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B. he PORTUGUEs ey © PORTUGUES ye 1 5, Introdugdo — Questées de Periodizacao O titulo desta parte refere dois Periodos da histori esa que figuram, com estas designacdes, em ae storia da lingua portu- {os trabalhos da area. Comego por algumas obs ras de referéncia e mui- geral, sobre questdes de periodizagao, ervasOes, ainda de ordem : A delimitagaio de Periodos ou fases na historia de uma lingua pressu- poe a identificagao de um conjunto de tragos linguisticos oe pies mente caraterizem os cortes cronolégicos considerados em relacao ros periodos ou fases imediatamente anteriores ¢ posteriores. Trata-se, por- tando, de identificar diferentes ‘sincronias’, em sentido necessariamente muito lato, que entre si contrastem em aspetos do sistema linguistic con- siderados de particular relevancia. A transic&o de um para outro periodo pressupde, portanto, a ocorréncia e efeito de mudancas linguisticas inci- dentes nos aspetos em causa, isto assumindo uma periodizagao suportada por critérios de ordem linguistica. Assim, considerar um periodo ‘antigo eum perfodo ‘médio’ implica a assungdo de que ha Ser cas, de varios niveis, que podem ser assinaladas a ae eet Aiea Teferentes as respetivas épocas. Mas visto que @ one nfo coincide Tudangas ocorridas no percurso diacronico de ne ne perodiayZ0 Necessariamente!, a delimitacao cronolégica de um ae are ll sta rae : ifica~ 6 ja uma simp) 2° de uma mudanga ©} seu acionamento Veg, ae Seré ainda de notar que referir a ‘ocorrénci ccessirio delimitar © , Visto que em termos mais precisos seria ne Scanned with CamScanner Maria Teresa Brocardo 104 itavelmente, algum grau de aproximacao, nao Podeng, sentido muito eae eae © Ser fo contextualizar a discuss este tipo toes, a ai, em meu entender, sido otivadora para 9 sn tes, au rents ips de tals na Aen, selecione’ algun gn iment gor reevantes para um enguadramento mais adequagy «. Que a da periodizagio, retomando / reformulando algumas gyn goes que ja apresentei noutro trabalho (Brocardo 2005). Tomy Snquadramento muito geral algumas propostas de periodizagao dq 47° ria da lingua portuguesa, que sao as incluidas no quadro-sintese comp, to. f F 2 tivo apresentado na pagina seguinte. rae assume, inevil entendida em Notas do quadro: * As barras (/) indicam alternativas na delimitag%o cronolégica ¢ designagao dos perfodos em diferentes autores. +* Além dos autores das propostas, referem-se, a titulo meramente exemplificativo, outros estudiosos que as tém adotado. *** Bechara (1991) trata apenas fases da lingua escrita (a partir do sé- culo XIID. Ghyeuhume chub san 4b cignicneas.okgatimifab «!sctuse sive oe ae € a sua expanstio ou generalizagio. No contexto em que 204 2 ; Visto que se estdo a considerar mudangas concluidas no passados °° git) poniveis remetem, em principi so s ipio, sobretudo para fases de expam generalizagdo das mudangas em causa. Scanned with CamScanner Topicos de Histéria da Lingua Portuguesa 105 Quadro-sintese comparativo de algumas da histéria da lingua portuguesa* Propostas de periodizagiio Cronologia j, Ambito cronolégico Periodizacito mais abrangente L. Vasconcellos [191 1) C.M. Vasconcelos ii. limite cronolégico [1911-1913] Cintra [n.publ., cf. Castro Said Ali [1931] *#(Mattos e Silva Bechara (1991) 1991, Maia 1995) **(Castro 1991, 2006) Periodizagao mais estreita Vazquez Cuesta & Luz (1971) ii. até ao século IX (882) it séculos X a XII ii, até c. 1200 (1214) portugués pré-histérico portugués proto- -histérico (L. Vasconcelos) **portugués pré-literdrio i séculos XIII e XIV ii. até 1350/1385 / 1420 i-seculo XV /e prim. portugués arcaico | portugués antigo (Said galego-portugués (Vazquez Cuesta & Luz) / portugués antigo (Cintra) / ‘fase arcaica (Bechara 1991) portugués pré-classico (Véz~ meade do século XVI quez Cuesta & Luz) / il até 1500 / 1536 /m. portugués médio (Cintra) / ‘oseulo XVI fase arcaica média (Bechara 1991 € stoulo XVI sey -gunda And... séeulo portugués cldssico (Cintra) / edge imeira meta- 40 séouto XVI in nal do século feenodere (Bechara Xv “séulo | portugués moderno | 1990) i . ‘ilo XVII segum- rtugués moderno (Cintra) / cy ‘/ segun. portugt Mealy xine? Sul. / ‘fase hodierna (Bechara IX, séeulo XX 1991) Scanned with CamScanner do Maria ‘Teres® Brocart 106 da lingua? at foi dedicada 8 formagdo da Tingua fp = que marcam a transigao traduzive) Pela a ‘ Ai : LL), percorrendo as fea simplificada na formula ‘latim > portuguas 1s nit decisivas para a emergéncia do po, fm iferenciado nO contexto rominico OU, Se se pref, : if rel pratica convencional na histérig da ‘pascimento - mente, pelo menos em termos aproximadgs, 4 rn pisibico 7 por oposi¢ao as fases pré-literdrias _ ae primeiros registos escritos, remetendo, Portanto, textos mais antigos (conservados © conhecidos), que . 4 ncia e as suas carateristicas. A persisténcig ics escrever em. latim oe eet 0 sprecineg geralmente tardio de textos escritos em inguas ron S, acabani lo pot iesfasamento sensivel entre o inicio da historia da lingua assinalar-se um d 0 ink : (isto é, da sua historia atestada) e a data conjeturavel para a sua emergén- cia, na acegao assumida em 4. | ; Note-se que os periodos anteriores a0 aparecimento dos primeiros textos no podem considerar-se, para as linguas roménicas em geral, inteiramente nao atestados, mas sim atestados, a partir de épocas varié- veis, mais ou menos indiretamente, em textos latinos ou latino-romances, 0 que tera levado L. Vasconcellos (1966') a considerar, no caso do portu- gues, um periodo proto-histdrico,.a partir do século IX (cf. quadro - 0 mais antigo texto conhecido da area portuguesa data de 882). : ee ° critério da histéria (diretamente) atestada, mente cosa Ta a a ret ee respost ee tra tinham levado, em eons) i = pe ae & tn ei (cf. Cintra 19992) 5 aa dee com as conclusdes de Rui de oa de dois documentos do Mostei wn da Costa (Costa 1992 ), exe attic buia a maior antigudade eniee ce H® & Ge anteriormente comhecidos (cf. Castro 2006: 9¢ 0s documentos escritos em es a Portugués mais antigos d ; o Avangava assim a data dos ae ta e finais do século XIT para 1214, data do pag mento em portuoya ie gues do rej Noticia de Torto, entoe Afonso II ¢ também do documento patti : a 2006: 94-107) neste caso se trate de data conjetural (cf. g ria 1, Quando ‘comes? ahist6 5A. deste mal tingua localizar © inicio do seu perc em fungao da data ‘a datagdo dos ao estar a sua existé Scanned with CamScanner Tépicos de Histéria da Lingua Portugues sa 107 A questilo seria depois reabert 7 ee ain en Re anite (1999), Este trabalho dé GANTT) de que resultou a identiticagto de um conjunto de textos soa datas ermitiriam, segundo a autora, nfo s6 a ne 10 de textos cujas (Gosia 1992: 170) que até entdoseparava as eae «longo hiato» eee da eprodugdo primitivay das do inicio da «produto reguler de documentos em portugués» (Castro 1991; 183; 182; Gas 2006 na como também recuar para o Ultimo quartel do século XII a data dos ee 5 sais antigos (Martins 1999: 492), Entre os documentos recolhidos _ transcritos, destaca a autora um brevissimo documento, a Noticia de Fia- dores, datado de 1175, que assim passaria a ser o mais antigo texto conhecido escrito em portugués. Pouco depois da publicagao do artigo de ‘sna Maria Martins, Souto Cabo (2003) vem também apresentar um outro texto, o Pacto de Gomes Pais e Ramiro Pais, para o qual reivindica maior antiguidade, embora se trate neste caso de um documento datado conjetu- ralmente. Nao parece ainda a questdo definitivamente resolvida, visto que nao hd consenso dos especialistas sobre a caraterizagao como portugués da lingua em que se apresentam escritos estes tipo de documentos, conside- rando, nomeadamente, a aparéncia mais ou menos alatinada de formas e construgdes linguisticas que neles ocorrem e a sua propor¢ao relativa- mente a formas e construgdes j4 mais proximas das que se atestam em textos posteriores claramente portugueses. Esta discussio, note-se, nao deve confundir-se com a caraterizagao da lingua que era usada na época Tespetiva como veiculo de comunicagdo oral entre a generalidade dos falantes, sendo essa, de forma obviamente consensual, (j4) portugues. Oo que parece também ser consensual € 0 interesse qué tém este tipo de tex- 10s - independentemente da sua caraterizagfio como portuguese’ ou lati- No-portugueses? — para estudos sobre 0 complexo processo de transicao ce em latim para a escrita em portugues, OU de ‘passagem & scr lo portugués. ( Seat ba Seale Nae ticia de Fiadores (além de outros a + Primera tipo de caraterizagio ¢ usado para a No! ] ae ) Por Martins (1999); Emiliano (2003) considera mais adequads a sua cari ong,” £0%° texto latino-portugués. Martins (2004) retoma esta discussie, one cute cate argumentos aos critérios (ou ~condiges")propostos, pot Emit ts Sot Cabo (2003) diseute também os “eritéros que permitem 33 ce try agil®80-portugués ou latino”, Para uma andlise desta questi, ¥. 6: 108-111), Scanned with CamScanner Maria Teres® Brocardo 108 gses metodologicns 5,2. Critérios € oP jstoria da lingua portuguesa existem y, Sr ais de fundo ou MAIS pontuas das em trabalhos de diferentes pre “ como exem| Jos de abordagens muito diferente, 8 Para a periodi ae i nl propostas, divergent foram sendo discutidas ges — confrontem-se, ‘ 02). desta tematica, Maia (1999) © Martins 20 2) aie Um dos aspetos de essencial relevancia nes! atica & 0 dos rig, rios que sustentam as diferentes ieee eee a pevio dizagis proposta para @ historia de uma lingua deveria st i ada pela inter -relagiio de factos linguisticos © nao linguisticos, colocando hipéteses sobre 0 condicionamento das mudangas linguisticas, ou, talvez melhor, sobre os fatores condicionantes da expansio dessas mudangas (cf. 0 que se refere sobre este aspeto na introdugio deste manual, a propésito da oposigao cléssica entre historia interna e historia externa). As proposts, ‘ou outros trabalhos em que se aborda a questio da periodizagao, mais recentes tém geralmente como preocupagao referir que assentam em crité. Tos linguisticos. Mas a dificuldade a que jé se fez referéncia de delimiter dangas linguisticas, © © facto de diferentes mudangas nao coincidirem cronologicamente (em termos de acionamento e/ ou expansio) torna quase inevitavel que a delimitago cronoldgica dos diferentes periodos que constituem um quadro periodolégico da historia da lingua seja muitas vezes estabelecida a partir de aspetos extralinguist- cos, como marcos cronol6gicos de referéncia, em fungao de factos (histé- ricos, sociais, culturais...) considerados de particular relevo. Tal nio implica, necessariamente, que se considere a delimitagao de um dado periodo como sendo efetivamente determinada pelos factos tomados ae en eee de referéncia. Ha, no entanto, datas que, ee fevers para ae oe (Castro 2006: 74), nfo deixam os teat pare ich storiador da lingua. Refiro-me aqui a datas que Ls 7 ictos que nao alteraram, obviamente, de forma direta 4 propre lingua, mas que foram decisivo: Bees superar © dats linguisticos do passado ¢ ascim pro possibilidades de recur” podemos ter da sua historia como, por evemplo, conheciment Wi do portugués, em fungéio da aa por exemplo, a ‘passagem 7 i" referéncia no ponto anteri la data dos textos mais antigos, 4 1¥° © 1s ior, ou a publicagio das primeiras 8 . (em 1536 foi : , ii oi Publicada a primeira, de Fernaio de Oliveira). pedo entre marco: jiveira). entre periodos — mera i cronologicamente as mu hoje 30 temporais de tipo di a0 3G porais de tipo diverso para tragal rit atago por séculos / décadas, datas ¢ Scanned with CamScanner Se Tépicos de Historia da Lingy @ Porty, olitica, cultural, literdria — Constituj 109 algumas prop. ostas de Periodizacao oon dos {tacos de di cas’ as que retinem maior consenso, endo, afinal, as tis As propostas para a periodizacao da p. na pratica, radicalmente diferentes, cxeur tia es cujas divis6es sto temporalmente es exemplo) ou mais limitadas (Lindley Cintra *Drangentes (Said fj este ponto pretende justamente evidenciar ste ° ‘ , por diferenga sensivel esbate-se quando come aspeto. Mesmo assim, essa defensores de uma periodizacao com cortes ra UE 08 proponentes ¢ acabam por admitit subdivisdes dos periodos one*® Ms abrangente exemplo, Maia 1995: 29 e Mattos e Silva 1991: o. IS extensos (cf, por Outras divergéncias entre propostas assinalan . usada, por vezes denunciadora dos Cia delintogy oe poral, ¢ também das diferentes perspetivas dos autores, por aaau quanto a diferenciag&o diatépica (em fungio do epaga seogrdfico) Assim, por exemplo, Neto (192°: 398) divide 0 «periodo arcaico» em «fase trovadoresca» e «fase da prosa histérica», o que claramente denota uma perspetiva a partir da historia literria, A designacao ‘galego- -portugués’, que é tradicional na disciplina e tem sido usada por muitos autores para referir o primeiro perfodo (ou subperiodo) da histéria atesta- da da lingua, vai ser substituida por ‘portugués antigo’ na proposta de Lindley Cintra}, visto que 0 autor sempre defendeu a continuidade hist6- (Cintra 1983°b: 140), rica de um «territério linguistico galego-portugués» 3b: 140) © portanto a designagdo néo seria, numa acega0 estritamente periodol6gi- ca, adequada. i ¥ Sobretudo em trabalhos mais recentes, tem-se dedicado eoutie alguma atengo a aspetos metodoldgicos, nomeadamente es A recolha, andlise e selegdo dos dados linguistico lt eat diferentes perfodos considerados. Considerando que Prope) Nt fsa 2a¢do implica uma abordagem abrangente da ise A eeuentgi0 Sia partir de uma recolha exaustiva dos dados # Pa nhecida. conservada € CO remanescente, isto é, de toda a documentorae, er Maia (1995: 22), que Sta questio foi colocada para a época medi (002: 260) nota, porém, ae lanum «corpus medieval global. Martins 2007 aria a investiee sponder a uma tal exigéncia de exaustividade Sees ara ue divisto mais abrangen- eee que Said Ali jé usara esta designac4o, mas P% ee Bee Pelo que o ‘portugués antigo’ dos dois autores ereéncia entre atas ‘simb6Ii- do port tem dif Scanned with CamScanner ia Teresa Brocardo 10 Maria Ter ia ainda mais dresicameats ‘Paralisador para fasesposterores, uma vez ave © Ge diversidade tipoloyiee = eines aes ner0s) 4 medida que o tempo ao a oe ae eats : mean ‘metodoldgicas, tem havido também Ainda dentro das quettir™ 3 sobre 0 tipo de caraterizagao dos yin. ges diferentes entre 0s estustean Fs de analise Tinguistica dos tagg, rentes periodos em funglio dos nh i S tragos g incluir nessa caraterizaga0. Bechara (1991: )s ee exemplo, propse um, periodizagao em que sao privilegiados os «fatos patie morfoldgicos é sintéticos sobre os lexicais», 0 que nos permite inferir que so estes o tragos que 0 autor considera mais relevantes (embora no trabalho refetido 86 surja efetivamente a men\ io de tragos sintaticos a partir da sua «fase moderna», cf. quadro-sintese). J4 Maia (1995: 23) inclui nos seus «para. metros essenciais do portugués arcaico» apenas aspetos fonéticos e mor. folégicos, justificando a exclusto de tragos sintéticos da sua propost com a «escassissima tradigdo da Sintaxe histérica na linguistica portugue- sa», $6 ultrapassdvel, em seu entender, por uma maior exaustividade e sis- tematicidade na recolha dos dados. Mas Martins (2002: 261) reage a este posicionamento, por considerar que ele impée a sintaxe hist6rica exigén- cias que nfo coloca a estudos de dados linguisticos de outros niveis, Este tipo de discussio, como brevemente pretendi ilustrar, tem a vantagem de confrontar perspetivas diferentes, decorrentes de diferentes opgdes tedricas ¢ metodolégicas. Os dados linguisticos, e muito em patti cular os dados do passado, que nao sao diretamente acessiveis, so sem pre, num certo sentido, ‘reconstruidos’ pelo investigador. Nao ha descri- ges neutras, mas sim interpretago(6es) dos dados, cuja recolha ¢ selegio implica ainda um trabalho prévio de critica e andlise das fontes (que resringem a registos escrtos, exceto para periodos recentes). Os aspetos oe metodoligiens condicionam-se _mutuamente © enquail ‘nhsrinentoalgurde,Soetade noe ea res wen dos, por sua vez com ae Eee = mente Gece em abordagens metodoldgica & teorical _Note-se ainda a este teéricos difer diferenciadar clio», A exigéncia tomar-se- Propésito que estudos enquadrados por av Tentes tenderd ibuir di anc int ‘detio a atribuir diferente relevancia ou 2 iMl@PE mente aspetos relativos & tinoloci tas. FY es lativos & tipologia das fontes esc" is Propriamente textual Berais) prende-se nfo s6 com aspetos 4 ee, diferenciagdo de gen a ope, por exemplo, literario / nao lie”, s rOS textual pee st0S Vos & transmisséj ais, etc.), mas também com asp. yer" ° textual (que opie, Por exemplo, original, opi Scanned with CamScanner Tépicos de Hists storia da Lin, Bua Portuguesa m1 sao), aspetos relacionados mas que A forma como o linguista interpreta a Sobrepdem necessariamente, cionard os resultados do estudo. Assim, ascinal snes stiamente condi- cias na apreciagao da adequagio de diferentes ee moet Aivergén- estudo de diferentes niveis de andlise linguistica eens eo PAE © see que alguns autores tém defendido que os tonne one cer Feira gnenos em principio, (relativamente) menos adequados sense Polo ficos, dado 0 seu cardter «formulan> (Mattos'e Silty worse int encontramos a posi¢io oposta em Martins (1994: 10), ne a 23), mas ‘eristalizagdo” sintéctica destes textos & apenas aparentey, Em suma, sera sempre de ter em conta que mesmo um trabalho assente numa metodologia (ideal) com exploragdo exaustiva e sistemitica da documentagao remanescente, nao deve deixar de reconhecer que sobre 0 passado da lingua se constroem interpretagGes (teérica e metodologicamen- te condicionadas), com base em dados incompletamente transmitidos por fontes, cuja leitura também, de resto, interpretativa, se pensarmos que esses registos so explorados a partir de edigdes realizadas com diferentes crtérios’. Mas mesmo um eventual corpus ‘total’ ¢ apenas um corpus da documentagao remanescente, constituido por apenas uma parte (cuja pro- porgio desconhecemos) da documentagao produzida num dado periodo. Além disso, nao permite, como é 6ébvio, aceder ao juizo dos falantes, nem recuperar dados ‘negativos’, ou seja, informagao ‘minimamente segura sobre formas ou estruturas que (j4/ ainda) nfo ocorrem numa dada época, informagao preciosa para a construgdo de uma periodizagao. Com a cons- ciéncia de todas estas limitagdes, compete aos estudiosos da area perseguir ctitérios rigorosos, adequados aos objetivos dos seus estudos. 5.3. Abrangéncia dos cortes periodolégicos pongtie g tele tcgatia da le Quando se comparam propostas de periodizacao da ae is ae pe Portuguesa (cf. quadro-sintese & também, por exemplo, cia 61), pode observar-se uma tendéncia, em propostas mais recentes, tag i is limitado. Mesmo Pare Gl i ito cronolégico mals Jimi i ae periodos de ambito 1 es in coma res que adotam uma periodizagéo mals St ee ebedhating a * Sobre « : sie fontes escritas’ do portugués antigo, v- Castro aug’? relacionadas com a edigdo de textos © V. Brocardo & Emiliano (2002). (2006: 78-94) ‘mo fontes para estudos lin- Scanned with CamScanner Maria Teres? Brocardo 112 ; visoes dos periods mais amplos (Mat. {oj referido, Por conde mbar isto possa sugerir alguma hierar. tos ¢ Silva ve pe riodolégicos considerados. Esta tendéncia de quizagao dos co) rece natural em face do desenvolvimento dos estudos ‘esteitamento 7 loragio de mais fontes, recolha de mais dados ¢ elabo. irea, CO! go de mais descrigdes © propostas de explicagdo em fungao de novos ragdo teorias. ' ae Lecpapera ‘em estudos de diferentes orientagdes que tém vindo a ser eee itido caraterizar de forma mais claramente contras- Caen uae so disso exemplo trabalhos sobre 0 portu- een (por exemplo, Cardeira 2005), antes englobado num periodo ercaico nas propostas mais ‘tradicionais” (cf. quadro-sintese). Refira-se a este propdsito, como exemplo, o estudo de Martins (1994) sobre as altera- ges na posi¢o dos pronomes pessoais atonos (cliticos), no qual sao identi- ficadas varias fases desta (complexa) mudanga, localizaveis em diferentes periodos da historia do portugués. A propria autora assinala, em trabalho posterior especificamente sobre periodizagao: «O interesse de olhar para a histéria da colocagao dos cliticos tendo como cenario a periodizagio da his- toria da lingua portuguesa reside no facto de cada um dos periodos ou fases identificados (...) poder ser contrastivamente caracterizado em fungio da sintaxe dos cliticos.» (Martins 2002: 268). Uma proposta alternativa a periodizacao ‘tradicional’ (aqui em sen- tido muito lato, e cuja utilidade o autor, de resto, reconhece) surge em Castro (2006: 74-78), que sugere «a histéria da lingua portuguesa como Tepartida em duas grandes unidades ciclicas, reflectindo a historia da Soi territ6rio, a formagao do estado e os grandes movimentos da mie ie ay O primeiro ciclo € o da «formagao da lingua» entre 0S mesos deatic © segundo é o da sua «expansio», cujo término fica poveis mui, uma vez que, nas palavras do autor, «... dificilment® a situagdo actual da lingua portuguesa como perten cendo ainda ao ciclo d; ir la Expat ibid.: i xe fa, uma inversao na tindencig aie Sei ae a al $8 da historia da lingua antes notada de estreitamento da period Progressivamente mais delhi de uma carateriznt 4 a Propriamente {i © seu percurso diacrénico nO que i nder, no como uma ‘nova’ inguisticos. Mas talvez se deva # uma alternativa 4 prop Tova’ Proposta de periodizagaio, mas sim com Com 0s cittios (generis °° & Periodizactio nos moldes ¢ 4° acord? ‘ma proposta de certo ae entendidos) tradicionais na disciplin®. entemente focalizada Ae Complementar, que nos dé uma vis#® ’ ile Ne iene i Percurso histérico da lingua. O inicio do P™ ne al Scanned with CamScanner Téplcos de Historia da Lingua Portugues: yuesn 113 ‘ciclo’ de Castro remete para o marco ¢ ” . onalmente 0 inicio do perioco ‘protechstorca™ {is asinala tad assim uma resposta de tipo diferente a pergunta \inands one e dé ria da lingua?” (v. 5.1.). Esse marco remete para uma ie histé- eda de -n- ¢ -/-, intervocali : a mudanga linguisti- ca 0.4 cos, que «talvez tenha sido o acto de nascimento da nossa lingua» (Castro 2006: 75), Outra diferenga evid esta proposta é a atribuigo de um sentido diverso ao termo “forma aa G0", frequentemente usado, para o portugués ¢ no contexto rominico, como equivalente de ‘diferenciagio” (do latim ¢ das outras linguas roménicas ~ of 1.1), mas que aqui adquire uma outra acegao, A delimitagiio de dois periodos diferenciados — portugués antigo e portugués médio — é a que se adota neste manual, Em alguns trabalhos 0 segundo destes periodos foi caraterizado como ‘de transi¢ao’ (por exem- plo, Castro 1991: 243, Maia 1995: 30), caraterizagdo discutida em Bro- cardo (1999), vindo posteriormente Cardeira (2005: 292) defender que o portugués médio corresponderia antes a um «periodo critico» (v. Castro 2006: 149-150, que contrasta estas duas caraterizagdes). Independentemente deste tipo de consideragdes, tenho argumentado em trabalhos anteriores (Brocardo 1999, 2002, 2006a) que o periodo médio deve ser entendido como um periodo ‘de pleno direito’, ndo como mera subdivisio de um perfodo mais abrangente. A argumentagao centra-se exclusivamente em aspetos linguisticos, procurando mostrar que 0 periodo em causa se carateriza, contrastivamente em relagdo ao anterior, por tragos bem diferenciados, em consequéncia de mudangas (concluidas ou em expans&o) que alteraram de forma profunda a lingua, em varios niveis. Nos Pontos seguintes so apresentadas algumas das mudangas em causa, que S¢ apresentam, portanto, como diferenciadoras do portugués antigo e médio. 6. Algumas mudangas diferenciadoras 6.1. -udo>—ido em formas de participio passado® s de participio passado de ver- A termina gio em -udo/a(s) de forma: a o da segunda conjugagao) é um s de vogal temética e (VTe, ou verbos See a haat Ret rn a alguns aspetos de trabalhos anteriores que abordam esta mudanga ° 2002, 2006a, 2007). Scanned with CamScanner Maria Teres® Brocardo 114 apontado como carateristico do portugués ang, quentemente Ocorte em textos ss, los Imente dos a0: e mais fret ente ¢ sta terminagao V. 2.3.1.) A term. sendo esta 2 terminagao qu‘ ji 1 e XIV (sobre @ origem de séculos XII oa ; : nagdo que Corre em textos do sécu’o XV para as me: inal djetivalizagdes) € j4 em muito nagi@;ndo nominalizagdes © a aon oe) ‘Vejam-se 0S exemplos a seguir, referentes a testemunhos de finais do século XIV € finais do século XV: cores a qué te praz maténos @ estas forcas (12) Senor piadoso qve 2 i seera espargudo e nomeado antre que nos deste. ca oie o teu nome todas as gentes do miido. (13) Estando & esto ueerdlhi meseieiros que aboemar Rei de tunice e da berberia Ihi filhara uilhas ¢ castellos e que profacaua del porque fora uésudo de ta poucos cristaaos. (14) Eos outros de que aqui nd falasem ficari reprehendudos (Livro de Linhagens do Conde D- Pedro, finais do séc. XIV) (15) Ca os mouros, tam sétidos do primeiro dano, néo somemte sobre os corpos vivos, mas aymda frios da naturall quemtura, avid por vimgamga de os ferir, quamto mais quando viam tamto numero damigos e paremtes espargides por aquelle campo. (16) E foy este comde dom Pedro 0 primeiro capitaio que ficou em Cepta (...) duramdo em sua governamga & senhorio XXII annos ¢ pouco mais de hii mes, avemdo muitas pellejas com hos mous e semdo duas vezes gercado per maar e per terra, vemgemdo sem nunca ser vemgido. (17) Nom pode ertamemte 0 muy nobre comde dom Pedro de Meneses com rrazdo ser rreprendido em nenhii de seus autos cavalleirosos: het pode bem rrespomder que, quamto as se he ral pores mais proveitoso ser esta ¢idade mamtheuda que nio. Laaae no de (18), neste texto aparecem apenas as forms om -u- descreudos € t/theudo/s] te ad ets eee net Sa i. i fi Sto. celeate coincidentes os dados apontados pelos estudio” ie cone ea ee em gramaticas histéricas, manuais ¢ oul a § 159), Piel sage ee Nunes (1975%; 316-317), Williams Me 32-33; 67), Mais Close, ogee Camara Jr. (1975: 159), Tesi Gi , Maia (1986: 749-750), Cardeira (2005: 203-219) ase a eontraster considerando 4 ‘uma cronologia lata, pode afirmar-se que 0 con Scanned with CamScanner vy Tépicos de Histéria da Lingua Portuguesa 115 \s terminagdes de participio passado dos verbos de VTe se situa rtugués antigo (séculos XIII e XIV) e o portugués médio (sécu- 10 XV), sendo este um trago unanimemente apontado, naturalmente entre Jefos, como relovante para marcar a distingdo destes dois periodos orescente-se apenas que as terminagdes participiais com ~u~ se conser- varam, nO contexto romanico, nas fases mais antigas do portugués e tam- do castelhano, mas neste Ultimo caso perderam-se mais cedo, Gveram continuidade noutras éreas da Romania (of.23.1.) idanca (simplificadamente) ~udo > —ido em formas participiais VTe tem particular relevancia na morfologia verbal da lin- la incide na realizado da vogal que ocorre no contexto as terminagdes ~ado para os verbos de VTa e ~ido que identifica, portanto, um dado paradigma em disso, é uma mudanga geral, isto é, afe- ta, todas as formas participiais e também os nomes ¢ adjetivos sobre elas formados, encontrando-se vestigios das antigas formas, muito pontual- mente, em formas nominalizadas, como contetido. Nesta palavra, portan- to, observa-se que a mudanga teve como consequéncia uma cis&o, con- servando a forma nominalizada a antiga terminago e adquirindo a forma verbal a nova terminagdio em —ido, mas é caso excecional. A mudanga em causa € referida por alguns autores (Williams 1975°: § 159, Nunes 1975°: 317, entre outros) simplesmente como uma “substi- tuisdo* (de uma por outra das terminagOes), noutros casos explicita-se que amudanga é devida a ‘analogia’ (por exemplo, Teyssier 1982: 67 ou Piel 1989%a:-237), A caraterizagéo de uma dadi ean ‘a sua motivagao pela influéncia de outras formas / estru ingua que funcionam como modelo e em fun¢o das quais ocorre a alte- modo essa influéncia se mae Mas sera necessdrio considerar de que ae Partindo da distingao de dois grandes tipos de mudangas analé- a nivelagao (ou uniformizagao), que decorre da relagio entre for- iy um mesmo paradigma e que tende a eliminar alternancias morfo- 'gicas dentro desse mesmo paradigma; @ extensdo (ou analogia rcional), que determina a extensdo de padroes de relagio morfolé- (cf., por exemplo, McMahon de procurar determinar se a utras formas dos mesmos respeita as entte 0 PO enquanto Amu dos verbos de . Note-se que €! de vogal tematica — cf. os verbos de VTi — termos de classe flexional. Além la mudanga como analdgica turas da fono Prop Bi ea a 1994. Ha que antes os néo seguiam Mdenga 2 Ou seja, neste caso teremos x udo > —ido decorre da relagéo com 0" , fo da mesma classe flexional (os verbos de VTe), ou da relagéo com snte os verbos de VTi, cuja a Suttos verbos, neste caso obviame! : j “amos ad (ra jé) em ido, Se procurarmos descrigoes anteriores, veri- maioria dos autores (como Williams e Nunes ibid.) apon- Scanned with CamScanner 116 Maria Teresa Brocardo tam para extensiio analdgica (segundo eles a terminacao dopa ici passado dos verbos da terceira conjugarao ter-se-ia estendido aos Vetbo, Passage ada) e apenas Piel (1989: 237-238) apontaimplicitamens ee ‘um processo de nivelagdo: «O progressive desaparecimento de ~y¢ : tm proveito de ~ido deve-se (...) a facto de a maioria dos verbos carate rizados antigamente por aquela desinéncia terem um pretérito em; vogal que penetrou analogicamente no participio.». aH Neste caso em particular podera até admitir-se que tenham conty, bufdo para a mudanga fatores quer de ordem interparadigmatica (extensag da terminagio dos verbos de VTi), quer de ordem intraparadignatica (nivelagdo em fungao do —i— de outras formas dos verbos de VTe), 9 argumento para defender esta hipotese relaciona-se com 0 facto de a nudanga ter abrangido 0 total das formas ‘candidatas” ~ as formas de par- ticipio pasado dos verbos VTe — quando as mudangas analdgicas sio, mais tipicamente, irregulares, ou seja, nao afetam todas as formas coma mesma estrutura’. A coexisténcia de fatores de ambos 0s tipos pode determinar mudangas analégicas que, como neste caso, incidem na totali- dade do seu dominio potencial de aplicagao (Hock 19917: 179). Seré também oportuno analisar 0 efeito desta mudanga no sistema verbal do portugués. A vogal -1- que ocorria nas formas antigas de part cipio passado nfo tinha correspondéncia, nem nas restantes formas da classe flexional, em que, no mesmo contexto, ocorre ou a VT, ~e~ (temer, temendo...), ow —i- (temi, temia...) nem nas formas correspondentes das restantes classes, em que ocorre a VT respetiva (falado, partido...) Dito de outro modo, as formas em —udo seriam caraterizaveis como irregult res. Uma possivel ‘regularizacao’, efeito geralmente apontado como set do 0 das mudangas de tipo anal6gico, iria no sentido de substiuir » pore a vt identificadora da classe flexional, de acordo com uma generalizarao possivel de que a estrutura da terminagao de particfpio passado ¢ vie = ocorre na primeira e terceira conjugagdes). Nao foi, pore™ esse resultado verificado nas formas de participio passado dos verbos 4 Gi 7 5, ii Capo exam desta irregularidade das mudangas analogicas refirarS° 8 me Bie Amealares (ov fores) que sofreram mudanga, como colheito, substi a sul o i wo fide), tituido por trazido, em contraste com a conservaglo & 8% posst , possfvel, no entanto, qu 4 a ocott embora muito esporadioa nen en analoaicas com e tenham chegado 8 vet te, em all med de temudo) atestada no Li , em alguns verbos, como na forma feme% steal” tho de fnas do séeule env Li™asens do Conde D. Pedro, eB? ° Scanned with CamScanner Tépicos de Histéria da Lingua Portuguesa n7 pode, ainda assim, considerar-se que houve regularizagao num sentido pis lato, visto que do desaparecimento das formas em ~udo resultou, no contexto geral da flexiio verbal portuguesa, uma redug&o da alterndncia entre formas, quer entre classes flexionais (-ado, -udo, -ido > -ado, Sido) quer dentro da classe flexional em que 2 mudanga se produziu (rea lizagio da VT: 2, i, w > e, i). O efeito da mudanga pode deste modo cara- terizar-se genericamente como reducdo da alomorfia, Uma vez que esta mudanga afetou todas as formas de uma classe flexional, sendo, pois, uma mudanga analogica regular, essa redugdo é significativa, podendo rela- tionar-se com uma tendéncia observada desde o préprio latim para a redugio de classes flexionais verbais resultante da indistingdo de certas formas de diferentes classes (cf. 2.3.1.). Nao havendo em portugués fusdo total, numa unica classe, dos verbos de VTe com os verbos de VTi, 0 resultado mais visivel desta mudanga é a extensao da no alternancia de formas, que j4 ocorria noutros casos (por exemplo femi, temia, parti, par- tia) as formas de particfpio passado. Note-se ainda que, mais ou menos contemporaneamente 4 mudanga —1do > —ido, alguns verbos em portu- gués originalmente da segunda conjugagao (caer, finger, confonder...) mudaram para a terceira (cf., por exemplo, Maia 1986: 726-731), 0 que parece também indiciar que esta ultima classe flexional tendeu a prevale- cer, nalguns casos, como um modelo flexional preferencial. 6.22. Queda de -d- em formas de segunda pessoa do plural _ Outro trago geralmente apontado como diferenciador dos periodos se, © médio da histéria do portugués diz respeito a forma do sufixo ei de segunda pessoa do plural. Nas fontes textuais do 9). Tene? predominam as formas com —d- (-des e —de (no imperati- tage {V8 assim, uma assinalvel uniformidade na realizagio deste Pessoa-ntimero, exceto para o pretérito perfeito, com formas termi eames “Stes, em que 0 -t-, por nfo ser intervocélico, nzo sofreu Veamet"® "8 transigao do latim para o portugués (cf. 2.1.9. ¢ 2.3.2.) © alguns exemplos: (19) yj avs Maturaaes ¢ meus uasalos sabedes bem en como esta terra tog Pathe foy perduda por Rei Rodrigo e ganhada pelos mou- 20), enh aquel 2° douidedes na uerdade. e ainda mais sabede que como el caualei: ualeiro pareceu cd aquela grade asta eno cabego que Scanned with CamScanner 118 Maria Teresa Brocardo estaua acima donde lidauades a uista dos uosos. que logo a esq ora ford uégudos. (21) Senhor esto n6 wos edpre poraue quando a sanha ea yra de deys ué hu lhe praz todolos coselhos ¢ saberes n6 ualé ré. ydeuos a az do cural que eu midei que wos guardasé e per ela chegaredes a aliazira en saluo & partiredes uosa morte. que esta muyto acerca, (Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, finais do séc. XIV) Em fontes relativas a0 periodo médio encontram-se j4 muitas formas sem -—d-, como nos exemplos: (22) End duvideys de vos ser gramdememte gallardoado (23) Paregee que vos n6 sabeys pellejar sendio com hii carevo podre que lleva tres ou quatro mouros. (24) Amigos, minha temgom he que, como ho tempo tornar ao ponen- te, que vos vades sobre o porto de Mallaga, caa, a Dews gragas, hys bem possamtes pera qualquer acaegimemto que vos avenha (25) Senhor, ou he que quereis pellejar 0 estes mouros, ou ndo, ca, se com elles quereis pellejar, despejalhe 0 porto, e pemsaram que Ihe fugis, ¢ tyralloseys ate omde semtyrdes que vos delles podeys aproveitar. (26) se virdes que vem allgia gemte grossa, nd vos ébarates com elles, mas recolheyvos aaquelle cho (Cronica do Conde D. Pedro de Meneses de Gomes Eanes de Zurara, finais do sée. XV) A mudanga responsdvel por este contraste é geralmente descrita como correspondendo a queda do —d- intervocalico, visto que 0 dé mio cai geralmente quando precedido por vibrante — cf, semtyrdes em Be virdes em 26 — e ainda por nasal, por exemplo, fendes. igs nate eon | -de virio a corresponder terminasoes i Bed 8 verbos de VTa e VTe (cf. duvideys, sabeys) €em be e verbos de VTi (cf. fiugis). No tiltimo caso, parece claro que subst armen queda de -d- ocorreu uma crase (contragaio 485 os s mivocalizacao da segunda vogal), ou, alternativane crase seguida de ditongaca ‘3 passa a dtongo), Os tern eg, “Pols de contraidas numa $6 vos#! destas terminacées, pee? do século XV indiciam variagdo n# realiZ » com ditongo ou crase (cf. despejalhe, ebarales) m al Scanned with CamScanner Topleos de Historia da Lingua Portuguesa 7 ‘A queda de -d- tem como consequénci é ia Pall incidéncia de slomoriaiis dit ecne pe conaieteal plural passa a ter realizag0es diferenciadas, com e sem ae nda pessoa do Fico com ditongo ou crase, Trata-se de’ uma consequéncie tink Sitimo mudangas fonolégicas, mas neste caso, como é evident, aa ea também um condicionamento morfolégico, visto que no aetou for oe nfo verbais nem formas verbais participiais. Note-se, porém, que miko % fra de uma mudanga morfolégica em sentido estrto, ou seja, de uma mudanga determinada pelas préprias carateristicas do sistema morfoldgi- ¢o flexional, como motivador da mudanga, como parece ter sido o caso da mudanga descrita em 6.1. De resto, a possibilidade de caraterizar formas excluidas do seu dominio de aplicagao a partir de contextos fonolégicos — formas em que 0 sufixo de pessoa-ntimero € precedido por nasal ou vibrante — aponta também no mesmo sentido. Temos, pois, uma mudanga condicionada fonolégica e morfologicamente?. Resta ainda referir que em outras formas de segunda pessoa do plu- ral, aléin das ja referidas, o -d- nao caiu (ou foi restituido). Estas incluem sades (cf, 24 — presente do conjuntivo do verbo ir, mas neste caso de forma derivada de *VADERE), sede (imperativo de ser) e formas do pre- sente do indicativo e imperativo de verbos, em VTe e VTi, de tema que viria a tornar-se monossilabico (credes, ledes, vedes, rides...) (cf. Wil- liams 1975°: § 155, 4; Said Ali 1964°: § 632). Formas ‘superficialmente’ semelhantes como, por um lado, ledes (com -d- conservado) e dedes > deis, e, por outro, vades (com —d- con- servado) e dades > dais, sugerem um condicionamento complexo, com a concoréncia, possivelmente, de diferentes tipos de fatores. Williams (1975*: § 153, 4) refere que a queda de -d- foi bloqueada pela existéncia de hiato (em portugués antigo) na silaba precedente a ~d-, o que explica- tino contraste entre deis (< dedes) e ledes (< leedes). Jé Piel (1989"a) ‘Dresenta uma explicagao de tipo ‘morfoldgico’, visto que sugere que @ Queda no ocorreu neste tipo de formas pelo risco de «confuusdo» entre as is caleg plural e do singular (argumento s6 rigorosamente vilido para 0s de VTi, como rides > *ris, visto que nos verbos de VTe é de oe 8 Nprgeys WY (1989: 343) (1994: 45) refere esta 5 “fg ot aPaBamento do ~d-», Segundo Maia (1994: 46) «O apagamento de cxide! 8 fendmeno morfologicamente condicionado endo um fenémene eae gg ieo>. Para Cardeira (2005: 175) trata-se de «amudance morfologica- feaimegr ttionaday. Em Castro (2006: 155) refere-se que «Esta sincope nfo é um feral, mas condicionado morfologicamente.» mudanga apenas como «regra de 4 Scanned with CamScanner 120 Maria Teresa Brocardo presumir que, @ terem sofrido queda formas como ledes ou vedes, se teria depois formado um ditongo, como noutros casos, nao havendo portanto colisio homonimica). No caso de vades a explicagio ‘morfolégica’ implicaria uma relagdo entre a segunda pessoa do singular do indicativo (tu vais) © @ segunda do plural do conjuntivo (vds vades > *vais) ~ esta forma, porém, € absolutamente excecional e nao transparente em termos de integragao numa classe flexional, sincronicamente (note-se que a vogal que aparece em superficie é a mesma, para © singular, no indicativo e no conjuntivo e € esta a unica forma do presente do conjuntivo sem queda de —d-), 0 que podera constituir argumento para uma explicagdio diferente da das restantes formas. Na verdade, as formas que mais dificilmente se enquadram em qualquer das propostas de explicagao para a conservagao de -d- pertencem a um mesmo paradigma (ir), mas este é diacronicamen- te hibrido, ou supletivo, incluindo formas de diferentes paradigmas lati- nos (IRE, *VADERE, ESSE), 0 que resulta em forte irregularidade, e pode, portanto, determinar a sua excecionalidade. "Ainda relativamente a esta mudanga, foram ja apontados por varios estudiosos da historia do portugués dados que poderao ajudar a explicar a forma como ela se processou ¢, sobretudo, como se tera expandido. ‘Assim, sabemos, por exemplo, que ha atestagdes de formas que nao viriam a expandir-se, como (dos verbos ir e rir) is (cf. hys em 24), i, ris, por ides, ide e rides (Said Ali 1964°: § 632, Cardeira 2005: 177, 2.8) & também vais alternando com vades. Cf.: (27) ~ Pois — disseram as escuitas — compre que vais trigosamemte, porque a menhi vyra gedo e este feito nd ha mester vagar. G) — E né vades — disse elle — mais lomge que ate as Quimtis (Crénica do Conde D. Pedro de Meneses de Gomes Eanes 4 Zurara, finais do sée. XV) seanie dados permite colocar a hipétese de que @ queda det ee ong malmente mais geral, sendo posteriormente restituidas ee i Testrigdes na difusaio da mudanga. a port tivamente a formas em que o~d- nfo ¢ intervocdlice (portant, © lo dominio de aplicagio da mudanga), Said Ali (1964 * § 633) refe a i a ta tendécia de omit dental (.) no fatto coor a : Padre Anténio Vieira, e concluindo que ere de tex io ~d- neste ti que a « ai iti) Sarat ¢ manutengdo» (ou restitulg de pose dene foMDES Sted devido &necessidade de Stn sea 10 singular no «tratamento cerimonioso”. Scanned with CamScanner Tépicos de Histéria da Lingua Portuguesa 121 Assim, em fungi do que parece estar implicito nas observagdes de piel e de Said Ali, a conservagfio de -d- dever-se-ia essencialmente a araterizdveis como morfoldgicos", que teriam de algum modo io uma mudanga potencialmente (mais) geral da queda da con- formas verbais'!. fatores © restringid soante em 6.3. Convergéncia de —4, 6 (e 40) em ditongo ([éw]) Nos textos relativos ao perfodo antigo da lingua predominam grafias etimolégicas das terminagdes em vogal nasal —d e -< e essa consisténcia nas grafias parece indiciar, por um lado, que se trataria de vogais e, por outro, que elas eram ainda distintas!2, Vejam-se os seguintes exemplos: (28) ou thy mandou el Rey que mesurasse o pan ou a ceuada por as terras en guysa que sse pode uender con rrazb (29) Mays outros criminosus quaes quer que son acusados dalguus maaos feytos e foron uencudos por testigoos ou por confissé que fagan (Flores de Direito, finais do séc. XII) (30) E fezeré sua oragé a uera cruz muyto omildosaméte. (31) Outros tijnh que porque os mouros som grandes estrologos que fazii parec&ga de fantasmas d’omees de caualo. e né er tantos como parecia. (Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, finais do séc. XIV) Contraste-se a situagdo, a este respeito, do portugués atual, em que 20 mesmo contexto — final de palavra — a realizagao é geralmente em en Vis “ig ambos os autores invocam, em dif ugg BU” (ou ‘no confundir’ formas verbais diferentes die ugg Plt, 0 que pode ser caraterizado como um "Bs = entual convergéncia levaria a sincretismo. fas. foi em castelhano efetivamente mais geral (Al ag ls Repres entacio da nasalidade é varidvel (com -m, —n ou sinal de abreviatura sobre # Vogal "xt, couse), aque é frequentemente desenvolvido como til nas edigdes dos nna 97 Pode até estar ausente ou corresponder a duplicagio do grafema vocélico), i essa é geralmente COnsi; Coereng SistEncia que aqui i ia que aqui importa é a da vogal que aparece, ©om a etimologia, porta é a gal que ap: srentes formulagdes, a necessidade de , segunda pessoa do sin- {ator morfol6gico, visto Ivar & Pottier 193°: Scanned with CamScanner i Brocardo 122 Maria Teresa ditongo (com poucas excegdes que adiante serio referidas). Assim, em casos em que temos atualmente uma terminagao uniformemente realizada como [éw], em portugués antigo ocorreriam terminagGes distintas, em fungao da etimologia, esquematicamente: a<- em formas nominais (cf. pan); ~AN(T) em formas ver- vais eessts ser no presente do indicativo e perfeito) (cf. facan, tijnha, fazia, era, pareci@); ~6 < -ON(E) em formas nominais (cf. rraz6, confissd, oracd) ou outras formas derivadas de formas latinas terminadas em vogal se- guida de nasal (cf. nd < NON); -UN(T) nas formas verbais de perfei- fo (ct foron, fezer®) € nas formas do presente de ser (cf. son/m). Em portugués antigo era também diferenciada destas a terminago de formas derivadas de -ANU(), que corresponderia a uma realizagao com hiato /ao/ (cf. o que se diz em 4, sobre 0 processo de nasalizago, a pro- pésito da queda de -n— intervocdlico), sendo também as grafias dos tex- tos deste periodo consistentes na sua representagdo: (32) E quando quiser espedirse del beygelhy a mao (Foro Real, finais do séc. XIII) (33) De ioh& afomso pimétel yrmao de Rodrigo afomso suso dito de padre e de madre. (Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, finais do sée. XIV) Desde 0 século XIV (embora exemplos esporddicos anteriors tenham sido assinalados por varios autores), mas com expresso sobretu do nas fontes do século seguinte, as grafias que ocorrem nos textos indir ciam uma indistingao destas formas. Cf: 34) Exrom per sobejo sentido contra Deos, quando per sah ael renegom ou mal falom, di : , dizendo ee ar ols cous arctan er eere tr 25 ee Conselheiro de Dom Duarte, c. 1435-1438) Sn eee que hordenario mamdou 0 comée na linn a fuses por hos homés é ellas, o qual, amdam via, sidade pera descobrir allgiis mouros, se bos Hi Oy. sayram a elle hii k a rio de ho seguyr, soma delles que jaziam escomdidos ¢ °° Scanned with CamScanner yr Tépicos de Histéria da Lingua Portuguesa 123 (46) Diogo Vazquez hera homé bem destronaquell secli o coragam pera fizer,quallqver csiuea ratathoea, ee (Crénica do Conde D. Pedro de Meneses de Gomes Eanes d Zurara, finais do séc. XV) es de Como exemplificado, encontram-se muitas grafias nao etimolégicas (ou ‘trocas gréficas", como por vezes so referidas na bibliografia, cf. errom, renegom, falom, sayram, coragam) e, sobretudo em textos mais tnrdios, grafias ‘fonéticas’ (ou seja para terminagdes originalmente tm vogal, cf, hordenardo, comecario). Estes tipos de grafias tém sido interpretados como atestacdo da mudanga que culminaré na convergéncia na realizagéo em ditongo nasal das antigas terminagdes em vogal (-a, -6) eem hiato (-do). O processo foi descrito por diferentes autores, em mui- tos estudos mais ou menos detalhados, de formas diferentes, oscilando entre uma interpretagdo analdgica (cf. Williams 1975?: § 157) e fonolégi- ca (ef, Sampson 1999: 195-196)". Note-se apenas que a mudanga que eavolve /do/ > [Bw] se enquadra num processo mais geral de desapareci- mento de hiatos do portugués antigo que passaram a ditongos, incluindo ditongos nao nasais (cf., por exemplo, Teyssier 1982: 43-44, Castro 2006: 158-161). A ditongagdo de /A/ e /6/ em posigao final sera paralela a de /€/ > [gj] (Sampson 1999: 195) no mesmo contexto (em, por exemplo, bem), mas nestes casos as grafias dos textos nao atestam a mudanga. Quanto @ convergéncia que aqui nos ocupa, refere Sampson (ibid.) que «The details and [-do] of thirteenth cen- of the merger of the final vowels [-a], [-3], ty Portuguese a [-Ev] and the precise factors which it brought are still Uncertain and hence controversial.». on notar a este propésito dois aspetos. Em primeiro lugar, @ rele igacdio de a4 e —6 ocorre apenas em final de palavra, como referido, final fe as realizagdes uniformes em portugués antigo em posigao nl fing Pot exemplo red{ od / rae[0), gr(tlde / pla), passa ase Heyy," Partit do portugués médio (red[o|do / raz[éw], gr{aide ay M&S esta € apenas a consequéncia fonolégica da mudanga em ci mibém consequéncias morfol6gicas. Visto av © mudanga foi ngida em fungdo do contexto final de palavra, ela afetou Po a te on, Mas we Cea Se também, entre muitos outos, os trabalhos de Martins (199°) © tes, “2 2005; : 113-174), com referéncias e sinteses de outros estudos ¢ Propos- enas Tes A Scanned with CamScanner Maria Teresa Brocardo 14 iu, em principio, em todo 0 tipo de formas nas e incidi ole e ft 5 > ndo), com consequencias em aspein. jlabas tonicas € @ ominais ¢ verbais (¢ também 1 da flexao aes de nimero dos nomes cujas terminagdes em ¢ g Assim, na flexfo Ot Thana haver uma maior assimetia na relagsy ji i pla ‘com alomorfia do constituinte morfoldgicg que entre no e e cel (radical ou tema)! ~ por exemplo, pai / paes oe o ee / razées > razdo | raz6es. Juntando a estas as formas pee enimeate terminadas em —do, a uniformizagao da terminagao do sin. a vem, pois, ter como resultado um aspeto da flexdio nominal de nimero que é interpretado como um acréscimo de irregularidade, no sen. tido em que o plural nao é sincronicamente previsivel a partir do singular, ‘A mudanga terd também consequéncias na flexao verbal, visto que tomar indistintas as terminagdes da terceira pessoa do plural do pretérito mais-que-perfeito simples, originalmente em —d, e as do pretérito perfei- to, originalmente em -3. Este é um tipo de consequéncia que corresponde a sincretismo (convergéncia de formas gramaticalmente distintas) ¢ que podera neste caso ter tido consequéncias na interpretabilidade das formas de mais-que-perfeito simples, aspeto que sera retomado na parte C (10.) a propésito deste tempo verbal. Resta referir as palavras que persistem em portugués com —d ou -6, que escaparam, portanto, 4 mudanga. Elas correspondem nuns casos @ formas originalmente com hiato (por exemplo, 1 < laa, bd < bGo), facto que é invocado para explicar a sua nfio ditongagao (Sampson 1999: 190). ‘Noutros casos trata-se de formas usadas procliticamente (cd e 40), pelo que poderd a nasal ter funcionado, para efeitos da aplicagao da mudanga, como ocorrendo em contexto nao final, em termos fonoldgicos. 6 sofrem di 14 Na verdade, ha di vergénei ba Por exemplo, Mateus (206 ™ anilise morfolégica sincrénica destas formes a ase para palavras com difeee oo &M Ae Se propdem diferentes «FOAM les © razdo | razses tern ceteMeS plurais, Nesta analise, formas do tipo indice temic, enquse, “tentes vogaisfinais do radical ~ [Pl © [0] — © yo ! (au ena em cont {OMS Sem alterndnia (irmao) te indice Vila 2003939) =n 20% & andliseproposia nouzo capil #2 as Palavras so consideradas atemiticas) Scanned with CamScanner

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