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ALBERTO GUERREIRO RAMOS. ANOVA CIENCIA DAS ORGANIZACOES Uma reconceituagao da riqueza das nagdes Tradugao de MARY CARDOSO =O | FESAG MES [bislioreca} Instituto de Documentacio Editora da Fundacio Getulio Vargas Rio de Janeiro, RU - 1989 _ Yond. Getéic egos CRE 5 G00 co OF (oH .ae Titulo do original em ingles The New science of organizations Direitos reservados desta edi¢do & Fundagio Getulio Vargas Praia de Botafogo, 190 — 22.353 : CP 9.052 — 20.000 Rio de Janeiro, RJ — Brasil E vedada a reproduce total ou parcial desta obra Copyright © Fundacdo Getulio Vargas 1 dg 156 : oe ies A minha esposa Ch ams aera Ch to de Documenta reo Dinor Beness a meus fihos Elana ¢ Alberto ¢ aos Jah, Allison, Andrew Vietor ¢ Henrique Coordenacao editorial: Francisco de Castro Azevedo ‘Supervisio de editoragio: Ereflia Lopes de Souza Superviséo gréfica: Helia Lourenco Netto Capa: Marcos Tupper Ramos, Guerreiro, 1915 ~ 1982, ‘A nova cifncia das organizagSes / Alberto Guerreiro Ra- ‘0s; tradusfo de Mary Cardoso. ~ 2. ed, — Rio de Janeiro: Editora da Fundacio Getulio Vargas, 1989, XXIV, 210 p. ‘Tradueio de: The new scicace of organizations. 1 ‘nclui bibliografia efndice, 1, Sistemas sociais. 2. Sociedade de consume, I. Fundago Genilio Vargas. 1. Titulo, cD - 301 BBoastg @ 39. v “Nada € mais censurivel do que deduzir as nam aguilo que deveria ser feito daquilo que fais os limites a que se circunscreve aquilo que ¢ feito, Kant, Crtioa da rasdo pura “Muitos, dentre nos, conhecem adolescentes dominados ‘compulsso da comida, Q comedor compulsivo, que se emp: ‘com tanita pressa e com tanta desateneao que mal repara naquilo que ‘evora, aplica 2 si mesmo dua sérias penalidades. Embora seu corpo fesieja sendo sbarrotado de enormes quantidades de coises realmente ‘boas, 0 comedor vai-se tormando, ao mesmo tempo. cada vez menos capa, fsicamente. E — que pena! ~ nem esta apreciando aquilo que ‘come; mal se lembra de procurar sentir 0 sabor da comida. ‘Como adultos do séeulo XX, nds nos tornamos usuiri pulsivos — chegando aproximadamente aos mesmos res Walter Kerr, Tae Decline of pleasure vu / AGRADECIMENTOS Queto manifestar @ minha gratidgo a Escola de Administracdo Publica, da Unwersidade do Sul da California, onde encontrei amiza de, entimulo intelectual e apoio material para empreender a pesquisa dds qual nasceu este livo. Sto tantas as pessoas is quais me considero evedor que acho impossivel zelacionar todos os nomes, Devo mencion ‘pat, primeiro, Frank P. Sherwood, sem cuja asistencia dificlmente te- fia ev podido vencer os obsticulos da minha passagem do Brasil vida eadémica nos EUA, Ele tem sido um amigo, um ertico, severo mas hhonesto, dos meus eseritose, algumas vezes, um patrocinador das mi has empresas académicas. Tenho ume divida especial em relacdo Henry Reining, David Mars ¢ E. K. Nelson, os quais em sua qualidade sores de Escola de Administragio Publica da USC, em perfodos vos, desempenharam importante papel na consecuezo do tipo jamento de que precise, em diferentes vicissitudes da minha a neste pais, Quero também manifestar meu aprego a William K. itetor-adjunto da escola encontrou varia des manciras para fucltar mea trabalho de pesquisa, Valiosa contri- ‘buisdo para maior clareza e para o aperfeigoamento des minhas idéias resiltou das erticase sugest®es que me ofereceram meus colegas € ou tras pessoas que leram partes ou todo o rascunho deste liv e entre tas pessoas tenho satisfaggo em mencionar Peter von Sievers, Ross Clayton, Wesley Bjur, Robert Berkov, Alex McEachern, Kail Scheibe, David. L. Schsefer, Daniel Guersitre, Ellis Sandoz, Wiliam Dunn, Louis Gawthrop, estudantes de cursos de pérgraduaeio da USC, de tum modo geral e, particularmente, Francis Cooper, Tom Heeney, George Naija e Levi Reeve Zanga, colaboradoces amigos e criterios dos quais me vali, em matéra de co ‘Um agradeciment especial € devido a Charles M. Den wick, cuja rev 20 ¢-apuro do texto o clareza ‘grades: Porter e close et também, a Constance Rodgers, Mary Priem, Artimese 's membros da equipe da minha escola, que conscien- iemente me deram 0 apoio de secretariado necessério pe- Ix alegres e isis s das minhas solitérias Finalmente, minha permanéacia na Wesleyan Uni ¥ ome profesor ante, respec Wvamente, por ocasifo da licenea especial . para extudos que me fo onedid pela USC no aro academic de 1975/7) reborn ity ena 0.0 lade de Toronto, sob a dire- vvalor para 2 articulagio de PREFACIO Neste livro, apresento 0 arcabouso conecitval de uma nova cncia das organizag6es, Mev objetivo € contrapor um modelo de and lise de sistemas sociais¢ de delineamento organizacional de miltplos “centfas 46'miodelo atual eentralizado no mescado, que tem domiinado as Empresas” privadas e-2 administragd0 publica nos vltimos 80 anos, Sustento, em termos geras, que uma teoria da organizagdo centraliza- da no mercado nao ¢ aplicével a todos, mas apenas 2 um tipo especial de atividade. A splicacdo de sous principios a todas as formas de a vidade estd dificultando 2 atuslizapZo de possveis novos sistemas 9s de nossa sociedade. da, que 0 modelo de alocago de mio-de-obra ede re- nfo leva em contemporineo das. ca que a maneira pela qual & ensinado 0 modelo domi Gesastrosa, porque no admite explicitamente sua limitada wtilidade funcional Estou usando a exp: ciéneia das organizagies em sen- ‘ido ampio, ¢ a mesma inelui assuntos ndo apenas pertinentes a setores presentemente rotulados como administragio pUblica e administracao de empresas privadss, mas também temas especificamente pertencen. tes 20 campo da economia, da ciéncia politica, da ciéncia da formula. Ho de politicas e da cléncia social em geralyAssim sendo, da manetra Como est concebida neste livro, a nova cifncia das orgenizagéies € di ida a problemas de ordenacZo dos negécios sociais e pessoa microperspectiva, tanto quanto numa perspectiva macro. De um modo peral, 0 ensino € 0 treinamento oferecidos aos fudantes, nZo apenas nas escolas de administragao publica e de adm. nistragio de empresas, mas igualmente nos departamentos de ciéncia social, ainda sio baseados nos pressupostos da sociedade centrads no mercado, Hoje € necessério um modelo alternative de pensamento, ainda no articulado em termos sistemiticos, porque a sociedade cen- trada em mercado, mais de 200 anos depois de seu aparecimento, esta xl ma ‘mostrando agora suas limitap6es e sua influéneia desfiguradora da vida hhumana como um todo. E € apenas tal forma de pensamento que este to do conceito bisico de tod ciéncia social — & razio. A modema ciéncia social nZo pode ser completamente expl cada, sengo a luz ds compreensfo peculiar da razZo que nela esta am tica da razzo moderna i falharam, ndo obstante, quanto a encarar lexidade dessa raz4o, Mais recentemente i a 1az80 modema do ponto de vista do le. que sua grande iderada, pressupée ela, contudo, wim card i suficientemente qualificado, Mais ainda. éncie das organizages e da sociedade de pe: a exigida pelas condipdes 6 representada pela chama- ida etd carregada de moder. ter restauredor que deixa de prover a nov 216 um cites do modso sontemporneo de cna de wista do um modelo altematno. que chan ae da vida humana acids «que €caladorna da pot Mox Weber ente Wermatonate (or ou teas 2) © Zveckraionaliie (racionalidade funciona) em enlie, te centrada no mercado. lo 3 concetualiza a sindrome picolgic ineent so Giedadecenwada no mercado e expeiia seus tee pions ber: a fide da individualdade,» pempuctvins peaconalimo, Eclrce que enguanto os cdadSos om ae coe Pewasio organi, ts prosées elses drome em opearde haved na ation ds jas que mantém ipOteses, pouce oportunidade para uma transformasdo social revite. lizadora No capitulo 4, sustento que a teoria de organi po disciplinar, est perdendo o senso de 0 de o1ganizacses forma resents. o conceito da politica cognitiva, e de- ‘monstra que a mesma constitui a mais importante dimensdo osula de Psicologia da sociedade centrada no mercado. A teoria da organizaga0 hunca atinglu 0 sterus de ume discipline clentifica porque seus pro- xl pponentes no tém a percepedo de semelhante dimensio. A teoria da organi2ae0 dominante ¢ pré-analitica, no sentido de que aceta o esta do dos negécios humanos na sociedade centrada no mercado como uum premisse, sem se aperceber da extensZo das possiblidades objet- ‘as, 0 capibulo trata, com minicia, de t8s pressupostos no articula- dos da presente teoria da organizagdo, isto 6, a identificagdo da nature- za humana com a sindrome comportamentalista inerente & sociedade centrada no mercado, a definiefo da pessoa como um detentor de em- prego, ¢ a identificardo da comunicago humana com a comunicacdo tnstramental © capitulo 6 expe os pontos ceg0s € ‘organizacional existente © conch n de uma nova cigncia das organizaySes, baseada no temologicas da teoria mental, tanto quanto entr > formal da organizacto; é desprovida de clara compreensio do papel ‘desempenhado pela interacdo simbdlica nas celagbes interpessoais em geral; e apéia-se numa visio mecanomérfica da atividade produtiva do homem. Os capitulos 4, 5 laboram assuntos tratados em a ration Reviewe No capftulo 7, dos sistemas sociais ¢ do desenho organizacional, que denomino rmitagdo dos sistemas sociais. Tal modelo considera o mercado como lum necessério porém limitado enc sistemas sociais, como, por exemp! Ios enclaves e ‘chamo de paradigma paraecondmico. A lei dos requisitos adequados & apr mo um tOpico fundamental da nova ciéncia das organizagdes. De ‘cordo com essa lei, a variedade de sistemas sociais constitui qualifica. ‘fo essencial de qualquer sociedade, que deve ter respostas para as ne- ‘essidades basicas de atualizacdo de seus membros. Alsm disso, nesse ‘capitulo sustento que cada um desses sistemas sociais deter prOprios requisitos de seu desenho. A lei dos requisitos ilustrada por uma andlise da tecnologia, do tamanho, da percepedo, do espacoe do tempo dos sistemas sociais. enitada no capitulo 8 co- xl No capitulo 9, tento mostrar as implicagées potiticas do pa mico. A essa altura, afirmo que a del sistemas sociais no 6 apenas uma teoria de. Bslarego tal ponte dieutinds os procesos de aloesao de mde. deat rena vios de uma pepe dle, esmino 0 lvro om um sung dos picipcs fo da nova ciéncia das organizagdes e indicanc feral de sua a rvs a doo rum perl ce sua 6 10 captuioe dest vo consttuem i ‘ ue uma unidade orgie © devem se dos na seqbncla em ue eso sprsentadoe deen 1a leiterperderéaspctasfandamentas desu deenorieenny ‘eno, Iso 6 paticlament verdadelo em acto oe capitulo, em quest tomam evident a ua filos6ficas. © capitulo no pode ser compreen 7 uma pega auténoma, ae ieiiareactstee! criadora de tais especi gente de conhecimentos PREFACIO DA EDIGAO BRASILEIRA or brasileiro deste livro deve sempre levar em conta que ele {foi oniginalmente pensado e escrito em inglés. Especificamente, a0 es crevéclo, tive em mira expressar o meu desconforto com a moderna ciéncia social ¢ administrativa, particularmente na feigdo que assume “0 livro proclama que tal nova porgue & sud ti amente modemos, nova ciéncia Aigo ¢ ignorada nos meios académicos (© ser humano resiste 2 ser despojado do seu atributo essen- cial — a razo, No entanto, para viver de acordo com as prescrigbes da sociedade centrada no mercado, é coagido a reprimir a fun¢do norma tiva da razdo no desenho de sua existéncia social, A soviedade centra- da no mercado ¢ inerente a asticia de induzir 0 ser humano a intema- lizar aquela coapdo como condicao normal de sua existéncia, e esta ‘das manifestagGes dessa astcia é 0 fato mesmo de que tal sociedade, em vez de fronialmente declarar a sua incompatibilidade com as pres- crigdes da razdo, conservou a palavra em sua linguagem, mas dew ‘um sentido consonante com a sindrome psicol6gica constitutiva do seu. caréter. Assim, © que se chama hoje de razo, na sociedade centrada ‘no mercado, bem como nas ciéncias sociais em geral, uma corruptela do termo tal como ele mesmo e seus equivalentes sempre foram uni- verselmente entendides até 0 limiar dos tempos modemos. A critica dessa transvalorizago do termo permeia toda a tessitura deste livro. No mundo contemporaneo, os EUA sd0 a mais desenvolvida soviedade centrada no mercado. Por conseguinte € ai que o ser huma- no vaise tomando mais consciente do efeito deculturativo do merca- do. Eventos que ndo vem 20 caso relatar aqui levaram-me a residir nos EUA desde 1966. Nos iltimos trés lustros, @ problemética norte-ame- rican, tanto nos seus aspectos académicos como naqueles pertinentes xv a0 dominio dos afazeres cotidianos, tem sido parte central de minha vida, Este livro destila essa intensa experiéneia, Em varias de suas pas- sagens, € evidente que minhas elaboragoes conceituais sfo largamente ‘afetadas por incidentes tipicos da vida norte-americana, Mas ¢ modelo de sociedade que A nova ciéncia prescreve jé existencial de creseente nimero de individuos BUA, milhares de pessoas estdo sistematicamente vivendo como. mercado fosse apenas um lugar delimitado em seu espaco vita. E uma revolugdo silenciosa que, embora ndo faga manchetes 53, cons fe livto, a historia do futur. pre ages entre 0 in ‘estes ¢ a natureza, Em palavras, este modelo 1 A categorizagio desse modelo emergente na prixis de minorias em todo 0 mundo tem importancia universal, pois constitu: a referen- cia magna da critica da sociedade modema, ¢ de sua ideologia que, sob 0 disfarce de cigncia, de vérios modos comanda o processo configurati ¥0 da vida dos povos, tanto nos paises chamados capitalistas como nos chamados socialisas. Nos estudos que realizet no Brasl antes de radicar-me nos EUA jf eram perceptiveis as linkas mestras do pensamento sistematicamer- teessado em verficar a progres- pensamento dinjo 2s consideragGesfinais ase Nos meus estudos publicados no Basi desde 1957 encontram-se andlises da ciéncia social européia ¢ da norte-americana, bem como do marxismo ¢ do paramarxismo [veja Introdupdo critica d sociologia bra- sileira (1957), O Problema nacional do Brasil (1960), A Crise do poder no Brasil (1961), Mito e verdace da revolupao brasileira (1963)}, Por ‘icularmente significante na minha trajetOria intelectual & 4 Redueao sociolégica, cuja primeira edicZo € datada de 1958, No prefécio da se- gunda edigdo deste lio (1965) sublinhe o trplice sentido da redugzo sociolOgica, a saber: a) atitude imprescindivel & assimilagdo critica da cigneia ¢ da cultura impportadas; 6) adestramento cultural sistematico necessirio para habililar 0 individuo a resist & matsificagao de sua conduta ¢ a pressGes socials organizadas; ¢) superagéo da ci «ial nos moldesinsttucionaise universtérios em que se encontra. Na edigio de 1958, 4 Reduedo sociolégioa tratou principalmen- te da mesma em seu primeiro sentido, Posteriorme: tar o segundo sentido da reducéo sociolégica, su homem parentético, em Homem-organizacioe homem-paren pitulo de Mito e verdade da revoluedo brasileira, eer Models of man and administrative theory, artigo publicado no nlmero de maiojjunho de 1972 da Public Admin XVI ro € resultado de minhas pesquisss sobre a redugio socio- tnha sido esbogado em met est loi, qu constitu o apéndice de Zo socioligice (2. ed. 1965), assim como em Modernization: ‘bart poabity model, capitulo s Developing nations quest for a model (org. por W, A. Boling & G.O. Totten, 1970),n0 qual focalizo ¢ pensamento de Talcott Parsons e de outros excritores norte-america Finalmente, em meu livro Administragio e estratégia do desenvol- imento (1966) mi s do conceito de racionalidade e de ou- pices da ciéncia social dominante jé antecipavam muito do que contrac nest liv. “A Nowe cloncla des organizes 6, asim, produto de cesa ds 30 anos de pesquisa e reflex. Mas ele nfo artieula tudo aquilo em {que a nova ciéncia consiste, Apenas comega uma nova fase da exphica- do da proposta de trabalho tedrico e operacional, que espero consu- mar durante 0 sesto de minh. macdo atual da Alberto Guerreiro Ramos Los Angeles, 1980 XVII PREFACIO DA 2? EDICAO AMERICANA. Alberto Guerreiro Ramos abordou os problemas mais im- portantes deste século. Nascido na Bahia, em 1915, orgulhoso de sua ancestralidade africana, ele trabalhou intensamente no desenvolvimento brasileiro, proferiu aulas ¢ conferéncias na Eu- ‘ropa e na Asia e alcangou o auge de sua capacidade intelectual Gurante os dezesseis anos que passou nos Estados Unidos, onde ‘morreu em 1982. Trabalhou com energia ¢ persisténcia no senti- do de transformar conhecimentos humanos tradicionais € moder- ‘nos numa forca criativa do processo de desenvolvimento, Guerreiro Ramos entendeu a homogeneizacio e a falta de incentives das sociedades socialistas ¢ @ heterogencidade © ‘anomia das sociedades de mercado. Em sua obra - A Nova Cincia das Organizagées: Uma revisio de “A Rigueza das Nacées” — ele desenvolveu um modelo de delimitacio social, com o paradigma pare-econémico voltado para a identificacso das distingées entre as estruturas organizacionais nessas socie- Gedes, Concentrando sua teoria na racionalidade substantiva, tomando em conta todo © escopo dos valores humanos, 20 invés de deter-se apenas nos valores econémicos ¢ instrumentais, Guerreiro Ramos amplia a obra de Max Weber. Ao propor 0 uso apropriado de mecanismos de mereado em setores especfficos e bem delimitados, Guerreiro Ramos cria uma altemativa funda- mentalmente distinta daquela postulada por Adam Smith. ‘Empenhado em entender e analisar as complexidades das experiéncias do Sul e do Norte, Guerreiro Ramos acha um meio de fundir 0 que de melhor cada uma delas pode oferecer. Essa andlise tem Sbvias ¢ profundas implicagdes no processo de de- senvolvimento do Terceiro Mundo ¢ das sociedades pés-indus- triais. ‘Como professor, Guerreiro Ramos conjugou a construcao teGrica com a constante atenc&o para a prética da tarefa do de- senvolvimento, Ele inspirou toda uma geracao de estudantes ‘como professor da Escola de Administracdo da Universidade do xIx Sul da California, “Introduco Critica & Sociologia Brasileira” q Problema Brasileiro” (1960), “Redug&o Socioldgi- “‘Administracio © Estratégia do Desenvolvimento” d centenas de artigos, cnsaios e livros constitem uma obra duradoura. Guerreiro Ramos trabalhou também na “Escola Brasileira de Administracéo Pitblica”, na Universidade Rural do Rio de Janeiro e foi chefe do Departamento de Sociologia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, Foi professor visitante ras universidades de Yale, Wesleyan, Paris, Universidade Fede- ral de Santa Catarina, bem como nas Academias de Ciéncias da Unio Soviética, lugoslévia e da Repitblica Popular da China. Como um homem de acto, Guerreiro Ramos trabalhou, du- rante toda uma geracdo, no Departamento Administrative do Servigo Pablico, foi membro da Delegac&o do Brasil 4 Assem- biéia Geral das Nagées Unidas em 1961, Deputado Federal, Di- etor de Pesquisas do Ministério do Trabalho e Assessor dos Presidentes Vargas, Kubitschek e Goulart. Como ser humano, Alberto Guerreiro Ramos integralizou todas essas facetas numa vida dindmica e multidimensional - ca- tedrético, conselheiro, poeta, te6rico, mestre, amigo - um eéni da vida. Sério com os colegas; fervoroso, provocante € zel com seus estudantes, Alberto encamou plenamente seu pensa- mento de que a vida € um processo ativo ¢ deliberado a ser ex- perimentado integralmente. Guerreiro Ramos esté vivo na cont ‘Nua expansfo ¢ impacto de sua obra, Ele & um desses seres {a ares que soube combinar sua prépria vivencia com as ligées de seus. amtepassados e forjar desse conflito ¢ diversidade a pro- messa de um futuro melhor. Cidado do mundo, Guerreiro Ra~ ‘mos, nessa sua luta por um futuro mais humano, foi também um cidado muito especial daqueles pafses aos quais tanto deu de si - Brasil e Estados Unidos, Robert P, Biller Professor de Administragdo Publica e Vice-Reitor da Universidade do Sul da Califémia SUMARIO ‘Agradecimentos 2X Prefiicio X/ Preffcio da edico brasileira XV Prefiicio da 2? edicao americana XIX 4, Colocagdo desepropriada de conceitos e teor 4.1 ‘Tragos fundamentais da formulapg0 sma-se em colocagio inapropriada 77 a organizacao 69 rica 69 fade corporative 72 jenaeo mal compreendida 72 4.5 Sanidade organizacional, uma denominagao inco 4.6 Pessoas e modelos de 3 79 4.7 Conclusso 82 Bibliografia 83 ta 76 ica cognitive — a psicologia da sociedade centrada no mercado 86 5.1 Politica cognitiva, uma digressio historica 87 5.2 A politica cognitiva ¢ a sociedade centrada no mercado. 90 5.3. Uma visio paroqulal da natureza humana 93 5.4 O alegre detentor de emprego, vitima patolégica da sociedade centrada no mercado 98 5.5 A psicologia da comunicagdo instrumental: 108 5.6. Conclusto J/4 Bibliografia 115 6. Uma abordagem substantiva da organizacao 118 6.1 Tatefa 1 ~ 2 organizagdo como sisteme epistemolégico 118 6.2 Tarefa 2~ pontos cegos da teoria organizacional corrente 120 6.3 Reexame da nopdo de racionalidade 127 64 Peculiridade historica das organizagves economicas 123 6.5 Interagdo simbélica e humanidade 126 66 Trabalioe ocupagio 129 6.7 Conceptualizacdo de uma abordagem substantiva da organizagdo 134 6.8 Conclusio 136 Bibliografia 138 7. Teoria da delimitapao dos sistemas socials: apresentagdo de um paredigma 140 7.1 Onentagao individual e comunitéria 140 7.2 Presetigo contra auséncia de normas 143 73 Coneeituaedo das categorias delimitadoras: 146 Bibliografia 153 xx 8 10. _Alei dos requisitos adequados ¢ 0 desenho de sistemas sociais 155 Bibliografia 173 Paraeconomia: paradigma ¢ modelo multicéntrco de alocagdo 177 Bibliografia 191 Visio geral e perspectivas da nova ciéncia 194 10.1 Acne social convencional 194 10.2 A organizacdo resistente 198 Bibliografa 201 Indice analitico 203 XXII ICA DA RAZAO MODERNA INFLUENCIA SOBRE A TEORIA DA ORGANIZACAO {A teora da. organizapto, tal como tom prevlecido,éingéous, Assure ese cakter porque sbasea ne rcionaldade instrumental inerente a ciéncia social dominante no Ocidente. Na realidade, até ago- fn ee ingenuidade fem sido ofator fundamental de seu sucesso pat Co. Todatia cumpte ecocer goa que ese sues tem oun mensional e, como seré mostrado;€xerce um impacto desfigurador so- bre a vida humana associa, Nfo€ esta a primera ez em gue, em ts io de conideragbes tents, se 6 levado& condenar aguilo que fur ciona na vida social fato, 40 anos atrés Lorde Keynes Obserou que 0 desenvoNimento econémico decor da avareza, da ‘sua, da precaugfo ~ tudo iso coisas que te deprezava Concuiu ae “por empo" precisa ets continuar No contexto des predrascore Gigoes que ce eopeava fossem ands perdurar por agum tempo, Keynes secomendou que se fizese de conta, para nos mesmo ¢ pare todo mundo, que acento ¢erradas.o.enado ¢ceios porque oerado é ies, 1932, p. 372). Fe haverd agus pessoas que pefram su- i orgaiziional coments, porgue, embora sendo pobre ic, ela funciona. Contudo, para fazer isso, € presiio que ae fnja que 4 inganuidade 6 certo, enquanto a solstice fio tebica 60 eradoPAlas num tempo como ohowo, em que a ent Ba psloliglea que um individvo tem que despender, para poder en Frenaras tenses esltantes dessa forma de fraudeauteimposta € de tal magnitude que ele se recusa a ser convencionalmente bem-sucedido ¢ deixa de aquiescer as normas pelas quais a sociedade tima-se. Nes- tes circustdncia, aeons da oganizapdo, tal como : € menos convincente do que G Tor mo pasado e, mais ainda, torna-se pouoo pitic e inoperante,na medida em que continua ase apolar om pressapostosingénuos ’ pala figenuade €usada aqui no sentido em que a empte ou Huse, que reconheceu que a estncia do sucesso tecnolgico 1 ‘econémico das sociedades industria desenvolvidas tem sido uma con- seqiincia da intensive aplicacdo das cléncias narurzis. No entanto, a capacidade manipuladora de tas cigncias nfo constitu, necessariamen- te, uma indicacdo de sua sofisticagdo tebrica. Assim, de acordo com Husser, na medida em que essasciéncias admitem como evidente por ‘i mesmo 0 tipo pré-weiletivo da vida cotidiana,ficam eles “no mesmo nivel de racionalidade das pirémides do Egito” (Husser!, 1965, p. 186), Em outras palavras, as cifncias naturais do Ocidente nose fun- de pensamento, jé que se 3s priticos imediatos. E is serl quis dizer com a afirmapdo: “Toda ciéncia naturl é ing ‘ug relativamente # seu ponto de partida, A natureza, que id invest: gar, esta simplesmente & disposicgo dela para isso” (Husserl, 1965, . 83). No fim de conta, as ciincias naturals podem ser perdoadas pot Sua ingénua objetividade, em raz0 de sua produtividade. Mas essa 1- ncia nfo pode ter vez no dominio socal, onde premisses epistemo- logicas errémeas passam a ser um fendmeno eripto-politica ~ quer di- zer, uma dimensio normativa disfargada imposta pela configuraezo de poder estabelecida 0 presente capitulo é ume tentative de identifieapdo da episte- mologis inerente me ciéncia sovial estabelecida, de que @ atual teoria organizacional ¢ umm dervativo. Meu principal arzumento & que # cia cia social estabelecide também se fundamenta numa raclonalidade ins ularmente earacteristiea do sistema de mercado, Con- Jo indieando o assunto principal do capitulo 2: um coneceito de racionalidade mais teoricamente sadio, quer dizer, uma r= cionalidade substantiva, que ofefeea a base para uma cigncia social al- © para uma nova ciéncia das orgenizagdes, em pres termo razdo (ass jd exa pecul dente, No sentido antigo, como seré mostrado, a razdo era enten mo forcaativa na psique humana que ha! it entre 0 bem ¢ 0 mal, entre 0 conhecimento falso co verdadeiro ¢, 2 vida da razao asua assim, oxdenar sua vida pessoal social. Mais ainda, “ha psique humana era encarada como uma realidade ropiia reducdo a um. fendmeno historico.ou social Nos trabalhos de Hobbes, a “rezo, moderna” 6, pela primeira smaticamente articulada, e até hoje sua influéncia ndo ceu!Definindo a razdo como uma capacidade que o individuo “pelo esforgo" (Hobbes, 1974, p. 45) e que o habilita a nada fe “célculo utilitério de, consequéncias |, Hobbes pretendeu des normative no dom: ar a cabo 0 Seu pro} ais velha... do que meu assume com frequéncia conotae6es a aos propésitos fundamentais da existencia icagdo transformov: alguns que s¢ encaram, a si préprios, como humanistes. No quando se examinam suas intengdes, percebe-se que a causa errada, Suas intengdes podem ser boas, mas seu objetivo esta en ganosamente mal colocado’'A racionalidade por que se batem é, na realidade, 2 distorgso de um concsito-chave dz vida individual associada, | trnsavaliagfo da abstrato, do bom no fu fando a conversio do concreta no smo do ética no néo-ético — ca principais deste livco consistiré em assinalar que, quando com outras sociedades, a sociedade modema tem demons alta capacidade de absorver, distorcendo-os, palatras ¢ o significado original se choca essa sociedade. Uma vez que a palavra razio posta de ado, por forga de seu car ‘dade modema ccabulario tedrico que prevale nto de pre caminho que levard a uma nova de como um todo, livre de desfi- 3 sgurada linguagem teérica, examino rapidemente, nos parderafos se: guintes, a avaliardo critica da razdo moderna, empreendida por alguns dos mais eminentes estudiosos contempordneos. 1.2 A resignacdo ¢ 0s pontos de vista de Max Weber sobre a racionalidacie Quando Max Weber iniciou seu trabatho académico, a velha no- fo de razdo jf tinha perdido a conoracio normativa, que sempre tive: f2, como referéneia para a ordenagdo dos negocios petsoais e sociis. Por um lado, de Hobbes a Adam Smith e aos modernos cientstas so ciais em geraljinstintos, paixGes,inteesses ea simples mativacdo subs tituiram razdo, como teferéncia para a compreensio ¢ a ordenacd0 dz vida humans associada, Por ouizo lado, sob a influéncia do Tlumi- nismo, de Turgot a Mars @ historia Substituiu 6 homem, como porta dor da tazio. Contra tal situacdo, Max Weber pecmanece como uma figura solitria. Rejetou tanto o rude empirismo britanico @ o natura: Uismo dos cientisas socials, quanto o determinism historico, principal caracieristica de influentes pensadores alemées, Uma clare indicagso a conotagio polémica éa obra académica de Weber estd em sua tent tiva de qualificar a nogo de racionalidade. Max Weber € descrito, frequentemente, como verdadeiro crente nz insaficientemente qualficada exceléncia da légica inerente & 50: ciedade centrada no mercado, No entanto, uma letura cuidadosa de sua obra justfica diferente avaliaodo de seu pensamento, a propo: do assunto. Ele esereven muito sobre o mercado como a mais efieiente configuragdo para o fomenta da capacidade produtiva de uma nacio e pura a escalada de seu processo de formacdo de capital. Mas, 20 Yoltarse para 0 mercado e para sua logica especifica é evidente que renhum fundamentalismo mancha sua investigagdo, Em outras ps lavas, no era um fundamenialista, no sentido de que explicava 0 mercado e sua légica espe do sindrome de uma época singular: 2 encezrar seu curso com © advento dessa época. Focaliza esses assuntos do ponto de vista da ise funcional ¢, na vealidade, merece ser considerado o fundador funcional. Avtores modernos, como, por exemplo, Adam Smith, negligenciam o carater precétio da logica de mercado, enquan to Max Weber a interpreta como um requisito funcional de um deter sninado_sstema social episodico. Adam Smith procedeu como um fun- damentalsta, visto como exaliou a logica do mereado como umm ethos 4a existéncia humana em geral. Mas Weber, porém, descreve ess id ce (da qual a buroeracia ¢ ume das manifestagdes) como um complexo hheuristico em efinidade com ums forma peculiar ée sociedade ~ 0 ca- pitalismo, ou a modema sociedade de massa, Con. qualquer tipo fundamentaisea de atdlise econdmica, que “identifica 4 ‘9 psicologicamente existente com 0 eticamente valido” (Weber, 1969, p. 44), Nessa disposigao e tendo em mente os economistas libersis, ‘observa: “Os defensores extremados do livre-comércio... concebiam (a eco- nomia pura) como um retrato adequado da realidade ‘natural’, isto 6, da redlidade ndo perturbada pela estupidez humans ~ e prose isando a estabelecé-lz como um imperativo moral, como um vélido ideal normativo ~ enquanto que ela € apenas um tipo conveniente, @ serusado na andlise empirica” (Weber, 1969, p. 44). © julgamento que Max Weber fez do capitalismo e da moderna sociedade de massa foi essencialmente critico, apesar de parecer lauda- tono. Chocavase ante a maneira pela qual tal sociedade fazia a reava- liaedo do significado tradicional da racionalidade, processo que intima- mente lamentava, embora tena deixado de diretamente confrontéo, ‘Muito embora Weber se tenha recusado a basear sua andlise sobre a in- tignacio moral, como fizeram outros tebricos, de forma nota’ erto atribuirthe qualquer compromisso dogmético com a racior de gerada pelo sistema capitalista, A distingdo que fez, entre Zweckra Honalitat ¢ Wertrationalinat ~ e que, € verdade, 2a ~ constitu possivelmente, uma manifestagao do conflito moral em {que se sentia com as tendéncias dominantes da moderna sociedade de 10 & amplamente sabido, ele salientou que a. racionalidade iqnatitat) & determinada por uma ex- ns calculados” (Weber, 1968, p. 24). A ndependentemente de sias expectativas de teriza nenhuma ago Auimaiia intoressada na “‘consecucao de um res tado ulterior a ela” (Weber, 1968, p. 24-5). Nessa conformidade, We- ber cescreve a burocracia como empenhada em fungOes racionals, no contento peculiar de uma sociedade capitlista centrada no mercado, ¢ caja racionalidade ¢ funcional ado substantiva, esta dlkima consti tindo um componente intrinseco do ator humeno. Sob fundamento slgum € possivel considerar-se Max Weber como wm representante da racionalidade burguesa, uma vez que ele encarava ese tipo de racionalidade com Aqueles quo afirmam 0 contririo ides observaghes_aid hoc com sua posicd0 p mesma forma que deixam de peroeber 2 tensZo espiritual que subli ‘ahou seus esforcos para investigar, size ira ac studio, a tematica de sua 4poca, Na verdade, ele foi incapaz de resolver essa tensio empreende- do uma andlise social do ponto de vista de racionalidade substantiva, De fato, Wertrationairat é apenas, por assim dizer, uma nota de rodapé em sus obra; nie desempenha papel sistemético em seus estu- dos, Se 0 fizesse, a pesquisa de Weber teria tomado um mimo comple. tamente ai te, Escolheu ele a resignacZo (isto ¢, a neutralidade em io a confrontagdo) como posicao metodologice, em e882 resignagdo nunca o desorien- a radical, De modo significa: qualquer posigGo que “afirme ese de varios pontos de vista partidarios, ou seguin. Go uma linha intermedidria aos mesmos, seja possivel cheger-se 4 not, ‘mas prities de validade eientifica” (0 grifo € do orginal) (Weber, 1969, p. $8), Seu historicismo foi mantido em equilibrio pelo forte sen. timento pessoal de finitude dos concstos cientificos, em comparagio om 2 otrente infinitamente multifarme" (Weber, 1968, p.92) da O funcionalismo qualificado de Max Weber tem sido mal come preendido por alguns de seus intérpretes, e mesmo pelos que se auto roclamam seus seguidores. Um caso a assnala é Taleott Parsons, cuja bra, a0 que parece, sofceu a influéncia de Max Weber, Parsons mostra Pouca ou nenhuma ambigiidade moral em relagao a racionaidade imanente ao sistema de niercado, A luz de seu modelo dogmatico de andl ual extrai suz nolo de “variéveis. dra’ 0s requisitos especifices da socie- Gade capitalista avangada tormam-se padres dogmaticos para a ciénets Social comparatva, e mesmo para a propria historia, 13 A viséo ada de racionalidade de Karl Mannheim E ébvio que Karl Mannheim se apbia em Max Weber para estabe- leoer uma distingdo entie racionalidade substancial e funcional Define nacional “um ato de pensamento que revela percepede: lagGes_ de acontecimentos, numa situagdo.determinada” (Mannheim, 1940, p. 53) ¢ esse natureza tormam. da por “juiga. 1940, p. 58), Essa racionalidade tui a base da vida humana ética, responsivel. A racionalidade siz respeito,a qualquer conduta, acontecimento ou objeto, ‘na medida em que este ¢ reconhecido como sendo apenas um meio de uma determinada meta. A influéncia Jimitada da racionalidade ional sobre a vida humana solapa suas qualificagdes éticas, Tal distincdo, portanto, & estabelecida para propésitos éticos ¢ lade, Mannheim sublinha 0 fato de que a racionalidade funcio. nde a despojar 0 individuo médio” (Manniheim, 1940, p. $8) de sua capacidade de sadio julgamento, Ele vé um declinio das ficuldaces Vota Persons, Faleote (1962/1968) 6 4e ctitica do individuo, na proporgdo do desenvolvimento. da indus- ‘tializacso. Sugere, também, que embora a racionalidade funcional ‘enha existido em sociedades anteriores, esiava nelas restritaaesforas limltadas. Na Sociedade modema, porém, tende.a abranger 2 totalida- 4e da vida humana, ndo deixando ao individue médio outta escolha ‘além da desistencia da propria autonomia e “de sua propria interpreta- fo dos eventos, em favor daquilo que os outros lhe do" (Mannheim, 1940, p. $9). Seu livro Man and society in an age of reconsinuction & uma indagecdo sobre a mancira de proteger a vida humana contra a ‘crescente expansdo da racionalidade funcional. Mannheim alega que ‘todo aquele que deseje ser coerente com a distingfo entre os dois tipos de racionalidade precisa compresnder que um alto grau de desenvol ico € econdmico pode corsesponder a um baixo desenvol . Vale 2 pena salientar esse ponto, porque hé autores de Positivista que parecem admitir a validade da distingao, sem se aperceberem, aparentemente, das consequéncias tices dessa distinggo. 0 que Mannheim faz ndo sugere que a racionalidadé + abolida do dominio social. Estipula, antes, que uma ordem social verdadeira e sadia nfo pode médio perde forca psicol6gica que Ihe permite suportar a tensdo entre a racionalidade funcional e a subs por completo se rede Tal situagdo ¢ agravada quando aqueles que 0 de decisGes descuram da tensfo existente 8. Através da abordagem do proceso for rmativo de decisdes de um ponto de vista puramente técnico e pragmé ‘ico, aceitam a racionalidade funcional como o padrao fundamental da vida humana, 4s exigencias de prime estidam 6 provesso fom entre as duas racional 0 que fez. Seu ec ‘qual pretendeu integrar todas as principal coniemporinea, acabou por deixé-o desnorteado, Nem a preocupacao de Mannheim com a liberdade humane o salvou ds perplexidade inte- Teotual. 0 esforco clesificatério que desenvolveu, na avaliagéo € ‘omentirio de descobertas feitas no campo da cigncia social conven ‘ional, nunca the permitiu, realmente, cheger a um conjunto coerente de diretrizes tebricas. Por exemplo, no livro Man and society uma andlise aguda e observayGes tas ele ndo conseguiu desenvoiver um onceito de cigncia social em consonéncia com sua nocdo de raciona- lidade substancial 14 A teoria critica da Escola dle Frankfurt ‘A racionalidade tem sido uma das preocupapSes centras da cha- ‘mada Escola de Frankfurt.” Seus principas representantes, essenclal- ‘mente, afirmam que, na sociedade modema, a racionalidade se trans- formou_num-instrumento_disfarcado de perpetuagdo da repressfo social, em vez de ser sindnimo de ra2dio verdadeira. Esses autores pre- tendem restabelecer © papel da razio como uma categoria ética e, portanto, como elemento de referéncie para uma feora critica da Sociedade. Recusam, 20 que parece, o pressuposto de Mam de que a racionalidade ¢ inerente & historia, ¢ que o provesio da sociedade mo- dema, através da critica dialética de si mesma, conduzira & Zdade dz razdo, Salientam que Marx nfo percebeu que, ha Sociedade modema, as forgas produtotas haviam conquistado seu pr6prio impulso institu sional independente, assim subordinando toda a Vida humana a metas ‘que nada tém aver com a emancipapo humana. © questionamento a que Horkheimer ¢ Adorno submetem 0 conceito de razdo de Marx é uma conseqiiéncia légica de sua analise da tradigfo iluminista. Encaram eles o Huminismo como o momento em que 0 conhecimento da razdo foi separado de sua heranca cléssica, De acordo com Horkheimer, hd uma teoria de razgo objetiva, oriunda de Platdo e Aristoteles e passando através dos escolisticos e mesmo atra- vés do Healismo alemao (Horkheimer, 1947, p. 41), que enfatiza os fins de preferéncia aos meios ¢ as implicapSes éticas da vida de razdo pare a existéncia humana, Essa teoria nao focalize a coordenacdo de comportamento e prop conceitos — ndo importa 0 quanto nos paregam hoje = sobre 2 idéia do bem maior, sobre o problema do destino humano e sobre a maneiza de serem atingidos os objetivos dltimos” (Horkhei- mer, 1946, p. 5), Horkheimer considera implicitos nesse entendimento da razdo 0s pre- cexitos de ordenago da vida do homem, No entanto, o Iluminismo transforma pensamento em matemié- tica, qualidades em funcGes, conceites em formulas, e a verdade em frequiéncias estatisticas de médias. Em outras palavras, com o llumi- nismo, “o pensamento se transforma em mera tautologia” (Horkhei- 2 Sobre a (6a Escola de Frankfurt, via Jay. as73), 8 : indo € escrito ‘met, 1947, p- 97)? Na peispectiva do Luminismo, o mundo & escri dm férmulas matematicas, e 0 dasconhecido perde seu transcendente fignificado clissico, tormandose alguma coisa relativa as capacidades ide céleulo disponiveis. Assim, Horkheimer e Adorno escrevem: smatico esconde a SA redugio do pensamento 2 um aparelho matematico escon¢ sangio do mundo como seu proprio instrumento de mensucaga0. O jque parece ser o triunfo da .., racionalidade, 2 sujeicao da realidade foda a0 formalismo logico, ¢ pago pela obediente submissdo da razéo 20 que € dado diretamente, O que € abandonado € a total reivindica- flo ¢ abordagem do conhecimento: a compreenséo do que é dado Como tal ... A fectibilidade gonha o dia..." (Horkheimer ¢ Adorno. 1972, p. 26-7) ‘moral ¢ religiose” (Horkheimer, 1947, p. 18) no teria sido consuma- da no decurso dos dltimos séculos, sem 2 concomitente desnaturacdo séfica ¢ da linguagem usada nos negocios humanos whale de pa hes efre abe soya alcane do para a presonacio d Como resultado final do proc ma, precisa do sos Ge ur desua tonzatva de wars fautopreserracio fp sa pure dominaezo bel 9 ‘inseco, o Muminismo desencadeou um processo de corrapedo da fala! que conduatu 4 decadencia cultural. Horkheimes esereve: “A agua fo sedi als um insmento no ggantsco ape sho de produsio, a socedade modemma Tors setengs que Mo aul sua opeapo pres ao ego tap dssprovcs de eticndo quanto € assim considerada pelos semanticos contempordneos, que Entendem gue to gis € puemntesiaboice¢ opeconal, et dey, aentngspuramente em sentido fa sentido Ne edideer ae as palais no ao sas com o propos eigen de eel ‘Ecicaman probsligades impotanee 90 pra cuts oben pros eno os guns incl oelnamen,comer las oreo Je SE tomarem supa. porgue a verdade nao consti um fm om mesma” (Horkheimer, 1947, p. 22) e eee Horkheimer_vé.0.processo de desnataracdo de linguagem como resultado, da profunda socalizag%o do individuo no sistema indus- ‘tial moderno, Em algumas péginas de Eclipse ce razdo, antecioa cle 0 essencial daquilo que Riesmann ¢ seus associacos terlam a dizer em The Lonely crowd.* Horkheimer descxeve. 0 homem modemo como ‘um “ego contraido, prisioneiro de um presente efémero, esquecendo- se de usar as funcdes inielectuais pelas quais fo! caps2, um dia, de transcender sua efetiva posicfo na realidéde" (Horkheimer, | P. 22), O individuo modeino perdeu a capacidade de user a linguage sg6es. E capaz, preferentemente, de exprimir P aencia, recasa-se Horkheimer @ acetar o usual ‘comportamenta das pessoas” (Horkheimer. 1947, p.47) modems, como base pare decidir o significado de racionali dissimula sua indignaco moral diante da mode 6 livro Felipse da razao com a seguinte afirmative: lo que ¢ hoje chamado de raz50 ¢ prestar” (Horkheimer, 1947, p. 187), A nogto de racionaidade ¢ iualmente soberana nos trabalhos de Habermas. Seu interse primordial € a consnucdo de uma tee crtca da sociedade, come instumento pata sstabelecero prmato da condateracionalnaviga soci. A contirio de Weber, Habermas no suspende os padres étcos quando se ols peso ‘ema da vactonala de nas soiedades modemas. No contexto deste capitulo, petece que © trabalho de Hebermas se toma importante na media em ue att Cos temas seguintes Veja Jy (1973, p. 262), # Veja especialmente, Hos 10 mer (1947, p. 141-2 1. A restauracao do concsto de um interese ravionl, que embora implicito no pensamento politico greg, pasou a ser tema cental dos Solemas Biosficos Gos deaists lemfes 3 Restame das opinibes histicas de Marx e, especialmente, de soa premibsa de que uma Sociedade racionl ira reslar, necessariamente, do desenvolvimento das forgas de producto. 5S investiga das consequtncias politica ¢psicldsiss do dominio da racionalidade instrumental sobre as sociedades modernas. 4° padronizacdo de cominicesdo come ponto central de ume te foci integrative critica, Incinase ele por uma espécie de inteatva, : Habermas mergulhe na corente principal do Ideaismo alemio pare examinar a racionalidade de um ponto de vista erica, Salients Gue na Hlosofa transcendental de Kant “j6 agaece o conceto de um Messe da 12290" (Habermas, 1968, p, 198). A razZo pure, na obra de Kant, tom o intorese prtico de vir a encarnarse na vida social ‘rao Tos concebida por Kant como sendo dotada de causaliadec Ge sua natueza, pocese induzs # noydo de um bem a ser procurado, to dominio da vdn pesca, tanto quanto no devia social, "A razd0 preceitua ui dover exclusivamente aos ares cacionals™* disse K Pitsepensarsento constitu o tema ineito de sua Critica da razdo Dritea, que conte, acrecta Habermas, os cudinentos de uma teria ca da sociedade,Aléma disso, Kant 6 rai do pensamento socil0- f500 alemo, de ume forina ou de outs, Habermes apoiese ns heran Exnvona para daseavoiver ema teona social consonarte com 0 Sig cdo exquecido de racionalidade. Em um de seus zosumos.do pensa fnento de Kant, dz ele que." tazdo existe um impulso intrinseeo para tornarse uma realidade” (Habermes, 1968, p. 201). Em outras palavras, a razao tem um inieresse pratico, que se deveria tomar efeti- 5 numa sosiedade de sees raciontis,O problema consste em como tomar pres a rarHo pura, 10 mundo sociale a8 respostas aes pe funta tem veviado, Hegel © Mans acreditavam que a rato pra se hate Fronigaria oom a r22io prstca da vida de cada da, numa Téade da fam como a consequnca necesira da evolugdo “question fundimentalnente tl entendimento. Depois de entaizar 0 co to de um interesse da razdo, na obra de Kant, Habermas observa, contudo, que Fichte dev & questéo um tratamento que se ajusta, particularmente, a uma teoria social critica Desenvolveu Fichte 0 “conceit do interesse emancipatério inerente & tezio ative” (Habermas, 1968, p. 198), que inspirou Habermas na el ‘bora. de_uma.tipologia. de interesses cognitivos, como, critérios para diferenciagao de virias linhas de pesquisa, no. dominio da igncia. A feoria de Fichte ¢ especialmente significativa porque identi- © Apu Habermas (1968, p. 200), n fica a racionalidade como 0 ateibuto essencial da consciéncia humana eiclarecida, isto €, de uma consciéncia liberada do dogmatismo que de ‘ofdindno infecciona todas as foamas conhecidas de vida cotidiana ‘A noeéo de interesse cognitivo transforma-se num instrumen ‘central para a distingao entze varios tipas de ciéncia. Habermas o rertcia de acordo com os intereses orientadores de suas pesquisas, a saber: a) “ciencias (cléncias naturais) cwjo interesse cognitive € 0 controle téenico sobre procesios objetificados”; b) cigncias cujo inte- 10 ¢ uma “preservasdo e expansio da intersubjetividade orientada para a ardo"; ¢) ciéncias Sto é, que devern és capacidade humana pare a suto-ellexdo ¢ a autonamia ética (Habermas, 1968, p. 308-10) © interesse orientador da pesquisa de ums teoria critica da mento de sociedade € 2 emancipagGo do homem, através do desenvoh suas potencialidades de auto-rflexio, No entanto, no moda! cia social estabelecida, 0 controle téenico de realidade consti reste bisico, como orientador da pesquisa. Isso equivale a dizer cigneia social estabelecida tomou-se cientistica, mediante a assim gf do método das ciéreias naturals (a este respeito, hd mais no capi- tolo seguinte), Além disso, transformou-se iuciondlizado sobre o mundo no controle da realidade to nto nas cigncias naturals, quanto nas socials, © iza uma cincia social conceitueda em bases diferen _. estendo, de modo metbdico, isligente” “da histOria da espécie” em si mesma (Habermas, 1968, p61), Habermas vé-se como admite a possibilidade de w cont 9). © fato € que, nus sociedades indust ‘amplia 0 controle da natureza, 0% sej2, 0 hrumana em geral, Mesmo a. subjetividade privada do individuo cait | poneia da racionlldade insirumental. O desenvolvimento capita sta impde limites a livre ¢ genuina comunicasgo fhomanos. Th premissa de Marx provou ser insustentivel, pelo simples fato de que, “Sociedade industrial de larga escala,a pesquisa, a ciénca, a feonologa ¢ a utlizagto industrial fundican-se mum sistema’ (Heber ‘nas, 1969, p. 104), Jevando assim 2 uma forma repressiva de estrutura Jeutucional, em que a normas de métuo entendimento dos indvi- thes esto absonvidas, num “sistema comportamental de a¢do racional a: propdsit determinado” Habermas, 1969, p. 106), Em outras pal Grae tum ambiente dese tipo a diferenca entre a racionalidade subs- tugtiva ea prasmética tornase inlevante e chega 2 desaparecer, De {ato a socisdade tecno-industil legtimase através da escamoteagdo bjotiva dessa diferenca Taéntico a esta posgdo diante de Marx ¢ 0 enfoque reformula tuo que Habermas adote quanto a Max Weber. Ele explice 0 concsito sieberiano de racionalizagdo como se seu: liste de produgdo sobre as que & precederam tem estas duss ra‘zes: 0 estabelecimento de um mecanis fro econémico que torna permanente 2 expansao dos subsistemas de 460 rational de propbsito determinado, ¢ a criagao de uma legitima: ‘elo econdmica, através da qua o sistema politica pode ser adaptado 40s novos requisitos de cacionalidade trazidos a Juz pelo desenvol mento desses subsistemas, F esse proceso de adaptego que Weber ‘envende como "racionalizago” (Habermas, 1970, p. 97-8) “a superioridade da forma cay Todevia, Habermas considera necessério desenv, lise da racionalidade, uma vez que a sociedade industrial, estigio, 6 muito diferente daquela que Weber conheceu, Weber podia oltarse para-o tema como um funcionalista, mas hoje @ questdo fearreta impressionantes conctacdes éticas, que 0 esforgo tebrico de Habermas tealce consideravelmente. ‘Num come sobre Marcuse, Hab presente. “aquilo que Weber chamou de‘ facionalidade como tel, mas antes, em nome da. ra forma especifica de associ tea no feconltecida” (Habermas, 1969, p. 82). Mais ainda, tal “racionalizagdo” equivale 2 um “padrso spologstico” (Habermas, 1969, p. 83), n0 quul a5 normas de relagdes interpessoais na esfera privads e as regras sisteméticas de janal ide proposito rminado tornamse id iagio ¢, em conse: mitua compreensio éas tese central de Habermas de conduta de agdo raci ragdo simbdlica $6 € pc marginais, to esencial da agz0 mana ¢ social, & ‘ha Sociedade -guéncia do dominio exereido. pel ‘bre as sociedades modernas & distorcida prevalece entre os padrdes de comunicact desses padrdes, que © o estudo revalecem nas soviedades Essa especulagto @ dein do oracor ompeténcis, na. comanicagio, sig 29H ideal de discurso”.® Nas situagdes em que 08 etsbjetivossd0 concretizados em rezio do choque do sobre conseguirse 2 Num tal ambiente, o orador competente expoesse 8 malentendidos, para nfo mencionar também que pode set 7 Veja Burke, K. (1963/1968) 8 Veja Habermas (1970, p: 116-46), 4 considerado excéntrico. Habermas salienta que “A base da competi ‘Sistema social a que satuagdo” (Habermas, 1970, s pode materilizar sendo de 1.5 0 rabalho de restauragdo de Erie Voegelin Do ponto de vista dos padroes contempo: {ica € social, a obra de Eric: Voegelin parece heterodoxa, obscura ¢ ‘mesmo perturbadora. Em sua opi na forma ‘como a conceberam Plato e Aristoteles, nunca perdeu sua validez, Ele fala como um especialista em hermenéutica, no como um cronista de idéiss. Do. ingulo hermenéutico, o, que essencialmente importa nos

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