ihe ¢ proprio (0 mundo como cada um o percebe), faz com que a observagao de suas condutas em uma atividade con- trolada (como a aplicagao de testes projetivos) sirva para a dedugao de tracos de personalidade eda dinamica de seu funcionamento. ‘As semelhangas existentes entre as diversas técnicas projetivas residem no fato de que todas sio “reveladotas de material dinamico, normal ou patolégico, através da projecao” (Werlang & Cunha, 1993, p. 123). Elas possibilitam a avaliacao de areas sadias e patologicas da personalidade, “retratando o mundo interno do individuo e revelando seu equilibrio € seus recursos para lidar com seus conflitos” (p. 124). Nesse tipo de instrumento psicol6- gico, o sujeito atribui as préprias qualidades e necessidades a estimulos externos, sem que tome consciéncia disso. Entretanto, cabe lembrar que nao somente na projecao é que se fun- damentam as técnicas projetivas, uma vez que aquele fendmeno integra outros processos psicol6gicos em seu dinamismo, tais como a identificagao e a introjecao, que participam da estruturacdo do mundo interno do sujeito eo auxiliam, igualmente, a modelar sua impressao € percepgao do meio externo. Considerando que as técnicas projetivas visam a favorecer intensamente aparecimento do mundo interno do testando, justifica-se 0 uso de estimulos com elementos suficientes, Teen eee ee nn ne cmmmmmamiammn ay 18 ATUALIZAGOES EM METODOS PROJETIVOS PARA AVALIAGAO PSICOLOCICM apenas, para eliciar uma resposta possivel de ser avaliada. Cabe destacar que a percepsa0 ¢ uma funcio exercida por fatores externos, do campo da estimulacao, ¢ por fatores internos, conforme a ordem e a intensidade das necessidades do individuo, e que os estimulos sera percebidos conforme o que estiver mais evidente, lembrando que “os estimulos nao agem isoladamente; organizam-se num campo de forcas que, sendo estruturado, faré predomi: harem os fatores externos; sendo pouco estruturado, predominardo os fatores internos” (Silva, 1989, p. 2). Por esse motivo, os estimulos utilizados em técnicas projetivas so, de maneira geral, pouco estruturados, propiciando o aparecimento de elementos do funcionamento interno to individuo, impedindo que este se apoie e se refugie em informacoes ou dados convencio~ nais e que podem ser controlados. Laplanche e Pontalis (1997) salientam, ainda, que nao se trata apenas da correspondencia entre a estrutura da personalidade do individuo avaliado e sua resposta aos estimulos apresentados. £ importante lembrar que, mais do que projetar 0 que é, 0 sujeito projeta o que recusa ser. Em oposicao a tradic4o psicométrica, que valorizava os procedimentos quantitativos, estatisticos e normativos, as técnicas baseadas na projecao enfatizam os aspectos qualita tivos e psicol6gicos do sujeito avaliado, identificando tendéncias espontaneas, motivadas por necessidades implicitas (Villemor-Amaral & Pasqualini-Casado, 2006). f. como se se criasse uma terceira realidade, no momento em que “ha uma interagao dinamica entre os objetos do mundo externo e 0 mundo interno da pessoa . . . a esta percepsdo dinamicamente signi- ficativa da realidade Bellak propée o termo apercepgao” (Silva, 1989, p. 1). ‘Considerando essa definicao, fica clara a ideia de que a apreensao dos dados do mundo externo sempre sera plasmada por componentes subjetivos. As necessidades e desejos do individuo direcionam sua atengao para as possibilidades de gratificacio, produzindo uma per- cepcio seletiva do ambiente, podendo, até, haver um “falseamento” da realidade, em que © individuo cria fantasticamente a possibilidade de satisfazer suas vontades. Por exemplo: se testiver com fome, uma pessoa pode confundir a placa de uma farmacia com a de um restau- ante, Dessa forma, Silva (1989) salienta que é possivel pensar que na capacidade de percepeao {de um sujeito existe um continuum, que vai desde a percepeao totalmente objetiva da reali- dade até a distorcio aperceptiva extrema, que implica na perda de contato com a realidade ¢ pode estar presente em alguns quadros psicopatolégicos. ‘Apercepcao € o “processo pelo qual uma experiéncia ¢ assimilada e transformada pelo residuo da experiéncia passada, ou seja, € interpretacio subjetiva da percepgdo, que €apenas a interpretacao objetiva de um estimulo” (Werlang, 2002, p. 410). Sendo assim, duas pessoas podem ter a mesma percepeao sobre determinado evento ou situagdo, mas nunca a mesma interpretagao ou apercepcao. De acordo com seus contetidos internos, cada pessoa, frente a uma percepgao, fara uma “deformacao” aperceptiva do que percebeu. Ha que se acrescentar que “cada percepcdo é modificada por todas as demais, e se integra a elas” (Bellak, 1984, p. 32), como demonstra o principio gestaltico de que 0 todo é mais do que a soma das partes. Juntamente com os elementos mencionados a respeito da interpretagao € compreensao do fenémeno da projecdo no contexto das técnicas projetivas, Werlang ¢ Cunha (1993) favem referéncia a importdncia do conceito de regressio a servigo do ego, que possibilita “a interrupglo temporaria da agdo do juizo critico, com o relaxamento da censura, liberando ‘material que envolve indicios sobre conflitos, fantasias, desejos e emogdes” (p. 125). Através da regresséo a servico do ego o sujeito faz um movimento regressivo 20 longo de um conti- nuum do pensamento, que vai do processo secundario (principio da realidade) ao proceso primério (principio do prazer), através do afrouxamento de controles. Nas tarefas de ordem ArONTAMENTOS SOBRE © STATUS CIENTIFICO DAS TECNICAS PROJETIVAS 9 projetiva (dizer 0 que vé em manchas de tinta, contar hist6rias), assim como em sonhos, em Japsos, em producées artisticas e na associacao livre, hé uma reducdo dos controles do ego, © que permite ao sujeito que se sinta livre para fugir as regras rigidas do processo secundario, mesmo que temporariamente, introduzindo em suas respostas elementos simbélicos que tentam disfarcar 0 significado dinamico de contetdos mais profundos. ‘As tarefas menos estruturadas, como as do Rorschach, tém maior probabilidade de fazer aparecer contetidos primitivos do individuo que responde ao teste, em funcao da projecdo. Nas técnicas aperceptivas, como o TAT, em que o produto final (histérias) requer um minimo de organizacao, a projecao também acontece, mas, além dela, é necessério que o sujeito lance mao de outros recursos para a execu¢ao da tarefa, mais caracteristicos do processo secundario (Werlang & Cunha, 1993). Cabe mencionar, ainda, que a regressio ¢ uma fungao do ego que pode operar de maneira adaptativa ou ndo adaptativa. Iso significa que nao hé a perda do controle do ego, apenas seu telaxamento. Por isso, a diminuicao excessiva deste controle pode representar indicios de fun- cionamento de nivel psicdtico, assim como a dificuldade em executar a fungdo de regressio pode ser sinalizada por problemas para expressar livremente as respostas ao teste. £ gragas a ssa fungdo do ego que se torna possivel o processo de elaboracao frente ao estimulo proje- tivo, uma vez que para responder ao teste 0 individuo precisa, concomitantemente, diminulr a censura interna e mobilizar recursos para que consiga executar com sucesso sua proposta (Werlang & Cunha, 1993). Por fim, destaca-se que, na tarefa de interpretagao de testes projetivos, cabe ao psicdlogo desvendat as motivagdes inconscientes que se deflagram no momento em que as Tespostas sa0 elaboradas. O mundo interno do individuo traduz-se através do desvendamento das forcas psicol6gicas envolvidas nas respostas dadas ao teste. Ainda assim, é importante Jembrar que “nao podemos tomar esta interpretagao como sendo a expressio de fato do comportamento do sujeito, mas sim de suas necessidades e fantasias” (Montagna, 1989, p. 9). Por outro lado, Freitas (2002) completa essa ideia, salientando que, na interpretacao desse tipo de teste, leva-se em consideracéo que as vivéncias infantis tém papel decisivo nas con: dutas e comportamentos adultos. Além disso, hé um profundo interesse pela verbalizacao do sujeito, que, acredita-se, revela suas motivagdes inconscientes. No momento em que uma pessoa é colocada frente determinada situa¢ao, a forma como vai experimenté-la € de acordo om sta perspectiva pessoal, e é nisso que se traduz a estrutura de personalidade de cada indi- viduo. Quando conta hist6rias, compe imagens ou constréi formas, a pessoa utiliza-se de registros de vivencias e imagens passadas para atualizar sua experiéncia, colocando em agio as formas com que lida com as situagdes da vida, bem como demonstrando seus recursos € habilidade para o enfrentamento e a resoluco de problemas. Esse fendmeno sinaliza ndo apenas para como funciona o psiquismo da pessoa, mas, também, para os elementos que © compéem. Logo, as respostas dadas no teste descortinam a dinamica afetiva do sujeito ava- liado, assim como suas habilidades cognitivas (Giintert, 2000). Finalmente, concorda-se com Aronow, Reznikoff e Moreland (1995), que chamam a atencao para a distingao entre as aproximagdes nomotéticas (abordagem estatfstica) ¢ idio- sgraficas (abordagem clinica) na avaliacto da personalidade e de dados aperceptivos, que dizem respeito a um individuo. Vale destacar que ambas séo importantes e complemen- tam-se, nao podendo ser desconsideradas (Villemor-Amaral & Pasqualini-Casado, 2006). Na abordagem nomotética, 0 interesse centra-se na avaliacao dos dados de um grupo, a partir de grupos normativos (para avaliar caracteristicas de uma populagao) ou de grupos-critério (para avaliar caracteristicas de grupos especiais, tais como os portadores de algum transtorno CT —— 20 ATUALIZAGOES EM METODOS PROIETIVOS PARA AYALIACKO PSICOLOGICA psicopatol6gico). A performance da pessoa avaliada ¢ comparada com as médias e desvios do grupo do qual ela faz parte (populacao geral ou clinica). As conclus6es geradas por essa compreensao da validade baseiam-se na premissa de que sujeitos diferentes respondem de ‘maneira semelhante a um determinado procedimento, conforme a caracteristica que 0s asse- metha (por exemplo, tracos de personalidade, capacidade intelectual/cognitiva, presenga de sintomas). A abordagem idiogréfica fundamenta-se na comparacdo intrassujeito, endo mais, intersujeitos ou intragrupos. Nessa forma de investigagio da validade, ha a suposigao de que comparagoes, coeréncias e contraposicdes de informacdes sobre proprio sujeito, de miilti- plas fontes, constituem um aspecto fundamental de sua avaliagao (Tavares, 2003). Por isso, especialmente nas técnicas projetivas, 0 carter idiografico é © ponto forte, ‘uma vez que 0s sujeitos atribuem contetidos subjetivos as suas respostas, mas desconhecem a relacdo entre eles (Aronow et al., 1995). Ao encontro disso esta a ideia de Sendin (2000), que sustenta que “este tipo de prova est sujeita a uma grande controvérsia, que ainda esté longe de se resolver satisfatoriamente: tanto seus criticos como seus defensores apresentam argumentos sélidos e dificeis de contra-argumentar” (p. 295). Os criticos sustentam 0 exces- sivo subjetivismo na interpretacao daqueles instrumentos: a grande influéncia que sofrem do ambiente e do examinador, a baixa fidedignidade, poucos trabalhos de validacao e neces- sidade de dados normativos. Os defensores, por sua vez, destacam a riqueza qualitativa das informagGes produzidas pelos testes projetivos e a possibilidade de investigar comportamentos de grande complexidade. Talvez, justamente por essas qualidades, esses testes ainda sio uti- lizados. Sendin (2000) arrisca-se a dizer que essas vantagens ¢ inconvenientes demarcam a debilidade e a forca das técnicas projetivas. As técnicas projetivas fora de um contexto psicanalitico Seguindo 0 percurso hist6rico do conceito de projesao, fica clara a sua relago com a teoria psicanalitica, o que, num primeiro olhar, parece também se aplicar as técnicas proje- tivas. Certamente a génese desses instrumentos reside na psicandlise e em suas formulagées sobre a personalidade. No entanto, atualmente, alguns autores tém usado outras abordagens tedricas para a interpretacao de técnicas de cunho projetivo, sem desconsiderar a afiliaga0 do conceito de projecdo com a teoria psicanalitica, as quais tém demonstrado sua utilidade. Como exemplo, pode ser citado o uso do TAT numa abordagem gestaltica ou simplesmente através da técnica da andlise de contetido, trabalhando com o que o sujeito relata em cada lamina (Telles, 2000), numa abordagem transacional (Bunchaft & Vasconcelos, 2006) e huma- nista-existencial (Azevedo, 2002). Telles (2000) argumenta que o referencial psicanalitico oferece uma das possiveis inter- pretagoes dos dados de um teste projetivo, mas nao a tinica, e declara, ainda, que aquele que se desvincular da exclusividade psicanalitica na interpretacao dos dados sera beneficiado e, por consequéncia, beneficiara 0 sujeito avaliado. A autora concorda que historicamente a designagao de projetivo vincula o pesquisador ao referencial te6rico da psicandlise. Entre- tanto, nao hé nada que obrigue que essas técnicas sejam interpretadas por uma teoria tinica; ou seja, 0 fato de se basearem no fendmeno da proje¢do nao atrela, automaticamente, esses instrumentos a uma leitura psicanalitica. Outro ponto que pode ser tomado para sustentar a legitimidade da transferéncia das técnicas projetivas para outras abordagens tedricas € a ideia de apercepcao, que indica o pro- cesso pelo qual a experiéncia nova é assimilada e transformada pelo trago da experiéncia APONTAMENTOS SOMRE 0 S7ATUS CIENTIEICO DAS TECMICAS PROJETIVAS a passada. Portanto, a apercepcio é uma interpretagao e, como tal, dé sentido a experiéncia do sujeito, que pode, por sua vez, ser compreendida a luz de diferentes correntes te6ricas. No momento em que o sujeito responde a uma instrugdo, ele lancara mao de recursos proprios para realizar a tarefa proposta, construindo-lhe um sentido, a partir de sua subjetividade, de seu mundo interno. Entra em jogo, entao, além da projecdo, a cognigdo, a percepcao e a apercepcao, inscrevendo essas técnicas em outras abordagens te6ricas, que nao a psicodina- mica. Nesse sentido, fica evidente que a forma com que cada individuo percebe e responde ao teste pode ser interpretada com base em outros pardmetros, sem que necessariamente se recorra 4 compreensao intrapsiquica e inconsciente do sujeito (Telles, 2000; Ribeiro, Pom- péia & Bueno, 2005; Bunchaft & Vasconcelos, 2006). O uso da teoria sistémica para interpretacdo das respostas dadas a uma técnica projetiva ganha espaco neste contexto. Os6rio (2002) enfatiza que diferentes referenciais contribuem para a compreensdo de familias e dos eventos relacionados a elas, e que, mesmo valendo-se da teoria sistémica, conceitos psicanaliticos, como as motivagdes inconscientes das acées, © a possibilidade de falar de si na representacdo de um papel em uma dramatizagao, postu- lados do psicodrama, sao de extrema utilidade. Desse modo, explicita-se a possibilidade de uma certa integragao de conceitos, sendo de particular interesse aqui, o uso da projegio em uma abordagem sistémica. Ou seja, acredita-se que o sujeito expressa, através de projecio ou representacdo, motivagées inconscientes, percepgées singulares, no momento em que o externo é filtrado pelo interno, que é Ginico em cada individuo. Contudo, a leitura que se fara desse material é orientada por pressupostos sistémicos, possibilitando a percep¢o nao de contetidos intrapsiquicos de um sujeito, mas deflagrando a forma com que esse sujeito em ‘especifico percebe e discrimina o jogo interativo entre os individuos pertencentes a um con- texto grupal, especialmente, a uma familia, Assim como acontece em diversas praticas, guiadas por teorias distintas, na orientagio sistémica também podem ser utilizadas ferramentas, com a intengao de mobilizar o sujeito para a situagao, seja de atendimento ou de avaliacao, ou para facilitar a emergéncia de con- tetidos expressivos de determinada conflitiva familiar. Valle (2002) relata o uso que fez do computador em um atendimento de orientacao sistémica, apoiando-se na ideia de que ele um instrumento com recursos ltidicos, identificado com os valores das geragdes da atuali- dade. Ao empregar 0 computador como um recurso psicoterapico, no contexto dos sistemas terapéuticos, a autora visava diferentes objetivos, entre eles o projetivo, uma vez que a tela funcionaria como um espaco onde 0 sujeito poderia expressar seus sentimentos e conflitos internos. Vale mencionar, ainda, os autores Gross e Schneider (2005), que trabalham com contos de fadas, em uma visio sistémica. Segundo eles, a compreensao das historias pode ser sisté- mica, na medida em que “elas so vistas como comunicacao a partir de um contexto familiar, endo como possibilidade de interpretaco para um processo de desenvolvimento individual” (p. 27). Além disso, as historias servem, igualmente, como imagens que trazem a luz algo que escapa do pensamento, dando vazdo a elementos dispostos no intimo/no inconsciente dos individuos, muitas vezes, clamando para serem vistos. Em seus trabalhos com contos de fadas, os autores ressaltam o importante papel da identificagdo, nao sendo dificil, a partir da historia de vida dos sujeitos, entender por que uma historia em especifico foi escolhida como predileta por um individuo. Essa questao nao é diferente quando uma pessoa tem liberdade para, frente a uma imagem, contar a histéria que quiser. Aqui também os fenémenos identi- ficat6rios so determinantes e ajudam no entendimento de que posig4o ou papel o dono da hist6ria tem, em relagdo aos demais personagens/familiares. Essas ideias ndo apenas sinalizam, 2 ATUALIZAGOES EM METODOS PROJETIVOS AEA AVALIAGAO PSICOLOGICN mas demarcam um uso proficuo das hist6rias - sejam as “prontas’, como os contos de fadas, sejam as inventadas por cada um - em um contexto sistémico de interpretacao. O STATUS CIENTIFICO DAS TECNICAS PROJETIVAS Apesar de o teste de Rorschach ter surgido na década de 1920, foi a Segunda Guerra Mun- dial que testemunhou o aumento no uso dos testes projetivos, usados com a finalidade de avaliar soldados que voltavam do front com severos problemas emocionais. Passadas algumas ‘décadas, esses instrumentos comegaram a ser alvo de criticas (Lilienfeld, 199). Controvér- sias no campo da avaliacdo da personalidade e de outros elementos nao so uma novidade €, nesse contexto, certamente, o status cientifico das técnicas projetivas ¢ algo sempre discutido ¢, ainda, um dilema. Dados sobre a validade ea fidedignidade desse tipo de instrumento psi- col6gico sao alvos de criticas hé varias décadas (Lilienfeld, 1999; Lilienfeld, Wood, & Garb, 2000; Garb, Wood, Lilienfeld, & Nezworski, 2002). ‘A popullaridade no uso clinico das técnicas projetivas continua muito expressiva, apesar de nem sempre apresentarem resultados psicométricos positivos, o que demarca uma discre- pancia entre a pesquisa ¢ a pritica (Anastasi & Urbina, 2000). Nessa mesma directo, estiio Camara, Natan e Puente, que em um estudo realizado nos Estados Unidos, citado por Seitz (2001), demonstraram que o Desenho da Figura Humana (DFH), 0 Rorschach, 0 Teste de Aper- cepcio Tematica (TAT) e o House-Tree-Person (HTP) sao alguns dos testes mais utilizados por psicélogos clinicos. No Brasil, Hutz e Bandeira (1993), Pereira, Primi e Cobéro (2003), Godoy Noronha (2005) e Noronha, Primi e Alchieri (2005), demonstraram em pesquisas nos mais variados contextos que, apesar de certo descrédito existente em relagdo aos resultados pro- duzidos por testes projetivos, muitos psicologos os utilizam em suas praticas, com o objetivo de subsidiar suas avaliacdes. Testes como Rorschach, Zulliger, TAT, Pfister, DFH ¢ Teste das Fébulas figuram na lista dos mais populares entre os profissionais da area. Esse dado revela que € equivocada a ideia de que tal tipo de instrumento estaria fadado & extincdo. Lowens- tein (1987) relata que, embora estejam sendo utilizadas menos do que no passado, essas técnicas estao longe da morte, e ainda ha razes para usé-las e estudé-las, O autor cita, ainda, que Rorschach e TAT tém se mostrado de grande utilidade no estudo de pacientes suicidas € regressivos, além de fornecerem mais informagoes do que testes psicométricos, quando apli- ‘cados em pessoas que tiveram vivéncias traumaticas. Eccerto que as concepgdes que guiam a interpretacao € 0 uso de técnicas projetivas devem ser explicitadas e estudadas, buscando cada vez mais solidez e confianga em seus resultados, em como nos pilares que sustentam a psicologia projetiva, uma vez. que nao é possivel que se trabalhe com conceitos que so “mais esotéricos do que paiblicos” (Abt, 1984, p. 50). Entre~ tanto, Villemor-Amaral e Pasqualini-Casado (2006) afirmam que o critério de cientificidade nndo pode se fundamentar apenas nos pardmetros da psicometria, desprezando-se o raciocinio dlinico € o estudo dos aspectos idiogréficos, em destaque em determinados instrumentos. Dessa forma, nao se pode esquecer que exigir dos testes projetivos os mesmos requisitos exigidos dos testes psicométricos, quanto a sua validade e fidedignidade, ¢ estabelecer algo impossivel de se satisfazer. Parece que 0s testes projetivos tém evidenciado a necessicade de se abandonat a dicotomia entre dados quantitativos ¢ qualitativos, pois ambos s4o importantes para o estudo da personalidade humana, ¢ € preciso que existam técnicas adequadas para © manejo de ambos. Certamente esse {4 era um desafio quando do surgimento da psicologia APONTAMENTOS SOBRE O STATUS CIENTIFICO DAS TECNICAS PROJETIVAS 2B projetiva e, hoje, permanece como 0 estandarte dos testes projetivos, na discussao a respeito de sua utilidade e confiabilidade. Criticas as técnicas projetivas ‘A maior parte das criticas feitas aos testes psicolégicos enderega-se, de acordo com Alves (2004), aos testes psicométricos, dos quais “mais claramente se espera que devam apresentar normas, validade e fidedignidade, bem como uma fundamentagao tedrica que os sustente” (p. 361). Especificamente para os testes projetivos, as criticas centralizam-se na suposta auséncia de espirito cientifico por parte daqueles que constroem esses instrumentos como para os que os utilizam. Realmente existem praticas documentadas que, ao invés de agregar cientificidade a técnicas j4 criticadas, dificultam ainda mais as possibilidades de estas adquirirem um status mais adequado e confiavel entre os membros da comunidade académica e cientifica. Muitos atribuem, erroneamente, as eventuais dificuldades na determinagao das propriedades psico- métricas de técnicas projetivas ao material utilizado, modificando-o. Entretanto, nenhuma andlise experimental ou estatistica costuma ser empreendida para que a adequagao dessa mudanga seja verificada, bem como sua relac4o com o favorecimento ou a inibi¢do da capa- cidade dos sujeitos submetidos ao teste projetivo. Além disso, mesmo com as modificagdes do material, a tendéncia é de que o sistema utilizado para a categorizacao das respostas seja mantido conforme o original, o que compromete ainda mais 0 resultado do teste € a avaliacio decorrente dele. Essa mesma discussio aplica-se as modificagdes empreendidas, eventual- mente, na aplicacao dos testes, 0 que aponta para a necessidade de sua padronizacao. ‘Outra critica, talvez a mais contundente, relaciona-se ao valor intrinseco das técnicas pro- jetivas, questionando seu status de verdadeiros testes. Essa ideia ancora-se na argumentagio de que, nesse tipo de instrumento, as respostas do sujeito estariam demasiadamente influen- ciadas pelo examinador, assinalando para a impossibilidade de o profissional nao detxar marcas de sua propria personalidade sobre a técnica por ele empregada. Uma iiltima critica encontra sustentagdo na fragilidade da maioria dos trabalhos realizados, na tentativa de validacao das técnicas projetivas. Anzieu (1981) cita um estudo de Cronbach, em que foram identificados erros estatisticos grosseiros em intimeros trabalhos sobre o Rorschach, além de pesquisas envol- vendo amostras pouco representativas e sem controle de variéveis como sexo, idade, origem étnica e cultural, escolaridade, nivel socioeconémico, capacidade cognitiva. Dessa forma, vé-se que muitas criticas e objeg&es podem ser rebatidas. Primeiramente, € importante relatar que, assim como ha autores e estudiosos que encontram, em sua maioria, pesquisas que apontam para a ineficicia dos testes projetivos, pregando, entao, o seu aban- dono, ha, também, aqueles que citam a existéncia de intimeros estudos que demonstram justamente o contrario. Pesquisadores tendem a realizar buscas a partir de uma ideia precon- cebida, o que faz com que cada um encontre argumentos favordveis a sua tese. Diz-se que os testes projetivos tém importancia somente no contexto clinico, a0 que ‘Anzieu (1981) contra-argumenta, chamando a atencao para a ideia de que “consignar 0 carater eminentemente clinico dos métodos projetivos nao invalida o seu rigor” (p. 257). Certamente isso nao autoriza o profissional a basear-se em sua intuigao no levantamento ¢ anilise do teste, até porque o proprio método clinico em psicologia nao se reduz a simples intuigdo. Vale lembrar, também, que ainda nao se dispée de técnicas de pesquisa totalmente adequadas para a investigacao envolvendo 0s testes projetivos, o que gera dificuldades. Por um lado, as pesquisas que se valem de métodos quantitativos séo facilitadas pelas aplicagdes 4 ATUALIZAGOES EM METODOS PROJETIVOS PARA AVALIAGAO PSICOLOGICA coletivas, aco nao passivel de implementagao na administracao de técnicas projetivas, ins- trumentos essencialmente individuais. Por outro, a investigacao intensiva da personalidade toma muito tempo, o que explica por que as exigéncias estatisticas de amostragem e de dife- rencas significativas so dificeis de serem satisfeitas, além de exigirem alto grau de experiéncia € treinamento por parte do pesquisador. Considerando esses argumentos, fica explicito que esse tipo de técnica ainda carece de estudos sérios, que possam delimitar seu papel e sua fungao na avaliagdo da personalidade, indicando para os profissionais, seu grau de confianga ¢ utilidade. Controvérsias sempre existirdio, mas nesse ponto, parece de extrema importncia e relevancia que alguns aspectos positivos das técnicas projetivas possam ser discutidos. Pontos fortes das técnicas projetivas ‘Se a maioria das criticas langadas as técnicas projetivas fundamenta-se em seus resultados pobres de validade e fidedignidade (Lilienfeld, 1999; Seitz, 2001), por que elas ainda sao tao populares e usadas com expressiva frequéncia? As ideias de Shneidman (1965) podem contri- buir para a compreensao desses aspectos. O autor concorda que algumas vantagens dos testes psicométricos, tais como objetividade, economia e simplicidade, nao sao totalmente contem- pladas nas técnicas projetivas; por outro lado, estas tiltimas valorizam o comportamento do sujeito, que reflete o funcionamento e a estrutura de seu mundo interno tinico e singular. O surgimento desse tipo de instrumento pode ser pensado como uma manifestagao contra ‘uma certa inadequacao dos questionarios, escalas e inventarios objetivos de personalidade, que fornecem uma compreensdo um tanto simplista do ser humano, As qualidades cientificas das técnicas projetivas sempre foram e sao questionadas. Em contrapartida, também deveria existir uma preocupagio em relagao as inabilidades dos testes psicométricos de capturarem e refletirem os miiltiplos fatores ¢ aspectos da personalidade de um individuo, de acordo, igualmente, com o seu contexto e momento de vida. Além disso, concorda-se com Tavares (2003), que sustenta que as criticas em relagdo ao que é um procedimento objetivo ou sub- jetivo de coleta de informagdes deviam fundamentar-se mais no processo de verificacao da validade da informacao do que na forma de apresentacao dos instrumentos ~ por exemplo, questiondrios e inventérios versus técnicas projetivas. Anastasi e Urbina (2000) tecem alguns comentarios sobre o uso de testes do tipo projetivo. O primeiro deles diz respeito ao rapport e a sua aplicabilidade, destacando sua capacidade de funcionar como “quebra gelo” durante os contatos iniciais entre 0 individuo que esta sendo avaliado e 0 psicdlogo. Uma vez que nao ha resposta certa ou errada, as técnicas projetivas nao poem em risco o prestigio do sujeito, o que costuma reduzir seu embarago e sua postura, geralmente, defensiva. Como se utilizam de respostas orais a estimulos pictéricos/visuais, alguns testes projetivos podem ser de muita utilidade na avaliagao de criangas pequenas ou de pessoas analfabetas, possibilitando a comunicacao entre avaliador e avaliado. Além disso, aspectos nao verbalizados do comportamento do individuo podem ser esclarecidos, inclusive para ele proprio, através desse tipo de instrumento. Outro ponto destacado pelas autoras é a questao da fraude ou da simulagao, De maneira geral, 0s testes projetivos so menos suscetiveis a esses eventos do que os inventirios de autor- relato. O objetivo do teste projetivo costuma estar mais mascarado, fazendo com que seja dificil para o sujeito avaliado “controlar” suas respostas. Mesmo para aqueles com certa sofis- ticagdo psicolégica, ou com alguma familiaridade com a natureza geral da técnica, € pouco APONTAMENTOS SOBRE © STATUS CIENTIFICO DAS TECNICAS PROIETIVAS 2s provavel que sejam capazes de prever a maneira com que suas respostas serio pontuadas € interpretadas. Anastasi e Urbina (2000) mencionam, ainda, uma pesquisa de Bornstein, Ros- sner, Hill e Stepanian, que sugere que a relagao entre a validade aparente de um teste e sua suscetibilidade a simulagao é inversamente proporcional. £ certo que os testes projetivos nao. séo imunes a simulacao, mas o baixo controle que o sujeito tem sobre suas repostas restringe expressivamente 0 uso dessa estratégia. O fato de o respondente logo se sentir absorvido pela tarefa também diminui a possibilidade de que faga uso de disfarces e restrigdes, comuns na comunicagao interpessoal. Cabe destacar que, mesmo com a possibilidade de fraude dimi- nuida, o psic6logo deve ficar atento s inconsisténcias encontradas, comparando fontes de coleta de informagées sobre o sujeito, buscando sempre a intervalidacao dos resultados Mesmo destacando os pontos fortes e positivos dos testes projetivos, parece impor- tante mencionar que eles nao tém a intengao de substituir os procedimentos quantitativos e estatisticos, caracteristicos de testes psicométricos, e sim de somar esforcos nos processos de avaliacao. O estudo das caracteristicas pessoais dos individuos, através de técnicas proje- tivas, conduz.a investigagdes da expressio de tragos e aspectos que passam despercebidos por métodos e procedimentos quantitativos. Assim, essas caracteristicas podem ser importantes ferramentas que integram o arsenal de profissionais interessados e preocupados em conhecer ¢ investigar profundamente os individuos (Shneidman, 1965). £ preciso persistir no estudo de procedimentos metodolégicos que demonstrem e acrescentem evidéncias de validade a técnicas projetivas, uma vez que o rigor psicométrico agtega confiabilidade aos instrumentos, quesito nao apenas importante, mas necessdrio. Por outro lado, entretanto, nao se pode esquecer da validade de um enfoque clinico, aplicado 4 interpretacdo dos resultados, em correlago com outros dados coletados sobre o sujeito avaliado. Essa proposta se destaca quando se pensa na complexidade da natureza humana e na importancia de se buscar uma compreensao mais global e dindmica da singularidade dos individuos, tendo como objetivo tiltimo a implementagao de propostas de intervencao mais eficientes e eficazes, em diferentes campos de atuagao do psic6logo (Villemor-Amaral, 2004; Villemor-Amaral & Pasqualini-Casado, 2006). Talvez a principal vantagem das técnicas projetivas, em comparacdo com testes mais estruturados, seja 0 fato de que tais técnicas possibilitam uma via de acesso a contetidos incons- cientes dos sujeitos, o que oferece informagdes importantes sobre sua personalidade e sua forma particular de perceber o mundo. Justamente por isso, o estudo das propriedades psico- métricas desses instrumentos transforma-se, muitas vezes, numa tarefa bastante complexa. A INVESTIGAGAO DAS PROPRIEDADES PSICOMETRICAS DE TECNICAS PROJETIVAS Nao hé dtividas de que as técnicas projetivas oferecem aqueles que as utilizam elementos importantes sobre a dinamica da personalidade dos individuos, sobre sua percepga0 do mundo externo, sinalizando para caracteristicas de seu mundo interno, e que as informagoes sobre os processos psiquicos, fornecidas por testes projetivos, tém suficiente importancia para que se justifiquem os estudos com tais instrumentos. Entretanto, também nao ha davidas de que esse tipo de instrumento carece de mais estudos de validade e fidedignidade, considerando que sua utilidade, do ponto de vista clinico, nao é suficiente para justificar seu emprego (Macfarlane & Tuddenham, 1966). r 6 ATUALIZAGOES EM METODOS PROJETIVOS PARA AVALIAGAO PSICOLOCICA Uma das dificuldades na investigagao de propriedades psicométricas dos testes projetivos vincula-se ao fato de estes, normalmente, “nao fornecerem um escore, mas sim um protocolo nao quantitativo, indiretamente suscetivel de tratamento estatistico” (Silva, Ebert, & Miller, 1984, p. 86). Além disso, a falta de um sistema Unico de avaliagéo, uma vez que se estimula a criatividade ea associacao livre do sujeito, também ¢ um fator que dificulta a categorizacao objetiva das respostas dadas ao teste (Nunnaly, 1973; Vane & Guanaccia, 1989). Desse modo, nao se pode esquecer que os procedimentos de validagao utilizados na investigacdo de testes do tipo psicométrico nao se aplicam, exatamente da mesma forma, as técnicas projetivas. Anzieu (1981) destaca que pelo fato de esta diferenga ter sido ignorada é que se tém tantos resultados inesperados no campo de verificagao das qualidades psicomé- tricas dos testes projetivos. Nesse sentido, o mesmo autor relata que, por volta de 1950, Mary Ainsworth enunciou algumas regras fundamentais, na tentativa de diferenciar um plano de investigacao para esse tipo de instrumento psicolégico. A primeira delas argumenta que as técnicas projetivas nao exploram uma varidvel tinica, descrevendo o individuo como um sistema dinamico, composto por varidveis que esto em constante inter-relagao. Buscar a vali- dade dessas técnicas nao se restringe a verificagdo do grau com que se manifesta uma tinica varlével, em determinado sujeito. ‘A segunda regra ressalta que, no contexto dos testes projetivos, quando se confirma a hipétese de que estes atuam como reveladores da personalidade, qualquer esforco relacionado as propriedades psicométricas refere-se validacao de um sistema especifico de classificacao ¢ interpretacao. Mais do que em outros tipos de testes psicolégicos, nos projetivos, o sistema de interpretacdo € o responsavel por transformar uma “massa de dados qualitativos (as respostas livres do sujeito) em uma forma manipuldvel: antes de ser possivel codificar, é preciso ter definido as categorias fundamentais em fungao das quais as respostas vao ser classificadas” (Anzieu, 1981, p. 228). O sistema interpretativo de um teste vincula-se a um sistema de classificagdo das respostas, que s6 tm um sentido, justamente pela interpretacao que suscitam. Com base nesses apontamentos, parece que, considerando essas técnicas, € possivel dizer que é a fidedignidade do sistema de classificacdo das respostas dadas ao teste que deve ser investigada, mais do que sua validade. Dessa constatacao decorre uma importante ‘consequéncia, no que diz respeito a aplicagao da investigacao das qualidades psicométricas a testes projetivos: € fundamental que se fagam um remanejamento uma redefinigao dos conceitos de medida em psicologia, conforme especifica Anzieu (1981), baseando-se no posicionamento de Ainsworth. Seitz (2001), com base em Mischel, argumentou que as dificuldades de se achar indices adequados, quanto as qualidades psicométricas, em testes projetivos, podem ser explicadas pelo fato de que tais testes se propdem a investigar a personalidade dos individuos, que é um construto multideterminado e influenciado por diferentes fatores, tornando-se complexa a captura dessa heterogeneidade em uma tinica medida psicol6gica. Nesse contexto, Lilienfeld e colegas (2000) destacam que o importante é saber exatamente as capacidades e as limita- des de cada técnica projetiva, assim como de qualquer outra técnica, verificando sua validade para 0 propésito especifico para o qual se deseja utilizé-la. Sem a certeza de que a técnica uti- lizada produz resultados titeis que contribuem para o tratamento do sujeito avaliado, é di justificar seu uso. Com 0s testes projetivos nao ¢ diferente. Em Giintert (2000), encontram-se alguns elementos que ndo somente justificam 0 uso de técnicas projetivas, como o valorizam. Considerando que, em uma situagao clinica, a avaliagdo de um individuo implica na investigagdo de suas semelhancas e singularidades, em relacdo aos outros individuos, as técnicas projetivas s4o instrumentos privilegiados em APONTAMENTOS SOBRE O STATUS CIENTIFICO DAS TECNICAS PROJETIVAS 7 sua natureza, justamente porque possibilitam que ambas as intengdes sejam alcancadas: “aprender o singular, que possibilita atender 0 individuo em seus aspectos tinicos e, a0 mesmo tempo, processar as informagoes obtidas de modo a torné-las parte de um corpo te6rico generalizavel” (p. 82). A autora da destaque a esse iiltimo, pois afirma que, para que teorias possam ser elaboradas desenvolvidas, é preciso que os conhecimentos adquiridos possam ser generalizados, exigéncia que, em se tratando de um enfoque mais clinico, pode ser vista como o “calcanhar de Aquiles” das técnicas projetivas. Visando aproximar-se do titulo de métodos ditos cientificos de coleta de dados, estudos tém sido realizados na investigagao da personalidade, através de técnicas projetivas, as quais se aplicam tratamentos estatisticos, buscando dados que comprovem sua confiabilidade e validade, Dentre os testes projetivos, Giintert (2000) lembra que o Rorschach ¢ 0 mais ampla- mente empregado, Estudos mais recentes de validacao conferiram-Ihe renovada credibilidade, fazendo com que, hoje, poucos ainda falem da excessiva subjetividade envolvida na analise das, respostas do sujeito. Ainda segundo a autora, outros testes projetivos atualmente estudados, figurando em varias apresentagGes de trabalhos nos tiltimos congressos da Area, sao 0 TAT, 0 Teste de Apercepcao Temitica Infantil (CAT) e as técnicas projetivas graficas (desenhos), 0 que denota sua aceitacéo crescente no meio cientifico e clinico, Apesar disso, Villemor-Amaral e Pasqualini-Casado (2006) destacam que ainda € preciso investir em estudos que trabalhem com a fidedignidade de sistemas de avaliagao e interpretacao dessas técnicas projetivas. © método clinico de coleta de dados sobre um individuo, que associa abordagens clinicas € estatisticas, usando dados de testes objetivos e complementando-os com fatos e inferén- cias que s6 podem ser obtidos através de sua utilizagao (observacdes, entrevistas, aplicacao de técnicas projetivas), tem se mostrado mais efetivo para o julgamento de determinadas situacdes e sujeitos do que 0 uso apenas estatistico das informagdes, reforgando a utilidade de técnicas projetivas. ‘Nessa mesma direcdo, encontram-se as ideias de Loureiro (2000), em cuja argumentagéo percebe-se que, quando 0 contexto de alta incidéncia de transtornos mentais ¢ considerado, ¢imprescindivel a proposigdo de procedimentos sistematicos de diagnéstico, visando a com- preensio das singularidades e particularidades das pessoas em sofrimento psiquico, de forma a poder fazer, com propriedade, a indicagao da melhor abordagem terapéutica. Em se tra- tando de enfermidades mentais, quadros em que, muitas vezes, hé a associagao de patologias, a avaliacao psicolégica “traz como expectativa a possibilidade de aprofundar-se a compre- ensio dessas comorbidades, elucidando-se aspectos relativos a estrutura ¢ ao funcionamento da personalidade” (Loureiro, 2000, p. $4). Para que isso seja possivel, é preciso romper com a aplicagdo exclusiva das classificagdes diagnOsticas vigentes (Classificagao Estatistica Interna- cional de Doengas e Problemas relacionados a Satide, Décima Revisao - CID-10 e DSM-IV-R), assumindo uma postura te6rica conceitual que busque compreender, também, os aspectos dindmicos ¢ estruturais da personalidade dos individuos. Nesse sentido, as técnicas projetivas e sua avaliagao psicodinamica possibilitam a integragao de indicadores encontrados nos testes € elementos da histéria pessoal e do contexto de vida do sujeito avaliado. Ve-se, enttio, que as técnicas projetivas tém um papel definido nos processos de avaliagao psicol6gica e que, por essa razo, a preocupagio com a qualidade das informacdes geradas por esses instrumentos deve ser considerada e vale a pena somar esforgos no sentido de sub- meté-los a estudos e pesquisas sobre suas qualidades psicométricas, fortalecendo seu status cientifico. Lilienfeld e colegas (2000) compartilham da necessidade de se investir no estudo desses testes, sustentando que ¢ falsa a ideia de que pouca validade e pouca confiabilidade Ihes sao caracteristicas inerentes. Os autores acreditam, ainda, que tais testes tém potencialidades 28 ATUALIZAGOES EM METODOS PROJETIVOS FARA AVALIAGAO PSICOLOGICA que podem ser melhor desenvolvidas e investigadas se alguns cuidados forem tomados em relagdo a sua construcao. O primeiro elemento considerado ¢ 0 principio de agregagio de muil- tiplos itens. Itens tinicos sobre determinado aspecto tendem a ser mais sujeitos a erros, no que diz respeito ao trago latente que se deseja avaliar. Ao agregar varios itens, objetivando inves- tigar 0 mesmo construto, a possibilidade de erro diminui e aumenta-se, consequentemente, a probabilidade de se encontrar bons indices de validade e fidedignidade para o instrumento. Além disso, pode-se pensar que uma maior quantidade de itens tem maior chance de, efetiva- mente, cobrir grande parte das manifestagdes possiveis em relagdo ao que se quer investigar, caracteristica necessaria aos testes psicolégicos. Um segundo elemento que deve ser observado sao os estimulos do teste, assegurando que eles realmente representem aquilo que o teste investiga. Os autores citam estudos sobre motivacdo e relagSes objetais realizados com o TAT, nos quais foram selecionados apenas as laminas-estimulo que se mostravam pertinentes a investigacao especifica. Para Lilienfeld e colegas (2000), algumas laminas eliciam ou incitam mais o sujeito a dar respostas relacionadas a0 que se deseja investigar do que outras, 0 que deve ser levado em consideracao. Por fim, no uso de instrumentos e técnicas para coletar dados sobre um sujeito, em um Processo de avaliacdo psicolégica, é importante que os profissionais tenham claro que, por mais dificil que seja, muitas vezes, é preciso “desconsiderar os dados vivos e eloquentes da experiéncia subjetiva, em favor, frequentemente, de resultados secos e impessoais das pes- quisas objetivas” (Lilienfeld et al., 2000, p. 58), de forma a garantir a precisdo dos resultados. Isso nao significa esquecer que os dados coletados refletem um sujeito, que é singular, mas sim, calcar a avaliagao deste em algo menos subjetivo, que pode vir tanto dos resultados de testes psicométricos quanto projetivos, abrindo espago, também, para a acao do psicdlogo nesse cendrio. Fidedignidade e validade A fidedignidade € definida pela estabilidade das respostas de um mesmo sujeito, em aplicagdes sucessivas, ou pela concordancia entre “juizes”, ao corrigirem e interpretarem pro- tocolos dos mesmos sujeitos, de maneira independente (interpretacao as cegas). A verificagio da fidedignidade baseada na consisténcia interna do instrumento (coeficiente alfa) no é um método adequado para instrumentos como o TAT ou o Rorschach, uma vez que a resposta para cada lamina ou mancha de tinta nao é o mesmo que a escolha de cada um dos itens em um inventario. No caso do TAT, CAT-A, Teste das Fabulas, FAT, por exemplo, cada lamina foi cuidadosamente escolhida pelos autores, para eliciar diferentes temas ¢ diferentes areas de conflito. Por outro lado, o emprego da fidedignidade via teste-reteste, para as técnicas proje- tivas aperceptivas, precisa ser também muito bem considerado e avaliado, pois como Cramer (1999) muito bem enfatizou, sabe-se que grande parte das pessoas tende a contar uma his- toria diferente, quando vé as laminas pela segunda vez. Entretanto, vale lembrar que no necessariamente a mesma historia precisa ser contada para que os mesmos resultados sejam observados e € também por isso que este método, mesmo considerando os apontamentos do autor, pode ser empregado com técnicas projetivas. Alves (2004) também aborda esse assunto, mencionando que o grau de subjetividade envolvido na avaliagao do protocolo de um teste projetivo, bem como o grau de confianga que se pode ter em relagdo as conclusées dai decorrentes, é algo de grande relevancia, em se tratando de testes projetivos. § importante que se tenha a certeza de que dois psicdlogos AvONTAMENTOS S08RE 0 STATUS CIENTIFICO DAS TECNICAS PROJETIVAS 2 chegardo as mesmas conclusbes, avaliando um mesmo protocolo. Quando o avaliador éum psicélogo pouco experiente, ou ainda em formagdo, nem sempre se tem essa centers Uma forma de se aproximar dessa garantia € sempre basear as interpretagOes “nos fundamentos tebricos do teste, em dados de pesquisas e no conhecimento do que ¢ consideraclo normal para um determinado teste, em uma determinada faixa etétia” (p. 365). Sendo assim, varios autores (Harrison, 1965; Macfarlane & Tuddenham, 1966; Cramer, 1999; Alves, 2004) sio undnimes ao afirmar que a técnica mais utilizada, para esses Wnstfu- mentos, na verficagao de sua fidedignidade, é a que se basela na consisténcia das avaliacdes feitas por diferentes examinadores. Uma importante consideracdo sobre esse método pode ser a maneira diferente com que os diversos examinadores podem interpretar um mesmo protocolo, gerando, assim, baixos indices de fidedigntdade, f fundamental jembrar qué “St Prtor deve ser associado a experiéncia ou ao treinamento do avaliador (no papel de juiz) na técnica em questo, para estudo da sua fidedignidade, além de apontar para a necessidade de sistemas precisos de andlise e diretrizes claras para a interpretacao dos resultados. Quanto a validade, Anzieu (1981) afirma que a abordagem dos sinais independentes, aseada na correlagao do resultado do teste com um critério externo, pode ser a ideal a0s clhos do estatistico ou de um psiquiatra preocupado exclusivamente com um diagnostico hosogréfico. Entretanto, essa “abordagem € contréria @ propria natureza dos testes proje- tivos, nos quais a personalidade € um sistema dindmico de elementos em intercorrelacao” (p. 234). Em um teste psicométrico, comprova-se sua validade, estabelecendo ligacbes ent Varlévels, conforme os ditames estatisticos. Em testes projetivos, nao se estabelecem, neces: Sarlamente, ligacdes, mas elas sio compreendidas. Em parte, a dificuldade do Rorschach em stabelecer diferenciacdes nosologicas nitidas ¢ uma prova indireta de sua sensibilidade, uma vez que a personalidade de um sujeito sempre sera mais pluralizada ¢ diversificada do que um diagnéstico nosografico. Lilienfeld e colegas (2000) mencionam um estudo realizado por Cramer, em que este argumenta que, no momento em que se utiliza 0 TAT para investigar contetidos que nao sto acessiveis a consciéncia, de que forma se pode estimar a validade convergente deste teste com Sutras medidas de personalidade, como os inventarios de autorrelato? Certamente se atin- gira pouco sucesso nessa investigacao e, por isso, o que tem se usaclo com mais frequéncia, Eclves em fungao da origem clinica do instrumento, €a validade relacionada a algum critério Glinico, como diagnostico, registros em prontuérios médicos ou registros de terapeutas ¢his- t6ria do sujeito. £ certo que as investigagdes de validade e fidedignidade dos testes psicol6gicos sempre sao importantes e devem ser estimuladas. Entretanto, no cenério atual, em que tanto s° dis- ute sobre as qualidades psicométricas dos instrumentos, cabe lembrar que inconsistencias nas informacdes coletadas sobre determinado sujeito sao resolvidas pela atuagao clinica, através de entrevistas e observacbes, e é justamente assim que o profissional fundamenta a validade clinica do processo de avaliacao psicol6gica. “Tavares 2003) destaca que uma das tarefas do psic6logo clinico é demonstrara validade das informacoes produzidas, circunstanciando as afirmag6es por meio de exemplos e observagoes confirmatérias externas 20s instrumentos utilizados. Essa tarefa poe a perspectiva clinica no centro do processo, desloca 0 foco do conceito de validade dos pardmetros estatisticos dos procedimentos. Observa-se que 0 papel do psicélogo tem sido suplantado ¢ ofuscado por Ui) excesso de objetivismo e objetividade, que prega a ideia de que 96 € vido o que € padronizavel, Feduzindo a validade baseada na inferéncia diagndstica aos parametros estatisticos do procedimento, a ponto de sustentar que “nao sao validos os procedimentos para os quais 0s » ATUALIZAGOES EM METODOS PROIETIVOS PARA AVALIAGAO PSICOLOGICA parametros estatisticos nao existem ou nao sao possiveis” (p. 133). Isso nao significa que a interpretacdo sera baseada apenas na opiniao do psic6logo, e sim que o julgamento profissional faga referéncia a caracteristicas que possam ser comprovadas ¢ justificadas. Essa confirmacao pode ser obtida através da capacidade do profissional de chegar a conclusGes parecidas em ‘casos semelhantes, de concordar com critérios externos estabelecidos e de concordar com outros avaliadores. ‘A validade clinica vem oferecer uma concepgao mais contextualizadora dos resultados produzidos em uma avaliacao psicolégica, uma vez que ela coloca o psic6logo e 0 sujeito ava- liado no centro do processo, considerando 0 contexto e a historia deste tiltimo. Tavares (2003) acredita que a importncia desse conceito toma forma quando se pensa que a atribuigao de significados aos resultados de testes psicolégicos é um processo bastante complexo, que s6 pode ter sua validade garantida se todas as fontes de informacoes, inclusive as de fundamento quantitativo, forem atreladas a formulagOes qualitativas que estao, por sua ver, tangencladas ¢ limitadas por processos de inferéncia e atribuigao de significados e de construgdes te6ricas ~ atividades eminentemente qualitativas. CONSIDERAGOES FINAIS — AFINAL, TECNICAS PROJETIVAS? Levando-se em conta que 0s processos de avaliacao psicol6gica sao realizados com vista a tomada de decisao a respeito do sujeito avaliado, encontra-se uma forte justificativa para (0 uso de técnicas projetivas, uma vez que técnicas diversas ~ e sao inclufdas af, as projetivas — possibilitam a validagdo intertestes dos dados obtidos, dando mais solidez as inferéncias clinicas e, por consequéncia, as indicagdes ou sugestdes de intervencao. ‘As técnicas projetivas ganham destaque em avaliacdes clinicas por possibilitarem a emergéncia de manifestacdes pessoais e 0 acesso, de maneira mais individualizada, a0 mundo interno dos sujeitos, no momento em que, através da projegao € da apercepcao, tém-se informagées sobre como um individuo, em particular, percebe determinada situacao, ‘0 que auxilia na sua compreensdo. A investigacdo das qualidades psicométricas desses ins- trumentos psicol6gicos ainda representa um desafio, em parte por se acreditar que técnicas de conferéncia de validade e fidedignidade de testes psicométricos nem sempre podem ser transpostas e aplicadas da mesma forma aos projetivos, uma vez que se trata de ferramentas com principios diferentes. Outros fatores podem ser apontados como favoraveis na argumentacao sobre o uso das técnicas projetivas, tais como a mobilizacdo da ansiedade no momento de sua aplicagao € a possibilidade de simulagio ou fraude, Diferentemente do que acontece na realizagdo de alguns testes psicométricos, por saberem que nao existem respostas certas ou erradas, os indi- viduos tendem a se sentir menos ansiosos frente aplicacao de técnicas projetivas. f claro que isso nao é uma regra, havendo, também, aqueles que percebem essas atividades como extremamente ansiogenicas, justamente por néo poderem exercer qualquer controle sobre suas respostas. Entretanto, a impossibilidade de controle ¢ algo que diminui a chance de 0 respondente simular ou fraudar suas respostas, ponto favoravel a esse tipo de teste. £ importante destacar que assim como as técnicas projetivas, os testes psicomeétricos também tém seu papel no contexto da avaliagao psicolégica, justamente por se acreditar que os resultados de uma técnica devem ser corroborados ¢ intervalidados pelos encon- trados em outra; ou seja, nenhuma decisao ¢ tomada a partir do desempenho do individuo em um Gnico teste, seja ele projetivo ou psicométrico. Com essa ideia, as técnicas projetivas APONTAMENTOS SOBRE 0 STATUS CIENTIFICO DAS TECNICAS PROIETIVAS. 3 ganham seu espaco no momento em que oferecem ao profissional a possibilidade de aden- trar no mundo interno do sujeito avaliado, o que permite a construgao de uma integrac’io dinamica de seu funcionamento, informacao ttil e importante para a pratica clinica, para o julgamento clinico e, por consequéncia, para a tomada de decisdes como consequéncia de avaliagdes psicolégicas. Nesse contexto, mostra-se bastante adequado finalizar com Silva e colegas (1984), que fazem referéncia as palavras proferidas por Cronbach, em um congresso da Associacao Inter- nacional de Psicologia Aplicada, as quais ressaltam que as mesmas exigéncias ndo podem ser fixadas para testes projetivos e psicométricos. Nao se pode querer que um cumpra a tarefa para a qual 0 outro é mais adequado, assim como nao se pode dizer que qualquer técnica é geralmente boa ou geralmente falsa. Atualmente parecem existir provas que sugerem que qualquer técnica projetiva, modificada luz de estudos e de pesquisas, tera lugar permanente e importante na avaliacao psicolégica. REFERENCIAS Abt, L. E. (1984). Una teoria de la psicologia proyectiva. In L.E. Abt, & L. Bellak, Psicologia Proyectiva: enfoque dlinico de la personalidad total (pp. 37-59). Buenos Aires: Paidés Abt, L. E., & Bellak, L. (1984). Introduccién a los fundamentos tebricos de la Psicologia Proyectiva. In Psico- logia Proyectiva: enfoque clinico de la personalidad total (pp. 23-24). Buenos Aires: Paidés. Alves, |. C. B. (2004). Técnicas projetivas: questdes atuais na psicologia. In C. E. Vaz, & R. L. Graeff (Orgs.), il Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Rorschach e outros métodos projetivos: Técnicas Projetivas: produtividade em pesquisa (pp. 361-366). So Paulo: Casa do Psicélogo. Anastasi, A., & Urbina, S. (2000). Testagem psicologica. (7* ed.). Porto Alegre: Artes Médicas Sul. Anzieu, D. (1981). 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