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A Semântica e a Classificação Decimal Universal

Abigail de Oliveira Carvalho


Universidade Federal de Minas Gerais

Maria Beatriz Pontes de Carvalho


Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação

RESUMO

A Semântica atingiu um estágio de desenvolvimento o presente estudo, isto é, ela adquiriu um status
que exige uma classificação bibliográfica adequada que está exigindo uma classificação correta para os
para os documentos a ela dedicados. Diversos inúmeros documentos a ela dedicados e que merecem ser
conceitos são apresentados para deles extrair-se tratados adequadamente, seja de forma tradicional
termos que poderiam constar em tal classificação. nas bibliotecas, seja em processos automáticos
Uma. análise dos termos referentes à Semântica na sofisticados.
Edição Desenvolvida da Classe 8 da CDU em Tendo sido publicada, neste ano de 1975, a Edição
português mostra diversos equívocos. Pode-se Desenvolvida em Língua Portuguesa da Classificação
afirmar que a CDU não acompanhou o desenvolvimento Decimal Universal (CDU) referente à Classe
das pesquisas linguísticas. 8-Filologia e Literatura, atualizada até 1973 (9:3)* ,
e considerando que a Federação Internacional de
1. INTRODUÇÃO Documentação (FID) está desenvolvendo um intenso
programa de modernização da CDU, parece justificável
O desenvolvimento de pesquisas na automação da a presente tentativa de examinar a posição da
informação documentária tem levado os cientistas da Semântica nesta classificação. Pretende-se mostrar
informação a aproximar-se dos estudos linguísticos, que a atual edição desenvolvida não reflete o
e particularmente, semânticos, como consequência estágio em que se encontra a Semântica como um campo
da necessidade de se analisar o conteúdo de textos do conhecimento humano, bem como sugerir alguns
para deles se extrair elementos que permitam sua elementos que deveriam nela constar. Entretanto,
eficaz recuperação. deve-se ter sempre em mente que uma classificação
Além disso, os estudos semânticos, por si só, têm perfeita de qualquer área do conhecimento jamais será
uma importância óbvia, pois os significados das possível, devido à crescente interdisciplinaridade
palavras são vitais para o processo da comunicação das ciências e às divergências teóricas existentes
humana: é através deles que o homem entende e é no interior delas.
entendido. Essa importância se reflete na maneira Estas dificuldades para a elaboração de um sistema
como os estudos semânticos se insinuam em quase todas de classificação se acentuam quando a ciência a ser
as áreas da Linguística, chegando até a ultrapassá-la focalizada é relativamente nova, como é o caso da
. para interessar a Psicologia, a Sociologia, a linguística, que começou a desenvolver-se
Lógica. praticamente a partir do século XK. Neste caso, as
O desenvolvimento da Semântica, como sói acontecer teorias, os conceitos, as leis.e os métodos da nova
em todas as ciências, tem provocado um aumento no ciência ainda não foram amadurecidos, e qualquer
número de documentos que dela tratam; verifica-se classificação permanecerá provisória até que pelo
então a necessidade de sua situação adequada no menos suas bases tenham sido definidas, a partir
universo do conhecimento em termos de organização de
documentos para seu registro e recuperação, isto é,
em termos de classificação bibliográfica.
* O primeiro número remete à referência correspondente na
Estas são as razões pelas quais, dentre as diversas Bibliografia; o segundo indica a(s) página(s) do documento
áreas da Linguística, a Semântica foi escolhida para onde se encontra a citação.

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das quais haverá desenvolvimentos e modificações a) problemas psicológicos


nascidos de novas descobertas. São os problemas estudados pela Psicologia, e que
Para atingir o propósito deste estudo, considerou-se tentam solucionar questões do tipo:
indispensável apresentar uma série de conceitos,
ideias, correntes, etc., que visam a: a) justificar — por que e como nos comunicamos?
a importância da Semântica dentro dos estudos — o que ocorre em nossa mente e na mente de nosso
linguísticos como merecedora de uma classificação interlocutor quando nos comunicamos?
adequada; b) mostrar o estágio alcançado pelas — qual é o mecanismo psíquico nessa operação de
pesquisas semânticas até nossos dias, com o mesmo comunicação? etc.
fito; c) servir, de suporte à afirmativa de que a
Classe 8 da CDU não satisfaz a necessidade de b) problemas lógicos
classificar os documentos existentes dedicados à São os problemas estudados pela Lógica, e que tentam
Semântica; d) descrever as inúmeras divergências nas solucionar questões do tipo:
teorias semânticas, tanto conceituais como
terminológicas, que levam à dificuldade de elaboração — quais são as relações do signo com a realidade?
de uma classificação que satisfaça as diversas — em que condições um signo é aplicável a um objeto
correntes linguísticas; e e) extrair das teorias ou a uma situação que ele tem a função de
semânticas aqueles elementos que se revelam significar?
constantes e que, portanto, deveriam ser considerados — quais são as regras que garantem uma verdadeira
na elaboração de uma classificação relativamente significação?
satisfatória.
Assim, o conteúdo deste estudo está dividido em duas c) problemas linguísticos
partes; a primeira é dedicada a discussões sobre São os problemas estudados pela Linguística, e que
as teorias semânticas, e é apresentada de forma tentam solucionar questões do tipo:
extensa, uma vez que estamos nos dirigindo mais a
especialistas da área da Ciência da Informação do — que é uma palavra?
que a linguistas; a segunda consiste em uma crítica — quais são as relações entre a forma e a
à atual Classe 8 da CDU, para a qual foi tomada como significação de uma palavra?
— quais as relações entre as palavras? etc.
fonte terminológica o Dictionnaire de Linguistique
Larousse (7). Ambas levam a sugestões quanto a termos Estes três tipos de problemas deram origem a três
que devem constar numa classificação para garantir tipos de Semântica:
à Semântica o lugar que, a nosso ver, lhe é devido.
a) Semântica geral — que é uma psico-sociologia
do signo;
b) Semântica filosófica — que faz parte da lógica
2. CONCEITUAÇÃO DE SEMÂNTICA
simbólica;
c) Semântica linguística — que é a semântica por
A palavra Semântica, de origem grega, é cognata do
excelência, estudando as palavras no interior
verbo "semáino" (sinalizar) e dos nomes "séma" e
das línguas humanas.
"seméion" (sinal). Foi criada por Michel Bréal
(Essai de sémantique, science dês significations, Estes três aspectos da Semântica são estreitamente
Paris, 1904), a partir de "Semantiké têchné", interdependentes, superpondo-se incessantemente.
ciência das significações. Ora, sendo a língua um meio de comunicação, um
No século XIX, os estudos sobre as significações das instrumento que serve para transmitir ideias, seu
palavras chamavam-se semasiologia. Ao substituir interesse linguístico diz respeito a três elementos
esta palavra por semântica, Bréal renovou e — sons, palavras e construções sintáíicas — que se
enriqueceu seu conceito, pois propôs que esses definem através de sua forma e de sua função.
estudos constituíssem uma ciência, cujo objeto seria A Semântica estuda a função das palavras, isto é, a
o estudo da significação das palavras, as mudanças de transmitir um sentido, o que, mais uma vez, a
destas significações e suas causas, e o toma uma parte da Linguística, que estuda todos os
estabelecimento das leis que presidem as signos verbais (16:5-8).
transformações das significações. Sendo a palavra um signo verbal, a Semântica tem uma
A partir daí, torna-se semântico tudo o que se refere relação indireta com o signo, e portanto com a
à significação de um signo de comunicação, o que Semiologia e Semiótica (ver seção 3.1 — Conceitos
acarreta a existência de três categorias principais relacionados com a Semântica). Aliás, Mounin, desde
de problemas semânticos: o início, acha indispensável bem estabelecer as

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diferenças entre Semântica, Semiologia e Semiótica por Cabral (2:155), diz que há um estudo sincrônico
(23:151; 24:10). e um estudo diacrônico do significado. Ora, ao
A Semântica pode ser considerada o que Greimas chamou estudar as mudanças e a evolução da significação das
de "parente pobre" da Linguística por diversos palavras no tempo, o problema não é mais "o que
motivos. Em primeiro lugar, ela apareceu muito significa a palavra e qual é a sua função", mas
tardiamente como tal (Bréal, 1904), tendo sido "como ela foi criada e o que lhe aconteceu em
precedida pela Fonética e pela Gramática no quadro seguida". Trata-se então de um problema etimológico
do desenvolvimento da Linguística histórica. Em e não mais semântico (15:135). Assim, a Semântica
segundo lugar, a dificuldade em especificar as moderna é essencialmente sincrônica, e não lhe
unidades constitutivas de seu objeto no meio de uma interessa qual significação uma palavra tinha num
grande profusão terminológica (sememas, semantemas, dado momento histórico.
etc.) levou-a a ser considerada apenas como uma
disciplina em busca de si mesma (13:6-7). 3. CONCEITOS BÁSICOS
Em terceiro lugar, havia uma certa dificuldade em
dar à Semântica um aspecto puramente linguístico, A terminologia em Linguística é rica — há cada vez
uma vez que é através da função semântica que a maior número de termos, e é confusa — os conteúdos
língua se relaciona com as outras atividades do significativos variam de um linguista para outro.
homem, e os problemas de significação na comunicação Não há uniformidade ou coerência no uso dos termos.
humana estavam voltados para a psicologia e para a As conclusões apresentadas ao final deste estudo
filosofia (2:156). partiram da conceituação de termos relacionados
Os métodos linguísticos anteriores não tomaram em proximamente com Semântica e de termos que são
consideração o significado das palavras, tratados como elementos básicos para a compreensão
principalmente quando Bloomfield (1933) afirmou que de Semântica como campo de conhecimento. O que se
a descrição linguística deveria ser feita a partir chamou de elementos de estudos semânticos são os
das formas e não dos significados. termos mais significativos, as palavras-chave mais
Entretanto, com o tempo, verificou-se a necessidade encontradas nos documentos sobre Semântica.
de formalizar componentes semânticos para se O levantamento das definições baseou-se em
explicar a habilidade do indivíduo falante em bibliografia expressiva, tanto clássica como atual;
interpretar a significação das orações gramaticais algumas das divergências entre os autores são
da língua. indicadas.
Portanto, até muito recentemente (1965), a Semântica
não era considerada uma parte sistemática da 3.1 Conceitos relacionados com a Semântica
Linguística. Em 1964, foi feita a primeira tentativa
para isto, quando Katz e Fodor afirmaram que os Desde Saussure, a Linguística define a LÍNGUA como
processos sintáticos da gramática gerativa de um sistema de signos, uma estrutura. Estuda-se a
Chomsky poderiam fornecer a base para um componente estrutura a partir de um corpus; esse estudo leva a
semântico, que não só atribuiria uma interpretação uma classificação, a uma taxionomia, aos elementos
semântica a cada sentença mas ainda marcaria as do sistema.
cadeias que não pudessem ser lidas, considerando-as Saussure distingue LÍNGUA e FALA. Considera a língua
semanticamente anómalas. como um sistema de relações ou como um conjunto de
Em 1965, Chomsky passou a incluir a semântica nos sistemas ligados uns aos outros, cujos elementos
estudos linguísticos, mostrando que o componente (sons, palavras) não têm nenhum valor
estrutura da frase pode ser simplificado ao se independentemente das relações de equivalência e de
adotar uma análise fonológica e semântica. Portanto, oposição que os ligam. Cada língua apresenta esse
a teoria semântica deve dar conta das regras gerais sistema gramatical implícito comum ao conjunto dos
que condicionam a interpretação semântica dos locutores. Esse sistema é chamado por Saussure,
enunciados. língua, enquanto o que provém das variações
A partir daí, a Semântica constitui-se, individuais, é a fala.
definitivamente, como um campo de estudos dentro da A língua não se confunde com a linguagem: é uma parte
Linguistica, com funções, inclusive, muito mais determinada e essencial da linguagem. A LINGUAGEM,
amplas do que as contidas no conceito de Bréal, propriedade comum a todos os homens, compõe-se de'
mencionado acima (21:158). língua e fala. LÍNGUA é linguagem menos fala. É
Resta, ainda, considerar um aspecto que está ligado autónoma. "É ao mesmo tempo um produto social da
ao conceito de Bréal, que inclui mudanças no sentido faculdade da linguagem e um conjunto de convenções
das palavras e suas causas. Adolf Noreen, citado necessárias adotadas pelo corpo social para permitir

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o exercício dessa faculdade entre os indivíduos" geral da Semiologia.


(24:25). A FALA é o componente individual da Saussure conclui (27:35): "Se se quer descobrir a
linguagem, como um ato de vontade e de inteligência verdadeira natureza da língua é necessário toma-la
(27:30). Partindo da fala, da atualização concreta primeiro no que ela tem de comum com todos os outros
e particular, caminha o linguista para a língua, sistemas da mesma ordem; e fatores linguísticos que
o sistema abstraio e coletivo. aparecem como muito importantes à primeira vista
Lourenço de Oliveira inverte a ordem do binómio (por exemplo, o funcionamento do aparelho vocal) não
saussuriano em "fala língua" — ordem indicadora devem ser considerados em segundo plano se só servem
do valor secundário e instrumental da língua — e para distinguir a língua dos outros sistemas. Com
assim redefine esses termos: "Linguagem é a isto não se esclareceria apenas o problema
capacidade fônica de exprimir-se, que Primo* tem, linguístico, mas pensamos que, considerando os ritos,
como um dom;/aia é a expressão de Primo, uma costumes, etc. como signos, estes fatos aparecerão
função da Linguagem; e língua é o património sob outra luz e se sentirá a necessidade de grupá-los
expressivo, uma sedimentação filtrada em Secundo* na Semiologia e de explicá-los pelas leis desta
a partir das falas de Primo; no sentido comum, temos ciência."
ainda as "línguas" — modalizações da língua do R, Barthes considera difícil conceber um sistema de
indivíduo (língua de Primo) ou no grupo étnico imagens ou objetos cujos significados pudessem
(língua de um povo). A linguagem cria a fala, que existir fora da linguagem. Nesse caso, Semiologia
gera a língua, que serve à fala (25:129). seria parte da Linguística.
Saussure (27:33) considera a língua uma instituição Semiologia e Semiótica são conceitos muito próximos
social, o mais importante dos sitemas de signos que principalmente se se define Semiologia como a
exprimem ideias. Lourenço de Oliveira (25:128) ciência das grandes unidades significantes do
afirma que "a fala é que é social e a língua é que discurso.
é individual; social é o homem, com seu ato de A SEMIÓTICA (7:434) retomou o projeto da
comunicação, ato de fala, que gera o fato da língua, Semiologia de Saussure. Seu objeto, entretanto,
uma sedimentação no espírito de Secundo, criando um embora sendo o estudo da vida dos signos no seio da
estado intra-individual; o conceito de vida social, visa a uma teoria geral de modos de
intra-individualidade nega o de socialidade. Isso significar. É também chamada SEMÂNTICA LÓGICA,
não implica negar que a língua seja um produto desenvolvida pêlos lógicos do círculo de Viena.
social, pois nasce de um ato social e é uma recoleção Peirce, citado por Todorov (30:26), chama Semiótica
de valores sociais". "o estudo da natureza e das variedades fundamentais
Para Saussure, a SEMIOLOGIA seria a ciência que das semioses possíveis". A Semiótica estuda as
"estuda a vida dos signos no seio da vida social". práticas significantes, tomando por campo o texto.
Faria parte da Psicologia Social e conseqüentemente Peirce (17:261) divide a Semiótica em três níveis-
da Psicologia Geral. Metodologicamente, a distintos:
Linguística dependeria da Semiologia — as leis que Sintático — signos e suas relações com outros
ela descobrisse seriam aplicáveis à Linguística. A signos;
tarefa do linguista seria a de definir o que torna a Semântico — signos e suas relações com o mundo
língua um sistema especial no conjunto dos fatos exterior (designação); e
semiológicos. Pragmático — signo e suas relações com os usuários.
A Semiologia não é reconhecida como ciência autónoma Esses três níveis se referem a regras que não
já que a língua é mais adequada para fazer dependem dos conhecimentos dos usuários.
compreender a natureza do problema semiológico. Para A Semiótica propõe um método que abranja o discurso
se entender o que seja a língua é preciso estudá-la e não só a frase. A Linguística se atém ao mecanismo
convenientemente, o que ainda não se fizera à época frasal.
de Saussure.
Vê-se, pois, que a Linguística dependeria de uma 3.2 Elementos de estudos semânticos - Terminologia
futura ciência, a Semiologia, cujo objeto seria da
mesma ordem que o da Linguística — teoria dos signos. "A SIGNIFICAÇÃO é um processo que associa um
Ao mesmo tempo, já que a língua é o sistema mais objeto, um ser, uma noção, um acontecimento a um
complexo, mais usado (embora apenas um sistema signo capaz de evocá-los; uma nuvem é signo de chuva,
particular), a Linguística tornar-se-ia o padrão um franzir de sobrancelhas, signo de perplexidade,
o latido do cachorro, signo de cólera, a palavra
"cavalo", sinal de animal" (16:11). A partir de
* Primo e Secundo: interlocutores Saussure, o SIGNO LINGUISTICO constituiu-se

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em unidade de língua, a unidade mínima da frase. comporta relação de significação.


"O signo linguístico não une uma coisa e um nome, SÍMBOLO, para Saussure, designa "o signo
mas um conceito e uma imagem acústica. Esta última linguístico ou mais exatamente o que chamamos
não é o som material, coisa puramente física, mas significante". Caracteriza-se por não ser nunca
a marca psíquica deste som, a representação que nos completamente arbitrário; não é vazio, há um
dá o testemunho de nossos sentidos" (27:98). rudimento de elo natural entre o significante e o
O signo é um elo, uma relação. SIGNIFICADO significado. O símbolo da justiça, a balança, não
corresponde a conceito e SIGNIFICANTE a imagem poderia ser substituído por outra coisa qualquer, um
acústica. Logo, signo é o resultante total da carro, por exemplo (27:101).
associação de um signifïcante a um significado. SIMBOLIZAÇÃO é uma associação mais ou menos
Segundo Saussure, o signo possui determinadas estável entre duas unidades do mesmo nível, isto é,
características. É ARBITRÁRIO, isto é, o elo que dois significantes ou dois significados (8:134). Nos
une signifïcante e significado é arbitrário. signos, os elementos em relação são de natureza
Arbitrário significa MOTIVADO; a arbitrariedade diferente, no símbolo são homogéneos. O simbolizante
existe em relação ao significado, com o qual não há e, às vezes, o simbolizado, existem independentemente.
nenhuma ligação natural na realidade. A possibilidade de designar os objetos que
Em relação à comunidade linguística que o emprega, constituem a realidade extra-lingüística chama-se
não é livre, é imposto. A língua, por ser um sistema FUNÇÃO REFERENCIAL da linguagem.
de comunicação, funciona através de um código Os objetos designados por uma expressão formam seu
baseado num sistema de signos, signos esses REFERENTE. As palavras se referem a coisas e não
convencionais, comuns a um grande número de falantes. significam coisas. A relação que se mantém entre
O significante tem caráter linear. Por ser de palavras e coisas (seus referentes) é uma relação
natureza auditiva, desenrola-se temporalmente e tem de REFERÊNCIA. Oswald Ducrot (8:317) mostra que
características que toma emprestadas ao tempo: "esta realidade não é necessariamente a realidade,
a) representa uma extensão; b) essa extensão é o mundo. As línguas naturais têm o poder de
mensurável numa única dimensão: é uma linha. Em construir o universo ao qual elas se referem; elas
oposição aos significantes visuais que se organizam podem pois criar um universo de discurso
simultaneamente, em várias dimensões, os imaginário."
significantes acústicos só dispõem da linha temporal; Frege, citado por Todorov (29:8), distingue três
seus elementos se apresentam um depois do outro e aspectos na significação de uma palavra:
formam uma cadeia. Referência — o que a palavra quer dizer
Há dois tipos de signos (16:13): Sentido — como a palavra formula sua significação
NATURAIS — relações existentes na natureza Imagem associada — feita pelo usuário, subjetiva
entre os fenómenos; A distinção entre a imagem associada e sentido
ARTIFICIAIS — fabricados pelo homem para desapareceu em Hjeknslev, que, retomando J.S. Mill,
REPRESENTAÇÃO do real (imagens, ícones) ou para chamou imagem e sentido de conotação. CONOTAÇÃO
COMUNICAÇÃO (signos convencionais, símbolos). designa toda significação que não é referencial.
Não existe uma delimitação rígida entre os signos A relação de referência é chamada DENOTAÇÃO.
artificiais pois nas artes, que constituem um Os Linguistas estão mais ou menos de acordo em que
exemplo de signos artificiais de representação, há devem estudar unicamente o sentido. Na prática,
também uma parte de simbolização e de convenção. entretanto, sentido e referência se confundem.
Guiraud (16:28) define SIGNO LINGUISTICO Na terminologia de Carnap, SENTIDO e REFERÊNCIA
como uma''associação de duas imagens mentais, uma equivalem a INTENSÃO e EXTENSÃO.
forma acústica significante e um conceito significado Lyons (20:440) entende por SENTIDO de uma
ou sentido. A associação é um processo psíquico, palavra "o lugar que esta palavra ocupa em um
bipolar e recíproco — o significado evoca o sistema de relações que ela mesma estabelece com
sentido e vice-versa. A associação é convencional, outras palavras do vocabulário. Deve observar-se que,
resulta de um acordo entre os usuários e a língua. desde o momento em que se tem de definir o sentido
REPRESENTAÇÃO é o aparecimento de uma imagem em virtude das relações que apresentam entre si os
mental no usuário dos signos. dados do vocabulário, esta noção não contém
Os linguistas americanos da escola de Bloomfïeld pressuposições acerca da existência de objetos e
reduziram o signo a um sinal, constituinte do código propriedades fora do vocabulário da língua em
de sinais que é a língua, considerada como um sistema questão."
de comunicação. Os signos desse código linguístico POLISSEMIA — faculdade, que tem a palavra de
são os fonemas. O sinal provoca reações mas não possuir vários sentidos.

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SINONIMIA — coincidência ou equivalência de social e estudam-se os elementos linguísticos que


sentidos entre duas ou mais palavras, ditas nele se (dispõem i (ONOMASIOLOGIA).
sinónimas. Para Lyons (20:442), os resultados obtidos nos
estudos de campos semânticos confirmaram as ideias
4, PESQUISAS EM SEMÂNTICA de estudiosos como Humboldt, Saussure e Sapir, de
que os vocabulários de línguas distintas (em certos
O desenvolvimento dos estudos da Semântica permite campos pelo menos) não são isomórficos: que em uma
a identificação de correntes teóricas. Às pesquisas língua há distinções semânticas que não se encontram
têm sido agrupadas, pêlos especialistas da área, sob em outra e, além disso, que determinados campos
denominações já bastante aceitas apesar das podem categorizar-se de uma maneira totalmente
divergências quanto ao enquadramento de um ou outro distinta em línguas diferentes.
tipo de estudo.
As pesquisas semânticas buscam descrever conjuntos 4.2 Análise distribucional
lexicais através de um sistema de traços de
significação elementar. Como semântica descritiva, "A ANÁLISE DISTRIBUCIONAL se originou da
buscam uma definição sincrônica e estrutural da verificação empírica de que as partes de uma língua
significação. Pretendem, a partir da noção de se encontram arbitrariamente umas em relação às
"campo", chegar à noção de estruturas profundas e outras; cada elemento se encontra em determinadas
mais gerais que se integrem num sistema. posições particulares em relação aos outros" (8:164).
Os vários tipos de análises semânticas pertencem, Essa análise supõe, pois, que no interior dos
pois, à corrente estruturalista. Apenas a chamada campos semânticos, os termos constitutivos têm
análise combinatória se constitui numa tentativa de relações precisas e formalizáveis.
criação de teoria semântica dentro dos princípios da Todorov (29:13) assim explica a tentativa de
Gramática Gerativa Transformacional. Apresjan para delimitar os campos semânticos.
Esses campos são formados de palavras de uma classe
4.1 Campo linguístico, campo semântico gramatical que têm uma distribuição idêntica.
Supõe-se que a significação das palavras seja
Pierre Guiraud considera a noção de campo linguístico, determinada por suas propriedades gramaticais. Parte
definida pelo linguista alemão Trier em "Der do princípio formulado por Barris segundo o qual
deutsche \Vortschatz im Sinnberzirik dês Verstandes" dois morfemas que têm significações diferentes
(Heidelberg, 1931) como a grande revolução da diferem também por algum lado em sua distribuição.
semântica moderna. Trier "estuda as palavras com Conclusões complementares: a) os morfemas com
relação ao setor conceituai do entendimento e mostra distribuições diferentes têm significações
que elas constituem um conjunto estruturado no diferentes; b) os morfemas com distribuições
interior do qual cada uma está sob a dependência idênticas têm significações idênticas
das outras". "Nossos conceitos recobrem todo o (ou semelhantes).
campo do real sem deixar vazios ou se sobrepõem uns Apresjan afirma: toda diferença semântica não se
aos outros como as peças de um quebra-cabeça. Toda manifesta numa diferença sintática, mas a cada
alteração nos limites de um conceito acarreta uma diferença sintática corresponde uma diferença
modificação nos conceitos vizinhos e conseqüentemente semântica essencial. Aos críticos, responde que
nas palavras que os exprimem" (16:77). estuda não o sentido mas uma significação sintática.
As críticas às definições de campo linguístico (ou A análise distribucional é criticada pelo aspecto
campo semântico) de Triei deram origem a novas tautológico de raciocínio pelo qual se chega a um
definições baseadas em novos critérios. Dentre as resultado em que as unidades reunidas na mesma
críticas: a) o vocabulário do mundo físico e classe, com base em suas combinações sintáticas, têm
material é sempre confuso nos seus limites; as mesmas possibilidades de combinações sintáticas.
b) a importância das mudanças fonéticas e semânticas Trata-se de um método descritivo e indutivo, fase
que afeiam a língua foi ignorada. taxionômica da Linguística.
Os campos semânticos são conjuntos de lexemas,
unidades nacionais de uma língua. 4.3 Análise componencial e sêmica
No enquadramento dos lexemas nos campos semânticos,
parte-se dos elementos linguísticos e verifica-se Existem basicamente dois métodos para o estudo da
o campo que criam com suas oposições e conexões significação das unidades de um campo semântico
(SEMASIOLOGIA). Ou então, estabelecem-se previamente (29:15):
certos campos de significação em função da vida — o método analítico, pelo qual se decompõe a

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significação de cada palavra em elementos uma palavra não é uma unidade indivisível, mas
simples; composta; b) os mesmos átomos da significação (os
— o método sintético, em que certas unidades são mesmos semas) se encontram em toda a extensão do
consideradas como elementos de base e através de vocabulário.
operações lógicas obtêm-se as definições de todas Exemplos da utilização de métodos analíticos no
as unidades incluídas (esse é o método praticado estudo da significação das unidades de um campo
por equipes de tradução automática). semântico:
O método analítico partiu da análise fonológica — Os trabalhos de J.C. Gardin; elaboração de um
com traços distintivos. Chama-se ANALISE código para a descrição de monumentos para
COMPONENCIAL para os antropólogos americanos, posterior uso de máquinas eletrônicas. Enunciado
ANÁLISE SÊMICA para M. Joos, Greimas, ANÁLISE dos elementos constitutivos de cada monumento,
EM FATORES SEMÂNTICOS para Apresjan, Ivanov. considerado sob vários pontos de vista —
Para Guiraud (16:98) essa nova Semântica tem por morfológico, funcional, etc. — sem tentar dar um
objeto reconstruir o "Sistema de significação", nome a qualquer combinação empírica desses
assim corno a Fonologia constrói o "sistema de elementos. Cada objeto é caracterizado por uma
sons". A análise componencial pretende estabelecer enumeração de atributos que seja útil às
a configuração das unidades mínimas de significação necessidades das pesquisas comparativas posteriores.
dentro de uma unidade lexical morfema lexical ou — Pottier é responsável por um trabalho, muito
palavra mas decompondo a palavra em semas. citado, em que analisa vários tipos de
Esse é um procedimento usado em Linguística, em cadeiras (poltrona, sofá, carteira, etc.) e verifica
Lógica, em Filosofia. Liga-se ao método de definição, que cada um pode ser definido a partir de seis
que se baseia na divisão em género e espécies e em traços pertinentes binários (com ou sem braços,
espécie e subespécies. Esse é o problema de qualquer para uma ou mais pessoas, etc.) É um sistema de
classificação ou taxionomia: reduzir conjuntos descrição de significados análogos aos sistemas
heteróclitos e sistemas de traços pertinentes. Obras fonológicos de descrição do significante.
como o Rogefs Thesaurus basearam-se nesse método. — Mounin fez a análise de dois campos semânticos:
Modernamente, há várias tentativas dos semanticistas dos animais domésticos e das habitações.
de formalização desses princípios. Uma delas parte — Greimas concebeu um sistema sêmico da
da pressuposição de que os componentes semânticos "espacialidade".
são independentes da língua ou são universais. Em relação a esse tipo de análise, alguns problemas
Componentes semânticos é o que há de comum em se apresentam. O que se descreve são palavras ou
distintos grupos de palavras; é também chamado de coisas? O sistema criado é parte do léxico ou é
diferenciador semântico, categoria semântica, semema, conceituai? Essa descrição pode ser generalizada?
plerema* Para Katz, citado por Lyons (20:487), "os
diferenciadores semânticos (isto é, os componentes 4.4 Análise combinatória
semânticos) devem ser concebidos como elementos
teóricos introduzidos na teoria semântica para Todorov (29:23) menciona, sob o título de ANÁLISE
designar os componentes, invariantes de uma língua a COMBINATÓRIA, a tentativa de Katz e Fodor de
outra, mas vinculados à língua de um sistema criação de uma teoria semântica de acordo com os
conceituai que faz parte da estrutura cognitiva da princípios da Gramática Gerativa. Considera que esta
mente humana." teoria se aproxima em muitos pontos dos outros
"A análise componencial nasceu da verificação feita tipos de análise a que nos referimos mas que
por antropólogos americanos da inadequação dos apresenta alguns traços originais. As categorias
conceitos, formados nas civilizações indo-européias, semânticas coincidem com os sememas mas seu objeto
para a descrição das culturas ameríndias. Os não é mais a descrição estática do vocabulário de
procedimentos são pouco a pouco elaborados, mais uma língua, mas o funcionamento da linguagem sob seu
preocupados com os campos conceituais do que com os aspecto semântico. No campo semântico propriamente
campos linguísticos." dito, sua novidade consiste na importância dada ao
A ANÁLISE SÊMICA é assim apresentada pelo processo de combinação, na formulação da categoria
Dictionnaire de Linguistique Larousse (7:435): "Visa de "restrição seletiva".
a estabelecer a composição semântica de uma unidade Katz e Fodor propõem-se a construir um dicionário
lexical pela consideração de traços semânticos ou onde cada entrada é definida por indicadores
sememas, unidades mínimas de significação não sintátícos, indicadores semânticos e diferenciadores
susceptíveis de realização independente." que determinam as restrições de seleção.
Princípios da análise sêmica: a) a significação de Todorov refere-se a uma nova hipótese relativa à

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ABIGA1L DE OLIVEIRA CARVALHO & MARIA BEATRIZ PONTES DE CARVALHO

estrutura semântica da linguagem, proposta por um aperfeiçoamento do método mais antigo dos campos
Weinreich (1966). Nessa hipótese há duas ideias semânticos.
originais. A primeira trata das relações entre os Todorov (29) destaca em subtítulo análise
semas no interior de um morfema e os morfemas no combinatória os estudos de Kaíz e Fodor e os estudos
interior de uma frase. Katz e Fodor não estabelecem de Weinreich. Considera que são trabalhos que,
uma ordem nas relações destes elementos. Weinreich embora tenham muito em comum com a análise
propõe vários tipos de relações, dos quais os componencial ou sêmica, delas se distinguem pela
principais são o encadeamento (linking) e o não abordagem transformacional.
encadeamento. A segunda ideia trata da relação entre Ducrot refere-se a esses trabalhos como sendo
os elementos gramaticais e os elementos semânticos tentativas recentes de constituir combinatória
de uma língua. Para Katz e Fodor, a semântica semântica, que ele explica como sendo cálculo de
começa onde a sintaxe termina. Para Weinreich, as significação dos enunciados a partir de sua sintaxe.
duas se processam simultaneamente.'
5. A CDU E SUA CLASSE 8
4.5 Análise etimológica e análise estatística
Até 1964, a CDU dividia os assuntos referentes a
O capítulo de Pierre Guiraud (16:90) sobre semântica língua em duas classes: 4 — Filologia, e
estrutural trata não só da análise distribucional e 8 — Literatura. Naquele ano, a Comissão Central
da análise componencial, como da análise de Classificação da FID (FID/CCC) resolveu reunir
etimológica e da análise estatística. as duas classes, colocando na Classe 8 os assuntos
A ANÁLISE ETIMOLÓGICA baseia-se na ideia de referentes a Filologia e a Literatura. A Classe 4
que o conteúdo sêmico de uma palavra está em permanece vaga até hoje. Um exame superficial da
relação com o conteúdo de seu étimo. Classe 8 da CDU mostra que pouca atenção foi dada
A ANÁLISE ESTATÍSTICA é uma tentativa de dar uma às correntes teóricas da Linguística. O índice
definição quantitativa de "significação". O menciona (9:46):
primeiro exemplo de estudos desse tipo se deve Linguística
a Zipf, que chegou ao seguinte resultado: compêndios
A frequência de palavras num texto ou num conjunto fontes
de textos corresponde a distribuições estáveis. história
livros didáticos
4.6 Divergências na terminologia metodologia
É evidente que estas subdivisões não são suficientes
Observamos que Pierre Guiraud (16), sob o item para classificar toda a literatura especializada
ANÁLISE COMPONENCIAL, isto é, análise dos que já existe no campo da Linguística.
componentes sémicos, refere-se aos trabalhos de Ocorre-nos que dois motivos podem ter ocasionado
Gardin (classificação de objetos arqueológicos), de esta omissão:
B. Pottier (análise do sistema de cadeiras), de a) Os princípios da Linguística ainda não estão
Mounin (campos semânticos de animais domésticos e suficientemente solidificados, existindo
habitações), de Katz e Fodor (construção do muitas discordâncias em vários pontos fundamentais.
dicionário), de Greimas (semântica inspirada no b) Ao chamar a Classe 8 "Filologia e Literatura",
modelo fonológico). a CDU não pretendeu dar ênfase à Linguística,
O Dictionnaire de Linguistique Larousse (7) contém tendo em vista que Filologia "é uma ciência
um verbete para análise componencial e outro para histórica que tem por objeto o conhecimento das
análise sêmica. Os trabalhos de Gardin e de Pottier civilizações passadas através dos documentos
aparecem como exemplos de análise sêmica. Todorov, escritos que elas nos legaram" (7:371), e que
ao se referir à análise componencial e à análise Literatura é "o conjunto de trabalhos literários
sêmica, afirma que a primeira é a denominação usada dum país ou de uma época" e/ou a "arte de compor
pêlos antropólogos americanos, e a segunda por Joos ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou
e Greimas. verso" (11:851). Portanto, a Linguística, que é a
Ducrot, no Dictionnaire Encyclopédique que publicou Ciência que estuda "todas as manifestações da
em co-autoria com Todorov (8), diz que a pesquisa linguagem humana" (27:20), e/ou, segundo Chomsky,
das unidades semânticas mínimas, também chamadas a ciência que estuda um conjunto de regras que
figuras de conteúdo, semas ou traços semânticos, permitem ao falante gerar um número infinito de
chama-se análise sêmica ou ainda análise orações gramaticais (2:5), é bem diferente da
componencial. Esse tipo de análise é tratado como Filologia e da Literatura.

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A SEMÂNTICA E A CLASSIFICAÇÃO DECIMAL UNIVERSAL

Nenhum dos motivos acima justifica a quase não 801.541.250.1 Mutação semântica em geral
existência, em nossos dias, da Linguística moderna .251 Metáfora
na Classe 8 da CDU. Esta Classe é evidentemente .252 Metonímia
destinada à classificação de documentos cujo .254 Lítotes
conteúdo trate de língua e linguagem, e portanto .256 Sinédoque
não deveria se omitir quanto a uma área do .258 Pleonasmo
conhecimento que já é considerada por muitos uma .259 Outras figuras: anacoluto, elipse,
ciência. Entretanto, a Classe 8 apresenta a notação silepse
80, como sendo LINGUISTICA, FILOLOGIA, e 801
como LINGUISTICA GERAL E FILOLOGIA. Ora, estes Vemos, portanto, que a Semântica propriamente
dois termos não deveriam estar juntos, como se dita ocupa a notação 801.541.2, isto é, a quarta
tratasse do mesmo assunto. Ocorre, que, confirmando posição hierárquica a partir de 801.
o que foi dito acima, "linguística e filologia não Examinemos agora sua subordinação à Gramática. Eis
são sinónimos, e as ciências com as quais elas estão dois conceitos de gramática, um global e um
em contacto são muito diferentes; esta distinção específico (7:238):
é recente na medida em que a linguística só a) "a gramática é a descrição completa da língua,
se desenvolveu em fins do século XIX" (7:371). isto é, dos princípios de organização da
Pode-se concluir, portanto, que até 1973 — data das língua. Ela comporta diferentes partes: uma
últimas "Extensions and Corrections" da CDU fonologia (estudo dos fonemas e de suas regras de
consideradas na edição em português — não havia combinação), uma sintaxe (regras de i combinação dos
sido reconhecida aquela distinção, existente desde morfemas e dos sintagmas), uma lexicologia (estudo
o século passado e já caracterizada em meados do do léxico), e uma semântica (estudo das
século em curso. significações dos morfemas e de suas combinações)";
A notação 801 da Classe 8 — Linguística geral e b) "em linguística gerativa, a gramática de uma
Filologia, apresenta as seguintes subdivisões: língua é o modelo da competência ideal que
801.1 Ortografia estabelece uma certa relação entre o som
801.2 Partes da oração (representação fonética) e a significação
801.3 Lexicologia (interpretação semântica)".
801.4 Fonética Entre as quatro definições existentes no
801.5 Gramática Dictionnaire de Linguistique Larousse, optamos pela
801.6 Métrica primeira porque é a mais abrangente e a única
801.7 Ciências auxiliares da filologia passível de justificar, em parte, a subordinação
801.8 Fontes da filologia e da linguística da Semântica à Gramática, como se vê na Classe 8.
801.9 Vago Optamos também pela definição da Gramática Gerativa
Através dos conceitos apresentados anteriormente, porque ela é resultado de recentes pesquisas
podemos verificar que a Semântica assumiu razoável linguísticas; portanto é a mais atual, e já o era
importância dentro da Linguística. Seria - desde 1957 (21:158) - por ocasião da última
justificável, portanto, que ela aparecesse entre as atualização da Classe 8 (1973).
categorias acima, que, por serem a primeira As duas outras definições reduzem a Gramática à
subdivisão de 801, indicam prioridade na hierarquia descrição de morfemas gramaticais e léxicos em uma,
do assunto. e apenas gramaticais na outra. Estas duas
Nas demais subdivisões, a Semântica aparece da definições, portanto, não se referem a Semântica.
seguinte maneira: A definição (a) inclui a Semântica dentro da
801.5 Gramática Gramática, mas também inclui a Fonologia, a Sintaxe
.54 Etimologia e semântica: formação, e a Lexicologia. Ora, Gramática na Classe 8 (801.5)
significado e evolução das palavras inclui Sintaxe e Semântica, mas não inclui
.541 Regras etimológicas gerais Fonologia e Lexicologia. Lexicologia está em 801.3,
.2 Semântica. Mutação semântica portanto, no mesmo nível hierárquico que Gramática;
.201 Regrais gerais e Fonologia não existe como tal na Classe 8; 801.4
.21 Significado comum e ocasional é Fonética (mesmo nível hierárquico de Gramática).
.22 Isolamento Por conseguinte, através da definição (a), não se
.23 Reação contra o isolamento. Analogia justificam os critérios da Classe 8 ao subordinar a
.24 Contaminação. Contaminação semântica. Semântica à Gramática.
Etimologia popular Examinemos agora a definição (b), complementando-a
.25 Formas de mutação semântica com os aspectos que Chomsky lhe deu: "a gramática

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ABIGAIL DE OLIVEIRA CARVALHO & MARIA BEATRIZ PONTES DE CARVALHO

gera um conjunto de descrições estruturais que modernamente de acordo com os conceitos


compreendem, cada uma, uma estrutura profunda, uma apresentados na seção 2, 3 e 4, é essencialmente
estrutura de superfície, uma interpretação semântica sincrônica, o que não ocorre com a segunda.
da estrutura profunda e uma representação fônica Por conseguinte, fica caracterizada a distinção
da estrutura de superfície" (7:238). entre a Etimologia e a Semântica, fato que não
Ora, parece-nos bem claro que a Gramática gerativa justifica, de forma alguma, a subordinação da
não considera a Semântica como um campo de estudos segunda a "regras etimológicas gerais".
(praticamente uma ciência) dentro de si, mas utiliza Assim, chegamos à Semântica propriamente dita.
métodos semânticos como um instrumento para atingir Logo de início, temos:
seu objetivo precípuo, que é o de gerar frases 801.541.2 Semântica. Mutação semântica
corre tas. 801.541.201 Regras gerais
Fica constatado, portanto, que nenhuma das quatro
definições de gramática aqui apresentadas explicam Estas regras gerais da mutação semântica são
a subordinação de Semântica à Gramática, como se vê aceitáveis quando pensamos que regras gerais devem
na Classe 8. ser estabelecidas para explicar o funcionamento
Analisemos, a seguir, a notação 801.54 — Etimologia semântico da língua, o que inclui mutações. Um
e Semântica: formação, significação e evolução das documento que trate de mudanças das palavras do
palavras — e sua primeira subdivisão, ponto de vista semântico aí será classificado, desde
801.541 — Regras etimológicas gerais (às quais a que não se refira a estas mudanças do ponto de vista
Semântica está subordinada). histórico, ou diacrônico, pois essa é a área da
Tendo sido semântica conceituada na seção 2 deste Etimologia.
trabalho, vejamos as diversas definições de Em seguida, temos:
Etimologia:
801.541.2} Significado comum e ocasional
i) "A Etimologia é a pesquisa das relações que uma
.22 Isolamento
palavra mantém com uma outra unidade mais
.23 Reação contra o isolamento. Analogia
antiga, que é a sua origem" (7:197);
.24 Contaminação. Contaminação semântica.
ii) "A Etimologia não é nem uma disciplina
Etimologia popular.
distinta nem uma parte da linguística evolutiva;
é somente uma aplicação especial dos princípios .25 Formas de mutação semântica
relativos aos fatos sincrônicos e diacrônicos" .250.1 Mutação semântica em geral
(27:259). A maior parte da literatura sobre Semântica focaliza
üi) "A Etimologia moderna é ... uma disciplina aspectos de uma teoria que contribui para gerar
autónoma que tem por objeto o estudo da frases corretas (Chomsky). Somente Pierre Guiraud
formação das palavras, isto é, a cronologia e a (16:56) e Roger Ledent (19:93) mencionam um aspecto
relação entre a forma primitiva e seu derivado menos teórico: as formas e as causas das mudanças de
morfológico ou semântico" (15:6). significação das palavras. Entre os termos da
Ao se comparar estas definições de Etimologia com a Classe 8 mencionados acima, Guiraud se refere
definição de Semântica, vê-se logo de início que somente a analogia e a contaminação. Ledent nem as
há uma diferença considerável entre ambas. menciona. Nada encontramos sobre Significado comum
O estudo da significação das palavras (Semântica) e ocasional, sobre Isolamento e sobre Reação contra
não é o estudo da formação e mutação das palavras o isolamento. Por este motivo, preferimos deixar
(Etimologia). A formação e a mutação das palavras esta questão em suspenso, supondo apenas que
implicam em uma evolução ortográfica, por exemplo, poderão ser ideias não mais tratadas nos documentos
pela qual a Semântica não se interessa. De imediato modernos,
se verificam objetos diferentes em ambas, embora
A seguir, temos:
exista uma relação entre elas. No que se refere à
Semântica (como já vimos na seção 2), Adolf Noreen 801.541.251 Metáfora
distinguiu o estudo descritivo (sincrônico) do .525 Metonímia
significado e o estudo etimológico (diacrônico) do .254 Lítotes
significado. Há coincidência com a definição de .256 Sinédoque
Saussure acima, embora já tenhamos visto na .258 Pleonasmo
definição (iii) que a evolução da significação da .259 Outras figuras; anacoluto, elipse, silepse
palavra é apenas uma parte da Etimologia. Ora, esses termos são o que se chama "figuras", o
O principal argumento que distingue a Semântica da que aliás está confirmado em .259 — Outras figuras.
Etimologia é que a primeira, como ela é considerada Tanto o Dictionnaire de Linguistique Larousse (7:214)

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A SEMÂNTICA E A CLASSIFICAÇÃO DECIMAL UNIVERSAL

como Pierre Guiraud (16:42) incluem essas figuras Por outro lado, conforme os conceitos aqui
no campo da Retórica, de acordo com as seguintes apresentados, pode-se propor uma série de termos
divisões: extraídos dos textos dos documentos atuais sobre
- figuras de significação: metonímia, metáfora,sinédoque Semântica, a saber:
- figuras de expressão :lítotes Semântica. Teoria
- figuras de construção: elipse, pleonasmo. Elementos de estudos semânticos
Pleonasmo e elipse merecem uma observação: signo linguístico
"O pleonasmo . . . é uma transformação de adição significado, conceito
que, não modificando o sentido da frase inicial, significante, imagem acústica
nada acrescenta do ponto de vista qualitativo" significação; sentido, intensão; referência,
(7:380). "Elipse é a omissão de um termo que o extensão; imagem associada
contexto ou a situação permitem facilmente suprir" conotação
(7:439). Se não há mudança de significação no denotação
pleonasmo, e tampouco na elipse, por que estão em símbolo
.25 — Formas de mutação semântica? polissemia
Quanto a anacoluto (mudança de construção sintática sinonímia
no meio do enunciado) e silepse (concordância de componente semântico, dïferenciador semântico,
número e de género que se faz não com a forma categoria semântica, semema, plerema
gramatical das palavras mas com sua significação), sema, traço semântico, figura de conteúdo
são figuras de sintaxe (6:446) que tampouco nada têm campo semântico, campo linguístico
a ver com mutação semântica. Pesquisa em Semântica
Naturalmente, não queremos dizer que não há
implicações referentes à significação nas figuras, análise distribucional
já que a significação das palavras (e esta é a análise componencial, sêmica, em fatores
importância da Semântica) está ligada a diversos semânticos
processos linguísticos; não é por isso, entretanto, análise etimológica
que qualquer disciplina que lide com significação análise estatística
(etimologia, retórica, estilística, psicologia, análise combinatória
sociologia, etc.) deva pertencer à Semântica, que
cada vez mais estabeleceu os limites de seu campo
de estudos, como foi visto nas seções 2 e 3 deste 7. BIBLIOGRAFIA
trabalho.
De qualquer forma, a Retórica é o campo mais 1 - BARBOSA, Alice Príncipe - Teoria e
apropriado para as figuras, uma vez que elas "são prática dos sitemas de classificação.
os diversos aspectos que as diferentes expresssões do Rio de Janeiro, IBBD, 1969,441p.
pensamento podem assumir num discurso" (7:214).
2 — CABRAL, Leonor Scliar — Introdução à
6. CONCLUSÃO linguística. Porto Alegre, Globo, 1973. 226p.
3 — CÂMARA JR., Joaquim Mattoso — Princípios
A primeira conclusão que pode ser extraída do de linguística geral. Rio de Janeiro, Livraria
presente estudo é que a CDU não acompanhou o Académica, 1970. 333p.
desenvolvimento da Linguística. Se considerarmos
esse desenvolvimento apenas a partir do período em 4 - CERDA MASSÓ, Ramón - Linguística hoy.
que se iniciou o domínio da linguística estrutural Barcelona, Editorial Teide, 1969. 160p.
(Bloomfïeld, 1933) (21:159), já podemos dizer que o
atraso da CDU é de mais de quarenta anos. 5 — COYAUD, Maurice — Linguistique et
Entretanto, cônscia deste problema, a FID/CCC documentation.Pans,Laio\isse, 1972. 173p.
vem desenvolvendo um Programa drástico de (Langue et langage)
modernização da CDU, dentro do qual já existe o 6 — CUNHA, Celso - Gramática do português
esboço do que será a Classe 81 — Linguística (10). contemporâneo. Belo Horizonte, Bernardo
Neste esboço, a Semântica ocupa um primeiro nível Alvares, 1970. 5 lOp.
hierárquico dentro de "Teoria e Metodologia da
linguística", paralelamente a Fonética, Ortografia 7 - DUBOIS, Jean et alli - Dictionnaire de
e Lexicologia. linguistique. Paris, Larousse, 1973. 516p.

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ABIGAIL DE OLIVEIRA CARVALHO & MARIA BEATRIZ PONTES DE CARVALHO

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Dictionnaire encydopédique dês sciences du interdisciplinary reader. \n:Phüosophy,
langage. Paris, Editions du Seuü, 1972.470p. Linguistics and Psychology. Cambridge, Mass.,
University Press, 1971. p. 157-182.
9 - FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE
DOCUMENTAÇÃO - Classificação Decimal 22 - MAROUZEAU, Jules - Lexique de Ia
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portuguesa — 8 — Filologia e literatura. Rio de Geuthner, 1951. 268p.
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16 - GUIRAUD, Pierre - La sémantique. 1. ed.
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19 — LEDENT, Roger — Comprendre Ia sémantique. concepts are given in order to identífy terms that
Verviers, Marabout, 1974.221p. could be included in such a classification. Analysis
of terms related to Semantics in the UDCFull
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linguística teórica. 1. ed. Trad. Ramon errors. It can be concluded that UDC hás not
Cerda. Barcelona, Editorial Teide, 1973. 532p. follovjed the progress in linguistics research.

Ci. Inf., Rio de Janeiro, 4(2): 91-102, 1975 102

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