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a Parte 1; Retiricaeciscursosorganiacioals 8 conceitos de discursae identidade, to intimamente associados nas pré- ticas linguisticas, ndo se distancia também nas préticas organizacionais, Para compreender a reciprocidade das interferencias entre ambos, bem como para en- tender de que modo a identidade se constr6i, se mantém e se destr6i na relagio cestabelecida entre a8 intengBes do discurso estratégico e a imagem formada na mente dos piblicos de uma dada organizagdo, necessitamos examinar, de ma- neira critica e especificamente focad, alguns saberes acumulados na histéria da flosofia, da linguistica-e-da semidtica, ciéncia esta que-nos proporciona um in- Gispensivel ambiente transdisciplinar para que possamos reger didlogos entre os diversos paradigmas que aqui forcosemente comparecerio. "Entendemos que é possivel manter sob algum controle coordenacio a iden- tidade organizacional desde que saibamos, de um lado, otimizar os recursos de co- ‘municagdo de que dispomos e, de outro, monitorar as navuras osclagBes que ocor- rem na recepeéo dessediscurso por parte dos divers publicos que os receberr” ‘Tais modulagbes nos dio o contorno daquilo que comumente denominados ‘imagem’, ou seja, 0s modos (¢ moldes) como os diversos piiblicos concebem mentalmente a organizagio e como ~ pautados por esses modelos mentais~ rea- ‘gem aos estirmulos comunicstivos que recebem. Conforme pudemos comprovar em tese de doutorado defendida no Progra- sma de Pés-Graduacio em Comunicagao ¢ Semistica da Pontificia Universidade Catélica de Sio Paulo (IASBECK, 1998), identidade das organizagbes emerge das relagbes que se estabelecem entre discurso e imagem qualidade e a intensidade esas relacées € que fornecem elementos capazes de serem orquestrados estate gicamente, um trabalho que denominamos “administracio da identidade”, Para ‘entendermos como esses elementos interagem nas préticas comunicativas, € ne- cessirio adentrarmos & complexidade que cada um desses trés conceitos embute $55 Ineninane, conce!TO RELACIONAL O alcance,«sbrangencie do conceit de identidade envolve muitas dimen- ses do modo de sere atuar das organizagbes, além daquelas mais visies ela- cionadas& marca ou sua constituigo juriica Tal como a sbordamos denidade nfo pode ser comprendida, cars terzada ou configurada seo nas relagbes que a fizem surgir ou que a evocam como paradigma necessrio& consrapio dos processos dinimicoseintrativos da comunicagdo humana. Nao comporta atributos a priori, nfo se estabelece fora das relagBes interativas e apenas conceitualmente & passivel de algum tipo de con- jectura ou de especulagao. Hertiade orgenzaclonal ea consrugdo dos dlscursos Instucionals 8 ‘Como as interagSes comunicativas ocorrem de forma complexa em diver- ‘0s niveis, definir um conceito de identidade que se aplique, no nivel da genera- lidade, a todas as suas possibilidades significativas, seria excessivamente traba- Ihoso e, com certeza, pouco interessante 203 propésites desta exploragaio.(Por isso, optamos por abordé-lo, ainda que-em um répido panorama, a partir dey alguns enfoques filosoficos, psicol6gicos ¢ sociolbgicos, para, posteriormente, nos determos no angulo que consideramos necessério & demonstracto do fato de queda identidade se constréi, seamantém¢ se destr6i.a partir de produgio dos dliscursos institucionais e& vista das imagens produridas por esses discursos na. mente de quem os recebé.? IDENTIDADE COMO IDENTIFICAGAO Laplanche e Pontalis (1988, p.295) observam que o substantivo identificago fj tomado por Freud em duas ecep;ses: a transitiva direta —associada 20 verbo identifcar ~e a reflexiva ~ correspondente ao verbo identifcar-se. primeiea diz respeito a0 reconhecimento de algo ou de alguém como discerntvel de outros, «a partir de trasos singulares; a segunda, por sua ve2, supde uma relacdo reflexa, nna qual um se vé no outro como participante, em algum grav, de uma mesma identidade, de tragos que se combinam por contiguidade ou que se aproximam por similaridades, A formacio da ideia de “nés’, para os autores, estara ligada 3 tripla possi- bilidade de projegéo do verbo identifcar: uma identificagao centripeta, na qual o individuo reconhece a sua propria pessoa em confronto com outra; uma identifi- cagio centrifuga, em que o individuo identifica o outro com a sua prépria pessoa; uma identificagdo reciproca, em que ambos descobrem pontos de contato nas respectivas projeges. Identficar alguém corresponcle a reconhecer, mas no ne- cessariamente a ser. recorhecido, 0 que inviabilizaria a miitua contaminacio no proceso comunicativo. ‘A psicologia social distingue trés possbilidades de compreensio do conceito de identidade. A pergunta fundamental da identidade abre-se a questBes que nio respondem diretamente 2 indagago, mas a amplificam em outras diegbes. F 0 que nos diz Ciampa (1989, p.58): (Quem sou eu? Quando essa pergunts surge, podemos dizer que estamos pesquitando nossa identidade ..] Nés nos identiicamos com 0 nosto nome, ‘que nos identifica num conjunto de outros seres, que indiea nossa sin- sgularidade: nosso nome préprio. [..] © conkecimento de si é dado pelo io Parte 1: Petroaodiscursos orgnlzacionals reconhecimento recipraco do individuos identificados por meio de um Aeterminade grupo social que existe objetivamente, com sua histéria, suas tadigbes, normas, interesses et Podemos, entZo, distinguir, nas posstveis respostas, trés focos diferentes, conectatlos entre si: a) o primeiro diz espeito & afirmacio do individuo para si mesmo (quem sou eu); ) o segundo, identificacso do individuo por seus signos ~atributos e marcas socais (qual €0 meu nome, meu luger,minha posiglo, minhas posses et.); ©). oterceiro,ao reconhecimento de um individuo pelos demaiscomponentes do grupo social (como os outros me veem e me reconhecem). ‘Tal organizacio nos remete as trés categorias estabélecidas pelo filésofo nor~ te-americano Charles Sanders Peirce para explicar.a representacio da‘realidade ‘na mente humana ¢ na natureca: primeiridade (a qualidade do ser em si mesmo), segundidade (a atuagio do set no mundo) « terceiidade (0 reconhecimento do ser pelos parimetros coletivos do grupo social Se considerarmos as organizagdes como individuos ~ em uma transposicio ‘rosso modo associada &s expressbes legais pessoa fisca e pessoa juridica—e eme- termos as empresas os trés momentos da identidade aqui examinados, teriamos (0s seguintes pressupostos: 4) a identidade de uma organizagio exté associada a tudo o que é inerente ao seu modo de ser, sua conformagio, sua ranso de exist ) aidentidade de uma organizago éformada pelo seu lugar social, sua misséo, pelomodo de atuagio, plas respostas quefornece ao meio ambiente epelos insumos que dele recebe para manter-sintegrada, atuante ¢persstente; ©) @ identidade de uma orgenizasio se constréi a cada instante de sua cexisténcia, na relago que mantém com os demas sistemas que lhe sio afins, permitindo, com isso, que ela seja reconhecida e aceita como inte- sgrante de um sistema maior que & contenha, ‘No primeito caso, teiamos uma identidade centrada em intengGes ¢ estru- turas internas, imanentes; no segundo, uma identidade social de carter integra tivo-comunicacional; no terceiro, por fim, uma identidade cultural apoiada em relagées de troca simblica,sistémica e dindmica. dantidade orgarzaional a construct dos cursos instucionais " Leonardo Schvarstein, psic6logo social, e Jorge Etkin, administrador de ‘empresas, professores na Universidade de Buenos Aires; fazem uma interessan- te andlise da identidade empresarial em ums publicagdo totalmente dedicada 40 tema, Identidad de las organizaciones, No entendimento dos autores, a identidade das organizaybes esti associada aos elementos invariantes, que nao sio afetados, pelo seu desempeniho. ‘Las onginizaciones poteen unt identidad definida como invariante en el sentido de que su transformacién también, implica le eparcién de unanuera organizacin, Constitae definicién de dichaidentidad la enumeraci6n de tod0 quello que permitadstingur a la organizacién como singular diferente de las dems, todo aquello que si desaparee afecta decisivamente a ls organizacién. ‘La perucbacion de la invarancia implica la transformacién del sistema (por ejemplo, una empresa en una cooperative) ,enellimite, signi su disolucion (SCHVARSTEIN; ETKIN, 1995,p.158). ‘Os autores acreditam, ainda, que a identidade organizacional nio est su~ jeita a mudangas, porque ela constitui um principio que jamais pode se alterar, sob pena de levar consigo toda a organizasio. A identidade € um conceito no qual se baseiam todas as formagbes culturais, embora nio se submeta ao dins- ‘mismo das transformagSes da cultura: “os tragos de identidade organizacional estdo compreendidos no conceito de culturs apenas no sentido em que so esta~ belecidos, conhecidos e compartilhados por um grupo social” (SCHVARSTEIN; ETKIN, 1995, p.212). Para horror dos administradores mecanicistas-fancionalistas, a identidade, analisada desse ponto de vista, nfo & um conceito operativo: nio tem funglo ad- ‘ministrativa ¢ ndo ¢ administrével, porque se situa, muitas vezes, além — outras, aquém ~ das possibilidades de controle e governo. “Humberto Maturana, tum dos estudiosos mais conhecidos entre os precur- sores da nova complexidade que assola as humanidades, parte das descobertas relativamente recentes da biologi, da fisica e da quimica para postular seu prin- cipio dos sistemas autopoiticos. Escreve ele: 1. Cade unidade, ou € uma todo no analisivel[..] dotado de proprieda- des que o definem, ol um sistema comaplexo gerado pelas propriedades de seus componentes. [..] O sistema complexo é defnide como wnidade ‘elas relagoes que seus componentes devern atender para constinulo, sen does suas propriedades, enquanto unidaces, determinadas pela maneira segundo a qual se define a sua unidade, e nto pelas propriedades de seus 12 Part 1: Retricae ciscursos organizcioals ‘componentes, As relays que definem um sistema compleso como unidade constitue sus organizagao, Conelul-se que, pare defini a organizacio de sum sistema qualquer, & necessério e suficiente indicar as relagbes que 0 definem coma wnidade, 2. [os] um sistema vivo, considerado como unidade no espaco fisico, isto 4, como entidade topol6gica e operacionalmente dissocivel do meio fsico, se define por uma organizagdo que consite muma rede de procsssos de produgae,e numa transformagto dos componentes, [.] os quais, em virmde de suas interagbes: a) criam recursivamente @ mestna rede de pprocessos de producéo dos componentes que aquele que os gerou; 5) ‘constituem o sistema como unidade fsica 20 determinerem suas fron teiras no espago fisico, Dou a esta organizagéo 0 nome de “organizagio autapoistica” ¢ 20 sistema que a possai o de “sistema autopoitico” Gragas a esta organizaglo, um sistema vivo € uma unidade auténoma, aque se afirma em saa capacidade dintmica de resstr ts deformagdes devidas as continuas renovagbes da matéria, com uma organizagdo que ermaneceinvariante 3, Tendo em vista que um sistema vivo se define como unidade por sus organizagio gutopoittica, todas as ansformagies que ele pode safer sem erder suaidentidade to transformapdesncs quais sua organizagto permanece invariant: um sistema autopoidtico é um sistema homeostitico, dotado de uma organizagéo prépria, a qual constitu a vardvelessencial por la smantidsconstante em virtade de sew funcionamento 4. [© produto dofancionamento de um sistema autepoidtico come tal em todos of casos, ese mesmo sistema, Dedur-se que os sistemas autopoiticos fo, por consttuigo, sistemas fechados, sem entrada nem sald. Podem ser perturbedos por acontecimentosindependentes, mas as modificasbes neles| ‘operadas em virtude desss perturbagbes[..] se produzem por constituigio (MATURANA, 1978, p. 154-155) (Grifo nosso). Nos trechos anteriormene grifados temos os principais pressupostos nos ‘quais Btkin e Schvarstein (1995) se apoiaram para considerar a identidade das organizagées um fator invariante ¢, portanto, inadministrével, Isso nos leva a cconcluir que: © as organizagbes sio sistemas complexos, portanto, constituidas pelas re- lagdes entre os seus componentes; essasrelagdes, porém, no sio deter- ‘minadas pelas caracteristicas individuals, mas pela propria organizacio; |dantdace organizaconale a constupéo dos cscusos instcionals| 13 © as onganizagbes séo sistemas ociaisvivos,ou seja, produzem seus préprios componentes, na medida em que controlam ¢ comandam (governam) 1s processos e as transformagGes internas;, ® a“identidade” € composta pelo conjunto de estruturas invariantes que eterminam as relagdes entre os componentess / ® dessa forma, o produto de uma organizagio ¢ a propria organizagao, sistema fechedo, sem entrada ou safda. Una outea pista que vale a pena ser perseguida na busca fandamentada de uma identidade administrivel pode ser encontrada na filosofia das identidades relativas de Leibniz, IDENTIDADES RELATIVAS Acexisténcia de um projet comum, de uma situacio que evoca participacio, de um fendmeno ou objeto que provoca interacio - e, portanto, comunicagao € condi¢io indispensivel para que se possa determinar o grau de identidade en- tre os participantes de um dado projeto, os protagonistas de uma situagio ow entre interlocutores em uma situago de comunicagio. Assim, a identidade nfo se define pelas peculiaridades individulizantes de um sujito, uma ideia, uma rganizacdo social, um fendmeno, um objeto, mas pela existéncia de uma outra ideia, outra organizaglo, outro objeto ou fendmeno, que com aqueles primeiros mantenham diferengas« afinidades.) ‘A desvinculasio da ineréncia ou da esséncia de uma existéncia individual trax @ necessidade de situara identidade como resultado de am processo no qual elementos distintos slo colocados em situagio de comparagdo. De certa forma, 0 que se evoca aqui € « relacéo social entre individuos (eivados de subjetividades) ¢ a relagao objetual que ocorre entre ideias e fendmenos a partir de um julgamento de percepcio que esta na base do ato cognitive. E bem verdade que o fldsofo ¢ matemético Gottfried Leibniz nao chega a : Aoeso em: 09 fe. 2008 WATZLAWICK, Paul A realidade é rel? Lisbon: Antropes, 1991.

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