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FUNDAMENTOS DE

ECOLOGIA

6. ° edição

N.Cham. 574.5 027f 6.ed.


Autor: Odum, Eugène P.
Título: Fundamentos de Ecologia.
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A biosfera e alguns dos seus ecossislemas tal como sã o vistos
de perlo e de longe. A s rie de fotografias ilustra como a fotografia
à dist â ncia pode ajudar no estudo das intcr- rela ções entre o organismo
e o ambiente. Em cima : O n í vel biosfera uma vista da Terra obtida
de uma cá psula espacial em ó rbita da Lua (superf ície lunar no pri¬
meiro plano). Em baixo : O n í vel ecossistema uma vista da costa da
Ge ó rgia colhida por um astronauta da Apoio 9. Nesta fotografia a
infravermelhos as praias banhadas pelo Oceano Atlâ ntico deslacam -sc
em branco e o verde das florestas como sombras de vermelho. Entre
as ilhas e o Continente os sapais proporcionam um viveiro para a
vida marinha. Muitas das ilhas sã o desabitadas.

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£ /n cima: O n í vel comunidade sã o evidenciadas as etapas suees-
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sivas de uma floresta tropical nesla fotografia a infravermelhos de
um s í lio de prova em Tocache, Peru , da Developmeni and Resources
Transportation Co. ( nolem-sc duas clareiras na floresta e uma estrada ) .
Á rvores dominantes, que perdem as folhas na estaçã o seca, desta
cam se como manchas cinzentas. Em baixo : 0 n í vel popula çã o o
deserto contacta com o mar fé rtil, que proporciona alimento à s focas
( manchas escuras na praia ), nesta fotografia da linha de costa da
Calif ó rnia. É claramenic visível o contraste entre fertilidade e infer¬
tilidade . ( A fotografia em cima à direita é obs é quio da Devclopmcnt
and Resources Transportation Co., Silvcr Spring, Md .; as restantes
sã o obsé quio da National Acronautics and Space Administration ,
Washington , D . C. ) .
XIII

ÍNDICE GERAL

Parte 1
PRINCÍPIOS E CONCEITOS ECOLÓGICOS BÁSICOS

PREFÁCIO À EDIÇÃ O PORTUGUESA V

NOTA DO TRADUTOR XI

Capítulo 1
INTRODUÇÃ O : O DOM Í NIO DA ECOLOGIA
1. Ecologia - Sua Relação com Outras Ci ê ncias e sua Import â ncia para a Civiliza ção Humana 3
jf 2. As Subdivisõ es da Ecologia 8
3. Acerca de Modelos 9

Capítulo 2
PRINCÍ PIOS E CONCEITOS RELATIVOS AO ECOSSISTEMA
1. Conceito de Ecossistema 11
2. O Controlo Biológico do Ambiente Qu ímico 32
3. Produ çã o e Decomposiçã o na Natureza 35
4. Hpmeostasia do Ecossistema 50

Capítulo 3
PRINCÍ PIOS E CONCEITOS RELATIVOS À ENERGIA NOS SISTEMAS ECOLÓ GICOS
1 . Resumo de Conceitos Fundamentais Relacionados com a Energia 55
2. O Ambiente Energ é tico 60
3. Conceito de Produtividade 65
XIV

4. Cadeias Alimentares, Teias Alimentares e N í veis Tró ficos 96


5. Metabolismo e Tamanho dos Indiv í duos 118
6. Estrutura Tró fica e Pirâ mides Ecol ógicas 123
7. Sum á rio : Energ é tica do Ecossistema 129

Cap ítulo 4
PRINCÍ PIOS E CONCEITOS RELATIVOS AOS CICLOS BIOGEOQU Í MICOS
1 . Padr õ es e Tipos Bá sicos de Ciclos Biogeoqu í mi ços 133
2. Estudo Quantitativo dos Ciclos Biogeoqu í mi ços 143
3. O Ciclo Sedimentar 154
4. Ciclagem dos Elementos n ã o Essenciais 156
5. Ciclagem dos Nutrientes Orgâ nicos 158
6. Ciclagem de Nutrientes nos Tró picos 160
7 . Vias de Renova çã o de Ciclo 162

Capítulo 5
PRINCÍ PIOS RELATIVOS AOS FACTORES LIMITANTES
1. «Lei» do M í nimo de Liebig 167
( 2. «Lei » da Tolerâ ncia de Shelford 169
3. Conceito Combinado dos Factores Limitantes 175
4. As Condi çõ es de Exist ê ncia como Factores Reguladores 183
5. Breve Resumo Sobre Factores Físicos Importantes como Factores Limitantes 186
6. Indicadores Ecol ógicos 219

Capí tulo 6
PRINCÍ PIOS E CONCEITOS RELATIVOS À ORGANIZA ÇÃ O A N Í VEL DA COMUNIDADE
1. Conceito de Comunidade Bi ótica 221
2. Classifica çã o no Interior da Comunidade e Conceito de Domin â ncia Ecol ógica '
226
3. An á lise da Comunidade 230
4. Diversidade de Esp écies nas Comunidades 235
5. Padr õ es nas Comunidades 244
6. Ecotonos e Conceito de Efeito de Bordadura 250
7. Paleoecologia : A Estrutura das Comunidades em Idades Passadas 252

Capí tulo 7
PRINCÍ PIOS E CONCEITOS RELATIVOS À ORGANIZA ÇÃ O A N Í VEL DA POPULA ÇÃ O
1. Propriedades do Grupo Popula çã o 257
2. Densidade da Popula çã o e í ndices de Abund â ncia Relativa 258
3. Conceitos Básicos Relativos aos Ritmos 264
4. Natalidade " 268
5. Mortalidade 271
XV

6. Distribuição de Idades na Populaçã o . . . 280


7. A Taxa Intr í nseca de Aumento Natural 285
8. Forma de Crescimento da Popula ção e Conceito de Capacidade de Sustenta çã o 292
9. Flutua ções da População e as Chamadas Oscila çõ es «C íclicas» 300
10. Regula ção da Popula ção e os Conceitos de Acçõ es Independentes e Dependentes da
Densidade no seu Controlo 312
11. Dispersã o da Popula çã o 319
12. Corrente de Energia na Popula çã o ou Bioenergé tica . 324
13. Estrutura da Populaçã o : Padrõ es de Distribuição Interna (Dispers ão) 328
14. Estrutura da Popula çã o : Agregaçã o ' e Princ í pio de Allee 332
15. Estrutura da Popula çã o : Isolamento e Territorialidade 335
16. Tipos de Interacçã o Entre Duas Esp é cies 338
17. Interacções Negativas : Competi çã o Interespecí fica 343
18. Interacçõ es Negativas : Predaçã o, Parasitismo e Antibiose 353
19. Interacções Positivas : Comensalismo, Cooperação e Mutualismo 366

Capítulo 8
A ESPÉCIE E O INDIVÍ DUO NO ECOSSISTEMA

1. Conceitos de Habitat e de Nicho Ecológico 375


2. Equivalentes Ecológicos 382
3. Deslocamento de Car ácter : Simpatria e Alopatria 384
4. Selecçã o Natural : Especia ção Alop á trica e Simp á trica 386
5. Selecçã o Artificial : Domestica ção 389
6. Rel ógios Biológicos 393
7. Padr õ es de Conduta Bá sicos 396
8. Conduta Reguladora e Compensat ó ria 400
9. Conduta Social 401

Cap í tulo 9
DESENVOLVIMENTO E EVOLU ÇÃO DO ECOSSISTEMA
1. A Estrat égia do Desenvolvimento do Ecossistema 403
2. Conceito de Cl ímax 423
3. Import ância da Teoria do Desenvolvimento do Ecossistema para a Ecologia Humana . . 428
4. Evolução do Ecossistema 435
5. Coevolu ção 439
6. Selecçã o de Grupo 7 441

Capí tulo 10
ECOLOGIA DOS SISTEMAS : ABORDAGEM POR AN ÁLISE DE SISTEMAS E MODELAÇÃ O
MATEMÁTICA EM ECOLOGIA
Introdu çã o 445
1. A Natureza dos Modelos Matemá ticos 446
2. Os Objectivos da Constru ção de Modelos 448
XVI

3. Anatomia dos Modelos Matemáticos 449


4. Instrumentos Matemáticos Básicos na Constru ção de um Modelo 452
5. Análise das Propriedades do Modelo 458
6. M étodos para o Desenvolvimento de Modelos 462

Parte 2
O MÉTODO DO HABITAT

Introdu ção 473

Capí tulo 11
ECOLOGIA DA ÁGUA DOCE
1. O Ambiente das Águas Doces : Tipos e Factores Limitantes 475
2. Classificação Ecol ógica dos Organismos de Água Doce 1 482
3. O Biota de Água Doce ( Flora e Fauna) 485
4. Comunidades Lê nticas 486
5. Lagos 497
6. Lagoas 506
7. Comunidades Ló ticas ( Águas Correntes) 508
8. Zonagem Longitudinal nos Cursos de Água 515 (

9. Nascentes 517

Capítulo 12
ECOLOGIA MARINHA
1. O Meio Marinho 521
2. O Biota Marinho 529
3. Zonagem do Mar 530
4. Estudo Quantitativo do Plâncton 532
5. Comunidades do Meio Marinho . . . 535

Capí tulo 13
ECOLOGIA DOS ESTU ÁRIOS
1. Definição e Tipos , 563
2. Biota e Produtividade 570
3. Potencial de Produ ção de Alimentos 576
4. Resumo 578
XVII

Capí tulo 14
ECOLOGIA TERRESTRE
1. O Ambiente Terrestre 581
2. Biota Terrestre e Regi ões Biogeográficas 582
3. Estrutura Geral das Comunidades Terrestres 584
4. O Subsistema Solo 590
5. O Subsistema Vegetação 599
6. Os Permeantes do Ambiente Terrestre 604
7. Distribui çã o das Principais Comunidades Terrestres, os Biomas 606

Parte 3
APLICAÇÕES E TECNOLOGIA

Introdução 645

Capítulo 15
RECURSOS
1. Conserva çã o de Recursos Naturais em Geral 649
2. Recursos Minerais 652
3. Agricultura e Silvicultura 655
4. Ordenamento da Vida Silvestre 659
5. Aquacultura , . . 662
6. Ordenamento das Grandes Á reas de Pastagem 666
7. Dessalinizaçã o e Modificação Meteorol ógica 668
8. Uso do Solo . 670

Cap í tulo 16
POLUIÇÃO E SA ÚDE AMBIENTAL
1. O Custo da Poluição 686
2. Os Tipos de Poluição 688
3. As Fases do Tratamento de Resí duos 691
4. Estratégia do Ordenamento e do Controlo dos Res íduos 695
5. Vigilâ ncia da Poluiçã o 698
6. Direito Ambiental 700
7. Algumas Á reas de Problemas 704
XVIII

Capí tulo 17
ECOLOGIA DA RADIA ÇÃ O
1. Resumo dos Conceitos e Terminologia Nuclear de Importâ ncia Ecol ógica 716
2. Radiossensibilidade Comparada 720
3. Efeitos da Radiaçã o a N ível do Ecossistema 725
4. O Destino dos Radionuclidos no Ambiente 728
5. O Problema da Precipitaçã o Radioactiva 731
6. Controlo dos Resíduos 736
7. Futura Investiga çã o Radioecol ógica 740

Capítulo 18
A DETEC ÇÃ O REMOTA COMO INSTRUMENTO PARA O ESTUDO E O ORDENAMENTO
DOS ECOSSISTEMAS
1 . Bases Fí sicas para a Detecçã o Remota 742
2. Processo de Extracçã o Remota da Informaçã o . . . 747
3. O Papel da Detecçã o Remota na Investigaçã o Ecol ógica 754

Capí tulo 19
PERSPECTIVAS EM ECOLOGIA MICROBIANA
1. Uma Breve Nota Hist ó rica 768
2. A Questão dos N ú meros - 769
3. A Questão da Identificaçã o . 774
4. A Questão da Execu çã o 777
5. A Questão do Ritmo da Fun çã o 779
6. Resumo '
788

Capítulo 20
ECOLOGIA DO VOO ESPACIAL
1. Tipos de Sistemas de Sustentação da Vida . 792
2. Exobiologia 806
Resumo 808
XIX

Cap í tulo 21
PARA UMA ECOLOGIA HUMANA APLICADA
1. Resumo Hist ó rico 812
2. A Ecologia da População Humana 817
3. Componentes para uma Ecologia Humana Aplicada 821

BIBLIOGRAFIA 825

Í NDICE COM GLOSS Á RIO 901

y.
Parte 1 <3r

PRINCÍ PIOS E CONCEITOS V :

BÁSICOS DA ECOLOGIA
Cap í tulo 1 - INTRODU ÇÃ O :
O DOMÍ NIO DA ECOLOGIA

1. ECOLOGIA - SUA RELAÇÃO COM OUTRAS CI Ê NCIAS E SUA IMPORTÂNCIA


PARA A CIVILIZAÇÃO HUMANA

-
O homem tem se interessado pela ecologia, de uma forma prática, desde os
primeiros tempos da sua hist ória. Na sociedade primitiva cada indivíduo, para sobre ¬
viver, precisava de ter um conhecimento concreto do seu ambiente, isto é, das forças
da natureza, das plantas e dos animais que o rodeavam. A civilização come çou, de facto,
quando o homem aprendeu a servir-se do fogo e de outros instrumentos para modificar
o seu ambiente. Para a humanidade no seu conjunto é mesmo mais necessário do que
nunca possuir um conhecimento inteligente do ambiente em que vive, condição de
sobrevivência da nossa complexa civilização, uma vez que as «leis da natureza» funda¬
mentais não foram revogadas; apenas a sua natureza aparente e as relações quantita ¬
tivas se foram alterando à medida que a popula ção humana foi aumentando e se
expandiu o poder do homem para alterar o ambiente.
Tal como todos os aspectos do conhecimento, a ciê ncia da ecologia teve, ao
longo da história, um desenvolvimento gradual, embora espasmódico. As obras de
Hipócrates, Arist óteles e outros fil ósofos da cultura grega cont ê m material de natureza
claramente ecológica. Sem embargo, os gregos não tiveram uma palavra pr ópria para a
designar. A palavra «ecologia » é de aquisição recente e foi proposta pela primeira vez
pelo biólogo alemão Ernest Haeckel, em 1869. Antes disso, muitos dos grandes homens
do renascimento biológico dos sé culos dezoito e dezanove tinham contribu ído para o
tema, embora a designação de «ecologia» não fosse ainda utilizada. Por exemplo, Anton
van Leeuwenhoek, mais conhecido como um pioneiro da microscopia dos princípios dos

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4

anos setecentos, foi també m pioneiro do estudo das «cadeias alimentares» e da «regu ¬

la çã o da popula çã o» ( ver Egerton, 1968), duas á reas importantes da ecologia moderna.


Como um domínio específico aceite da biologia, a ciê ncia da ecologia surge por volta
de 1900, passando a fazer parte do vocabulário geral apenas no decé nio passado. Hoje,
toda a gente está perfeitamente ciente que as ciê ncias do ambiente constituem instru ¬

mentos indispens á veis para criar e manter a qualidade da civilização humana. Em


-
consequê ncia, a ecologia est á rapidamente a tornar se o ramo da ciê ncia mais impor ¬

tante para a vida quotidiana de todo o homem , mulher e criança.


A palavra ecologia deriva da palavra grega oikos , que significa «casa» ou «lugar
onde se vive ». Em sentido literal, a ecologia é o estudo dos organismos «em sua casa».
A ecologia define- se usualmente como o estudo das relações dos organismos ou grupos
de organismos com o seu ambiente, ou a ciê ncia das inter-rela ções que ligam os orga ¬
nismos vivos ao seu ambiente. Uma vez que a ecologia se ocupa especialmente da
biologia de grupos de organismos e de processos funcionais na terra, no mar e na água
doce, está mais de harmonia com a moderna acepção definir a ecologia como o estudo
da estrutura e do funcionamento da natureza, considerando que a humanidade é uma
parte dela. Uma das definições do Webster s Unabridged Dictionary parece particular ¬

mente ajustada aos últimos decé nios do s é culo £X, ao apresentá-la como «a totalidade
ou o padrão das relações entre os organismos e o seu ambiente». A longo prazo, a melhor
definição para o dom í nio de uma maté ria ampla é provavelmente a mais curta e a menos
té cnica, como, por exemplo, «biologia do ambiente ».
Isto no que se refere às definições. Para compreender o domínio e a impor ¬

tância da ecologia, a maté ria tem de ser considerada em relação com outros ramos
da biologia e com as ciê ncias em geral . No presente est ádio de especialização nos
empreendimentos humanos, as inevit áveis conexões entre campos diversos são muitas
vezes obscurecidas por uma grande quantidade de conhecimentos em cada um deles
(e por vezes també m, h á que admiti-lo, pelos cursos estereotipados das nossas escolas
superiores). No outro extremo, quase todo o dom ínio de saber pode ser definido de
forma t ã o geral que abarque uma enorme s é rie de material de estudo. Por conseguinte,
os «dom ínios» reconhecidos precisam ter limites reconhecidos, mesmo que esses limites
sejam um tanto arbitr ários e estejam sujeitos a deslocamentos de quando em quando.
No caso da ecologia verificou -se uma alteração na extensã o, particularmente assinalá ¬
vel à medida que foi aumentando a aten ção do p ú blico em geral sobre a maté ria. Para
muitos, a «ecologia» significa actualmente «a totalidade do homem e do ambiente».
-
Examine se porém a posição acad émica, mais tradicional, da ecologia na fam í lia
das ciê ncias.
Considerem-se, por ora, as divisões da biologia. Corta-se tradicionalmente o
«bolo de várias camadas» da biologia, por assim dizer, em por ções pequenas de dois
modos diferentes, como pode ver- se na Figura 1-1. Pode- se dividi-lo «horizontalmente»
naquilo que é design á vel por divis ões «bá sicas», porque se ocupam dos fundamentos
5

comuns a todas as formas de vida ou, pelo menos, não se limitam a determinados
organismos. A morfologia, a fisiologia, a gené tica, a ecologia, a evolu çã o, a biologia
molecular e a biologia do desenvolvimento são exemplos de tais divisões. Pode -se
també m dividir o bolo «verticalmente » naquilo que é possí vel designar por divisões
«taxon ó micas», isto é, em divisões que se ocupam da morfologia, fisiologia, ecologia,
etc., de categorias específicas de organismos. A zoologia, a botâ nica e a bacteriologia
são grandes divisões deste tipo, e a ficologia, a protozoologia, a micologia, a entomo¬
logia , a ornitologia, etc., são divisõ es que se ocupam de grupos mais limitados de orga ¬
nismos. Assim, a ecologia é uma divisão bá sica da biologia e, como tal, é ela pr ó pria
parte integrante de todas e de cada uma das divis ões taxon ó micas. São ú teis ambas
as perspectivas. Com frequ ê ncia, é muito conveniente limitar o trabalho a determinados
grupos taxonó micos, já que tipos distintos de organismos requerem mé todos de estudo
diferentes ( não podemos estudar águias com os mesmos mé todos utilizados para estudar
bacté rias) e porque alguns grupos são, economicamente ou por outro motivo, muito
mais importantes ou interessantes para o homem do que outros. Em ú ltima inst â ncia,
sem embargo, há que delimitar e verificar princí pios unificadores para que o campo de
estudo possa ser classificado como « básico». A finalidade da Parte 1 deste livro consiste
em descrever resumidamente este aspecto da ecologia.
A melhor maneira de delimitar a ecologia moderna talvez seja considerá- la em
termos do conceito dos níveis de organização, visualizados como uma espé cie de
«espectro biológico», como consta da Figura 1-2. Os termos comunidade, popula çã o,
organismo, ó rg ã o, cé lula e gene sã o largamente utilizados para vá rios n íveis bi ó ticos
principais apresentados num arranjo hierá rquico, de grande a pequeno, na Figura 1- 2.
A interacçã o com o ambiente f í sico ( energia e mat é ria) a cada n ível produz sistemas
funcionais caracter ísticos. Por sistema quer significar-se exactamente o que o Webster s
« CAMADAS »
DIVIS Õ ES B Á SICAS

BIOLOGIA MOLECULAR
BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
GEN ÉTICA
ECOLOGIA
ETC.

« FATIAS »
DIVISÕ ES TAXON Ó MICAS

BACTERIOLOGIA
ORNITOLOGIA
BOT ÂNICA
ENTOMOLOGIA
ETC.

Figura 1- 1. O « bolo em camadas» da biologia , ilustrando as divis ões « bá sicas» ( horizontais)


e «taxon ó micas» ( verticais).
6

Collegiate Dictionary define como «componentes com interacção e interdepend ê ncia


regulares formando um todo unificado». Os sistemas que cont ê m componentes vivos
(sistemas biológicos ou biossistemas) podem ser concebidos a qualquer n ível na hierar¬
quia ilustrada na Figura 1-2, ou em qualquer posição intermé dia conveniente ou prática
para análise . Por exemplo, seria possível considerar nã o só sistemas de genes, sistemas
de órg ãos, e assim por diant éV como també m sistemas de hospedeiro- parasita como
níveis intermédios entre população e comunidade.
A ecologia ocupa-se fundamentalmente com a parte direita desse espectro, isto
é, com os n íveis dos sistemas a partir do ní vel do organismo. Em ecologia, o termo
população, iniçialmente criado para designar um grupo de pessoas, foi alargado para
incluir grupos de indivíduos de qualquer tipo de organismos. De forma análoga, o
termo comunidade no sentido ecológico (algumas vezes designada por «comunidade
biótica») inclui todas as populações que ocupam uma área determinada. A comuni¬
dade e o ambiente inerte funcionam juntos como um sistema ecológico ou ecossis
tema. Os termos biocenose e biogeocenose, de uso frequente nas literaturas europeia e
-
russa, são grosso modo equivalentes a comunidade e a ecossistema, respectivamente.
O sistema ecológico maior e mais aproximadamente auto-suficiente que se conhece
designa-se com frequ ê ncia por biosfera ou ecosfera, sistema que inclui todos os orga¬
nismos vivos da Terra interagindo com o ambiente í f sico, como um todo, de tal
forma que se mant ém um sistema intermédio de estado constante no fluxo de energia
entre a grande entrada de energia solar e o sorvedouro t é rmico que o espaço constitui.

COMPONENTES BIÓTICOS Genes - Células - Órgãos - Organismos - Populações -- Comunidades


mais TI TI IT IT ÍT

COMPONENTES ABIÓTICOS Matéria Energia

igual a
BIOSSISTEMAS
II II li
Sistemas _ Sistemas Sistemas _ Sistemas
II
_ Sistemas _ _ ,
coss s emas
Genéticos Celulares de Ó rg ãos de Organismos de Populações

-.
Figura 1 2 Espectro dos n íveis de organiza ção. A ecologia incide sobre a parte direita do espectro,
isto é, sobre os n í veis de organiza çã o dos organismos aos ecossistemas.

Importa notar que se não indicaram linhas precisas ou rupturas no «espectro» (*)
anterior, nem sequer entre o organismo e a população. Uma vez que, quando se trata
do homem e dos animais superiores, há o há bito de pensar no indivíduo como sendo
a ltima unidade, a ideia de um espectro cont ínuo poderá parecer estranha à primeira
vista. Contudo, dos pontos de vista da interdependê ncia, das inter-relações e da sobre¬
vivê ncia, não pode haver solu ções de continuidade em parte alguma ao longo da linha.
O organismo individual, por exemplo, não pode sobreviver por muito tempo sem a sua
população, como o órgão n ão poderia subsistir como uma unidade que se auto- perpetua

(*) De facto, o espectro de «n í veis» pode em teoria, tal como um espectro de radia çã o ou uma escala
-
logar ítmica, estender se infinitamente em ambos os sentidos.
7

sem o seu organismo. De forma semelhante, a comunidade não pode existir sem a
circulação de materiais e a corrente de energia no ecossistema.
Uma das raz ões para listar os n íveis de organização horizontalmente em vez de
verticalmente consiste em salientar que, a longo prazo, nenhum n ível é mais ou menos
importante ou mais ou menos digno de estudo científico do que qualquer outro. Alguns
atributos vão-se tornando, obviamente, mais complexos e variáveis à medida que se
progride da esquerda para a direita, por ém, é um facto frequentemente subestimado que
outros atributos se vão tornando menos complexos e menos variáveis à medida que se
passa da unidade pequena para a grande. Devido a mecanismos homeostáticos, isto é,
resistências e balanços, for ças e contraforças, produz-se um certo montante de inte¬
gração à medida que unidades mais pequenas funcionam dentro de unidades maiores.
Por exemplo, o ritmo da fotossíntese de uma comunidade florestal é menos variá¬
vel que o das folhas individuais ou o das árvores que dela fazem parte, dado aconte¬
cer que quando uma parte abranda a outra acelera de uma forma compensatória.
Quando se consideram as características únicas que se desenvolvem em cada nível, não
há nenhuma razão para supor que algum n ível seja mais difícil ou mais fácil de estu ¬
dar quantitativamente do que outro. Por exemplo, o crescimento e o metabolismo
podem estudar-se eficazmente ao n í vel celular ou ao n ível do ecossistema utilizando
tecnologias e unidades de medida de ordem de grandeza diferente. Al ém do mais, o
que se descobre a um dado ní vel ajuda no estudo de outro nível, embora nunca explique
por completo os fenómenos que neste ocorrem. Isto constitui um ponto importante, dado
algumas pessoas sustentarem, por vezes, ser in ú til tentar trabalhar com populações e
comunidades complexas quando as unidades mais pequenas ainda não estão comple ¬
tamente compreendidas. Se esta ideia fosse seguida até à sua conclusão lógica, todos
os biologistas deveriam concentrar-se num só nível, o celular por exemplo, até
resolverem os problemas deste n ível; depois poderiam estudar tecidos e órg ãos. De
facto, esta filosofia foi largamente defendida até os biologistas terem descoberto que
cada n ível tem características que o conhecimento do n ível imediatamente inferior só
em parte explica. Por outras palavras, nem todos os atributos de um n í vel mais alto
podem ser previstos se apenas se conhecerem as propriedades do n ível inferior. Tal
como as propriedades da água não podem ser previstas se apenas forem conhecidas as
propriedades do hidrogé nio e do oxig énio, t ão pouco se podem prever as características
de ecossistemas a partir do conhecimento de populações isoladas; é preciso estudar
tanto a floresta (isto é, o conjunto) como as árvores (isto é, as partes). Feibleman (1954)
denominou esta importante generalização por «teoria dos n íveis integrantes».
Em resumo, o princípio da integração funcional envolvendo propriedades adicio¬
nais com o aumentar da complexidade da estrutura é um dos princípios especialmente
importantes que o ecologista deve reter. Os progressos havidos na tecnologia durante
os ú ltimos dez anos tornaram possível tratar quantitativamente sistemas grandes e
complexos, como os ecossistemas. A metodologia dos traçadores, a qu í mica de massas
8

(espectrometria, colorimetria, cromatografía, etc.), a detecçã o remota, o controlo auto¬


mático, a modelação matem ática e a metodologia dos computadores proporcionaram
os instrumentos. A tecnologia é, sem d ú vida, uma espada de dois gumes; pode ser o
meio de compreender a totalidade do homem e da natureza ou de os destruir.

2. AS SUBDIVISÕES DA ECOLOGIA

Quanto a subdivisões, a ecologia é por vezes dividida em autoecologia e sine-


cologia. A autoecologia trata do estudo do organismo individual ou de uma dada espé ¬
-
cie . Geralmente destacam se as biologias e o comportamento como meios de adapta¬
ção ao ambiente. A sinecologia trata do estudo de grupos de organismos que se encontram
associados uns aos outros formando uma unidade . Assim, por exemplo, caso se efectue
um estudo da relação de um carvalho branco ( ou das árvores da espé cie Quercus alba em
geral ) ou de um tordo silvestre ( ou dos tordos silvestres em geral) com os respectivos
ambientes, o estudo terá car ácter autoecol ógico. Por é m, se o estudo respeita à floresta em
que vivem o carvalho branco ou , o tordo silvestre, ent ão o trabalho ter á cará cter
-
sinecol ógico. No primeiro caso, a aten ção centra se estritamente num organismo
particular com o propósito de analisar como se adapta ao quadro ecol ógico geral,
tal como podemos concentrar a aten ção num objecto particular de uma pintura. No
segundo caso, o quadro é considerado como um todo, de uma maneira semelhante
à que nos levaria a estudar a composi ção de uma pintura.
Para o objectivo deste livro de texto, a mat éria da ecologia é subdividida
segundo tr ê s crit é rios. Na Parte 1 os capítulos est ã o dispostos de acordo com o
conceito dos n íveis de organiza ção, tal como foi analisado na secção anterior. Parte-se
do ecossistema, dado ser este em ú ltima inst ância o n ível com o qual há que tratar,
e depois ser ão considerados sucessivamente as comunidades, popula ções , espécies e
organismos individuais. Depois voltar-se-á ao n ível do ecossistema para considerar
o desenvolvimento, a evolu çã o e a modelação da natureza.
Na Parte 2 a maté ria est á subdividida segundo o tipo do meio ambiente ou
habitat , isto é, em ecologia de água doce, ecologia marinha e ecologia terrestre.
Embora os princí pios básicos sejam os mesmos, os tipos de organismos , as rela ções
recí procas com o homem e os m étodos de estudo podem ser , por é m, completamente
distintos para meios diferentes. A subdivisão segundo o habitat é, por outro lado,
conveniente como prepara çã o de trabalhos de campo e para apresenta ção de dados
descritivos do biota.
Na Parte 3 consideram -se aplicações por subdivisões, como sejam «recursos
naturais», « poluição», «viagem espacial» e «ecologia humana aplicada», com o objectivo
de relacionar princí pios bá sicos com nroblemas.
9

Tal como se viu para a biologia em geral, també m a ecologia pode ser
subdividida segundo crité rios taxon ó micos, por . exemplo, ecologia das plantas,
ecologia dos insectos, ecologia dos micr óbios e ecologia dos vertebrados. A orienta ¬
ção segundo um grupo taxon ómico reduzido é vantajosa, uma vez que a aten çã o fica
concentrada em aspectos característicos ú nicos ou especiais da ecologia do grupo
considerado, bem como no desenvolvimento de métodos detalhados. De uma
maneira geral, os problemas que apenas pertencem a grupos reduzidos ficam fora do
â mbito do presente texto, uma vez se estudam melhor depois de tra çados os
princí pios gerais.
As subdivisões são teis em ecologia, tal como em qualquer outra ciê ncia,
por facilitarem a an álise e a compreensão e ainda por sugerirem, dentro de cada
campo de estudo, vias de especialização apropriadas. Do exame breve desta secçã o,
conclui-se ser possível concentrar a aten çã o nos processos, níveis, ambientes, orga ¬
nismos ou problemas e conseguir contribuições ú teis para a compreensão global da
biologia do ambiente.

3. ACERCA DE MODELOS

Um modelo é uma formulação que imita um fen ó meno do mundo real,


e por intermédio do qual se podem fazer previsões. Na sua forma mais simples,
os modelos podem ser verjjais ou gráficos ( isto é, informais). Em ú ltima an á lise,
poré m, para que as previsões quantitativas sejam razoavelmente boas, os modelos
terão de ser estatísticos e matemá ticos (isto é, formais). Por exemplo, uma formu ¬
la ção matemá tica que simulasse as alterações numé ricas que ocorrem numa popula¬
çã o de insectos, e mediante a qual se pudessem prever em dado momento os
efectivos da popula çã o, deveria ser considerada um modelo biologicamente ú til .
Se a população em questão fosse uma praga , o modelo poderia alé m do mais ser
economicamente importante.
As opera ções dos modelos com computador permitem prever resultados
prováveis à medida que no modelo se alteram parâ metros, se juntam outros ou se
retiram os anteriores. Noutros termos, uma formulação matemática pode com
frequ ê ncia ser «sintonizada» mediante operações de computador, de forma a ser
melhorado o «ajuste» ao fen ómeno do mundo real. E antes do mais, os modelos são
extremamente ú teis como resumos do que se sabe sobre a situa ção que est á a ser
modelada, e desse modo ú teis para delimitar aspectos carecidos de dados novos ou
melhores, ou de novos princípios. Quando um modelo não funciona, isto é, quando
dá uma imagem deficiente do mundo real, as opera ções do computador podem com
frequ ê ncia dar indica ções sobre os aperfeiçoamentos ou as alterações necessárias.
10

Quando o modelo tiver provado ser uma boa simulação, então as oportunidades de
experimentação são ilimitadas, uma vez que se podem introduzir novos factores ou
perturbações e ver como afectam o sistema.
Ao contrário do que supõem muitos cé pticos, quando se trata de modelar uma
natureza complexa a informação sobre um n ú mero relativamente pequeno de variá¬
veis constitui com frequ ê ncia uma base suficiente para elaborar modelos eficazes,
dado que os «factores-chave» ou os «factores integrantes» (como foi examinado na
Secção 2 deste capí tulo introdut ório) dominam ou controlam com frequ ê ncia uma
larga percentagem da acçã o. Watt (1963), por exemplo, declarou «N ão necessitamos
de uma formid ável informação sobre um grande n ú mero de variáveis para construir
modelos matemáticos reveladores da dinâmica de uma população». Quando se sobe
para o n í vel da natureza no seu conjunto, ou do sistema ecológico, este princípio
deverá continuar a manter-se válido, desde que as formulações utilizadas no modelo
també m sejam transportadas para esse nível. Em resumo, não há inten ção de que
os modelos sejam cópias exactas do mundo real mas sim simplificações que revelem
os processos chave necessários para prever.
Nos capítulos que se seguem na Parte 1 deste livro, os princípios encabe çados
pela palavra «Enunciado» sã o, efeetivamente, modelos verbais do princípio ecológico
em questão. Em muitos casos serão també m apresentados modelos gráficos ou de
circuito, e em alguns incluem-se formulações matemáticas simplificadas para clas¬
sificação de relações quantitativas. Apresenta-se como capítulo final da Parte 1, sob
o t ítulo «Ecologia de Sistemas», uma introdu ção aos processos utilizados na mode ¬
la ção matemática. Acima de tudo, o que este texto procura proporcionar são os
princí pios, as simplifica ções e as abstracções que se devem deduzir do mundo real
da natureza antes de se poder começar a construir dele um modelo matemático.
Cap ítulo 2 - PRINCÍ PIOS E CONCEITOS
RELATIVOS AO ECOSSISTEMA

1. CONCEITO DE ECOSSISTEMA

Enunciado

Os organismos vivos e o seu ambiente inerte (abiótico) estão inseparavelmente


ligados e interagem entre si. Qualquer unidade que inclua a totalidade dos organismos
( isto é, a «comunidade») de uma área determinada interagindo com o ambiente í f sico
por forma a que uma corrente de energia conduza a uma estrutura trófica, a uma diver ¬
sidade biótica e a ciclos de materiais (isto é, troca de materiais entre as partes vivas e
não vivas) claramente definidos dentro do sistema é um sistema ecológico ou ecossis -
tema. Do ponto de vista tr ófico ( de trophe = alimento), um ecossistema tem dois
componentes ( que como regra costumam estar separados no espaço e no tempo), um
componente autotróflco (autotrófico = que se alimenta a si mesmo), no qual predomina
a fixação da energia da luz, a utilização de substâncias inorgânicas simples e a elabora¬
ção de substâncias complexas, e um componente heterotrófico ( heterotr ófico = que é
alimentado por outro), no qual predominam o uso, a nova preparação e a decomposição
de materiais complexos. Para fins descritivos é til considerar que o ecossistema conté m
os seguintes componentes: (1) substâncias inorgânicas (C, N, C02, H20, etc.) envolvidas
nos ciclos de materiais; (2) compostos orgânicos (proteínas, hidratos de carbono, lípidos,
substâncias h ú micas, etc.) que ligam o biótico e o abiótico; (3) regime climático ( tempe¬
ratura e outros factores í f sicos); (4) produtores, organismos autotróficos, em grande
12

parte plantas verdes, capazes de elaborar alimentos a partir de subst âncias inorgânicas
simples; (5) macroconsumidores ou fagótrofos, ( phagos = para comer ), isto é , organismos
heterotróíf cos , principalmente animais, que ingerem outros organismos ou matéria orgâ ¬
nica em part ículas; (6) microconsumidores, saprótrofos ( sapro = para decompor) ou
osmótrofos ( osmo = para passar atrav és da membrana), organismos heterotr ó fí cos,
sobretudo bact é rias e fungos, que fazem a demoli ção dos compostos complexos dos
protoplasmas mortos, absorvem alguns dos produtos da decomposiçã o e libertam
nutrientes inorgânicos susceptíveis de utilização pelos produtores, bem como subs¬
t âncias orgâ nicas que podem proporcionar fontes de energia ou podem ser inibidoras
ou estimulantes para outros componentes bi óticos do sistema. Os n ú meros 1 a 3
compreendem os componentes abióticos e os n ú meros 4 a 6 englobam a biomassa
(= peso vivo).
Outra subdivisão ú til dos heteró trofos com duas categorias, sugerida por
Wiegert e Owens (1970), é a seguinte: biófagos, organismos que consomem outros
organismos vivos, e saprófagos, organismos que se alimentam de mat é ria org â nica morta.
Como ficar á seguidamente explicado, esta classificaçã o tem em consideração o lapso de
tempo que medeia entre o consumo de mat é ria viva e de mat é ria morta.
Do ponto de vista funcional um ecossistema pode ser analisado com propriedade
nos termos seguintes: (1) circuitos de energia; (2) cadeias alimentares; (3) diversidade
de padr ões no tempo e no espaço; ( 4) ciclos nutritivos ( biogeoqu í micos ); (5) desen ¬
volvimento e evolu çã o; e (6 ) controlo ( cibern ética).
Em ecologia o ecossistema é a unidade funcional básica, uma vez que inclui tanto
organismos ( comunidades bi óticas) como o ambiente abi ó tico, cada um deles influen ¬
ciando as propriedades do outro, sendo ambos necessá rios para a conserva ção da vida
tal como existe na Terra.

Explica ção
Uma vez que nenhum organismo pode existir por si ou sem um ambiente, o
nosso primeiro princí pio pode perfeitamente ocupar-se com a «inter-relação» e o prin ¬
cí pio da «totalidade » que fazem parte da defini çã o básica de ecologia constante do
Capí tulo 1, Secção 1. O termo ecossistema foi proposto em primeira mão pelo ecolo¬
gista inglê s A. G. Tansley em 1935, embora o conceito n ão seja, como se compreende,
t ão recente . Podem encontrá r-se na hist ória escrita alusõ es à ideia da unidade dos
organismos e do ambiente (assim como à unidade do homem e da natureza) t ão longe
quanto se queira. Contudo, foi s ó nos fins dos anos de 1800 que começaram a aparecer
de uma forma paralela exposi çõ es formais, suficientemente interessantes, nas literaturas
ecológicas Americana, Europeia e Russa. Assim, Karl Mobius escrevia em 1877 ( em
alemão) sobre a comunidade de organismos de um banco de ostras como tratando-se
de uma «biocenose» e, em 1887, o americano S. A. Forbes, escrevia o seu ensaio clás-
13

sico sobre o lago como sendo um « microcosmo». O ecologista russo pioneiro V. V.


Dokuchaev (1846-1903) e o seu principal discí pulo G . F. Morozov ( que se especializou
em ecologia florestal) (*) deram grande ê nfase ao conceito de « biocenose», um termo
que os ecologistas russos depois alargaram para «geobiocenose » ( ver Sukachev, 1944).
Assim, qualquer que fosse o meio ( água doce, água do mar ou terrestre ), os biólogos
come çaram no final do sé culo a reflectir seriamente na ideia da unidade da natureza.
Para exprimir o carácter «holístico» foram també m utilizados os termos holocenose
(Friederichs, 1930), biossistema (Thienemann , 1939) e corpo bio-inerte ( Vernadsky,
1944). Tal como se escreveu no Capí tulo 1 ( página 6 ), ecossistema é, assim se julga, o
termo preferido em inglê s, enquanto biogeocenose ( ou geobiocenose) é o termo preferido
pelos autores que utilizam as l ínguas germânica e eslava. Alguns autores tentaram fazer
distin ções entre as duas palavras, por é m no que se refere ao presente livro de texto
os dois termos são considerados como sinó nimos. «Ecossistema» tem a grande vantagem
de ser uma palavra curta, facilmente assimil á vel por qualquer l í ngua!
O conceito de ecossistema é e dever á ser um conceito amplo, sendo a sua
principal funçã o no pensamento ecol ógico dar realce às relações obrigat ó rias, à
interdepend ê ncia e à s rela çõ es causais, isto é, à jun çã o de componentes para formar
unidades funcionais. Como corol á rio disto, uma vez que as partes são operacional ¬
mente inseparáveis do todo, o ecossistema é o n ível de organiza ção biol ógica mais
apropriado à aplicaçã o de t é cnicas de análise de sistemas) mat é ria que será tratada no
Capítulo 10. S ão diversas as dimensões em que se podem conceber e tratar os ecos-
sistemas. Um tanque, um lago, uma área de floresta ou mesmo uma cultura de
laborat ório ( microecossistema) facultam unidades de estudo convenientes. Enquanto
as componentes principais esíão presentes e operam juntas, de tal forma que se
atinge de alguma maneira estabilidade funcional , a entidade pode ser considerada
como um ecossistema. Um charco tempor ário, por exemplo, é um ecossistema
definido com organismos e processos caracter ísticos, mesmo que a sua exist ê ncia
activa esteja limitada a um curto perí odo de tempo. Serã o examinadas mais tarde as
consideraçõ es pr áticas envolvidas na delimitação e na classificação dos ecossistemas.
Uma das características universais de todos os ecossistemas, sejam terrestres,
de água doce ou marinhos, sejam arquitectados pelo homem (agricultura, etc.) ou n ão,
é a interacção entre as componentes autotr ófica e heterotr ófica, tal como foi deli¬
neado no Enunciado. Muito frequentemente estas fun ções e os organismos respon ¬

sáveis pelos processos est ão parcialmente separados no espaço, no qual se encontram


estratificados um sobre o outro, ocorrendo grande parte do metabolismo autotr ófico
no «cintur ão verde» , que é o estrato superior no qual est á dispon í vel a energia da luz,

(*) A obra principal de Dokuchaev, reimpressa em Moscovo em 1948, foi Uchenie o zonax prirody ( Ensino
sobre as Zonas da Natureza ). O principal livro de Morozov é Uchenie o lese ( Ensino sobre as Florestas ).
Agradecemos ao Dr . Roman Jakobson , professor de l í nguas eslavas na Universidade de Harvard , a
informaçã o sobre estas duas obras pouco conhecidas nos Estados Unidos.
14

e o metabolismo heterotr ófico mais intenso no «cintur ão pardo», em posição inferior,


onde a mat é ria org â nica se acumula nos solos e nos sedimentos. Tamb é m as fun ções
básicas est ão parcialmente separadas no tempo, podendo verificar-se um atraso
consider ável na utiliza ção heterotr ó fica dos produtos dos organismos autotr óficos.
Por exemplo, a fotossíntese predomina no copado de um ecossistema florestal. Ape ¬
nas uma parte, muitas vezes apenas uma pequena parte, dos produtos da fotossí ntese
é imediata e directamente utilizada pelas plantas e pelos herbívoros e parasitas que
se alimentam de folhagem e de lenho novo; a maior parte do material sintetizado
( na forma de folhas, lenho e alimento armazenado nas sementes e nas raízes)
alcan ça consequentemente a folhada e o solo, que em conjunto constituem um
ecossistema heterotr ófico bem definido.
Esta separa ção quanto a espaço e a tempo leva a uma conveniente clas¬
sificação dos ciclos de energia, a saber: (1) um ciclo de pastoreio, no qual o termo
pastoreio se refere ao consumo directo de plantas vivas ou partes de plantas, e
(2) um ciclo de detritos org ânicos, o qual envolve a acumulação e a decomposi ção
de materiais mortos. O termo detrito (= um produto de desintegraçã o, do latim
deterere, desgastar) foi aproveitado da geologia onde é tradicionalmente utilizado
para designar os produtos da desintegração das rochas. Tal como é utilizado neste
texto, o termo «detritos» refere-se, salvo indicação em contr ário, a todas as part í culas
de mat é ria org â nica ligadas à decomposi çã o de organismos mortos. O termo detritos
parece o mais indicado de todos os que t ê m sido sugeridos para designar este
importante elo entre o mundo vivo e o inorg â nico (ver Odum e de la Cruz, 1963). No
pr óximo capí tulo tratar-se-á extensamente dos ciclos de energia, por é m, convirá
porventura tomar um contacto preliminar com a Figura 3-8, página 102.
Uma posterior subdivisão do ecossistema em seis «componentes» e em seis
« processos» ( como ficou enumerado no Enunciado ) faculta uma classifica ção
ecol ógica conveniente, embora um tanto arbitr á ria, salientando as primeiras a estru ¬
tura e as ltimas a função. Embora frequentemente sejam necessá rios métodos
distintos para delinear a estrutura, por um lado, e para medir os ritmos da fun çã o,
por outro, o objectivo ltimo do estudo é , a qualquer nível de organizaçã o biol ógica,
conhecer as relações entre a estrutura e a fun ção. Os oito capí tulos seguintes são
dedicados a esta tarefa tendo em atenção os n í veis ecol ógicos.
Os componentes abióticos que limitam e controlam os organismos ser ão
detalhadamente considerados no Capítulo 5, e no final deste cap ítulo ser á ana ¬

lisado o papel dos organismos no controlo do ambiente abi ótico. Como princípio
geral, pode pô r-se em relevo que do ponto de vista operacional as (partes viva e não
viva dos ecossistemas se encontram tão entrelaçadas na textura da natureza que é
dif ícil separ á-las (da í as classificações operacionais que n ão fazem uma distin ção r í ¬
gida entre o biótico e o abió tico). A maior parte dos elementos vitais (C, H , O, N, P,
e assim por diante) e dos compostos org ânicos (hidratos de carbono, prote ínas, lí pi-
15

dos, etc.) n ão só se encontram tanto dentro como fora dos organismos vivos, como
estão numa condição de fluxo constante entre os estados vivo e não vivo. Há,
por é m, algumas subst â ncias que parecem estar exclusivamente ligadas a um ou a
outro estado . Por exemplo, o material de reserva ATP ( trifosfato de adenosina),
de elevada energia, apenas se encontra no interior das cé lulas vivas ( ou a sua
exist ê ncia no exterior é pelo menos muito transit ória), enquanto as subst â ncias
húmicas, que sã o resistentes produtos finais da decomposiçã o ( ver página 44 ), nunca
se encontram no interior das células, embora sejam um componente principal e
caracter í stico de todos os ecossistemas. Outros complexos bi óticos chave , tais como
o material gené tico DNA (ácido desoxirribonucleico) e as clorofilas, ocorrem tanto
dentro como fora dos organismos, embora fiquem nã o funcionais quando fora da
célula. Como ficará assinalado mais adiante, a mensura ção quantitativa do ATP,
do h ú mus e da clorofila numa base de área ou de volume faculta í ndices da biomas-
sa, da decomposição e da produ ção, respectivamente .
Os tr ê s componentes vivos ( produtores, fag ótrofos e sapr ótrofos) podem ser
considerados como os «tr ês reinos funcionais da natureza» uma vez que est ão assentes
no tipo de nutrição e na fonte de energia utilizada. Estas categorias ecol ógicas não deve ¬
rão ser confundidas com os reinos taxonó micos, sem embargo de certos parale-
lismos, como salientou Whittaker (1969) è a Figura 2-1 mostra. No arranjo dos fila
de Whittaker numa «árvore geneol ógica» da evolu ção encontram-se todos os três
tipos de nutri ção no Monera e no Protista, ao passo que os tr ê s ramos superiores,
isto é, «plantas», «fungos» e «animais», est ão especializados como «produtores»,
«absorventes» e «ingestores», respectivamente . Deve destacar-se ser a classificação
ecológica uma classifica ção por fun ções e nã o por espé cies em si. Algumas espécies
de organismos ocupam posições intermé dias nas sé ries e outras são capazes de
substituir o seu modo de nutrição de acordo com as circunstâ ncias ambientais. A se¬
paração dos heterotr óficos em grandes e pequenos consumidores, sendo arbitrária,
justifica-se na pr ática por motivo de serem muito diversos os m étodos de estudo
que requerem. Os microrganismos heterotr óficos ( bact é rias, fungos, etc.) são rela¬
tivamente im óveis ( mergulhados regra geral num meio em decomposição), muito
pequenos e com elevadas taxas de metabolismo e de renovação . A especialização
é mais evidente bioquí mica do que morfologicamente ; em consequ ê ncia, não é
como regra possí vel determinar o seu papel no ecossistema por m é todos directos,
como sejam o de os observar ou contar . Os organismos designados por macrocon-
sumidores obt ê m a sua energia por ingest ão heterotrófica de mat é ria orgâ nica em
part í culas. S ã o estes em grande parte os «animais» no sentido lato do termo.
Tendem a estar morfologicamente adaptados à busca e à colheita activa de
alimento, com desenvolvimento, nas formas superiores, de sistemas complexos,
tanto sensitivo - neuromotores, como digestivos , respirat órios e circulat órios. Nas
anteriores edi çõ es deste texto os microconsumidores, ou sapr ótrofos, foram
16

Plantas Fungos Animais

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Figura 2-1. Um sistema de cinco reinos baseado em tr ê s n í veis de organiza çã o o. proca-


ri ó tico ( reino Monera ) , o eucari ó tico unicelular ( reino Protista ) e o eucari ó tico multicelular e multi-
nucleado. Em cada n ível h á divergê ncia q>uanto a tr ê s modos principais de nutri çã o o fotossint é tico,
o absorvente e o de ingest ã o. Muitos textos de biologia e de microbiologia enumeram quatro reinos por
combina çã o dos « Protistas inferiores » ( isto é , Moneras ) com os « Protistas superiores » , para formar os
« Protistas». As rela çõ es de evolu çã o est ã o muito simplificadas, especialmente nos Protistas. Apenas se
consideram os fila de animais principais, estando omissos os fila das bact é rias. Os Celenterados compreendem
os Cnid á rios e os Cten ó foros ; os Tentaculados compreendem osBriozoos,, os Braqui ó podos e os For ó n dos,
e em alguns tratados os Entoproctos. ( De Whittaker , 1969.)

designados por «decompositores» , por é m, estudos recentes mostraram que em al ¬


guns ecossistemas os animais são mais importantes do que as bacté rias ou fungos
na decomposição da mat é ria orgâ nica ( ver, por exemplo, Johannes, 1968). Conse ¬

quentemente , parece preferí vel n ã o designar quaisquer organismos determinados


17

como «decompositores» mas sim considerar a «decomposição» como um processo


que envolve a totalidade dos processos tanto bi óticos como abióticos. Aconselha-se
a leitura, para efeitos de informação adicional geral sobre o conceito de ecossistema,
do ensaio cl ássico de Forbes (1887), de Tansley (1935), Evans ( 1956) e Cole (1958) .
Schultz (1967) e Van Dyne (1969) analisam o conceito do ponto de vista do orde¬
namento de recursos, e Stoddard (1965) do ponto de vista de um ge ógrafo. Todo o
estudante de ecologia e, certamente, todo o cidad ão deveria ler Land Ethic (1949)
de Aldo Leopold, um eloquente ensaio, muitas vezes citado e reimpresso, sobre a
especial import ância para o homem do conceito de ecossistema. Tamb é m se deveria
voltar a ler a obra « Homem e Natureza» ( escrita em 1864, reimpressa em 1965) , de
George Perkins Marsh profeta de Vermont , que analisa as causas do decl í nio de
civilizações antigas e prevê semelhante destino para as modernas a menos que o
homem opte pelo que se pode hoje designar por um ponto de vista «ecossistemá tico»
do homem e da natureza.

Exemplos

Uma das melhores maneiras de come çar o estudo da ecologia é sair e estudar
um pequeno charco, ou um prado, ou um campo de cultura abandonado. De facto,-
qualquer á rea exposta à luz, mesmo um relvado, uma floreira de janela ou um micro¬
cosmo cultivado de laboratório, pode servir de «cobaia» para o estudo inicial dos ecossis-
temas, com a condição de as dimensões f ísicas e a diversidade bi ótica n ão serem t ão
grandes que tornem dif í ceis as ó bservações do conjunto. Por outras palavras, não se deve
come çar o estudo « prático» ou de «laborató rio» da ecologia manuseando a grande
floresta ou um oceano! Com o objectivo de ilustrar tantos aspectos quanto possível ,
examinam-se cinco exemplos : um pequeno lago, um prado, uma bacia hidrogr áfica , um
microecossistema de laborat ório e um ve í culo espacial .

A Lagoa i

Considere -se a lagoa no seu todo como um ecossistema, deixando para a segunda
parte deste livro o estudo das popula ções que nela vivem . O car ácter insepará vel dos
organismos vivos e do ambiente n ão vivo torna-se de pronto manifesto com a primeira
amostra colhida. N ão só a lagoa é um local onde vivem plantas e animais, como as
plantas e os animais fazem da lagoa o que ela é . Assim, uma garrafa cheia de água da
lagoa ou um alcatruz cheio de sedimento do fundo é uma mistura de organismos
vivos, tanto plantas como animais, e de compostos orgâ nicos e inorg â nicos. Da
amostra podem ser isolados alguns dos maiores animais e plantas para estudo ou

2
18

contagem, sendo poré m dif ícil separar completamente da mat é ria não viva a grande
quantidade de pequenas coisas vivas sem alterar o car ácter do fluido. Poder-se-ia, é
certo, tratar no autoclave a água ou o sedimento do fundo por forma a obter apenas
o material inerte remanescente, por é m, esse resíduo não seria então mais água ou
solo da lagoa pois teria apar ê ncia e caracter ísticas inteiramente distintas.
N ão obstante a sua complexidade, o ecossistema lagoa pode ser reduzido a
algumas unidades básicas, como a Figura 2-2 ilustra.

1. Substâ ncias abióticas (Figura 2-2, 1) são compostos inorg â nicos e org â nicos
básicos, tais como a água, dióxido de carbono, oxig é nio, cálcio, azoto e sais de f ósforo,
aminoácidos e ácidos h ú micos, etc. Uma pequena quantidade dos nutrientes vitais
encontra-se em solu ção e imediatamente dispon í vel para os organismos, poré m, uma
por ção muito maior encontra-se armazenada nas part ículas da mat é ria (especialmente
nos sedimentos do fundo) , assim como nos próprios organismos. Tal como foi expresso
por Hayes (1951), uma lagoa ou um lago « não é, como pode pensar-se , uma massa de
água contendo nutrientes, mas sim um sistema equilibrado de água e sólidos, e em
condições normais quase todos os nutrientes se encontram no estado sólido». A taxa de
liberta ção dos nutrientes contidos nos sólidos, a entrada de energia solar , e o ciclo da
temperatura, o per íodo diurno e outros regimes climáticos são os processos mais impor ¬
tantes que regulam , dia a dia, o grau de actividade de todo o ecossistema.

2. Organismos produtores. Numa lagoa os produtores podem ser de dois tipos


principais: (1) plantas de raiz ou grandes plantas flutuantes, que apenas crescem
-
geralmente em águas pouco fundas (Figura 2- 2, II A ) e (2) diminutas plantas flutuan ¬
tes, usualmente algas, designadas por fitopl â ncton { phyto = planta; plankton = flu ¬
tuante ) (Figura 2-2, II- B), distribu í das por toda a lagoa at é à profundidade a que a
luz penetra. Quando em abund ância, o fitopl â ncton confere à água uma colora ção
esverdeada; caso contrário, o observador casual não o vê, não sendo a sua presença
suspeitada por um leigo. Todavia, nas lagoas fundas e nos lagos ( tal como nos ocea ¬
nos) o fitoplâncton é muito mais importante na produ ção de alimento básico para o
ecossistema do que a vegetação de raiz.

3. Organismos macroconsumidores, animais, tais como larvas de insectos,


crust áceos e peixes. Os macroconsumidores prim ários ( herbí voros) ( Figura 2-2, III - IA ,
III-1B) alimentam-se directamente de plantas vivas ou de restos de plantas, sendo de
dois tipos denominados zooplâncton ( plâ ncton animal) e organismos bênticos (= for ¬
mas de fundo), em paralelo com os dois tipos de produtores. Os consumidores
secund á rios (carn ívoros), tais como os insectos predadores e o peixe de pesca (Fi ¬

gura 2-2, III-2 , III-3), alimentam-se de consumidores primá rios ou de outros consu ¬
midores secund ários ( o que faz deles consumidores terciários). Um outro tipo
19

importante de consumidor é o detritívoro ( III-1A), o qual sobrevive com a «chuva»


de detritos org â nicos vinda de cima das camadas autotróficas.
4. Organismos saprotróficos ( Figura 2 -2, IV). As bact é rias aqu áticas, os flage ¬
lados e os fungos encontram-se distribu í dos por toda a lagoa, embora sejam espe ¬
cialmente abundantes na interface do lodo com a água, por toda a á rea do fundo
onde se acumulam os corpos de plantas e de animais. Enquanto apenas um pequeno
n mero de bacté rias e de fungos são patogé nicos, dado atacarem os animais vivos e
provocarem doen ças, a grande maioria apenas ataca depois de os organismos morre ¬
rem. Numa massa de água , e enquanto as condições t érmicas sã o favor á veis, a
decomposição ocorre rapidamente ; os organismos mortos n ão mant ê m durante muito
tempo a sua identidade , sendo rapidamente desfeitos em peda ços, consumidos pela
acção combinada dos animais e dos microrganismos que se alimentam de detritos,
com libertaçã o dos respectivos nutrientes que ficam dispon í veis para nova utilização.

Quadro 2-1
Metabolismo Diário de uma Comunidade na Coluna de Á gua de uma Lagoa ,
Conforme Indicam as Alterações Médias em Oxigénio
a Sucessivas Profundidades
ALTERAÇÃO EM 02 (g / m3)
PRODU ÇÃO RESPIRA ÇÃO DA
PROFUNDIDADE Garrafa Garrafa BRUTA COMUNIDADE
Clara Escura (g de 02 / m 3) (g de 02 / m 2)

m 3 superior +3 -í 4 1
Segundo m 3 +2 -í 3 1
Terceiro m 3 0 -í 1 1
m3 do fundo -3 -3 0 3
Metabolismo total
da coluna de água,
(g de 02 / m 2 / dia) — 8 • 6

A estratifica ção parcial da lagoa, numa zona superior de « produ ção» e numa
zona inferior de «decomposi çã o- regenera çã o de nutrientes», pode ser ilustrada pela
simples medida do metabolismo diá rio total de amostras de água. Pode utilizar-se para
o efeito uma té cnica de «garrafas clara e escura», que proporciona, por outro lado, um
ponto de partida para figurar o fluxo de energia ( um dos seis processos enumerados
na definição de ecossistema ). Como pode ver -se na Figura 2 - 3, são colocadas em garra ¬
fas pareadas amostras de água retiradas de diferentes profundidades, uma das quais
( a garrafa escura) est á envolvida por fita negra ou por folha de alum í nio, por forma a
excluir completamente a luz. Outras amostras de água são «fixadas» com reagentes
por tal forma que possa ser determinada a concentra ção inicial de oxig é nio a cada
ENERGIA
SOLAR

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Figura 2-2. Diagrama do ecossistema lagoa. As unidades b á sicas sã o as seguintes: I , subst â ncias abi ó ticas compostos
inorgâ nicos e org â nicos b á sicos ; IIA , produtores - vegeta çã o enraizada; IIB , produtores - fitopl â ncton ; III -1 A , consu ¬
midores primá rios ( herb í voros) formas de fundo; III - 1 B, consumidores prim á rios ( herb í voros) zooplâ ncton; III- 2 , con ¬
sumidores secund á rios ( carn í voros ) ; III - 3 , consumidores terci á rios ( carn í voros ' secund á rios ) ; IV, sapr ó trofos - bact é rias e
fungos da decomposi çã o. O metabolismo do sistema funciona com energia solar , enquanto que o ritmo metabó lico e a
estabilidade relativa da lagoa dependem do ritmo de entrada de materiais provenientes da chuva e da drenagem da bacia
o em que a lagoa est á localizada.
CS
21

profundidade (*). Logo de seguida, o fio com os pares de garrafas clara e escura
é suspenso na lagoa de maneira a que as amostras fiquem colocadas exactamente à
mesma profundidade a que tinham sido previamente obtidas. Ao fim de um per í odo
de 24 horas removem-se os jogos de garrafas, sendo determinada a concentraçã o de
oxig é nio em cada amostra e comparada esta com a concentra ção inicial . O decré scimo
de oxig é nio na garrafa escura indica o montante da respiraçã o dos produtores e dos
consumidores ( isto é, de toda a comunidade ) contidos na água, ao passo que a
alteração no oxig é nio ocorrida na garrafa clara traduz o resultado l í quido do consumo
de oxig é nio na respira ção e da produ ção de oxig é nio na fotoss í ntese , se houver
alguma. Adicionando a respiração à produ ção lí quida, ou subtraindo a concentração
final de oxig é nio da garrafa escura da da garrafa clara ( com a condição de no
in í cio ter sido igual a concentração de oxig é nio nas duas garrafas ) obt é m-se uma esti ¬
mativa da fotoss í ntese (produ ção de alimento) total ou bruta para o per í odo de 24 horas ,
dado que o oxig é nio libertado é proporcional à mat é ria seca produzida.
Os dados hipot é ticos constantes do Quadro 2-1 ilustram o tipo de resultados
que h á a esperar com uma experiê ncia de garrafas claras e escuras numa lagoa pouco
profunda e f é rtil num dia quente de sol. Neste caso hipot é tico, a fotoss í ntese excede
a respiração nos dois primeiros metros (**), a contar da superfície, equilibrando-a no
terceiro metro ( nenhuma modifica ção na garrafa clara) ; para baixo do terceiro metro a
intensidade da luz é muito baixa para a fotoss í ntese , pelo que apenas ocorre a respiração.
Num gradiente de luz, o ponto em que as plantas são capazes de equilibrar exacta ¬
mente a produ ção e a utilização de alimento chama-se ní vel de compensação , e
marca uma fronteira funcional ú til entre o estrato autotr ófico ( zona eufótica) e o
estrato heterotr óí f co.
Uma produção diária de 8 gramas de 02 por m2 e um excesso de produção
sobre a respiração dará indicação de que o ecossistema se encontra são, uma vez que
est á a ser produzido na coluna de água um excesso de alimento que fica dispon í vel para
todos os organismos durante os perí odos em que a luz e a temperatura não são tão
favorá veis. Se a hipoté tica lagoa estivesse polu ída com mat é ria orgâ nica, o consumo de
02 (respiração) excederia largamente a produ ção de 02, dando como resultado uma
(*) O m é todo de Winkler é o procedimento padr ã o para a medi çã o do oxig é nio na água . Envolve a fixa çã o
com MnSC> 4, H 2SO4 , e iodeto alcalino, que liberta iodo elementar em propor çã o com o oxigé nio .
O iodo é titulado com tiosulfato de só dio ( 0 fixador utilizado em fotografia ) a uma concentra çã o
calibrada para estimar 0 oxig é nio em miligramas por litro , grama por mt ou partes por milh ã o ( ppm ) .
Actualmente est ã o a desenvolver- se m é todos electr ó nicos utilizando el é ctrodos de oxig é nio que ,
provavelmente, acabar ã o por substituir os m é todos qu í micos padronizados, especialmente quando
for desejá vel acompanhar continuamente as altera çõ es de oxigé nio. Vejam - se detalhes dos m é todos
na refer ê ncia registada na bibliografia por « American Public Health Association ».
(**) Onde a água á clara , como nos grandes lagos e no oceano, a fotossí ntese é na realidade suprimida
pela elevada intensidade de luz pr ó ximo da superf í cie , pelo que a maior intensidade fotossint ética
ocorre usualmente sob o primeiro metro ( ver Figura 3- 3 , pág. 79 ) .
22

escassez de oxigé nio e (se o desequilí brio continuasse) eventuais condições anaer óbias
(= sem oxig é nio) que eliminariam os peixes e a maioria dos outros animais. Ao examinar
a «sa ú de » de uma massa de água deve medir- se n ã o apenas a concentra çã o de oxig é nio,
como uma condi ção de exist ê ncia, mas també m determinar os ritmos de altera ção e o
equil íbrio entre a produ ção e o consumo nos ciclos diá rio e anual. Assim , o controlo das
concentrações de oxig é nio é uma via apropriada de «tomar o pulso» ao ecossistema
aqu á tico. A medi çã o da « necessidade de oxigé nio biol ógico» ( B.O. D.) é també m um
mé todo padrão do exame da polui ção ( ver Cap í tulo 16) .
O encerrar água da lagoa em garrafas ou outros recipientes, cô mo esferas ou
cilindros plásticos, tem limita ções ó bvias, e o m é todo da garrafa aqui utilizado não é
adequado para analisar o metabolismo de toda a lagoa, uma vez que n ão foram medidas
as trocas de oxigé nio dos sedimentos do fundo e das maiores plantas e animais. No
Cap ítulo 3 serão analisados outros m é todos.

A Unidade Bacia Hidrográfica

Embora em termos de componentes biol ógicos a lagoa pare ça aut ó noma , a inten ¬
sidade do seu metabolismo e a sua estabilidade relativa ao longo de um per í odo de anos
est ão altamente condicionados pela entrada ( input ) de energia solar e , especialmente ,
pelo ritmo da ailu ê ncia de água e de materiais vindos da sua bacia de alimenta çã o.
Dá-se com frequ ê ncia uma entrada l í quida de materiais, em especial quando as massas
de água sã o pequenas ou é restrito o fluxo de sa í da . Quando o homem faz aumentar a
erosã o do solo ou introduz quantidades de mat é ria org â nica ( esgotos urbanos, esgotos
industriais) em propor ções n ã o assimil á veis, a r á pida acumula çã o desses materiais
pode levar à destrui çã o do sistema . A expressã o eutrojkaçã o cultural ( = enriqueci ¬
mento cultural ) tornou -se muito comum para traduzir a polui çã o org â nica resultante
.
da actividade humana. Portanto, quando se trata dos interesses do homem, é toda a
bacia de drenagem , e n ão apenas a massa de água , que deve ser considerada, como a
unidade m í nima de ecossistema. Para efeitos prá ticos de ordenamento, a unidade de
ecossistema deve assim incluir , por cada metro quadrado de água , uma área terrestre
da bacia hidrográfica pelo menos 20 vezes maior (*). N ão se encontram a causa da
polui ção da água e as solu ções examinando-a apenas ; normalmente é o mau orde ¬
namento da bacia hidrográfica que est á a destruir os recursos aqu áticos. Deve consi-
derar-se como unidade de ordenamento toda a bacia de escoamento ou de recep ção
-
poré m, falar-se á novamente disto mais adiante. O Parque Nacional de Everglades,
situado no sul da Florida, constitui um bom exemplo dessa necessidade de consi ¬
derar toda a bacia de escoamento. De facto, não obstante ser grande quanto a á rea, o
( *) A raz ã o entre a superfície de água e a área da bacia hidrográfica varia muito e depende da queda
pluviom é trica, da estrutura geol ógica das rochas subjacentes e da topografia .
23

parque não inclui hoje a fonte da água doce que terá de chegar at é ele , vinda para
sul, caso seja de manter a sua ecologia específica. Desta forma, o Parque Nacional
de Everglades encontra-se completamente exposto aos perigos de melhoramentos
e de desenvolvimentos agr ícolas ou de tráfego aé reo a norte do seu limite , que pode¬
rão desviar ou contaminar o «sangue vital» das suas «glades».
Para que se tenha uma imagem de uma bacia de recepçã o manipulada e
controlada para efeitos de estudo experimental , veja-se a Figura 2- 4.

O Prado

Depois de se ter salientado estar a lagoa na depend ê ncia da terra, devemos nesta
altura proceder a uma breve análise do ecossistema terrestre. Mostra a Figura 2-5 alguns
ecologistas a colher amostras dos consumidores juntamente com a vegetaçã o (isto
é, o estrato autotr ófico) e tamb ém, por assim dizer, «a tomar o pulso» a uma pastagem. Se
bem que o prado tenha um aspecto muito diferente da lagoa, e sejam necessários instru ¬
mentos distintos para o estudar, o caso é que, quando se considera o sistema como um
todo, os dois tipos de ecossistema têm de facto a mesma estrutura básica e funcionam
da mesma maneira. Sendo embora certo que a maior parte das espécies terrestres
são diferentes das aqu áticas, podem contudo ser reunidas em agrupamentos ecológicos
semelhantes, como pode ver-se no Quadro 2-2.
A vegetação desempenha a mesma função que o fitoplâncton, os insectos e os
aracnídeos na vegetação são conjpará veis ao zooplâncton, os pássaros e os mamiferos (e as
pessoas que utilizam o prado para colheitas e para o pastoreio do gado!) são compará¬
veis ao peixe , e assim por diante. Contudo, as comunidades aqu á tica e terrestre diferem,
quanto âo tamanho relativo de algumas divisões biológicas e, certamente, no impacto
relativo que certos componentes f ísicos, como a água, exercem nas condições de existê n¬
cia ( e , portanto, na fisiologia e no comportamento de adaptação dos organismos).
O contraste entre os ecossistemas terrestre e aqu ático, que mais chama a aten ção,
está ligado à dimensão das plantas verdes. Os autotr óficos da terra tendem a ser em
menor n ú mero mas muito maiores, tanto em termos individuais como de biomassa por
unidade de área ( Quadro 2-2). O contraste é particularmente marcante quando sé
compara o mar alto, onde o fitoplâncton é ainda mais pequeno do que na lagoa, e a
floresta com as suas árvores gigantescas. As comunidades das águas superficiais ( mar ¬

gens das lagoas, lagos, oceanos, bem como os pântanos), as pastagens e os desertos
ocupam entre tais extremos posição intermédia. A biosfera no seu todo pode, de facto, ser
visualizada como um imenso gradiente de ecossistemas com os oceanos profundos num
extremo e as grandes florestas no outro.
Os autotr óficos terrestres convertem grande parte da sua energia produtiva nos
tecidos de suporte, necessários, dada a densidade mais baixa (e assim a mais baixa
24

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Figura 2-3. Medição do metabolismo de uma lagoa com garrafas claras e escuras . A . Enchi ¬
mento de um par de garrafas, uma clara outra escura ( preta ) , com água recolhida a uma dada profun ¬
didade com um amostrador de água ( o instrumento cil í ndrico com tamp õ es de borracha nas extremi ¬
dades). B. Mergulho de uma corda com um par de garrafas , clara e escura , at é à profundidade a que
a água foi recolhida. O recipiente branco de plástico servir á de flutuador . Ver no texto explica çã o mais
detalhada do m é todo. A energé tica da lagoa ilustrada nestas fotografias encontra-se analisada e mode ¬
lada no Capí tulo 3. ( Fotografias de K. Kay para o Instituto de Ecologia, Universidade da Ge ó rgia.)
25

capacidade de sustenta çã o ) do ar em compara çã o com a da água. Este tecido de suporte


tem um teor elevado de celulose e de linhina (lenho) e requere pouca energia para a
sua manutenção, dada a sua resistê ncia aos consumidores. De acordo com isto, as
plantas terrestres contribuem mais do que as aqu á ticas para a matriz estrutural do ecos-
sistema , sendo muito mais baixa, em correspond ê ncia, a intensidade do metabolismo das
plantas terrestres por unidade de volume ou de peso. Tem- se aqui uma boa ocasi ã o
para introduzir o conceito de renovação, defin í vel em termos gerais como a razão entre
0 passo e o conteúdo. A renovação tanto pode ser expressa como uma fracçã o de intensi ¬

dade como um «tempo de renovaçã o» , que é o rec í proco daquela fracçã o. Considere-se
a corrente de energia produtiva como o « passo» e a biomassa dos produtores (gramas
de peso seco / m 2, no Quadro 2 -2) como o «conte ú do». Caso se admita a hipótese de
que a lagoa e o prado t ê m uma intensidade fotossintctica (fotossí ntese bruta) compará vel
de 5 gramas por m 2 e dia, ent ão a intensidade de renova çã o para a lagoa seria de 5 / 5 ou
1 e o tempo de renova ção seria de um dia. Em contraste, a intensidade da renovação
para o prado seria de 5/ 500 ou 0,01 e o tempo de renovaçã o de 100 dias. Assim sendo,
as min ú sculas plantas da lagoa podem substituir- se, elas pr óprias, no perí odo de um dia
quando o metabolismo da lagoa culmina, enquanto as plantas terrestres t ê m uma vida

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Figura 2-4. Bacias hidrogr á ficas mmwm : 7.:
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experimentais do Laborat ó rio Hidro-


l ógico de Coweeta nas montanhas do Ês§&'
oeste da Carolina do Norte . Todas as
á rvores foram removidas da bacia lo ¬
m ... 777#/
calizada no centro da figura com o
fim de comparar a entrada de água
( precipita çã o ) e a respectiva sa í da ( dre ¬
nagem da corrente ) com as das bacias
BP
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de recep çã o florestadas intactas que ígg,
lhe sã o cont í guas . Pormenor que ilus ¬
tra o descarregador talhado em V e o
equipamento registador utilizado para
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medir a á gua sa í da na corrente em
cada bacia de recepçã o, individuali ¬ & ::
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cedida pelos U . S. Forest Service ) . m 7
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Figura 2-5. Ecossistemas de prado e «campo velho». A . Ecologistas servindo-se de um «aspi¬


rador » de v ácuo para obter amostras de artró podos no estrato a é reo de uma comunidade de pradaria .
Os organismos aprisionados no cilindro de plástico de extremidade aberta sã o aspirados pelo v ácuo para
uma rede. B. Medição da taxa fotossinté tica de uma das esp é cies de planta num ecossistema de campo
velho ( terreno agr í cola abandonado) com um analisador de g á s a infravermelhos, que determina a absor¬
ção de di óxido de carbono à medida que o ar passa através de uma câ mara transparente. Cobrindo a
c â mara com um pano escuro ( ou fazendo as medi ções à noite ), pode medir-se a respiração da comuni¬
dade vegetal ; a taxa do metabolismo autotrófico total pode ser avaliada de forma semelhante à descrita
para a experiê ncia com as «garrafas claras e escuras» ( ver texto e Figura 2 - 3). ( Fotografias cedidas pelo
Instituto de Ecologia, Universidade da Ge ó rgia.)
27

muito mais longa e uma « renovaçã o» muito mais lenta. Como se ver á no Cap í tulo 4,
o conceito de renova ção é especialmente ú til para tratar das trocas de nutrientes entre
os organismos e o meio.
A grande massa estrutural das plantas terrestres determina a exist ê ncia de gran ¬
des quantidades de detritos fibrosos resistentes ( detritos de folhas , lenho, etc. ) que
alcançam a camada heterotr ófica. Em contraste , a «chuva de detritos» no sistema de
fitopl â ncton é constitu ída por pequenas part ículas que s ã o mais facilmente decom ¬
postas e consumidas pelos animais pequenos. Seria, portanto, de esperar encontrar
maiores popula ções de microrganismos saprofágicos no solo do que nos sedimentos
submersos na água livre ( Quadro 2-2). Por é m , como já foi salientado, o n ú mero e a
biom ssa dos organismos muito pequenos nã o reflectem necessariamente a sua activi-
dade ; um grama de bact é rias pode variar muit íssimo quanto a intensidade metab ólica
e a renova çã o conforme as condições. Em contraste com os produtores e os micro-
consumidores, o n ú mero e o peso dos macroconsumidores tendem a ser mais compa ¬
r á veis nos sistemas aquá tico e terrestre, com a condição de ser equivalente a energia
dispon ível no sistema. Desde que no caso terrestre se incluam os grandes animais
de pastoreio, o n ú mero e a biomassa dos consumidores errantes, ou « permeantes»,
tendem a ser mais ou menos os mesmos em ambos os sistemas ( Quadro 2- 2).
Deve salientar- se que o Quadro 2- 2 é um modelo experimental. Por muito es ¬
tranho que pare ça, nunca ningu é m fez um censo completo de nenhuma lagoa ou prado
( ou de qualquer outro ecossistema desta natureza )! Apenas se podem adiantar aproxi ¬

ma ções baseadas em informa ção fragmentada compilada de muitos sítios. Mesmo nos
ecossistemas naturais mais simples é de espantar o n ú mero e a variedade de organismos
e a complexidade da ligaçã o cfos agrupamentos. Tal como seria de esperar, conhece-se
mais sobre os organismos grandes ( árvores, aves, peixes, etc. ) do que sobre os pequenos,
os quais, n ã o s ó são mais dif í ceis de observar, como també m implicam m é todos funcio¬
nais de an á lise tecnicamente dif í ceis . Do mesmo modo, dispõe- se de conjuntos de me ¬
dições da temperatura, queda pluviom é trica e de outros « macrofactores», embora conhe ¬
cimento muito limitado sobre micronutrientes, vitaminas , detritos, antibióticos e outros
«microfactores» mais dif í ceis de investigar, n ã o obstante terem grande import â ncia na
manuten çã o dos equilí brios ecol ógicos. O desafio à s novas gera ções de ecologistas que
a pesquisa de melhores técnicas de invent á rio constitui deixou de ser a ú nica motiva ¬
ção para prestar mais profunda atenção à natureza ; toda a exist ê ncia do homem est á
sendo amea çada pela sua abismal ignorâ ncia sobre aquilo que faz com que um ecossis ¬
tema se mantenha equilibrado.
Nos ecossistemas, tanto terrestres como aqu á ticos , grande parte da energia solar
é dissipada na evapora ção da água, e apenas uma pequena parte, geralmente menos de
5 por cento, é fixada pela fotossí ntese. Por é m, é distinto o papel desempenhado por essa
evapora çã o no movimento dos nutrientes e na manutençã o dos regimes t é rmicos. Tais
diferen ças ser ã o examinadas noS Capí tulos 3 e 4 ( ver ainda Smith , 1959, para compa-
28

rações interessantes e especulativas sobre os ecossistemas aqu á ticos e terrestres). Nesta


altura é apenas necessário mencionar que para cada grama de C fixado numa pas
02 ¬
tagem ou num ecossistema florestal deverã o ser removidas do solo umas 100 gramas
de água , atrav é s dos tecidos das plantas, e transpiradas (= designaçã o da evapora çã o
proveniente das superf í cies das plantas). Não se encontra associada à produ çã o
do
fitoplâ ncton , ou de outras plantas submersas, um uso maci ço de água como este. Isto
obriga a voltar à unidade mínima de ecossistema para o homem, isto é, à bacia de
escoamento ou hidrográfica, que inclui ecossistemas terrestres e aquáticos juntamente
com o homem e seus produtos manufacturados, funcionando tudo como um ecossistema .
A bio- hidrografia das bacias hidrográficas (= o comportamento da água em relaçã o com
os organismos) torna-se assim uma mat é ria de alta prioridade na an á lise do ecossistema
humano. Em acrescento a um Programa Biol ógico Internacional , planeado para inven ¬

tariar o homem e o ambiente total, foi tamb é m proposta uma D é cada Hidrol ógica
Internacional para estimular a recolha sistemática da informação sobre a água e seu
movimento na biosfera.

O microecossistema

Em virtude dos ecossistemas ao ar livre serem complexos, dif íceis de delimitar


e muitas vezes difí ceis de estudar com os meios científicos tradicionais de «experiê ncia
e controlo», muitos ecologistas estã o a voltar-se para o laborat ório e para microecossis-
temas de campo com limites definidos e cuja manipula çã o e repeti çã o pode ser feita
-
como se queira. As Figuras 2 6 e 2-7 ilustram diversos tipos de sistemas que t ê m sido
utilizados para testar princ í pios ecol ógicos. Variam eles do microcosmo fechado que
apenas requer energia luminosa ( biosferas em miniatura, de certo modo) at é conjuntos
mantidos em vá rios tipos de quimiostatos e turbidostatos, com entradas e sa ídas de
nutrientes e de organismos regqladas. Em termos de componentes biológicos, podem
distinguir-se dois tipos: (1) microecossistemas derivados directamente da natureza pela
sementeira m ltipla de amostras do ambiente no meio de cultura; (2) sistemas cons ¬
titu ídos por adi çã o de esp é cies de culturas axé nicas (= isentas de outros organismos
vivos) at é que seja obtida a combina ção desejada. O primeiro sistema representa a
natureza «desnudada» ou «simplificada» at é aos organismos que podem viver juntos
dentro dos limites do recipiente , no meio de cultura , e sob o ambiente luz-temperatura
imposto pelo investigador. Tais sistemas são, poré m , normalmente utilizados para
simular uma situa çã o ao ar livre específica. Tal como na natureza ao ar livre , o inves¬
tigador poderá encontrar facilmente pela observaçã o quais os maiores componentes
bi óticos (tais como algas ou invertebrados ) presentes, embora seja dif ícil determinar a
composi çã o exacta, especialmente no que respeita às bact é rias (ver Gordon e outros,
1969). A utiliza ção na ecologia dos sistemas «derivados» ou de «sementeira m ú ltipla»
29

Quadro 2-2
Comparação da Densidade ( N úmeros / m 2 ) e da Biomassa ( em Gramas de Peso Seco / m2 )
de Organismos em Ecossistemas Terrestres e Aquáticos de Produtividade
Moderada e Comparável
LAGOA DE ÁGUA LIVRE PRADO OU CAMPO VELHO
COMPONENTE
ECOLÓ GICO Gramas de Gramas de
Conjunto N.° / m2 Peso Seco/ m2 Conjunto N.° / m2 Peso Seco/ m2

Produtores Algas 108-1010 5,0 Angiosp é rmicas 102-103 500


fitoplanctó nicas herbáceas
(gram í neas e
outras ervas)
Consumidores Crustáceos 105-107 0,5 Insectos 102-103 1,0
na camada zooplanct ó nicos e aracn ídios
autotr óflca e rotíferos
Consumidores Insectos, 105-106 4,0 Artr ó podos 105-10« 4,0
na camada moluscos do solo,
heterotr ófica e crustá ceos anel í deos
b ênticos * e nemátodos f
Grandes Peixes 0,1-0,5 15,0 Aves 0,01-0,03 0,3 §
consumidores e mam íferos 15,0 §§
errantes
( permeantes)
Microrganismos Bact é rias
,
10 3- 1014 1- 1011 Bact é rias 10 I 4- 10 5 " 10- 10011
consumidores e fungos e fungos
(sapr ófagos)

* Incluindo animais at é à dimens ão dos ostr ó codos.


t Incluindo animais até à dimensão de pequenos nem átodos e ácaros do solo.
§ Incluindo apenas aves pequenas ( passarinhos) e pequenos mam í feros ( roedores, musaranhos, etc.).
§§ Incluindo 2 ou 3 vacas ( ou outros mam í feros herbí voros grandes ) por hectare.
II Biomassa baseada na estimativa de 1013 bact é rias = 1 grama de peso seco.

foi lan çado por H. T. Odum e seus discí pulos (Odum e Hoskins, 1957; Beyers, 1963). Na
segunda perspectiva , «edificam -se » sistemas «definidos» adicionando componentes
previamente isolados e cuidadosamente estudados. As culturas resultantes dizem-se com
frequ ê ncia «gnotobióticas» ( ver Dougherty, 1959, para efeitos de terminologia) por se
conhecer a composição exacta, at é à ausê ncia ou à presen ça de bact é rias. As culturas
gnotobióticas t ê m sido especialmente utilizadas para o estudo da nutri çã o, bioqu í mica
e outros aspectos de dada espé cie ou clone, ou para o estudo da interacção entre duas
esp é cies (ver Cap ítulo 7), embora recentemente os ecologistas tenham come çado a
investigar com culturas « poliaxénicas» mais complexas, com o objectivo de alcan çar
ecossistemas mais auto- controlados ( Nixon , 1969; Taub, 1969).
Na realidade, estas duas vias diferentes para o estudo do microecossistema de
ó
laborat rio t ê m paralelo nos dois rumos há muito estabelecidos que os ecologistas t ê m
30

seguido para estudar lagos e outros grandes ecossistemas do mundo real. Por exemplo,
no seu ensaio de 1964 «The Lacustrine Microcosm Reconsidered », o eminente ecolo ¬

gista americano G . E. Hutchinson fala do trabalho de E. A. Birge ( 1915) sobre o balan ço


t é rmico dos lagos como percursor do método holológico ( holos = inteiro), no qual o lago
é considerado como uma «caixa negra » (*) com entradas ( input ) e sa í das ( output ).
Hutchinson coloca em contraste com este o método merológico ( meros parte ) de
Stephen Forbes (1887 ; ver página 13) no qual «discorremos sobre as partes do sistema
e tentamos construir o todo a partir delas».
Registe-se, nesta altura, uma observa çã o sobre uma concepçã o err ónea corrente
relativa ao aqu á rio «equilibrado» de peixes. É perfeitamente possível num aqu á rio
alcançar um equil í brio gasoso e tr óíf co aproximado, com a condiçã o de ser pequena a
propor çã o dos peixes relativamente à água e à s plantas. Já em 1857, George Warington
«demonstrou esse surpreendente e admirável equil í brio entre os reinos animal e vegetal»
num aquá rio de 46 litros utilizando um pequeno n ú mero de peixes (peixe de ouro),
caracóis e plantas marinhas ( Vallisneria ), e, deve- se acrescentar, uma diversidade
de microrganismos associados. N ã o só percebeu claramente o papel recí proco dos
peixes e das plantas, como també m observou correctamente a import â ncia do caracol
detrit í voro «na decomposição da vegeta ção e do muco confev óide», assim «converté ndo
num rico e vantajoso sustento para o crescimento da vegetação o que de outra forma
actuaria como um agente venenoso». A maior parte das tentativas feitas por amadores
para equilibrar o aqu á rio falham por se pretender uma exist ê ncia de peixes em excesso
para os recursos dispon íveis ( diagn óstico: um caso elementar de sobrepopula çã o!). Uma
vista de olhos pelo Quadro 2- 2 mostra que um peixe de dimensã o m édia requere, para
efeitos de completa auto-suficiê ncia, muitos metros cú bicos de água e dos correspon¬
dentes organismos que lhe servem de alimento. Uma vez que a «observa çã o dos peixes»
é a usual motivaçã o para ter um aqu á rio em casa, no escrit ó rio ou na escola, torna-se
necessário, em suplemento, a alimenta ção, o arejamento e a limpeza periódica para
que possa existir um grande n ú mero de peixes em espaços pequenos. Por outras
palavras, aconselha-se o cultivador caseiro de peixes a esquecer-se do equilí brio
ecol ógico e a deixar o microcosmo auto-suficiente para o estudante de ecologia. Eis
aqui uma boa ocasi ã o para se recordar que as grandes «criaturas», como o peixe e o
homem , necessitam de mais espaço do que seria de pensar!
Os grandes tanques ao ar livre para sistemas aquá ticos ( ver H. T. Odum e
outros, 1963) e diversos tipos de habitat terrestre cobertos ( tal como se mostra na
Figura 2-5), representando um tipo de experiê ncias cada vez mais utilizado, consti¬
tuem um elo entre os sistemas culturais de laborat ó rio e o mundo real da natureza.
Nos capí tulos seguintes haver á várias oportunidades para ilustrar como a investi¬
gação do microecossistema tem contribu ído para estabelecer e clarificar princí pios eco-
(*) A «caixa negra» pode definir-se como qualquer unidade cuja fun çã o pode ser avaliada sem especificar
os conte dos internos.
31

I TUBO DE DESCARGA
ENTRADA DE AR " ~
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AMPÃO DE ALGODÃO

Ir
500 0 *
SAIDA
DE Ah TUBO DE RECOLHA
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X A
( B)
EL É CTRODOS SOLU ÇÃ O
ELECTROL ÍT1CA
FONTES DE LUZ .
FLUORESCENTE ( GROLUX )
. TROCA DE G ÁS
II III "
ATRAV ÉS DO TAMPã O
N Í VEL DE L ÍQUIDO
Ç jy/ DE ALGODÃ O
TUBO DE FRASCO DE
MEIO DE CULTURA
ROUX DE
TROCA DE
GASES J 750 ml N ÍVEL DO / \ BAL ÃO DE ERLENMEYER

/J.
MEIO DE \ DE 250 ml OU MAIS
CULTURA

' .
K
~lJx
« EXCLUSÃO»
DE PASTOREIO
.
ALGAS 3 CLASSES
BACT É RIA \ BACT ÉRIAS E FUNGOS 13 + CLASSES
ALGA ( DUNALIELLA ) ( ISOLADOS )
CAMARÃ O MARINH Ò ( ARTEMIA ) OSTR Á CODOS 1 + CLASSE
TODOS DE UMA CULTURA NEM ÁTODOS ( ?)
AXÊ NICA PROTOZOÁRIOS 3 + CLASSES
TODOS DERIVADOS DE
INOCULAÇÃO COM MATERIAL DE
LAGOA DE ESGOTOS

-
Figura 2 6. Três tipos de microssistemas de laborat ó rio. /. Um quimiostato simples, de baixo custo,
em que um fluxo de meio de cultura ( B) é regulado, através de uma câ mara de cultura C) e at é um
recipiente (D), ajustando a corrente elé ctrica ministrada a uma bomba de electrólise ( A). No turbidostato
<
-
realiza se uma regulação de estado constante por intermédio de um sensor, colocado dentro da comuni¬
dade cultivada, que responde à densidade ( turvação) dos organismos ( regulaçã o interna em contraste com
a regulação externa de «entrada constante » do quimiostato). (Segundo Carpenter , 1969.) II. Um micro¬
cosmo gnotobió tico ou «definido » contendo três espécies de cultura axé nica ( isto é, « pura»). O tubo
porporciona um (á rea em que as algas se podem multiplicar livres de pastoreio por parte do camarão
(«evitando o sobrepastoreio», com forte probabilidade). (Segundo Nixon , 1969 . ) III Um microcosmo .
«derivado» de um sistema de ar livre por inoculação m ú ltipla ( ver Beyers, 1963). O sistema / é «aberto»,
e os sistemas II e III sã o «fechados», excepto para a entrada de energia luminosa e a troca de gá s com
a atmosfera . O equil í brio neste ú ltimo tipo de sistemas, se alcan çado , resulta da regula çã o pela comuni ¬
dade do ciclo de nutrientes, mais do que por dispositivos de controlo mecâ nico ( como no quimiostato
ou turbidostato).

l ógicos básicos. Como bibliografia ú til e ainda para efeitos de revisão do «m étodo do
microcosmo aplicado à biologia do ecossistema» e da «contrové rsia sobre o aquário
equilibrado», aconselha-se a leitura de Beyers (1964).
32

A Nave Espacial como Ecossistema

Porventura, a melhor maneira de visualizar um ecossistema será pensar numa


viagem espacial, uma vez que ao sair da biosfera o homem tem de levar com ele um
ambiente estritamente delimitado, isolado, que deve satisfazer todas as necessidades
vitais, face a um ambiente espacial muito adverso, utilizando como fonte a energia
solar vinda do exterior. Para viagens de poucas semanas, como a de ida e volta à Lua,
o homem n ão tem de levar com ele um ecossistema auto-suficiente, uma vez que pode
o armazenar quantidades suficientes de oxig é nio e de alimento e que o C02 e outros
O
produtos sem utilidade podem ser fixados ou tornados n ã o t óxicos por curtos periodos
ED de tempo. Poré m , para viagens longas, como sejam as expedições aos planetas, o homem
*
U
tem de criar ele pró prio uma nave espacial mais fechada ou regenerativa. Um ve í culo
O
auto-controlado desta natureza terá n ã o s ó de incluir todas as subst â ncias abi óticas
vitais, e os meios para as regenerar , como terá tamb é m de ser sede de fun ções vitais
ac
a de produ çã o, consumo e decomposi çã o processadas de uma forma equilibrada pelos
componentes bi óticos, ou seus suced â neos mecânicos. Num sentido muito real , a nave
U,
espacial auto-controlada é um microecossistema que cont é m o homem. É interessante
salientar que est ã o presentemente a ser aplicadas na pesquisa do «ecossistema m í nimo
para o homem no espa ço» as duas vias te óricas referidas na secçã o anterior, isto é, o
m étodo «holol ógico» e o método « merol ógico». Até que ponto o homem pode «atalhar»
a natureza n ã o se sabe neste momento; trata-se ( de tema altamente controverso. Serã o
examinadas no Capítulo 20 as tentativas feitas para obter sistemas regeneradores que
suportem a vida nas viagens espaciais, bem como a sua import â ncia para a nossa con ¬
tinuada sobrevivê ncia na grande « nave espacial Terra».

2. O CONTROLO BIOLÓGICO DO AMBIENTE QU Í MICO


á
*

Enunciado

Os organismos individuais n ã o se limitam apenas a adaptar-se ao ambiente


í
f sico, mas pela sua acçã o concertada nos ecossistemas també m adaptam o ambiente
geoqu ímico às suas necessidades biol ógicas.

Explica çã o

Se bem que toda a gente se d ê conta de que o ambiente abiótico («factores


í
f sicos») controla a actividade dos organismos, nem sempre se repara que os organismos
influenciam e controlam por formas várias o ambiente abiótico. Est ã o a ser constan-
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Figura 2-7. Microecossistemas llde laborat ó rio . A . Microecossistemas aquáticos derivados da natu ¬
reza ( ver Figura 2-6 ///). As garrafas grandes sã o sistemas «cl í max » que se automant ê m indefinidamente
apenas com entrada de luz e a troca de g á s atrav és do tamp ã o de algod ã o . Quando amostras de sistemas
em equil í brio são inoculadas num novo meio de cultura (frascos pequenos), os sistemas sofrem um
per í odo de sucessão ecol ógica ou um desenvolvimento que imita a evolu ção do ecossistema na natureza
(ver Cap í tulo 9). Os microecossistemas apresentados na fotografia foram submetidos a irradiação gama
para se comparar o efeito da press ã o sobre os sistemas «jovens» e « maduros». ( Por cortesia do Instituto
de Ecologia, Universidade da Ge ó rgia . ) B. Microecossistemas terrestres mantidos em dessecadores de
plástico com tampas transparentes. Apresentam -se comunidades herb á ceas de ch ã o de floresta, mantidas
sob intensidade de luz baixa, como seria caracter ístico da vegetaçã o rasteira de floresta e seus pequenos
organismos associados. ( Por cortesia do Instituto de Ecologia da Universidade da Ge ó rgia.)
34

temente operadas alterações na natureza í f sica e quí mica dos materiais inertes por
acção dos organismos , que devolvem ao ambiente novos compostos e fontes de energia.
A composição qu í mica do mar e dos «limos» do seu fundo resultam em grande parte
da acção dos organismos marinhos. As plantas que vão crescendo numa duna de areia
fabricam um solo radicalmente distinto do substrato original. Uma ilha de coral do
Pacífico Sul faculta um exemplo flagrante de como os organismos influenciam o seu
ambiente abiótico. A partir de simples maté rias- primas do mar, são edificadas ilhas
inteiras em consequê ncia da actividade de animais (corais, etc.) e plantas. A pró pria
composição da nossa atmosfera é controlada pelos organismos, como se verá com certo
detalhe na secção seguinte.
O homem, claro está, tenta mais do que qualquer outra espécie modificar o
ambiente í f sico afeiçoando-o às suas necessidades imediatas, por é m, ao fazê-lo está a
desbaratar, mesmo a destruir, componentes bióticos necessários à sua pró pria sobrevi¬
vê ncia. Dado ser o homem um heterotrófico e um fagotr ófico que prospera melhor na
vizinhan ça do termo de complexas cadeias alimentares, a sua dependê ncia quanto ao
ambiente natural manté m-se qualquer que seja o grau de sofisticação da tecnologia
por si desenvolvida. As grandes cidades são ainda apenas parasitas na biosfera, quando
se considera o que tem sido designado por recursos vitais , nomeadamente, o ar , a água,
e o alimento. Quanto maiores forem as cidades, maiores serão as exigê ncias exercidas
sobre os espaços rurais circundantes e maior será o perigo de degradação do ambiente
natural, do seu «hospedeiro». O homem tem estado, até hoje, por tal forma atare¬
fado na «conquista» da natureza que pouca atenção ou esfor ço tem dispendido para
conciliar os conflitos inerentes à sua dupla condição de manipulador e de hàbitante
dos. ecossistemas. No Capítulo 21 analisam-se os passos sociais, econ ómicos e legis¬
lativos que importa hoje dar para cuidar da dependê ncia ecol ógica em que o homem se
encontra do seu ambiente. O conceito «o maior bem para o maior n ú mero» pareceu
ser um bom objectivo para a sociedade quando não havia multidões, por é m, nunca
mais poderá voltar a sê-lo. Do ponto de vista de qualidade de vida do indivíduo, quer
se trate do homem na cidade da vaca na pastagem ou da árvore na floresta, o maior
bem ocorre quando os n ú meros não são os mais elevados. O estudo da natureza revela
muitos ind ícios de como podem ser estabelecidos os controlos de qualidade. Como se
espera demonstrar neste livro, os princí pios ecológicos proporcionam uma base realista
para colocar a «busca de felicidade », o objectivo das sociedades, muito mais numa base
de qualidade do que de quantidade.

Exemplos

O ensaio-resumo de Alfred Redfield , intitulado The Biological Control of Che¬


mical Factors in the Environment , publicado em 1958, é um dos trabalhos clássicos
35

que deveria ser inclu í do como «obrigat ório» na lista bibliográfica de qualquer estudante
de ecologia. Redfield reuniu provas para demonstrar que os teores de oxig é nio do ar
e de nitrato no mar são produzidos, e em grande parte controlados, pela actividade orgâ ¬
nica e, em acrescento, que as quantidades destes componentes vitais no mar são deter ¬
minadas pelo biociclo do f ósforo. Este sistema está organizado de uma forma tão com¬
plexa e tã o bela que torna insignificante tudo o que at é hoje tem sido concebido pela
engenhosa mente humana. Na secção seguinte deste capí tulo e no Capítulo 4 serão
expostas algumas ideias sobre a forma como esse sistema funciona. Se as estimativas de
Redfield estão correctas, os oceanos deverão ser considerados para sempre o principal
regulador e protector da biosfera, e nã o meramente como um armazé m de abasteci ¬
mento aberto a uma exploração ilimitada. Assim sendo, a eutroficação e a poluição dos
oceanos, num derradeiro esfor ço para alimentar e satisfazer a terra sobrepovoada, poder á,
muito bem, conduzir a alterações desastrosas à escala mundial na composição da atmos ¬
fera e nos climas.
A Copper Basin localizada em Copperhill, Tennessee, e uma á rea semelhante de
Butte, Montana, facultam provas impressionantes do resultado da ausência de organis¬
mos vivos. Nestas regi ões os fumos das fundições de cobre exterminaram todas as
plantas de raiz em grandes áreas. Como mostra a Figura 2-8 A , todo o solo foi decapi ¬
tado pela erosão, ficando um deserto espectacular. Se bem que os mé todos modernos de
fundi ção já não libertem gases, a vegetação natural não tem surgido e a maior parte
dos esforços de refloresta ção t ê m sido vãos. A á rea encontra-se demasiadamente «esque¬
lética» para que as plantas possam encontrar um substrato onde as raízes se desen ¬
volvam e iniciem um processo de reconstru ção. Ningué m será capaz de dizer quanto
tempo será necessário para que se desenvolvam os processos naturais de reconstru çã o
do solo e de reconstituição da floresta; não será poré m nem no nosso ciclo de vida nem
no dos nossos filhos. Toda a gente deveria visitar Copperhill como contributo para a
sua educa ção geral. Ou , então, visitar uma á rea severamente erosionada ou minerada a
cé u aberto (Fig. 2-8 B ) e fazer a pergunta seguinte : Quanto custará recuperar esta á rea
de que tanto se abusou sem necessidade ?

3. PRODUÇÃO E DECOMPOSIÇÃO NA NATUREZA

Enunciado

«Em cada ano são produzidos na Terra aproximadamente 1017 gramas ( cerca de
100 mil milhões de toneladas) de matéria orgânica pelos organismos fotossint é ticos.
Durante igual per
íodo de tempo é oxidada em C02 e em H20 uma quantidade aproxi¬
madamente equivalente em consequência da actividade respirat ória dos organismos
36

vivos. Porém, o balanço não é exacto» ( Vallentyne, 1962). Ao longo da maior parte
da era geológica ( desde o in ício do período Câmbrico, ocorrido h á 600 milh ões de
anos), uma parte muito pequena, embora significativa, da maté ria orgânica produzida
foi sendo enterrada e fossilizada, sem que haja sido consumida na respiração ou de ¬
composta, embora tenha havido alturas da hist ória geológica em que o balanço se incli¬
nou em sentido oposto. Este excesso de produção org ânica, que liberta oxigénio gasoso
e remove do ar e da água C02, sobre a respira ção, que realiza exactamente o contrário,
deu como resultado a formação dos elevados n íveis de oxig é nio na atmosfera dos tempos
geológicos recentes, e estes, por seu lado, tornaram possível a evolu ção e a sobrevi ¬
v ê ncia continuada das formas superiores de vida. Há uns 300 milhões de anos, excessos
de produção especialmente avultados deram origem aos combustíveis fósseis que possi¬
bilitaram ao homem a sua revolução industrial. Durante os últimos 60 milhões de anos
alterações nos balanços bióticos, adicionadas com variações na actividade vulcânica, na
sedimentação e na corrente da energia solar que chega à Terra, determinaram um estado
de equil í brio oscilante quanto à razão C02 / 02 dá atmosfera. Durante o ú ltimo meio sé ¬
culo as actividades agro-industriais do homem tiveram um efeito significativo provocando
um aumento na concentração de C02 de pelo menos 13 por cento (Plass, 1959).

Explicação

Ainda não se conhece exactamente a forma como as plantas com clorofila


elaboram hidratos de carbono, prote í nas, gorduras e outros materiais complexos. Não
obstante, uma das primeiras coisas que se aprende na biologia elementar é a fórmula
simplificada da fotossí ntese . Posta em termos de palavras, resulta uma coisa deste tipo:

| Di óxido de carbono ] mais [ água ) mais renergia luminosa em presen ça de siste- ]


[ mas enzimáticos associados com clorofila J
origina [ glucose ] mais [ oxig é nio .

Quimicamente o processo fotossintético envolve o armazenamento de uma parte


da energia da luz solar como energia potencial do alimento ou a ele «ligada». Uma vez
-
que isto envolve uma reacção de oxidação redu ção, e dado haver na natureza dois
tipos de fotossí ntese, é poss ível escrever uma equa çã o geral, a saber:

C02 + 2H 2A -ÍHin. ( CH 20) + H 20 + 2A


sendo a oxidação

-
,

2H 2A 4H + 2A
e sendo a redu ção
4H + C02
- (CH20) + H 20
37

Para as plantas verdes em geral (algas, plantas superiores) o «A» é o oxig é nio; é
a água que sofre oxida ção com liberta ção de oxigé nio gasoso, sendo o dióxido de car¬
bono reduzido a hidrato de carbono ( CH 20) com liberta ção de água. Na fotoss í ntese
bacteriana, por outro lado, o H 2 A ( o «redutor») n ão é a água mas ou um composto
inorg â nico de enxofre, tal como o á cido sulf í drico (H 2S) nas bact é rias verdes e p ú rpuras
( Chlorobacteriaceae e Thiorhodaceae , respectivamente), ou um composto org â nico,
como nas bact é rias n ão sulfurosas p rpuras e castanhas ( Athiorhodaceae ). Conse ¬
quentemente, na fotoss í ntese bacteriana n ã o h á liberta ção de oxig é nio.
As bactérias fotossintéticas sã o maioritariamente aqu á ticas ( de mar e de á gua doce)
e desempenham em grande parte das situações um papel menor na produ ção de mat é ria
org â nica. S ã o, por é m , capazes de funcionar sob condi ções desfavorá veis ao curso normal
de desenvolvimento das plantas verdes e desempenham um papel no ciclo de certos
minerais nos sedimentos aqu á ticos. As bacté rias sulfurosas verdes e p rpuras, por
exemplo, t ê m import â ncia no ciclo do enxofre ( ver Figura 4-5). Sã o anaer ó bios obri ¬
gat órios (apenas capazes de funcionar na ausê ncia de oxig é nio) e ocorrem na camada
lim í trofe situada entre as zonas oxidativa e reduzida, nos sedimentos ou na á gua ,
onde a luz chega com intensidade baixa. Os bancos de lodo de mar é s ão bons lugares
para observar estas bact é rias, dado formarem com frequ ê ncia camadas cor de rosa
ou p ú rpura distintas, mesmo sob as camadas verdes superiores das algas do lodo
( por outras palavras , mesmo na bordadura superior da zona anaer ó bia ou reduzida
onde existe luz dispon í vel). Takahashi e Ichimura (1968) descobriram, num estudo
recente de lagos japoneses, que as bact é rias fotossint é ticas sulfurosas apenas con ¬
tribu í am na maior parte dos Jagos com 3 a 5 por cento para a produ çã o anual total ,
embora em lagos estagnados ricos em H 2S a contribuição destas bact é rias ronde
os 25 por cento da fotoss í ntese total . Em contraste , as bacté rias fotossint é ticas nã o
sulfurosas s ão geralmente aneaer ó bios facultativos ( capazes de funcionar com ou
sem oxig é nio). Na aus ê ncia de luz podem funcionar també m como heterotr óficos,
tal como muitas algas. A fotossí ntese bacteriana pode , deste modo, ser muito ú til
em águas polu ídas eutroficadas, estando em consequ ê ncia a ser objecto de crescente
estudo; n ã o é por é m substituto para a fotoss í ntese «regular» geradora de oxig é nio, da
qual o mundo depende em grande parte . Para uma revisã o detalhada da fotoss í ntese
bacteriana veja- se Pfennig (1967).
Outro grupo interessante conhecido como o das bactérias quimiossint éticas é
com frequ ê ncia considerado como de « produtores» ( isto é , quimioaut ótrofos), por é m ,
do ponto de vista da sua fun çã o nos ecossistemas ocupam uma posi çã o interm é dia
entre os autotr óficos e os heterotr óficos. Estas bact é rias obt ê m a sua energia para a
assimila ção do di óxido de carbono em componentes celulares n ão por fotossí ntese mas
por oxida çã o qu í mica de compostos inorg â nicos simples, tais como de amon íaco em
nitrito, de nitrito em nitrato, de sulfureto em enxofre e de ferro ferroso em f é rrico.
Estas bact é rias podem desenvolver- se na aus ê ncia de luz, embora a maioria requeira
38

oxig é nio. As bact é rias sulfurosas Beggiatoa, que abundam frequentemente nos manan ¬

ciais sulfurosos e as v á rias bact é rias do azoto, importantes no ciclo do azoto ( ver página
139), facultam exemplos deste tipo. Um grupo nico de bact é rias quimiossint é ticas, a
bact é ria do hidrog é nio, est á a ser estudado seriamente em liga çã o com os sistemas que
suportam a vida nas naves espaciais, dado que seriam muito eficientes, em termos de
peso, na remo ção do C02 da atmosfera da nave espacial ( ver Capítulo 20, página 800).
Dada a sua capacidade para funcionar nos lugares recô nditos e escuros dos sedimentos
e do solo, as bact é rias quimiossint é ticas não s ó desempenham um papel na «recupe ¬

ração» de nutrientes minerais, como recuperam energia que , de outra forma , se perderia
para a alimentação directa dos animais, tal como assinalou o hidrobiologista russo
Sorokin (1966).
O processo fotossint é tico de elaboração d ç alimentos designa-se frequentemente
como «a questão das plantas verdes». Presentemente , considera-se que a s í ntese dos
aminoácidos, prote í nas e outros materiais vitais ocorre simultaneamente com a s í ntese
dos hidratos de carbono (glucose), sendo id ê nticos alguns dos passos bá sicos envolvidos.
Uma parte do alimento sintetizado é utilizada, como se compreende, pelos pr ó prios
produtores. O excesso, tal como o protoplasma dos produtores, é ent ão utilizado pelos
consumidores ou , como já foi salientado, parte dele é com frequ ê ncia armazenado
ou transportado para outros sistemas. No Capí tulo 3 será considerada a dinâ mica
da « produ çã o».
A maioria das espé cies das plantas superiores (Espermat ófitas) e muitas espé cies <
de algas apenas necessitam de nutrientes inorgânicos simples, sendo, portanto, comple
tamente autotr óficas. Por é m, algumas espé cies de algas requerem uma dada «subst â ncia
de crescimento» orgâ nica complexa que por si não podem sintetizar; acresce que outras
espé cies requerem uma, duas, tr ê s ou vá rias dessas subst âncias de crescimento, sendo,
portanto, parcialmente heterotróficas. Conv é m ver as revisõ es da autoria de Provasoli
(1958 e 1966), Hutner e Provasoli (1964) e Lewin (1963). Na região do « sol da meia- noite »,
na Su é cia setentrional, Rodhe (1955) apresentou provas de que durante o Ver ão as
algas dos lagos são produtores, enquanto que durante a prolongada « noite » invernal
( que pode durar v ários meses) são consumidores, per í odo em que, segundo parece , sã o
capazes de utilizar mat é ria orgânica acumulada na á gua.
D ê-se agora atençã o à respira ção, o processo heterotrófico que, no conjunto
do mundo, equilibra aproximadamente o metabolismo autotrófico. Se considerarmos a
respira ção no sentido amplo como «toda a oxidação bi ótica que produz energia », ent ã o
é importante identificar os diversos tipos de respira çã o ( que em primeira aproximaçã o
correspondem aos tipos da fotoss í ntese):
1. Respiração aer ó bia o oxig é nio gasoso ( molecular ) é o receptor de hidro¬
g é nio ( oxidante ).
2. Respiraçã o anaer ó bia o oxig é nio gasoso n ã o interv é m . O electr ã o
absorvente ( oxidante) é um composto, distinto do oxig é nio.
39

3. Fermenta ção tambcm anaer ó bia, sendo o electr ão absorvente (oxidante )


um composto org â nico.

A respira çã o aer ó bia, tipo 1, é o inverso da fotoss í ntese « regular », tal como se
mostrou atr ás na fó rmula literal. É o meio pelo qual todas as plantas e os animais
superiores , assim como a maioria das Moneras e dos Protistas ( ver Figura 2-1) , obt ê m a
energia para a sua subsist ê ncia e para a forma çã o de material celular. A respira çã o com ¬
pleta produz C02, H 20 e material .celular , mas o processo pode ser incompleto, dei ¬
xando compostos org â nicos que ainda cont ê m energia suscept í vel de ser utilizada pos-
teriormente por outros organismos.
A vida, enquanto forma de respira çã o sem 02 , est á restringida, em grande parte ,
aos sapr ófogos ( bact é rias, leveduras , fungos e protozoá rios ), embora ocorra como um
processo dependente no interior de certos tecidos de animais superiores. As bact é rias
do metano sã o bons exemplos de anaer ó bios obrigat ó rios que decompõem compostos
org â nicos com produ çã o de metano (CH 4), por redu çã o de carbono org â nico ou de
carbonato (empregando assim ambos os tipos 2 e 3 de metabolismo). O g ás metano,
conhecido frequentemente por «g ás dos pâ ntanos», sobe à superfície onde pode ser
oxidado ou , caso se lhe deite fogo, pode converter-se num OVNI (objecto voador não
identificado)! As bact é rias do metano interv ê m tamb é m na decomposição da forragem
na pan ça do gado e de outros ruminantes. As bact é rias Desulfovibrio são exemplos
ecologicamente importantes da respira çã o anaer ó bia do tipo 2 porque reduzem em
sedimentos profundos S04 em g á s H 2S, o qual pode subir a sedimentos pouco pro¬
fundos onde fica sujeito à acção de outros organismos (as bact é rias fotossint é ticas,
por exemplo). As leveduras são, por certo, exemplos bem conhecidos de fermen-
'

tadores (tipo 3). Estes organismos são não s ó comercialmente importantes para o
homem como abundantes nos solos, onde desempenham um papel principal na
decomposiçã o de resí duos de plantas.
Como já se indicou, muitos tipos de bact é rias s ão capazes de respira ção tanto
aeró bia como anaeró bia ( isto é, são anaeróbias facultativas) , mas é importante observar
que os produtos finais das duas reacções serã o distintos, e a quantidade de energia
libertada será muito menor sob condições anaeró bias. A Figura 2-9 mostra os resulta ¬
dos de um estudo interessante em que a mesma espé cie de bact é ria, Aerobacter, foi
cultivada em condi ções anaer ó bias e aeróbias, utilizando glucose como fonte de car ¬
bono. Em presença de oxig é nio, a quase totalidade da glucose foi convertida em
protoplasma bacteriano e C02 , por é m na aus ê ncia de oxig é nio a decomposiçã o foi
incompleta , dado que umã porçã o muito mais pequena de glucose terminou em
carbono celular, com liberta ção para o ambiente de uma sé rie de compostos org â nicos.
Para a oxida ção destes ú ltimos foi necessá rio o concurso de bact é rias adicionais
especializadas. Em termos gerais, a respira ção aer ó bia completa é muitas vezes mais
rá pida, em termos de energia libertada por unidade de substrato atacado, que o
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Figura 2-8. A . A Copper Basin em Copperhill, Tennessee , sugere como seria a terra sem vida .
Uma floresta luxuriante cobria esta á rea at é os vapores de umas fundi ções terem exterminado toda a vege ¬
taçã o. Se bem que os m é todos modernos de prepara çã o dos min é rios j á n ã o emitam vapores, a
vegeta çã o n ã o se restabeleceu . ( Fotografia dos U . S. Forest Service . ) B. Terra dc cultura no Mississipi
arruinada pela erosã o. Tais abusos deixam ao abandono casas c gente pobre . ( Fotografia dos U . S.
Forest Service.)
41

processo parcial da respira çã o anaeró bia. Quando o ritmo de entrada de detritos orgâ¬
nicos nos solos e nos sedimentos é elevado, as bact é rias, fungos, protozoários e
outros organismos criam condições anaeró bias consumindo o oxig é nio mais rapida ¬
mente do que este pode difundir-se no meio; a decomposi ção n ão se det é m, embora
continue a um ritmo mais lento, desde que esteja presente uma adequada diversidade
de tipos metabólicos microbianos anaeróbios.

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O Taxa de dilui ç ã o ( h - ' )
A B
Figura 2- 9. A decomposi çã o da glucose pela bact é ria Aerobacter sob condi ções anaer ó bias ( A )
e aer ó bias ( B ) , Notar que sob condi çõ es aer ó bias a decomposi çã o é completa , e que 40 a 50 por cento
do carbono original da glucose é convertido em biomassa bacteriana . Todavia , sob condi çõ es anaer ó bias
apenas 15 por cento do carbono da glucose é convertido, mantendo- se no ambiente um certo n mero
de subst â ncias org â nicas incompletamente decompostas. O decl í nio em carbono celular e C 02 e o in í cio
da produ çã o de á cido acé tico em B indicam que o oxig é nio est á a come ç ar a decrescer , desenvolvendo- se ,
em consequ ê ncia , a situa ção ilustrada em A . ( Segundo Pirt , 1957. )

Em resumo, embora os saprófagos anaeróbios ( tanto obrigatórios como facul ¬


tativos) sejam componentes minorit á rios da comunidade , são contudo importantes no
ecossistema porque apenas eles podem respirar na obscuridade , nos nichos sem oxig é nio
do sistema. Ao ocupar este habitat in ósito, «salvam » energia e materiais para a maioria
dos aeróbios. Aquele que poderia parecer um mé todo « ineficaz» de respiração surge ,
assim, como um contributo para a explora ção «eficaz» da energia e dos materiais no
ecossistema tomado no seu conjunto, Por exemplo, a eficá cia de um sistema de trata¬
mento de esgotos, que é um ecossistema heterotr ófico constru ído pelo homem,
depende da associa çã o entre saprófagos anaé robios e aeró bios. A interacção geral
anaer óbia-aeró bia no perfil dos sedimentos encontra-se representada em forma de
diagrama na Figura 4-5 e na Figura 12-13.
Embora a natureza apresente um amplo espectro de fun ções, a simples classi-
42

fica çã o autotr óficos-fagotr óficos-saprotr óficos constitui bom instrumento de trabalho


para a descri çã o da estrutura ecológica de uma comunidade biótica, ao mesmo tempo
que « produ çã o», «consumo» e «decomposi ção» são termos ú teis para descrever funções
gerais. Uma vez que a especializa çã o na fun çã o tende a traduzir-se numa maior eficá cia
sob as condições competitivas da natureza, os organismos evolutivamente mais avan ¬
çados tendem a restringir-se a uma gama mais estreita de fun ções, deixando a tarefa de
preencher as lacunas aos organismos menos especializados. A versatilidade metabólica
das bact é rias unicelulares, dos protozoários e das algas não tem nada de surpreendente
se recordarmos que o ATP se forma na cé lula do mesmo modo tanto na fotoss í ntese
como na respiração, isto é, pela transferê ncia de electrões de um redutor para um oxidan-
te atrav é s dos citocromos. Na fotossíntese o redutor e o oxidante formam-se dentro
da célula a expensas da energia luminosa, enquanto que na respira çã o estes já se obt é m
preparados do ambiente. Embora se considerem os microrganismos como « primitivos»,
o homem e outros organismos «superiores» não podem viver sem - aquilo que LaMont
Cole chama os «micr ó bios amigos» (Cole, 1966); sintetizam materiais org â nicos necessá¬
rios e garantem no ecossistema a «sintoniza çã o perfeita», dado poderem adaptar-se
rapidamente a condições em altera çã o.
Tal como se sublinha no enunciado, é a rela çã o entre a velocidade total da
produ çã o e a velocidade da decomposiçã o, independentemente dos organismos ou pro¬
cessos abióticos responsáveis, que tem a maior import â ncia na biosfera como um todo.
O jogo recí proco destas fun ções opostas controla a atmosfera e a hidrosfera e, como já
foi salientado, é uma feliz eventualidade para o homem e suas grandes má quinas consu ¬
midoras de oxigé nio que a produção tenha tido tendê ncia a exceder a decomposição.
Poré m, agora, o homem «toma mais do que devolve» numa extensão que põe em
risco os equil í brios vitais. Portanto, o atraso na utiliza ção heterotrófica completa dos
produtos do metabolismo autotrófico é uma das características mais importantes do
ecossistema, estando gravemente amea çado pelo comportamento descuidado do
homem. Em consequ ê ncia, ser á ú til resumir neste ponto os aspectos mais desta ¬

cados do processo de decomposi ção, embora muitos dos detalhes care çam de desen ¬
volvimento posterior neste texto.
A decomposiçã o resulta de processos tanto abióticos como bióticos. Por exem ¬

plo, os fogos de pradaria e de matas s ão n ã o só factores limitantes principais, como se


verá no Capítulo 5, mas també m «decompositores» de detritos, libertando grandes
quantidades de C02 e outros gases para a atmosfera e minerais para o solo. No con ¬
junto, por é m , sã o os microrganismos heterotr óficos ou sapr ófagos que, em ú ltima ins¬
t â ncia, atacam os corpos mortos das plantas e dos animais: Este tipo de decomposição
é, certamente, o resultado do processo pelo qual as bact é rias e os fungos obt ê m ali ¬
mento para si pr ó prios. A decomposição ocorre, portanto, mediante transforma ção de
energia dentro dos organismos e entre eles. É uma fun çã o absolutamente vital porque,
caso n ão ocorresse, os nutrientes n ão tardariam a estar todos encerrados em corpos
43

mortos, e nenhuma nova vida poderia produzir-se. Dentro das cé lulas bacterianas e do
micé lio dos fungos h á grupos de enzimas necessários para levar a cabo reacções qu í mi ¬
cas específicas. Estas enzimas são segregadas para a mat é ria morta; alguns dos produ ¬
tos da decomposi ção são absorvidos pelo organismo como alimento, enquanto outros
produtos permanecem no meio, ou sã o excretados pelas cé lulas. Nenhuma esp é cie
ú nica de sapr ótrofo pode produzir a completa decomposição de um corpo morto.
Por é m, as comunidades de decompositores que predominam na biosfera constam de
muitas espécies, espécies estas que com a sua acção encadeada podem realizar uma
completa decomposi çã o. Nem todas as partes dos corpos das plantas e dos animais
são decompon í veis à mesma velocidade. As gorduras, os açú cares e as prote í nas são
rapidamente decompon í veis, por é m, a celulose e a lenhina da madeira e a quitina, os
pê los e os ossos dos animais s ó muito lentamente sofrem influ ê ncia. Isto é ilustrado
na Figura 2-10, que compara o ritmo de decomposição da erva do pântano e de um
caranguejo americano ( Uca Pugnax ) colocados em «bolsa de detritos» de malha
de nylon num pâ ntano de água salgada da Ge órgia. Observe-se que aproximadamente
25 por cento do peso seco da erva do pâ ntano foram decompostos num mê s, enquanto
que os restantes 75 por cento sofreram uma acção mais lenta. Dez meses volvidos
ainda permanecia 40 por cento da erva, embora todos os restos de caranguejo
houvessem desaparecido da bolsa. À medida que o detrito fica finamente dividido
e escapa da bolsa, as intensas actividades dos microrganismos traduzem- se com fre ¬

qu ê ncia pelo enriquecimento em prote í na, como pode ver -se na Figura 2-10 C,
proporcionando assim um alimento mais nutritivo aos animais que se alimentam
de detritos ( Odum e de la Cruz, 1967; Kaushik e Hynes, 1968). Como se real çar á no
Cap í tulo 6, isto faz parte da «e'strat égia » geral da natureza de possuir o seu bolo e de
o comer també m mais sobre o assunto ficar á, por é m, para depois !
Os produtos mais resistentes da decomposi ção terminam em h ú mus ( ou subs¬
t âncias h ú micas ) , que, como já ficou assinalado, constitui um componente universal dos
ecossistemas. Convé m distinguir tr ê s etapas na decomposição: (1) a forma ção de part í ¬
culas de detritos por acção fí sica e biológica; (2) a produ çã o relativamente r á pida de
h ú mus e libertação pelos sapr ófagos de elementos org ânicos sol ú veis; e (3) a mine ¬
raliza çã o mais lenta do h ú mus. A lentid ã o com que o h ú mus é decomposto constitui
um factor no atraso da decomposiçã o e na acumulação de oxigé nio para o qual se
chamou a aten ção. No seu aspecto geral , o h ú mus é uma subst ância amorfa ou co-
loidal escura, com frequê ncia amarelo-acastanhada. Segundo Kononova (1961), não
existe uma grande diferen ça nas propriedades f ísicas ou na estrutura qu í mica entre
as subst âncias h ú micas em ecossistemas geograficamente dispersos ou biologica ¬
mente distintos. São, por é m , difíceis de caracterizar quimicamente, circunst â ncia que
n ão deve surpreender , tendo em conta a grande diversidade de matéria org â nica
de que provê m. Em termos gerais, as subst âncias h ú micas sã o condensa ções de com ¬
postos arom á ticos (fen óis ) combinados com os produtos de decomposi çã o de prote í nas
44

e de polissacaridos. Na página 589 apresenta-se um modelo de estrutura molecular


do h ú mus. É o tipo fen ólico do anel do benzeno e a ligação das cadeias laterais que torna
estes compostos resistentes à decomposi ção microbiana. A divisão destas estruturas
requer, ao que parece, enzimas desoxigenase especiais ( Gibson, 1968), que poderão
não estar presentes nos sapr ótrofos correntes do solo e da água. De uma forma ir ónica,
muitos dos materiais t óxicos que o homem está presentemente a acrescentar ao
ambiente, tais como os herbicidas, os pesticidas e os esgotos industriais, são deri ¬
vados do benzeno e est ão causando graves transtornos, dado o seu lento ritmo de
degradação.
O ecologista percursor no domí nio dos micróbios, Winogradsky, apresentou ,
em 1925, o conceito de que os organismos que decomp õem a mat éria orgânica
fresca formam uma «flora» ecologicamente distinta da dos que decompõem o h ¬

mus; denominou tais grupos por zimogénicos e autóctones, respectivamente (ver


Winogradsky, 1949, p. 473). Poré m , at é hoje, não sabemos ao certo se o h mus é
decomposto por organismos especiais com enzimas especiais , ou por processos
qu í micos abióticos, ou por ambas estas vias. O progresso recente no estudo do
h ú mus tem sido pequeno, talvez porque n ão se ajusta ao estudo convencional nos
laborat órios de qu í mica. Do que se necessita é de mais estudos locais no ambiente
como os descritos por Tribe (1963), que observou a formação de h ú mus num material
colocado entre duas placas de vidro que podiam mover-se periodicamente das suas
posições no solo para estudo microscó pico e análise qu ímica.
É bem conhecido que os detritos, o h ú mus e outra mat é ria org ânica em
decomposiçã o desempenham um papel importante na fertilidade do solo. Em quanti ¬
dade moderada, estes materiais proporcionam uma textura favor ável ao desenvolvi ¬
mento das plantas. Por outro lado, muito material org â nico forma compostos
complexos com nutrientes minerais que refor çam a absor ção pelas plantas. Uma das
formas em que isto ocorre é mediante um processo chamado quelação ( chele = garra,
referindo-se a «agarrar»), uma formação complexa com iões metálicos que mantém o
elemento em solu ção e n ã o t óxico, em contraste com os sais inorg ânicos do metal.
O diagrama seguinte mostra de que modo um ião de cobre pode ser retido em
« pinças de caranguejo» por pares de liga ção covalentes (-> ) e i ónicas ( 1-) entre duas
mol é culas de glicina, um aminoá cido.
Quase sempre se juntam quelatores aos meios de cultura utilizados em experi ê ncias
nos sistemas de laborat ório, apresentados na Figura 2-6 .
Os produtos de decomposiçã o podem , sem d ú vida, acumular- se at é ao ponto de
proporcionar « um excesso de coisa boa», frase que teremos muitas ocasi ões de utilizar
a prop ósito dos excessos humanos ! Já se falou da criação de condições anaer ó bias .
Num estudo recente, Ghassemi e Christman (1968) descobriram que os ácidos orgâ ¬

nicos amarelos sol ú veis, produtos da decomposiçã o com origem nas plantas, são
45
5

CH 2
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NH 2
O ± =Cu o
4
NH 2 c=o
CH ;

bené ficos nos lagos em pequenas concentra çõ es, em virtude da quelaçã o de metais,
especialmente ferro. Poré m, em concentra ções elevadas absorvem luz e reduzem
a fotossíntese.
As bact é rias, as leveduras e os bolores podem actuar em conjunto ou alternada ¬
mente nos processos de decomposição. As bact é rias parecem ser mais importantes na
decomposiçã o da carne dos animais , ao passo que os fungos s ã o porventura mais
importantes na decomposiçã o da madeira. Tribe (1957, 1961) descreveu uma interes ¬
sante sucessão de organismos que decompuseram por completo uma pelí cula de
celulose que enterrou no solo. Os fungos foram os primeiros a invadir a pelí cula ;
s ó mais tarde as bact é rias apareceram em quantidade . Mal a pelí cula havia sido
dividida , entraram em cena nemátodos e outros invertebrados do solo que comeram
os pequenos pedaços ( incluindo, claro, os microrganismos). Assim, os microcon-
sumidores també m proporcicfnam alimento, directa ou indirectamente, a diversos
macroconsumidores, os quais aceleram, por sua vez, o processo de decomposição.
( Para exemplo de uma sequ ê ncia de diversos grupos de bact é rias e de fungos envol ¬
vidos na decomposiçã o de resíduos vegetais, veja- se a página 588 • Durante a lenta
decomposi çã o dos grandes organismos, é proporcionado a uma grande diversidade
de organismos um habitat específico. Por exemplo, numa mata um tronco abatido
suporta uma subcomunidade bem desenvolvida que se vai alterando conforme
o estado da decomposição.
Alguns estudos vã o agora provando que os fag ótrofos , especialmente os
animais pequenos ( protozoá rios, ácaros do solo, nemá todos, ostracodos , caracóis, etc.)
t ê m um papel mais importante na decomposição do que se pensava. Quando se
eliminam da folhada da floresta os microartró podos ( isto é, á caros microscó picos
e colembolos) por meio de um tratamento com insecticida que tenha pouco ou
nenhum efeito sobre as bact é rias e os fungos, a decomposiçã o das folhas e dos ra ¬
minhos mortos é grandemente retardada ( ver Figura 14- 6, página 597 ). Como pode
ver- se na Figura 2-105, a libertação do traçador de fósforo, a partir da erva do pâ n ¬
tano em decomposição, sofreu redu ção quando os protozoários foram retirados do
46

meio de água salgada por filtragem selectiva. Embora a maioria dos animais que se
alimentam de detritos ( detrit ívoros ) n ão possam digerir a celulose, e obtenham a sua
energia alimentar fundamentalmente da microflora, podem , por é m , acelerar a decom ¬
posi ção da matriz celulose -lenhina por v á rias vias : (1) partindo os detritos em
pequenos peda ços e aumentando assim a á rea da superf í cie dispon í vel para a acção
microbiana; (2) adicionando prote í nas ou subst â ncias de crescimento que estimulam
o desenvolvimento microbiano; (3) tragando como já foi sugerido, algumas das bac¬
t é rias e estimulando assim o desenvolvimento e a actividade metabólica da popula ¬
ção ( isto é, mantendo uma taxa de crescimento caracter í stica da «fase logarí tmica» ,
ver página 292 ). Por outro lado, muitos detrit í voros s ão coprof ágicos ( kopros = imun ¬
d í cie ) , ou seja, ingerem regularmente bolas fecais depois destas terem sido enrique ¬
cidas no meio pela actividade microbiana ( ver Newell , 1965; Frankenberg e Smith,
1967 ). Por exemplo, o escaravelho do g é nero Popilius, que vive em troncos em de ¬

composi çã o, serve-se dos seus t ú neis como de uma esp é cie de « r ú men externo» ,
onde as bolas fecais e os fragmentos de madeira mascada sã o enriquecidos por fungos
e depois novamente ingeridos ( Mason e Odum , 1969). A coprofagia constitui, neste
caso, um padr ão de relação insecto-fungo que permite ao escaravelho utilizar a ener ¬
gia alimentar contida na madeira, e tamb é m acelerar a decomposi çã o do tronco.
Ao comparar na secção precedente deste cap í tulo os ecossistemas aqu á ticos e
terrestres destacou- se que , como o fitoplâ ncton é mais «comest í vel » do que as plantas
terrestres, os macroconsumidores desempenham porventura m papel mais importante
na decomposição no sistema aqu ático ; voltar-se-á ao tema no Capí tulo 4. Finalmente, é
interessante anotar ter sido sugerido há uns anos que os animais invertebrados eram
ben é ficos nos leitos dos esgotos urbanos ( veja-se o estudo de Hawkes, 1963), embora
existam poucos estudos s é rios sobre as rela ções entre fag ótrofos e saprótrofos no trata ¬

mento dessas águas, dado os engenheiros sanit á rios suporem como regra que nesta
maté ria o que interessa é a acção bacteriana.
Ainda que a « mineralização da mat é ria orgâ nica» e a produ ção de nutrientes para
as plantas tenham sido referidas como sendo a fun ção primária da decomposição, h á
ainda outra fun ção a que os ecologistas prestam cada vez mais aten ção. Para alé m da
sua possí vel utilização como alimento por outros organismos, as subst â ncias org ânicas
libertadas no meio durante a decomposição podem exercer no ecossistema grande in ¬
fluê ncia sobre o desenvolvimento de outros organismos. Julian Huxley sugeriu , em 1935,
o termo «hormonas de difusão externa» para aquelas substâ ncias qu í micas que exercem
uma influ ê ncia correlativa no sistema, atravé s do meio exterior ; Fucas (1947) propôs o
termo «substâncias ect ócrinas» (ou «exócrinas», como preferem alguns autores). O
termo «hormona ambiental» expressa tamb é m, claramente, o que se pretende dar a
entender. Estas subst â ncias poderã o ser inibidoras, como é o caso do «antibi ótico»
penicilina (produzido por um fungo), ou estimulantes, como é o caso de diversas vita ¬

minas e de outras subst âncias de crescimento, por exemplo, a tiamina, a vitamina B12,
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Figura 2- 10. Tr ê s aspectos da decomposi çã o num sapal da Ge ó rgia , um ecossistema em que
a maior parte da energia produtora segue a via de detritos. A . Decomposição em termos de per ¬
centagem da gram í nea de pâ ntano ( Spartina alterniflora ) e de caranguejos ( Uca pugnax ) mortos que
permanecem em bolsas de detritos, de malha de « nylon », colocadas no sapal e nele submetidas a
inunda çã o di á ria pela maré. (Segundo E. P. Odum e de la Cruz, 1967.) B. Uma experi ê ncia de laborat ó¬
rio mostrando que a liberta çã o de f ósforo ( marcado com tra çador radioactivo ) pela planta do sapal em
decomposi çã o é mais rá pida quando sobre os detritos actuam bact é rias e protozo á rios, em comparaçã o
com a actua çã o isolada de bact é rias. (Segundo Johannes, 1965.) C. Enriquecimento em prote ínas resultante
de actividade microbiana nos detritos da planta do sapal nos estados finais da desintegra çã o em part í ¬

culas. ( Segundo E. P . Odum e de la Cruz , 1967.) Os animais que se alimentam de depósitos ( caracó is,
minhocas, am ê ijoas, camarões, peixes) fazem - no com frequ ê ncia selectivamente, a partir das part ículas
pequenas mais nutritivas ( ver Newall, 1965 e W . E. Odum , 1968. )
48

a biotina, a histidina, o uracil e outras, muitas das quais não foram identificadas quimi¬
camente. Compostos orgânicos combinam-se frequentemente no meio com vestígios
de metais formando subst âncias semelhantes a hormonas.
O interesse pelos elementos bioqu í micos do ambiente remonta à famosa contro¬
vé rsia entre Putter e Krogh (que ainda continua) sobre o papel de algumas substâ ncias
org ânicas dissolvidas que abundam na água e no solo. O primeiro sustentava que estas
substâ ncias eram largamente utilizadas como alimento por animais e plantas superiores;
o último apresentava provas experimentais de que elas eram insignificantes enquanto
alimento, pelo menos para organismos como o zooplâ ncton. Podem citar-se duas contri¬
buições recentes nesta interessante matéria: (1) experiê ncias com traçadores radioactivos .
demonstraram que os animais marinhos de corpo mole podem absorver e utilizar açú ¬
cares e aminoácidos dissolvidos na água do mar (ver Stephens, 1967, 1968); (2) os mate ¬
riais orgânicos dissolvidos formam com frequência agregados de partículas que são
facilmente ingeridos pelos animais. Por exemplo, o que poderá designar-se por «detritos
de bolha» é formado regularmente a partir de material dissolvido por acção das ondas do
-
mar (ver Baylor e Sutcliffe, 1963; Riley, 1963). Vai se agora tornando també m claro
que os metabólitos extracelulares, e muitos dos «produtos de perda» da decomposição,
são mais importantes como reguladores qu í micos do que como alimento enquanto
tal. Isto é apaixonante para o ecologista, uma vez que tais reguladores proporcionam
um mecanismo para a coordenação de unidades do ecossistema, e contribuem para
-
explicar tanto os equilí brios como a sucessão de espé cies que, t ão vulgarmente, se
observam na natureza. Porém, antes de nos entusiasmarmos demasiado com isto, h á
muito trabalho a realizar. A vitamina B12, por exemplo, foi muito estudada, poré m
não h á actualmente concordância entre os investigadores sobre se esta subst ância
é ou não importante do ponto de vista ecológico. É manifestamente necessária para
muitos organismos, porém é também abundante e está amplamente distribu ída;
a questão de saber até que ponto alguma vez se tornará suficientemente escassa para
limitar o crescimento de produtores não se encontra, poré m, satisfatoriamente
determinada (observem-se, por exemplo, os pontos de vista opostos de Droop, 1957 , ev
Daisley, 1957). O papel das subst âncias inibidoras talvez esteja mais claramente defi ¬

nido. Deverá mencionar-se, nesta altura, que embora pareça que os saprófagos
desempenham o papel mais importante na produ ção de hormonas ambientais, as algas
també m excretam tais subst âncias (ver a revisão de Fogg, 1962). Os produtos
de perda dos organismos superiores, as excre ções das folhas e das raízes, por exemplo,
poderão ser també m importantes deste ponto de vista. C. H. Muller e os seus cola¬
boradores falam de tais excreções como «substâncias alelopáticas» ( allelon = um
do outro; pathos = sofrimento), e mostraram que os metab ólitos interagem com
-
o fogo, de uma forma complexa, na regulação da vegetação do deserto e do
-
chaparral (veja-se Figura 7 38). També m as secre ções vol áteis denominadas «fero-
49
monas» tê m, indubitavelmente, função reguladora, controlando o comportamento dos
insectos e de outros organismos (ver Wilson , 1965; Butler , 1967).
Obt é m- se uma ideia desta intensa actividade que acompanha a decomposição
microbiana observando o aumento de temperatura no substrato. Muitas pessoas obser ¬
varam o calor produzido numa pilha de composto artificial. Nos sedimentos que rapi¬
damente se acumulam no Lago Mead , que resulta do grande dique Hoover , no Rio
Colorado, ZoBell, Sisler e Oppenheimer (1953) verificaram que a temperatura do lodo
do fundo era cerca de 6 ° C superior à.da água adjacente ; demonstraram que pelo menos
uma parte deste calor era devida às imensas populações de microrganismos que fazem,
quanto podem, para acertar o passo com a erosão acelerada provocada pelo homem
na bacia de alimentação.
Devido ao facto da maioria dos agentes bióticos de decomposição serem pe ¬

quenos e se distinguirem relativamente pouco morfologicamente, tornam-se dif íceis de


estudar . N ão podemos analisar uma população microbiana observando-a simplesmente
e contando os indivíduos, tal como poderíamos fazê-lo com um povoamento de árvores
ou com uma população de mamíferos, uma vez que os micr ó bios que parecem iguais
poderão ter tipos totalmente distintos de metabolismo. As espé cies n ão s ó t ê m de ser
isoladas e cultivadas como també m a respectiva actividade precisa ser medida, no local
e no laborat ório, sob condições que reproduzam o ambiente natural (em contraste com
as t écnicas da «cultura enriquecida» da bacteriologia convencional). Dadas as dificul ¬

dades té cnicas de estudo, a ecologia microbiana é, infelizmente , posta com frequ ê ncia
completamente de lado nos cursos universit ários gerais de ecologia. É preciso que isto
não continue. As experiê ncias da película de celulose e da erva do pântano descritas
anteriormente poderiam, natur álmente , adoptar-se como trabalhos de aula. Pode obter -se
uma certa ideia sobre a actividade dos desintegradores medindo a evolu ção do C02
do solo, mediante utilização de aparelhos relativamente simples que podem ser dese¬
nhados para uso no campo ( ver Witkamp, 1966). As perspectivas de grandes progressos
no estudo da ecologia microbiana são analisados no Capítulo 20 (ver tamb é m os textos
de Brock, 1966, e Wood , 1965).
Em resumo, vimos de que modo o prolongado e complexo processo da degrada ¬

ção da mat éria orgânica controla certo n ú mero de fun ções importantes no ecossistema,
como por exemplo: (1) a reciclagem de nutrientes atravé s da mineralização de mat é ria
orgâ nica morta, a quelação e a recuperação microbiana na camada heterotr ófica; (2) a
produ ção de alimentos para uma sucessão de organismos na cadeia alimentar de detritos;
(3) a produção de subst âncias «ect ócrinas» reguladoras; e (4) a modificação dos materiais
inertes da superf ície da terra (para produzir , por exemplo, o complexo terrestre ú nico
conhecido por «solo»). Acima de tudo, tem-se destacado a import ância do equilí brio
conjunto entre a produ ção e a decomposição na regulação das condições ou exist ê ncia
da totalidade da vida na biosfera. Assinalou -se que o atraso na utilização da produ ção
autotr ófica, não só se traduz na formação de uma estrutura biológica que reduz a
50

dureza física do ambiente, como també m explica a atmosfera rica em oxig é nio à qual
o homem e os animais superiores estão especialmente adaptados. A maioria da mat é ria
org â nica que escapa à decomposi ção é depositada em sedimentos aquáticos; esta é a
razão pela qual o petró leo só se encontra em áreas que estão ou estiveram submersas.
Sem dar por isso, o homem est á a acelerar a decomposição (1) queimando a
mat é ria orgâ nica armazenada como combust íveis fósseis e (2) por práticas agrícolas
que aumentam o ritmo de decomposi ção do h ú mus. Embora a quantidade de C02 in-
jectada na atmosfera pelas actividades agro- industriais do homem seja ainda pequena
quando comparada com a do C02 total em circula ção (ver Figura 4- 4 para estimativas
destas quantidades) , come çam a sentir-se efeitos percept í veis dado que o depósito
atmosfé rico é pequeno e o depósito marinho, embora maior, não é capaz de absorver
o novo C02 tão depressa como o homem o vai produzindo /i Í Revelle (1965) estimou
um acr é scimo de 25 por cento no C02 atmosfé rico para o ano 2000 e um aumento de
170 por cento quando a totalidade dos combust í veis fósseis de fácil acesso tenha
sido consumida. Se bem que haja aspectos que nã o se compreendem bem e sobre os
quais existe contrové rsia, os climatologistas concordam, em geral , que mudan ças rela¬
tivamente pequenas do C02 atmosfé rico podem produzir e produzem efeitos de pri ¬
meira import ância no clima. O dióxido de carbono é transparente à entrada da energia
solar visí vel , por é m, tal como o vidro, absorve o calor do infravermelho reflectido
pela superf í cie da Terra. Este chamado «efeito de estufa» significa que um aumento
no C02 tende a traduzir - se num aumento da temperatura da biosfera como uiru
todo. O degelo dos polos e o consequente clima tropical universal constituiriam os
efeitos mais importantes de uma subida na temperatura. Revelle calculou que o n í¬
vel das águas do mar subiria cerca de 125 metros se a totalidade do gelo do An-
tárctico se derretesse, o que poderia ocorrer num período de tempo não superior a
400 anos. Semelhante mudança seria catastrófica para o homem, já que teria que
abandonar todas as suas cidades costeiras (ou construir diques altos, ou viver de ¬
baixo de água!) O homem, enquanto aumenta o teor de C02 na atmosfera, está
,

a aumentar també m a polui ção por part ículas ( isto é , a «poeira» no ar), que tem
o efeito oposto de arrefecer a Terra. No Capítulo 4, voltar-se-á a este assunto do
«dif ícil equilí brio» entre as polui çõ es gasosas e por part í culas.

4. HOMEOSTASIA DO ECOSSISTEMA

Enunciado

Os ecossistemas, tal como as popula ções e os organismos seus componentes,


são capazes de automanutenção e de auto- regulação. Assim, a cibernética ( kybernetes =
51

= piloto ou timoneiro), ciê ncia do controlo, tem uma importante aplica ção em ecolo¬
gia, uma vez que o homem tende, de forma crescente, a romper os controlos natu ¬
rais, ou tenta substituir os mecanismos naturais por outros artificiais. Homeostasia
( ,homeo = igual; stasis = estado ) é o termo geralmente utilizado para traduzir a ten ¬
dê ncia que os sistemas biológicos tê m para resistir à altera ção e permanecer em
estado de equilí brio.

Explicação e Exemplos

Os princí pios elementares da cibernética estão modelados na Figura 2-11.


Na sua forma mais simples, um sistema de controlo consiste em duas caixas negras
( ver a definiçã o de «caixa negra» na página 30 ) e uma quantidade controlada,
interligadas entre si por circuitos ou sinais de entrada e de sa í da ( Figura 2-1L4 ).
No sistema familiar de regulaçã o do calor de uma casa, o termostato é o sensor
( ou «detector de erro», como pode tamb é m ser chamado) , a caldeira é o produtor
( que recebe a sua energia do combust í vel) e a temperatura da habitação a quanti¬
dade controlada. O controlo depende da retroalimentação, ou retroacção, que tem
lugar quando a sa ída ( ou parte dela) volta atrás como entrada. Quando esta entra¬
da de retroalimentaçã o é positiva, a quantidade cresce ( como no caso dos juros
compostos, juros que por sua vez se convertem em capital). A retroalimentação
positiva é «aceleradora do d ç svio» e necessá ria, naturalmente, para o crescimento e a
sobrevivê ncia dos organismos. Contudo, para se alcan çar o controlo como, por
exemplo, para prevenir o sobreaquecimento de um quarto ou o sobrecrescimento tipo
canceroso de uma população tem de haver tamb é m a retroalimentação negativa ,
ou uma entrada que « contrarie desvio», como se mostra na Figura 2-11 A . Os me
o ¬

canismos de retroacção mecâ nica são designados frequentemente pelos engenheiros


como «servomecanismos»; os biologistas utilizam a expressão mecanismos homeost á-
ticos quando se referem aos sistemas vivos. A cibern ética abrange os controlos tanto
inanimados como animados (Wiener, 1948). A acçã o recí proca das retroalimentações
positiva e negativa e os limites do controlo homeost á tico est ão representados em forma
de diagrama na Figura 2-115. Como destacam os cr í ticos da sociedade humana com
frequ ê ncia crescente ( ver Mumford , 1967, por exemplo) , a retroalimenta ção positiva
envolvida na expansão do conhecimento, do poder e da produtividade ameaça a qua ¬
lidade da vida humana e do ambiente, a menos que se possam encontrar controlos
apropriados de retroalimentação negativa. Assim, a ciê ncia dos controlos, ou cibernéti ¬
ca, tornou-se uma das maté rias que mais importa estudar, compreender e praticar. Uma
lista de leituras orientadas nesta maté ria incluirá Ashby (1963) , Langley (1965), Hardin
(1963) e Maruyama (1963).
52

A exist ência de mecanismos homeost áticos a diferentes ní veis da organização


biológica já foi mencionada no capí tulo anterior. A homeostasiá a ní vel do organis ¬

mo é um conceito bem conhecido em fisiologia como foi apontado, por exemplo,


por Walter B . Cannon no seu agradável livro The Wisdom of the Body ( 1932 ).
Observamos que o equilíbrio entre os organismos e o ambiente pode também
manter- se por factores que resistam à alteração no sistema tomado no seu conjunto .
Escreveu- se muito acerca deste «equilíbio da natureza», por ém, apenas com o re ¬

cente desenvolvimento de bons métodos para medir os ritmos da actividade de


sistemas globais se deu um primeiro passo na compreensão dos mecanismos en ¬

volvidos.

A
« STANDARD.
ENTRADA DE RETROALIMENTA ÇÃ O NEGATIVA
SENSOR

I QUANTIDADE
CIRCUITO
CONTROLADA
RUlDO Figura 2 11. Elementos de cibern é ¬

tica. A . Um sistema de controlo sim-


SAIDA pies, análogo ao termostato de uma
EFECTOR casa, em que uma parte da saí da é
utilizada como retroalimentação, ou
FONTE DE ENERGIA
retroac ção, negativa para manter algum
estado de equilí brio numa quantidade
B controlada. B. O conceito de meseta
MORTE homeostática, dentro da qual se man ¬

RETROALIMENTA ÇÃ O POSITIVA té m uma const ância relativa atrav é s da


< DA REGIÃO SUPERIOR retroalimenta ção negativa, não obstante
UJ a tendência da pressão para provocar
c
c MESETA HOMEOST ÁTICA desvios. Para alé m dos limites da ho-
o
r meostasia, a retroalimentação positiva
UJ
> traduz- se na r ápida destrui ção do sis¬

< fREGIÃ O DE RETROALIMENTA ÇÃ O NEGATIVA tema. (Segundo Hardin, 1963.) C. A


CE
interac ção das retroalimentações posi ¬
>
/ RETROALIMENTAÇÃO POSITIVA tiva (+) e negativa ( ) num sistema
/ DA REGIÃO INFERIOR de «círculo de retroac ção» entre preda ¬

MORTE dor e presa. É geralmente necess ário


(- ) O
PRESS Ã O
< +) - um perí odo de ajustamentos evolutivos
antes que um tal sistema se torne
realmente est ável. Os predadores e
c presas rec é m- associados tendem a os¬
CRESCIMENTO cilar violentamente (ver Figura 7-32,
DA POPULAÇÃ O p ágina 353 ).
PREDADORA

V •

CRESCIMENTO
DA POPULAÇÃ O
PRESA
53

Tal como no turbidostato descrito na legenda da Figura 2-6, algumas popu ¬


lações são reguladas pela densidade, a qual «volta atrás» por meio de mecanismos
de comportamento com redu çã o ou com aumento do ritmo da reprodu çã o ( o « pro¬
dutor») , mantendo assim a dimensão da populaçã o (a «quantidade controlada») den ¬
tro de determinados limites. Outras populações não parecem capazes de autolimi-
tação embora sejam controladas por factores externos ( este tipo pode incluir o
homem, mas guarde-se isto para mais tarde ). Como já se descreveu , os mecanimos
de controlo que funcionam ao n ível do ecossistema incluem os que regulam o arma¬
zenamento e a libertação de nutrientes e a produ ção e decomposição de substâncias
org â nicas. A interacção entre ' os ciclos de materiais e as correntes de energia em
ecossistemas grandes cria uma homeostasia autocorrectora sem necessidade de con¬
trolo ou protecção exterior ( voltar-se-á ao assunto nos Capítulos 3 e 4). O papel
possível das subst âncias «ect ócrinas» na coordenação de unidades do ecossistema foi
já mencionado. Nas secções e capí tulos seguintes, surgirão frequentes ocasiões para
analisar estes mecanismos e para apresentar dados concretos demonstrativos de que
o conjunto não é, em geral, tão variável como a parte.
É importante observar, como pode ver-se na Figura 2-115, que os mecanismos
homeost áticos t ê m limites para alé m dos quais a retroacção positiva sem restri ¬
ção conduz à morte. Observe-se també m que se apresentou a «plataforma homeos-
tática» como uma sé rie de n í veis ou passos. À medida que a tensão aumenta, o
sistema, ainda que controlado, pode não ser capaz de voltar exactamente ao nível
anterior. Já ficou descrito como o C02 introduzido na atmosfera pelos «vulcões
industriais» do homem é absorvido em grande parte, mas não totalmente, pelo sis¬
tema de carbonatos do mar; à medida que a entrada aumenta, os novos n íveis de
equilíbrio são ligeiramente superiores. Neste caso, uma mudança, ainda que ligeira,
pode eventualmente produzir efeitos de grandes consequ ê ncias. També m haverá
muitas ocasiões para constatar que um controlo homeostático verdadeiramente bom
apenas ocorre depois de um período de ajustamento evolutivo. Ecossistemas novos
( tais como um novo tipo de agricultura) ou novos conjuntos de hospedeiro- parasita
tendem a oscilar mais violentamente e a ser menos resistentes a perturbações
externas do que os sistemas maduros, em que os componentes tiveram a oportu ¬
nidade de se ajustarem mutuamente.
Como consequ ê ncia da evolução do sistema nervoso central, a humanidade
tornou-se gradualmente no organismo mais poderoso, no que respeita à capacidade
de modificar o funcionamento de ecossistemas. O papel do homem como «poderoso
agente geológico» está a tornar-se tão importante que Vernadsky (1945) avan çou a
sugest ão de que se pensasse na « noosfera» (do grego noos, mente), ou no mundo
dominado pela mente humana, substituindo gradualmente a biosfera, o mundo em
evolu ção natural que vem existindo há milhares de milh ões de anos. Isto consti¬
tui uma filosofia perigosa, dado basear-se na pretensão de que o homem é actual-
54

mente , não só suficientemente sábio para compreender os resultados de todos os


seus actos, mas també m capaz de sobreviver num ambiente totalmente artificial.
Quando o leitor tiver terminado este livro, concordará certamente com o autor que
não é possível à humanidade tomar para si, sem grandes riscos, o ordenamento
de tudo!
A ideia do ecossistema e o entendimento de que a humanidade é uma
parte de, e não está desligada de, ciclos «biogeoqu í micos» complexos, com um po¬
der crescente para modificar os ciclos, são conceitos b ásicos da ecologia moderna e
tamb é m pontos de vista da maior import â ncia para os assuntos humanos em ge ¬
ral . A conservaçã o dos recursos naturais, a aplicação prática mais importante da
ecologia, deve ser constru ída à volta destes pontos de vista. Deste modo, se a
compreensão dos sistemas ecol ógicos e da responsabilidade moral entre os homens
puder acertar o passo com a capacidade do homem para efectuar altera ções, o con ¬
ceito actual da «exploraçã o ilimitada dos recursos» dará lugar à «inventiva ilimitada
na perpetuação de uma abundâ ncia cíclica de recursos». O historiador Lynn White Jr.
(1967) assinala que o dogma religioso, que separa estritamente o homem da natu ¬
reza, contribui desafortunadamente para a presente crise ambiental. Hutchinson
(1948a), num outro ensaio cl ássico que deveria ser profusamente lido, expressou
este ponto de vista com sagacidade, mais ou menos como se segue : o ecologista
devia ser capaz de mostrar que é exactamente t ã o divertido e t ão importante repa ¬
rar a biosfera e conservá-la em bom estado de funcionamento como reparar o
aparelho de rádio ou o automóvel familiar.
Pode-se resumir o que se expôs neste capítulo. O ecossistema é o tema cen ¬
tral e o conceito mais importante da ecologia. As duas vias para o seu estudo, a
holológica e a merológica, devem ser integradas e traduzir-se em programas de
acção, caso o homem haja de sobreviver à crise ambiental por ele pr óprio provocada.
É o homem enquanto agente geológico, e não tanto enquanto animal, que se encontra
demasiado sob a influência da retroalimenta ção positiva e que, em consequência, pre ¬

cisa de submeter-se à retroalimenta ção negativa. A natureza, com o nosso concurso


inteligente, pode fazer frente às necessidades e aos desperd í cios fisiol ógicos do ho¬
mem, não possuindo, por é m, mecanismos homeost áticos para competir com os
«bulldozers», o bet ão e o tipo de poluição do ar , água e solo agro-industriais que
ser ão difíceis de conter enquanto a população humana se mantiver ela pr ó pria fora
de controlo.
Capítulo 3 - PRINCÍPIOS E CONCEITOS RELATIVOS
À ENERGIA NOS SISTEMAS ECOLÓGICOS

1. RESUMO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS


COM A ENERGIA

Enunciado

-
Define se energia como a capacidade de produzir trabalho. O comporta ¬
mento da energia é definido pelas leis seguintes. A primeira lei da termodinâmica
afirma que a energia pode transformar-se de um tipo noutro, embora nunca seja
criada ou destru í da. A luz , por exemplo, é uma forma de energia, dado poder
transformar-se em trabalho, calor ou energia potencial de alimentos, conforme
a situação, embora nenhuma porção dela possa ser destru í da. A segunda lei da ter¬
modinâ mica pode ser enunciada de diversos modos, incluindo o seguinte : nenhum
processo envolvendo uma transformação de energia ocorrer á espontaneamente a me ¬
nos que haja uma degradação de energia de uma forma concentrada para uma forma
dispersa. Por exemplo, o calor de um objecto quente tende a dispersar -se espon ¬
taneamente pelo ambiente envolvente mais frio. A segunda lei da termodinâ mica
també m pode enunciar-se como se segue: uma vez que uma certa energia é sem ¬
pre dispersada em forma de calor n ão aproveit á vel , nenhuma transformação espon ¬
t â nea de energia ( luz, por exemplo) em energia potencial ( protoplasma, por exem ¬
plo) é 100 por cento eficaz.
Os organismos, os ecossistemas e toda a biosfera possuem a caracter ística
termodinâ mica essencial de serem capazes de criar e de manter um elevado grau
de ordem interior , ou uma condi ção de baixa entropia ( uma medida da desordem
ou a quantidade de energia não dispon í vel num sistema). Alcança-se uma entropia
baixa mediante uma dissipação cont ínua de energia de alta utilidade ( luz ou ali¬
mento, por exemplo) em energia de baixa utilidade ( calor , por exemplo). No ecos-
sistema, a «ordem » é, em termos de uma estrutura complexa de biomassa, manti¬
da pela respiração total da comunidade que continuamente «elimina a desordem por
bombagem ».
56

Explicação

É fácil de ver como os conceitos básicos da fí sica apontados no parágrafo


anterior est ã o relacionados com a ecologia. Toda a variedade das manifestações
da vida é acompanhada por trocas de energia, ainda que se não crie ou destrua
energia alguma ( primeira lei da termodin âmica). A energia que penetra como luz
na superfície da Terra é compensada pela que deixa a Terra em forma de radiação
invisí vel de calor. A essê ncia da vida consiste na sucessão de mudan ças tais corne o
crescimento, a autoduplicaçã o e a sí ntese de relações complexas de mat é ria. Sem
transfer ê ncias de energia, que acompanham todas estas mudan ças, n ão haveria
nem sistemas ecol ógicos. Enquanto seres humanos, não nos dever íamos esquecer qas
a civilizaçã o é justamente uma das proliferações naturais not áveis que estão dependes¬
tes da entrada de corrente cont í nua da energia concentrada da radiação da luz. Em
ecologia, ocupamo- nos fundamentalmente da forma como a luz est á relacionada c-ccn
os sistemas ecol ógicos, e com o modo como a energia é transformada no interior
do sistema. Assim, as relações entre plantas produtoras e animais consumidores
entre predador e presa, para não falar do n ú mero e dos tipos de organismos e
tentes num dado meio, estão limitadas e são regidas todas elas pelas mesmas lecs
b ásicas que regem os sistemas não vivos, como os motores eléctricos ou os au ¬

tom óveis.
Continuamente a luz e outras radia ções com ela associadas deixam o Sef e
passam para o espa ço. Uma parte desta radia çã o chega à Terra, atravessa a -rãmsás
atmosfé rica e alcan ça florestas, pradarias, lagos, oceanos, campos cultivados deser¬
,

tos, estufas, camadas de gelo e muitas centenas mais de outros tipos de sistemas
ecológicos que cobrem a Terra e constituem a biosfera. Quando a luz é abserv.ce
por algum objecto, que como resultado fica mais quente, tal significa que a ererpe
da luz se transformou noutra espé cie de energia conhecida como energia t rntka.
A energia té rmica comp õe-se das vibrações e dos movimentos das mol éculas que for¬
mam o objecto. A absor ção dos raios solares pela terra e pela água traduz- se
em á reas quentes e á reas frias, determinando a corrente de ar capaz de mover os
moinhos de vento e de produzir trabalho, como a bombagem da água contra a for¬
ça da gravidade. Assim, neste caso, a energia da luz converte -se em energia :er-
mica da terra e em energia cinética do ar em movimento, que realiza o trabalho de
elevar a água. A energia nã o é destru ída pela eleva çã o da água, convertendo-se s:m
em energia potencial, já que a energia latente inerente ao dispor da água a uma sada
cota pode transformar-se novamente noutro tipo deixando que a água volte a bai¬
xar at é à fonte. Como já se indicou em cap í tulos anteriores, o alimento resul¬
tante da actividade fotossint é tica das plantas verdes cont é m energia potencial que se
transforma noutros tipos quando o alimento é utilizado pelos organismos. Uma vez
que a quantidade de um tipo de energia é sempre equivalente a uma quantidade
determinada do outro tipo no qual se transforma , pode calcular-se uma delas a par¬
tir da outra. Por exemplo, sabendo a quantidade de luz absorvida e conhecendo
o factor de conversã o, pode determinar-se a quantidade de energia t é rmica que
foi adicionada.
A segunda lei da termodinâ mica trata da transfer ê ncia de energia para um
estado cada vez menos dispon í vel e mais disperso. No que respeita ao sistema solar,
o estado disperso relativamente à energia é aquele em que toda ela se encontra
em forma de energia t é rmica igualmente distribu í da. Isto é , quando entregue a si pró ¬

pria, toda a energia tender á finalmente a ser transformada na forma de energia t é r ¬


mica distribu í da a temperatura uniforme, ali onde sofre a alteraçã o. Esta tend ê ncia
tem sido referida com frequ ê ncia como «a degrada ção do sistema solar». Ainda não
se sabe se esta tend ê ncia para a nivelamento da energia se aplica a todo o universo.
No momento actual a Terra está muito longe de se encontrar num estado de
estabilidade quanto à energia, dado haver vasta energia potencial e diferen ças de tem ¬
peratura que são mantidas graças à corrente cont í nua de energia luminosa vinda do
Sol. Por é m , é o processo do seu deslocamento na direcção do estado est ável que oca¬
siona a sucessã o de alterações de energia que constituem os fen ó menos naturais da
Terra, tal como os conhecemos. É algo que se assemelha ao caso de um homem num
moinho de roda de andar; nunca chega ao cimo, mas os seus esfor ços para isso deter ¬
minam processos bem definidos. Assim , quando a energia do Sol atinge a Terra, tende
a degradar -se em energia t é rmica. Somente uma por ção muito pequena da energia lu ¬

minosa absorvida pelas plantas verdes é transformada em energia potencial ou energia


alimentar; a maior parte dela transforma-se em calor , saindo da planta, do ecossistema
e da biosfera. Todo o mundo biol ógico réstante obt é m a sua energia qu í mica potencial
das subst âncias orgâ nicas produzidas pela fotoss í ntese vegetal ou pela quimioss í ntese
microbiana. Um animal , por exemplo, obt é m energia potencial qu í mica dos alimen ¬
tos e converte uma grande parte dela em calor , o que permite que uma pequena parte
da mesma seja restabelecida em forma de energia potencial qu í mica do novo proto¬
plasma. A cada passo da transfer ê ncia de energia de um organismo para outro, grande
parte da energia é degradada em calor .
A segunda lei da termodin â mica, que trata da dispers ão de energia, est á
relacionada com o princí pio da estabilidade. De acordo com este conceito, qualquer
sistema natural isolado, com energia a atravessá-lo, trate -se da pr ó pria Terra ou de
uma entidade menor , como por exemplo um lago, tende a alterar-se at é que se de ¬
senvolva um ajustamento est á vel , com mecanismos de auto-regula ção. Estes sã o me ¬
canismos que provocam um retorno ao estado constante caso se seja compelido a sair
dele por acçã o de uma influ ê ncia externa transit ória, como ficou detalhadamente
analisado no Capí tulo 2. Quando se alcança um ajustamento est á vel, as transfer ê ncias
de energia tendem a processar -se pelo padr ão de um s ó sentido e a ritmos carac-
ter ísticos, segundo o princípio da estabilidade .
58

H. T . Odum (1967), baseando-se nos conceitos de A. J. Lotka (1925) e E.


Schrõ dinger (1945), coloca os princí pios termodin â micos no contexto ecol ógico da
forma que se segue .
A manuten ção de um estado antit é rmico constitui a prioridade n ú mero um
em qualquer sistema complexo do mundo real. Segundo demonstrou Schrõdinger, o
trabalho cont í nuo de esgotar a «desordem» por bombagem é necessário, caso se
pretenda manter « ordem » interior em presen ça de vibra ções t é rmicas, em qualquer
sistema de temperatura superior ao zero absoluto. No ecossistema, a razão entre a
respira çã o da comunidade total e a biomassa da comunidade total ( R / B) pode con -
siderar-se como a razão entre a manuten çã o e a estrutura, ou como uma fun ção
termodinâ mica de ordem. Esta «razã o de Schr õdinger» é uma renovaçã o ecológica,
um conceito introduzido no Cap í tulo 2. Se R e B forem expressos em calorias ( uni ¬

dades de energia) e divididos pela temperatura absoluta, a propor ção R/ B converte-se


na razão entre o aumento da entropia de conservação (e trabalho relacionado) e a
entropia da estrutura ordenada. Quanto maior for a biomassa, maior é o custo da 1
manuten çã o; poré m, se o tamanho das unidades de biomassa ( os organismos indi ¬
viduais, por exemplo) é grande ( tal como a vegeta ção numa floresta) , a manuten çã o
antit é rmica por unidade de biomassa diminui. Uma das quest ões te óricas presen ¬
temente em debate consiste em saber se a natureza maximiza a propor ção entre a
estrutura e o metabolismo de manuten ção ( veja-se Margalef, 1968; Morowitz, 1968)
ou se é a corrente de energia, ela pr ó pria, que é maximizada.
É curioso observar que as duas palavras « economia » e « ecologia » t ê m a
mesma raiz, oikos que respeita a «casa». Pode dizer-se que a economia trata da
gest ão financeira da casa e a ecologia da gest ã o do respectivo ambiente . Embora
a energia possa ser tomada como a « moeda » da ecologia, energia e dinheiro nã o s ão
a mesma coisa uma vez que correm em direcções opostas ( isto é, fazem um inter ¬

câ mbio), e o dinheiro circula ao passo que a energia não ( ver H . T. Odum , 1971).
Nesta altura, seria ú til para o leitor rever as unidades de energia e familia-
rizar-se bem com elas. No Quadro 3-1 est ã o definidas as unidades básicas, apre ¬

sentando-se ainda factores de conversã o e pontos de referê ncia.


O comportamento da energia nos ecossistemas pode designar-se apropriada ¬

mente como a corrente de energia porque, segundo vimos, as transforma ções de


energia são « num só sentido», em contraste com o comportamento cí clico dos mate ¬
riais. Nas secçõ es seguintes deste cap í tulo será considerada em primeiro lugar a
corrente total de energia que constitui o ambiente energ é tico do ecossistema, após
o que se tratar á do estudo da por ção desse fluxo total que passa atravé s dos com ¬
ponentes vivos do ecossistema.
59

Quadro 3-1
Unidades de Energia e Algumas Estimativas Ecoló gicas Ú teis

A. UNIDADES BÁSICAS
Caloria-grama ( pequena caloria ou cal ) = quantidade de calor necessário para elevar de 1 °C
1 grama (ou mililitro) de água a 15 °C
Kilocaloria (kcal ou Cal) = 1000 cal = quantidade de calor necessá rio para elevar de 1 °C 1 qui¬
lograma ( ou litro) de água a 15 °C
Unidade té rmica inglesa ( Btu ) = quantidade de calor necessá rio para elevar de 1 °F 1 libra
de água = 252 calorias-grama = 0,252 kcal
Joule (J) = 0,24 calorias-grama = 107 ergs = 0,74 libras- p é = 0,1 kilogrametros = 3,7 x 10 7 '

cavalos vapor- hora


Langley (ly) = 1 caloria-grama / cm 2
Watt (W) = 1 J / s = 14,3 cal/ min = 13, 4 x 10 3 cavalos vapor
'

B. VALORES DE REFERÊ NCIA ( Médios ou Estimados)


Alimentos purificados, kcal/ g de peso seco: hidratos de carbono 4; proteí nas 5; l í pidos 9,2.
kcal / g kcal / g
Biomassa * Peso Seco Peso Seco sem cinzas
Plantas terrestres (total) 4,5 4,6
apenas sementes 5.2 5,3
Algas 4,9 5,1
Invertebrados (excluindo insectos) 3,0 5,5
Insectos 5,4 5,7
Vertebrados 5,6 6,3
Produ ção do fitoplâncton: 1 grama de carbono = 2,0 + gramas de mat é ria seca = 10 kcal.
Necessidades diá rias em alimento (a temperaturas não pressionantes).
Homem: 40 kcal / kg de peso vivo = 0,04 kcal / g (cerca de 3000 kcal /dia para um
adulto de 70 kg)
Ave ou mam í fero pequeno: 1,0 kcal /g de peso vivo
Insecto: 0,5 kcal/ g de peso vivo
Troca gasosa coeficientes cal óricos na respira ção e fotossí ntese.
% de Hidratos de
Carbono na Matéria Seca Oxigénio Dióxido de Carbono
Respirada ou Sintetizada kcal / litro kcal / litro
100 5,0 5,0
66 4,9 5,5
33 4,8 6,0
0 (apenas gordura) 4,7 6,7

* Uma vez que a maioria dos organismos vivos são formados por 2 / 3 ou mais de água e minerais, 2 kcal / g de
peso vivo ( h ú mido) é uma estimativa muito grosseira para a biomassa em geral. Os valores para os pesos secos
-
constantes deste quadro baseiam se em Golley, 1961; Odum, Marshall e Marples, 1965; e Cummings, 1967.
60

2. O AMBIENTE ENERG ÉTICO

Enunciado

Os organismos da superfície da Terra, ou pr óximo dela, est ão submersos num


ambiente de radiação que consta da radia ção solar e da radia ção t é rmica de onda
comprida que flui das superf ícies vizinhas. Contribuem ambas para o ambiente clim á¬
tico (temperatura, evapora ção da água, movimentos do ar e da água , etc.), embora ape ¬
nas uma pequena por ção da radiação solar possa ser convertida atravé s da fotossí ntese
e proporcionar energia aos componentes bi óticos do ecossistema . A luz solar extrater -
reste chega à biosfera ao ritmo de 2 cal por cm 2 e minuto (*), mas reduz-se expo¬
nencialmente à medida que atravessa a atmosfera ; quando muito, 67 por cento (1,34
cal por cm2 e minuto) pode chegar à superf í cie da Terra ao meio-dia de um dia
claro de Ver ã o (Gates, 1965) . A radia çã o solar sofre redu çã o adicional à medida que
atravessa as nuvens, a água e a vegeta çã o, sendo a distribui çã o espectral da sua
energia profundamente alterada. A entrada diária de luz solar na camada autotr ófica
de um ecossistema varia a maior parte das vezes entre 100 e 800, com um valor
m édio à volta de 300 a 400 cal por cm2 (= 3000 a 4000 kcal por m 2 ) para uma
á rea da zona temperada, como por exemplo os EUA (Reifsnyder e Lull , 1965). Para
um per íodo de 24 horas, o fluxo de energia t é rmica no interior de um ecossistema
( ou a recebida por organismos expostos ) pode ser vá rias vezes superior ou tamb é m
consideravelmente menor do que a entrada de radia çã o solar. A varia çã o no total
do fluxo da radia çã o, tanto nos diferentes estratos de um ecossistema, como de uma
esta ção do ano ou de uma zona geográfica da Terra para outra , é enorme , correspon ¬
dendo-lhe a respectiva distribuição dos organismos individuais.

Explicaçã o
Na Figura 3-1 compara-se a distribuição espectral da radia ção solar extra ¬
terrestre , que chega à razã o constante de 2 cal por cm 2 e minuto ( ± 3 ,5 por cento) ,
com (1) a radiação solar que chega efectivamente ao n í vel do mar num dia claro,
(2) a luz solar q e atravessa o cé u totalmente encoberto ( luz difusa ) e (3) a luz trans ¬
mitida atravé s da vegeta çã o. Cada uma das curvas representa a luz incidente numa
superf ície horizontal. Para que se tenha um cen á rio do efeito da esta çã o (altura do
Sol) e das inclinações topogr áficas , veja-se a Figura 5-19. Nas regi ões onduladas ou
montanhosas as encostas expostas a sul recebem mais radiação solar e as expostas
a norte muito menos do que as superfícies horizontais ; isto determina diferenças
surpreendentes nos climas locais ( microclimas) e na vegeta çã o.
(*) A «constante solar ».
61

A radia çã o que penetra na atmosfera é atenuada exponencialmente pelos gases


e pelo pó da atmosfera, embora em grau variá vel consoante a frequ ência ou compri¬
mento de onda. A radia ção ultravioleta de onda curta, inferior a 0,3 u. é abruptamente
detida pela camada de ozono da atmosfera exterior (a cerca de 25 km de altitude),
o que é favor á vel, uma vez que esta radiação é letal para o protoplasma a ela
exposto. Por absor çã o na atmosfera a luz visí vel é amplamente reduzida e a ra¬
-
diaçã o infravermelha é o irregularmente . A energia da radia çã o que chega à super ¬
í
f cie da Terra num dia claro é composta aproximadamente por 10 por cento de ul¬
travioleta, 45 por cento de luz vis ível e 45 por cento de infravermelho ( Reifsnyder
e Lull, 1965). A radia ção vis ível é a menos atenuada ao atravessar uma camada
densa de nuvens e de água, o que significa que a fotossí ntese (limitada ao intervalo
vis í vel) pode prosseguir em dias nublados e a certa profundidade em água lí mpida
A vegetação absorve fortemente os comprimentos de onda visí veis azul e vermelho,
menos fortemente o verde, muito fracamente os infravermelhos pr óximos e fone-
mente os infravermelhos longí nquos (Gates, 1965). A profunda sombra fresca da flo¬
resta deve-se, portanto, ao facto de ser absorvida pela folhagem das copas a maior
parte da radia çã o vis í vel e infravermelha long í nqua. As bandas de luz azul e verme ¬
lha ( 0,4 - 0,5 fj. e 0,6 - 0,7 fx , respectivamente ) sã o especialmente absorvidas pela clo¬
rofila e a energia t é rmica infravermelha long í nqua é absorvida pela água das folhas
e pelo vapor de água que as rodeia. Assim, as plantas verdes absorvem eficazmente
a luz azul e vermelha, a de maior utilidade na fotoss í ntese. Ao rejeitar , por assim
dizer, a banda infravermelha pr óxima a qual cont é m o essencial da energia caló-
rica solar , as folhas das plantas terrestres evitam temperaturas letais. .Al é m disso,
as plantas aqu á ticas est ã o, coiho é ó bvio, «arrefecidas pela água ». A luz. enquanto
factor limitante e condicionante dos organismos, é analisada no Cap í tulo 5. No Ca¬
pí tulo 18 é feita a revisã o do uso das imagens do espectro m ltiplo na nova tec¬
nologia da sensibilidade à dist â ncia ou detecçã o remota , e no Cap í tulo 17 encontra-se
discutido o impacto ecol ógico das radiaçõ es ionizantes naturais e das produzidas
pelo homem.

O outro componente do ambiente energ é tico, a radiação t é rmica , prové m de


qualquer superfície ou objecto que esteja a uma temperatura superior ao zero abso¬
luto. Isto inclui, n ão s ó o solo, a água e a vegeta ção, mas també m as nuvens que
facultam aos ecossistemas uma quantidade substancial de energia cal órica radiada
para baixo. O «efeito de estufa» da radia çã o reflexa já foi mencionado a propósito
da teoria do clima do C 02. Como se compreende, as correntes de radia çã o de on ¬

da comprida chegam a todo o momento e v ê m de todas as direcçõ es, ao passo que


a componente solar é dirigida e apenas est á presente durante o per íodo diurno.
Assim , durante um dia de Ver ã o um animal ao ar livre ou uma folha de planta
poder ã o ver - se submetidos a uma corrente de radia çã o t é rmica total de 24 horas,
nos sentidos ascendente e descendente , vá rias vezes superior à entrada descendente
62

i i i i i i i l i i ml
0.4 0.5 0.6 0.7 0.6 0.9 1.0 1.5 2.0
COMPRIMENTO DE ONDA, MICRONS
ULTRAVIOLETA 4 > VISÍ VEL 4- INFRAVERMELHO

I0 d0 5 )
"

n r
o

.E
LUZ SOLAR
EXTRATERRESTRE
2,00 cal cm 2 mln 1' k
o
<o0
LUZ SOLAR DIRECTA
(N Í VEL DO MAR )
1,34 cal cm 2 min " 1
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TEMPO
NUBLADO
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LUZ TRANSMITIDA ATRAVÉS t
DA VEGETAC Ã o í \
'
LUZ DO CÉU - - VW \

IL
20.00C- I5.000 I0.000
1
NÚMEROS DE ONDAS, cm '

Figura 3-1. Distribuição espectral da radiação solar extraterrestre, da radia çã o solar ao ní vel do
mar para um dia claro, da luz solar com o céu completamente coberto, e da luz solar que penetra
uma massa de vegetação. Cada curva representa a energia incidente numa superficie horizontal. (De
Gates, 1965.)

do fluxo de energia solar (1660 cal por cm2 face a 670 cal por cm2 num exem ¬

plo apresentado por Gates, 1963). Por outro *lado, a radiação t érmica é absorvida
'

pela biomassa em maior grau do que a radiação solar. A variação diária reveste- se
de grande import ância ecológica. Em lugares como os desertos ou as tundras alpi ¬

nas a corrente diurna é várias vezes superior à noctuma, enquanto que na água
profunda ou no interior de uma floresta tropical (e tamb ém, claro, nas cavernas) a
radiação total do ambiente pode ser praticamente constante durante um per íodo de
24 horas. A água e a biomassa tendem, assim, a reduzir as flutuações no ambien ¬

te energé tico e portanto a tornar as condições de vida menos difíceis.


Embora o fluxo de radiação total determine as «condições de exist ência»
a que os organismos t êm de adaptar- se, é contudo a radiação solar directa integra ¬

da na camada autotrófica isto é, a energia solar recebida pelas plantas verdes


63

ao longo dos dias , meses e anos que assume interesse primordial , dos pontos
de vista da produtividade e dos ciclos de nutrientes, no seio do ecossistema. Do Qua ¬
dro 3-2 consta a radia ção solar diá ria m édia recebida em cada m ê s do ano para cinco
regi ões dos Estados Unidos. Para al é m da latitude e da estação, a camada de nuvens

Quadro 3-2
Radiação Solar Recebida por Unidade de Superfí cie Horizontal
em Regiões dos Estados Unidos da América *
LANGLEYS (cal/ m 2 ), M É DIA POR DIA -

Nordeste Sudeste Meio Oeste Noroeste Sudoeste

Janeiro 125 200 200 150 275


Fevereiro 225 275 275 225 375
Març o 300 350 375 350 500
Abril 350 475 450 475 600
Maio 450 550 525 550 675
Junho 525 550 575 600 700
Julho 525 550 600 650 700
Agosto 450 500 525 550 600
Setembro 350 425 425 450 550
Outubro 250 325 325 275 400
Novembro 125 250 225 175 300
Dezembro 125 200 175 125 250
Mé dia cal/ cm 2 / dia 317 388 390 381 494
M dia kcal/ cm 2 / dia
(em n meros redondos) 3200 3 900 3 900 3 800 4900
kcal / m 2 /ano, estimativa
(em n meros redondos) 1,17 x 10« 1,42 x 10 « 1,42 x 10« 1,39 x 10« 1,79 x 10 «

* Segundo Reifsnyder e Lull , 1965.

constitui um factor principal, como pode ver-se ao comparar o sueste h mido e o


sudoeste á rido. Um intervalo de 100 a 800 cal por cm 2 e por dia abarcar á provavel ¬
mente a maior parte do mundo durante a maior parte do tempo, com excepçã o das
regi ões polares ou dos tró picos á ridos, onde as condi çõ es são, em qualquer caso,
t ão extremas que só pode haver uma produ çã o biológica pequena. Portanto, a
entrada de energia da radia ção é , para a maior parte da biosfera , da ordem das
3000 - 4000 kcal por m 2 e por dia e de 1,1 a 1 ,5 milh ão de kcal por m 2 e por ano.
Nas secções seguintes veremos o que acontece a esta entrada de energia e que
parte dela pode ser convertida em alimento para manuten çã o da comunidade bi ó-
tica e do homem .
Tem especial interesse a chamada radiação líquida à superf í cie da Terra, ou
seja , «a diferen ça entre todas as correntes de radia çã o descendente e todas as corren ¬

tes de radia ção ascendente» (Gates, 1962). Entre as latitudes de 40 norte e sul. a
64

radia çã o l í quida anual é da ordem de um milh ã o de kcal por m 2 e ano sobre os


oceanos e de 0,6 milh ões de kcal por m2 e ano sobre os continentes ( Budyko, 1955)
Esta enorme quantidade de energia é dissipada na evapora ção de água e na forma ¬

çã o dos ventos t é rmicos e eventualmente passa para o espaço como calor, de tal
forma que a Terra no seu conjunto pode permanecer num equil í brio energ é tico
aproximado. A diferen ça do impacto da energia dissipada na evapora çã o sobre os
ecossistemas aqu áticos e os terrestes já foi assinalada ( ver página 28 ) • Por outro
lado, como tamb é m já foi salientado, qualquer factor que retarde a sa í da desta ener ¬

gia determinar á a subida das temperaturas da biosfera.


Conv é m nesta altura uma palavra sobre medidas e unidades . Embora as
temperaturas sejam registadas por uma rede mundial de esta ções meteorol ógicas,
apenas em poucos lugares se t ê m efectuado medi ções directas das correntes de energia.
Consequentemente, as estimativas que t ê m vindo a ser apresentadas baseiam- se mais
em cálculos do que em medições directas. Apenas nos ltimos anos t ê m sido pre ¬
parados instrumentos baratos e resistentes que permitem prever a quantificaçã o em
grande escala da energia ambiental. A componente solar mede-se usualmente com
piranó metros ou solarígrafos , que utilizam uma pilha t é rmica, isto é, a uniã o de
dois metais que produz uma corrente proporcional à entrada de energia luminosa.
Os instrumentos que medem a corrente total de energia em todos os comprimentos
de onda designam-se por pirradió metros. O pirradiómetro líquido, ou de balan ço da
radiação, tem duas superf í cies, uma dirigida para cima e outra para baixo, registando
a diferença nas correntes de energia.
Finalmente, as unidades de energia da irradiaçã o que t ê m sido utilizadas, isto
é, a cal por cm 2 ( també m chamada langley ) e a kcal por m 2, n ão devem confun ¬
dir-se com as unidades de ilumina çã o, isto é, a vela- p é (1 vela- p é = 1 l men por pé
quadrado) ou o lux (1 lux = 1 l men por m2 = aproximadamente 0,1 vela- p é ), que
se aplicam, unicamente , ao espectro visí vel. Embora não se possa converter com
precisã o a intensidade da irradia çã o em luminiscê ncia, por motivo da varia çã o no
brilho de diversas regi ões espectrais, uma cal por cm 2 e por minuto de luz solar mul ¬
tiplicada por 6700 dar á a lumin â ncia aproximada sobre uma superf í cie horizontal ,
expressa em velas- p é ( Reifsnyder e Lull, 1965).
São interessantes para o ecologista vá rios dos excelentes resumos de David
Gates sobre o ambiente energ ético em que vivemos ( ver Gates, 1962, 1963, 1965 e
1965 a).
65

3. CONCEITO DA PRODUTIVIDADE

Enunciado

A produtividade primária ou básica de um sistema ecol ógico, de uma comu ¬


nidade , ou de qualquer parte dela, define-se como a velocidade a que a energia
da radia çã o é armazenada pela actividade fotossint é tica ou quimiossint é tica de orga ¬
nismos produtores (principalmente plantas verdes) na forma de subst âncias orgâ ¬
nicas suscept íveis de utiliza çã o como mat é ria alimentar. No processo de produ ção
é importante fazer distinção entre os quatro passos sucessivos envolvidos, como se
segue: A produtividade primária bruta' é a velocidade total da fotossí ntese. incluindo
a mat é ria orgânica utilizada na respira ção durante o período de mediçã o. Esta pro¬
dutividade també m é conhecida por «fotossí ntese total» ou «assimila çã o totaD. A
produtividade primá ria líquida, é a velocidade de armazenamento de mat é ria org â¬
nica nos tecidos vegetais, em excesso relativamente ao consumo na respiraçã o por
parte das plantas durante o per í odo de mediçã o. Tamb é m se designa esta produti ¬

vidade por «fotossí ntese aparente » ou «assimila ção l íquida». A quantidade respirada
adiciona-se na pr ática, como regra, às medi ções da fotossíntese «aparente », a t ítulo
de correcçã o, com o objectivo de obter estimativas da produ çã o bruta. A produti ¬

vidade líquida da comunidade é a velocidade de armazenamento de mat é ria orgâ¬


nica nã o utilizada pelos heterotr óficos (isto é , a produ çã o primá ria l í quida menos õ con ¬
sumo heterotr ófico) durante o per íodo considerado, normalmente o per íodo de cres ¬

cimento ou um ano. Finalmente, as velocidades de armazenamento de energia ao


n ível dos consumidores designaín-se por produtividades secundárias.) Uma vez que os
consumidores apenas utilizam materiais alimentares já produzidos, com perdas por
respira çã o apropriadas, e os convertem em tecidos diferentes mediante um pro ¬

cesso conjunto, a produtividade secund á ria n ão dever á ser dividida em quantidades


« bruta» e «líquida» . A corrente total de energia aos n íveis heterotr óficos, que é se ¬

melhante à produ ção bruta dos autotr óí f cos, dever á designar-se «assimilação » e
n ão « produ ção». Em todas estas definições, o termo « produtividade» e a expressão
«taxa de produ çã o» podem ser utilizados indistintamente . Mesmo quando o termo
« produ çã o» se utiliza para designar a quantidade de mat é ria orgâ nica acumulada,
considera-se sempre, ou est á implí cito, um elemento temporal , como por exemplo
um ano, quando falamos da produ ção de uma cultura agr í cola. Para evitar confu ¬

sões, o intervalo de tempo dever á ser sempre mencionado. De acordo com a segun ¬
da lei da termodin â mica, como ficou exposto na Secção 1, a corrente de energia di ¬
minui a cada passo, dada a perda de calor que acompanha cada transfer ê ncia de
energia de uma forma para outra.
Ocorrem altos níveis de produção, tanto nos ecossistemas naturais como
nos cultivados, quando os factores físicos são favor áveis e, especialmente, quando
66

ocorrem subsídios de energia com origem exterior ao sistema que reduzem o custo
da manuten çã o. Estes subs í dios de energia poderã o tomar a forma de trabalho do
vento e da chuva numa floresta tropical h ú mida, da energia da mar é num estu á ¬

rio, ou da energia do combust í vel f óssil e do trabalho animal ou humano utili ¬

zados no cultivo de uma cultura agr í cola. Ao avaliar a produtividade de um ecos-


sistema é importante tomar em considera ção a natureza e o montante n ão só
das drenagens de energia resultantes das acções climáticas, da colheita, da polui ¬
ção e de outras que desviam energia para fora do ecossistema, mas tamb é m dos subsí¬
dios de energia que reforçam a produtividade por redu çã o da perda de calor por
respira çã o (isto é, por « bombagem contra a desordem ») necessá ria para manter a
estrutura biol ógica.

Explicação

A palavra chave da definiçã o anterior é a taxa ou intensidade ; o ele ¬


mento tempo tem de ser considerado, isto é, a quantidade de energia fixada du ¬
rante um certo tempo. A produtividade biológica difere, assim, da « produ çã o» no
sentido qu í mico ou industrial. Neste ltimo caso, a reacção termina com a produ ¬

çã o de uma quantidade determinada de um dado produto; nas comunidades biol ó ¬


gicas o processo é cont í nuo no tempo, pelo que é necessá rio designar uma uni ¬
dade de tempo; por exemplo, a quantidade de alimento elaborado por dia ou por
ano. Em termos mais gerais, a produtividade de um ecossistema refere-se à sua
« riqueza ». Ainda que uma comunidade rica ou produtiva possa ter uma maior
quantidade de organismos do que uma comunidade menos produtiva , n ão acontece
sempre assim . A biomassa permanente ou a existência em pé de uma cultura em
qualquer momento não deve ser confundida com a produtividade. Este ponto foi já
discutido anteriormente, por é m, nã o ser á demais insistir nele novamente, uma vez
que os estudantes de ecologia confundem frequentemente estas duas quantidades.
Regra geral , n ão se pode determinar a produtividade prim á ria de um sistema, ou a
produ çã o de uma popula çã o componente , contando e pesando ( isto é, «efectuando
o censo» ) os organismos que se encontram presentes num dado momento, embora se
possa obter boas estimativas da produtividade primá ria lí quida dos dados relativos à
biomassa da cultura nos casos em que os organismos são grandes e os materiais vivos
se acumulam durante um certo perí odo de tempo sem serem utilizados (como,
por exemplo, nas culturas agrí colas). Por outro lado, uma vez que os organismos pe ¬
quenos se « renovam » rapidamente e que organismos de todas as dimensõ es são
com frequê ncia «consumidos» à medida que vão sendo « produzidos», o tamanho e
a massa permanente ou a exist ê ncia podem ter pouca relação directa com a produti¬
vidade. Por exemplo, um prado fé rtil submetido à apascentação do gado terá,
67

provavelmente, no momento da medi çã o, uma massa permanente de erva muito


menor do que um pasto menos produtivo mas não pastoreado. Deve esperar- se
que a situa ção do « prado pastoreado» ocorra numa grande variedade de comuni ¬

dades naturais em que os heterotróí f cos estejam presentes e activos, resultando da í


que o «consumo» tenha lugar mais ou menos simultaneamente com a « produ çã o».
O contraste, quanto a este aspecto, entre a lagoa e o prado foi posto em desta ¬
que no Cap í tulo 2. É importante considerar as rela ções recí procas entre a biomassa
da cultura, o método da colheita e a produtividade ao avaliar os mé ritos relativos

Quadro 3-3
Relações Entre a Entrada de Energia Solar e a Produtividade Primária
A. TRANSFER Ê NCIAS EM PERCENTAGEM

1 2 3 4
Energia Absorvida Produção Primária
da Radiação pelo Produ ção Liquida
Passos Solar Estrato Primária ( Disponível para
Total Autotrófico Bruta os Heterótrofos )

Máximo 100 50 5 4
Condi çã o favorá vel
m é dia 100 50 1 0,5
Média para a
biosfera 100 < 50 0,2 0,1

B. EFICI Ê NCIAS EM PERCENTAGEM


M édia M édia para
Passo
,Máxima Condições Favoráveis Toda a Biosfera

1-2 50 50 < 50
1-3 5 1 0,2
2 -3 10 2 0,4
3-4 80 50 50
-
14 4 0,5 0,1

C. NUMA BASE DE KCAL / M 2 / ANO (EM N Ú MEROS REDONDOS)

Energia da Radiação Produção Primária Produção Primária


Bruta Lí quida

Máximo 50 000 40000


Média nas regiões fé rteis * 10 000 5 000
1 000 000 Mar alto e regiões semi
-áridas f
- 1000 500
Média para a biosfera § 2 000 1000

* Humidade , nutrientes e temperatura n ão fortemente limitantes; entrada de energia auxiliar ( ver expli ¬
caçã o no texto).
t Humidade, nutrientes, ou temperatura fortemente limitantes.
§ Baseada na estimativa da produtividade bruta de 1018 kcal e na área de 5 x 108 km 2 de toda a biosfera
-
( ver Quadro 3 7).
68
do cultivo de algas e do cultivo convencional da terra na produ ção de alimento
para o homem , como adiante se verá.
Quando se fizer o estudo cuidado do Quadro 3- 3 tornar - se - ã o claros os
diversos tipos de produ ção, a importante distin ção entre as produ çõ es primárias
bruta e líquida, bem como as respectivas relações com a entrada de energia solar.
Observe -se que apenas cerca de metade da energia total da radia ção ( na sua maior
parte na porção vis ível) é absorvida, e que , nas condições mais favor á veis, quando
muito 5 por cento (10 por cento da absorvida) pode ser convertida na forma de
fotossí ntese bruta. Depois, a respiração das plantas reduz numa propor ção conside ¬
r ável ( pelo menos 20 por cento, mas normalmente 50 por cento) o alimento
( produ ção l íquida) dispon ível para os heterotróficos ( homem inclu ído).
Deve realçar -se que o Quadro 3-3 é um modelo generalizado para as trans ¬
fer ê ncias de energia a «longo curso», isto é, durante o ciclo anual ou ainda mais
tempo. No auge do período de crescimento e especialmente durante os longos dias

Quadro 3-4
Relações Entre Radiação Solar e as Produções Bruta e Líquida em Produtos
de Cultura Intensiva e Numa Base Diária Durante Condições Favoráveis
da Estação de Crescimento *

KCAL / M 2 / DIA
% % %
Radiaçao Produção Produção BRUTA/ LÍQUIDA/ LÍ QUIDA/
Solar Bruta Líquida SOLAR SOLAR BRUTA

Cana de a çú car, Hawai 4000 306 190 7,6 4,8 62


Milho irrigado, Israel 6 000 405 190 6,8 3,2 47
Beterraba sacarina, Inglaterra 2 650 202 144 7,7 5,4 72

* De Montieth, 1965.

estivais do norte, mais de 5 por cento da entrada total de energia solar di á ria
pode converter-se em produ çã o bruta e mais de 50 por cento desta produ çã o poder á
permanecer como produ çã o primá ria liquida durante um per í odo de 24 horas. Pode
observar- se uma tal situaçã o no Quadro 3- 4. Contudo, mesmo nas condi ções mais
favorá veis, n ão é possí vel manter estas altas intensidades diá rias durante o ciclo
anual ou conseguir produ ções t ão elevadas em grandes extens ões dos campos culti ¬
vados, como resulta evidente ao compará-las com as produ çõ es anuais ( em termos
de kcal por dia) constantes do Quadro 3-9 ( ltima coluna).
Uma alta produtividade e valores elevados para a propor ção produtividade
lí quida / produtividade bruta nas culturas conseguem- se atrav é s de grandes entradas
de energia envolvidas no cultivo, na irriga ção, na fertilizaçã o, na selecçã o gen é ti-
69

ca e no controlo dos insectos. O combust í vel utilizado para accionar a maquina ¬

ria agr í cola constitui tanto uma entrada de energia como o é a luz solar , podendo me -
dir-se em calorias ou em cavalos de for ça transformados em calor na execu ção
do trabalho de manuten ção da cultura. De forma an á loga, a energia das mar é s
poder á refor çar a produtividade de um ecossistema costeiro natural, substituindo uma
parte da energia de respiraçã o que de outra forma teria de ser destinada ao ciclo
mineral e ao transporte de alimento e desperd ícios. Toda a fonte de energia que
reduz o custo da automanuten ção interna do ecossistema e , como consequ ê ncia,
aumenta a quantidade de outra energia suscept í vel de convers ão em produ çã o, é
designada como uma corrente auxiliar de energia ou um subsí dio de energia ( H . T.
Odum , 1967, 1967a).
Os tr ê s produtos constantes do Quadro 3- 4 A facultam uma interessante com ¬

para çã o entre eles. A elevada entrada de energia solar no deserto irrigado tra ¬
duz-se por uma maior produ çã o bruta, mas não por uma produ çã o l í quida mais ele -

Quadro 3-5
Produção Anual e Respira ção , em kcal / m 2 / ano, em Ecossistemas
de Tipo-Crescimento e de Estado-Constante
FLORESTA
PLANTA ÇÃ O DE FLORESTA
DE CARVALHO MANANCIAL TROPICAL SONDA
PINHEIRO E PINHEIRO ABUNDANTE H Ú MIDA COSTEIRA
CAMPO DE JOVEM DE MEIA (SILVER MADURA ( LONG
LUZERNA ( INGLA ¬ IDADE SPRINGS, ( PORTO ISLAND ,
<f. ( U .S.A .) * TERRA ) (N . YORK )!
! FLORIDA ) § RICO ) 11 N.Y.)§§

Produ ção primária bruta (PPB) 24400 12200 11500 20 800 45 000 5 700
Respiração autotr ófica ( RA) 9200 4 700 6400 12 000 32 000 3 200
Produ ção primária líquida ( PPL) 15200 7 500 5 000 8 800 13 000 2 500
Respira ção heterotrófica (RH) 800 4600 3 000 6 800 13 000 2 500
Produ çã o l íquida da comunidade (PLC) 14 400 2 900 2 000 2 000 Muito Muito
pequena pequena
ou nula ou nula
Razã o PPL / PPB ( em percentagem) 62,3 61,5 43,5 42,3 28,9 43, 8
Razão PLC / PPB ( em percentagem) 59,0 23,8 17,4 9,6 0 0

* Segundo Thomas e Hill, 1949. Respiração heterotr ófica estimada como perda de 5 por cento por interm é dio
de insectos e organismos patog é nicos.
t Segundo Ovington , 1961. Produ çã o anual m édia, 0-50 anos, de planta çã o de uma s ó espécie. PPB estimada a
partir da medi ção das perdas por respiração em pinheiros novos , por Tranquillini , 1959. Parte da PLC extra ída
(exportada) como madeira pelo homem.
tt Segundo Woodwell e Whittaker, 1968. Regeneração natural de 45 anos, apó s incê ndio; sem extracção de madeira
pelo homem.
.
§ Segundo H. T. Odum 1957.
II Segundo H. T. Odum e Pigeon, 1970.
§§ Segundo Riley, 1956.
Nota: Os factores de conversão de mat é ria seca e carbono em kcal como no Quadro 3- 1. Todos os valores
arredondados para as 100 kcal mais próximas.
70

vada do que a alcan çada com menos luz numa á rea mais a norte. Em termos gerais,
as temperaturas elevadas (e a pronunciada escassez de água) implicam que a plan ¬
ta gaste na respiração uma maior quantidade da sua energia de produ ção bruta.
Assim, «custa» mais manter a estrutura das plantas nos climas quentes. Esta pode
ser uma das razões ( a dura ção do dia pode ser outra) que determinam produ ções
de arroz regularmente menores nas regiões equatoriais do que nas regiões tempe ¬

radas ( ver Best , 1962).


As comunidades naturais que são beneficiadas por subs í dios naturais de ener ¬
gia s ã o as que alcançam as mais elevadas produtividades brutas. O papel das ma ¬
r é s nos estuá rios costeiros já foi anteriormente mencionado. A complexa interacção
do vento, da chuva e da evapora çã o numa floresta tropical h mida constitui outro
exemplo de subsídio natural de energia que permite à s folhas o aproveitamento
ó ptimo da elevada entrada de energia solar do dia tropical. Como pode ver-se no
Quadro 3-5, a produtividade prim á ria bruta de uma floresta tropical h ú mida pode
igualar ou exceder a que resulta dos melhores esfor ços do homem na agricultura.
Cabe enunciar , a t ítulo de princí pio geral, que a produtividade bruta dos ecos-
sistemas cultivados n ão supera a que pode encontrar- se na natureza. O homem
aumenta, certamente, a produtividade proporcionando água e elementos nutritivos
nas áreas onde estes são limitantes (como nos desertos e nas pradarias). Contudo,
o homem aumenta as produ ções primá ria líquida e l í quida da comunidade sobretudo
atravé s de subsí dios de energia que reduzem os consumos, tanto autotr ófico como
heterotrófico (aumentando desta forma a colheita para si ). H. T. Odum (1967) re ¬
sume este ponto muito importante como se segue :

O sucesso do homem , na adapta ção de alguns sistemas naturais para seu uso, resul ¬
tou essencialmente do processo que consiste em aplicar circuitos auxiliares de trabalho
provenientes de fontes t ão ricas em energia, como a energia fóssil e at ó mica, em sistemas
animais e vegetais. A agricultura, a silvicultura, a pecuá ria, a cultura de algas, etc., todas elas
implicam importantes fluxos de energia auxiliar que realizam muito do trabalho que nos
sistemas anteriores teria de ser realizado à custa pr ópria. É certo que , quando se proporciona
apoio auxiliar, as espé cies anteriores já n ão continuam adaptadas, uma vez que os seus pro¬
gramas internos as obrigariam a continuar com duplicação do trabalho pré vio sem que hou ¬

vesse saldos. Por sua vez, as espé cies que n ão possuem mecanismos para o auto-servi ço t ê m
vantagens e sã o seleccionadas, quer pelo homem quer pelo processo natural de sobreviv ê ncia.
A domestica çã o levada ao extremo produz « m á quinas de mat é ria orgâ nica» , como as galinhas
poedeiras ou as vacas leiteiras que mal se podem pô r de pé . Todo o trabalho de auto-serviço
destes organismos é proporcionado por novas vias controladas e dirigidas pelo homem a partir
de fontes de energia auxiliar. Na realidade, a energia para as batatas, a carne e as plantas
produzidas na agricultura intensiva prov é m em larga medida dos combustí veis fósseis e n ã o
tanto do Sol. Esta li çã o foi provavelmente esquecida na educa çã o do p ú blico em geral. Muitas
pessoas crê em que o grande progresso em mat éria de agricultura, por exemplo, se deve apenas
ao engenho do homem na produ çã o de novas variedades gen é ticas, sem embargo do emprego
de tais variedades estar ligado a enorme bombagem de energia auxiliar. Aqueles que tentam
melhorar a agricultura estrangeira sem proporcionar o trabalho auxiliar proveniente do sis¬
tema industrial não compreendem os fen ó menos da vida. As recomenda ções aos pa íses
subdesenvolvidos que se baseiam na experi ê ncia dos pa íses avan çados n ã o podem ser bem
sucedidas caso n ã o sejam acompanhadas de acesso a maiores fontes de energia auxiliar .. . (*).

Por outras palavras, os que julgam que podemos melhorar a produ ção dos
chamados «países subdesenvolvidos» enviando- lhes simplesmente sementes e alguns
«conselheiros agr í colas» sã o tragicamente ing é nuos! As culturas altamente selecciona -
das para a agricultura industrializada t ê m de ser acompanhadas pelos subsí dios de
combust í vel f óssil a que est ã o adaptadas! Para o expressar em termos concretos
de energia, calculou -se ( ver The World Food Problem , editado por I. L. Bennett e
H . L. Robinson , Vol. II. pp. 397-398) que a agricultura norte-americana utiliza uma
entrada anual de energia mecâ nica de 1 HP por hectare de terra ará vel em compa ¬
ração com cerca de 0, 1 HP por hectare na Ásia e Á frica. Os E. U. produzem cerca de
tr ê s vezes mais alimentos por hectare do que a Ásia e a África (ver Quadro 3-9) , mas
à custa de um gasto 10 vezes superior de energia auxiliar dispendiosa que, possivel ¬
mente, os «paí ses subdesenvolvidos» n ão podem permitir-se utilizar perante as con ¬
dições econ ómicas que ali ocorrem ! Na Figura 15-2 podem ver-se rela ções estimadas
entre a produ çã o de alimento e correntes de energia auxiliar de trabalho, enquanto
que na Figura 10-7 C - E sã o comparados modelos quantitativos de corrente de energia
para agriculturas nã o subsidiadas e subsidiadas.
Há ainda um outro ponto importante a considerar relativamente ao conceito
geral de subs ídio de energia. Um factor que sob um dado conjunto de condi ções
ambientais actua como um subs ídio, no sentido de refor çar a produtividade , pode
actuar face a outro conjunto de condi ções como drenagem de energia que reduz
a produtividade . Assim, a evapotranspira çã o pode constituir nos climas secos uma
tensã o energ é tica, embora um subsí dio de energia nos climas h midos (ver H. T .
Odum e Pigeon, 1970 ). Os sistemas de água corrente , como o manancial da Flo¬
rida que figura no Quadro 3-5, tendem a ser mais fé rteis que os de água parada,
não o sendo por é m se a corrente for demasiado abrasiva ou irregular. As suaves
subida e descida das mar é s num pâ ntano marinho, num estu á rio de mangai ou num
recife de coral contribuem enormemente para a alta produtividade das respectivas
comunidades , por é m , as águas que batem contra um litoral rochoso no norte,
sujeito ao gelo no Inverno e ao calor no Ver ã o, poderã o constituir uma enorme
perda de energia. Mesmo na agricultura , as tentativas do homem para ajudar a na¬
tureza t ê m muitas vezes efeitos contraproducentes. Assim , o lavrar a terra ajuda no
Ecology teds.
(*) De Odum , H . T., 1967, The Marine Systems of Texas, em Pollution and Marine
T . A . Olson F.
e J . Burgess ) , p . 143. John Wiley & Sons.
72

norte embora nã o no sul, onde a rá pida lixivia çã o de elementos nutritivos e a perda


de mat é ria orgâ nica da í resultantes podem afectar gravemente as culturas seguin ¬
tes. É significativo que os agricultores estejam agora a considerar seriamente m é ¬

todos de cultivo «sem lavrar», uma tend ê ncia bem- vinda para uma filosofia de
« modelo com a natureza e nã o contra ela». Finalmente , alguns tipos de polui ção,
tal como esgotos tratados, podem actuar como um subsí dio ou como um factor
negativo, conforme a velocidade e a periodicidade da respectiva entrada ( ver Figura
16-2). Os esgotos tratados lançados num ecossistema a uma velocidade constante,
embora moderada, podem aumentar a produtividade , ao passo que um descarregamento
maçico a intervalos irregulares pode chegar a destruir quase completamente o sistema
como entidade biol ógica. Haverá mais a dizer no Cap í tulo 9 sobre o conceito de
«estabilidade da pulsa ção».
Do Quadro 3-5 consta uma sequ ê ncia de ecossistemas seleccionados, de sis¬
temas de r á pido crescimento, tipo cultura, de um lado, a sistemas maduros de estado
constante, do outro. Esta disposição p õe em relevo diversos pontos importantes sobre as
rela ções entre as produ ções bruta, prim á ria l í quida e l í quida da comunidade. Os sis ¬
temas de r á pido crescimento ou de «tipo floração» ( isto é, de produ ção rápida por
curtos intervalos de tempo), como o campo de luzerna, tendem a ter uma produ ¬
ção primá ria lí quida elevada e , se estiverem protegidos dos consumidores, uma alta
produ ção l í quida da comunidade. Uma respiraçã o heterotrófica reduzida pode resul ¬
tar, por certo, quer de mecanismos evolucionados de autoprotecção (insecticidas sist é¬
micos naturais ou produ ção de celulose , por exemplo) ou de ajuda exterior em
termos de subsí dios de energia, como já foi assinalado . Nas comunidades de estado
constante , a produ ção primá ria bruta tende a dissipar-se totalmente pela acção combi¬
nada das respira ções autotr ófica e heterotr ófica, pelo que h á pouca ou nenhuma
produ ção l í quida da comunidade no final do ciclo anual. Alé m disso, as comunidades
de grandes biomassas ou «exist ê ncias em pé», como é o caso da floresta tropical
h mida, requerem tanta respira ção autotró fica para a sua manuten ção que tendem a
possuir uma razão PPL/ PPB baixa ( Quadro 3-5). Na realidade , é dif í cil, sen ão im ¬
possí vel , distinguir por medi çã o, e em ecossistemas como as florestas, entre respira¬
ção autotr ófica e heterotr ófica. Assim , o consumo de oxig é nio ou a produ çã o de
C02 de um grande tronco ou sistema radicular de uma á rvore são devidos tanto
à respira ção de microrganismos associados ( muitos dos quais são ben é ficos para a
á rvore ) como aos tecidos vegetais vivos. Em consequ ê ncia, as estimativas da respi ¬
ração autotr ófica e, portanto, a estimativa da produ ção prim á ria l í quida, obtida
subtraindo RA da PPB, apenas constituem, no caso das comunidades terrestres que
figuram no Quadro 3-5, aproxima ções grosseiras com maior valor te órico do que
prático. Este ponto precisa ser real çado, já que uma sé rie de trabalhos de s íntese
sobre produ ção primária publicados nos anos sessenta ( ver, por exemplo, Westlake,
1963 ou Lieth , 1964) comparam todos os tipos de comunidades, desde comunidades
73

aqu áticas de pequena biomassa a matas de biomassa elevada, com base na produ ¬
ção primá ria l í quida quando, na realidade, era a produ ção l íquida da comunidade
(isto é, a acumula ção de mat é ria seca na comunidade ) o que se estava a comparar.
A rela ção global entre as produ ções bruta e l í quida pode porventura expli ¬
car-se com a ajuda dos modelos gr áficos constantes da Figura 3-2. Tais diagramas
baseiam-se em estudos sobre culturas, embora se creia que os princí pios são igual ¬
mente aplicáveis aos ecossistemas naturais. O í ndice de á rea foliar , marcado na
Figura 3-2 4 no eixo das abcissas, pode considerar -se como uma medida da bio ¬

massa fotossinté tica. A produ ção líquida máxima obté m-se quando o í ndice de á rea
foliar é aproximadamente 4 (isto é, quando a superfície foliar exposta ao sol é
igual a 4 vezes a superf ície do solo), ao passo que a produ ção bruta máxima é
alcan çada quando o í ndice de área foliar atinge de 8 a 10, o n ível que ocorre
nas florestas maduras (ver Quadro 14-6, página 602 ). Nos n í veis superiores a produ ção
líquida é reduzida por motivo das perdas por respira çã o necessá rias à manuten çã o
do grande volume de folhas e de tecidos de suporte . Na Figura 3-2 B observa-se
que a máxima produ çã o de gr ão ocorre, no per íodo vegetativo, numa fase mais
tempor ã do que o m áximo da produ çã o liquida total (acumulaçã o de mat é ria seca) .
Em anos recentes, tem-se verificado uma not á vel melhoria no rendimento das cul-

Figura 3-2. Modelos de produtividade para cultu ¬


ras, ilustrando que a produ çã o m á xima de partes
comest í veis n ã o coincide com a produ çã o total m á ¬
FLORESTA MADURA xima da planta completa . A. Rela çõ es entre produ ¬

O IO çã o prim á ria bruta ( PPB ) e produ çã o prim á ria l í ¬


A Í NDICE DE Á REA FOLIAR - cm 2 / cm 2 quida ( PPL) com o aumento do í ndice de á rea foliar
'

( cent í metros quadrados de superf í cie foliar exposta


à luz por cent í metro quadrado da superf í cie do solo ).
Ver texto para explica çã o da compara çã o com a flo ¬
resta madura . ( De Monteith , 1965; segundo Black ,
1963 . ) B. Efeitos da duraçã o do per í odo vegetativo
na produ çã o de grã o e de mat é ria seca total ( grã o e
palha ) no arroz , acima do solo. ( Segundo Best , 1962.)

B PER Í ODO DE VIDA EM MESES


74

turas em consequê ncia da aten çã o dada à «estrutura da colheita », que envolve a


selecçã o dç variedades que nã o só possuem elevadas rela ções «gr ã o- palha», mas
també m t ê m uma r á pida folia ção at é ao í ndice de á rea foliar 4 e nele permanecem
at é à colheita, no preciso momento em que ocorre o m áximo armazenamento de
alimento ( ver Lqomis et al., 1967; Army e Greer, 1967). Uma tal selecçã o artificial
n ão aumenta necessariamente a produ ção total de maté ria seca de toda a planta;
redistribui principalmente a produ çã o de tal modo que se converte em gr ã o um
maior quantitativo e um menor em folhas, caules e raí zes ( ver Quadro 8- 4).
Pode dizer-se, em resumo, que a natureza maximiza para a produção bruta,
ao passo que o homem maximiza para a produ ção líquida. As razões pelas quais
as estrat égias da natureza e do homem diferem desta maneira e o que isto signi ¬
fica, em termos da teoria do desenvolvimento do ecossistema e uso da terra pelo
homem , serã o objecto de discussã o pormenorizada no Capí tulo 9. É possí vel que
a Figura 3-2 venha a ser um dos modelos mais importantes ( em termos de signi ¬
ficado para o homem) deste livro; dever á por isso ser cuidadosamente considerada !
Chegou-se a um ponto em que se pode relacionar os princí pios dos ciclos
biogeoqu í micos, tal como se encontram delineados no Capí tulo 4, com os princí¬
pios respeitantes à energia nos ecossistemas. O ponto importante é este : os mate ¬
riais circulam, ao passo que a energia nã o o faz. O azoto, f ósforo, carbono, água e
outros materiais, de que as coisas vivas se compõem, circulam através do sistema
de uma maneira variá vel e complicada. Por outro lado, a energia é utilizada uma só
vez por um dado organismo, é convertida em calor, e perde-se para o ecossistema.
Assim, h á um ciclo do azoto, o que significa que o azoto poder á circular vá rias
vezes entre entidades vivas e não vivas; poré m, n ão h á um ciclo de energia. A vida
continua o seu curso gra ças à constante entrada de energia solar vinda do exte¬
rior. A produtividade poder á prestar-se em ú ltima inst ância a uma medição caso
se possa medir a corrente de energia. Como se verá, isto n ão é fá cil de realizar
na prá tica.

Exemplos

O percurso da corrente de energia, à maneira de passos, atravé s de um ecos ¬


sistema é ilustrado pelo modelo hipot ético de um ecossistema de cultura de soja
apresentado no Quadro 3-6. No modelo supõe-se uma situa ção de estado constante
na qual não há perda nem ganho de mat é ria org â nica do solo no ciclo anual . As
culturas de plantas cultivadas em meios nutritivos líquidos ( populações microbianas
reduzidas) indicam que para seu pró prio uso ( isto é, respira ção da planta) é neces¬
sá rio um m í nimo de 25 por cento do que a mesma elabora. Calcula-se que as
bact é rias fixadoras de azoto nos n ódulos das raízes e os fungos micorrízicos asso-
75

ciados com a zona de absor ção do sistema radicular ( ver Capítulo 7 , página 371 )
carecem em adição de pelo menos 5 por cento. É importante salientar que a energia
requerida pelos microrganismos ben éficos que fixam o azoto e contribuem para o
transporte dos elementos nutritivos t ê m de provir dos hidratos de carbono produzi ¬
dos pela planta ( ver Allison, 1935). Portanto, esta respira ção microbiana é t ão
ú til e necessária como a dos tecidos da pr ó pria planta. Mesmo com um tratamento
intenso contra as pragas e as doen ças, outros 5 a 10 por cento da produ ção bruta
perder-se-ã o provavelmente para os insectos, nem átodos e microrganismos patog é nicos.
Isto deixa aproximadamente metade ( no m áximo 65 por cento) do total fotossinteti-
zado dispon í vel para os macroconsumidores, como o homem e seus animais domés ¬
ticos. Aproximadamente metade desta produ ção líquida da comunidade ( ou cerca de
um ter ço da produ ção bruta) est á sob forma de energia armazenada nas semen ¬
tes (grãos ) prontamente comest íveis e fáceis de colher. O homem pode, claro está,
optar entre colher a « palha» ou deixá-la no campo (como pode ver-se no Quadro
3-6) para conservar a estrutura do solo e proporcionar energia alimentar aos micror ¬
ganismos que vivem livremente, muitos dos quais podem fixar azoto ou realizar
qualquer outro trabalho ú til. Se o homem remove a totalidade da produ ção lí quida,

Quadro 3-6
Canalização da Energia da Produção Bruta num Ecossistema de Cultura de Soja
( Glycine max) : Balanço Anual Hipotético *

PERCENTAGEM DA PERCENTAGEM DA
FLUXO DE ENERGI PRODU ÇÃ O BRUTA PRODUÇÃO BRUTA
UTILIZADA REMANESCENTE

1. Respira çã o da planta 25
Produ ção prim á ria líquida teórica - 75
2. Microrganismos simbóticos ( bact é rias fixadoras de
azoto e fungos micorr í zicos f ) 5
Produ ção prim ária líquida deduzindo as necessida¬ _
des de simbiontes bené ficos 70
3. Nem á todos das raízes, insectos fitófagos e organis ¬
mos patogé nicos 5 tt -
Produ ção l íquida da comunidade deduzindo o con -
sumo prim ário m í nimo das « pestilê ncias» - 65
4. Vagens colhidas pelo homem (exportação) 32 -
Caules, folhas e raízes que permanecem no campo - 33
5. Mat é ria org â nica decomposta no solo e manta
morta 33
_
Acré scimo anual 0

* Reproduzido de Gorden , 1969.


t Fungos rautualistas que ajudam a absor çã o mineral pelas ra ízes ( ver página 368).
tf Percentagem baixa só possí vel com subsídio de energia facultado pelo homem ( combust í vel f ó ssil, trabalho
humano e / ou animal no cultivo, aplicaçã o de pesticidas, etc.).
76

isso terá o seu «custo» em termos de trabalho futuro necessário para restabele ¬
cer a fertilidade do solo. Igualmente, se o homem se esfor ça por eliminar todo o
consumo dos organismos heterotr óficos (excepto o seu pr óprio consumo) mediante a
utilização muito intensa de pesticidas de espectro amplo, corre o risco de promover
um «excesso de matança» que destruirá microrganismos tanto benéficos como noci ¬
vos (com a consequente perda de produ ção), e de se envenenar com a contaminação
da água e dos alimentos que utiliza.
Em resumo, o modelo do ecossistema de soja ilustra dois pontos importan ¬
tes. Em primeiro lugar, dado ser dif ícil traçar uma linha fixa entre a respiração
vegetal e a dos microrganismos associados, é dif ícil distinguir entre produção primá¬
ria l í quida e produ ção l í quida da comunidade . Como já se assinalou na secção ante ¬
rior , este ponto é particularmente relevante quando se consideram florestas ou outras
comunidades de grande biomassa, nas quais uma quantidade proporcionalmente
maior de energia vai para a respiração. Em segundo lugar, um consumidor « pru ¬
dente» como o homem não deverá contar com uma colheita maior do que um ter ço
da produ çã o bruta ou metade da produ ção líquida, a menos que esteja disposto a pagar
pelos substitutos de « mecanismos aut ónomos» que a natureza desenvolveu e na base
dos quais assegura a continuidade a longo prazo da produ ção primária l íquida nesta
biosfera.
A Figura 3-3 ilustra a distribuição vertical da produção primária e sua rela ção
com a biomassa. Neste diagrama, a floresta ( Figura 3-3A ), cujo tempo de renovação
( rela ção da biomassa com a produ çã o) se mede em anos, é comparada com o mar
(Figura 3-35), onde a renova çã o é medida em dias. Mesmo considerando apenas as
folhas verdes, que constituem de 1 a 5 por cento da biomassa vegetal total da floresta
(ver Figura 3-8 e també m a p ágina 602), como os « produtores» compar áveis ao fitoplâ nc¬
ton, ainda assim, o tempo de substituição seria maior na floresta. Nas águas costeiras
mais fé rteis a produção primá ria está concentrada mais ou menos nos 30 metros supe¬
riores, enquanto que nas águas inais claras mas mais pobres do mar alto a zona de
produ ção primária pode estender -se at é 100 metros de profundidade ou mais. Daqui
-
que as águas costeiras se apresentem de cor esverdeada escura e as do mar alto azuis.
Em todas as águas, o ponto máximo de fotossí ntese tende a ocorrer imediatamente
abaixo da superfície, dado o fitoplâ ncton circulante estar «adaptado à sombra» e tender
a ser inibido pela plena luz solar. Na floresta, onde as unidades fotossint éticas (isto é,
as folhas) est ão permanentemente fixas no espaço, as folhas das á rvores est ão adaptadas
ao sol, ao passo que as da vegeta ção dos andares inferiores est ão adaptadas à sombra
( ver Figura 3-5).
Tê m sido feitas vá rias tentativas para calcular a produtividade primária da
biosfera no seu conjunto ( ver Riley, 1944; Lieth, 1964). Constam do Quadro 3-7 estimati ¬
vas conservadoras da produtividade primária bruta dos tipos de ecossistemas principais,
estimativas em n ú meros redondos das áreas ocupadas por cada tipo e a produtividade
77

bruta total da superf ície terrestre e da água. Quando se observam os valores m é dios
avaliados para grandes á reas, vê-se que a produtividade varia cerca de duas ordens de
grandeza ( cêntuplo ), de 200 a 20000 kcal por m2 e por ano, e que a produção bruta
,
total da biosfera é da ordem das 10 s kcal por ano. O padrão geral de distribuiçã o da
produtividade mundial est á representado na Figura 3-4.
Uma parte muito grande do globo encontra-se na categoria de baixa produ ção,
uma vez que tanto a água ( nos desertos ou pradarias) como os elementos nutritivos
( no mar alto) são fortemente limitativos. Ainda que a área terrestre compreenda apenas
uma quarta parte da superf ície da Terra, provavelmente produz mais do que os mares
pela raz ão de ser essencialmente «deserto» uma grande parte dos oceanos. Se bem que

Quadro 3-7
Produção Primá ria Bruta Estimada ( numa Base Anual ) da Biosfera e Respectiva
Distribuição Entre os Principais Ecossistemas
PRODUTIVIDADE PRODUÇÃ O
ECOSSISTEMA PRIM Á RIA BRUTA
Á REA BRUTA TOTAL
( 106 KM 2 ) ( KCAL / M 2 / ANO) ( KCAL / M 2 / ANO )

Marinho *
Mar aberto 326,0 1000 32,6
Zonas costeiras 34,0 2 000 6,8
Zonas de mar é 0,4 6000 0,2
Estu á rios e recifes 2,0 20000 4,0
Subtotal 362, 4 - 43,6
Terrestre t
Desertos e tundras 40,0 200 0,8
Pradarias e prados 42,0 2 500 10, 5
Florestas secas 9, 4 2 500 2,4
Florestas boreais de con íferas 10,0 3 000 3,0
Terras cultivadas com pouca ou nenhuma
energia subsidiária 10.0 3000 3,0
Florestas temperadas h midas 4,9 8000 3,9
Agricultura subsidiada com combust í vel
( mecanizada) 4,0 12000 4 ,8
Florestas tropicais e subtropicais h midas
(sempreverdes de folhosas) 14,7 20000 29,0
Subtotal 135,0 - 57,4
Total para a biosfera ( não incluindo as capas
de gelo, e em n ú meros redondos) 500,0 2000 100,0

* Produtividade marinha estimada multiplicando por 10 os dados de Ryther ( 1969) da produ ção l íquida de
carbono para passar a kcal, duplicando seguidamente os valores assim obtidos para estimar a produ ção bruta,
e adicionando uma estimativa para os estu ários ( n ão inclu í da nos cálculos daquele autor ) ,
f Produtividade terrestre baseada nos dados de produ ção l í quida devidos a Lieth ( 1963), duplicados para os
sistemas de pequena biomassa e triplicados para os de biomassa elevada ( que t ê m respiração alta ) para efeitos
de estimativa da produtividade bruta. As florestas tropicais foram acrescentadas de acordo com estudos recen ¬
tes, e a agricultura industrializada ( subsidiada com combust í veis ) da Europa, Am é rica do Norte e Japão foi
separada da agricultura de subsist ê ncia, caracter ística da maior parte das terras cultivadas do mundo.
78

BIOMASSA g rrr 2
t . '
'
, '
. \A PRODUÇÃO PRIMáRIA LíQUIDA
2 1
gm '
ano "

ÁRVORES 6403

ARBUSTOS 158
&'ís§é c r%
;

ACIMA DO SOLO
796

61

ERVAS 2 2

RA Í ZES

JZ »
ARVORES 3325 NO SOLO
x.
4
73
260
TOTAIS 10194 I 196
A

PRODUÇÃO - kcal nv 3 dia ' 1

.05 0.I0 0.50 I.00

\
IO

X
20 ÁGUAS JUNTO À COSTA
/ PRODUÇÃO - 11 kcal m 2 dia
« 30 BIOMASSA - 40 kcal m 2
O
cc
uj 40 I
5
5 50 I
LU
LU
I ÁGUAS NO «ÔFFSHORE»
Q
< 60 / PRODUÇÃO - 1 kcal m 2 dia
BIOMASSA -2 kcal trr 2
1

Q /
5 70 /
z
£ /
o 80 /
DC

90
/
/
I 00 /
B

Figura 3- 3. Comparação da distribuição vertical da produçã o primá ria e da biomassa na floresta


( A ) e no mar ( B). Estes dados tamb ém põem em contraste a renovação r pida no mar (a razão B / P é de 2
a 4 dias nesta ilustração) com a renovação mais lenta na floresta ( a raz ã o B / P c de 9 anos ). ( A baseado .
em dados de Whittaker e Woodwell, 1969, para uma floresta jovem de pinheiro e carvalho; B, ba ¬

seado em dados de Currie, 1958, para a parte oriental do Atlântico Norte.)


'
79

a maricultura ( cultivo do mar) seja praticá vel nos estuá rios e ao largo das costas, a
«cultura» intensiva do mar aberto n ã o é provavelmente viá vel ( e poderia també m ser
perigosa em termos de equil í brio atmosf é rico; ver página 35 ).
Deverá observar-se que os lugares favorá veis de cada um dos tipos amplos de
ecossistema podem produzir o dobro ( ou mais ) dos valores m é dios indicados ( ver Qua¬
dro 3-5). Para todos os fins práticos, um n í vel de 50 000 kcal por m2 e ano pode consi¬
derar-se como o limite superior da fotossí ntese bruta. At é que se possa demonstrar, de
um modo concludente, que a conversão fotossint ética da energia da luz se pode alterar
substancialmente sem colocar em perigo o equil í brio de outros ciclos dos recursos
mais importantes para a vida, o homem deverá planear viver dentro deste limite .
A maior parte da agricultura encontra- se , numa base anual, a n íveis baixos, uma
vez que as culturas anuais s ó s ão produtivas durante menos de meio ano. A dupla
colheita, isto é, culturas que garantam a produ çã o ao longo do ano, poderá pro ¬
porcionar produ ções brutas que se aproximem das mais altas entre as comunidades
naturais. Recorde- se que a produ ção prim á ria l í quida andará em m édia por metade
da produtividade bruta e que a « produ çã o para o homem » das culturas andará por
uma ter ça parte ou menos da produtividade bruta. Al é m disso, como já foi assina ¬
lado, maximizar a produ çã o poder á na realidade reduzir a produ ção bruta.
Qualquer estimativa da produtividade total da biosfera feita at é 1970 s ó pode
representar uma aproxima çã o muito grosseira, porventura pouco mais do que uma boa
conjectura. N ã o s ó o n mero de medições é inadequado, mas també m os m étodos e as
unidades de medida utilizados sã o t ã o variá veis que é dif ícil converter os dados em
calorias, a « moeda de energia» comum . Espera- se, uma vez mais, que os estudos
estimulados pelo Programa Biol ógico Internacional possam mostrar at é que ponto a
estimativa de 1018 kcal se aproxima da realidade e at é onde poderá o homem aumentar
a produtividade total da biosfera sem conspurcar o seu espa ço vital .

DISTRIBUIÇÃ O MUNDIAL DA PRODUÇÃO PRIMÁRIA

INFERIOR A
103 kcal rrr 2 ano ' 1
INFERIOR A
0.5 05 -30 3 - IO I 0 - 25 05 -3.0 IO

PRADOS
PROFUNDOS
tS DE MONTANHA
AGRICULTURA

.NICIES DE AI
AGRICULTURA IK NSIVA SUBSIt

Figura 3-4. A distribui çã o mundial de produ çã o prim á ria em termos de produ çã o bruta anual (em
milhares de quilocalorias por metro quadrado) dos principais tipos de ecossistemas. Apenas uma pequena
parte da biosfera é naturalmente f é rtil. ( Segundo E. P. Odum , 1963. )
80

Na Parte 2 deste livro consideram -se dados adicionais sobre a produtividade de


ecossistemas específicos. Podem ser igualmente referenciados os resumos e simp ósios
bastante completos que se seguem: Produtividade marinha e aqu á tica Steemann -
- Nielsen, 1963; Goldman (ed . ), 1965; Raymont, 1966; Strickland , 1965; Ryther, 1969.
Produtividade terrestre Lieth , 1962 ; Westlake, 1963 ; Newbould , 1963; Woodwell e
Whittaker, 1968; Eckart (ed . ), 1968. Produtividade das culturas Hart ( ed . ), 1962 ;
Evans (ed . ), 1963; San Pietro et al. (eds.) , 1967. Algumas referê ncias bá sicas sobre
a teoria da produ ção incluem Lindeman , 1942 ; Ivlev, 1945 ; Macfadyen , 1949 ;
H. T . Odum, 1956, 1967a e 1971.
Um exemplo final , um balan ço energético para um ecossistema de pâ ntano de
espadana constante do Quadro 3-8, leva- nos a considerar novamente o ambiente
total da energia solar, já considerado na Secção 1 do presente cap í tulo. Conv é m
destacar uma vez mais que embora 1 por cento da radia çã o solar convertida pela fotos-
s í ntese se revista de interesse ecol ógico capital, já que suporta directamente a totalidade
da vida , a restante percentagem (99 por cento) da energia solar n ã o é «desperdi çada » ;
realiza o trabalho de propulsionar os ciclos hidrol ógico e mineral e de manter as
temperaturas ambientais dentro dos estreitos intervalos que podem ser tolerados pelo
protoplasma. Tais correntes de energia sã o t ão vitais para a sobrevivê ncia como o ali ¬
mento. Assim , antes de se trabalhar por uma «colheita do sol » substancialmente maior ,
é preciso n ão esquecer a primeira lei da termodin â mica ( a da conserva çã o da energia).
Desviar energia de uma via significa uma redu çã o da corrente em qualquer outra,
o que poder á ser ainda mais vital para a sobrevivê ncia do ecossistema.

Utilização da Produção Primá ria pelo Homem

A produ çã o primá ria , em termos de alimento para o homem , encontra-se sinte¬


tizada nos Quadros 3-9 e 3-10. No Quadro 3-9 comparam-se as produ ções e as estimativas
da produ çã o primá ria l í quida das principais culturas alimentares nos pa íses «desenvol ¬
vidos» e «subdesenvolvidos» com as m é dias mundiais. Um pa í s desenvolvido define -se
como aquele que conta com um produto nacional bruto ( PNB) per capita de mais
de $6000, normalmente mais de $1000 ( ver Revelle, 1966 ). Cerca de 30 por cento
de todos os seres humanos vivem nesses pa íses, que por outro lado tendem a ter uma
baixa taxa de crescimento da popula çã o ( aproximadamente de 1 por cento ao ano). Em
contraste , 65 por cento de toda a humanidade vive em pa íses subdesenvolvidos, que
t ê m um PNB per capita inferior a $300 0, como regra menor do que $100, bem como
(*) N . T . Actualizando para 1980 tem -se : pa í ses de baixo rendimento ( 2 174 000 000 pessoas ) $ 250 ; con
¬

junto dos pa í ses em desenvolvimento ( 3 328 000 000 pessoas ) $670; pa í ses de rendimento m é dio
importadores de petr ó leo ( 640 000 000 pessoas ) $ 1562 ; pa í ses industrializados ( 715 000 000 pes ¬
soas ) $ 10340 .
81

uma alta taxa de crescimento ( mais de 2 por cento ao ano). Como foi já assinalado,
os pa íses subdesenvolvidos t ê m uma produ ção de alimentos por hectare baixa dado
serem demasiado pobres para recorrer a subs í dios de energia. A divisão entre estas duas
parcelas da humanidade é muito pronunciada ( isto é , a distribui ção do PNB é fortemente
bimodal), já que s ó 5 por cento da popula ção humana vive no que se poderá designar
por « paí ses em transi çã o», com um PNB per capita que oscila entre $300 e $600 ( *)
( ver Quadro 1 em Revelle, 1966). O facto s é rio a enfrentar consiste em que a produ ção
mundial m é dia das culturas est á muito mais perto do limite inferior do que do superior ,
e que nos países subdesenvolvidos as produ ções n ão aumentam t ão depressa como
a popula ção. Por outro lado, admite-se agora serem geralmente as prote í nas, mais do
que as calorias, que tendem a limitar a dieta n ó mundo subdesenvolvido. Em condi ções
equivalentes, a produ ção de uma cultura rica em prote ína, como a soja, há- de ser sempre
necessariamente menor ( em termos do total de calorias) do que a de uma cultura de
hidratos de carbono, como a cana- de -a çú car ( comparar as mé dias destas duas culturas
constantes do Quadro 3-9). Deste ponto de vista, é interessante notar que a cana-de-
-açú car é com frequ ê ncia citada como o «campe ão» dos produtores de maté ria seca
entre as plantas cultivadas. Tê m sido registadas produções anuais até 75 toneladas de

Quadro 3-8
Balanço de Energia para um Pâ ntano de Tabua (Typha) *
ANO PER ODO VEGETATIVO

Radiação Total Radiação Total Radiação Visível

kcal / m2 Percentagem kcal/ m2 Percentagem kcal/ m2 Percentagem

Radiação Solar 1292 000 100 760000 100 379000 100


Fotossíntese ( bruta) 8400 0,6 8400 1,1 8400 2,2
Reflexão 439000 34,0 167000 22,0 11400 3,0
Evapotranspiração 413 000 32,0 292000 38.4 1
Condu ção-convecção
359000 94,8
431000 33,4 293 000 38.5 I
* Segundo Bray, 1962.

maté ria org ânica por hectare e ano (cerca de 26 000 kcal por m 2 e ano) no Hawai,
onde a cana se cultiva em ciclos de 8 anos, com três cortes antes da replantação
( Burr et al., 1957 ). O crescimento durante o ano inteiro a partir de um rizoma perene
é uma das raz ões de t ão altas produ ções; a baixa qualidade nutritiva do produto é outra.
As culturas anuais de alto valor proteico nã o terão possibilidades de alcançar um tal
«montante» de produtividade. Como já foi assinalado, a produ ção primária líquida diária
tende a ser menor nos climas quentes (e o teor de prote ína tende a reduzir-se), se bem
que a maior duração da estação de crescimento o possa compensar e com vantagem.

6
82

Parecerá pois conforme com o «senso comum ecológico» utilizar na agricultura tropical
plantas perenes e isto por duas razões: estas plantas podem aproveitar melhor as lon ¬
gas estações e o seu cultivo evita a excessiva lixiviação de nutrientes que ocorre em
consequ ê ncia das frequentes lavras e plantações necessárias ao cultivo nos tr ó picos
das culturas anuais convencionais. As produ ções sustentadas das culturas anuais

Quadro 3-9
Produções Anuais de Alimentos Comestíveis e Produção Primária Líquida Estimada
das Principais Culturas de Alimentos a Três N í veis: ( 1) Agricultura Subsidiada com
Combustível ( E.U.A ., Canad á, Europa ou Jap ão ); (2 ) Subsídio de Energia Escasso
ou Nulo (índia , Brasil, Indonésia ou Cuba );
e ( 3) Média Mundial
PRODU ÇÃ O PRIM Á RIA
PARTES COMESTÍ VEIS LÍ QUIDA ESTIMADA

Produção Taxa ,
Peso da Conte do de Matéria Período
Colheita * Calóricof Seca ff Vegetativo §
( kg / ha ) ( kcal / m2 ) ( kcal / m 2 ) ( kcallm2ldia )

Trigo Paí ses Baixos 4400 1450 4400 24,4


índia 900 300 900 5,0
Mé dia mundial 1300 430 1300 7,2
Milho - E. U. A. 4300 1510 4500 25,0
í ndia 1000 350 1 100 6,1
Média mundial 2 300 810 2 400 13,3
Arroz Japão 5100 1840 5500 30,6
Brasil 1600 580 1700 9,4
Mé dia mundial 2100 760 2 300 12 ,8
Batata E. U . A. 22 700 2 040 4100 22,8
í ndia 7 700 700 1400 7 ,8
M édia mundial 12 100 1090 2200 12,2
Batata doce e Inhame Japão 20000 1800 3 600 20,0
Indon ésia > 6 300 570 1100 6,1
Média mundial 8 300 750 1500 8,3
Soja Canad á 2 000 800 2 400 13,3
Indonésia 640 260 780 4,3
Média mundial 1200 480 1400 7 ,8
A çúcar Hawai de (cana) 11000 4070 12 200 67,8
Pa íses Baixos (de beterraba ) 6600 2440 7 300 40,6
Cuba (de cana ) 3 300 1220 3 700 20,6
Mé dia mundial ( todo o açú car:
beterraba e cana ) 3 300 1220

* Valor m é dio de 1962- 1966 compilado de «Production Yearbook», Vol. 21 ( 1966), F. A .O . , Nações Unidas ,
f Conversão, kcal/ g de peso colhido como se segue: Trigo, 3,3; Milho, 3,5; Arroz, 3,6; Soja, 4,0; Batata, 0,9;
A çú car em bruto, 3,7 ( ver USDA Agriculture Handbook N.° 8, 1963).
ff Estimada na base de 3 x a parte comest í vel para os grã os, a soja e o açú car , 2 x para a batata ( ver explicaçã o
no texto).
§ Estimado como sendo seis meses ( 180 dias) excepto para a cana de a çú car para a qual as produ ções são
calculadas para um per í odo vegetativo de 12 meses (365 dias).
83

requerem o gasto de uma grande quantidade de energia de trabalho para manter a


fertilidade do solo, como o homem aprendeu à custa de experiência na antiga arte
de cultivar o arroz.
O Quadro 3-10 A representa um modelo mais generalizado ( ver també m a Figura
15- 2, p ágina 656 ) de produ ção de alimento aos trê s n í veis que existem actualmente e ,
també m, a um n ível teórico que poderia ser obtido com uma cultura de algas suportada
por maci ços subsí dios de energia e dinheiro. A razã o pela qual essas altas produ ções
são teoricamente possí veis com algas e não, porventura, com plantas maiores est á em
que as plantas microscópicas devem requerer , para a sua pr ó pria respiraçã o, uma parte
mais pequena da produ ção bruta. Contudo, o custo da maquinaria e do combustí vel
necessá rios para fazer funcionar um tal sistema de algas é t ão elevado que é duvidoso
se uma tal agricultura terá qualquer valor líquido, excepto, talvez, em extensão
limitada nas áreas urbanas muito populosas, onde não há espa ço para as culturas
correntes.
Por volta de 1967, a estimativa da populaçã o humana mundial era de 3,5xl09
pessoas, requerendo cada uma cerca de 106 kcal por ano, o que conduz a um total de
Quadro 3-10
Colheita de Alimento ( Produção ) para o Homem
A. POR ÇÃ O COMESTÍ VEL DA PRODU ÇÃ O PRIM Á RIA LÍQUIDA POR UNIDADE DE ÁREA

kg de Matéria
N ível de Agricultura Seca / ha / ano kcal / m 2lano

Cultura de recolha de alimentos 0,4 - 20 0,2 - 10


Agricultura sem subsídio de energia
(combust í vel) 50 - 2 000 25 - 1000
Agricultura de grã os com subsídio de
energia * 2 000 - 20 000 1000 - 10 000
Cultivo te órico de algas com subs ídio
de energia 20000 - 80000 10000 - 40 000
B. TOTAL PARA A BIOSFERA, REFERIDO A 1967 (xlO 12 kcal/ ano) f

Oceano Terra Total

Plantas 0,06 4 200 4200,06


Animais 59,20 1094 . 1153,20
Totais 59,26 5 294 tt 5 353, 26

* 0 trabalho do fluxo de energia auxiliar de combust í vel fóssil ( ou qualquer outra entrada proveniente do
exterior) iguala, pelo menos, o valor cal órico da colheita ( ver H , T. Odum, 1967a e Giles, 1967).
f Estimativas baseadas em Emery e Iselin ( 1967). Os , seus «milh ões de toneladas de peso h ú mido» foram
convertidos para 1012 kcal multiplicando por 2 ( 1 grama de peso h mido = 2 kcal, aproximadamente; ver
Quadro 3- 1 ).
ff Uma vez que aproximadamente 10 por cento de áreá terrestre da biosfera é terra de cultivo e pastagem ,
o total de alimento de 5, 3 x 1015 kcal prov é m de um total de 40 x 1012 m 2 de terra agricultada , ou cerca de
140 kcal /jn 2 / ano, do qual cerca de um quinto é produ ção secund á ria ( origem animal ).
84

3,5xl 015 kcal de energia alimentar necessá rio para suportar a « biomassa » humana. Do
Quadro 3-10S consta a origem das 5,3xl015 kcal de alimentos que se calculou haverem
sido colhidos para suporte do consumo humano em 1967. Esta colheita representa
cerca de 1 por cento da produ ção prim ária l íquida da biosfera, ou 0,5 por cento da pro¬
du çã o prim ária bruta ( como est á calculado no Quadro 3-7). Embora possa parecer que
o homem ainda não está a provocar uma quebra muito grande na capacidade fotos-
sint é tica da Terra, há muito mais a considerar para al é m da mera quantidade de
alimento tomado pelo próprio homem . Por exemplo, que dizer das necessidades
alimentares da enorme população de animais dom é sticos ( vacas, porcos, cavalos, aves
domé sticas , ovelhas, etc.), a maioria dos quais s ão consumidores directos de produ çã o
prim ária, não s ó das terras agricultadas mas tamb é m das áreas « silvestres» ( pastagens,
florestas, etc.)? Em termos de necessidades alimentares, o armentio mundial vale
cerca de cinco vezes a população dos seres humanos ( ver Borgstrom, 1965, para uma
explicação do conceito de « popula ção equivalente do gado»). Assim , o homem e
seus animais domé sticos já consomem pelo menos 6 por cento da produ ção líquida
de toda a biosfera, ou pelo menos 12 por cento da que se produz na parte terrestre.
O homem també m consome enormes quantidades de produ ção prim á ria na forma
de fibras ( madeira, papel, algod ão, etc.), de modo que na realidade é muito pequena
a superfície da Terra da qual o homem n ão colhe qualquer coisa, nem que seja um
peixe ocasional ou uma vara de lenho.
Segundo Borgstrom (1965), a relação entre a « populaçã o equivalente » do gado
e do homem varia de 43 para 1 na Nova Zelândia a 0,6 para 1 no Japão, onde em
grande parte o pescado substitui na dieta a carne terrestre . Será de dizer que a ecologia
geral da paisagem, para nã o mencionar a cultura e a economia, é determinada pela
ovelha na Nova Zelândia e pelo peixe no Japão! Em amplas áreas dos EUA a ecologia
da paisagem é caracterizada pelo gado bovino!
Considerando o impacto do homem sobre a biosfera por outro prisma, a sua
densidade é actualmente de cerca de, uma pessoa por 4 hectares ( dez acres) de superfície
terrestre ( isto é, de 3,5xl09 pessoas em 14,0xl 09 hectares de terra). Quando se adicio¬
na os animais dom é sticos, a densidade é de um equivalente de população por cerca de
0,7 hectares (isto é, 18,2xl09 equivalentes de população em 14,0xl 09 hectares de terra).
Isto representa menos de 0,7 hectares por cada ser humano e por cada animal domé s ¬
tico consumidor do tamanho de um homem! Se a população duplicar no próximo
s é culo e caso se queira continuar a comer e a utilizar animais, ent ão, só haverá aproxi-
madamente 0,4 ha para satisfazer todas as necessidades ( água, oxig é nio, minerais, fibras,
espaço vital, tal como alimento) por cada consumidor de 50 kg , e isto sem incluir os
animais de estimação e a vida selvagem que tanto contribuem para a qualidade da
vida humana!
A base ecol ógica da actual crise mundial de alimento e de população voltar á a ser
considerada na Parte 3, poré m, a situação est á a tornar - se rapidamente t ão cr ítica que
85

merece uma apreciação preliminar com base nos princí pios e nos dados examinados
neste capítulo. Os pontos seguintes merecem uma imediata e s é ria reflexão:
1. O p ú blico, tal como muitos especialistas profissionais, foram induzidos em
erro por uma contabilidade agrícola incompleta que n ão incluiu os subsídios de energia
e o custo para a sociedade da poluição ambiental que acompanha for çosamente o em ¬
prego em grande escala de maquinaria, fertilizantes, pesticidas, herbicidas e outros
produtos qu ímicos potentes ( ver Figura 15-2, página 656).
2. Não mais de 24 por cento da terra é verdadeiramente laborável no sentido
de que tem condições favoráveis para a agricultura intensiva (ver relat ório sobre The
World Food Problem citado mais abaixo). A irrigação de extensas áreas de terras
secas e o cultivo do mar requereriam grandes investimentos e teriam efeitos a prazo
sobre os equilíbrios do clima global e da atmosfera, sem garantia de que algum
destes efeitos possa não ser desastroso.
3. O impacto global das necessidades dos animais dom é sticos e do homem em
mat é ria de proteínas animais tem sido subestimado.
4. Como foi assinalado por Ehrlich e Ehrlich (1970), as nações subdesenvol ¬

vidas converter-se-ão nas nações que «nunca chegar ão a desenvolver -se» a não ser que
a taxa de crescimento da população seja grandemente reduzida. Por outro lado, a quali ¬

dade de vida vê-se ameaçada nos países desenvolvidos por um excesso de riqueza que
conduz à poluição, ao crime e a uma população crescente de gente «subdesenvolvida»
e indigente dentro das suas próprias fronteiras. Assim, deverá haver uma estrat égia
global simult â nea, com o objectivo de nivelar o crescimento da população em todo o
mundo, embora em especial no mundo subdesenvolvido e , ao mesmo tempo, de nivelar
o consumo per capita e ehcaminhar uma maior parte do PNB para a reciclagem dos
recursos e para outras estrat égias que mantenham a qualidade do ambiente no
mundo desenvolvido.
-
5. Está a tornar se cada vez mais evidente que a densidade de população óptima
para o homem deverá ajustar-se à qualidade do espaço vital (isto é, ao «labenraum»)
e não às calorias alimentares. O mundo pode alimentar bastante mais «corpos quentes»
do que pode manter seres humanos de qualidade tendo uma oportunidade razoável de
liberdade e de procura de felicidade. Kenneth Boulding (1966), um economista, formulou
o que se pode considerar um excelente enunciado ecológico da situação, como se segue :
«a principal medida de êxito da economia n ão está na produ ção e no consumo de qual¬
quer forma, mas sim na natureza, extensão, qualidade e complexidade da exist ê ncia
em capital total, nele incluindo o estado do corpo e da mente humanos compreendidos
no sistema». Assim sendo, n ão deveria o homem, à semelhança da natureza, visar a
máxima qualidade e diversidade da «biomassa» em vez da máxima produtividade e con¬
sumo como tais ?
São especialmente recomend áveis tr ê s livros e monografias pela sua profunda
análise , de sentido ecol ógico, da acção real do homem sobre a produtividade da bios-
86

fera, a saber : The Hungty Planet, de Borgstrom ( 1965); The World Food Problem, relat ó rio
em tr ê s volumes do Painel sobre o Abastecimento Mundial de Alimento, do Comit é
Cient ífico Assessor do Presidente, Casa Branca ( 1967) (dispon í vel no Superintendente
de Documentos, Washington , D. C.); e Population Resources and Environment ; Issues
in Human Ecology de Ehrlich e Ehrlich (1970).

Medição da Produtividade Primária

Dada a sua grande import â ncia, dever á prestar -se um pouco de aten çã o aos
mé todos de mediçã o da produtividade nos sistemas ecológicos, ainda que o exame
detalhado dos m é todos saia fora do â mbito deste texto. Como já se indicou , a forma
ideal de medir a produtividade] consistiria em medir o fluxo da energia atrav é s do
sistema; por é m, isso tem-se revelado dif í cil de realizar. A maioria das medições
tem- se baseado em dada quantidade indirecta, como por exemplo a quantidade de
subst â ncia produzida, a quantidade de mat é ria- prima utilizada , ou a quantidade de
produto secund á rio libertado. Um ponto a destacar é o de que nenhum dos diversos
m é todos seguidamente apresentados mede exactamente o mesmo aspecto do com ¬
plexo processo do metabolismo autotr ó fico- heterotrófico. A equaçã o simplificada
para a fotoss í ntese apresentada no Capí tulo 1 faculta a reacçã o conjunta que se pro¬
cessa durante a produ ção de hidratos de carbono a partir de mat é rias- primas, como
resultado da actuação da energia da luz atravé s da clorofila. Uma vez que a maior
parte dos tipos de produ çã o na natureza d ã o como resultado novo protoplasma , a
seguinte equação é uma equação mais ampla da produtividade:

1 300 000 cal de energia da radia ção + 106 CO 2 + 90 H 20 + 16 NO3 + 1 P04 + elementos minerais

*
'
igual a

13 000 cal de energia potencial em 3258 g de protoplasma ( 106 C , 180 H , 46 O , 16 N , 1 P , 815 g de


cinza mineral ) + 154 02 + 1 287 000 cal de energia dispersa em forma de calor ( 99 %) .

Esta equação está baseada nas proporções de elementos contidos no pro ¬

toplasma e no teor de energia do mesmo (Sverdrup et al., 1942 ; Clarke, 1948).


É evidente que a produtividade pode ser medida, pelo menos teoricamente, deter ¬
minando a quantidade de qualquer dos elementos indicados durante 0 per í odo de
tempo em que a medi çã o est á a ser executada. As equa çõ es deste tipo podem
servir para converter (e comprovar uma com a outra) as medi ções de produtividade
em unidades de utiliza çã o de energia, de di ó xido de carbono, utiliza ção de nitrato
ou fosfato, peso de protoplasma ( ou a quantidade de carbono posta em forma de
87

alimento) e da quantidade de oxig é nio empregada . Isto é a teoria; vejamos agora a


pr á tica da mediçã o.
Uma das maiores dificuldades na determinação da produtividade de um dado
sistema ecol ógico consiste em saber se o sistema se encontra ou n ã o em equil í brio
din â mico ou num estado est á vel. Num «estado est á vel», as entradas compensam as
sa ídas de mat é ria e energia. A taxa de produ ção est á em equil í brio com o abasteci ¬
mento ou o ritmo de entrada do constituinte limitante m í nimo ( noutros termos,
aplica- se a lei do m í nimo; ver Capítulo 5). Por exemplo, admita- se que o di óxido
de carbono era, num lago, o principal factor limitante, e que a produtividade estava
portanto em equil í brio com a taxa de abastecimento de di óxido de carbono prove ¬
niente da decomposi çã o da mat é ria orgâ nica. Deverá supor -se que a luz, o azoto, o
fósforo, etc., estavam dispon í veis, neste equil í brio de estado constante, em quanti ¬
dades superiores à s necessá rias ( e n ã o constitu í am por isso e no momento factores
limitantes). Se uma tempestade trouxer ao lago mais dióxido de carbono, a intensi ¬
dade de produ çã o poder á mudar , e tornar - se dependente també m de outros factores.
Enquanto ocorre altera çã o no ritmo nã o h á estado est ável nem constituinte m í nimo;
em vez disso, a reacção depende da concentra ção de todos os constituintes presentes,
que neste per íodo transit ório variam de acordo com a taxa à qual vai sendo adicionado
o menos abundante. A taxa de produ ção poder á alterar- se rapidamente à medida que
diversos constituintes vã o sendo utilizados at é que algum deles, porventura nova ¬
mente o di óxido de carbono, se torne limitante, e o sistema possa voltar a funcionar
a uma taxa regida pela lei do m í nimo. Na maior parte dos sistemas naturais o ritmo
de produ çã o passa de um equil í brio de estado est á vel tempor á rio a outro, em con ¬
sequ ê ncia das altera çõ es imp õstas ao sistema do exterior.
Alguns dos m étodos efectivos utilizados para medir a produtividade podem ser
sumariamente resumidos como se segue :
1. O MéTODO DA COLHEITA. Em situaçõ es em que os animais herb í voros
nã o são importantes e em que o estado est á vel nunca é alcan çado, pode utilizar -se
o m é todo da colheita. Esta é a situa ção corrente no caso das culturas agr ícolas que
envolvem espécies anuais, uma vez que se fazem esfor ços para evitar que insectos ou
outros animais removam material, e em que o ritmo de produ çã o parte de zero, na altura
da sementeira, e atinge o máximo no momento da colheita. Pesar o material ( cresci¬
mento) produzido pelas plantas cultivadas e determinar o valor cal órico da colheita
constitui um m étodo directo; a produtividade das colheitas, tal como se indica no
Quadro 3-9, foi determinada desta forma. O m étodo da colheita pode també m utili ¬
zar-se em situações terrestres não cultivadas em que predominam as plantas anuais,
como num campo de ambr ósia, ou noutras fases iniciais do desenvolvimento da nova
vegeta ção nos campos agrí colas abandonados, ou onde as plantas são sujeitas a consumo
pequeno at é ao completo crescimento. Nestes casos, é preferível colher amostras das
culturas intervaladas ao longo da estação de crescimento do que contar apenas com o
88

resultado da colheita final, dado haver, como regra, uma sucessão de espé cies anuais
a alcançar a maturidade e a morrer ao longo da esta ção ( ver Penfound , 1956; E. P. Odum,
1960). Pode recorrer-se a colheitas ú nicas para se chegar à produção líquida em florestas
novas ou em plantações florestais industriais (ver Ovington, 1957, 1962). Os m étodos de
colheita não poderão ser utilizados onde o alimento produzido vá sendo removido à
medida que é produzido, como acontece em muitas comunidades naturais Se os consu ¬
midores são animais grandes, de ciclo de vida longo, pode determinar-se a produtivi¬
dade em tais casos colhendo os consumidores, que vão removendo o alimento a ritmo
constante, e procedendo depois à estimativa da produtividade primária a partir da
produtividade secund ária. Um mé todo desta natureza é, certamente , utilizado com
frequ ê ncia pelos criadores de gado ou pelos que procedem ao ordenamento do pas¬
toreio. A produtividade de uma pastagem invernal do Oeste americano poderá ser
expressa em termos do n ú mero de cabeças de gado suscept ível de ser mantido por
tantos hectares (ou o n ú mero de hectares por « unidade animal» ). Já foram assina¬
ladas as possíveis causas de erro ligadas a este m étodo. Uma vez que o alimento
utilizado pelas próprias plantas, e microrganismos e animais associados, n ão é inclu ído,
o método da colheita mede sempre a produçã o líquida da comunidade. Se o consumo
pelos animais puder ser calculado, ent ã o, é possível obter uma estimativa da produ¬
ção primária líquida adicionando uma correcção ( ver Woodwell e Whittaker, 1968).
2. MEDIçã O DO OXIG éNIO. Dado existir uma equivalê ncia definida entre
o oxigénio e o alimento produzido, a produção de oxigénio pode constituir uma base
para determinar a produtividade . Contudo, na maior parte das situa ções os animais e as
bacté rias ( tal como as próprias plantas) utilizam rapidamente o oxig é nio; e há, frequen ¬
temente, uma troca de gás com outros ambientes. O método de medi ção, em situações
aquáticas, da produ ção de oxig é nio das «garrafas clara e escura», e de avaliar deste
modo a produ ção primária, já foi descrito no Capí tulo 2 (ver página 19 ). A soma de
oxig é nio produzido na garrafa clara e do oxig é nio gasto na garrafa escura constitui a
produ çã o total de oxig é nio, proporcionando assim uma estimativa da produ ção primária
com uma conversão apropriada para calorias (ver Quadro 3-1). Caso a respiração, tanto
das plantas como das bact é rias, possa diferir à luz e na obscuridade, será introduzida
uma causa de erro, já que se supõe que a respiração na garrafa escura é igual à respira ¬
ção na garrafa clara (onde , na verdade, n ão é possível distinguir entre a respiração e a
produ çã o). Adicionando um isótopo pesado de oxig é nio, que se pode distinguir do
oxig é nio vulgar, Brown (1953 ) descobriu que o is ótopo pesado era utilizado à mesma
velocidade, pelo menos durante um certo n ú mero de horas, tanto na obscuridade
como à luz, indicando portanto que a respiração era a mesma nas garrafas clara e
escura durante experiê ncias de pouca duração. Contudo, pesquisas mais recentes t ê m
mostrado que para muitas plantas a respira çã o nã o é a mesma na ausê ncia e na
presen ça da luz. Não obstante , o «método das garrafas clara e escura », de que Gaar-
der e Gran foram os pioneiros em 1927, é largamente utilizado em meios tanto
89

mar ítimos como de água doce. O oxig é nio dissolvido é medido por titula ção pelo
m étodo de Winkler, ou electronicamente por um dos diversos tipos de el é ctrodos de
oxig é nio, estando uma dada experiê ncia limitada a um ciclo de 24 horas ou menos .
A combina çã o das garrafas clara e escura mede a produ çã o primá ria bruta e a garrafa
clara mede a produção lí quida da comunidade de qualquer parte da comunidade que
se encontre na garrafa. O mé todo não mede, obviamente, o metabolismo da parte
da comunidade que se encontra no fundo; por outro lado, os efeitos de fechar a
comunidade numa garrafa n ão foram claramente delimitados. O emprego de grandes
esferas de pl ástico, em vez de pequenas garrafas de vidro, reduz a razã o da superf í cie
interior com o volume e presume- se que reduz o efeito do desenvolvimento bacte-
riano na superf í cie ( ver Antia, McAllister, Parsons e Strickland , 1963).
A produ ção de oxig é nio tamb é m pode medir-se em certos ecossistemas aqu á ¬

ticos pelo « mé todo da curva diurna». Nestes casos as medições do oxig é nio dissolvido na
água livre efectuam-se a intervalos durante o dia e a noite, pelo que a produ ção do
oxig é nio durante o dia e o seu consumo durante a noite podem ser estimados deter ¬
minando a á rea sob as curvas diurnas. Este m é todo aplica-se particularmente aos sistemas
de água corrente, como os rios ou estu ários (H. T . Odum, 1956), e é especialmente ú til
quando se trata de águas polu ídas (Copeland e Dorris, 1962, 1964; H. T. Odum, 1960).
Se o oxig é nio se difunde a uma velocidade apreciá vel para fora da massa de água ou da
atmosfera para esta, introduz-se um factor de erro; contudo, podem ser feitas correcções
razoá veis uma vez que a difusão depende de leis físicas bem definidas. O « mé todo
da curva diurna» mede a produção primária bruta , já que o oxig é nio consumido durante
a noite se adiciona ao produzido durante o dia ( incluindo assim automaticamente a
respira ção de toda a comunidade ). Encontram-se instru ções para a análise das curvas
diurnas de oxig é nio em H. T . Odum e Hoskins (1958) e H . T. Odum (1960).
Em situações particulares, como a dos lagos profundos temperados, a produti ¬
vidade tem sido medida por uma espé cie de procedimento inverso, isto é , por medi çã o
da velocidade de desaparecimento do oxig é nio nas águas profundas (hipolimnion) , que
n ão produzem oxig é nio nem estão em circulaçã o com as águas superiores durante a
maior parte da estação ( Ver ã o) de produ ção ( ver Cap í tulo 11). Assim, quanto maior é
a produ ção nas águas superiores, águas iluminadas (epilimnion), maior quantidade de
células, corpos, excrementos e outra mat é ria morta cai no fundo, onde é decomposta
por acçã o das bact é rias e dos fungos com a utiliza ção de oxig é nio. A intensidade da
redu çã o de oxig é nio é, assim, proporcional à produtividade. Uma vez que a decompo ¬

si ção tanto das plantas como dos animais consome oxig é nio, o «mé todo hipolimné-
tico» mede a produção líquida de toda a comunidade ( isto é, tanto a produ çã o prim ária
como a secund ária) do epilimnion . Edmondson e seus colaboradores (1968) utilizaram
largamente este m é todo no acompanhamento das altera ções de produtividade que
ocorreram durante um per íodo de anos no Lago Washington, um lago grande no
centro da cidade de Seattle . Este lago é examinado detalhadamente no Cap í tulo 16
90

como um caso clássico de eutroficação cultural. Espé cies de peixes que requerem um
ambiente de água fria como, por exemplo, o «cisco» da regiã o dos Grandes Lagos,
apenas podem viver em lagos relativamente improdutivos onde as águas frias do
fundo n ão ficam exauridas de oxig é nio durante o Verão.
3. MéTODOS DO DIóXIDO DE CARBONO. Nas situações terrestres é mais
pr ático medir as altera ções de C02 do que as de 02. Os fisiologistas das plantas utili ¬

zam de há muito a absor ção de C 02 para medir a fotoss í ntese em folhas ou plantas
isoladas, ao passo que cientistas dedicados às culturas agrí colas e ecologistas t ê m
feito diversas tentativas para medir a produ ção em comunidades inteiras, intactas,
fechando-as numa câ mara transparente, a come çar pelas experi ê ncias pioneiras de
Transeau (1926). Coloca-se sobre a comunidade um jarro grande de campâ nula ou
uma caixa ou tenda de plástico ( ver Figura 2-55, página 26 ); extrai-se o ar atrav é s do
invólucro e mede-se a concentra ção de C02 , no ar que entra e sai, com um analisador
de g ás a infravermelhos ( ou , no m étodo mais antigo, mediante absor ção numa coluna
de KOH ). Pode ver-se a descri ção de um invólucro port átil deste tipo em Musgrave
e Moss (1961). Tal como no m é todo aquá tico das «garrafas clara e escura», a produ ¬

ção bruta menos a respira ção ou produção líquida da comunidade é medida durante
o dia e a respiração da comunidade durante a noite (ou num inv ólucro escuro). Pode
obter-se uma estimativa da produção primá ria bruta se forem usados tanto inv ólucros
claros como escuros.
Com o método do invólucro a dificuldade prov é m do facto das câ maras ter ¬

restres, ao contrário do que acontece com as aquáticas, actuarem como uma estufa,
que aquece rapidamente a menos que se mantenha uma forte corrente de ar ; isto
pode , por sua vez, alterar fortemente a taxa da fotossí ntese relativamente à que
ocorre fora do invólucro. Caso se pretenda realizar as medições ao longo de um
apreciá vel per íodo de tempo, torna-se necessário muitas vezes refrigerar a câ mara ou
utilizar ar condicionado. Por outro lado, a pró pria dimensão e a complexidade estru ¬

tural de muitas comunidades terçestres tornam- nas dif í ceis de envolver em espa ços
confinados. Alguns ecologistas obtiveram certo êxito na estimativa do metabolismo
total de uma floresta integrando medições simult â neas efectuadas em câ maras sepa ¬

radas incluindo porçõ es de ramas, troncos, arbustos, solo, etc. ( ver Woodwell e
Whittaker , 1968).
Sem d vida, o processo mais promissor para futuras mediçõ es da produtividade
terrestre é o que pode ser designado por método aerodinâmico, aná logo ao «mé todo da
curva diurna» aqu ático atrás descrito, no qual a comunidade não é artificialmente encer ¬
rada. Em princípio, a corrente de C 02 acima e dentro de uma comunidade pode ser
avaliada a partir de medições periódicas do gradiente vertical da concentra ção de gá s e
de um coeficiente de transfer ê ncia apropriado, sem mais dist ú rbios para a comunidade
,

que a coloca çã o vertical de um mastro, no qual se colocou uma sé rie de sensores de


C02 dispostos verticalmente, desde bastante acima dos copados at é ao n í vel do solo. No
91

perfil assim obtido durante o per í odo diurno, a concentração de C02 na zona autotróí f ca,
quando comparada com a do ar acima da comunidade, terá sofrido uma redu ção propor ¬
cional à fotossíntese lí quida, enquanto que a concentração de C02 ao n ível do solo ter á
aumentado proporcionalmente à respiração do solo e da folhada. O gradiente nocturno
pode utilizar-se ( como para o invólucro «escuro») para avaliar a respiração total da comu ¬

nidade. Tal como no método da curva diurna, a exactid ã o do método aerodin â mico
depende da precisão das correcções que devem ser efectuadas para atender aos movi¬
mentos das massas de ar e à evolu çã o do g ás do solo que poderá conter C02 que não
seja produto do metabolismo durante o perí odo da medição. O método aerodinâ mico
foi iniciado por Huber (1952) na Alemanha e posteriormente aperfeiçoado por Monteith
(1960, 1962) na Inglaterra, Lemon (1960, 1967) nos Estados Unidos e Inoue (1958, 1965)
no Japão. Até ao momento o método tem sido principalmente aplicado em culturas,
pastagens e outras comunidades estruturalmente simples, por ém Woodwell e Dykeman
(1966) puderam avaliar a respiração de uma floresta completa medindo a acumula çã o
de C02 no gradiente vertical durante um período de inversão de temperatura que pro¬
duziu um «isolamento» temporá rio , isto é, os movimentos de ar horizontal e vertical
foram m í nimos. H. T . Odum e Pigeon ( 1970) recorreram a um compromisso entre os
sistemas fechado e aberto cercando uma pequena área de floresta com uma grande
tenda aberta, em cima e em baixo, e equipada com um ventilador na parte inferior
para produzir um movimento de ar no sentido ascendente atrav és do copado. Em
semelhante instalação o fluxo l íquido de C02 pode ser avaliado pela medição da
concentração no topo e na base e da velocid âde da corrente de ar.
O futuro sucesso dos métodos aerodinâ micos depender á do aperfeiçoamento nas
técnicas de detecção remota è de controlo cont ínuo ( ver Capítulo 18) , não apenas para
o C02 mas també m relativamente ao vapor de água, ao movimento do ar, à transfer ência
de calor e a outros factores que afectam o complexo processo da produ ção.
4. O MéTODO DO pH . Nos ecossistemas aqu áticos o pH da água é uma fun ção
do teor do dióxido de carbono dissolvido, o qual, por seu turno, diminui com a fotos ¬

síntese e aumenta com a respiração. Poré m, para utilizar o pH como í ndice de produ ¬

tividade o investigador tem de preparar primeiro uma curva de calibragem para a água
no sistema particular a estudar, porque (1) o pH e o teor de C02 não est ão linearmente
relacionados e (2) o grau de alteração do pH por unidade de alteração do C02 depende
da capacidade amortecedora da água (assim , por exemplo, uma unidade de C02 removida
pela fotossíntese produzirá um maior aumento de pH na água sem sais de uma corrente
de montanha do que na água do mar bem tamponizada). Beyers et al., 1963 e Beyers,
1964, facultam instru ções detalhadas para a preparação de gr áficos de calibragem. O mé ¬
todo do pH tem sido particularmente til no estudo de microssistemas de laborat ó rio,
como os que estão representados na Figura 2-7/1, já que com um elé ctrodo de pH e um
registador se pode obter um registo cont ínuo da fotossí ntese diurna líquida e da res¬
piração nocturna ( a partir dos quais é possível avaliar a produ ção bruta), sem remover
92

nada ou sem perturbar a comunidade de qualquer outra forma ( ver McConnell , 1962 ;
Beyers, 1963, 1965; Cooke , 1967 e Gorden et al., 1969). Deste ponto de vista , o uso
do m étodo do pH em ecossistemas naturais tem algumas das mesmas vantagens e
dificuldades que apresenta a aplica çã o do mé todo aerodin â mico.
5. DESAPARECIMENTO DE MATéRIAS - PRIMAS. Como a equa ção anteriormente
apresentada o indica , a produtividade pode ser medida , n ã o só pela velocidade de
forma çã o de materiais (alimentos, protoplasma, minerais) e medindo a troca gasosa,
mas tamb é m pela velocidade do consumo de mat é rias- primas minerais. Contudo, num
estudo de equil í brio est á vel , a quantidade consumida pode ser compensada pela quanti ¬
dade libertada ou pela que penetra no sistema, e n ã o haverá forma de determinar
o ritmo real de consumo pelos organismos. Ali onde constituintes como o azoto ou
o f ósforo n ã o são fornecidos continuamente, mas sim , porventura, uma só vez por
ano ou a intervalos de tempo, a taxa a que a sua concentra ção decresce proporciona
uma medida muito boa da produtividade durante o per í odo em quest ão. Este mé todo
tem sido utilizado em determinadas situações marinhas , nas quais o f ósforo e o azoto
se acumulam na água durante o Inverno e a velocidade do consumo pode ser medida
durante o per í odo de desenvolvimento do fitopl â ncton na Primavera. Este m é todo deve
ser utilizado com precau ção dado que for ças inertes tamb é m podem causar o desapa¬
recimento de materiais. O m é todo do desaparecimento mede a produção lí quida de toda
a comunidade.
6. DETERMINA çõ ES DA PRODUTIVIDADE COM MATERIAIS RADIOACTIVOS.
Como acontece com muitos outros dom í nios da ciê ncia, a utilização em ecologia
de tra çadores radioactivos abre novas possibilidades na determina ção da produtivi ¬
dade . Com uma certa quantidade de « material marcado», identificá vel pelas suas
radia çõ es, é poss í vel seguir o ritmo de transfer ê ncia, mesmo no sistema de estado
constante atr á s mencionado, com a vantagem adicional de um menor dist rbio do
sistema.
Um dos mé todos mais sensjveis e profusamente utilizados para medir a produ ção
das plantas aquá ticas processa-se em garrafas com carbono radioactivo ( l 4 C) adicionado
em forma de carbonato. Depois de um curto per íodo de tempo, o pl â ncton ou outras
plantas sã o separadas da água por filtragem, secas, e colocadas num aparelho de con ¬

tagem . Com cálculos apropriados e uma correcção que atenda à «absor çã o escura »
,
( adsor ção do 4 C numa garrafa escura ), pode determinar -se a quantidade de di óxido de
carbono fixada na fotoss í ntese a partir das contagens radioactivas efectuadas. Quando
Steeman -Nielsen (1952), o primeiro a desenvolver o mé todo, efectuou uma sé rie de
medições nos mares tropicais do globo, encontrou cifras mais baixas do que as facultadas
por muitos estudos anteriores baseados em altera çõ es de oxig é nio em água engarrafada
( m é todo das garrafas clara e escura). Ryther (1954 <z) e outros mostraram , desde ent ão,
que o m é todo do carbono radioactivo mede a produção lí quida e n ã o a bruta, tal como
o m étodo do 02, ou que mede pelo menos uma quantidade mais pr óxima da l í quida
93

do que da bruta. A absor çã o do tra çador radioactivo mede, aparentemente, aquele excesso
de mat é ria org â nica que é armazenada sobre e para al é m das necessidades simult â neas
relativas à respira ção. As águas tropicais t ê m uma alta intensidade respirat ória ( re ¬
corde-se a an á lise anterior relativa à elevada respiração nas plantas cultivadas tropicais
e nas comunidades tropicais em geral), o que se traduz numa produ ção líquida muito
pequena e explica os baixos valores obtidos por Steeman - Nielsen . As estimativas da
produtividade total dos oceanos, constantes do Quadro 3- 7, baseiam- se no mé todo
do l 4 C. Sã o facultadas instru ções detalhadas para a utiliza çã o deste método por
Strickland e Parsons (1968), tendo Thomas (1964) proporcionado uma avalia çã o crí ¬
tica do m étodo.
Quando ficou dispon ível o f ósforo radioactivo, ou 32P, para utiliza çã o genera ¬
lizada, pareceu ficar-se de posse de um instrumento promissor para a aplica çã o do
método do «desaparecimento» a comunidades em estado est ável . Embora se tenha
aprendido muito sobre as taxas de renova çã o no ciclo do fósforo, como será descrito
no Cap ítulo 4, o 32 P não se revelou muito satisfat ó rio na medição da produtividade
a curto prazo, dado que o f ósforo é facilmente «adsorvido» sob qualquer forma pelos
sedimentos e pelos organismos sem ser imediatamente incorporado no protoplasma .
Assim, embora o 2 P adicionado num lago possa ser removido da água a uma taxa por ¬
ventura proporcional à produtividade primá ria, tem sido dif ícil distinguir entre a
assimila ção biol ógica e a «apreens ã o» í f sica. Contudo, a taxa da apreensão a curto
prazo poder á revelar - se como um bom í ndice da produtividade potencial, uma
vez que parece ser proporcional à á rea da superfície do ecossistema ( ver E. P.
Odum et al., 1958).
Os tra çadores radionu lidos distintos do 14 C e do 32 P oferecem muitas possi ¬
bilidades que ainda est ão por investigar. Como se indica no Capítulo 17 , a bio-elimi-
naçã o de uma diversidade de tra çadores radionu çlidos faculta um meio de mediçã o
da corrente de energia ao n ível da popula çã o de consumidores ( ver també m E. P.
Odum e Golley, 1963 ).

7. O MéTODO DA CLOROFILA. As possibilidades de utilizar o teor de clo¬


rofila de comunidades naturais inteiras como uma medida da produtividade tem sido
investigada activamente . À primeira vista, poder á parecer que a clorofila deveria ser
uma melhor medida da existência permanente das plantas cultivadas do que da
produtividade, por é m, com uma calibraçã o adequada , o teor em clorofila baseado na
superfície de uma comunidade inteira pode facultar um índice da sua produtividade .
Gessner efectuou , em 1949, a not á vel observação de que a clorofila, que na reali ¬
dade se desenvolve numa base de « por metro quadrado», tende a ser semelhante
em diversas comunidades, sugerindo assim fortemente que o teor do pigmento verde
em comunidades completas é mais uniforme do que em plantas individuais ou par ¬

tes de planta. Aqui est á, manifestamente , outro exemplo not á vel da «homeostasia
da comunidade», no qual o todo nã o é somente diferente das partes como tamb é m
94

não pode ser apenas por elas explicado. Em comunidades intactas, vá rias plantas
novas e velhas, de luz e de sombra, estão realmente integradas e ajustadas, tão
completamente quanto o permitem os factores limitantes locais, à energia solar
entrada, a qual, como se compreende, incide sobre o ecossistema numa base de
« por metro quadrado».
A Figura 3-5 mostra o montante de clorofila por metro quadrado a esperar
em quatro tipos de ecossistemas que cobrem a gama das situações que se encontram
na natureza. No diagrama, os pontos indicam a concentra ção relativa de clorofila por
cé lula ( ou por biomassa). A relação da clorofila total para a velocidade fotossint é tica
é indicada pela razão de assimilação, ou taxa de produ ção por grama de clorofila,
apresentada como gramas de 02 por hora e por grama de clorofila na ú ltima linha
de n ú meros colocados por baixo dos diagramas da Figura 3-5.
As plantas ou partes de planta adaptadas à sombra tendem a possuir uma
concentração de clorofila mais alta do que as plantas ou partes de planta adapta¬
das à luz; esta propriedade permite -lhes apanhar e converter o maior n ú mero possí ¬
vel dos escassos fot ões de luz. Consequentemente, a eficiê ncia da utilização da luz
é alta nos sistemas ensombrados, embora a produ ção fotossint é tica e a taxa de assi ¬
milaçã o sejam baixas. As culturas de algas crescendo no laborat ó rio sob luz fraca
tornam-se adaptadas à sombra. A alta eficiê ncia de tais sistemas de sombra tem sido
algumas vezes erroneamente projectada para condições de plena luz solar pelos que
est ão entusiasmados com as possibilidades de alimentar a humanidade a partir de
culturas maciças de algas; quando se aumenta a entrada de luz com o objectivo de
obter uma boa produ ção, a eficiê ncia decresce, tal como acontece em qualquer
outro tipo de planta.
A clorofila atinge valores mais altos em comunidades estratificadas , como se ¬

jam as florestas, e é geralmente mais elevada na terra do que na água. Num dado
sistema adaptado à luz a clorofila na zona autotrófica ajusta-se expontaneamente aos
elementos nutritivos e a outros factores limitantes. Consequentemente , se a razão de
assimilação e a luz dispon ível forem conhecidas, pode avaliar-se a produ ção bruta
pelo processo relativamente simples de extrair pigmentos e de medir, depois disso,
a concentração de clorofila com um espectrofotómetro. O método da clorofila foi
utilizado pela primeira vez no estudo do mar e de outras grandes massas de água,
onde a extracçã o de clorofila das amostras de água e a medi çã o da radia çã o in ¬
cidente são mais baratas e levam menos tempo em cotejo com os métodos do
14
C ou do 02. Por exemplo, Ryther e Yentsch (1957) verificaram que o fitoplâ nc¬
ton marinho tem à luz de saturação um ritmo de assimilação constante de 3,7 g
de carbono assimilado por hora e por grama de clorofila. As intensidades de
produ ção calculadas com base nesta razão e em medi ções de luz- clorofila foram
muito semelhantes às obtidas pela utilização simult ânea do mé todo do oxig é nio das
garrafas claras e escuras. Recentemente, ecologistas japoneses fizeram uma extensa
95

LUZ SOLAR PLENA


/ /
- adaptadas à luz
1
estrato adaptadas à meia luz

ê
autotrófico \
(zona euf ótica )

©
adaptadas
à sombra •\j i J
Tipo de Estratificada De sombra Mista Esparsa brilhante
Comunidade

Exemplos Florestas; Comunidades de Inverno, Fitopl â ncton Vegetaçã o esparsa;


pradarias e subaqu á ticas ou de caverna; em lagos e capas delgadas de
terras de culturas de laborat ó rio oceanos algas em rochas;
cultura estra ¬ sob luz de baixa intensidade culturas jovens ;
tificadas culturas de labo ¬
rat ó rio sob luz in ¬
tensa ( luz lateral )

Clorofila :
g por m 2 04 - 30 0001 - 05 002 - 10 -
001 060

Taxa de
assimilação :
g O produzido
( por hora) 04 - 40 -
01 10 1 - 10 8 - 40
g de clorofila

-
Figura 3 5. A quantidade de clorofila a ser esperada num metro quadrado de quatro tipos
de comunidades. A relação existente entre a clorofila baseada na superfície e a taxa fotossint ética
é tamb é m indicada pela razão entre a clorofila e a produção de oxigé nio. (De E. P. Odum, 1963 .
segundo H. T. Odum, McConnell e Abbott, 1958.)

investigaçã o em comunidades terrestres sobre as relações entre a clorofila, baseada


na área, e a produ ção de mat é ria seca ( ver Aruga e Monsi, 1963). A clorofila como
um índice da fun ção da comunidade está analisada em profundidade por H. T.
Odum, McConnell e Abbott (1958).
Tem especial interesse a possibilidade, agora em estudo, de que a razão
entre carotenóides amarelos e a clorofila verde possa servir como um í ndice ú til
da proporção entre os metabolismos heterotró fico e autotró fico na comunidade
considerada no seu conjunto. Quando na comunidade a fotossí ntese excede a res¬
pira çã o, a clorofila predomina, ao passo que os caroten óides tendem a aumentar
quando a respiraçã o da comunidade aumenta. Isto observa -se facilmente quando
de avião se contempla uma paisagem; as culturas ou as florestas novas em rá pido
crescimento aparecem com uma cor verde brilhante, em contraste com a cor
96

verde -amarelada das florestas mais velhas ou das culturas em fase de maturação.
Margalef ( 1961, 1967) verificou que a razã o da densidade ó ptica de extractos de ace ¬
tona de pigmentos, a comprimentos de onda de 430 at é 650 m // , proporciona
um í ndice «amarelo- verde » simples que est á inversamente correlacionado com a
razão P/ R em culturas e em comunidades de pl â ncton . Assim , a razão amarelo-verde
é em geral baixa ( valores entre 1 e 2, por exemplo) em culturas novas, ou durante
a «floração» primaveril nas águas naturais quando a respiração é baixa, e alta (talvez
de 3 a 5) nas culturas em vias de matura çã o ou nas condi ções de fins de Ver ã o em
comunidades de pl â ncton quando a respira çã o é relativamente alta.
Os aperfeiçoamentos na fotografia multiespectral e noutras t é cnicas de
detecção remota a partir de aviões e sat élites abrem possibilidades excelentes para
a utiliza ção da cor da vegetação como í ndice do seu metabolismo. N ão passarão
provavelmente muitos anos sem que a raz ão produ ção / consumo e o seu efeito no
balan ço vital 02 / C02 possam ser monitorizados em extensas áreas da superf í cie terres ¬
tre . Contudo, a quantifica çã o feita de cima depende de uma calibragem cuidada, por
sua vez dependente do aperfeiçoamento das medi ções do pigmento e da produti ¬
vidade realizadas em baixo no solo ( isto é, «verdade de campo», ver Cap ítulo 18 ).

4. CADEIAS ALIMENTARES, TEIAS ALIMENTARES E N ÍVEIS TR Ó FICOS

Enunciado

A transfer ê ncia da energia alimentar, desde a fonte nas plantas, atravé s de


uma s é rie de organismos com a repeti çã o dos fen ó menos de comer e ser comido,
é designada por cadeia alimentar. A cada transfer ê ncia uma larga proporção, de 80
a 90 por cento, da energia é perdida em forma de calor. Portanto, o n ú mero de
passos ou «elos» numa sequ ê ncia é limitado, usualmente a quatro ou cinco. Quanto
mais curta for a cadeia ( ou quanto mais perto o organismo estiver do seu in í ¬

cio ) maior será a energia dispon í vel. As cadeias alimentares sã o de dois tipos bá¬
sicos : a cadeia alimentar de pastoreio, que , partindo de uma planta verde base ,
passa pelos herbívoros de pastoreio ( isto é, organismos que comem plantas vivas)
e continua pelos carn í voros ( isto é, comedores de animais); e a cadeia alimentar
de detritos, que vai da mat é ria orgâ nica morta, passa para os microrganismos e depois
para os organismos que se alimentam de detritos ( detrit í voros) e seus predadores.
As cadeias alimentares não sã o sequ ê ncias isoladas, mas encontram-se interligadas
entre si. Este padrão entrelaçado é com frequ ê ncia designado por teia alimentar.
Em comunidades naturais complexas os organismos cujo alimento é obtido das plan¬
tas pelo mesmo n mero de passos dizem -se pertencentes ao mesmo nível tr ófico.
97

Assim, as plantas verdes (o n ível produtor) ocupam o primeiro n ível trófico, os


comedores de plantas, o segundo n í vel (o n í vel dos consumidores primá rios) , os
carn í voros que comem os herbí voros, o terceiro n í vel ( o n í vel dos consumidores
secund á rios ) , e os carn í voros secund á rios o quarto n í vel (o n í vel dos consumidores
terciá rios). Deverá destacar-se que esta classifica ção trófica é uma classifica ção de
função e não de esp écies como tais\ a populaçã o de uma dada espé cie pode ocupar um
ou mais do que um n í vel trófico de acordo com a fonte de energia realmente
assimilada. A corrente de energia atravé s de um n í vel trófico é igual à assimilação
total (A) a esse n í vel , a qual, por seu turno, iguala a produ ção ( P) da biomassa
mais a respiração ( R ).

Explicação

As cadeias alimentares são mais ou menos conhecidas de toda a gente , pelo


menos de uma forma vaga, uma vez que o próprio homem ocupa um lugar no
fim ou perto do final da cadeia dos produtos alimentares. Por exemplo, o homem
pode comer o peixe grande que come o peixe pequeno que come o zooplâ ncton
que come o fitoplâncton que fixa a energia solar ; ou pode comer a rê s que come
a erva que fixa a energia da luz; ou pode utilizar uma cadeia alimentar muito mais
curta, comendo os gr ãos que fixam a energia solar ; ou , como normalmente acontece ,
o homem pode ocupar uma posição tr ófica intermédia entre os consumidores primá ¬

rios e secund ários quando a sua alimentação se compõe de misturas de produtos


vegetais e animais. Contudo,' o leigo geralmente n ão se d á conta de que em cada
transferê ncia de alimentos se perde energia potencial e que , como ficou exposto
em anteriores secções, somente uma por ção muito pequena de energia solar dispo ¬

n í vel foi fixada pela planta em primeiro lugar. Por conseguinte, o n ú mero de con ¬

sumidores, como por exemplo as pessoas, que podem ser sustentadas por uma
determinada produ ção prim ária, depende em larga medida da extensã o da cadeia
alimentar ; cada elo desta reduz a energia dispon í vel em cerca de uma ordem de gran ¬

deza (ordem de 10), significando isto que menos pessoas podem ser sustentadas,
caso façam parte da dieta grandes quantidades de carne. Ou , colocando o caso de
uma forma mais realista, a carne desaparecerá da dieta humana, ou ser á muito re ¬

duzida, se o homem n ã o tomar a opçã o de controlar o crescimento da sua pr ó¬


pria popula ção.
Os princí pios das cadeias alimentares e a intervenção das duas leis da ter ¬
modin â mica podem ser clarificadas por intermé dio de diagramas de corrente como
se ilustra nas Figuras 3-6, 3- 7 e 3-8. Nestes diagramas, as «caixas» representam n í ¬

veis tróficos e os «tubos » descrevem a corrente de energia que entra em cada


n í vel e dele sai. As entradas de energia equilibram as sa ídas como determina a pri-
98

meira lei da termodinâ mica, e cada transfer ê ncia de energia é acompanhada pela
dispersã o de energia em forma de calor n ão dispon ível ( isto é , respira çã o ) de acor ¬
do com a segunda lei.
A Figura 3-6 constitui um modelo muito simplificado de corrente de energia
de tr ê s n íveis tr ó ficos. Este diagrama introduz notações padronizadas para diferentes
correntes, que ser ão descritas com maior detalhe mais adiante nesta secção, e ilus-

produtores consumidores
n í veis tr óficos
plantas verdes
-
» 1
herb í voros carn í voros
NA ;
Niy
luz total
// I7/ Vl
leLJ PBouA PL I A p rn p
L

I R R
calor

3000 1500 15 1.5 0.3


L LA PL P2 P3 .
kcal nrr 2 dia - '

Figura 3-6 . Um diagrama simplificado de corrente de energia descrevendo trê s n í veis tr ó ficos
( caixas numeradas 1 , 2 , 3 ) numa cadeia alimentar linear . As nota ções padrã o para as sucessivas correntes
de energia sã o as seguintes: / = entrada total de energia ; L 4 = luz absorvida pelo coberto vegetal ;
PB = produ çã o prim á ria bruta ; A = assimila çã o total; PL = produ çã o prim á ria l í quida ; P= produ çã o secun ¬
d á ria ( consumidor ) ; NU = energia n ã o utilizada (armazenada ou exportada ) ; NA = energia n ã o assimilada
pelos consumidores ( excretada ) ; R = respira çã o. A linha na parte inferior do diagrama ilustra a ordem
de grandeza das perdas de energia esperadas nos principais pontos de transferê ncia , come çando com
uma entrada solar de 3000 kcal por metro quadrado e por dia . ( Segundo E . P. Odum , 1963 . )

tra como a corrente de energia é fortemente reduzida a cada n í vel sucessivo, inde ¬

pendentemente de se considerar a corrente total (I e A ) ou as componentes P e


R. São igualmente ilustrados o «duplo metabolismo» dos produtores ( isto é , as pro ¬
du ções bruta e lí quida) e os cerca de 50 por cento de absorçã o; 1 por cento
da conversão da luz no primeiro n í vel trófico, como se viu na secçã o anterior
( comparar com o Quadro 3-3, página 67 ). A produtividade secund ária (P 2 e P , no
diagrama) tende a ser cerca de 10 por cento em n í veis tr óficos consumidores su ¬

cessivos, embora a eficiê ncia possa ser mais elevada, digamos 20 por cento, ao n í vel
dos carn í voros, como naquela figura se ilustra.
A Figura 3-7 representa um dos primeiros modelos de corrente de energia
publicados na forma preconizada por H . T . Odum em 1956. Neste modelo figu -
99

ra-se um limite da comunidade e , em adi ção às correntes de luz e de calor, tam ¬


bé m s ã o inclu ídos a importa çã o, a exporta çã o e o armazenamento de mat é ria or ¬

gâ nica. Os organismos decompositores estã o colocados em caixas separadas como


uma maneira de separar parcialmente as cadeias alimentares de pastoreio e de de ¬

tritos. Tal como foi salientado no Cap í tulo 2, os «decompositores» s ão realmente


um grupo misto em termos de n í veis de energia. Para fins de modelação, podem
utilizar -se para marcar limites à volta dos ecossistemas aspectos naturais salientes,
como a margem de um lago ou a bordadura de uma floresta, ou limites pura ¬
mente arbitrá rios, como um caminho em redor de um quil ó metro quadrado de ter ¬

ra ar ável, ou pode fixar-se uma unidade administrativa como um municí pio, caso
seja conveniente, para a obten çã o dos dados necessá rios. Sempre que as importa ¬
ções e as exporta ções forem consideradas, a energ é tica de qualquer á rea pode ser
descrita em termos de um modelo de corrente de energia. Claro que quanto menor
for a á rea maior será a import â ncia das trocas com as á reas envolventes.
Na Figura 3-8 as cadeias alimentares de pastoreio e de detritos est ã o estri ¬
tamente separadas num diagrama de correntes de energia em forma de Y ou de
dois canais, constituindo um modelo de trabalho mais pr á tico do que o modelo
de um s ó canal , dado que (1) est á conforme com a estrutura estratificada bá sica dos
ecossistemas (ver p ágina 11) , (2) o consumo directo de plantas vivas e a utilização da
maté ria org â nica morta são usualmente separados, tanto no tempo como no espaço,
e (3) os macroconsumidores (animais fagotr óficos ) e os microconsumidores ( bact é ¬
rias e fungos saprotr óficos) diferem grandemente nas rela çõ es entre tamanho e meta ¬
bolismo e nas t é cnicas necessá rias para o seu estudo ( ver página 13 ). A Figura
3-8 tamb é m põe em contraste as relações entre biomassa e corrente de energia
no mar e na floresta , como foi analisado no Cap í tulo 2. Na comunidade marinha
a corrente de energia apresenta-se maior através da cadeia alimentar de pastoreio
do que pela via dos detritos. Uma tal diferen ça nã o é necessariamente inerente
aos sistemas aqu á ticos e terrestres. Numa pastagem ou numa pradaria fortemente
pastoreada, 50 por cento ou mais da produ çã o l í quida pode passar pela via do pas ¬
toreio, ao passo que há muitos sistemas aqu á ticos, especialmente os de água pouco
profunda , que, como as florestas maduras , funcionam em grande parte como siste ¬
mas de detritos . Uma vez que nem todo o alimento comido pelos animais que pastam
é na realidade assimilado, parte dele ( o material não digerido das fezes, por exemplo )
é desviado para a via de detritos; assim, o impacto dos animais de pastoreio sobre a
comunidade depende tanto da velocidade da remo ção do material vegetal vivo como
da quantidade de energia contida no alimento que é assimilada. O zoopl â ncton
marinho normalmente « pasta» mais fitopl â ncton do que aquele que pode assimilar ,
sendo o excedente excretado para a cadeia alimentar de detritos (ver Cushing, 1964).
Como já foi discutido na secção sobre a produtividade primá ria , a remoção directa
de mais de 30 a 50 por cento do crescimento anual das plantas pelos animais
100
terrestres de pastoreio ou pelo homem pode reduzir a capacidade do sistema para
resistir a futuras press ões.
Fica-se impressionado com a quantidade de mecanismos da natureza que
controlam ou reduzem o pastoreio, tal como se n ão fica impressionado com a passada
capacidade do homem para controlar os seus pr ó prios animais de pastoreio, dado que
se est á tornando cada vez mais evidente que o sobrepastoreio contribuiu para o decl í nio
de passadas civilizações. Como se compreende, é preciso ser cuidadoso nesta maté ria
com a escolha das palavras. Por definição o «sobrepastoreio» é prejudicial, embora
aquilo que constitui sobrepastoreio em diferentes tipos de ecossistemas apenas esteja
agora a ser definido em termos energ éticos bem como em termos econ ó micos a longo
prazo. O «modelo de pastagem pastoreada» apresentado no Quadro 15-2 da pá-
gina 668 baseia-se em estudos a longo prazo na região das Great Plains e constitui um
exemplo do tipo de modelo que é preciso ser posto em prática. O «subpastoreio»
tamb é m pode ser prejudicial . Na ausê ncia completa de consumo directo de plantas

COMUNIDADE v

IMPORTA ÇÃ O DE
MATé RIA ORGANICA
A
ECOMPO| 7
f
ilTORES P 5

K2
PRODUTORES
PRIM Á RIOS
LUZ SOLAR
P. RESPIRA -
HERBl- P 2
VOROS
~ CARNI . D

P4
TORIO
C2S
' PRODU ÇÃ O
L í QUIDA
ARMAZENA ¬

MENTO DE MA- EXPORTA Ç AO


T É RIA ORG Â ¬
NICA MORTA
MPRODU ÇÃ PELAS PLANTAS
Vi BRUTA

V
N
RESPIRAÇÃ O DA
COMUNIDAD
R

N,
1
C.

f
CALOR

-
Figura 3 7. Diagrama de corrente de energia de uma comunidade com uma grande importa ¬
çã o de mat éria org â nica e uma exporta çã o mais pequena , ilustrando a fixa çã o e a transferê ncia sucessivas
pelos componentes e as grandes perdas respirat ó rias em cada transferê ncia . P = produ ção primá ria
bruta, PL = produ ção prim ária líquida, e P 2 , P3 , P4 e P5 = produ çã o secund ária aos n í veis indicados.
(Reproduzido de H. T . Odum, 1956.)
101

vivas, o detrito pode acumular-se a uma taxa maior do que aquela a que os microrga ¬
nismos o podem decompor , retardando deste modo a reciclagem dos minerais e
porventura tornando o sistema vulner ável a fogos destrutivos.
Nesta altura ser á indicado examinar em detalhe a componente básica de um
modelo de corrente de energia. A Figura 3-9 apresenta aquilo que poder á designar-se
por modelo « universal », isto é, um modelo aplicável a qualquer componente vivo, quer
se trate de planta, animal , microrganismo, popula ção ou grupo tr ófico individual.
Reunidos, estes modelos gr áficos , podem representar cadeias alimentares, como já
se ilustrou, ou mesmo a bioenerg ética de um ecossistema inteiro. Na Figura 3-9,
a caixa sombreada referenciada por « B » representa a estrutura viva ou « biomassa»
da componente. Embora a biomassa seja usualmente medida como um tipo de
peso ( peso vivo [h mido], peso seco, ou peso livre de cinzas ) é conveniente exprimir
a biomassa em termos de calorias, de forma a que possam ser estabelecidas relações
entre as taxas da corrente de energia e a biomassa instant â nea ou mé dia do estado
permanente. A entrada ou absor çã o total de energia é indicada na Figura 3-9 por «I».
Para os autotr óficos estritos tal energia é a luz e para os heterotr óficos estritos é o
alimento org â nico. Como já ficou analisado no Cap ítulo 2, algumas esp é cies de algas
-
e de bacté rias podem utilizar ambas as fontes de energia e muitas podem necessitar
de ambas em certas propor çõ es. Uma situa çã o semelhante ocorre com animais inverte ¬
brados e l í quenes, que cont ê m algas mutualistas. Em tais casos, a corrente de entrada
no diagrama de corrente de energia pode, consequentemente, ser subdividida para
mostrar as diferentes fontes de energia, ou a biomassa pode ser subdividida em caixas
separadas, caso se pretenda manter na mesma caixa tudo o que respeita ao mesmo n ível
de energia ( isto é, ao mesmom í vel tr ófico ).
Uma tal flexibilidade na utiliza çã o poderá parecer confusa ao principiante . É
importante salientar novamente que o conceito de n í vel trófico não tem como primeiro
objectivo classificar as espécies em categorias. A energia flui atrav é s da comunidade de um
modo gradual de acordo com a segunda lei da termodin â mica , embora uma dada popu ¬

la çã o ou espé cie possa estar ( e est á com frequ ê ncia ) envolvida em mais do que um
passo ou n í vel tró fico. Portanto, o modelo universal de corrente de energia ilustrado na
Figura 3-9 pode ser usado de duas maneiras. O modelo pode representar a popula çã o
de uma espécie, caso em que as entradas apropriadas de energia e as uniões com outras
espé cies deveriam ser apresentadas por um diagrama convencional de teia alimentar
orientado segundo a espé cie ( ver Figura 3-10); ou o modelo pode representar um dado
n ível de energia, caso em que a biomassa e os canais de energia representam total
ou parcialmente as muitas populaçõ es suportadas pela mesma fonte de energia . Por
exemplo, as raposas obt ê m usualmente parte do seu alimento comendo plantas ( fru ¬

tos, etc.) e parte comendo animais herbí voros (coelhos, ratos de campo, etc. ). Poder á
utilizar-se um diagrama de uma s ó caixa para representar toda a popula çã o de raposas
caso o objectivo seja destacar a energ ética no interior da população. Por outro lado,
102

BAÍA MARINHA

luz i 4 2.5 0.5


O)

<U
2000
50 8 6 2 llO c
2
o
fitopl â ncton

2
10
5
biomassa de autotr ôficos

llllll biomassa de heterotr ôficos


FLORESTA
respira çã o

13 s
u)
CU

5
.1 . ®

folhas
S
2,500 1 v\ i

biomassa total
10
\
das plantas
80,000 4 X 10 2 5
o
8
armazenamento

biomasssa da existê ncia permanente em kilocalorias / m 2


corrente , de energia em kilocá lorias/ m 2 / dia
Figura 3- 8. Diágrama de corrente de energia em forma de Y ou de 2 canais que separa uma cadeia
alimentar de pastoreio ( coluna de água ou manto de vegeta çã o ) de uma cadeia alimentar de detritos
( sedimentos e no solo). As estimativas das, exist ê ncias permanentes ( caixas sombreadas) e das correntes
de energia comparam um ecossistema marinho costeiro hipot ético ( diagrama superior ) com uma floresta
hipot é tica ( diagrama inferior ). (Segundo E. P. Odum , 1963, com modifica çõ es.)

poderão ser utilizadas duas ou mais caixas (tal como se encontra ilustrado na parte
direita inferior da Figura 3-9), caso se deseje repartir o metabolismo da população de
raposas por dois n í veis tróficos, de acordo com a proporção de alimento vegetal e
animal consumido. Desta forma pode colocar-se a população de raposas no esquema
geral da corrente de energia no seio da comunidade . Quando se modela uma comu-
103

nidade inteira não se podem misturar estas duas utilizações, a menos que todas as
esp é cies perten çam a níveis tr óficos singulares (isto é, um ecossistema erva- r ês-
-homem altamente simplificado).
As considerações anteriores respeitam ao problema da fonte da entrada de
energia. Nem toda a entrada proporcionada à biomassa é transformada; parte dela pode
simplesmente passar atravé s da estrutura biológica, tal como ocorre quando o alimento
é evacuado do tubo digestivo sem ter sido metabolizado, ou quando a luz passa atravé s
da vegetação sem ter sido fixada. Este componente de energia é indicada por «NU»
(« não utilizado»). Aquela por çã o que é utilizada ou assimilada é indicada no diagrama
por « A». A razão entre estes dois componentes, isto é, a eficiê ncia da assimilação, varia
grandemente. Pode ser muito baixa, como acontece na fixação da luz pelas plantas ou na
assimilação de alimentos dos animais que se nutrem de detritos, ou muito alta, como
no caso de animais ou de bact érias que se nutrem de alimentos de alta energia como
sejam açú cares e aminoácidos. Mais adiante voltar-se-á a tratar das eficiê ncias.
Nos autotróficos a energia assimilada «A» é, como se compreende, «produ ção
bruta» ou «fotossíntese bruta». Historicamente, o termo « produ ção bruta» tem sido
utilizado por alguns autores para o componente análogo nos heterotr óficos, por é m,
como já foi salientado (ver página 65) o componente «A» nos heterotr óficos representa
alimento já «produzido» algures. Portanto, o termo «produ ção bruta» dever á limitar-se
à produ ção primária ou autotr ófica. Nos animais superiores o termo «energia metabo-
lizada» é com frequê ncia utilizado para designar o componente «A» ( ver Kleiber e
Dougherty, 1934; Kendeigh , 1949).
Um aspecto chave do modelo consiste na divisão da energia assimilada nos
componentes «P» e «R». A parte da energia fixada ( «A » ) que é queimada e perdida
sob a forma de calor é designada por respiração ( «R») , e aquela que é transformada em
maté ria orgâ nica nova ou distinta designa-se por produ ção ( «P»). Esta é nas plantas
«produ ção líquida» e nos animais «produ ção secund ária» . É importante destacar que o
componente «P» é energia dispon ível para o n ível tr ófico seguinte, em oposição ao
componente «NU» que ainda fica dispon ível para o mesmo n ível tr ófico.
A razão entre «P» e «R» e entre «B» e «R» varia grandemente e tem um grande
significado ecológico, do ponto de vista termodinâmico, como foi explicado na Secção 1
deste capítulo e tamb é m no Capítulo 2 (por exemplo, páginas 27 e 36). Em geral, a pro¬
por ção da energia que vai para a respiração, isto é para a manuten ção, é grande nas
populações de organismos grandes, tais como o homem e as árvores, e nas comunidades
maduras ( isto é, «clí max»). Como já foi assinalado, «R» sobe quando o sistema entra em
tensão. Inversamente, o componente «P» é relativamente grande nas populações activas
de organismos pequenos, como sejam bact é rias e algas, bem como nos estados novos
ou de «floração» da sucessão ecológica e nos sistemas que beneficiam de subsídios de
energia. A importância das razões P / R na produ ção de alimento para o homem foi
mencionada na Secção 3 deste capítulo e voltará a s ê-lo no Capítulo 9.
104

A produ çã o pode tomar um certo n ú mero de formas. Apresentam-se trê s subdi ¬


visões na Figura 3-9. «G» refere-se ao crescimento ou às adições de biomassa. «E» refe-
re-se à mat éria org â nica assimilada que é excretada ou secretada ( por ex., açú cares
simples, aminoácidos, ureia, mucos, etc.). Esta « perda» de mat é ria orgânica, com
frequ ê ncia em forma dissolvida ou gasosa , pode ser apreciável embora seja frequen ¬
temente ignorada, dado ser de difícil medição. Finalmente, «S» refere-se ao «arma ¬
zenamento», como na acumulação de gordura, suscept ível de ser reassimilada poste-
riormente em qualquer momento. A corrente «S» inversa, ilustrada na Figura 3-9,

NU

P C"

Figura 3- 9. Componentes para um modelo « universal » de corrente de energia ecol ó gica . I = entrada
ou energia ingerida ; NU = n ã o utilizada ; A = energia assimilada; P = produ çã o ; R = respira çã o ; B = bio
¬

massa ; C = crescimento; S = energia armazenada ; E = energia excretada . Ver texto para efeitos de
explica çã o . ( Segundo E . P. Odum , 1968 . )

pode tamb é m ser considerada como uma «curva de trabalho», uma vez que representa
aquela por ção da produ çã o que é necessária para assegurar um futuro aparecimento
de nova energia ( por exemplo, energia de reserva utilizada por um predador em busca
da presa). Como já foi assinalado, a selecção artificial para a domesticação de plantas
-
e animais traduz se com frequê ncia na remoção da curva de trabalho «autopro-
tectora», com o resultado de ser o pr óprio homem que terá de proporcionar uma
entrada de energia exterior para a manutenção.
105

A Figura 3-9 apresenta apenas algumas das subdivisões teis em ecologia do


esquema básico da corrente de energia. Na prática, Fica-se com frequ ê ncia embaraçado
com as dificuldades de medi ção, especialmente em situaçõ es de campo. Um dos objecti-
vos básicos do modelo é, certamente, o de definir os componentes que se pretendem
medir com o propósito de estimular a investigação sobre a metodologia. Ainda que se n ão
esteja em condi ções de representar graficamente todas as correntes, as medições das
entradas e das sa í das brutas podem ser, só por si, reveladoras. Dado que em ú ltima
instâ ncia a energia é o factor limitador, as quantidades dispon í veis e efectivamente
utilizadas devem ser conhecidas caso se queira avaliar da import ância de outros
factores potencialmente limitativos ou reguladores. Muitas das controv é rsias acerca
da limitação quanto a alimento, estado do tempo, competição e controlo biológico
poderiam ser resolvidas caso se dispusesse de dados precisos sobre a utiliza ção da
energia pelas populações em quest ão.
Os modelos gráficos de «caixas e tubos» podem ser transformados facilmente
em modelos de compartimento , nos quais a corrente de energia entre compartimentos
é expressa como coeficientes de transferê ncia, ou em modelos de circuito , nos quais
cada estrutura e fun ção é indicada por um m ódulo simbólico ligado por uma rede de
circuitos de energia. Esses modelos prestam-se especialmente ao tratamento digital
ou analógico em computador. Ser ão apresentados posteriormente neste capí tulo e
novamente no Cap ítulo 10 exemplos, quer de modelos de compartimento, quer de
modelos de circuito.

Exemplos

Muita gente apresenta o á rctico como sendo uma região improdutiva sem inte ¬
resse ou valor para o homem . Independentemente do resultado dos esforços actuais
do homem para utilizar o árctico, esta vasta regi ão tem um interesse muito grande,
at é pela simples razã o de ter uma ecologia simplificada . Pelo facto da temperatura
exercer efeito limitador muito forte , apenas um n ú mero relativamente pequeno de
tipos de organismos se foram adaptando com sucesso às condi ções do extremo norte.
Assim, toda a parte viva do ecossistema est á constru ída à volta de um n ú mero rela ¬
tivamente pequeno de espé cies. Os estudos realizados no á rctico ajudam a compreen ¬
der situações mais complicadas existentes noutras partes, uma vez que as relações
bá sicas, como as cadeias alimentares, as teias alimentares e os n í veis tróficos, ali se
encontram simplificados e são f á ceis de compreender . Charles Elton deu -se, pre ¬
cocemente, conta disso e passou muito tempo nos anos vinte e trinta a estudar a
ecologia das terras do á rctico, com o resultado de ter sido um dos primeiros a clari ¬
ficar os princí pios e conceitos atrás referidos. Consequentemente , deve-se olhar para
o á rctico ao apresentar os primeiros exemplos de cadeias alimentares.
A regiã o compreendida entre o limite das á rvores e o gelo perpétuo é geralmente
106

conhecida por tundra. Um dos grupos importantes de plantas da tundra é o dos lí quenes
das renas ( ou «musgo »), Cladonia, que representa uma associa çã o entre algas e fungos,
sendo as primeiras, claro est á, os produtores ( ver Figura 7-39). Estas plantas, junta ¬

mente com as ervas, os juncos e os salgueiros anõ es, formam a dieta do caribu da
tundra da Amé rica do Norte e do seu paralelo ecol ógico, a rena da tundra do Velho
Mundo. Estes animais são por sua vez presas dos lobos e do homem . As plantas da
tundra são igualmente comidas pelos lemingues peludos ratos campestres de cauda
curta e com aspecto de urso e pelo lagó pode branco. Durante o prolongado Inverno,
tal como durante o curto Verã o, a raposa branca do árctico e o bufo- n íval podem ter que
depender, em grande parte, dos lemingues e demais roedores que lhe est ão aparen ¬
tados. Em cada um destes casos a cadeia alimentar é relativamente curta e qualquer
mudan ça numé rica radical em qualquer dos tr ê s n í veis tróficos tem repercussões vio ¬

lentas nos outros n í veis, dado ser com frequê ncia muito reduzida a escolha alterna ¬
tiva de alimento. Como se ver á mais adiante, pode ser esta uma causa, pelo menos ,
das violentas flutuações que experimentam , quanto a n ú mero, alguns grupos de orga ¬

nismos á rcticos , passando por toda a escala, desde a superabund â ncia at é à quase extin ¬
ção. É por certo interessante observar, de passagem , que o mesmo aconteceu com
frequ ê ncia às civiliza ções humanas primitivas que dependiam de um ou de relativamente
poucos bens alimentares locais ( recorde-se a crise irlandesa da batata). No Alasca ,
o homem provocou inadvertidamente graves oscilaçõ es ao introduzir a rena dom é stica
da Lapónia. Ao contr á rio do caribu nativo, a rena não migra. Na Lapónia , as renas sã o
conduzidas em manadas de um lugar para outro para evitar o sobrepastoreio, por é m,
o agrupamento para pastoreio não faz parte dos costumes dos í ndios do Alasca
e dos esquimós ( uma vez que o caribu o fazia por si). Como consequ ê ncia, as renas
submeteram muitas áreas a sobrepastoreio, reduzindo ao mesmo tempo a capa ¬
cidade de sustenta çã o para o caribu . Isto constitui um bom exemplo dos casos
em que apenas se introduziu uma parte do «sistema» adoptado. Haver á muitas opor ¬
tunidades de observar que os animais introduzidos se convertem, frequentemente ,
em pestes s é rias quando os seus mecanismos de controlo naturais ou produzidos
pelo homem nã o são simultaneamente introduzidos na mesma á rea.
Durante o breve Verã o á rctico, emergem insectos e as aves migrat ó rias
podem abundar localmente . As cadeias alimentares tornam-se mais extensas e de ¬
senvolvem-se teias alimentares definidas, como as de regiões mais meridionais.
Summerhayes e Elton (1923) descrevem a interessante situaçã o da ilha de Spitsbergen
onde n ã o h á lemingues. Aqui as raposas, que no Ver ão est ã o em condi ções de se
alimentar de aves, insectos ou plantas, vê em-se obrigadas a passar fora o Inverno
sobre o gelo, alimentando-se dos restos de focas mortas pelos ursos polares e dos
seus excrementos.
As raposas convertem-se. deste modo, em parte da teia alimentar do mar, que
nas regiões á rcticas pode ser mais produtivo que a parte terrestre.
107

Na Figura 3-10 apresenta-se uma teia alimentar que foi gizada para pequenos
organismos da comunidade de um rio. Este diagrama ilustra n ão só o carácter entre ¬
la çado das cadeias alimentares e trê s n í veis tr óficos, mas destaca també m que alguns
organismos ocupam uma posi ção interm é dia entre os referidos n í veis. Assim , o tri-
coptero do g é nero Hydropsyche alimenta-se tanto de material vegetal como animal e
encontra-se, portanto, numa situa çã o interm é dia entre os n íveis consumidores pri¬
mário e secundário.
Uma lagoa de herdade ordenada para a pesca desportiva constituiram -se
milhares nos E.U.A. proporciona um excelente exemplo de cadeias alimentares
em condi ções bastante simplificadas. Dado que o objectivo de uma lagoa de pesca
consiste em proporcionar o maior n mero poss í vel de peixes de espécie e tamanho
determinados, os m é todos de ordenamento são projectados para canalizar a maior
parte poss ível da energia dispon ível para o produto final. Isto consegue-se reduzindo
o n mero de cadeias alimentares mediante restri çã o dos produtores a um só grupo,
o das algas flutuantes ou fitoplâ ncton ( impedindo-se o desenvolvimento de outras

NlVEL TR ÔFICO
DOS CONSUMIDORES
PERLA DINOCRAS
SECUND ÁRIOS

RHYACOPHILA

HYDROPSYCHE

NÍ VEL TR ÔFICO
DOS CONSUMIDORES - - - PROTONEMURA ECDYONURUS
PRIM ÁRIOS BAETIS PHILOPOTAMUS
EPHEMERELLA
CHIRONOMIDAE
SIMULIUM

NlVEL TR ÔFICO
ALGAS VERDES DIATOM Á CIAS
DOS PRODUTORES
MATÉRIA ORGÂNICA
IMPORTADA
__ FRAGMENTOS DETRITOS
( DA PARTE DO RIO DE FOLHAS
A MONTANTE)

- .
Figura 3 10 Uma fracção de uma teia alimentar num pequeno curso de água em South Wales.
O diagrama ilustra : ( 1) o entrosamento de cadeias alimentares formando a teia alimentar , ( 2 ) trê s
n íveis tróficos, (3) o facto de certos organismos, como por exemplo a Hydropsyche, poderem ocupar
uma posiçã o interm édia entre n íveis tr óficos principais, e ( 4) um sistema «aberto» em que parte do
alimento b ásico é «importado» de fora do rio . ( Adaptado de Jones, 1949. )
108

plantas verdes como as aqu á ticas enraizadas e as algas filamentosas). A Figura 3-11 é
um modelo de compartimento de uma lagoa de pesca desportiva em que as trans ¬

ferê ncias em cada elo da cadeia alimentar est ão quantificadas em termos de kcal por
m 2 e por ano. Neste modelo só se apresentam as entradas sucessivas de energia ingerida
em fun ção do tempo, i( t ); não se ilustram as perdas durante a respiração e a assimilação.
Como pode ver -se, o fitoplâ ncton serve de alimento na coluna de água aos crustáceos
do zooplâncton, e os detritos do plâ ncton sã o apreendidos por certos invertebrados
bent ónicos, especialmente por quironom ídeos que constituem o alimento preferido
da perca; estes peixes servem depois de alimento ao achigã. O equilí brio entre os
dois ú ltimos grupos da cadeia alimentar (isto é, a perca e o achigã) é muito impor ¬

tante no que se refere à captura feita pelo homem. Assim, uma lagoa que quanto a
peixes apenas tenha a perca poderá realmente produzir um maior peso total ou
biomassa de peixe do que outra que tenha ambas as espécies, por é m, as percas seriam
na sua maior parte de pequenas dimens ões em virtude da elevada taxa de reprodu ção
e da competição pelo alimento dispon í vel. A pesca com cana e linha não tardaria a dar
um resultado modesto. Uma vez que o homem pretende peixe com boas dimens ões,
e n ão do tamanho de «sardinhas», é necessário o predador final, caso se pretenda
uma lagoa para pesca desportiva ( ver página 663).
As lagoas para peixes são lugares apropriados para demonstrar como a produti¬
vidade secundária está relacionada com (1) o comprimento da cadeia alimentar, (2)
a produtividade primária e (3) a natureza e a extensão dos abastecimentos de ener ¬

gia vindos do exterior do sistema lagoa. Como se ilustra no Quadro 3-11, os lagos
grandes e o mar produzem menos peixe, por acre ou m2 , do que as lagoas pequenas
fertilizadas e intensivamente administradas, não apenas porque a produtividade primária
é menor e as cadeias alimentares mais longas, mas també m porque nas grandes exten ¬
sões de água o homem apenas captura uma parte da população consumidora. De forma
análoga, as produções são várias vezes maiores quando se criam herbívoros, como a carpa,
do que quando se capturam carn ívoros, como o achigã; este ú ltimo requere, natural ¬

mente, uma cadeia alimentar mais longa. As elevadas produções constantes da Secção IV
do Quadro 3-11 obt ê m-se adicionando ao ecossistema alimento vindo do exterior, isto é,
produtos vegetais ou animais que representam energia fixada algures noutra parte.
Na realidade, tais produ ções não deveriam ser expressas numa base de área, a menos que
se ajuste a área por forma a incluir o local onde foi obtido o suplemento de alimento.
Muitas pessoas interpretam erradamente as elevadas produ ções no Oriente, pensando
que poderiam ser comparadas directamente com as produ ções de peixe nas lagoas dos
E.U. A. onde, geralmente, não se proporciona alimento vindo do exterior. Como seria
de esperar, a piscicultura depende da densidade da população humana. Onde esta popu ¬

laçã o é densa e passa fome, as lagoas são ordenadas com o objectivo de produzir her ¬

bívoros ou consumidores de detritos; sã o facilmente obten íveis produ ções de 1100 a


1700 kg por hectare sem alimentação suplementar . Nos locais onde os homens se não
109

encontram amontoados nem passam fome, pretendem-se peixes para desporto; uma vez
vez que estes peixes são usualmente carn í voros produzidos no termo de uma longa
cadeia alimentar, as produções são muito menores 110 a 560 kg por hectare. Final-
RADIAÇÃO SOLAR DISPON Í VEL
cento da Radia çã o Incidente )
( 50 Por

i(t ) 730 , 000

/, ( f) 7400
I
( Fotoss í ntese Bruta ) I

FITOPL Â NCTON
( Algas) 66
Emerg ê ncia

i2( t ) 900 i,( t ) 1000

ZOOPL Â NCTON INSECTOS D Í PTEROS


(Crust á ceos ) ( Quironom ídeos)

6
Emerg ê ncia Insectos
Terrestres

/ (0 200 50 300

LARVAS PEDRADORAS 3 i PEIXE | Q

DE D Í PTEROS > CENTRARQU Í DEO*"


(Chaoborus ) I ( Lepomis )

30

ACHIGA
( Micropteros)

24 o( t ) 4

HOMEM

-
Figura 3 11. Modelo de compartimento das principais cadeias alimentares numa lagoa da Ge ó rgia
ordenada para a pesca desportiva. As entradas de energia estimadas ( /) respeitantes ao tempo ( 0 est ão
em quilocalorias por metro quadrado por ano; / ] ( /), / 2 ( f ), /3 ( í) e / 4 ( f ) representam energia alimentar inge¬
rida a n í veis tr ó ficos sucessivos; as perdas durante a assimila çã o e a respira çã o n ã o se encontram repre ¬
sentadas; o( t ) é a «sa í da» facultada pela lagoa em termos de valor cal ó rico de peixe capturado pelo
homem . O modelo sugere uma interessante possibilidade de aumento da produ çã o de peixe, caso a
«cadeia alimentar lateral», atravé s de Chaoborus , venha a ser eliminada, embora seja també m de consi¬
derar a possibilidade desta cadeia lateral refor çar a estabilidade do sistema . ( Dados de Welch , 1967,
com a sua estimativa de energia assimilada ao n ível z 2 alterada para energia ingerida, estimada na base
de uma eficiê ncia de assimila çã o de 60 por cento para o zooplâ ncton e de 40 por cento para as
larvas de quironom í deos.)
110

mente , a produ ção de 300 kcal por m2 e ano de peixe a partir das águas naturais mais
fert é is ou das lagoas ordenadas para cadeias alimentares curtas, aproxima-se de uma
conversão de 10 por cento da produ ção primária líquida em produ ção de consumidores
primários ( comparar os Quadros 3-3C e 3-7 com o Quadro 3-11) ,• como é sugerido pelo
modelo generalizado da Figura 3-6.
Para al é m da actua ção da segunda lei da termodin â mica, o tamanho do alimento

Quadro 3-11
Produtividade Secund ária Medida na Produção de Peixe
CAPTURA PELO HOMEM
ECOSSISTEMA E N Í VEL TR ÓFICO
Ibs / acre / ano kcal / m2 / ano

I. Águas Naturais n ão Fertilizadas


Carn ívoros em geral (Popula çõ es Naturais)
Pesca marinha mundial ( m é dia) * 1,5 0,3
Mar do Norte f 27,0 5,0
Grandes Lagos ff 1- 7 0,2 - 1,6
Lagos africanos § 2 - 225 0,4 - 50
Pequenos lagos dos E. U.A. II 2 - 160 0,4 - 36
Carn ívoros Criados
Lagos para pesca nos E.U.A. ( pesca desportiva) § 40 - 150 9 - 34
Herb ívoros Criados
Lagoas de pesca na Alemanha ( carpa) i 100 - 350 22 - 80
II. Á reas de Upwelling da Current do Peru (anchovas)
Forte fertilização natural §§ 1500 . 335
III. Á reas Fertilizadas Artificialmente
Carn í voros Criados
Lagoas de pesca nos E. U.A. ( pesca desportiva) ** 200 - 500 45 - 112
Herb ívoros Criados
Lagoas marinhas nas Filipinas ( milkfish) § 500 - 1000 112 - 202
Lagoas de pesca na Alemanha ( carpa) i 1 000 - 1 500 202 - 336
IV. Á guas Fertilizadas Adição de Alimentos do Exterior
Carn ívoros
Lagoa de um acre nos E.U.A. i 2 000 450
Herb ívoros
Hong Kong § 2 000 - 4 000 450 - 900
China do Sul § 1000 - 13 500 202 - 3 024
Mal ásia § 3 500 785

* Uma captura de 60 x 106 toneladas m é tricas ( Prod . Handb . , F. A . O . , 1967) para uma superf í cie total de
360 x 106 km 2 de oceano,

t Estat ísticas da FAO.


tt Rawson, 1952.
§ Hickling, 1948.
I Rounsefell , 1946.
í Viosca, 1936.
§§ Pesqueiro natural mais produtivo do mundo, 107 toneladas m é tricas para 6 x 1010 m 2 (Ryther , 1969).
** Swingle e Smith , 1947.
111

é uma das principais razões subjacentes à existê ncia das cadeias alimentares, como
assinalou Elton (1927). Isto é assim por motivo de haver, usualmente, limites superiores
e inferiores relativamente definidos para o tamanho do alimento que um dado tipo de
animal pode suportar com eficácia. A questão da dimensão est á envolvida, também,
na diferen ça entre a cadeia de um predador e a cadeia de um parasita; na ltima, os
organismos dos n íveis sucessivos são cada vez mais pequenos em vez de serem, geral¬
mente , cada vez maiores. Assim as raízes das culturas hort ícolas são parasitadas por
nem átodos que podem ser atacados por bactérias ou outros organismos mais pequenos.
Os mamíferos e as aves são usualmente parasitados por moscas que, por sua vez, têm
parasitas do g é nero Leptomonas, para citar um outro exemplo. Contudo, do ponto de
vista energético n ã o h á diferen ça fundamental entre as cadeias de predador e de parasita,
uma vez que tanto os parasitas como os predadores são «consumidores». Por esta
razão n ão tem sido feita distin ção nos diagramas de corrente de energia; o parasita de
uma planta verde deverá ter neste diagrama a mesma posição que um herbívoro, ao
passo que os animais parasitas cairã o nas várias categorias de carn ívoros. Teoricamente,
as cadeias de parasitas serão em mé dia mais pequenas do que as cadeias de pre ¬
dadores, uma vez que o metabolismo por grama aumenta rapidamente à medida que
diminui o tamanho dos organismos, o que se traduz numa rá pida diminuição da
biomassa que pode ser suportada, como se terá ocasião de ver na secção seguinte
deste cap ítulo.
Um bom exemplo de uma cadeia alimentar de detritos é a que se baseia nas
folhas das á rvores de mangai como foi detalhadamente desenvolvida por Heald ( 1969)
e W. E. Odum (1970 ). Na zona salobra do sul da Florida, as folhas das á rvores da
espé cie mangue vermelha ( Rhiéophore mangle) caem nas águas cálidas e pouco profun ¬
das a um ritmo anual de 9 toneladas métricas por hectare ( cerca de 2,5 g ou 11 kcal
por m 2 e por dia) nas áreas ocupadas por povoamentos de á rvores do mangai. Dado
que se verificou que apenas 5 por cento do material foliar tinha sido removido pelos
insectos de pastoreio antes da abcisão da folha, a maior parte da produ ção lí quida anual
foi largamente dispersada pelas correntes de mar é e sazonais ao longo de vários quiló ¬

metros quadrados de baías e estuários. Como se ilustra na Figura 3-12 4 , um grupo


chave de pequenos animais, compreendendo um pequeno n mero de espé cies embora ,

n ú meros muito grandes de indivíduos, ingerem grandes quantidades de detritos das


plantas vasculares juntamente com microrganismos associados e tamb é m pequenas
quantidades de algas. As part ículas ingeridas pelos consumidores de detritos ( detrit í-
voros e sapr ótrofos) vão desde fragmentos de folhas com tamanho considerável at é
finas partículas de argila em que ficou inclu ída matéria orgânica. Estas part ículas passam
sucessivamente pelos intestinos de muitos indivíduos e esp é cies (isto é, o processo da
coprofagia; ver página 49 ), do que resulta um processo repetido de remo ção e de novo
crescimento de populações microbianas ( ou extracções e reabsor ções repetidas de
maté ria orgânica) até ficar esgotado o substracto. Verificou-se a ocorrê ncia de um
112

enriquecimento em prote í nas, como foi já anteriormente descrito ( ver Figura 2-10,
página 47) à medida que as folhas mortas do mangai eram convertidas em detritos.
Durante o estudo examinou -se detalhadamente o conte ú do do est ômago de mais de
100 espé cies de peixes. Quase sem excepção, observou -se que os peixes pequenos
se alimentavam dos consumidores de detritos , ao passo que os peixes de pesca
maiores se alimentavam, por sua vez, dos peixes mais pequenos ( Figura 3-12 A ).
O estudo demonstrou que os mangais, que t ê m sido considerados, de um modo geral,
como tendo pouco valor econ ó mico, dão na realidade uma contribuição substancial
para a cadeia de alimentos que suporta as actividades de pesca que são importantes
para a economia do sul da Florida (Heald e Odum, 1970). De forma análoga, detritos
de ervas marinhas , ervas de pâ ntano marinho e algas marinhas ( algas grandes )
sust ê m pescarias noutras á reas de estu ário (Darnell, 1958, 1967; E. P. Odum e de
la Cruz, 1967; Wood et al., 1970). Teal (1962) construiu um diagrama detalhado da
corrente de energia do estu ário de pâ ntano marinho da Ge ó rgia, baseado nos estu ¬
dos coordenados de um certo n mero de investigadores. A liga çã o principal entre
a produ ção prim ária e a produ ção de peixes é, neste ecossistema, um grupo de
consumidores de detritos de algas que compreende pequenos caranguejos, nemá-
todos, poliquetas, uma espé cie de camarão e caracóis. Como acontece com tanta
frequ ê ncia, a verdadeira natureza da ecologia de um sistema complexo não resulta
evidente de um exame superficial!
Assim, vê-se que a cadeia dos detritos termina de forma semelhante à da
via de pastoreio ( o peixe grande come, por assim dizer, o pequeno), por é m, a
maneira como as duas vias se iniciam é totalmente distinta. Como se vê no mo¬
delo mais detalhado do sistema de mangai, Figura 3-125, os consumidores de detri ¬
tos são, em contraste com os herb ívoros que pastam, um grupo misto em termos
de n í veis tr óficos. Enquanto grupo, os detrit í voros obt ê m alguma da sua energia
directamente do material planta, a maior parte dela secundariamente de microrganis ¬
mos e mais alguma por via terciária atrav é s de carn í voros ( por exemplo, comendo
protozoá rios ou pequenos invertebrados que se haviam alimentado de bact é rias
que tinham digerido material de plantas). Uma vez que os comedores de detritos
podem assimilar apenas uma pequena porção dos materiais massudos e quimicamente
complexos que ingerem, o delimitar a contribui çã o das fontes de energia utilizadas
representa um problema t é cnico dif í cil, ainda n ã o resolvido. Contudo, uma tal in ¬
formação não é necessária para modelar o sistema, uma vez que se pode conside ¬
rar todo o grupo como uma «caixa negra » adequada. Pelo que se conhece at é
agora, o modelo da Figura 3-125 pode servir igualmente bem para uma floresta ou
uma pastagem, tal como para um estu á rio : ser á de esperar que os padr ões de cor ¬

rente sejam os mesmos; apenas as espé cies ser ão diferentes.


A distribuição de energia n ã o é, por certo, apenas quantitativamente influen ¬
ciada pelos fenó menos da cadeia alimentar, como se tornará ó bvio em cap ítulos
113

seguintes. Nesta altura apenas é preciso destacar que algumas substâncias se concen ¬
tram em cada escalão da cadeia em vez de se dispersarem. Aquilo que passou a
conhecer -se como concentra ção da cadeia alimentar, ou em linguagem de informa ção
corrente como amplifica ção biol ógica, é dramaticamente ilustrado por certos radio-
nuclidos e pesticidas persistentes. No Cap í tulo 17, d ão-se exemplos de acumulação
de res í duos radioactivos ao longo das cadeias alimentares e no Quadro 3-12 ilus¬
tra-se um exemplo semelhante de acumula ção de DDT . Em Long Island , para
combater mosquitos foi espalhado DDT nos pâ ntanos durante muitos anos. Os
especialistas do controlo de insectos tiveram o cuidado de utilizar na pulveriza çã o
concentrações que n ão eram directamente letais para os peixes e outra vida sel¬
vagem, embora hajam falhado por n ã o terem levado em conta os processos ecol ó¬
gicos, nem o facto dos res í duos de DDT continuarem t óxicos durante longos perí o¬
dos de tempo. Em vez de serem arrastados pela água para o mar , como alguns
previam , os res í duos venenosos adsorvidos nos detritos concentraram-se nos teci ¬

dos dos comedores de detritos e dos peixes pequenos, voltando a concentrar -se nos
predadores superiores, como as aves comedoras de peixe. No caso que se ilustra
no Quadro 3- 12 o factor de concentração (a raz ão de ppm no organismo para as
ppm na água) é de cerca de meio milh ão para os comedores de peixe. Retrospec-
tivamente, o estudo de um modelo de cadeia alimentar de detritos, como se ilustra
na Figura 3- 12, viria a indicar que tudo aquilo que penetra facilmente nos detritos
e nas part í culas de solo e se dissolve nos intestinos se concentraria pelo processo
de ingest ã o e re- ingest ão que tem lugar no princí pio da cadeia de detritos. Uma

Quadro 3-12
Um Exemplo de Concentração de um Pesticida Persistente, DDT, na Cadeia Alimentar *
PPM f
RESÍDUOS DE DDT

Água 0,00005
Plâncton 0,04
Sargo Prateado 0,23
Sargo Cabe ça de Carneiro 0,94
L ú cio Americano ( peixe predador ) 1,33
Peixe Agulha (peixe predador ) 2,07
Gar ça (alimenta-se de animais pequenos) 3,57
Andorinha do Mar ( alimenta-se de animais pequenos) 3,91
Gaivota Arg ê ntea (alimenta-se de carniça) 6,00
Ovo de Águia Pesqueira (Osprey) 13,8
Merganso Grande ( pato comedor de peixe) 22 ,8
Corvo Marinho de Faces Brancas (alimenta-se de peixe maior) 26,4

* Dados de Woodwell, Wurster and Isaacson , 1967.


t Partes por milh ão ( ppm) de resíduos totais, DDT + DDD + DDE ( todos eles t óxicos), numa base de peso
h ú mido de todo o organismo.
114
FOLHAS DE
MANGUE im
+ FUNGOS
FITOPL Â NCTON BACTÉ RIAS
ALGAS B É NTICAS
PROTOZO Á RIOS

REINGESTÃ O
e
COPROFAGIA
-
/ < f Q?\
k  NFiPODE
LARVA DE
INSECTO

CAMAR Ã O
DE ERVA

PEIXE CIPRINlDEC
MISIDO

CONSUMIDORES DE DETRITOS

CARN ÍVOROS PEQUENOS


( ESP É CIES DE ClPRINlDEOS , PEQUENOS PEIXES DE PESCA , ETC ) .
f
CARNÍVOROS GRANDES (DE TOPO)
A ( PEIXES DE PESCA , AVES COMEDORAS DE PEIXE )

INSECTOS TERRESTRES
APASCENTAÇÂ O DIRECTA
S
HERB Í VOROS }CARN Í VORO
DE
MANGUE
A
DISSOLVIDAS , *
NIVEL TR ÔFICO

$ HERB Í VOROS
BACT É RIAS
EM
\ t \/

CARN Í VOROS CARN Í VOROS


f
f INTERM É DIOS SUPERIORES
t
! PROTOZO Á RIOS-? \ r
'4
> St \r
DISSOLVIDAS''

t MATERIAL FECAL
B

-
Figura 3 12. Uma cacteia alimentar de detritos baseada em folhas de mangue que caem em águas
pouco fundas de um estu ário do sul da Florida . Os fragmentos de folhas atacados por sapr ótrofos e colo ¬
nizados por algas são comidos e voltados a comer ( coprofagia) por um grupo chave de pequenos consu ¬
midores de detritos os quais proporcionam, por sua vez, o principal alimento para os peixes de pesca,
-
gar ças, cegonhas e í bis . Em A apresenta se um «modelo figurativo» da cadeia alimentar (diagrama supe ¬
rior ) e em B (diagrama inferior ) um « modelo de compartimentos». (Reproduzido de W . E Odum , 1970.) .
115

tal acumula çã o de DDT nos detritos foi documentada por W . E. Odum, Woodwell
e Wurster (1969). A amplificação ó formada nos peixes e nas aves por um amplo
depósito de gordura no qual os resíduos de DDT se acumulam. O uso em grande
quantidade de DDT trouxe como consequ ê ncia final que populações inteiras de
aves predadoras, como o açor comedor de peixe (águia pescadora), e comedores
de detritos, como os caranguejos do g é nero Uca, est ã o a desaparecer. Foi demons¬
trado que as aves sã o especialmente vulner áveis ao envenenamento por DDT por
motivo deste ( bem como outros insecticidas organoclorados ) interferir com a for ¬
mação da casca do ovo por dist ú rbio nas hormonas ester óides ( ver Peakall , 1967;
Hickey e Anderson, 1968), do que resultam ovos fr ágeis que se partem antes da cria
poder completar o seu desenvolvimento. Assim, quantitativos muito pequenos que
n ão eram letais para o indivíduo tornam-se letais para a popula ção! Foi a documen ¬
tação cient ífica deste tipo de acumula ção assustadora (assustadora porque o homem
é també m um «carn í voro superior »!) e dos seus efeitos fisiol ógicos n ão antecipá veis
que mobilizou , finalmente , a opini ã o p blica para a limita çã o do uso do DDT e de
outros pesticidas semelhantes. Como se ver á no Capítulo 16, h á outras alternativas,
e melhores, para o controlo dos insectos que n ão requerem o envenenamento de
toda uma cadeia alimentar para combate a uma dada espé cie de praga!
O princí pio da amplifica ção biol ógica ( ver resumo da autoria de Wood ¬
well , 1967) deve ser considerado em toda a estrat égia de ordenamento de resíduos.
Dever á ser salientado, contudo, que muitos factores n ão biol ógicos podem, també m,
reduzir ou aumentar o factor de concentração. Assim, o homem ingere menos DDT
do que a águia pescadora, em parte porque o processamento dos alimentos e o facto
de serem cozinhados elimina, uma fracçã o dos materiais. Por outro lado, os peixes
estão expostos a um duplo perigo, dado poderem contaminar -se por absor ção directa
do meio atravé s das guelras ou pele bem como atravé s do respectivo alimento.
Embora a acumula çã o de resí duos radionuclidos ou de precipita çã o radioactiva
nas cadeias alimentares seja matéria a ter em conta, a utilização experimental de
traçadores radionuclidos revelou -se de grande utilidade na representa ção gráfica de ¬
talhada de teias alimentares complexas de ecossistemas intactos. Marcando uma dada
fonte de energia ou a população de uma espé cie, a por ção da teia alimentar su ¬
portada por essa fonte pode ser «tra çada » ou « isolada », por assim dizer, seguindo
a transfer ê ncia do material radioactivo ao longo de todo o sistema intacto sem gran ¬
de dist rbio no funcionamento deste (E. P. Odum e Kuenzler, 1963; Wiegert, Odum
e Schnell, 1968; Wiegert e Odum, 1969). Encontram-se descritos no Cap í tulo 17
exemplos de tais estudos ( ver especialmente Figura 17-6, página 733 ).
116

Eficiências Ecol ógicas

As razões entre a corrente de energia em diferentes pontos ao longo da ca ¬


deia alimentar t ê m interesse ecol ógico considerá vel . Tais razões, quando expressas
como percentagem, sã o com frequ ê ncia designadas por «eficiê ncias ecol ógicas». No
Quadro 3-13 encontram-se listadas algumas dessas razões, bem como definidas em
termos de diagrama de corrente de energia. Na sua maior parte, estas propor ções
t ê m significado tanto relativamente às populações componentes como aos n í veis
tr óficos tomados no seu conjunto. Uma vez que os diversos tipos de eficiê ncias
são com frequência confundidos, é importante definir exactamente qual a relação

Quadro 3-13
Vários Tipos de Eficiências Ecológicas
-
Os s í mbolos são os seguintes ( ver Figura 3-6): L - luz (total); LÁ - luz absorvida; PB fotossíntese
total ( produção bruta); P - produção de biomassa; / - absorção de energia ; R - respiração;
A - assimila çã o; NA - ingerida mas n ã o assimilada ; NU - n ã o utilizada pelo n í vel tr ófico indi ¬
cado; t - n í vel tr ófico ; t - 1 - n í vel tr ófico precedente.

RAZ ÃO DESIGNAÇÃO E EXPLICAÇÃO

A. Razões Entre Ní veis Tróficos


J ,
Efici ência de absorçã o de energia do n ível tr ófico (ou eficiê ncia de Lindeman ). Para
I,- i o primeiro n ível tem -se

PB ou
n PB
L LÁ
A, Para o n í vel prim ário P e A podem ser
Eficiê ncia de assimilaçã o do n í vel tr ófico expressos em termos de L ou LÁ , como
AM
P , - acima se indica; AJT ,.I = /,//M para o
n ível primário, embora não para os n í¬
Eficiê ncia de produção do n íVel trófico veis secund á rios.
P,-1

A OU A , Efici ê ncias de utiliza çã o


P, Pr-l
B. Razões Dentro dos Ní veis Tróficos

P ,
Eficiê ncia em crescimento de tecido
A,

P,
Eficiê ncia em crescimento ecológico
I,
A,
Eficiê ncia de assimilação
I ,
117

envolvida; o diagrama de corrente de energia ( Figuras 3-6 e 3-9) d á uma boa con ¬
tribuição para esta clarifica ção.
É da maior import â ncia salientar que nas compara çõ es as razões de efici ê n ¬
cia apenas t ê m significado quando são adimensionais, isto é , quando o numerador
e o denominador de cada razão são expressos na mesma unidade . Doutro modo,
os enunciados sobre as efici ê ncias podem ser muito enganadores. Por exemplo, os
avicultores podem falar numa eficiê ncia de 40 por cento na conversão do alimento
para frangos em frangos ( no Quadro 3-13, a razã o por é m , esta mostrou ser
uma rela çã o do frango « h ú mido» (de um valor de cerca de 2 kcal por g) para o
alimento seco ( valendo mais de 4 kcal por g ) . A verdadeira eficiê ncia de crescimento
em termos de kcal/ kcal neste caso é mais da ordem dos 20 por cento. Sempre que
possí vel, as efici ê ncias ecol ógicas devem ser expressas em « moeda de energia»
(isto é , calorias por caloria).
A natureza geral das eficiê ncias de transfer ê ncia entre n í veis tr óficos já foi
analisada, isto é , as eficiê ncias de produ çã o PJL de 1 a 5 por cento, PJLA de 2 a 10
por cento, e de 10 a 20 por cento para as efici ê ncias de produ çã o entre n í veis tr óficos
secund á rios. As eficiê ncias de assimila çã o e de crescimento ( razõ es no interior dos
n í veis tr óficos) s ão com frequ ê ncia da ordem dos 10 a 50 por cento, embora possam
ser muito maiores. Os organismos que vivem de alimentos de grande valor nutritivo
poderão levar a assimilação at é 100 por cento daquilo que ingerem. Noutros casos,
uma grande percentagem da energia assimilada pode converter - se em crescimento
se as exig ê ncias de manutenção «antit é rmica» imposta pelo ambiente forem forte ¬
mente reduzidas e se os organismos forem pequenos. Na natureza, existe uma ten ¬
d ê ncia para ocorrer nos animais uma rela çã o inversa entre a efici ê ncia de cresci ¬
mento de tecido e a eficiê ncia de assimilação, como se ilustra na Figura 3- 13
( ver E. P. Odum e A. L. Smalley, 1957; Welch , 1968). Em contraste, a efici ê n ¬
cia de crescimento ecol ógico tende a permanecer mais constante, à volta de 20 por
cento (Slobodkin , 1961, 1962 ). É necessá rio efectuar mais estudos para determinar
o significado destas tend ê ncias, em especial desde que a literatura deu conta de
excepçõ es manifestas ao modelo.
As efici ê ncias prim á rias muito baixas que s ão caracter í sticas dos sistemas
naturais intactos deixaram muitas pessoas desconcertadas face às efici ê ncias relativa ¬
mente altas obtidas nos motores eléctricos e em outros sistemas mecâ nicos. Isto
conduziu muitos, de um modo perfeitamente natural, a pensar seriamente na possibi ¬
lidade de aumentar a efici ê ncia da natureza. Na realidade, os ecossistemas de grande
escala e de longo prazo n ã o sã o directamente compar á veis, deste ponto de vista,
com sistemas mecâ nicos de curto prazo. Para come çar , uma parte consider á vel do
combust í vel aplica- se nos sistemas vivos na repara ção e na manuten çã o, ao passo
que no cálculo das efici ê ncias do combust í vel nos motores n ã o se inclui a depre ¬
cia çã o e a repara ção. Por outras palavras, requere- se uma consider á vel quantidade
118

100

o
CRESCIMENTO
o 80 - LÍ QUIDA =
ASSIMILAÇÃ O

< 60 -
Q

< Fig . 3- 13. Rela çõ es entre efici ê ncia de crescimento


l
O
40 - de tecido, efici ê ncia de crescimento ecol ógico e efi ¬
ci ê ncia de assimila çã o em popula çõ es animais. (Se ¬
UJ gundo Welch , 1968. )
u 20 - LBRUTA ( ECOLÓGICA )
# CRESCIMENTO
INGEST ÃO
0
0 20 40 60 80 100
% DE EFICIÊNCIA DE CRESCIMENTO

de energia ( humana ou outra) distinta do combust í vel para conservar as m áquinas


em estado de funcionamento, as reparar e substituir ; n ã o é l í cito comparar moto¬
res com sistemas biol ógicos a menos que se tenha isto em consideração, porque
os ú ltimos se reparam e se perpetuam eles pr ó prios . Em segundo lugar , é prov á ¬
vel que um crescimento mais r á pido por unidade de tempo tenha um valor de so ¬

breviv ê ncia maior do que a máxima efici ê ncia no emprego de combust í vel. Assim ,
para nos servimos de uma simples analogia, poderia ser mais importante chegar
rapidamente a um destino a cinquenta milhas por hora do que conseguir a m á xima
eficiê ncia no consumo de combust í vel conduzindo lentamente ! É para os engenhei ¬
ros importante compreender que todo o aumento na efici ê ncia de um sistema biol ó¬
gico será obtido à custa da manuten çã o. Chega sempre um momento em que um ganho
proveniente do aumento da eficiê ncia se perder á na forma de um custo aumentado, pa ¬
ra já nã o falar do perigo de uma perturba çã o acrescida que possa resultar das oscilações.
Com vista a uma an á lise mais aprofundada da ideia de que a baixa eficiê ncia é
necess ária para uma produ çã o máxima de energia, veja-se Odum e Pinkerton (1955)
e tamb é m H. T. Odum (1971).

5. METABOLISMO E TAMANHO DOS INDIVÍDUOS

Enunciado

A biomassa da exist ê ncia permanente ( expressa como peso seco total ou o


teor cal órico total dos organismos presentes em qualquer momento) que pode ser su ¬
portada numa cadeia alimentar por uma corrente de energia constante depende, em
parte considerá vel , da dimensão dos organismos individuais. Quanto mais pequenos
119

são os organismos, maior é o seu metabolismo por grama ( ou por caloria) de biomas-
sa. Em consequ ê ncia, quanto mais pequeno é o organismo, mais pequena é a bio-
massa que pode ser suportada no ecossistema a um dado n í vel tr ófico. Inversa-
mente , quanto maior for o organismo, tanto maior ser á a biomassa da exist ê ncia
do conjunto. Assim, o volume das bact é rias presentes em qualquer momento ser á
muito menor do que a «exist ê ncia» de peixes ou de mam íferos, mesmo que seja
a mesma a utilização de energia por ambos os grupos.

Explicação e Exemplos

O metabolismo por grama de biomassa de plantas e de animais pequenos,


como algas , bact é rias e protozoá rios , é imensamente maior do que a taxa me ¬
tab ólica de organismos grandes, como as á rvores e os vertebrados. Isto aplica-se
tanto à fotoss í ntese como à respira ção. Em muitos casos, as partes metabolicamente
importantes da comunidade n ão s ã o os pouco numerosos organismos not á veis mas
sim os in meros organismos diminutos, muitas vezes invis í veis a olho nu. Deste
modo, as diminutas algas ( fitoplâ ncton ), representando num lago e em qualquer mo¬
mento poucas centenas de gramas por hectare, podem ter um metabolismo t ão
grande como um volume muito maior de á rvores numa floresta ou de forragem
numa pastagem . Da mesma forma, algumas centenas de gramas de pequenos crus¬
t áceos (zooplâ ncton ) que «se apascentam » de algas podem ter uma respiraçã o total
igual a muitos quilos de vacas numa pastagem.
O ritmo do metabolismo dos organismos ou de associa çõ es de organis¬
mos calcula- se, frequentemente , medindo a taxa a que o oxig é nio é consumido
(ou produzido, no caso da fotoss í ntese ). Existe uma clara tend ê ncia geral nos ani ¬
mais para o aumento da taxa metabó lica por organismo à medida que aumenta o
volume ( ou o peso) para cima dos dois ter ços da respectiva capacidade, ou para re ¬
du çã o da taxa metab ólica por grama de biomassa inversamente ao comprimento
( Zeuthen , 1953; Bertalanffy, 1957; Kleiber, 1961). Parece existir nas plantas uma re ¬
laçã o semelhante, embora as diferenças estruturais entre plantas e animais ( ver mais
adiante) tornem dif íceis as compara ções em termos de volume e de comprimento.
Estas rela ções sã o ilustradas na Figura 3-14 pelas linhas cont í nuas que indicam ,
de uma forma aproximada , as relações entre tamanho e metabolismo. Várias teorias
propostas para explicar estas tend ê ncias centraram-se à volta dos processos de di ¬
fusão ; os organismos maiores t ê m uma menor á rea de superf ície por grama atravé s
da qual podem ocorrer os processos de difusão. Contudo, ainda n ã o h á acordo
quanto à explica çã o real para a rela çã o entre o tamanho e o metabolismo. Como
se compreende , as compara ções deverão ser feitas às mesmas temperaturas, uma
vez que as taxas metabó licas sã o usualmente maiores a temperaturas mais eleva-
120

das do que a temperaturas mais baixas (excepto no caso de adapta çã o t é rmica ;


ver página 173).
Dever á de facto salientar-se que quando se comparam organismos da mesma
ordem de grandeza, quanto a dimensão, a rela çã o linear ilustrada na Figura 3-14
nem sempre é vá lida. Isto seria de esperar , uma vez que h á muitos factores, al é m
da dimensão, que afectam també m o ritmo do metabolismo. Por exemplo, é bem
sabido que os vertebrados de sangue quente t ê m uma maior taxa respirat ó ria do
que os vertebrados de sangue frio do mesmo tamanho. Por é m , a diferen ça é de
facto realmente pequena quando comparada com a diferen ça entre um vertebrado
e uma bacté ria. Assim, dada uma mesma quantidade de energia alimentar dispo¬
n í vel, a exist ê ncia permanente de peixes herb í voros de sangue frio numa lagoa
poderá ser da mesma ordem de grandeza que a de mam í feros herb í voros de sangue
quente na terra. Por é m, tal como já foi salientado no Capítulo 2, o oxig é nio está
menos dispon í vel na água do que no ar e é portanto mais prov á vel que seja l í mi-
tante na água. Em geral, os animais aqu á ticos parecem ter uma rela ção entre a taxa
respirat ória específica e o peso mais pequena que os animais terrestres do mesmo
tamanho. É muito possível que semelhante adaptaçã o afecte a estrutura tr ófica
( ver Misra et al., 1968).
No estudo da rela çã o entre a dimensã o e o metabolismo nas plantas, é
frequentemente dif í cil decidir o que constitui um « indiv í duo». Assim , pode- se, como é
uso, considerar uma grande á rvore como um indivíduo , por é m , as folhas podem
na realidade , actuar como «indiví duos funcionais» no que diz respeito à s rela ções
á rea da superf í cie - tamanho ( relembrar o conceito de í ndice de á rea foliar, Figura
3-2 ). Num estudo de vá rias espécies de algas marinhas (algas grandes multicelula-
res) verificou -se ( ver Figura 3-14) que as esp écies com « ramos» delgados ou estrei ¬
tos (e , consequentemente com uma alta propor ção superf í cie - volume) tinham, por
grama de biomassa , uma maior velocidade de produ çã o de alimento, de respira çã o
e de absorção de f ósforo radioaotivo proveniente da água do que as esp é cies com
ramos grossos (E. P. Odum, Kuenzler e Blunt, 1958). Assim, os « ramos» ou mesmo as
cé lulas individuais eram, neste caso, «indiv í duos funcionais» e n ão toda a « planta» ,
que poderia incluir numerosos « ramos» fixados ao substrato por um só suporte.
A rela çã o inversa entre o tamanho e o metabolismo tamb é m pode ser obser ¬
vada na ontogenia de uma dada esp é cie. Os ovos, por exemplo, apresentam usualmente
uma maior taxa metabó lica por grama do que os adultos, maiores. Segundo dados
publicados por Hunter e Vernberg (1955), verificou - se que o metabolismo por grama
de trem á todos parasitas era 10 vezes menor do que o dos pequenos cercários.
Para evitar confusão, é preciso repetir ser a rela çã o taxa metab ólica especí ¬
fica- peso que diminui com o aumento do tamanho, n ão o metabolismo total do
indiví duo. Assim, um indiv íduo adulto requer mais alimento total do que uma
crian ça, embora menos alimento por quilograma de peso do respectivo corpo.
121

FOTOSS ÍNTESE NATURALMENTE ADAPTADA

. 1

.0 1

.001 -
OXIG ÉNIO

.0001+

ICP RESPIRA ÇÃ O

10 •

10
J000I .001 .01 .1 I 10 100
ESPESSURA DA FOLHA OU ORGANISMO EM CM

T 1 1 I i i i i
*

CLADOPHORA
X u: V A
CD
O

2
X
m
o

D CHONDRUS
O I
X
-
•FUCUS

20 50 100 200 500


RAZÃO SUPERFÍCIE / VOLUME CM2 / CM3

-
Figura 3 14. Metabolismo por grama de biomassa como uma fun çã o da dimensão dos orga ¬

nismos. De cima para baixo, as curvas representam: a taxa fotossint é tica por grama de biomassa em
diversas algas e plantas de folhas em relação com o comprimento ou a espessura da folha; a respiração
por grama de biomassa em organismos heterotró ficos (animais e bact é rias ) em rela çã o com o compri ¬

mento do organismo; e a produção bruta de v árias espé cies de algas marinhas grandes em relação com a
propor ção entre superfí cie e volume. Em cada caso, os organismos pequenos ou delgados, com uma razão
ície e volume, t ê m taxas mais elevadas de metabolismo por grama do que os organismos
alta entre superf
grandes ou espessos. O gr á fico superior segundo H. T. Odum ( 1956 a ) com base em dados de Verduin
e Zeuthen. O gr áfico inferior segundo E. P. Odum et al. ( 1958).
A. PIR Â MIDE DE N Ú MEROS. Indivíduos (excluindo microrganismos e animais do solo) por 0,1 hectare

C3- l

C2 90 ,000
C3 2

C2 - 120,000

-
C, 200,000 Ci -150,000
-
P 1,500,000 P 200
Pradaria Floresta Temperada
(Verã o ) (Ver ã o )

B. PIR Â MÍDE DP BÍOMASSA. Gramas de peso seco por metro quadrado

i
>
C2 4

C, - ll
i
-
C2 0.01
n c,- ii


Q 21 Ci 1 Ci 132

TT P 4
Canal da
P 96
Lago
P 500
Campo Velho
P 703
Recife de Coral
Mancha Wisconsin na Geó rgia de Eniwetok

C2 l -
D 10 H 4

P - 40,000
FInrp.sta Trnniral Hn Panam á

C. COMPARAÇÃO DA EXISTÊNCIA PERMANENTE E DAS PIR Â MIDES DE CORRENTE DE ENERGIA PARA


S1LVER SPRINGS, FLORIDA

S 5
r C3 1.5

C2- ll
n .—C - 21
C2 383

P 809
Cj-37 S - 5060
P - 20,810
Ci 3368

Exist ê ncia permanente: kcal/ m2 Corrente de Energia: kcal / m2 /ano

D. ALTERAÇÃO ESTACIONAL NA PIRÂ MIDE DE BIOMASSA NA COLUNA DE ÁGUA (APENAS PLÂ NCTON
LÍQUIDO) DE UM LAGO ITALIANO. Miligramas de peso seco por metro c ú bico

>- 3

Ca -10
C2 6

Ct -12

JJ7 -2

Inverno
P -100
Primavera

E. «SUBPIRÂMIDES» DE N Ú MEROS, BIOMASSA E ENERGIA RESPIRAT ÓRIA PARA ARTRÓ PODOS DO SOLO
NUM CAMPO VELHO DE MICHIGAN

j | 0,-17,000
' ,

C2 20 —
C2 625

Ci -142,000 Ci-60 C, 110Ò


-
lndiv íduos / m 2 Miligramas / m2 cal/ m 2 /ano

Figure 3 15 - . See opposite page for legend.

Figura 3 15. Pirâ mides ecológicas de n ú meros, biomassa e energia em diversos ecossistemas,
desde o tipo mar alto a grandes florestas. P = produtores; C 2 = consumidores primários; C2 = consumi ¬
dores secund ários; C3 = consumidores terciários (carnívoros de topo); S sapró trofos ( bacté rias e fungos);
D = «decompositores» ( bactérias, fungos + detritívoros). As pirâ mides estã o um tanto generalizadas,
'

=
embora cada qual esteja baseada em estudos específicos, como se segue: A. Os dados sobre as plantas
de pradaria são de Evans e Cain, 1952; dados relativos a animais, de Wolcott, 1937; a floresta temperada
-
baseia se nos bosques de Wytham, pr óximo de Oxford, Inglaterra, segundo foram resumidos por Elton,
1966, e Varley, 1970. B. Canal da Mancha, Harvey, 1950; lago de Wisconsin (Weber Lake ), Juday, 1942;
campo velho da Ge ó rgia, E. P. Odum, 1957 ; recife de coral, Odum e Odum, 1955; floresta do Panamá,
F. B . Golley e G. Child ( nã o publicado). C. Silver Springs, H . T. Odum, 1957. D Lago italiano ( Lago .
.
Maggiore ), Ravera, 1969. E Artr ópodos do solo, Engelmann , 1968.
123

6. ESTRUTURA TR Ó FICA E PIR Â MIDES ECOLÓGICAS

Enunciado

A interacçã o dos fen ó menos da cadeia alimentar ( perda de energia em cada


transfer ê ncia) e a relação entre o tamanho e o metabolismo traduzem - se em comuni ¬
dades possuindo uma estrutura trófica definida, frequentemente caracter í stica de um
dado tipo de ecossistema (lago, florestq, recife de coral, pastagem , etc. ). A estrutura
tr ófica pode medir-se e descrever - se, tanto em termos de exist ê ncia permanente por
unidade de á rea , como em termos da energia fixada por unidade de á rea e por unidade
de tempo a n í veis tr óficos sucessivos. A estrutura trófica e també m a fun çã o trófica
podem ilustrar-se graficamente por meio de pirâ mides ecológicas, nas quais o primeiro
n ível ou n í vel produtor forma a base e os n í veis sucessivos formam camadas at é ao
á pice. As pir â mides ecol ógicas podem ser de tr ê s tipos gerais : (1) a pirâ mide de n meros
na qual é representado o n mero dos organismos individuais; (2 ) a pirâ mide de biomassa
baseada no peso seco total, no valor cal órico ou noutra medida da quantidade total de
material vivo ; e (3) a pirâmide de energia na qual se apresenta a velocidade da corrente
de energia e / ou a « produtividade» a n í veis tr óficos sucessivos. As pir â mides de n meros
e de biomassa podem ser invertidas ( pelo menos em parte ), quer isto dizer , a base po ¬

derá ser mais pequena do que um ou mais dos andares superiores, caso os organismos
produtores sejam em média e quanto a tamanho individual mais pequenos do que os
consumidores. Por outro lado, a pir â mide da energia tem de apresentar sempre a verda¬
deira forma de uma pir â mide ' erecta, desde que se considerem no sistema todas as
fontes de energia alimentar.

Explicação e Exemplos

Na Figura 3-15 apresentam- se pirâ mides ecol ógicas, e na Figura 3- 16 comparam-se


os tr ês tipos num modelo hipot ético.
A pir â mide de n ú meros é na realidade o resultado de tr ê s fen ó menos que operam ,
como regra, simultaneamente. Um desses fen ó menos é o facto, geometricamente fami ¬

liar, de ser necessá rio um grande n ú mero de pequenas unidades para igualar a massa
de uma unidade grande , independentemente dessas unidades serem organismos ou
blocos de constru ção. Deste modo, mesmo que o peso dos organismos grandes fosse
igual ao dos mais pequenos, ainda assim, o n ú mero dos organismos menores seria
muito maior do que o daqueles. Portanto, por causa da geometria, a exist ê ncia de uma
pir â mide de n ú meros vá lida num grupo natural de organismos nã o significa , necessaria¬
mente, que haja um n ú mero menor dos organismos maiores numa base de peso.
124

O segundo fen ó meno que contribui para o padrã o de muitos organismos peque ¬
nos e poucos grandes é a cadeia alimentar. Como foi assinalado na Secção 2, perde-se
sempre ( na forma de calor ) energia ú til na transfer ê ncia que ocorre, a cada passo, ao
longo da cadeia alimentar . Consequentemente, excepto onde ocorrem importações de
mat é ria orgâ nica ( como no Quadro 3-11, IV), h á muito menos energia dispon í vel para
os n í veis tr óficos mais altos. O terceiro factor envolvido na pir â mide de n ú meros é a
rela ção inversa taxa metab ólica-dimensão discutida na secçã o anterior.
Realmente a pir â mide de n ú meros não é muito essencial ou instrutiva como
esquema ilustrativo, uma vez que os efeitos relativos dos factores «geometria», «cadeia
alimentar» e «tamanho» n ã o sã o revelados. A forma da pir â mide de n ú meros varia muito
de comunidade para comunidade , consoante os indiv í duos produtores sã o pequenos
( fitopl â ncton , erva) ou grandes ( carvalho). Do mesmo modo, os n ú meros variam t ão
largamente que é dif ícil apresentar toda a comunidade na mesma escala numé rica. Isto
não significa que o n ú mero de indiv í duos presentes não tenha interesse, mas sim que
provavelmente a forma mais adequada de os apresentar é a tabular.
A pir â mide de biomassa tem um interesse mais fundamental, uma vez que o
factor «geom é trico» é eliminado e as relações quantitativas da «exist ê ncia permanente »
são bem ilustradas. Em geral , a pir â mide de biomassa faculta um quadro grosseiro
do efeito geral das relações da cadeia alimentar para o grupo ecológico tomado como
um todo . Quando se representa graficamente o peso total dos indivíduos nos suces ¬
sivos n í veis tró ficos, deve esperar-se uma pirâ mide de declive gradual caso o tamanho
dos organismos n ã o difira consideravelmente . Contudo, se ps organismos dos n í veis
inferiores sã o em m édia bastante mais pequenos do que os dos n í veis superiores, a
pir â mide de biomassa pode ser invertida. Por exemplo, onde o tamanho dos pro¬
dutores é muito pequeno e o dos consumidores muito grande, o peso total dos ú lti ¬
mos pode ser maior em qualquer momento. Em tais casos, embora vá passando mais
energia através do n ível trófico produtor do que através dos n íveis consumidores
( o que acontecerá sempre ), os f á pidos metabolismo e renovaçã o dos pequenos orga¬
nismos produtores realizam uma produ çã o maior com uma menor biomassa perma ¬
nente . Apresentam -se na Figura 3-15# , D exemplos de pir â mides de biomassa inver ¬

tidas. Em lagos e no mar as plantas ( fitopl â ncton ) costumam pesar mais que os seus
consumidores ( zoopl âncton ) durante os per í odos de elevada produtividade prim á ria,
como durante a «floraçã o» primaveril, embora noutras alturas, como no Inverno, se
possa verificar o contr á rio, como ilustra o exemplo obtido num lago italiano ( ver
també m Pennak, 1955; Fleming e Laevastu , 1956 ).
Caso se assuma, de momento, que os exemplos constantes da Figura 3 15 são -
representativos da amplitude de situa ções a esperar , podem fazer-se as seguintes gene ¬
ralizaçõ es: ( 1) Nos ecossistemas terrestres e de águas superficiais, onde os produtores
são grandes e de vida relativamente longa, deve esperar-se uma pir â mide de base larga
e relativamente est á vel . Como é ilustrado na Figura 3-15# pela compara ção entre a pir â -
125

mide do «campo agrí cola abandonado» com a do recife de coral, as comunidades novas
ou de estabelecimento recente tendem a ter um menor n mero de consumidores pro ¬
porcionalmente aos produtores ( isto é, o ápice da pirâ mide de biomassa será pequeno).
Em termos gerais, nas comunidades terrestres e de águas superficiais os animais consu ¬
midores t ê m biologias e exig ê ncias de habitat (albergue especializado, etc.) mais compli ¬

cadas que as plantas verdes; assim, as populações animais podem requerer um per í odo
de tempo mais longo para alcan çar o máximo desenvolvimento. ( 2 ) Em situa çõ es de
água aberta ou profunda onde os produtores são pequenos e de vida curta, a situa ção
da exist ê ncia pode ser , em qualquer momento, grandemente variá vel e a pirâ mide de
biomassa poder á ser invertida. Tamb é m, o tamanho global da exist ê ncia total perma ¬

nente ser á, provavelmente , mais pequeno (como é indicado graficamente pela á rea da
pir â mide de biomassa) do que o das comunidades terrestres ou de águas superficiais,
mesmo se a energia total fixada anualmente for a mesma. Finalmente , (3 ) deve esperar-se
que os lagos e as lagoas, onde tanto as grandes plantas enraizadas como as algas finas
são importantes, apresentem um arranjo intermé dio de unidades de exist ê ncia perma¬
nente (como fica ilustrado pelo lago de Wisconsin , Figura 3-155).
Dos tr ê s tipos de pirâ mides ecológicas , a pirâmide de energia faculta , de longe,
o melhor cen ário conjunto da natureza funcional das comunidades, uma vez que o
n mero e o peso dos organismos que podem ser suportados a qualquer n í vel e em
qualquer situaçã o dependem , não da quantidade de energia fixada presente em qual ¬
quer momento no n í vel imediatamente inferior, mas sim da taxa à qual o alimento
est á a ser produzido. Em contraste com as pirâ mides de n ú meros e de biomassa.
que sã o representa çõ es dos estados existentes , isto é , dos organismos presentes em
qualquer momento, a pirâmide cie energia é a representação dos ritmos de passagem
da massa de alimento atrav é s da cadeia alimentar. A sua forma nã o é afectada pelas
variações na dimensão e na intensidade metab ólica dos indiv í duos, e , se forem con ¬

sideradas todas as fontes de energia, terá sempre de apresentar o «lado certo para
cima » em virtude da segunda lei da termodinâ mica.
A comparação entre as pirâ mides de biomassa e de energia ( ver Figura 3-15 )
para os ricos e belos Silver Springs, na Florida, que sã o visitados anualmente por
milhares de turistas, é especialmente interessante , uma vez que se apresenta uma esti ¬
mativa de toda a comunidade , incluindo os decompositores. Leitos de erva de água doce
(Sagittaria) e algas aderentes constituem o essencial da exist ê ncia permanente dos pro¬
dutores neste manancial , no qual numerosos insectos aquá ticos , caracóis , peixes her ¬

bívoros e tartarugas fazem parte dos consumidores primários. Outros peixes e inverte ¬
brados formam a «exist ê ncia» menor dos consumidores secund á rios , sendo os «carn í ¬
voros de topo» o achigã e o «gar» ( peixe da fam í lia dos Lepisosteideos) . Os animais
parasitas foram inclu ídos no ú ltimo n í vel. Uma vez que os decompositores, ou sapr ó-
voros, se ocupam principalmente com a decomposição da grande massa das plantas,
embora també m decomponham todos os demais n í veis , é l ógico apresentar este com-
126

ponente como uma barra alta que assenta no n í vel tr ófico prim á rio mas se estende
at é ao topo da pir â mide . Na realidade , a biomassa de bact é rias e fungos é muito pequena
em relação à sua import â ncia na corrente de energia da comunidade. Assim , a pirâ mide
de n meros avalia grandemente por excesso os sapr óvoros microscó picos e a pir â mide
-
de biomassa subestima os grandemente . Nem os n meros nem os pesos t ê m , por eles
pr ó prios, muito significado na determinaçã o do papel desempenhado na din â mica das
comunidades pelos microrganismos decompositores; apenas as medições da real utili ¬
zaçã o de energia, como fica demonstrado na pirâ mide de energia, poder ão colocar os
microconsumidores numa posição verdadeira, face aos componentes macroscó picos.
O conceito de corrente de energia faculta n ão apenas um meio de comparar
sistemas uns com os outros, mas é també m um modo de avaliar a import â ncia relativa
das populaçõ es. O Quadro 3-14 apresenta uma lista de estimativas de densidade, de
biomassa e de velocidade de corrente de energia para seis populaçõ es que diferem
grandemente na dimensã o dos indiv í duos e no habitat . Nesta sé rie , os n ú meros variam
17 ordens de grandeza ( 1017) e a biomassa cerca de cinco ordens (105), ao passo que a
corrente de energia varia apenas cerca de cinco vezes. A semelhan ça na corrente de
energia indica que todas as seis populações est ã o a funcionar aproximadamente ao
mesmo n í vel (consumidores prim á rios), pese embora que nem os n ú meros nem a

Quadro 3-14
Densidade, Biomassa e Fluxo de Energia de Cinco Populações de Consumidores
Primários Que Diferem Quanto ao Tamanho dos Indivíduos *
DENSIDADE FLUXO DE
APROXIMADA BIOMASSA ENERGIA
(M 2) (G / M 2 ) ( KCAL / M 2 / DIA )

Bact érias do solo 1012 0,001 1,0


Cop é podes marinhos ( Acartia) 105 2, 0 2,5
Caracó is da zona intercotidal (Utorina) 200 10,0 1,0
Gafanhotos de sapal ( Orchelimum) 10 1,0 0 ,4
Ratos de campo ( Microtus ) IO 2
'
0,6 0,7
Veado Í Odocoileus ) IO-5 U 0,5

* Segundo E. P. Odum , 1968.

biomassa d ê em indica ções disso. Pode estabelecer-se uma espé cie de «regra ecol ógica»
mais ou menos desta forma: Os n úmeros sobrestimam a import â ncia dos organismos
pequenos e a biomassa sobrestima a importância dos organismos grandes , assim , n ã o se
pode utilizar nem aqueles nem esta como um crit é rio seguro para comparar o papel
funcional de populaçõ es que diferem grandemente nas relações tamanho- metabolismo,
embora dos dois a biomassa seja geralmente mais segura do que os n ú meros. Contudo,
127

a corrente de energia ( isto é, P+R ) faculta um índice mais apropriado para comparar qual¬
quer e todos os componentes de um ecossistema.
Os dados constantes do Quadro 3-15 facultam uma ilustra çã o adicional de como
as actividades dos decompositores e de outros organismos pequenos podem ter uma
rela çã o muito pequena com os n ú meros totais ou a biomassa que se encontram pre ¬
sentes em cada momento. Observa-se que um aumento de quinze vezes na energia
dissipada , resultante da adi çã o de mat é ria org â nica, foi acompanhado por um aumento no
n mero de bacté rias e fungos inferior a duas vezes. Por outras palavras, estes orga ¬
nismos pequenos limitam -se a realizar uma «renova çã o mais rá pida» quando se tornam
mais activos, e n ã o aumentam a biomassa da sua exist ê ncia permanente proporcional ¬
mente, como fazem os grandes organismos. Os protozoá rios, sendo um tanto maiores
do que as bact é rias, apresentaram um aumento em n ú mero um tanto maior.

Quadro 3-15
Comparação do Metabolismo Total e da Densidade da População de Microrganismos
do Solo Sob Condições de Pouca e de Muita Matéria Orgânica *
SEM COM
ADIÇÃ O DE ADIÇÃO DE
ESTRUME ESTRUME
AO AO
SOLO SOLO

Energia Dissipada :
Kilocalorias x 106 / acre / ano 1 15
Densidade M édia da Popula çã o :
N mero / Grama de Solo '
Bactérias, x 10 ® 1,6 2,9
Micélio de fungos, x 106 0,85 1,01
Protozoários, x 103 17 72

* Dados de Russell e Russell, 1950.

Na Figura 3-16, os dados de uma cadeia alimentar hipot é tica de luzema-rês-


-rapaz estã o dispostos na forma dos trê s tipos de pirâ mides. Na pirâ mide de energia
a respira çã o n ão est á inclu í da, apenas estando a produ çã o de nova biomassa. Embora
como regra os bovinos n ã o se alimentem inteiramente de luzerna , nem os rapazes
inteiramente da carne , estes diagramas sã o modelos real í sticos do tipo de ecossistema
em que o homem n ã o é meramente um observador interessado ( como no caso de
Silver Springs), mas sim ele pr óprio uma parte vital. Assim, a maior parte dos animais
dom é sticos que facultam alimento para o homem sã o herbí voros, e o homem pode
satisfazer as suas necessidades nutritivas com uma dieta de carne (especialmente se
consumir vá rias partes do animal e n ã o apenas o tecido muscular). O homem poderia,
de igual modo, ter uma vida saud ável como vegetariano e assumir o papel da rê s,
128

caso em que poderia manter-se mais gente com a mesma fixação prim á ria básica de
energia. Na realidade, o homem costuma ocupar, rí aturalmente, uma posi çã o inter ¬
m édia variá vel entre o herb í voro e o carn ívoro. O diagrama da Figura 3-16 indica
tamb é m a situaçã o geral a esperar naqueles comunidades terrestres em que os pro¬
dutores e os consumidores são de tamanho individual relativamente grande .
Como modelos gr áficos, as pir â mides ecol ógicas també m podem ser utilizadas
para ilustrar relaçõ es quantitativas em partes espec íficas de ecossistemas em que se
possa ter um interesse especial, por exemplo, nos grupos predador - presa ou h óspede-
-parasita. Como já se indicou, uma « pirâmide de n meros de parasitas» será geralmente
invertida em contraste com as pir â mides de biomassa e de energia. Infelizmente, ape ¬
nas t ê m sido feitas raras medições em popula ções inteiras de parasitas e hiperparasitas

PLANTAS DE LUZERNA
RAPAZ
NOVILHOS
£ I
4.5
2 X 107
i IO jo 2
ESCALA

[ RAPAZ 105 LBS .


[R êS 7
2.250 LBS .
PLANTAS DE LUZERNA 17, 650 LBS.
to 10 *
ESCALA

TECIDO HUMANO ADICIONADO e.3 Xl <fcAL|.


|CARNE DE R É S PRODUZIDA I I 9 X 10 CAL j °
LUZERNA PRODUZIDA D I .49 XI 07 CAL
6.3 )Tl ® c L. ]
"
jj- UZ SOLAR RECEBIDA }

J 1,0 IO 2
ESCALA

Figura 3- 16 . Trê s tipos de pirâ mides ecol ógicas ilustradas para uma cadeia alimentar luzerna- novi -
lho- rapaz hipot é tica , com c ô mputo na base de 10 acres e um ano e com representa çã o em escala loga ¬
r í tmica . Compila çã o de dados obtidos como se segue : Luz solar : Haurwitz e Austin ( 1944 ) , « Climato -
logy » . Luzerna : « USDA Statistics , 1951 » ; « USDA Yearbook 1948» ; Morrison ( 1947), « Feeds and Feeding » .
Novilho de carne : Brody ( 1945), « Bioenergetics and Growth » . Crescimento de rapaz : Fulton ( 1950 ) ,
« Physiology » ; Dearborn and Rothncy ( 19*41 ), « Prcdicting the Child s Dcvclopment » .

(parasitas que vivem sobre ou dentro de outros parasitas ). Contudo, uma coisa parece
certa: nã o se pode tomar à letra a célebre rima de Jonathan Swift , ou o caprichoso
diagrama (*) de Flegner :

As grandes pulgas tê m pulgas pequenas


nas suas costas para as picar
e as pulgas pequenas t ê m pulgas mais pequenas
e assim por diante, ad infinitum.

( * ) Reproduzido de «B íg Fleas Have Little Fleas , or Who s Who among the Protozoa », por Robert Flegner,
Williams & Wilkins Co „ 1938.
129

O n ú mero de n í veis ou passos numa cadeia ou pirâ mide de parasitas não é «ad infi-
nitu çn», mas sim absolutamente limitado, tanto pelas rela ções de tamanho como
pela nossa amiga, a segunda lei da termodinâ mica!

AZMAZENAMENTO
ORG Â NICO
LUZ SOLAR IMPORTAÇÃ O

C É LULA X. EXPORTA ÇÃ O
DE PLANTA

P R R
SUBSISTEMA . - CONSUMIDORES
EUFOT 1CO I A V/ X
( AUTROTOFICO ) • PRODUTORES V
SUBSISTEMA DA COLUNA DE Á GUA CONSUMIDORES
ZOOPL Á NCTON E CONSUMI
DORES NADADORES
( PEIXES , ETC. )
0 IMPORTA ÇÃ O
R

Figura 3-17. Tr ê s aspectos de um ecos -


IMPORTA ÇÃ O EXPORTA ÇÃ O sistema de estu á rio . A . Zonagem vertical
SUBSISTEMA DE SEDIMENTOS
DEPOSITO DE NU ¬ com produ çã o fotossint é tica ( P) em cima e
TRIENTES PARA
.
VERMES AM Ê IJOAS. BACT É RIAS
O CRESCIMENTO R
a maior parte do consumo respirat ó rio ( R )
1
CV DAS PLANTAS
EXPORTA ÇÃ O
CONSUMIDORES
DE FUNDO
cm baixo. B . Ciclo mineral com circulaçã o
dos nutrientes das plantas para cima e do
A . ZONAS VERTICAIS B. CICLO MINERAL
alimento de mat é ria org â nica para baixo.
C. Diagrama do circuito da corrente de
energia mostrando tr ê s fontes principais
,
TRANSFER Ê NCIA DE ENERGIA
ENTRADA DE TRABALHO
de entrada de energia potencial no sis ¬
ACTIVIDADE CIRCULAT Ó RIA
MAR É tema . Ver texto para explica çã o dos s í m ¬
ONDAS
RECICLAGEM
bolos . (Segundo H . T . Odum , Copeland
c McMahon , 1969 . )
PRODUTORES

LUZ CONSUMI DORES

MAT É RIA
RG Ã NIC
C. CORRENTE DE ENERGIA

7. RESUMO : ENERG ÉTICA DO ECOSSISTEMA

A Figura 3-17 pode servir como um rá pido resumo visual dos principais prin ¬
cí pios do ecossistema que foram examinados com algum detalhe nos Cap í tulos 2 e 3.
Os diagramas relacionam a zonagem vertical (A), o ciclo de materiais ( B) e a corrente
de energia de um só sentido ( C) num estu ário, o qual, como já foi assinalado, é um
ecossistema de tipo intermé dio entre os grandes extremos da natureza, o mar alto e a
floresta. Os diagramas introduzem uma terminologia de circuito de energia concebida
por H. T. Odum ( ver Figura 10-7.4, página 468 ) em que os s í mbolos indicam estruturas
biol ógicas e fun ções específicas. Os m ódulos em forma de bala representam os produ ¬

tores com o seu duplo metabolismo, isto é P (produ ção) e R ( respiração). Os hexá¬
gonos sã o popula ções de consumidores que possuem armazenamento, automanuten ção
e auto- reprodu ção. As caixas de armazenamento representam reservat órios de nutrien-

9
130

tes, para dentro e para fora dos quais se movem o azoto, o f ósforo e outras subst â ncias
vitais. Nos diagramas B e C as linhas representam «os fios eléctricos invis í veis da natu ¬
reza» que ligam os componentes numa rede funcional. No diagrama C, o s í mbolo «terra»,
ou a «seta para o escoador de calor », indica onde a energia se dispersa e n ã o se
encontra já dispon í vel para a cadeia alimentar. Os c í rculos mostram três grandes tipos
de fontes de energia que funcionam como abastecedores do ecossistema. Os sí mbolos de
«entrada de trabalho» indicam onde, ao longo de um trajecto, uma corrente de energia
de trabalho ajuda uma corrente secund ária a ultrapassar barreiras de energia. Observe-se
que algumas das linhas de corrente de energia potencial vê m para tr ás por vias secun ¬
d árias, provindo de fontes de energia colocadas «curso abaixo» para facultar entradas
de corrente no «cimo de curso», onde desempenham vários papé is, incluindo o controlo
de funções ( por exemplo, sapr ótrofos governando a fotoss í ntese mediante controlo da
taxa de regenera ção dos minerais). O diagrama mostra como o subsídio de energia
das mar é s contribui para (1) a reciclagem dos nutrientes do consumidor para o produ ¬
tor e (2) para acelerar o movimento do alimento vegetal at é ao consumidor. A redu ção
da corrente da mar é protegendo o estu ário com um dique (ver Figura 13-6, página 577)
pode reduzir a produtividade com a mesma seguran ça que o faria a supressão de uma
parte da luz. A tensão, resultante da polui çã o e da colheita, pode ser ilustrada no dia ¬
grama adicionando círculos, incluindo um sinal negativo ligado a um escoador de calor
apropriado, para mostrar onde a energia é desviada do ecossistema. Como já foi indi ¬
cado, tanto os subsídios ( +) como as tensões ( ) podem ser quantificados em termos de
calorias adicionadas ou desviadas por unidade de tempo e espaço. A aplica ção dos
modelos de circuito de energia à modelação matemá tica será explicada detalhadamente
no Capítulo 10.

Bacté rias
Algas
Protozo á rios
Figura 3- 18. Parti çã o da respira¬ * Quironom í deos
çã o da comunidade e sua biomassa
Ant í podes
( peso seco ) pelos v á rios membros da
comunidade b ê ntica num pequeno lago
no oeste do Canad á . Calculou - se que a
Moluscos
Oligoquetos
U j
respira çã o total da comunidade « in
situ » era , a 15 "C, de 16 ml de 02 por
Odonatas
L\7 J % da Respira çã o da Comunidade
] % da Biomassa da Comunidade
m 2 e hora , e que a biomassa bê ntica Todos os -
Invertebrados TC
outi i
total era de 4,2 g por m 2. ( Desenhado
a partir de dados de Efford , 1969 . )
o 5 IO 15 20 25 30
Percentagem

Na Figura 3-18 destaca-se a importâ ncia de considerar as relações metabolismo-


-dimensão quando se trata de avaliar os componentes biológicos de um ecossistema.
Sem excepção, qualquer ecossistema aut ónomo de tamanho considerável conterá um
131

conjunto de organismos variando, em dimens ão, desde os min sculos micr ó bios at é às
grandes plantas ou animais, ou ambos. Como se ilustra no diagrama , baseado em dados
tirados de uma comunidade de lagoa, os organismos pequenos, isto é, as bact é rias,
algas e protozoá rios , contribuem para a maior parte da respira çã o da comunidade ,
enquanto que os maiores animais invertebrados cont ê m a maior parte da biomassa.
Como se destacou muitas vezes, qualquer avaliação holí stica ou total dos ecossistemas
tem de basear-se em medições coordenadas da estrutura da existência permanente e
das taxas da função, tornando-se as mediçõ es da ltima cada vez mais necessá rias à
medida que o tamanho dos organismos decresce . No Capí tulo 19 rev ê em -se alguns
dos problemas, e perspectivas de aperfei çoar a tecnologia, ligados com a componente
«microbiana» do ecossistema.
133

Capítulo 4 - PRINCÍPIOS E CONCEITOS RELATIVOS


AOS CICLOS BIOGEOQUÍMICOS

1. PADR ÕES E TIPOS BÁSICOS DE CICLOS BIOGEOQUÍ MICOS

Enunciado

Os elementos qu í micos, incluindo todos os elementos essenciais do protoplasma,


tendem a circular na biosfera , por vias caracter ísticas, do ambiente para os organismos
e destes novamente para o ambiente. Estas vias mais ou menos circulares são conhecidas
por ciclos biogeoquímicos. O movimento daqueles elementos e compostos inorg ânicos
que são essenciais à vida pode designar-se apropriadamente por ciclo nutritivo. Por cada
ciclo é també m conveniente designar dois compartimentos ou reservat órios: (1) o reser ¬

vatório de depó sito, o componente maior, de movimento lento e geralmente não bio¬
lógico e (2) o reservatório de troca ou de ciclo, por ção mais pequena mas mais activa,
que está rapidamente em permuta ( isto é, em movimento para a frente e para trás)
entre os organismos e o seu ambiente imediato. Do ponto de vista da biosfera como
um todo, os ciclos biogeoqu ímicos classificam-se em dois grupos básicos: (1) tipos gaso¬
sos, nos quais o depósito está na atmosfera ou na hidrosfera (oceano) e (2) tipos
sedimentares, nos quais o depósito est á na crosta terrestre.

Explicação

Como se destacou na Secção 2 do Capítulo 2, em ecologia é ú til estudar não


apenas organismos e suas relações com o ambiente mas també m o ambiente básico não
vivo em relação com os organismos. Dos 90 e tal elementos conhecidos como existindo
134

na natureza, sabe-se que entre 30 e 40 são necessá rios aos organismos vivos. Alguns
elementos como o carbono, o hidrog é nio, o oxig é nio e o azoto sã o necessá rios em
grande quantidade , outros são-no em quantidades pequenas ou mesmo diminutas.
Qualquer que seja a necessidade, os elementos essenciais ( tal como os elementos
não essenciais) apresentam ciclos biogeoqu í micos definidos.
« Bio» refere -se a organismos vivos e «geo» às rochas, ao ar e à água da Terra.
A geoqu í mica é uma ciê ncia importante relacionada com a composição qu í mica da
terra e com a troca de elementos entre os diversos pontos da crosta terrestre e dos
oceanos, rios e outras massas de água (ver a revisão devida a Vallentyne , 1960). A bio-
geoqu í mica , termo que tomou relevo por motivo das monografias iniciais de G . E.
Hutchinson (1944, 1950), tornou -se, assim, o estudo da troca ou do fluxo (isto é, do
movimento para um lado e para o outro) dos materiais, entre os componentes vivos
e não vivos da biosfera.
Na Figura 4-1, est á sobreposto um ciclo biogeoqu í mico a um diagrama simpli¬
ficado de corrente de energia para mostrar como a corrente da energia, de um só sentido,
impulsiona o ciclo da mat é ria. Na natureza os elementos nunca est ão, ou quase nunca
est ão, distribu í dos homogeneamente, nem se encontram presentes em todo o ecossis-
tema sob a mesma forma qu í mica. Na Figura 4-1, o reservat ório de dep ósito, a por ção
que est á qu í mica ou fisicamente longe dos organismos, é indicado por uma caixa rotu ¬
lada « reservat ó rio de nutrientes», ao passo que a por çã o do ciclo est á indicada pelo
cí rculo ponteado que vai dos autotr óficos aos heterotr óficos e regressa. Por vezes, a
parte do dep ósito també m é designada por reservat ó rio « indispon ível » e a por çã o activa
do ciclo como o reservat ório «dispon í vel » ou «de troca»; semelhante designaçã o é ad ¬
miss í vel desde que se entenda claramente que estes termos são relativos. Um á tomo
existente no depósito n ão est á necessariamente indispon ível para os organismos perma ¬

nentemente , uma vez que existem correntes lentas entre os componentes dispon í veis
e indispon í veis.

entradas
sa í das
Figura 4- 1. Um ciclo biogeoqu í mico
( c í rculo sombreado ) sobreposto a um dia depó sito

V
¬

grama simplificado de corrente de energia, aut ótrofos de


pondo em contraste a circula çã o de materiais nutrientes
com a corrente de energia de sentido nico . luz \ heter ó trofos

Pb = quida
ria l í
,
produ çã o bruta ; P = produ ção prim á ¬
, que pode ser consumida no in ¬
absorvida /
pb p
terior do sistema por heter ó trofos ou ex ¬

portada para fora do sistema ; P = produ çã o


secund á ria ; R = respira çã o. ( Segundo E . P.
Odum , 1963. )
calor \\
R R

respira çã o da comunidade '


135

Alguns ciclos , como sejam aqueles que envolvem o carbono, o azoto, ou o oxi ¬

g é nio, ajustam- se muito rapidamente, por si pr ó prios, à s perturba ções, por causa do
grande depósito atmosf é rico. Os aumentos locais na produ çã o de C02, por oxida çã o
ou combust ão, por exemplo, tendem a ser rapidamente dissipados pelo movimento do
ar e a acrescida oferta é compensada atrav é s do aumento da absor ção pelas plantas e com
a formação de carbonatos no mar. Os ciclos de tipo gasoso podem , deste modo, con ¬
siderar-se como relativamente « perfeitos» em sentido global, dado que se opera um
controlo natural de retroacção negativa ( ver página 51 para an álise da retroacção ).
Contudo, como já foi indicado, 0 homem est á a verificar que os dist rbios locais podem
ser prejudiciais e que h á limites definidos para a capacidade de ajustamento autom á tico
da atmosfera tomada no seu conjunto! Os ciclos sedimentares, que envolvem elementos
como 0 fósforo ou 0 ferro, tendem a ser menos perfeitos e mais facilmente romp í veis
por perturba çõ es locais , dado que a grande massa de material se encontra num depósito
relativamente inactivo e im óvel na crosta da terra. Consequentemente , uma certa por çã o
do material de troca tende a « perder-se » por longos per í odos de tempo quando 0 movi ¬
mento «encosta abaixo» é mais rá pido do que o retorno «encosta acima » . Como se
ver á, os mecanismos de retorno ou de « reciclagem » são em muitos casos principal ¬
mente bi óticos.
Hutchinson ( 1948 a ) assinala que 0 homem é ú nico no sentido em que , n ã o só
necessita dos 40 elementos essenciais, mas tamb é m na sua cultura complexa utiliza
quase todos os outros elementos, bem como os sint é ticos mais recentes. Acelerou de tal
forma 0 movimento de muitos materiais que os ciclos tendem a tornar -se imperfei ¬
tos, ou os processos a tornarem-se «ací clicos», do que resulta que o homem sofre
cada vez mais com a situa çã o paradoxal de muito pouco aqui e demasiado al é m .
Por exemplo, extrai-se a trata-se a rocha fosfatada com uma tal neglig ê ncia que se
produz uma grave polui çã o na vizinhan ça das minas e das f á bricas de fosfato.
Depois , com igual miopia aguda, aumenta-se 0 fornecimento de fertilizantes fosfata ¬
dos nos sistemas agr í colas, sem controlar por qualquer via 0 inevit á vel acr é scimo
nas sa í das escoadas 0 que afecta severamente as vias aqu á ticas e reduz a qualidade
-
da água mediante eutrofica ção ( para defini çã o deste termo ver página 22 ) No Ca¬
p ítulo 2 ( ver página 53 ) foi introduzido o conceito do homem como « poderoso
agente geol ógico».
O objectivo da conserva çã o dos recursos naturais, no seu sentido mais amplo,
consiste em tornar os processos ací clicos mais cí clicos. O conceito de « reciclagem»
deve tornar-se num objectivo principal para a sociedade . Reciclar a água constitui
um bom ponto de partida, uma vez que caso se possa manter e reparar 0 ciclo
hidrol ógico, 0 homem ter á uma melhor possibilidade de controlar os nutrientes que
se deslocam juntamente com a água. Voltar-se-á ao assunto nos Cap í tulos 16 e 21.
136

Exemplos

Bastar ão trê s exemplos para ilustrar o princípio do movimento cí clico. O ciclo


do azoto (Figura 4- 2) é um exemplo de um ciclo de tipo gasoso muito complexo;
o ciclo do fó sforo (Figura 4- 3) é um exemplo de um tipo sedimentar mais simples,
e possivelmente menos perfeito. Como será destacado no Capí tulo 5, ambos estes
elementos s ão com frequ ência factores muito importantes, limitando e controlando
a abundância dos organismos, e t êm, assim, sido sujeitos a muita atenção e estudo.
O ciclo do enxofre (Figura 4-5) é muito apropriado para ilustrar as ligações entre
o ar, a água e a crosta terrestre. Os ciclos do azoto e do enxofre ilustram ambos
o papel fundamental desempenhado pelos microrganismos, e também as dificulda ¬

des provocadas pela poluição industrial do ar.


PROTOPLASMA
PLANTAS > ANIMAIS
EXCRE ÇÃ O
BACTÉRIAS * UREIA , ETC.
SÍNTESE DAS \

PROTE ÍNAS BACTÉRIA E FUNGOS s \


ALG AS E BACTÉRIAS DA DECOMPOSIÇÃO \
\
FIXADORAS DE AZOTO \

/
/
NITRATOS
V AZOTO
NO AR
AMINO ÁCIDOS E
RESlDUOS ORG Â NICOS
\
\
j
BACTÉRIAS PRODUTORAS 1
'
AVES MARINHAS
Ut
\V \
DE AMINAS /

/J
ELECTRIFICA
E ÇÃ O E
E PEIXES
\\ AMONÍ ACO
\*
FIXAÇÃ O FOTOQUlMICA

SEDIMENTOS MARINHOS \ BACTÉRIAS GANHOS POR


EM ÁGUAS POUCO PROFUNDAS \ DESNITRIFICANTES
BACTÉRIAS
ACTIVIDADE VULC ÂNICA

/ BACTÉRIAS
DOS NITRATOS
DOS NITRITOS \
ROCHAS
PERDA PARA NITRITOS Í GNEAS
SEDIMENTOS PROFUNDOS
A
?

PROTOPLASMA PROCESSOS QUE PRODUZEM


PROCESSOS QUE REQUEREM / 4
+
lENERGIA DE OUTRAS FONTES ! X ENERGIA PARA OS ORGANISMOS
AMINOÁ CIDOS DESINTEGRADORES
* ( LUZ SOLAR OU MATÉRIA ORG Â NICA ) !/ 4
. AMONÍ ACO BARREIRA DE
ENERGIA
NITRITO 4
l <
__ AZOTO
NITRATO (G Á S )
B
*
Figura 4-2 . Duas maneiras de representar o ciclo biogeoquí mico do azoto, um exemplo de um
ciclo auto-regulado, relativamente perfeito, com um grande dep ósito gasoso. Em A , a circulação do azoto
entre os organismos e o ambiente est á representada juntamente com os microrganismos responsá veis
pelos passos principais. Em B, os mesmos passos b á sicos est ão dispostos numa série ascendente-descen ¬

dente, com as formas de alta energia no topo para distinguir os passos que requerem energia dos que
a libertam.
137

PROTOPLASMA
PLANTAS > ANIMAIS
BACT É RIAS
v \\ EXCRE ÇÃ O \
N
ossos.
ROCHAS FOSFATADAS \ DENTES
S Í NTESE DO DEP ÓSITOS DE GUANO \ |
PROTOPLASMA DEPóSITOS
/
DE OSSOS FôSSEIS
j
/
V
BACT É RIAS DE
'\ '/
i

/
/ FOSFATOS / 1
APATITA
VULC Â NICA /
EROS Ã O /
/
AVES MARINHAS
E PEIXES
i
FOSFATOS
DISSOLVIDOS

'SEDIMENTOS MARINHOS
PERDA PARA DE AGUAS POUCO PROFUNDAS
SEDIMENTOS PROFUNDOS

-
Figura 4 3. Ciclo do fó sforo. O f ósforo é um elemento raro em compara çã o com o azoto . Nas
águas naturais, a sua proporçã o para o azoto é de aproximadamente 1 para 23 ( Hutehinson , 1944 a ).
A erosã o qu í mica nos Estados Unidos da Am é rica tem sido avaliada em 34 toneladas m é tricas por
quil ó metro quadrado e ano. O cultivo durante cinquenta anos de solos virgens no Middle West reduziu
o teor em P205 de 36 por cento ( Clarke , 1924) . Como o diagrama ilustra , os factos indicam que a res ¬
titui ção do fósforo à terra n ão tem acompanhado a sua perda para o oceano.

Como se ilustra na Figura 4-2 A , o azoto no protoplasma passa de uma forma


org â nica a inorg â nica por acção de uma s é rie de bact é rias decompositoras, cada uma
delas especializada numa parte particular da tarefa. Uma fracção deste azoto termina
em nitrato, a forma mais prontamente utilizá vel pelas plantas verdes (embora alguns
organismos possam utilizar o azoto noutras formas, como se ilustra), completando
assim o ciclo. O ar , que conté m 80 por cento de azoto , é o maior depósito e a
vá lvula de seguran ça do sistema. O azoto penetra continuamente no ar por acção
das bact é rias desnitrificantes e retorna continuamente ao ciclo por acçã o de bact é ¬
rias fixadoras de azoto ou de algas e mediante a acçã o dos rel â mpagos ( isto é,
da electrifica çã o). Na Fig. 4- 2 B , ilustram-se os componentes do ciclo do azoto em
termos da energia necessá ria para o funcionamento do ciclo. Os passos que
ocorrem desde as prote í nas at é aos nitratos facultam energia para os organismos
que levam por diante a decomposiçã o, enquanto que os passos de regresso reque¬
rem energia proveniente de outras fontes, tais como mat é ria org â nica ou luz solar .
Por exemplo, as bact é rias quimiossint éticas ( ver página 38 ) Nitrosomonas (que con ¬
vertem am ó nio em nitrito) e Nitrobacter (que convertem nitrito em nitrato) obt ê m
a energia da decomposi çã o, ao passo que as bact é rias desnitrificantes e as fixadoras
de azoto carecem de energia proveniente de outras fontes para a realiza çã o das
respectivas transformações. No modelo de ecossistema da soja foram avaliadas as
138

necessidades em hidratos de carbono para a fixa ção de azoto (Quadro 3-6, página 75 ).
O micronutriente molibd é nio é igualmente necessário como parte do sistema de en ¬
zimas fixadoras de azoto e pode, algumas vezes, ser um factor limitante, como ser á
analisado no pr óximo cap í tulo.
At é cerca de 1950, pensou -se que a capacidade para fixar azoto atmosf é rico
estava limitada aos seguintes tipos, pouco numerosos embora abundantes, de or ¬
ganismos :

Bact é rias livres Azotobacter (aer óbias) e Clostridium (anaer óbias) .


Bact é rias simbi óticas dos n ódulos das plantas leguminosos Rhizobium (ver
Figura 4- 4).
Algas azuis- verdes (ou azuis) Anabaena, Nostoc e outros membros da or¬
dem Nostocales ( ver resumo de Fogg e Stewart , 1966).

Depois descobriu -se que as bact é rias p rpuras Rhodospirillum e outras repre ¬
sentantes das bact é rias fotossint é ticas são fixadores de azoto ( ver Kamen e Gest ,
1949; Kamen, 1953) e que uma diversidade de bact é rias do solo do tipo das pseu -
domonas també m t ê m esta capacidade ( ver Anderson , 1955). O uso do marcador
isot ó pico 15 N e o m é todo de redu ção do acetileno (a enzima fixadora do azoto,

m
i- :
.

' 1M
Figura 4-4. N ó dulos radiculares numa
r.
mA f (:
leguminosa, albergue das bacté rias fixadoras
de azoto do tipo simbi ó tico ou mutualista
( ver també m Figura 4- 2 ) . A leguminosa
11 S apresentada é o « blue lupine » ( gé nero
m Lupinus), uma variedade cultivada utilizada
no sueste dos E . U . A . ( fotografia do U . S .

m m Soil Conservation Service . )


4
*as=
ií*s

m
i . Si
mm
r

MS
M ÊÈm •r
iSSÍr
. m
Ig
139

nitrogenase e a redu çã o do acetileno a etileno, facultando um indicador sensível da


fixação do azoto ver Steward et al., 1967) deram como resultado uma «revolu çã o na
medição» que est á a revelar encontrar-se a capacidade de fixar azoto largamente
espalhada entre os microrganismos fotossint é ticos, quimiossint éticos e heterotr óficos.
Existe mesmo prova de que algas e bact é rias vivendo em folhas e epífitas nas flo¬
restas tropicais h midas fixam apreciáveis montantes de azoto atmosfé rico, parte do
qual pode ser utilizado pelas pr ó prias á rvores. Contudo, nã o foi demonstrado que
plantas superiores sejam capazes de fixar azoto sem qualquer auxílio. As legumino¬
sas e alguns g é neros de outras fam í lias de plantas vasculares (por exemplo, Alnus ,
Casuarina, Coriaria, Ceonothus, Myrica , Araucaria, Ginkgo, Elaegnus ) apenas o fazem
com a ajuda de bactérias simbióticas. Do mesmo modo, alguns líquenes são capazes
de fixar azoto por interm é dio das algas simbi óticas azuis-verdes (ou azuis). Em resumo,
parece que a fixa ção biol ógica do azoto pelos microrganismos livres e simbióticos
ocorre nos estratos tanto autotr óficos como heterotr óficos dos ecosssistemas e nas
zonas tanto aer ó bias como anaer óbias dos solos e dos sedimentos aquáticos.
Hutchison, em 1944, avaliou que o montante de azoto fixado do ar anda entre 140
e 700 mg por m 2 ( entre 1,4 e 7 kg por hectare) e por ano para a biosfera toma¬
-
da no seu conjunto. Pensa se que a maior parte desta fixação é biológica, provindo
da electrifica çã o e da fixa çã o fotoqu í mica apenas uma pequena parte ( n ão mais
do que 35 mg por m 2 e ano nas regiões temperadas). Estimativas recentes (ver
Delwiche, 1965, 1970), figuram a fixa ção biológica do N na superfície terrestre do Globo
em pelo menos 1 g por m 2 e ano ( cerca de 10 kg por hectare). Em á reas fé rteis,
a fixa ção biol ógica deve ser «muito maior do que estas médias mundiais, da ordem
dos 20 g por m2 e ano (cerca de 200 kg por hectare), de acordo com Fogg (1955).
N ão existem ainda dispon í veis estimativas das intensidades anuais de fixa ção para os
grandes lagos e os oceanos. Dugdale (1966) registou que a fixa ção de N nas zonas
fóticas de lagos pequenos variava de 1 a 50 /rg por litro e dia; os valores altos
foram registados em lagos um tanto polu ídos com grandes popula ções de algas
azuis- verdes. Embora a velocidade de fixa ção de azoto por m2 seja indubitavelmente
menor no oceano do que na terra (em virtude da baixa produtividade generalizada) ,
o montante total de azoto fixado nos oceanos é necessariamente grande e muito im ¬
portante para o ciclo global. Em toda a parte da biosfera, a chuva é importante na
rá pida reciclagem do azoto dispon í vel. Nas regiões h midas, h á azoto suficiente
( e outros nutrientes) na água da chuva para suportar as plantas ep ífitas que nã o t ê m
outra fonte de nutrientes minerais, embora muitas epífitas obtenham elementos lixi-
viados das gotas de água que caem das folhas das á rvores que se encontram a n í vel
superior. Tem-se verificado que a entrada anual nos ecossistemas de azoto da água das
chuvas anda à volta de 0,75 g por m 2 nas á reas temperadas h ú midas e à volta de 3,0 g
por m 2 nos tr ó picos h ú midos ( ver Goldschmidt, 1954). Grande parte dele est á sob a
forma de amon íaco ou outros componentes voláteis libertados pelas comunidades
140

biológicas, enquanto que uma fracção desconhecida resulta da fixa ção n ão biol ógica
na atmosfera.
A import â ncia das bact é rias fixadoras de azoto associadas com as legumino¬
sas (Figura 4-5) é bem conhecida, certamente , e na agricultura moderna a cont í ¬
nua fertilidade da terra cultivada é mantida tanto por rota ções envolvendo legumi ¬

nosas como pela aplicação de fertilizantes azotados. As secre çõ es pelas ra í zes das
leguminosas estimulam o crescimento das bact é rias dos n ódulos, e as secre ções das
bact é rias provocam deforma ções nos pê los radiculares, o primeiro passo na forma çã o
dos nó dulos (Nutman, 1956 ). Evolu í ram estirpes de bact é rias que apenas poderã o
crescer em certas espécies de leguminosos. A utiliza çã o da fixa çã o biol ógica do N
tem vantagens sobre a utiliza çã o maciça de fertiliza ção azotada, do ponto de vista
da manuten ção da estrutura do solo e da preven çã o contra a polui çã o por escoa ¬
mento. Infelizmente , uma tal reciclagem «natural» requer pousios e rotações de cul ¬

turas que não facultam as produ ções a curto prazo da cultura cont í nua de grãos.
Contudo, como foi discutido no capí tulo anterior, h á uma forte evid ê ncia de que a
terra precisa de «repouso » periodicamente , caso se pretenda manter a sua quali¬
dade e produtividade a longo prazo. No Oriente verificou -se que as algas azuis
que ocorrem naturalmente nos arrozais sã o muito importantes na manuten çã o da
fertilidade sob cultura intensiva. O semear os campos de arroz com algas extra con ¬
duz muitas vezes a maiores produ çõ es (Tamiya , 1957). Um ponto importante a des¬
tacar , em sumá rio, é que o principal mecanismo para mobilizar o azoto do depó¬
sito atmosf é rico para o ciclo da produtividade é a fixaçã o biol ógica de azoto pelas
bacté rias e algas. Se o homem estiver disposto a compartilhar alimento com estes
« micr ó bios amigos» e nã o envenenar o seu ambiente , solo e água , eles farã o este
trabalho vital sem qualquer encargo! (Ver Burris, 1969).
Os mecanimos de retroacção, auto- reguladores, ilustrados de uma forma muito
simplificada por meio de setas no diagrama (Figura 4-2) , tornam o ciclo do azoto
um ciclo relativamente perfeito, ' quando se consideram grandes á reas ou a biosfera
como um todo. Uma parte do azoto de regiõ es muito populosas, de águas doces e
de águas superficiais perde-se nos sedimentos profundos do oceano e fica assim fora
de circula çã o, pelo menos por algum tempo ( porventura alguns milh õ es de anos).
Esta perda é compensada pela entrada de azoto no ar com origem nos gases vul ¬
câ nicos. Assim, a actividade vulcâ nica n ão deve ser inteiramente lastimada , pois
també m ela apresenta certa utilidade ! Quanto mais nã o fora, a ecologia ensina a não
fazer julgamentos f áceis sobre se uma coisa ou um organismo é « til» ou « pre ¬
judicial». Deve-se considerar a «totalidade » do problema antes de se pronunciar um
julgamento . Tapar todos os vulcões do mundo, mesmo que isso fosse tecnicamente
possível, poderia muito bem provocar a morte pela fome de muito mais gente do
que a que poderia ser dessa maneira salva dos desastres das erupções. Os cap í tulos
seguintes cont ê m muitos outros exemplos desta natureza.
141

0 ciclo do fó sforo, em comparação com o ciclo do azoto, parece ser um tanto


mais simples. Como a Figura 4- 3 ilustra, o fó sforo, um elemento constituinte
importante e necessário do protoplasma, tende a «circular», sendo os compostos or ¬

gânicos decompostos eventualmente at é aos fosfatos que ficam novamente disponí ¬


veis para as plantas. O grande depó sito de fósforo não é, contudo, o ar mas sim as
rochas ou outros dep ósitos que se formaram nas passadas idades geol ógicas. Estas
últimas s ão gradualmente erosionadas, libertando fó sforo para os ecossistemas, por ém
escapa- se muito fosfato para o mar, onde uma parte se deposita nos segmentos su ¬

perficiais e outra parte se perde nos sedimentos profundos. Os meios de devolver


fósforo ao ciclo podem ser no presente provavelmente inadequados para compensar
as perdas. Nalgumas partes da Terra não ocorre presentemente qualquer ampla eleva ¬

ção de sedimentos, e a acção das aves marinhas e do peixe (trazidos para terra
por animais e pelo homem) não é adequada. As aves marinhas desempenharam,
manifestamente, um papel importante na restituição do fó sforo ao ciclo (como o

S02
«
ABSOR ÇÃ O QUEIMA DE ATMOSFERA
DIRECTA / / \ CHUVA % COMBUST ÍVEIS
\
g ?\
HoS GÁS

ABSORÇÃO POR
\í PLANTAS
* FERTILIZANTES
'
\
. .'
ABSOR ÇÃ O- ZONA
DECOMPOSIÇÃO

\ i /y
s
4'
-
° MINERAIS
'
'
SOLO E
{ SEDIMENTOS
ORG Â NICO

*
-
f ZONA
LIBERTAÇÃO DE
H S
2 LIXIVIAÇÃ O >ANAER ÔBIA I
\ |

FÓSFORO
SULFURETOS DE FERRO /
/

.
Figura 4-5. O ciclo de enxofre ligando o ar, a - água e o solo O diagrama central em «forma
de roda» ilustra oxidaçõ es (O) e reduções (R) que produzem alteraçõ es b ásicas entre o dep ó sito de sulfato
( S 04) disponí vel e o dep ósito de reserva profuijdo de sulfureto de ferro, nos solos e sedimentos. Micror ¬

ganismos especializados são em grande parte responsáveis pelas transformaçõ es seguintes: H2 S -* S ->• S 04,
bact é rias do enxofre, incolores, verdes e p rpuras; S 04 -*• H2 S (redução anaer óbia do sulfato), bact érias
desulfovíbrio; H2 S -* S 04 (oxidantes aer óbios do sulfureto), bact érias tiobacilos; S orgânico -» S 04 e H2 S,
microrganismos heterotr ó ficos aer óbios e anaer óbios, respectivamente. O metabolismo destas v árias bact é ¬

.
rias do enxofre est á descrito no Capí tulo 2 A produção primária explica, naturalmente, a incorpora ção do
sulfato na mat éria orgânica, ao passo que a excre ção animal é uma fonte de sulfato reciclado (ver
Figura 4- 11). Ó xidos de enxofre ( S 02) libertados na atmosfera ao queimar combustí veis fó sseis, especial ¬

mente carv ão, est ão a converter - se cada vez mais em componentes nefastos da poluiçã o industrial do ar.

provam os fabulosos depó sitos de guano na costa do Peru). Esta transfer ência de
fósforo e de outros materiais do mar para a terra pelas aves continua, mas não
aparentemente ao ritmo com que ocorria em idades passadas. O homem, infe -
142

lizmente, aparece a acelerar os ritmos das perdas de fósforo e desta forma a tor ¬

nar o seu ciclo menos perfeito. Embora o homem capture grande quantidade de
peixe do mar, Hutchinson avaliou que apenas cerca de 60 000 toneladas de fósforo
elementar por ano são restitu ídas desta forma, em comparação com um ou dois mi ¬
lh ões de toneladas de rocha fosfatada que é extraí da e, na maior parte, arrastada
pela água, perdendo-se . Os agr ónomos dizem que n ão existe razão imediata para
preocupa ções, uma vez que as reservas conhecidas de rochas fosfatadas são grandes.
Neste momento, o homem est á mais preocupado com o «atascamento do tráfego»
do fosfato dissolvido nas vias aqu á ticas, em resultado da crescente «erosão» que
n ão pode ser compensada pela « sí ntese do protoplasma » e pela « sedimentação »
.
( ver diagrama Figura 4-3). Poré m, o homem deve, em ltima aná lise, acabar por
completar o ciclo do fósforo em larga escala, caso pretenda evitar a fome. Claro
est á que alguns levantamentos geol ógicos elevando os «sedimentos perdidos» poderiam
resolv ê -lo, quem sabe? Um processo de reciclar o f ósforo «encosta acima » que est á
a ser experimentado envolve a pulverização da água sobrante na vegetação das ter ¬
ras altas em vez de a canalizar directamente para as vias aqu áticas. De qualquer
forma, d ê-se aten ção ao diagrama do ciclo do fósforo; a sua importâ ncia deve au ¬
mentar gradualmente no futuro.
Na Figura 4-5, apresenta-se um diagrama amplo do ciclo do enxofre. Muitas das
características principais dos ciclos biogeoqu ímicos são ilustradas por este diagrama,
como, por exemplo: o grande reservat ório de depósito no solo e nos sedimentos
e um depósito mais pequeno na atmosfera; o papel principal desempenhado na rá¬
pida corrente do depósito (a « roda » central na Figura 4-5) por microrganismos es¬
pecializados que funcionam como uma equipa de corredores de estafeta , - cada qual
levando a efeito uma oxida ção ou redu ção específica ( ver legenda da Figura 4-5) ;
a « recuperação microbiana» dos sedimentos profundos resultante do movimento
ascendente de uma fase gasosa (H 2S), como se analisou na página 39 ; a inter -
acção dos processos geoqu í micos e meteorológicos (erosão, sedimenta ção, lixiviação,
chuva, adsor ção - desadsorção, etc.) e processos biológicos ( produ ção e decomposição);
e a interdepend ê ncia do ar , água e solo na regulação do ciclo a n ível global. O
sulfato (S04), tal como o nitrato e o fosfato, é a principal forma dispon í vel que é
reduzida pelos autotr óí f cos e incorporada em prote í nas, sendo o enxofre um consti ¬
tuinte essencial de certos aminoácidos. O ecossistema não necessita de tanto enxofre
como de azoto ou de fósforo, nem ele é com tanta frequência limitante para o
crescimento das plantas e dos animais; não obstante, o ciclo do enxofre é um ciclo
chave no padrão global da produção e da decomposição, como já foi referido no
Capítulo 2 (Secção 3). Por exemplo, quando se formam sulfuretos de ferro nos se ¬
dimentos, o fósforo é convertido de uma forma insolú vel numa forma solú vel ( ve ¬
ja-se a seta da «libertação de fósforo» na Figura 4-5) ficando assim dispon í vel para
os organismos vivos. Est á aqui uma excelente ilustração de como um ciclo regula
143

outro. O interessante metabolismo de diferentes tipos de bact é rias do enxofre já


foi discutido ( páginas 37-38 ), e o papel desempenhado pelo ciclo do enxofre na
zonagem dos sedimentos marinhos é ilustrado na Figura 12-13, Capí tulo 12.
Tanto os ciclos do azoto como do enxofre est ão a ser cada vez mais afec -
tados pela polui çã o industrial do ar. Os óxidos de azoto ( NO e N 02) e de enxofre
( S 02) sã o, como regra, apenas passos transit órios nos respectivos ciclos e ocorrem
na maior parte dos ambientes em concentrações muito baixas. Contudo, a queima
de combust í veis f ósseis aumentou grandemente as concentrações de óxidos vol á teis
no ar , especificamente nas á reas urbanas, até um ponto em que se tornam t óxicos
para os componentes bi óticos dos sistemas. Em 1966, estes óxidos constitu íam cerca
de um ter ço dos 125 milh ões de toneladas de poluentes do ar industrial que se
calcula terem sido descarregados no ar sobre os Estados Unidos da Am é rica.
As centrais el é ctricas a carvã o constituem a maior fonte de S02 e o automóvel é a
maior fonte de N 02. O anidrido sulfuroso prejudica o processo fotossint ético ( a des ¬
truiçã o da vegeta çã o à volta das fundições de cobre é provocada por este poluente:
ver Figura 2-8A ) , e os óxidos de azoto podem causar dificuldades nos processos
respirat ó rios dos animais superiores e do homem. Alé m do mais, as reacções qu í¬
micas com outros poluentes produzem um sinergismo ( = o efeito total da interacçã o
excede a soma dos efeitos de cada subst â ncia) que aumenta o perigo. Por exemplo,
na presen ça de radia ção ultravioleta da luz do sol , o N 02 reage com hidrocarbonetos
n ã o combustados ( produzidos ambos em grandes quantidades pelos autom óveis ) com
produ çã o de «smog fotoqu í mico» com efeitos lacrimejantes ( ver a composiçã o qu í ¬
mica deste tipo de polui çã o do ar na página 45 ). É de esperar que um novo modelo
do motor de combust ã o interna , a elimina çã o do enxofre da gasolina e a transi çã o
para a energia at ó mica na produ çã o de energia el é ctrica venham a atenuar estes
graves transtornos nos ciclos do azoto e do enxofre. Por é m , estas mudanças na
estrat égia do homem relativa à utiliza çã o de energia criar ã o outros problemas que é
necess ário prever ( ver Capí tulo 16).

2. ESTUDO QUANTITATIVO DOS CICLOS BIOGEOQU Í MICOS

Enunciado

Os ritmos de troca ou transfer ê ncia de um lugar para o outro s ã o mais


importantes na determina çã o da estrutura e da fun çã o de um ecossistema do que
as quantidades presentes em qualquer momento e em qualquer lugar . Para com¬
preender o papel do homem nos ciclos de materiais e , portanto, para melhor o con ¬
trolar , é preciso quantificar, tanto as taxas de reciclagem , como os estados constan-
144

tes. Durante os ú ltimos 25 anos, aperfeiçoamentos nas t écnicas dos tra çadores, na
qu í mica de massa, no controlo e detecçã o remota ( quatro das seis « revolu çõ es»
em maté ria de medição mencionadas no Capí tulo 1; ver página 8) tornaram poss í vel
medir taxas de eiclagem em unidades de apreci ável dimensão, como os lagos e as
florestas e come çar a important íssima tarefa de quantificar os ciclos biogeoqu í micos
a n í vel global.

Exemplos

Os diagramas como os das Figuras 4-2, 4- 3 e 4-5 apenas ilustram as grandes


linhas dos ciclos biogeoqu í micos. As relaçõ es quantitativas, isto é, a quantidade
de material que passa pelas vias assinaladas pelas setas, e o ritmo a que passa,
são ainda mal conhecidas. Os isótopos radioactivos, que ficaram dispon í veis de um
modo geral desde 1946, trouxeram um enorme est í mulo para tais estudos, uma vez
que esses is ótopos se podem utilizar como « tra çadores» ou « marcas» para seguir
o movimento dos materiais. Convé m real çar que os estudos de traçadores nos ecos-
sistemas, como nos organismos, são concebidos por forma a que o montante de
elemento radioactivo introduzido seja extremamente pequeno, em comparação com a
quantidade de elemento não radioactivo já presente no sistema. Desta forma , nem a
radioactividade nem os iões extra perturbam o sistema ; o que acontece com o
traçador (que pode ser detectado em quantidades extremamente pequenas pelas radia ¬

ções reveladoras que emite ) reflecte simplesmente o que acontece normalmente ao


material em estudo no sistema.
As lagoas e os lagos são locais de estudo especialmente prop í cios, uma vez
que os seus ciclos de nutrientes sã o relativamente aut ó nomos durante curtos per ío ¬
dos de tempo. Seguindo as experiê ncias pioneiras de Coffin, Hayes, Jodrey e Whiteway
(1949), e as de Hutchinson e Bowen (1948, 1950), t ê m surgido numerosos trabalhos
relatando os resultados de utiliza ção do f ósforo radioactivo ( 32 P) e de outras t é cni ¬
cas sofisticadas nos estudos da circulação do f ósforo nos lagos. Hutchinson (1957) e
Pomeroy (1970 ) resumiram os estudos sobre as taxas de circula çã o do f ósforo e de
outros elementos vitais.
Tem- se verificado, em geral, que o f ósforo não se move uniforme e sua ¬
vemente dos organismos para o meio e deste para os organismos, como se poderá
julgar observando o diagrama constante da Figura 4-3, ainda que , como já foi indica¬
do, o equil í brio tenda a estabelecer-se a longo prazo. Em qualquer momento, a
maior parte do fósforo est á ligada quer aos organismos quer a só lidos ( isto é ,
detritos org â nicos ou part ículas inorgâ nicas que constituem os sedimentos). Nos la¬
gos, a quantidade máxima suscept í vel de se encontrar em forma sol ú vel , em qualquer
momento, anda pelos 10 por cento. Um r á pido movimento de vaivé m ou de inter-
145

câmbio ocorre constantemente, por é m o intenso movimento entre os estados sólido


e dissolvido é com frequ ê ncia irregular ou «brusco», com per íodos de liberta ção
lí quida a partir dos sedimentos seguidos de perí odos de absorção lí quida pelos orga ¬
nismos ou pelos sedimentos, consoante as condições sazonais de temperatura e as
actividades dos organismos. Geralmente , a velocidade de absorção é mais rá pida do
que a velocidade de libertaçã o. As plantas absorvem facilmente fósforo na obscuridade
e em outras condições, quando o n ão podem utilizar. Durante períodos de rá pido
crescimento dos produtores, o que acontece com frequ ê ncia na Primavera, todo o fós¬
foro dispon í vel pode ficar ligado aos produtores e aos consumidores. O sistema pode
ent ão ficar «mais lento» at é que os corpos, as fezes, etc., possam ser decompostos
e os nutrientes libertados. Contudo, a concentração de f ósforo em qualquer altura
pode ter pouca rela çã o com a produtividade do ecossistema. Um baixo n ível dissol ¬

vido de fosfato poderá indicar que o sistema se encontra empobrecido ou que h á


uma actividade metabólica muito activa; apenas medindo a taxa de fluxo pode ser
determinada a verdadeira situação. Pomeroy (1960) resume este interessante ponto
da forma seguinte : «A medição da concentra çã o do fosfato dissolvido em águas natu ¬
rais oferece uma indicação muito limitada do fósforo dispon ível. No sistema, muito
parasitas. Nos tró picos h midos, por outro lado, a remoçã o da floresta retira a
capacidade da terra para conservar e reciclar os nutrientes ( tal como para com¬
bater pragas), em face das temperaturas elevadas durante todo o ano e dos períodos
de chuvas lixiviadoras. Com grande frequ ê ncia, a produtividade das culturas declina
do fosfato, ou virtualmente todo, pode encontrar-se no interior dos organismos em
qualquer altura, por é m, poderá renovar-se a cada hora, o que determinará um cons¬
tante abastecimento de fosfato aos organismos capazes de o concentrar a partir de
uma solu ção dilu í da. Estes sistemas podem permanecer biologicamente est áveis
durante considerá veis perí odos de tempo, pese embora a ausê ncia aparente de fós¬
foro dispon í vel. As observa ções aqui apresentadas sugerem que um rá pido fluxo de
fósforo é t í pico de sistemas altamente produtivos e que a taxa de fluxo é mais
importante do que a concentração, no que se refere à manutençã o de altas inten ¬
sidades de produ çã o org ânica».
O conceito de renova ção, tal como foi introduzido no Capítulo 2 ( página 25),
é um conceito til para comparar os ritmos de troca entre os diferentes compo¬
nentes de um ecossistema. Em termos de troca, depois do equil í brio ter sido estabe¬
lecido, a raz ão de renovação é a fracção do quantitativo total de uma subst â ncia
presente num componente que é libertada ( ou que entra) durante um dado intervalo
de tempo, ao passo que o tempo de renovação é o recí proco daquela, isto é, o tempo
necessá rio para repor uma quantidade de subst â ncia igual à quantidade presente
no componente ( ver Robertson, 1957, para a análise destes conceitos). Por exemplo,
se 1000 unidades estão presentes num componente e 10 saem ou entram em cada
hora, a razão ( ritmo) de renova ção é 10 / 1000 ou 0,01 ou 1 por cento por hora.
146

Deste modo, o tempo de renovação será 1000 / 10 ou 100 horas. O tempo de resid ê ncia ,
uma expressão largamente utilizada na literatura geoqu í mica, é um conceito seme ¬
lhante ao conceito de tempo de renova ção, uma vez que se refere ao tempo durante
o qual uma dada quantidade de substâ ncia permanece num determinado compar¬
timento de um sistema. No Quadro 4-1, facultam- se dados do tempo de renova ção
de dois componentes, a água e os sedimentos, em tr ê s lagos. Os lagos mais pequenos
t ê m um tempo de renovação mais curto, presumivelmente por ser maior a razão
entre a superf í cie da «vasa» do fundo e o volume de água. Em geral , o tempo de
renovação para a água de lagos pequenos ou superficiais é uma questão de dias ou
semanas; para os grandes lagos pode ser uma quest ão de meses.
Estudos com fertilizantes marcados com 32 P em ecossistemas terrestres revela¬
ram padr ões semelhantes; uma grande parte do f ósforo est á « presa» e indispon í ¬

vel para as plantas em cada momento ( ver o resumo de algumas destas experiê n ¬
cias em Cornar, 1957). Um resultado muito pr á tico de estudos intensivos em mat é ria
de ciclos de nutrientes tem sido a repetida demonstra çã o que a excessiva fer ¬

tiliza çã o pode ser t ã o «prejudicial», do ponto de vista dos interesses do homem ,


como a fertiliza ção insuficiente. Quando se adicionam mais materiais do que aqueles
que podem ser utilizados pelos organismos activos nessa altura, o excesso é com
frequ ê ncia rapidamente ligado ao solo ou aos sedimentos ou mesmo completamente
perdido ( como na lexiviaçã o), e não est á dispon í vel na altura em que mais se pre ¬
tende o incremento do crescimento. A «descarga cega» de fertilizantes nos ecossis¬
temas, como acontece com as lagoas para a produ ção de peixe, constitui n ã o s ó
um desperd ício, no que se refere aos resultados desejados, como é també m capaz
de provocar alterações não previstas no sistema, bem como a polui ção «rio abaixo».
Uma vez que organismos diferentes estão adaptados a n íveis especí ficos de mate ¬
riais, um excesso continuado de fertilização pode determinar uma alteração nos ti ¬
pos de organismos, porventura desencorajando aquele que o homem pretende e
encorajando os tipos que este não deseja. Entre as algas, por exemplo, a esp écie
Botryococcus braunii apresenta um crescimento ó ptimo a uma concentraçã o de
f ósforo de 89 mg por m 3, enquanto as da espé cie Nitzschia palea crescem melhor
a 18 mg por m 3 . O aumentar o quantitativo de f ósforo de 18 para 89 provocar á
a substituição de Nitzschia por Botryococcus ( considerando as outras condições favo¬
r áveis para ambas as espé cies), e isto poder á ter um efeito considerá vel nos tipos
de animais que podem ser mantidos. No Capítulo 5 ( página 178 ) descreve-se a com ¬
pleta destruição de uma ind ú stria de ostras .provocada por uma alteraçã o nas popu ¬
lações de fitoplâ ncton, em resultado de um aumento de fertilizaçã o com fósforo e
materiais azotados.
Como já se assinalou no Capítulo 2, as massas de água não são sistemas
fechados, devendo sim ser consideradas como partes de bacias de drenagem ou sis ¬
temas de « bacias hidrográficas» mais amplos. Como també m foi assinalado, os sis-
147

Quadro 4-1
Estimativas do Tempo de Renovação do Fósforo na Á gua e Sedimentos
de Trê s Lagos Obtidas Mediante Utilização do 32 P *
RAZ Á O ENTRE
TEMPO DE RENOVA Ç AO EM DIAS
O P MÓ VEL E
Á REA PROFUNDIDADE
O P TOTAL
LAGO KM 2 M Á GUA SEDIMENTOS NA ÁGUA

Bluff 0,4 7 5,4 39 6,4


Punchbowl 0,3 6 7,6 37 4,7
Crecy 2,04 3,8 17,0 176 8,7

* Segundo Hutchinson , 1957.

temas de bacias hidrogr áficas facultam uma espé cie de unidade de ecossistema
m ínimo, no que se refere à pr ática do ordenamento pelo homem . A Figura 4-6
representa um modelo quantitativo do ciclo do cá lcio para pequenas bacias hidrográ ¬
ficas florestadas de montanha em New Hampshire . Os dados são baseados em estu ¬
dos de seis bacias hidrogr áficas, variando em dimensã o dos 12 aos 48 hectares
(Bormann e Likens, 1967). A precipitaçã o, com uma mé dia de 123 cm ou 58 pole ¬
gadas por ano, foi medida por uma rede de estaçõ es de medi çã o, e a quantidade
de água que sa ía da bacia hidrogr áfica na corrente de drenagem de cada unidade
foi medida por um medidor de caudais em forma de V semelhante ao ilustrado
na Figura 2-4, página 25. Determinando a concentração de minerais na água entrada
e sa ída, pode ser calculado o balan ço de entrada-sa í da mineral. O teor em cá lcio dos
compartimentos bi óticos c do solo foi calculado a partir de dados de Ovington (1962 ).
A reten çã o pela floresta inalterada e a reciclagem no seu interior mostrou
ser t ão eficaz que a estimativa da perda de cá lcio pelo ecossistema apenas foi de
8 kg por hectare e ano (e para os outros nutrientes quantidades igualmente peque ¬

nas ). Uma vez que 3 kg de cá lcio eram repostos pela chuva, apenas seria neces ¬
sá ria uma entrada de 5 kg por hectare para se alcan çar um equil í brio, e julga-se
que isto é facilmente facultado atrav és do ritmo normal de meteoriza çã o da rocha
m ãe que constitui o reservat ó rio de «dep ósito». Um estudo recente de Thomas
(1969), que usou o radionuclido 45Ca para medir a renovação, demonstra como as
árvores dos andares inferiores, como as do g é nero Cornus, actuam como « bombas» de
cálcio, o que contraria o movimento descendente no solo e mant é m assim o cál ¬
cio em circulação entre os organismos e as camadas superiores activas da manta
morta e do solo.
Numa das bacias hidrogr áficas experimentais foi abatida toda a vegetação e
suprimida toda a sua regeneraçã o na estação seguinte pela aplicaçã o a é rea de herbi¬
cidas. Embora o solo tenha sido pouco afectado e não tenha sido removida mat é-
148

ria orgâ nica por este procedimento, a perda de nutrientes minerais no caudal da
corrente de sa ída foi de 3 a 15 vezes maior do que a verificada nas bacias hidro ¬
gráficas intactas testemunhas (Likens, Bormann e Johnson, 1969). O aumento no cau ¬
dal da corrente de sa ída, no caso do ecossistema submetido a corte, resultou fun ¬
damentalmente da elimina çã o da transpiração das plantas, e foi este caudal acrescido

ATMOSFERA
chuva
3

Figura 4-6. Ciclo do cá lcio numa bacia hi ¬ BIOTA


drográ fica setentrional florestada baseado em 203
dados de Bormann e Likens ( 1967 ) e Ovington
( 1962 ) . Todas as cifras s ão quilogramas por
hectare e ano . As cifras nas caixas s ão estima ¬ decomposi çã o
tivas do teor dos compartimentos principais , absor çã o 50 e saída na corrente
ou «exist ê ncias permanentes»; todas as restan ¬ 8
liberta çã o
tes representam estimativas das taxas anuais
de tr â nsito. As setas simples ilustram entradas
para ou sa í das da bacia hidrogr á fica tomada DEPÓSITO
no seu conjunto; as setas duplas ilustram a ABIÓTICO
troca entre os compartimentos bi ó tico e abió- 365
tico dentro do sistema.
meteorizaçã o
5

SOLO E ROCHA

que arrastou quantidades adicionais de minerais. Tal como se salientou no cap ítulo
anterior ( ver página 73) a transpiração, tradicionalmente considerada como uma car-
ga indesejá vel nos sistemas agrícolas, parece ser um mecanismo ben éfico de conser ¬
vação de nutrientes, bem como um subs ídio de energia numa floresta. Uma vez
mais, estudos quantitativos deste tipo revelam os verdadeiros custos, para a sociedade
tomada no seu conjunto, de aumentar o caudal de água dos rios para alcan çar
aquilo que a longo prazo poderão constituir exigê ncias insensatas e desnecessárias
de uma sociedade industrial imprevidente. A remo ção das florestas dos montes aumen ¬
tará a « produ ção» da água para os vales ( ver Hibbert , 1967), embora à custa tanto
da qualidade da água como da capacidade produtiva e regeneradora do ar da bacia
hidrográfica. Na pró xima secçã o este assunto será retomado.
A Figura 4-7 é um modelo de compartimento de troca do fósforo numa ba ¬
cia de alimentação de um pântano marinho na Geórgia, que é um sistema muito
mais aberto do que o da bacia hidrográfica de montanha. Neste modelo est ão
integradas no circuito pulsa ções sazonais, visto que, segundo já se disse, o movimen ¬
to dos materiais não é nem cont ínuo nem uma funçã o linear do tempo. No pâ n ¬
tano há um surto principal no crescimento da erva durante os meses mais
149

quentes, quando o f ósforo é «bombeado» atravé s das ra ízes da erva que penetram
profundamente no sedimento anaer ó bio. Este processo de « recupera ção» verificou-se
experimentalmente injectando 32 P em sedimentos profundos. Dão-se duas pulsa ¬

çõ es maiores de decomposição que libertam fósforo na água , uma na parte mais


quente do Verão e a outra no Outono quando grandes quantidades de erva morta
são levadas do pântano pelas maré s altas sazonais. Quando foram estabelecidos sis ¬
temas de equações diferenciais para descrever a forma como o teor em f ósforo num
compartimento afecta o das partes adjacentes do sistema, examinando- se de seguida
o modelo inteiro com um computador anal ógico, verificou-se ser necessário efectuar
alguns ajustes em vá rios dos «abastecimentos» com o objectivo de manter está ¬
veis os «conte dos» dos compartimentos mais pequenos. Estes procedimentos
ilustram os dois pontos realçados na Secção 3 do Capí tulo 1, a saber: (1) pode
construir-se um modelo real í stico, ainda que muito simplificado , a partir de uma
quantidade relativamente pequena de dados directos, e (2) tais modelos podem ser
«sintonizados» atravé s de tratamento com computador para averiguar que coeficientes
de transferê ncia farã o do modelo uma melhor imita çã o do mundo real ( ver tam ¬
bé m Capítulo 10 ).
A importâ ncia dos animais que se nutrem de alimentos filtrados e de detri¬
tos para a renovaçã o do ciclo do f ósforo neste sistema de estuá rio foi verificada
com o modelo. Trabalhos anteriores de Kuenzler (1961) tinham revelado que s ó
por si a popula ção de mexilh ões ( Modiolus demissus) «recicla » em cada dois dias e
meio e a partir da água, uma quantidade de f ósforo em part í culas equivalente à
quantidade presente na água (isto é , um tempo de renovação apenas de 2,5 dias

COMEDORES
AGUA 6 DE DETRITOS
30.0 175.0

Figura 4-7. Diagrama de compartimentos da


( D)T
circula ção do f ósforo num ecossistema de sapal na
9.8 ( 16.4 ) 6 Ge ó rgia ( ver Pomeroy, Johannes , Odum e Roff-
man , 1967) . Ilustram -se dois grandes reservat ó¬
/ V\ rios de fósforo ( sedimentos e detritos) e os tr ê s
compartimentos mais activos ( água , Spartina ,
SEDIMENTOS
ou erva de p â ntano, e animais comedores de
DETRITOS
detritos). As quantidades dentro dos comparti¬
5 x IO 5 IO 4 mentos s ã o exist ê ncias permanentes em mg
de P por m» as correntes de transferê ncia são
expressas em mg de P por nu e dia. Trata-se de
um modelo linear com dois coeficientes variá¬
IC ) T veis, (D) f .e (C) t , que imitam as pulsa ções esta¬
( 16.4 ) 9.8 cionais na libertaçã o do fósforo pelos detritos
em decomposiçã o e na absor ção do fósforo pela
erva de pântano, respectivamente . Apresenta-se
SPARTINA um gr áfico de cada pulsaçã o estacionai. As
660 quantidades entre par ê ntesis sã o m é dias integra ¬
das de transferê ncias variá veis .
150

para o fósforo em part í culas na água ). Kuenzler (1961a) també m mediu a corrente de
energia da popula çã o, concluindo que a popula çã o de mexilh ões é mais importante
para o ecossistema como um agente biogeoqu í mico do que como transformador de
energia ( isto é, como uma fonte potencial de alimento para outros animais ou o ho ¬
mem ). Isto constitui um excelente exemplo do facto de que uma esp é cie para ser impor ¬
tante para o homem não necessita ser um elo da sua cadeia alimentar; muitas espé ¬
cies sã o valiosas de formas indirectas que se n ão manifestam num exame superficial.
Em cap í tulos subsequentes voltar-se-á novamente à quest ão posta com frequ ê ncia:
«Para que servem todas as espécies na natureza que o homem n ã o pode comer ou
vender ?»

Os Cicios Globais do C02 e da H 20

Passando agora para o n ível global, a Figura 4-8 ilustra tentativas experimen ¬
tais de quantificar aquilo que são provavelmente os dois mais importantes ciclos
no que respeita ao homem , designados por ciclo do C02 e por ciclo hidrol ógico.
Ambos são caracterizados por depósitos atmosf é ricos pequenos, embora muito acti-
vos, muito vulnerá veis às perturbações provocadas pelo homem que , em conse-
ATMOSFERA
( 2 , 300 )
GEOL ÓGICO

60 BI ÓTICO
BI Ó TICO 8
AGRO - INDÚ STRIA
ioo \ e
: QU íMICO

CONTINENTES
(130.000)
Figura 4-8. A. O ciclo do C 02. A MAIOR PARTE COMO
As cifras são 109 toneladas de C02 CARBONATOS
OCEANO
/ COMBUST ÍVEIS FÓSSEIS
nos principais compartimentos da ( 40 , 000 )

biosfera e na circulação entre com ¬


partimentos ( setas). (Dados de Plass, PERDA PARA O ESPA ÇO
1959.) B. O ciclo hidrológico. As \
\
cifras sã o geogramas ( 1020 gramas)
ATMOSFERA
de H 20 nos principais comparti ¬ ( 0.13 )
GANHO
mentos da biosfera e na circulação
entre compartimentos ( setas). (Da ¬
POR
ACTIVIDADE /
QUEDA
t\
dos de Hutchinson, 1957.) VULC Â NIC, IO
PLUVIOM É TRICA 1
EVAPORA ÇÃO 1
3.6 3 ,8 3.4

AGUAS 0.25 ) CAMADAS DE GELO


INTERIORES
Á GUAS 3.2
SUBTERR Â NEAS
CIRCULANTES " 2 5
( ——
( 13 , 800 )
LITOSFERA
( 250, 000 ) OCEANO
151

qu ê ncia, pode ocasionar alterações no tempo ou nos climas, consciente ou incons¬


cientemente. Independentemente do pensamento de quem quer que seja se orientar
no sentido de evitar desastres ou de provocar uma modificação deliberada no clima
para um suposto benef ício de algu é m em qualquer parte, é de extrema import ância
que se estabele ça uma rede de medi ções à escala mundial para detectar altera ções
significativas nos ciclos de C02 e da H20 que podem afectar decisivamente o futuro
do homem sobre a Terra.
Considerando primeiro o ciclo do C02 ( Figura 4-8 4 ), a teoria do C02 para o
clima e o recente aumento gradual no teor em C02 da atmosfera foram discutidos
no Capítulo 2 ( ver página 50 ). Da estimativa de oito mil milh ões de toneladas de
C02 injectados anualmente no ar pela actividade agro- industrial do homem em
1970, seis mil milh õ es de toneladas provieram da queima de combust íveis f ósseis
e dois mil milh ões de toneladas do cultivo da terra para agricultura. A maior parte
de um tal montante , embora n ã o todo, passou rapidamente para os oceanos e foi
«armazenado» na forma de carbonatos. Uma perda l í quida de C02 na agricultura
pode parecer surpreendente, por é m, resulta do facto do C02 fixado pelas cul ¬
turas ( muitas das quais apenas são activas durante uma parte do ano) n ão compen ¬

sar o C02 libertado do solo, especialmente em resultado da sua frequente lavra.


A r á pida oxidação do h mus e libertação de C02 gasoso, retido normalmente no
solo, tem outros efeitos mais subtis que só agora est ão a ser conhecidos, incluindo
efeitos no ciclo de outros nutrientes. Por exemplo, Nelson (1967), num elegante
estudo, utilizou conchas de am ê ijoas para demonstrar que a remoção da floresta e
a agricultura se traduziram num decl í nio do montante de certos elementos m í ni ¬
mos na água cedida pelo' solo. Verificou que as conchas das am êijoas de dep ósitos
de resí duos dos í ndios, com 1000 a 2000 anos de idade, continham cinquenta a
cem por cento mais mangan ês e bá rio do que as conchas contemporâ neas ( uma
diferen ça estatisticamente significativa). Por um processo de eliminação, Nelson
concluiu que a redu ção na corrente de água ací dica carregada de C02 que se infiltra
profundamente no solo diminui a velocidade de dissolu ção destes elementos das
rochas subjacentes. Por outras palavras, a água tende agora a deslocar -se rapida ¬
mente sobre a superfície, em vez de se infiltrar no solo atravé s das camadas de
h mus. Em termos de ecologia pode dizer-se que a corrente entre o dep ósito e o
compartimento de troca foi alterada de uma forma bastante fundamental pelo actual
ordenamento da paisagem realizado pelo homem . Conquanto se reconheça aquilo
que aconteceu e se aprenda a compensar , tais alterações n ã o t ê m de ser prejudiciais.
N ão se trata porventura de coincid ê ncia que os agricultores tenham vindo a des¬
cobrir que precisam agora de adicionar elementos minerais m í nimos aos fertilizantes
com o objectivo de manter as produ ções em muitas á reas.
Nesta altura cabe relembrar como a atmosfera da Terra chegou à situação
presente de um teor em C02 muito baixo e um teor muito alto em 02. A evo-
152

lu ção da atmosfera encontra-se descrita com algum detalhe no Capítulo 9. Quando


a vida começoq na Terra, h á dois mil milh ões de anos, a atmosfera, tal como a
do planeta J ú piter actualmente, compunha-se de gases vulcânicos (formação atmos¬
fé rica por «emiss ões gasosas corticais» como diriam os geólogos!). Continha quan ¬
tidades elevadas de C02, embora pouco ou nenhum oxig é nio, e a primeira vida
foi anaeró bia. Como ficou descrito no Cap ítulo 2, a acumulação de oxigé nio e o
declí nio no C02 ao longo do tempo geológico resultou do facto de P ( produ çã o)
ter , em m édia, excedido ligeiramente R (respiração ). Tamb é m , de acordo com
Hutchinson ( 1944), a formação de compostos reduzidos de azoto e a produ ção de
hidrog é nio a partir da água e a sua fuga da atmosfera para o espaço igualmente
contribu íram para a acumulação de oxig é nio. É, porventura, significativo que tanto
a baixa concentração de C02 como a alta concentração de 02 são agora limitantes
para a fotoss í ntese. Isto quer dizer que a maioria das plantas sofrem um acr é scimo
na sua intensidade fotossintética se, experimentalmente, a concentração de C02 for
aumentada ou a concentração de 02 diminu ída. Isto faz das plantas verdes uns
reguladores muito responsá veis! ( Ver página 199.)
Embora o cinturão verde fotossintético da terra e o sistema de carbonatos
do mar tenham sido muito eficientes na remo ção do C02 da atmosfera, o cres¬
cimento em espiral do consumo de combust íveis fósseis ( considerar o tremendo
aumento de C02 que seria libertado se a totalidade das reservas de combust í vel
fóssil se queimasse; ver Figura 4-8 4) , adicionado ao decr éscimo na «capacidade de
eliminação» do «cinturão verde» está a começar a exercer um efeito sobre o compar¬
timento atmosf é rico. Os conte ú dos dos compartimentos activos, pequenos, é que
são mais afectados pelas alterações nos fluxos ou nos «abastecimentos». O que
parece ser de esperar nos pr óximos decé nios é um novo equilí brio, embora ins ¬
t ável, entre um C02 em aumento ( que segura o calor que volta a ser irradiado)
e o aumento de poeiras da poluição por « part í culas» ( que reflecte a energia de
radiação incidente ). Qualquer alteração lí quida no balan ço de calor, por ambas as
vias, afectará os climas. Para efeitos de mais ampla informaçã o sobre o ciclo global
do C02 ver Revelle e Suess, 1956; Plass, 1955, Mõller, 1963; Revelle, 1965.
Como se ilustra no diagrama do ciclo hidrol ógico constante da Figura 4-85,
o compartimento atmosfé rico da H 20 é pequeno, e esta tem um ritmo de renova ¬
çã o mais rá pido e um tempo de residê ncia mais curto na atmosfera do que o C02.
O ciclo da água, à semelhan ça do ciclo do C02, come ça a ser afectado pelo homem
à escala global. Embora se esteja agora a desenvolver trabalho promissor numa
base mundial para conservar a precipitação e as correntes dos rios, h á necessidade
urgente de dispor de um controlo mais completo sobre todas as correntes principais.
Daí o se encontrar em fase de planeamento um «Decé nio Hidrol ógico Internacional»
comparável com o « Programa Biol ógico Internacional ».
H á outros dois aspectos do ciclo da H 20 que carecem de destaque especial.
153

(1) Observe-se que no mar se evapora mais á gua do que a restitu ída por inter ¬
médio da chuva, verificando- se o inverso para a terra. Por outras palavras, uma
parte da chuva que suporta os ecossistemas terrestres, incluindo a maior parte da
produ çã o de alimentos do homem , prov é m da evaporaçã o da água à superf ície do
mar. Em muitas á reas , como por exemplo no vale do Mississipi, avalia-se que
à volta de noventa por cento da queda pluviom étrica tem origem no mar ( Ben -
ton, Blackburn e Snead , 1950 ). ( 2 ) Dado avaliar - se que 0, 25 geogramas ( 1 geo-
grama = 1020 gramas ) de água se encontram nos lagos de água doce e nos rios, e que
0,2 geogramas correm todos os anos para o mar , o tempo de renova çã o anda por
um ano. A diferen ça entre a queda pluviomé trica anual (1,0 geograma) e a água
que corre para o mar ( 0,2 geogramas ), isto é 0,8 geogramas, constitui uma estima ¬
tiva do ritmo de recarga anual da terra em água. Como já se indicou , a tend ê ncia
do homem para aumentar a propor çã o da água de escoamento pode reduzir dentro
em pouco o compartimento muito importante da água da terra . Deveria ser devolvida
mais água aos «len çóis aqu íferos» em vez de se tentar armazen á-la totalmente em
lagos ( onde a evapora çã o é alta).
Como ser á exposto detalhadamente mais adiante neste cap í tulo (e no Ca ¬
p í tulo 17 ), o desenvolvimento da energia at ómica criou uma contamina çã o perigosa
dos ciclos biogeoqu ímicos à escala global. Por outro lado, tamb é m surgiram algu ¬
mas oportunidades ú nicas para a investiga ção com tra çadores , constituindo um
bom exemplo o caso do tr ítio no ciclo do hidrol ógico. O trí tio ( 3H ), o is ótopo ra-
dioactivo do hidrog é nio, é formado em pequenas quantidades a um ritmo constante
pela acção dos raios cósmicos na parte superior da atmosfera e est á presente natural-
mente sob a forma de água por todo o ciclo hidrol ógico. É removido do ciclo pela
deteriora ção radioactiva, de acordo com os 12,3 anos de vida média desse isó topo
( ver página 717 ). Felizmente a velocidade de forma ção do tr ítio natural e os n í veis
de equil í brio em diferentes compartimentos da á gua foram medidos antes do teste
das bombas de hidrog é nio, que nos fins da d é cada de cinquenta e nos princí¬
pios da d é cada de sessenta introduziram na atmosfera uma quantidade de tr ítio arti ¬
ficial cerca de dez vezes a produzida naturalmente. Desde 1964, data da morat ória
em mat é ria de testes nucleares , o tr í tio artificial nã o tem sido adicionado em quanti¬
dades apreciá veis. Entretanto, a carga de trítio adicionada moveu -se das águas da
atmosfera e da superf ície para a água do solo, as massas de gelo e as massas de água
mais profundas dos oceanos, facultando assim uma oportunidade para determinar
as fontes, os ritmos de recarga e os tempos de resid ê ncia da água nesses reser ¬
vat órios de depósito. Suess (1969) fez a revisão das possibilidades abertas ao longo
destas vias e solicitou um estudo internacional coordenado. Em parte porque as
emiss ões radioactivas de tr í tio s ã o fracas ou «brandas» ( ver página 718 para expli ¬

ca ção ), a injecção artificial n ão produziu efeitos generalizados no biota ou no


homem ; pelo menos, ainda n ão foram detectados nenhuns efeitos. Contudo, à
154

medida que a utiliza ção da energia at ó mica se expande, especialmente a utiliza ção
da energia de fusã o ( ver página 730 para explica çã o), o tr í tio continua a ser um dos
subprodutos que causam preocupa çã o. É de esperar que o tr ítio no ciclo da água
n ão venha nunca a ser mais do que um traçador ú til!
Deve ver-se o Capí tulo 4 do Treatise on Limnology (1957) de Hutchinson ,
caso pretenda um excelente sumá rio do ciclo hidrológico.
se

3. O CICLO SEDIMENTAR

Enunciado

A maior parte dos elementos e dos compostos est ã o mais ligados à terra do
que o azoto, o oxig é nio, o di óxido de carbono e a água, e os seus ciclos seguem
o padr ão bá sico do ciclo sedimentar no qual a erosão, a sedimentação, a formaçã o
de montanhas e a actividade vulcâ nica, assim como o transporte biol ógico, s ã o os
principais agentes que efectuam a circula ção .

Explicação

A Figura 4-9 fornece um cen ário generalizado do ciclo sedimentar de ele ¬


mentos ligados à terra. Indicam-se com as setas algumas avalia ções dos quantitativos
de material que passa atrav é s do ciclo. Sabe -se muito pouco, certamente , acerca do
fluxo de materiais na parte profunda da Terra. O movimento de maté ria s ólida atra ¬
vé s do ar como poeira est á indicado como « precipita çã o». À precipitação natural o
homem est á a juntar materiais adicionais de pequena monta relativa, em termos
de quantidade , mas com significado ecológico por causa dos seus efeitos t óxicos
ou porque bloqueiam a entrada da radiação solar. Os elementos qu í micos que estão
dispon íveis para as comunidades da biosfera sã o aqueles que pela sua natureza
geoqu í mica tendem a estar inclu ídos nos tipos de rochas que chegam à superfí¬
cie. Elementos abundantes no manto sã o nela escassos. Como já se indicou, o
f ósforo é um dos elementos cuja escassez na superf ície da terra limita, com
frequ ê ncia, o crescimento das plantas.
Na Figura 4-9, est á bem ilustrada a tend ê ncia geral «encosta abaixo» do ciclo
sedimentar. No Quadro 4-2 apresentam -se as estimativas dos fluxos anuais de sedi ¬
mentos vindos de cada um dos principais continentes para os oceanos. É signifi ¬
cativo que o continente com civilizações mais antigas e submetido a pressão humana
mais intensa, a Á sia, seja o que perde mais solo. Embora o ritmo varie, as ter ¬
ras baixas e os oceanos tendem a ganhar nutrientes minerais solú veis ou utilizá-
155

veis, a expensas das terras altas, durante os perí odos de actividade geológica mínima.
Em tais condições, os mecanismos locais de reciclagem biol ógica são extremamente
importantes enquanto mecanismos que evitam que a perda pelo movimento encosta
abaixo supere a regenera ção de materiais novos a partir das rochas subjacentes,
como foi posto em relevo ao ser analisado o ciclo do cálcio da bacia hidro¬
gr áfica. Por outras palavras, quanto mais tempo os elementos vitais possam perma ¬
necer numa determinada á rea e ser utilizados , vezes seguidas , por sucessivas
gerações de organismos, menor quantidade de material novo vindo de fora será
necessário. Infelizmente, como també m já foi mencionado quando da an á lise do
f ósforo, o homem tende a perturbar esta homeostasia, inconscientemente muitas
vezes, por não entender a simbiose entre a vida e a matéria que levou milhares de
anos a desenvolver -se. Por exemplo, suspeita-se agora, embora n ão esteja ainda
provado, que a deten ção pelos diques da migraçã o do salmão se est á traduzindo
numa decad ê ncia, n ão s ó do salmão, mas igualmente, em certas regiões altas
do oeste dos Estados Unidos da Am é rica, de outros peixes n ã o migrat ó rios, de
animais de caça e inclusiv é da produ ção de madeira. Quando o salm ão desova

RECIPITAÇÀ O
NATURAL
PREC TAÇÃ O ROyO DA PELO HOMEM

S
V "
tz*#
SEDIMENTOS - MAR
'

m
2 i 66

GRANITO BASALTO

:::::: MANTO

-
Figura 4 9. Um diagrama do ciclo sedimentar envolvendo o movimento dos elementos mais
«ligados à terra». Ali onde as avaliações são possíveis, as quantidades de material estão calculadas
em geogramas por milh ão de anos ( um geograma = 1020 gramas). Os continentes sã o blocos de gra ¬
nito cobertos por sedimentos que flutuam como cortiças numa camada de basalto subjacente aos oceanos.
Sob o basalto negro encontra-se a camada do manto que se estende para baixo, para o n úcleo central
da Terra, uns 2900 km . O granito é rocha de cor clara, muito resistente, utilizada em lápides; o basalto
é a rocha negra que se encontra nos vulcõ es. (Diagrama preparado por H. T. Odum.)
156

e morre nas terras altas, deposita uma carga de valiosos elementos nutritivos
recuperados do mar . A remoçã o de grandes massas de madeira sem restituição ao
solo dos minerais que cont ê m ( como ocorreria normalmente durante a decompo¬
si ção do lenho) també m contribui indubitavelmente para o empobrecimento das
terras altas, ali onde o depósito de elementos nutritivos era já limitado. É fá cil per ¬
ceber que a destrui ção de semelhantes mecanismos biol ógicos de renovação cíclica
poderia acarretar , no futuro, o empobrecimento do ecossistema conjunto por mui ¬
tos anos, visto que seria necessário muito tempo para o restabelecimento de um
compartimento circulante de materiais. Em tal caso, a inven çã o de meios de res¬
tituição dos materiais limitantes (e de os manter in situ) seria muito mais eficaz
que a criaçã o de peixes ou a plantaçã o de árvores. Convé m sublinhar , alé m disso,

Quadro 4-2
Estimativa do Fluxo Anual de Sedimento dos Continentes para os Oceanos *
Á REA DE DESCARGA DE SEDIMENTO
CONTINENTE DRENAGEM TOTAL
106 MI2 TON / MI 2 j 109 TON

Am é rica do Norte 8,0 245 1,96


Am é rica do Sul 7,5 160 1,20
Á frica 7,7 70 0,54
Austrália 2 ,0 115 0,23
Europa 3,6 90 0,32
Ásia 10,4 1530 15,91
T otal 39,2 20,16

* Segundo Holeman, 1968.


-
t Conversão em volume: 1 330 ton = 1 acre p é.

que o arrastamento violento de materiais para as terras baixas també m não as be ¬


neficia necessariamente , dado ser possí vel que estes sistemas não tenham oportuni ¬
dade de assimilar os elementos nutritivos antes que passem para o mar, para fora
do â mbito da luz, e fiquem assim fora da circulação biológica ( pelo menos por
algum tempo).

4. CICLAGEM DOS ELEMENTOS NÃO ESSENCIAIS

Enunciado

Os elementos n ão essenciais passam de um lado para o outro entre os orga ¬


nismos e o meio da mesma forma geral que os elementos essenciais e , muitos deles,
157

interv ê m no ciclo sedimentar geral , embora ao que se sabe nã o tenham valor algum
para o organismo.
Muitos destes elementos concentram-se , em dadas ocasiões, em diversos
tecidos, por motivo da semelhan ça qu í mica com elementos espec íficos vitais. Sobre ¬
tudo por causa das actividades do indiv íduo, o ecologista deve preocupar-se agora
com os ciclos de muitos dos elementos n ão essenciais.

Explicação

A maior parte dos elementos que n ã o sã o essenciais produzem pouco efeito


nas concentrações que costumam encontrar-se na maioria dos ecossistemas natu ¬
rais, provavelmente porque os organismos se adaptaram à sua presen ça. Assim
sendo, o ecologista teria pouco interesse na maioria dos elementos nã o essenciais,
n ão fora o facto dos produtos da extracção mineira e os resí duos industriais con ¬
terem altas concentra ções de merc rio, chumbo e outros materiais potencialmente
muito t óxicos, enquanto que as bombas at ó micas e as centrais de energia nuclear
produzem is ótopos radioactivos de alguns destes elementos, que nessa altura encon ¬
tram o seu caminho para o ambiente. Consequentemente, a nova geraçã o de eco¬
logistas tem de se preocupar com a ciclagem de praticamente tudo! Mesmo um
elemento muito raro, caso se encontre na forma de composto met á lico altamente
t óxico ou de isótopo radioactivo, pode tornar-se motivo de preocupaçã o biológica,
uma vez que uma pequena quantidade de material ( de um ponto de vista biogeo-
qu í mico) pode ter um efeito bibl ógico pronunciado.

Exemplos

O estr ôncio constitui um bom exemplo de um elemento anteriormente quase


nada conhecido que deve hoje receber especial atenção, uma vez que o estr ôncio
radioactivo surge como particularmente perigoso para o homem e outros verte ¬
brados. O estr ô ncio comporta-se como o cá lcio, do que resulta que o estr ô ncio
radioactivo entra em contacto estreito com o tecido hematopoé tico, tecido que é
muito sensí vel à radia ção. Como no Cap í tulo 17 se consideram com algum detalhe
vá rios aspectos da radioactividade no ambiente, neste cap í tulo apenas se necessita
analisar o estr ôncio em rela çã o com o ciclo do cálcio.
O cá lcio é um dos elementos mais abundantes que integram o ciclo sedi ¬
,

mentar ; é arrastado pelos rios , deposita-se na forma de pedra calcá ria , é elevado
nas cordilheiras e volta a ser arrastado pelas águas para o mar. Cerca de 7 por
cento do material sedimentar total que é arrastado pelas águas dos rios é cá lcio.
Em Compara ção, o montante de f ósforo no ciclo é apenas cerca de 1 por cento do
158

cá lcio. Por cada 1000 átomos de cálcio, movem-se 2,4 á tomos de estrôncio para
o mar, como uma ovelha preta num rebanho de ovelhas brancas. Em conse ¬
qu ê ncia dos ensaios com armas nucleares e da produ ção de resíduos nas utiliza¬
ções experimentais industriais da energia at ó mica, o estrôncio radioactivo est á a
espalhar -se pela biosfera. Este estr ôncio é um material novo que se adiciona à
biosfera, dado que resulta da fissão do urâ nio. Assim, algumas novas ovelhas pre ¬
tas estão a ser adicionadas, embora tais ovelhas sejam lobos com pele de ovelha,
por assim dizer ! Min ú sculas quantidades de estr ôncio radioactivo acompanham
agora o cálcio do solo e da água para a vegeta ção, para os animais, para a alimentação
humana e para os ossos do homem. Em 1970, de 1 a 8 picocuries ( para efeitos de
uma definição desta unidade de radioactividade ver página 718 ) de estrô ncio radio¬
activo estavam presentes por grama de cálcio nos ossos humanos. Os estudos do
efeito do radio-estr ôncio na produ ção do cancro sugerem a alguns cientistas que
estes n í veis são nocivos.

5. CICLAGEM DOS NUTRIENTES ORG Â NICOS

Enunciado

Tanto os heterotróficos como muitos autotr óficos ( muitas espé cies de >dgas,
por exemplo) necessitam de vitaminas ou de outros elementos nutritivos que h ão-de
obter do seu ambiente . Estes elementos nutritivos org â nicos circulam «ciclicamente »
entre os organismos e o ambiente, da mesma forma geral que os elementos nutri ¬
tivos inorg ânicos, exceptuando o facto de na sua maior parte serem mais de origem
biótica do que abiótica.

Explicação e Exemplo

Se bem que o carácter qu í mico das vitaminas e de outros compostos org â ¬


nicos que fomentam o desenvolvimento, assim como as quantidades requeridas pelo
homem e seus animais dom é sticos, sejam desde há muito conhecidos, o estudo des¬
tas subst âncias ao n ível do ecossistema apenas agora se iniciou . A concentração
de elementos nutritivos org ânicos na água ou no solo é t ã o pequena que seria
apropriado chamar-lhes os « micro- micronutrientes», em contraste com os « ma-
cronutrientes», como o azoto, ou com os « micronutrientes», como os oligometais
( ver cap ítulo seguinte); com frequ ê ncia, a ú nica forma de os medir é atrav é s do
ensaio biológico ( ou bio-ensaio), utilizando estirpes especiais de microrganismos
159

cujo crescimento é proporcional à concentra ção. Como se destacou na secçã o an ¬


terior deste cap ítulo, a concentração faculta , com frequ ê ncia, uma informa ção pequena
acerca da import â ncia ou do ritmo da corrente . Est á a tornar-se evidente que os
nutrientes org â nicos desempenham um papel importante no metabolismo da comu ¬
nidade e que podem ser limitantes. Trata-se de um campo de estudo palpitante que
receberá, sem qualquer d vida , uma aten çã o crescente no futuro pr óximo. A des¬
criçã o que se segue do ciclo da vitamina B 12 ( cobalaminas) no mar, retirada de Pro-
vasoli (1963), ilustra como se conhece pouco sobre o ciclo dos nutrientes orgâ nicos.
Os principais produtores de B 12 são os microrganismos (principalmente bac¬
t é rias ), embora n ão esteja exclu í do que as algas autotr óficas possam ser impor¬
tantes , tanto como produtores directos de vitaminas como, depois de mortas, como
alimento para os microrganismos que as produzem. As bact é rias e as algas são os
principais consumidores directos, embora as experiê ncias recentes indiquem que
os animais, especialmente os consumidores de materiais filtrados com guelras grandes
e altamente perme á veis, podem absorver vitaminas directamente como subst â ncias
dissolvidas. As part ículas não vivas (argila, micelas orgâ nicas e inorgâ nicas, detri¬
tos, etc.) absorvem grandes quantidades de vitamina B 12 e , por ingest ão, abastecem
os fag ó trofos com vitaminas. N ão se conhece até que ponto a remo ção de vitaminas
das part í culas afecta o respectivo ciclo ; nem sequer se sabe se estas part í culas fixam
as vitaminas de uma forma est á vel ou apenas transitoriamente. Manterá a remoção
selectiva ( «elution») parcial um certo n í vel de vitaminas como subst â ncias dissol¬
vidas durante o alto consumo de vitaminas pelo fitoplâ ncton ? A remoção selectiva
em lodos profundos pode fertilizar as correntes aqu áticas ascensionais ( ver Capí ¬
tulo 12, página 524).
,
Assim, factores de crescimento do tipo da vitamina B 2 comportam-se como
outras variáveis da nutrição ecologicamente significativas, mas ser ão eles limi¬
tantes , e onde ? N ão provavelmente nas águas costeiras onde a concentra çã o se
encontra usualmente bem acima de 1 m // g / litro, embora porventura no mar alto,
onde a concentra ção é com frequ ê ncia inferior a 0,1 m g / litro. No Mar dos Sargaços,
,
onde a concentração de B 2 é com frequ ê ncia t ã o baixa que nã o se pode medir, o
organismo dominante é um flagelado que n ã o carece dessa vitamina e tem exig ê n ¬
cias muito baixas quanto a outros nutrientes (citando aqui o trabalho de Menzel e
Spaeth , 1962).
Resulta claro, daquilo que se aprendeu at é agora que a combinação de an á¬
lises qu ímicas e de bio- ensaios com experiê ncias em meios enriquecidos ( ver pá ¬
gina 181 para uma avaliaçã o de tais experiê ncias) e a determina çã o in vitro das
caracter ísticas de nutri ção das espé cies dominantes proporciona um bom cen á rio dos
acontecimentos ecol ógicos.
Nos Cap í tulos 5 e 9, analisa-se o papel desempenhado pelas subst â ncias
orgânicas de crescimento na regulação da distribui ção e da sucessão dos organismos.
160

6. CICLAGEM DE NUTRIENTES NOS TR ÓPICOS

Enunciado

O padrã o da ciclagem de nutrientes nos tró picos é, em vários aspectos im ¬

portantes, diferente do que ocorre na zona temperada. Nas regi õ es frias, uma
grande parte da mat é ria org â nica e dos nutrientes dispon í veis encontra-se no solo
ou no sedimento em qualquer momento; nos tró picos, uma percentagem muito
maior est á na biomassa e é reciclada dentro da estrutura org â nica do sistema .
Por esta razão, a estrat é gia agr í cola da zona temperada, envolvendo a monocultura
de plantas anuais de vida curta, pode ser totalmente inadequada nas regi ões tropicais.
É urgente uma reavaliação ecológica da agricultura tropical em particular, e do orde¬
namento do ambiente em geral, caso o homem se disponha a corrigir os erros pas¬
sados e a evitar desastres futuros, quando abre literalmente o seu caminho na selva
com bulldozers» em busca de mais alimento e de mais espaço vital.

Explicação

A Figura 4-10 compara a distribuiçã o da mat é ria orgâ nica numa floresta seten ¬
trional e numa tropical. De uma forma interessante , nesta comparação ambos os
ecossistemas cont ê m aproximadamente a mesma quantidade de carbono org â nico,
embora na floresta setentrional cerca de metade deste se encontre na folhada e
no solo, enquanto mais de tr ês quartas partes se encontra na vegetação no caso
da floresta tropical. Outra comparação entre a floresta setentrional e a tropical é
facultada pelo Quadro 14-55, (Cap í tulo 14, ver página 601 ). Cerca de 58 por cento
do azoto total est á na biomassa d floresta tropical 44 por cento dele acima do
solo em comparação com 6 por cento e 3 por cento, respectivamente, numa flo¬
resta de pinheiros em Inglaterra.
Quando uma floresta temperada é removida, o solo ret é m nutrientes e a
estrutura, e pode ser cultivado durante muitos anos pela forma «convencional»,
que envolve a lavoura uma ou v á rias vezes por ano, a instalação de espécies
anuais e a aplicação de fertilizantes inorgâ nicos. Durante o Inverno as temperatu ¬
ras abaixo de zero ajudam a conservar os nutrientes e a controlar as pragas e os
parasitas. Nos tró picos h ú midos , por outro lado, a remoção da floresta retira a
capacidade da terra para conservar e reciclar os nutrientes (tal como para - com ¬
bater pragas), em face das temperaturas elevadas durante todo o ano e os períodos
de chuvas lixiviadoras. Com grande frequ ê ncia, a produtividade das culturas declina
rapidamente e a terra é abandonada, criando assim o padrã o da «agricultura itine-
161

rante » sobre a qual muito se tem escrito. A ciclagem de nutrientes em particular


e o controlo da comunidade em geral tendem, assim , a ser mais «fí sicos» no norte
e mais «biol ógicos» no sul. Esta breve narração simplifica, em excesso certamente ,
situações complexas, por é m, o contraste faz sobressair o que presentemente ressalta
como a razão ecológica básica, pela qual estações nos subtr ó picos ou nos tr ó picos
que suportam florestas luxuriantes e altamente produtivas produzem tão pouco
quando submetidas a um ordenamento de cultura agr ícola do tipo setentrional.
É de esperar que os estudos dos ecossistemas naturais que desenvolveram,
obviamente, mecanismos de resolu çã o do « problema» da ciclagem de nutrientes,
proporcionem elementos para conceber sistemas agr ícolas e florestais mais ajustados
aos climas quentes . Dois tipos de ecossistema desta classe, altamente produtivos,
são os recifes de coral e as florestas tropicais h midas. Os estudos levados a cabo
nos ltimos vinte anos revelaram que simbioses intrincadas entre autotr óficos e
heterotr óficos, simbioses que implicam a presença de microrganismos especiais como
intermediá rios, poderiam constituir a chave do êxito em ambos os tipos de ecossis¬
tema. No recife de coral , poderá ser a simbiose ú nica de coral e alga, nos termos
descritos no Capí tulo 12 , página 553 . , Um estudo profundo de uma floresta tro¬
pical h ú mida portorriquenha por uma equipa de cientistas revela, como se relatou ,
numa importante monografia recente (H. T . Odum e Pigeon, 1970), a exist ê ncia de
um certo n ú mero de mecanismos de conservação de elementos nutritivos ( ver Capí¬
tulo 14 ). Entre eles contam -se os fungos micorr ízicos associados ao sistema radi-
cular ( ver Cap í tulo 7, página 371) que actuam como « ratoeiras de nutrientes » vivas.
Com base em observa ções na bacia do Amazonas, Went e Stark (1968) propõem
o que designam por uma «teoria do ciclo mineral directo», como se segue :

A teoria baseia- se na circunst â ncia da massa dos minerais dispon í veis nos ecossis¬
temas de floresta tropical h mida se encontrar ligada a sistemas orgâ nicos mortos e vivos.
Pouco mineral dispon í vel se apresenta alguma vez livre ao mesmo' tempo no solo. Supõe-se
que as micorrizas, sumamente abundantes na folhada superficial e no delgado h mus do ch ã o
da floresta, são capazes de digerir manta morta e de passar, através das suas hifas, minerais
e subst â ncias aliment í cias às células vivas das ra í zes. Deste modo, pouco mineral sol ú vel é
incorporado no solo de onde pode ser lixiviado.

Se bem que esta teoria geral possa representar, uma vez mais, uma sim ¬

plifica çã o excessiva , as provas demonstram que se deveria empreender o desen ¬


volvimento e o exame de plantas de cultivo com sistemas de ra í zes micorrizadas
bem desenvolvidos. A utiliza ção de grandes plantas perenes e a eficiê ncia do ciclo
nutritivo do cultivo do arroz nos tr ó picos foram já referidos no Cap í tulo 3. E
talvez significativo que tenham sido cultivados arrozais no mesmo lugar por mais
de 1000 anos nas Ilhas Filipinas (Sears, 1957), o que constitui uma marca de êxito

ii
162

a que poucos dos sistemas agr ícolas actualmente em uso podem aspirar. Segundo Sears,
estes terraços de arroz est ão entremeados com pequenas florestas preservadas por
«tabus religiosos». Com o objectivo de evitar aquilo que Hutchinson (1967a) desig¬
nou como « o rá pido ajuste tecnológico com um rev é s ecológico», deveria come ¬
çar -se por averiguar se a intermistura da floresta e dos arrozais tem ou n ão algo
a ver com este admirável equilí brio, antes de cair na precipitação de recomendar
que a floresta seja passada a « bulldozer» para plantar mais arroz.
Uma coisa é certa a seguinte mensagem ter á de ser comunicada aos bem
intencionados das ag ê ncias estrangeiras dos pa íses do norte: A agrotecnologia indus¬
trializada da zona temperada não pode ser transferida sem modificações para as
regiões tropicais.

7. VIAS DE RENOVAÇÃO DE CICLO

Enunciado

Em paralelismo com o diagrama da corrente de energia de duas condutas


( Figura 3-8) devem distinguir-se dentro da cadeia alimentar duas vias principais para
a renova ção do ciclo ou regenera ção dos nutrientes como se segue : ( I ) retorno
por via da excre çã o animal prim á ria e, ( II ) retorno por via da decomposi ção micro¬
biana de detritos. Se bem que as duas funcionem em qualquer ecossistema, a via
( I ) de renova ção de ciclo predominará, contudo, nas comunidades de plâ ncton e ou ¬
tras em que a corrente principal de energia corre pela cadeia alimentar de pastoreio.
E inversamente , a via ( II ) de renovação de ciclo predominar á nas pradarias , nas
florestas da zona temperada e outras comunidades em que a corrente principal de
energia ocorre atravé s da cadeia alimentar de detritos. Prop ôs-se també m uma ter ¬
ceira via ( III ) que implica uma ciclagem directa, de planta a planta, atravé s de
organismos simbióticos.

Explicação

Tendo ficado resumidos os movimentos em massa dos elementos nutritivos


às escalas local e global, é conveniente terminar este cap í tulo fixando a aten ção
no ciclo dos elementos nutritivos dentro da por ção biologicamente activa do ecos ¬
sistema. Recorde-se que o mesmo procedimento foi utilizado no Cap í tulo 2 em
rela ção à energia; com efeito, foi em primeiro lugar considerado o meio energ é ¬
tico total, fixando-se de seguida a aten çã o no destino da pequena por çã o que ocor -
163

DISTRIBUIÇÃ O DO CARBONO ORG ÂNICO


(Umas 250 toneladas / ha)

FOLHA
Figura 4-10. Distribui çã o do car ¬
bono org â nico acumulado nos com ¬
partimentos abi ó tico ( solo, camada hu -
m í fera ) e bi ó tico ( lenho , folhas ) d è
ecossistemas de floresta setentrional e
tropical. H á uma percentagem muito
maior de mat é ria orgâ nica total na bio-
massa da floresta tropical. ( Reproduzido
de Kira e Shidei, 1967 . )

* CAMADA HUMÍ FERA


( horizonte Ac )
FLORESTA DE CON Í FERAS SETENTRIONAL FLORESTA HÚMIDA TROPICAL

re na cadeia de alimentos. É igualmente relevante uma chamada final em mat é ria


de regeneraçã o biol ógica, uma vez que, como já se assinalou , a « reciclagem » tor-
nar - se-á cada vez mais num objectivo principal para a sociedade humana.
As vias de reciclagem b ásicas encontram-se representadas em diagrama na
Figura 4-11. Este modelo de compartimentos est á disposto da mesma maneira geral
que os modelos compará veis das cadeias alimentares, embora aqui a preocupa ¬
çã o consista no comportamento circular dos nutrientes e n ã o na corrente de
energia de um só sentido. A hipó tese clássica tem sido a de que as bact é rias e os
fungos são os agentes principais da regenera çã o dos nutrientes, uma vez que a
via de reciclagem ( II) da Figura 4-11 é certamente a que domina nos solos da zona
temperada, onde o processo de regeneração tem sido mais estudado. No que res¬
peita ao mar, por é m , Rittenberg (1963) e Johannes (1968) contestaram esta hipó¬
tese . Rittenberg assinalou que a import â ncia das bact é rias na regenera çã o dos
elementos nutritivos no mar nunca tinha sido demonstrada, enquanto Johannes pos ¬
tula que na coluna de água a regenera çã o do azoto e do fósforo, pelo menos,
resulta principalmente da excreçã o animal, como é ilustrado pela via de reciclagem
(I) na Figura 4-11. As excre ções de animais muito pequenos, ou « microzooplâ ncton »,
demasiado diminutos para serem recolhidos nas redes de plâ ncton (e foram assim
ignorados nos primeiros estudos das comunidades marinhas ), parecem ser especial ¬
mente importantes (Johannes, 1964). Medições recentes da velocidade de renovação
indicam que, em geral, o zooplâ ncton (os herb ívoros e carn í voros da Figura 4-11)
liberta durante o seu ciclo de vida muitas vezes o montante de nutrientes sol ú ¬
veis que estar ão presentes para a decomposição microbiana ap ós a sua morte (Harris,
1959; Rigler, 1961; Pomeroy et al., 1963; e muitos outros). Estas excre ções incluem
compostos de fósforo e azoto inorgâ nicos e org â nicos dissolvidos (e, certamente,
C02), directamente utilizá veis pelos produtores, sem que haja necessidade de
qualquer decomposi çã o qu í mica ulterior pelas bact é rias. Presumivelmente, outros
164

NUTR ENTES DISSOLVIDOS

RECICLAGEM DJRJECTA:
IIIVIAI ? ) *
I PLANTAS
I I VIA DE
I RECICLAGEM :
EXCRE ÇÃ O

\A
MICR Ó BIOS
HERB Í VOROS - EXCRE ÇÃO
*- ANIMAL
PRIMARIA
SIMBI ÓTICOS
i CARN Í VOROS EXCRE ÇÃ O+ V -
I
_ i II VIA DE
r '

V - AUTÚLISE RECICLAGEM :
HIDR ÓLISE MICROBIANA DECOMPOSI ÇÃO
DETRITOS ORG Â NICOS MICROBIANA
COMEDORES DE DETRITOS
- SUBSTRATO DE DETRITOS
- EXCREÇÃ O
* '

CARN Í VOROS EXCRE ÇÃ O


BACTÉ RIAS
E
FUNGOS
COMEDORES
. J EXCRE ÇÃ O
DE FUNGOS
E BACT É RIAS

Figura 4 - 11 . As principais vias de reciclagem de nutrientes . As vias de reciclagem I e II


correspondem à s cadeias alimentares de pastoreio e de detritos (comparar com a Figura 3- 8 ) . Tem sido
proposta uma terceira via de reciclagem ( III ) mais directa , como se analisa nas Secções 6 e 7 . A via
da aut ó lise , ilustrada no diagrama , poder á ser considerada uma quarta via . ( Modelo adaptado e ampliado
de Johannes , 1968 - Figura 1, p á gina 209. )

nutrientes vitais são regenerados desta forma, embora não tenham ainda sido fei¬
tos estudos quantitativos. Em resumo, onde os produtores estão limitados ao
fitoplâncton na coluna de água, como acontece nos ecossistemas de água profunda,
pode esperar - se que a via de reciclagem (I) seja predominante, o que pode ex¬
plicar a razão pela qual os microbiologistas t ê m geralmente verificado serem as
populações de bact é rias na água do mar muito pequenas. Deverá admitir-se, por é m,
que os métodos de «inventariar» bact é rias e comprovar as respectivas actividades
na natureza ainda são primitivos e não tê m precisão quantitativa. Noutros ecossistemas
a importância desta via deverá ser proporcional à import ância da cadeia alimentar de
pastoreio. Uma vez que os animais (isto é, fág ótrofos em contraste com sapró-
trofos) podem até ser importantes decompositores e regeneradores de nutrientes, o
termo «decompositor» anteriormente sin ónimo de fungos e bact é rias saprofágicos
carece de ser alargado, como se referiu no Capítulo 2 (ver página 16 ).
165

Embora amplamente estudada, a decomposiçã o microbiana envolve uma tal


variedade de organismos e uma rede t ão complicada de trocas e de retroacçõ es que a
totalidade da via de reciclagem ( II ) ainda n ã o est á, naturalmente, bem compreendida.
Alguns dos processos que melhor se conhecem, e a import â ncia do atraso no tempo,
foram revistos nos cap í tulos anteriores. De momento, pelo menos, o complexo
total dos detritos dever á ser tomado como uma «caixa negra » ( como a que est á
delimitada pelas linhas tracejadas na Figura 4- 11) tendo mecanismos internos que
apenas se conhecem vagamente . Algumas sugest ões quanto à forma de tratar
este problema nos estudos de campo dos subsistemas solo e sedimentos encontram -
- se resumidas por Wiegert , Coleman e E. P. Odum (1970), enquanto que alguns
aspectos adicionais sã o considerados nos Cap í tulos 14 e 19 .
Tal como ficou delineado na secçã o precedente , os estudos dos ecossistemas
tropicais, especialmente da floresta tropical h mida , sugeriram a exist ê ncia de uma
terceira via, de planta a planta , porventura por intermé dio dos fungos simbi ó ticos
ou de outras ligações microbianas . Semelhante caminho é indicado na Figura 4-11
pela via ( III ), embora seja necessá rio mais estudo para determinar se esta possi ¬

bilidade é significativa do ponto de vista operacional e , se assim for , em que


ecossistemas.
Finalmente , deverá destacar - se que os nutrientes podem ser libertados dos
corpos mortos de plantas e animais, assim como de bolinhas fecais, sem serem ata ¬

cados por microrganismos, como é poss í vel demonstrar colocando tais materiais em
condições est é reis; esta possibilidade de renovaçã o do ciclo est á indicada na Figura
4-11 pela via da «aut ólise ». Nos meios aqu áticos ou h midos, especialmente onde
os corpos ou as part í culas' mortas são pequenos ( portanto com uma rela çã o de
superf í cie para volume grande ), de 25 a 75 por cento dos nutrientes podem ser
libertados por aut ó lise antes que comece o ataque microbiano, de acordo com o
resumo da literatura devido a Johannes (1968) . Poder á considerar -se a aut ó lise como
uma quarta via principal de reciclagem, aquela que n ã o envolve energia metab ólica.
Como já foi destacado no Cap í tulo 3 (Figura 3-17 (7) , o trabalho de reciclagem rea ¬
lizado por meios mecâ nicos ou f ísicos pode proporcionar um subs í dio de energia
para o sistema, considerado que seja no seu conjunto. Ao projectar sistemas de dis¬
tribuição de res íduos , o homem verifica com frequ ê ncia ser proveitoso aplicar uma
entrada de energia mecâ nica para pulverizar mat é ria org â nica e com isso acelerar
a sua decomposiçã o. A decomposiçã o f í sica devida à actividade dos animais gran ¬
des tem també m uma import â ncia inegá vel na libertaçã o de nutrientes a partir de
bocados grandes e resistentes de detritos, como sejam as folhas ou os toros.
167

Capítulo 5 -PRINC ÍPIOS RELATIVOS


AOS FACTORES LIMITANTES

1. «LEI » DO MÍNIMO DE LIEBIG

Enunciado

Para ocorrer e prosperar numa dada situa ção, um organismo precisa de con ¬
tar com os materiais essenciais que sã o necessá rios ao seu crescimento e à sua
reprodu çã o. Estes requisitos básicos variam com a espé cie e a situa çã o. Em condi ¬
(

ções de «estado constante», ou de equil í brio, o material essencial dispon í vel em


quantidades que mais se aproximem do m í nimo cr í tico indispensável tende a ser
o material limitante. Esta «lei» do m í nimo é menos aplicá vel sob condi ções de
«estado transit ó rio», quando os quantitativos, e assim os efeitos, de muitos consti ¬
tuintes se alteram rapidamente .

Explicação

A ideia de que um organismo n ã o é mais forte do que o elo mais fraco


da sua cadeia ecol ógica de requisitos foi expressa claramente pela primeira vez por
Justus Liebig , em 1840. Liebig foi um pioneiro no estudo dos efeitos dos vá rios
factores no crescimento das plantas. Verificou, tal como fazem hoje os agriculto¬
res, que a produ ção das culturas era com frequ ê ncia limitada n ão por nutrientes
necessá rios em grandes quantidades, como o di óxido de carbono e a água, uma
vez que estes frequentemente se encontram com abund â ncia no ambiente , mas
por alguma mat é ria- prima, como o boro, por exemplo, necess á ria em quantidades di-
168

minutas embora muito escassa no solo. O seu enunciado de que «o crescimento de


uma planta depende da quantidade de mat é ria alimentar que lhe é facultada em quan ¬
tidade m í nima» passou a ser conhecido por «lei » do m í nimo de Liebig. Muitos autores
( ver , por exemplo, Taylor , 1934) ampliaram o enunciado nele incluindo outros factores
para al é m dos nutrientes ( por exemplo, temperatura) e incluindo o elemento tempo. Para
evitar confusões parece melhor restringir o conceito do m í nimo aos materiais qu í micos
( oxig é nio, f ó sforo, etc. ) necessá rios ao crescimento fisiol ógico e à reprodu çã o , de
acordo com a inten çã o original , e incluir os outros factores e o efeito limitante do m á ¬
ximo na « lei » da toler â ncia. Ambos os conceitos podem ser juntos num princí pio mais
amplo de factores limitantes , tal como fica delineado mais adiante . Assim , a « lei» do
m í nimo n ão é mais do que um aspecto do conceito dos factores limitantes o qual, de
sua parte , n ã o é mais do que um aspecto do controlo dos organismos pelo ambiente.
Extensos estudos realizados desde o tempo de Liebig mostraram que ao con ¬
ceito devem ser adicionados dois princ í pios subsidi á rios para que este resulte
til na prá tica. O primeiro consiste na restri çã o de que a lei de Liebig é apenas
aplicável estritamente em condições de estado de equilíbrio, isto é quando as entradas de
energia e de materiais equilibram as sa í das. Para o ilustrar , recorde-se o que se segue
retirado do Capí tulo 3 ( página 87):
Por exemplo, suponhamos que o di óxido de carbono era o factor limitante principal
num lago e que , por conseguinte , a produtividade estava em equil í brio com a propor çã o de
di óxido de carbono proveniente da decomposi çã o de mat é ria orgâ nica. Havemos de supor que
a luz, o azoto, o f ó sforo, etc., se encontravam dispon í veis em quantidades superiores à s neces¬
s á rias (e n ã o eram , por conseguinte, factores limitantes no dito momento). Se acontecesse que
uma tempestade levasse para o lago mais di óxido de carbono , a velocidade da produ çã o varia ¬
ria e dependeria també m de outros factores. Enquanto a velocidade muda , n ã o ocorre estado
constante no lago , nem existe elemento constituinte m í nimo algum , a reacçã o depende sim da
concentra çã o de todos os elementos constituintes presentes, a qual , neste per í odo transit ó rio,
difere da velocidade a que o menos abundante deles vai sendo adicionado. A intensidade
de produ çã o mudaria rapidamente, nestas condi ções , à medida que os diversos elementos
constituintes se fossem gastando , at é que algum deles, talvez o di ó xido de carbono nova ¬
mente , se tornasse limitante , e o sistema do lago voltasse a funcionar à intensidade regida
pela lei do m í nimo.

O exemplo do dióxido de carbono é especialmente interessante face às con ¬


trové rsias correntes na literatura relativa à polui çã o da á gua sobre se ser á o di óxido
de carbono ou o f ósforo o principal factor limitante na á gua doce e , portanto, o nu ¬

triente chave no processo de eutroficaçã o cultural ( ver Kuentzel , 1969). Uma vez
que a eutrofica çã o cultural produz usualmente um estado altamente « inst ável », en ¬
volvendo fortes oscila ções ( isto é, fortes florações de algas seguidas de quebras ma ¬
ci ças, que por seu turno promovem uma nova flora çã o ao libertar nutrientes ), ent ã o
169

o argumento «este ou aquele» pode ser altamente irrelevante uma vez que o fós¬
foro, o azoto, o di óxido de carbono e muitos outros constituintes podem substituir-
-se uns aos outros como factores limitantes durante o curso das oscila ções transit ó¬
rias. Em conformidade , em tais condi ções de estado transit ório n ã o h á base te órica
alguma a favor de qualquer hipótese de « um factor» . A estrat é gia do controlo da
polui çã o destinada a prevenir a eutrofica çã o deve envolver a redu çã o da entrada
tanto de mat é ria org â nica ( a qual liberta C02 e provavelmente subst â ncias org â nicas
promotoras do crescimento) , como dos nutrientes minerais que tamb é m são neces ¬
sá rios para a ocorr ê ncia de produ ção a intensidades cancerosas.
A segunda importante reflexão a fazer respeita ao factor de interacção. As ¬

sim , uma elevada concentra çã o ou disponibilidade de uma dada subst â ncia ou a


acçã o de um dado factor distinto do m í nimo pode modificar o ritmo de utiliza ção
deste ú ltimo. Por vezes os organismos são capazes de substituir , pelo menos em
parte , uma susbst â ncia qu í mica deficiente no ambiente por outra com ela estrei ¬
tamente aparentada. Assim , onde o estr ô ncio abunda , os moluscos são capazes
de substituir em parte nas suas conchas o cálcio pelo estr ôncio. Tem sido de ¬
monstrado que algumas plantas requerem menos zinco quando se desenvolvem à
sombra do que quando crescem em plena luz solar ; portanto, uma determinada
quantidade de zinco no solo ser á menos limitante para plantas à sombra do que,
nas mesmas condi ções, para as que se encontram à luz do sol.

2. « LEI »
-
DA TOLER Â NCIA DE SHELFORD

Enunciado

A exist ê ncia e o sucesso de um organismo dependem do integral de um


complexo de condi ções. A ausê ncia ou o insucesso de um organismo pode ser
provocado pela deficiê ncia ou pelo excesso qualitativo ou quantitativo relativamente
a qualquer dos diversos factores que se aproximam dos limites de toler â ncia para
esse organismo. .
Explica çã o

N ão apenas a exiguidade de qualquer coisa pode constituir um factor limi ¬


tante , como propôs Liebig , mas tamb é m o seu excesso, como no caso de factores
como o calor, a luz e a água. Assim , os organismos tê m um m áximo e um m í ¬
nimo ecol ógicos , que representam os limites de tolerâ ncia, com uma amplitude
170

entre ambos. O conceito de efeito limitante m áximo, tal como o de m í nimo, foram
incorporados por V. E. Shelford na «lei» da tolerância em 1913. Mais ou menos
desde 1910, tem- se estudado muito a «toler ância ecológica», pelo que se conhecem
os limites dentro dos quais as diversas plantas e os diferentes animais podem
existir. São especialmente ú teis aquilo que se designa por « provas de tens ã o» rea ¬

lizadas em laborat ó rio ou no campo, em que os organismos são sujeitos a uma


s é rie de condi ções experimentais ( ver Hart , 1952). Este m é todo fisiol ógico ajudou
a compreender a distribui ção dos organismos na natureza; contudo, deverá haver
pressa em dizê- lo, isto constitui apenas uma parte da quest ã o. Podem todos os re ¬
quisitos f í sicos de um organismo estarem nitidamente dentro dos seus limites de
tolerâ ncia e mesmo assim n ã o ter este sucesso como resultado de inter- rela ções
biol ógicas. Como indicam um certo n mero de exemplos que vão seguir- se , os
estudos em ecossistemas intactos devem acompanhar os estudos experimentais
de laborat ório, que isolam, por necessidade , os indiv í duos das suas populações e
comunidades.
Alguns princí pios subsidi á rios da « lei » da toler â ncia podem ser enunciados
da forma seguinte :
1) Os organismos podem ter uma amplitude larga de tolerâ ncia para um
factor e uma amplitude estreita para outro.
2) Os organismos com amplitudes largas de toler â ncia para todos os facto-
res são aqueles que t ê m mais possibilidades de se encontrarem mais amplamente
distribu í dos.
3) Quando as condi ções não sã o ó ptimas para uma dada esp é cie relati¬
vamente a um factor ecol ógico, os limites de toler â ncia podem ser reduzidos rela ¬

tivamente a outros factores ecol ógicos. Por exemplo, Penman (1956) relatou que
quando o azoto do solo é limitante , a resist ê ncia da erva à secura diminui. Por
outras palavras, verificou ser necess ária mais água para evitar o emurchecimento a
n í veis baixos de azoto do que a n í veis altos.
4) Verifica-se com frequ ê ncia que os organismos n ão vivem na natureza efec-
tivamente nos n íveis ó ptimos (averiguados experimentalmente ) , em rela ção a um dado
factor f ísico particular . Em tais casos verifica-se que outro factor, ou outros facto¬
res, t ê m maior import â ncia. Por exemplo, algumas orqu í deas tropicais desenvolvem -se
de facto melhor à plena luz do sol do que à sombra , com a condi çã o de se manterem
frescas ( ver Went, 1957); na natureza crescem , por é m , apenas à sombra uma vez que
não podem tolerar o efeito de aquecimento da luz solar directa . Em muitos casos,
interaeções na populaçã o (como sejam a competi çã o, os produtores, os parasitas, e
assim por diante ), como ser á discutido detalhadamente no Cap í tulo 7, impedem que
os organismos se aproveitem das condições f í sicas ó ptimas.
5) O período de reprodu ção é usualmente um per í odo cr í tico durante o
qual é mais prov á vel que os factores do ambiente sejam limitantes. Os limites de
171

tolerâ ncia sã o usualmente mais estreitos para as fases reprodutivas, sementes, ovos,
embriões e larvas, do que para as plantas ou animais adultos nas fases somá ticas.
Assim , um cipreste adulto crescerá, porventura, num terreno de clima seco ou sub¬
merso continuamente em água, embora n ão se possa reproduzir a menos que o
terreno seja h ú mido mas nã o encharcado, permitindo assim o desenvolvimento das
pl ântulas. Os crustá ceos adultos da espé cie Cllinectes sapidus e muitos outros animais
marinhos podem tolerar a água salobra, ou a água doce com um elevado teor de
cloreto; por isso se encontram alguns indiv í duos a certa distâ ncia a contar da foz
ao longo do rio. As larvas, contudo, n ão podem viver em tais águas ; portanto, a
espé cie n ã o pode reproduzir-se no ambiente do rio e nunca se estabelece nele com
car ácter permanente. A amplitude geográfica das aves de caça é com frequ ê ncia
determinada mais pelo impacto do clima sobre os ovos e as crias de que sobre
os adultos.
Para exprimir os graus relativos de tolerâ ncia passou a uso generalizado em
ecologia uma sé rie de termos que utilizam os prefixos «esteno», significando estreito,
e «euri », significando largo. Assim,

estenot é rmico eurit é rmico referem-se à temperatura


esteno ídrico euri í drico referem-se à água
estenoalino eurialino referem-se à salinidade
estenofágico eurifágico -
referem se à alimenta ção
estenoé cio euri é cio -
referem se à eleiçã o do habitat

8
H
ESTENOTÉ RMICO EURITÉ RMICO ESTENOT É RMICO
( OLIGOT É RMICO) ( POLIT É RMICO)
ju O PT OPT OPT.
Õ
C0
LU
g
UJ
<

< M l N. MAX . MlN MAX .


TEMPERATURA - ->

Figura 5-1. Comparação dos limites relativos de tolerâ ncia de organismos estenot é rmicos e
eurité rmicos. Para uma espécie estenot é rmica o m í nimo, o ó ptimo e o m áximo ficam bastante pró ximos
entre si, de modo que uma pequena diferen ça na temperatura , que poderia ter um pequeno efeito numa
espé cie eurité rmica, é com frequ ê ncia cr í tica. Note-se que os organismos estenot é rmicos podem ser tanto
tolerantes à s baixas temperaturas (oligot é rmicos), como tolerantes às altas temperaturas ( polité rmicos), ou
à s temperaturas interm édias. (Segundo Ruttner, 1953.) •/
172

Comparem-se , a t ítulo de exemplo, as condições em que ser ão produzidos e


chocados os ovos da truta das fontes (Salvelinus) e os da r ã da espé cie Rana pipiens.
Os ovos da truta desenvolvem-se entre 0 o e 12 ° C, com um ó ptimo a 4° C. Os ovos
da rã desenvolvem- se entre 0 o e 30° C, com um ó ptimo à volta dos 22° C. Assim os
ovos da truta são estenot é rmicos , tolerantes à baixa temperatura, em comparação
com os ovos da r ã que são eurit é rmicos, tolerantes à alta temperatura. As trutas em
geral , tanto os ovos como os adultos, sã o relativamente estenot é rmicas, embora
algumas esp é cies sejam mais eurit é rmicas que a truta das fontes. De forma seme ¬
lhante, certamente, as esp é cies de r ã diferem entre si. Estes conceitos, e a utilizaçã o
dos termos em relação à temperatura, encontram-se ilustrados na Figura 5-1. De
certa maneira, a evolu ção de limites estreitos de toler ância pode ser considerada
como uma forma de especialização, como se discutiu no capí tulo que trata do ecossis-
tema, dando como resultado uma maior eficiê ncia à custa da adaptabilidade, e con ¬
tribui para aumentar a diversidade na comunidade considerada no seu conjunto
( ver Secções 4 e 5, Capítulo 6 ).
O peixe do Antárctico, Trematomus bernacchi, e o peixe do deserto, Cypri-
nodon macularius, facultam um contraste extremo nos limites de tolerâ ncia relacio¬
nados com os ambientes muito diversos em que vivem. O peixe do Antá rctico
tem um limite de tolerâ ncia à temperatura inferior a 4° C numa amplitude de
2o a + 2°, e está assim adaptado ao frio de uma forma extremamente estenot é r-
mica. Ao subir a temperatura para 0o, a intensidade metab ólica aumenta embora
decline quando a temperatura da água sobe para + 1,9°, ponto em que o peixe
começa a ficar im ó vel, prostrado pelo calor ( ver Wohlschlag, 1960 ). Em contraste,
o peixe do deserto é eurit é rmico e també m eurialino e tolera temperaturas entre
10° e 40° C e salinidades que vão desde a água doce at é uma salinidade superior
à da água do mar. O comportamento ecol ógico n ão é igual, certamente, ao longo
de uma tal amplitude ; a conversã o de alimento, por exemplo, é maior a 20°C
e 15 por mil de salinidade ( Lowe. e Heath, 1969).

Compensação de Factores e Ecótipos

Como se salientou muitas vezes neste livro, os organismos não são apenas
«escravos» do ambiente físico; adaptam-se-lhe e modificam- no por forma a que
ficam reduzidos os efeitos limitantes da temperatura, luz, água e outras condições
f í sicas de exist ê ncia . Uma tal compensação de factores é particularmente eficaz
ao n í vel de organização da comunidade, embora tamb é m ocorra no seio da espé ¬
cie. As espé cies com maiores amplitudes de expansã o geogr áfica desenvolveram
quase sempre populações adaptadas localmente designadas por ecótipos que t ê m va ¬

lores ó ptimos e limites de toler â ncia adaptados à s condi ções locais. A compensa-
173

çã o ao longo de gradientes de temperatura luz e outros factores pode envolver


ra ças gen é ticas ( com ou sem manifesta ções morfológicas ) ou meramente aclimata ¬
çã o fisiológica. Transplanta ções rec í procas facultam um m étodo conveniente para
determinar at é que ponto est á envolvida nos ecótipos a fixaçã o gen é tica . McMillan
(1956 ), por exemplo, verificou que gram í neas de pradaria da mesma espé cie ( e
quanto a todos os aspectos id ê nticas ) provenientes de diferentes partes das respec-
tivas áreas de expansão e transplantadas para hortos experimentais responderam à
luz de forma muito distinta. Em cada caso o ritmo do desenvolvimento e da repro¬
du çã o estavam adaptados à á rea de onde as gram í neas provinham, tendo persistido
o comportamento de crescimento quando estas foram transplantadas. A possibilidade
da fixa ção gen é tica em estirpes locais foi com frequ ê ncia negligenciada na ecolo¬
gia aplicada; o repovoamento ou a transplanta çã o de plantas e animais podem fa ¬
lhar por motivo de se utilizarem indiv íduos de regiões distantes em vez de mate ¬
rial l òcalmente adaptado. A compensa çã o de factores segundo gradientes locais
ou estacionais també m pode envolver ra ças gen é ticas embora com frequ ê ncia seja
acompanhada por ajustes fisiol ógicos nas fun ções dos órg ã os ou por altera ções
nas rela çõ es entre enzima e substrato a n í vel celular. Somero (1969 ), por exem ¬
plo, assinala que a compensaçã o imediata da temperatura é promovida por uma
rela çã o inversa entre a temperatura e a afinidade enzima-substrato, ao passo que a
adaptação evolutiva a longo prazo é mais capaz de envolver altera ções na pró¬
pria afinidade entre enzima e substrato. Os animais, especialmente os maiores,
com faculdades de movimento bem desenvolvidas, compensam mediante uma conduta
adaptada que evita os extremos nos gradientes locais do ambiente. No Capítulo 8,
Secção 8, citam-se exemplos de uma tal regula ção por comportamento ( que pode ser
t ão efectiva como a regulação fisiológica interna).
Ao n í vel da comunidade , a compensaçã o de factores efectua-se mais frequen ¬
temente atravé s da substitui ção de espécies no gradiente do ambiente . Uma vez
que serã o descritos na Parte 2 deste texto muitos exemplos sobre esta mat é ria,
apenas é necessário citar nesta altura um só exemplo. Em águas costeiras copé po-
des do g é nero Acartia são frequentemente formas dominantes no zooplâncton.
Normalmente as esp é cies presentes no Inverno serã o substitu í das no Ver ão por
outras esp é cies que est ão especialmente adaptadas a temperaturas mais altas ( ver
Hedgepeth , 1966 ).
A Figura 5- 2 ilustra dois casos de compensaçã o t é rmica , um ao n í vel da
espécie e outro ao n í vel da comunidade . Como se ilustra na Figura 5- 2 A , a me ¬
dusa do norte pode nadar activamente a temperaturas baixas que inibiriam comple ¬

tamente indiv í duos das populações do sul . Ambas as popula ções est ã o adaptadas a
nadar aproximadamente à mesma velocidade , e ambas funcionam , numa extensão
muito considerável, independentemente das varia ções de temperatura nos respecti-
vos ambientes. Na Figura 5-2B , vê-se que num microcosmo equilibrado o ritmo
174

da respiraçã o de toda a comunidade é menos afectado pela temperatura do que o


ritmo respirat ó rio de uma espé cie do g é nero Daphnia. Na comunidade muitas es ¬
pécies com ó ptimos e respostas à temperatura diferentes desenvolvem ajustamentos
recíprocos e aclimatações permitindo ao conjunto compensar as subidas e as des ¬
cidas de temperatura. No exemplo apresentado (Figura 5-25), temperaturas de 8 a
10 C acima e abaixo da temperatura à qual o microcosmo estava aclimatado tra-
duziram-se num ligeiro decréscimo na respiração; o efeito foi, contudo, insignifi ¬
cante em compara ção com o efeito de mais do dobro provocado por esta ampli ¬
tude t é rmica na Daphnia. Assim, regra geral, as curvas da intensidade metabólica
em função da temperatura são mais achatadas para os ecossistemas do que para
as espécies , um outro exemplo, certamente, da homeostasia da comunidade. Aconse-
lha-se a leitura de Bullock (1955), Fry (1958) e Prosser (1967) para efeitos de revi ¬
são das bases fisiológicas da compensação de factores.

#
\ -
20
15 /
O -
Halifax ,
- O O. Tortugas,
animais de Ver ã o
> Figura 5 2. Compensa çã o de
temperatura aos n í veis da esp é cie
e da comunidade . A . Relaçã o en ¬
p/ animais de Ver ã o tre a temperatura e o movimento
1C
natat ó rio em indiv í duos seten ¬
£ trionais (Halifax ) e meridionais
(Tortugas ) da mesma espé cie de

rs
'8-
3
medusa do norte , Auretia aurita.
As temperaturas do habitat eram
de 14° e 29° C, respectivamente .
-
Note se que cada popula ção est á
aclimatada para nadar a um
2
ritmo m á ximo à temperatura do
seu ambiente local . A forma
adaptada ao frio exibe um grau
oc-ô-0L _u I I l I
-I de independ ê ncia relativamente
5 10 15 20 25 30 35 à temperatura particularmente
A Temperatura ° C alto. ( De Bullock, 1955, segundo
Mayer.) B. O efeito da tempera ¬
tura na respira çã o de A, comuni ¬
dade equilibrada de um micro ¬
cosmo de laborat ó rio , e de B ,
componente singular de uma es ¬
SL> 1.5 p é cie , Daphnia ( um pequeno
5
-
crust á ceo ; ver Figura 11 7, pá ¬
gina 305). A altera çã o relativa
CO
m na taxa de produ çã o de C 02
1.0 A est á representada como frac çã o
m
da taxa a 23° C, temperatura a
B que o microcosmo se adaptou .
SN ( Reproduzido de Beyers, 1962.)
cr
05-
20 25
TEMPERATURA ° C
175

3. CONCEITO COMBINADO DOS FACTORES LIMITANTES

Enunciado

A presen ça e o sucesso de um organismo ou grupo de organismos dependem


de um conjunto de condições. Qualquer condiçã o que se aproxime ou exceda os
limites de tolerâ ncia diz-se ser uma condiçã o limitante ou um factor limitante .

Explicação

Combinando a ideia do m í nimo e o conceito dos limites de toler â ncia che ¬


ga-se ao conceito mais geral e ú til dos factores limitantes. Assim, os organismos
são controlados na natureza (1) pela quantidade e variabilidade dos materiais para
os quais existe um requisito mí nimo e pelos factores físicos que s ão críticos e (2)
pelos limites de tolerâ ncia dos pró prios organismos a estes e outros componen ¬
tes do ambiente .
O principal valor do conceito dos factores limitantes reside no facto de ele
proporcionar ao ecologista uma «cunha de entrada» no estudo de situações comple ¬
xas. As relações ambientais dos organismos tendem a ser complexas, pelo que é
uma sorte que nem todos os factores poss í veis tenham igual import â ncia numa dada
situa ção ou para um dado organismo. Alguns dos fios da corda que guia o orga¬
nismo s ão mais fracos do que outros. Num estudo de uma dada situação o ecolo¬
gista pode usualmente descobrir as ligações provavelmente mais fracas e focalizar
a sua aten ção, pelo menos no in í cio, naquelas condições ambientais com maiores
possibilidades de serem crí ticas ou «limitantes». Se um organismo tem um amplo
limite de tolerâ ncia para um certo factor que no meio é relativamente constante
e se encontra em quantidade moderada, não é prová vel que esse factor seja limi¬
tante. Inversamente , caso se saiba que um organismo possui limites estreitos de
toler â ncia relativamente a um factor que tamb é m é vari á vel no ambiente , ent ã o
esse factor merece um estudo cuidadoso, uma vez que pode ser limitante. Por
exemplo, o oxig é nio é tã o abundante , constante e prontamente dispon í vel no ambi ¬
ente terrestre que raramente é limitante para os organismos deste ambiente excepto
para os parasitas ou para aqueles que vivem no solo ou em elevadas altitudes. Por
outro lado, o oxigé nio é relativamente escasso e com frequ ê ncia extremamente vari á ¬
vel na água e , assim, é muitas vezes um importante factor limitante para os orga ¬
nismos aquá ticos , especialmente animais. Portanto, o ecologista aquático tem pronto
176

o seu aparelho para determina ção de oxig é nio e faz medições com um dos m é to¬
dos aplicá veis no estudo de uma situa çã o desconhecida. O ecologista terrestre,
por outro lado, só poucas vezes necessitará medir o oxig é nio, muito embora este
constitua um requisito fisiol ógico t ã o vital na terra como na água.
Para resumir , a primeira e principal aten ção deverá ser dada aos factores que
são funcionalmente significativos» para o organismo em algum momento do seu ci ¬
«
clo de vida. É particularmente importante para o ecologista principiante realizar
que a inten çã o da an álise do ambiente n ã o é estabelecer longas listas indiscrimina¬
das de «factores» possí veis, mas conseguir os seguintes objectivos, mais significati ¬
vos: ( 1) descobrir, por meio da observação, aná lise e experiê ncia, que factores são
«funcionalmente significativos» e ( 2) determinar como estes factores produzem os
seus efeitos sobre o indiv í duo, popula ção ou comunidade, consoante for o caso.
Veja-se na Figura 12-5, página 536 , um exemplo de modelo preditivo baseado na
selecção de um pequeno n mero de factores funcionalmente significativos.
Como pode ver-se na Figura 5-3, Fry ( 1947) apresentou um modelo gráfico
que resume o princí pio geral dos factores limitantes. Este diagrama destaca o pon ¬
to importante de que a amplitude real de toler â ncia na natureza ( indicada pelas
linhas cheias da figura) é quase sempre mais estreita do que a amplitude de acti -
vidade potencial ( linhas tracejadas da figura ) como poderia ser sugerido, por exem ¬
plo, observando as respostas de comportamento a curto prazo no laborat ó rio. Usual¬
mente , os factores acess ó rios ( o factor interacçã o atr á s mencionado) e o custo
metab ólico da regula çã o fisiol ógica nas condições extremas reduzem os limites de
tolerâ ncia tanto no que se refere ao limite superior como ao inferior. Como pode

\
Figura 5-3. Um modelo que resume os princí ¬
,

pios gerais dos factores limitantes. As ttfxas poten ¬


ciais superior e inferior ( basal) de metabolismo e
//
o â mbito potencial de actividade sã o indicados pelas
linhas tracejadas. Os â mbitos reais de metabolismo -- - /

ou de actividade sã o indicados pelas linhas cont í ¬


nuas que delimitam as á reas sombreadas, repre ¬
sentando os limites de tolerâ ncia reduzidos, resul¬
tantes: ( 1) do custo da regula çã o fisiológica que
eleva a taxa m í nima (ou basal ), e (2) dos factores
acess ó rios no ambiente que baixam a capacidade
metab ó lica superior, especialmente nos limites \
\
X \
superiores de tolerâ ncia . (Reproduzido de F. E. J . \
Fry , 1947. )
/
1
LIMITES DE TOLER Â NCIA
 MBITO POTENCIAL DE ACTIVIDADE
177

ver-se na Figura 5-3, tanto o â mbito ( dimensã o horizontal) como a amplitude ( di-
mensãò vertical ) da actividade metab ólica podem ser reduzidos por estas interacções.
També m, o n í vel ó ptimo pode ser deslocado, neste caso para a esquerda. Assim,
os limites de toler â ncia do peixe à polui ção t é rmica n ã o podem ser determina ¬
dos simplesmente observando a sua sobrevivê ncia num tanque . Se um peixe tem
de dedicar toda a sua energia metabólica à adaptação Fisiológica terá energia insu ¬

ficiente para obter alimento para as actividades de reprodu çã o necessárias à so ¬

breviv ê ncia na natureza. A adapta çã o vai-se tornando cada vez mais cara, em ter ¬
mos de energia, à medida que se aproximam as condiçõ es extremas. Tudo o que
reduza este custo liberta energia que pode ser utilizada para o crescimento ou
reprodu çã o ou para o incremento de actividades de outra natureza ( ver o conceito
da energia como um subs í dio ou press ã o, Cap í tulos 3 e 16 ).

Exemplos

Vá rios exemplos servirã o para ilustrar tanto a import â ncia como as limita ¬
ções do conceito dos factores limitantes.
1. À medida que de autom ó vel se avança pelas largas estradas da Am é rica
do Norte desde o Rio Mississipi at é à s Montanhas Rochosas no Colorado, a queda
pluviom é trica decresce gradualmente no sentido do oeste . A água torna-se o prin ¬
cipal factor limitante para as plantas, animais e o homem . As á rvores d ã o lugar
à s pradarias à medida que a quantidade de água dispon í vel desce abaixo dos li ¬
mites de toler â ncia das florestas. Do mesmo modo, com o aumento da aridez,
a gram í nea alta d á lugar a espécies de gram í neas mais curtas ( ver página 621 ).
Assim , uma queda pluviom é trica de 40 cm fica abaixo do limite necessá rio para a
gram í nea Andrõ pogon scoparius, se bem que seja adequada para a grama Bouteloua
gracilis. Contudo, sob certas condi ções de solo que aumentam a disponibilidade de
água para a planta , a gram í nea Andropogon scoparius é capaz de sobreviver e competir
localmente em regi õ es com 40 cm de queda pluviom é trica (Riibel, 1935).
2. Os ecossistemas que se desenvolvem em forma ções geol ógicas pouco
comuns proporcionam com frequê ncia esta ções instrutivas para an á lise de factores
limitantes, uma vez que um ou mais dos elementos qu í micos importantes podem ser
invulgarmente escassos ou invulgarmente abundantes. Uma tal situaçã o é proporcio¬
nada pelos solos de serpentina ( derivados de rochas de silicatos ferromagn é sicos), que
são pobres nos nutrientes principais (Ca, P, N ) e ricos em magn é sio, cromo e n í ¬

quel, com concentra ções dos dois ú ltimos elementos pr ó ximas dos n í veis t óxicos
para os organismos. A vegeta çã o que cresce em tais solos tem uma aparê ncia defi ¬
nhada caracterí stica que contrasta fortemente com a vegeta çã o vizinha dos solos de
outra natureza, e compreende uma flora invulgar , com muitas espé cies e ecótipos

12
178

end é micos (ver o simpósio dirigido por Whittaker, 1954). Ao tratar de isolar os fac-
tores limitantes significativos Tadros (1957) realizou experiê ncias com duas espécies
de arbustos do g é nero Emmeranthe, uma restrita aos solos de serpentina do oeste
dos E .U .A. e outra inexistente em tais solos. Verificou que a espécie ausente dos
solos de serpentina não podia crescer em tais terrenos, embora a espé cie neles cor ¬
rente pudesse crescer perfeitamente bem em solo normal de jardim desde que este
fosse previamente esterilizado, indicando que est á confinada a um dado solo pela
sua incapacidade de tolerar competição biótica de qualquer tipo. Para efeitos de
compara çã o entre a funçã o do ecossistema nos solos de serpentina e nos que o
nã o s ão, veja-se McNaughton, 1968 (e també m página 428 ). O papel desempenhado
pelas limita çõ es do solo no desenvolvimento da comunidade é discutido no Capí ¬
tulo 9, Secçã o 2 (ver especialmente as Figuras 9-6 e 9-7).
3. Great South Bay, em Long Island , New York , proporciona um exemplo
dramá tico de como o excesso de uma coisa boa pode alterar completamente um
ecossistema, neste caso, em detrimento do interesse humano ( recordar do Cap í¬
tulo 2 que «o excesso» de uma coisa boa est á a tornar-se um problema geral para
a humanidade ; ver tamb é m a Secçã o 3 do Capí tulo 9) . Esta hist ó ria, que poderia
levar o t í tulo de: « Patos versus Ostras», tem sido bem documentada e verificadas
experimentalmente as rela ções de causa e efeito (Ryther, 1954). O estabelecimento de
grandes pateiras ao longo de rios tributá rios que desembocam na ba ía traduziu - se
por uma fertiliza çã o excessiva das águas com os estercos dos patos e num aumento
consequente na densidade do fitopl â ncton . A fraca intensidade de circula çã o na
ba ía permitiu que os nutrientes se acumulassem em vez de serem arrastados para
o mar. O incremento na produtividade primá ria poderia ter sido ben é fico, n ão fora
a forma org â nica dos nutrientes adicionados e o baixo valor da proporção entre
o azoto e o f ósforo terem provocado uma altera ção completa no tipo de produto¬
res; o fitoplâ ncton normalmente misto da á rea consistindo de diatomáceas , de fla ¬
gelados verdes e de dinoflagela çlos foi quase completamente substitu ído por uns
flagelados verdes muito pequenos dos g é neros Nannochloris e Stichococcus. ( A espé ¬
cie mais comum era t ão pouco conhecida dos bot â nicos dos ambientes marinhos
que teve de ser descrita como uma espé cie nova.) As famosas ostras « ponto azul »,
que durante anos tinham prosperado com uma dieta de fitoplâ ncton normal e
suportado uma ind ú stria florescente, foram incapazes de utilizar como alimento as
novas espécies e desapareceram gradualmente; encontraram-se ostras que morreram
de fome com o intestino cheio de flagelados verdes n ã o digeridos. Outros crust á ¬
ceos foram igualmente eliminados e todas as tentativas feitas para os voltar a intro¬
duzir falharam. As experiê ncias de culturas demonstraram que os flagelados verdes
crescem bem quando o azoto se encontra na forma de ureia, ácido ú rico e amo¬
n íaco, ao passo que a diatom ácea Nitzschia , um fitopl â ncton «normal », requer azoto
inorg â nico ( nitrato). Ficou claro que os flagelados podiam interromper por «curto-
179

-circuito» o ciclo do azoto, isto é, n ão tinham de esperar que o material org â nico
-
fosse reduzido a nitrato ( ver Cap ítulo 4, Secção 7 , Figura 4 11). Este caso é por ¬
ventura um bom exemplo de como um «especialista » que é normalmente raro
no meio flutuante habitual «se imp õe» quando se estabelecem condições invulgares.
Este exemplo tamb é m ilustra a experi ê ncia corrente entre biologistas de
laborat ó rio ( na qual se volta a insistir no Capítulo 19 ) que verificam serem as es ¬
pé cies comuns na natureza n ão polu í da com frequê ncia dif íceis de cultivar no labo¬
rat ório sob condições de temperatura constante e de meio enriquecido, dado que
est ão adaptadas ao oposto, isto é, a pequenas quantidades de nutrientes e a condi ¬
ções variáveis. Por outro lado, as espécies «daninhas», normalmente raras ou transi ¬
t ó rias na natureza, são f áceis de cultivar uma vez que são estenotró ficas e vivem
em condições enriquecidas ( isto é « polu í das»). Um bom exemplo de uma esp écie
daninha pertence ao g é nero Chlorella , a alga altamente considerada do ponto de
vista das viagens espaciais e da solu çã o do problema mundial da alimentaçã o do
homem ( ver página 500).
4. A espé cie Cordylophora caspa é manifestamente um exemplo de um or ¬
ganismo eurialino que não vive de facto em águas com salinidade ó ptima para o seu
pr ó prio desenvolvimento. Kinne (1956) efectuou um estudo detalhado desta esp écie
de hidr óide ( celenterado) marinho em condições de laborat ório de salinidade e tem ¬
peratura controladas. Verificou -se que a salinidade de 16 partes por 1000 assegurava
o melhor desenvolvimento, embora o organismo nunca fosse encontrado na natureza
a esta salinidade mas sempre a uma salinidade muito mais baixa; ainda n ão se
descobriu a razão deste facto.
Será conveniente comentar nesta altura a importância de combinar as observa¬
ções e as análises de campo com as experiê ncias de laborat ório, uma vez que o valor
deste método resulta evidente dos trê s exemplos anteriores. No caso dos solos de
serpentinite, por exemplo, a análise detalhada de campo revelou alguns dos factores
limitantes prováveis, poré m o trabalho experimental pôs em destaque uma possibi ¬
lidade que nã o tinha sido descoberta apenas pela observaçã o de campo. No caso
do pato e da ostra, as experiê ncias de laborat ório verificaram as constatações da
análise de campo; estas constatações, claro, n ão poderiam ter ficado provadas apenas
pelo estudo de campo. No caso do hidróide , a via experimental revelou um grau
de tolerâ ncia que não tinha sido suspeitado a partir da observa çã o de campo; neste
exemplo torna-se claro que a análise de campo deve ser seguida por experimenta ção
se não se compreender a situação natural. De facto, parece prová vel que nenhuma
situação na natureza possa ser realmente compreendida apenas por observa ção ou
por experimentaçã o, uma vez que cada via tem limita ções ó bvias. Na prepara çã o
de biologistas durante os ú ltimos 40 anos ocorreu um lament á vel div ó rcio entre o
laborat ó rio e o campo, com o resultado de que um grupo tendeu a treinar-se
apenas nos m é todos de laborat ório ( o que desenvolve pouco apreço ou toler â ncia
180

pelo trabalho de campo), ao passo que o outro tendeu a treinar-se nas t é cnicas
de campo com a mesma limita çã o de crit é rio. A moderna ecologia tornou-se , por
certo, especialmente importante nos nossos dias porque quebrou esta barreira ar ¬
f sicos por
tificial e proporciona uma plataforma de encontro para os bioqu í micos e í
um lado e os administradores de á reas de pastagem, florestas ou culturas agr í colas
por outro !
Incidentalmente , o estudo de uma s é rie de situações em que os factores do
ambiente variam ao longo de um gradiente constitui um bom m étodo para determi ¬
nar que factores são realmente limitantes ( ver p áginas 230 e 245 ). Pode-se ser fa¬
cilmente induzido em erro ou tirar uma conclusão prematura em resultado de uma
observação limitada a uma s ó situação. Os ca çadores, os pescadores, naturalistas ama ¬
dores e leigos interessados nas complexidades da natureza, que são com frequ ê ncia
observadores sagazes, cometem com demasiada frequ ê ncia o erro de «conclusões
precipitadas» relativamente aos factores limitantes. Assim, um desportista pode ver
uma águia pescadora capturar um peixe ou um falcão capturar uma codorniz,
e concluir que os predadores são os principais factores limitantes no que se refere
às popula ções de peixes e de codorn í zes. Na realidade, quando a situa ção é estudada
convenientemente, verifica-se geralmente que, são mais importantes do que os
grandes predadores factores mais básicos embora menos espectaculares. Infeliz-
mente , t ê m sido gastos muito tempo e dinheiro no controlo dos predadores sem que
tenham sido descobertos os reais factores limitantes ou a situação tenha sido melho¬
rada do ponto de vista do aumento de produ ção.
5. Com frequ ê ncia uma boa maneira de determinar quais são os factores
limitantes para os organismos consiste em estudar as respectivas distribuição e com ¬
portamento nas bordaduras dos dom ínios respectivos. Caso se aceite a argumenta¬
çã o de Andrewartha e Birch s (1954) de que a distribui çã o e a abund â ncia sã o
controladas pelos mesmos factores, ent ã o os estudos nas margens dos dom í nios se ¬
rão certamente instrutivos. Contudo, muitos ecologistas pensam que factores muito
distintos podem limitar a abund â ncia no centro das á reas e a distribui ção nas
suas margens, especialmente desde que os geneticistas assinalaram que os indiv í¬
duos das populações marginais podem ter diferentes arranjos gen é ticos relativamente
às populações do centro ( ver Carson, 1958). Em qualquer caso o m étodo biogeo-
gr áfico ( ver p ágina 581 ) tornou-se especialmente importante quando um ou mais
factores do ambiente experimentam uma alteração repentina ou drástica , proporcio¬
nando assim uma experiê ncia natural que é com frequ ê ncia superior à s experiê ncias
de laborat ó rio, uma vez que factores distintos daquele que est á sob controlo continuam
a variar normalmente em vez de estarem «controlados» de uma forma constante e
normal. Certas aves que nos ú ltimos 50 a 100 anos estenderam as suas á reas de
actividade proporcionam outros exemplos de experiê ncias de campo fortuitas que aju ¬
dam na determina ção dos factores limitantes. Por exemplo, quando algumas aves
181

canoras como uma esp é cie de tordo americano ( Turdus migratorius), a «song sparrow»
( Melospiza melodia) e a « house wren » ( Troglodytes aedon) estenderam a sua á rea
mais para sul , as an álises indicaram que a altera ção da vegeta ção pelo homem
foi a causa disso e que, portanto, a temperatura (ou outros factores climá ticos )
não eram factores limitantes na fixa ção do limite sul da área de expansão original
( Odum e Burleigh , 1946 ; Odum e Johnston , 1951). Na maior parte dos casos, ocorre
um atraso apreciá vel entre o momento de uma alteração generalizada e a ocupa ¬
ção efectiva de um novo territ ório dado que leva tempo a dar-se o aumento
da popula ção. Poré m , quando come çada, a invasão é algumas vezes muito rápida ,
de natureza quase explosiva ( ver Elton, 1958). Estudos realizados em ambientes
extremos como o Ant á rctico ou os mananciais quentes proporcionam indicações
n ão só acerca dos limites da adaptação fisiol ógica mas també m sobre o papel que a
organizaçã o da comunidade pode desempenhar na redu çã o dos limites físicos. Por
exemplo, algumas moscas que nã o est ão especialmente bem adaptadas às tempera ¬
turas altas vivem nos mananciais quentes em « microclimas» mais frescos criados pelo
emaranhado de algas que são tolerantes ( ver página 486 ) -

A Expressão Quantitativa dos Factores Limitantes

Para que um princ í pio se torne estabelecido firmemente , e se revele ú til na


prá tica, deve ser submetido a an á lises tanto quantitativas como qualitativas. Klages
(1942) desenvolveu um m é todo simples de determinar as regi ões ó ptimas para as
culturas agr ícolas. Considerou n ão apenas a média da produ çã o durante um certo
n ú mero de anos mas tamb é m os coeficientes de variação das produçõ es. A região
com produ ção m é dia mais elevada e o mais baixo coeficiente de varia ção ( e assim
as menores baixas na colheita) é a regi ão ó ptima. Como se ilustra na Figura
5- 4, Wisconsin e Ohio revelaram-se como os estados ó ptimos para a cevada segundo
este m étodo. Embora as produ çõ es sejam mais altas para oeste , a variação foi
muito maior devido à inseguran ça verificada ano a ano quanto à queda pluvio-
m étrica.
Desde os tempos de Liebig , o mé todo mais utilizado para determinar
os factores limitantes é aquele que pode ser designado por «experiê ncias de enri ¬
quecimento artificial». Esta extensa categoria inclui tanto as experiê ncias de fertili ¬
za ção « por tentativas», que caracterizaram o desenvolvimento inicial da agricultura,
a eutrofica ção cultural n ã o planificada sobre a qual já se falou , como experiê ncias
mais cuidadosamente delineadas. Como ficou destacado na Secçã o 1 deste capítulo,
o problema com qualquer experiê ncia de enriquecimento consiste em que ela cria um
estado temporariamente transit ório, ou inst á vel, que pode tornar dif í cil a interpreta ¬
ção dos resultados. N ão obstante , se o conhecimento bá sico sobre o ecossistema é ade-
182

-
Figura 5 4. Um m é todo de deter ¬
minar as regi ões ó ptimas para as cultu ¬
ras agricolas mediante compara çã o das
produ çõ es m é dias com a sua varia çã o
anual. As colunas tra çadas indicam as
produ çõ es m é dias em «alqueires » por
acre, e as colunas a negro os coeficien ¬
tes de varia çã o correspondentes à s pro ¬
du çõ es de cevada nos estados do vale
superior do Mississippi . ( Segundo Kla -
ges , 1942.)

quado e se sã o considerados factores acess órios, ent ã o o m é todo do enriquecimento


pode ser ú til e quantitativo. As experiê ncias de Menzel e Ryther (1961) e Menzel, Hul-
bert e Ryther (1963) podem ser citadas como exemplo. Estes investigadores interessa¬
ram-se na pesquisa dos nutrientes que limitavam a produtividade do fitoplâncton no
Mar dos Sargaços, que é uma espécie de «deserto marinho». As suas experiê ncias
puseram em destaque a importâ ncia do factor tempo. As experiê ncias que duraram
respectivamente 1 hora, 24 horas ou vários dias davam com frequê ncia resultados
diferentes porque a composição de espécies mudava algumas vezes durante as ex¬
periê ncias mais longas em resposta ao enriquecimento. Foi conclu ído que se o
objectivo é o de averiguar o que limita as populações originais , as experiê ncias n ã o
deveriam durar mais do que o tempo de procria ção ou de renova ção dos organismos.
Por outro lado, se a experiê ncia é muito curta, as conclusões podem ser engana
doras. Por exemplo, o enriquecimento com ferro produziu um aumento de absor¬
ção de carbono pelo fitoplâ ncton durante as primeiras 24 horas, embora para man ¬
ter o acréscimo no ritmo de produ ção durante vários dias tenha sido necessá rio
á umentar també m o azoto e o fósforo. Menzel e os seus colaboradores conclu í ram
que o principal valor das experiê ncias de enriquecimento consistiu em determinar
que populações eram capazes de ceder o passo a outras mais produtivas em pre ¬
sen ça de mais nutrientes.
Como já foi real çado neste capí tulo, é altamente desejável levar a cabo
experiê ncias no campo ( as experiê ncias acima descritas foram realizadas a bordo de
um barco oceanográfico). Goldman (1962) descreveu um método de estudo dos fac¬
tores nutritivos limitantes in situ em colunas de água isoladas por pelí culas de polie-
tileno. No Capítulo 2 foi mencionada a import â ncia da utiliza çã o no campo deste
tipo de invólucro.
183

4. AS CONDIÇÕES DE EXISTÊ NCIA COMO FACTORES REGULADORES

Enunciado

A luz, a temperatura e a água ( chuva) s ão os factores do ambiente ecologi ¬


camente importantes na terra; a luz, a temperatura e a salinidade são os «tr ê s
grandes» no mar. Na água doce outros factores como o oxig é nio podem ter impor ¬

t ância principal. Em todos os ambientes a natureza qu í mica e as intensidades de


ciclagem dos nutrientes minerais b ásicos t ê m import â ncia primordial . Todas estas
condi çõ es f ísicas de exist ê ncia podem não só ser factores limitantes no sentido preju
¬

dicial do termo mas tamb é m factores reguladores no sentido ben é fico os organismos
adaptados respondem a estes factores de uma forma tal que a comunidade de or ¬
ganismos alcan ça nessas condi ções o máximo grau de homeostasia poss í vel .

Explicaçã o e Exemplos

Os organismos nã o s ó se adaptam ao ambiente f í sico no sentido de o tolerar ,


mas tamb é m « utilizam » as periodicidades naturais no ambiente f í sico para regular as
suas actividades e « programar» as suas biologias por forma a beneficiar das condi ¬
ções favor á veis. Quando se juntam interacções entre os organismos e a selecçã o
natural recí proca entre espé cies ( coevolu çã o, ver página 435 ), toda a comunidade
fica programada para responder a ritmos estacionais e outros. A literatura biol ógica
est á cheia de exemplos de respostas de adaptaçã o. Usualmente estas est ão descritas
com refer ê ncia a um dado grupo de organismos ( por exemplo, Environmental Control
of Plant Growth, editado por Evans, 1963) ou em rela çã o a um dado habitat ( por
exemplo, Adaptations of Intertidal Organisms , editado por Lent , 1969). Est á fora do
â mbito deste texto o exame detalhado das adapta ções reguladoras, por é m , talvez que
dois exemplos cheguem para salientar pontos com especial interesse ecol ógico.
Um dos dados mais seguros mediante os quais os organismos regulam as suas
actividades nas zonas temperadas é a dura ção do dia, ou fotoperíodo. Em contraste
com a maior parte dos outros factores estacionais, a duração do dia é sempre a
mesma para uma dada estação e localidade. A amplitude no ciclo anual aumenta
com o aumento de latitude , facultando assim indicações tanto latitudinais como
estacionais. Em Winnipeg, Canad á, o fotoper í odo m áximo é de 16,5 horas ( em Junho)
sendo o m í nimo de 8 horas ( no fim de Dezembro). Em Miami, Florida, a ampli ¬

tude é apenas de 13,5 a 10,5 horas. Tem sido demonstrado que o fotoper í odo é
o regulador cronom é trico ou o disparador que põe em marcha aqueles conjuntos
de sequ ê ncias fisiol ógicas que produzem o crescimento e a flora çã o de muitas
184

plantas, a muda da pena, o depósito de gordura, a migra çã o e a criação em mui ¬


tas aves e mam íferos, e ainda o começo da diapausa (fase de repouso nos insec-
tos). A fotoperiodicidade est á associada ao que hoje se conhece de um modo muito
generalizado por relógio biológico dos organismos, criando um mecanismo de regu ¬

la çã o de grande versatilidade . As duas teorias contrastantes acerca dos mecanismos


desta associa çã o sã o consideradas na Secção 6 do Capítulo 8. A duração do dia
actua atravé s de um receptor sensorial, tal como o olho nos animais ou um pigmento
especial nas folhas de uma planta, o qual, por seu turno, activa um ou mais
sistemas hormonais ou enzimá ticos que produzem a resposta fisiol ógica ou de com¬
portamento. N ã o se sabe exactamente onde nesta sucess ão tem lugar a medi çã o
do tempo. Embora as plantas e os animais superiores sejam muito divergentes quanto
à morfologia, a ligação com a fotoperiodicidade ambiental é muito semelhante em
ambos os casos.
Entre as plantas superiores algumas espé cies florescem com o aumento da
duração do dia e são chamadas as plantas de dias longos, enquanto outras que flo ¬
rescem nos dias curtos ( menos de 12 horas) são conhecidas como plantas de dias
curtos. També m os animais podem responder tanto a dias longos como curtos. Em
muitos organismos sensíveis ao fotoper íodo, embora não em todos, a regulação
temporal pode ser alterada por manipula ção experimental ou artificial do fotope¬
ríodo. Como a Figura 5-5 ilustra, um regime de luz artificial mente acelerado pode
levar a truta das fontes a condiçõ es de criaçã o quatro meses mais cedo. Os floris-
tas conseguem com frequ ê ncia obter a floração fora da estação alterando o foto ¬
perí odo. Nas aves migrat ó rias h á um periodo de vários meses depois da migração
de Outono em que as aves sã o refractárias ao est ímulo do fotoper í odo. Os dias

LUZ ,ARTIFICIAL

LUZ NATURAL

N
3a

DESOVA DESOVA
EXPERIMENTAL NATURAL

JAN. MAR . MAIO JUL . SET . NOV.

Figura 5-5. Controlo da é poca de reprodu çã o da truta das fontes por manipulação do fotope ¬
r í odo. A truta, que normalmente se reproduz no Outono , desova no Ver ã o quando o comprimento do dia
é aumentado artificialmente na Primavera e depois reduzido no Verã o, numa simula ção das condi ções
outonais. ( Reproduzido de Hazard e Eddy, 1950.)
185

curtos de Outono são aparentemente necessá rios para «dar corda» ao rel ógio bioló ¬
gico, de certo modo, e preparar o sistema end ócrino para a resposta aos dias lon ¬
gos. Em qualquer momento depois dos fins de Dezembro um aumento artificial
no comprimento do dia produzirá uma sucessão de muda, depósito de gordura,
inquietude migrat ória e alargamento das g ónadas que normalmente ocorrem na
Primavera. A fisiologia desta resposta nas aves é agora relativamente bem conhecida
( ver resumos de Farner, 1964, 1964a) , embora seja incerto se a migração de Outono
é produzida por um est í mulo directo dos dias curtos ou é regulada pelo relógio
biol ógico que foi acertado pelos fotoperíodos longos da Primavera.
O fotoperiodismo em certos insectos é not ável dado que proporciona uma
espécie de «controlo de natalidade ». Os dias longos de fim de Primavera e princí ¬
pio de Verã o estimulam o «cé rebro» ( realmente um g â nglio do cord ão nervoso)
a produzir uma neuro- hormona que provoca a produ ção de uma diapausa ou ovo
de repouso que n ão cria a não ser na próxima Primavera, por muito favorá veis que
sejam a temperatura, o alimento e outras condiçõ es ( ver Beck, 1960). Assim, o
crescimento da popula ção é detido antes e n ão depois que o abastecimento de ali¬
mento se torne crítico.
Tem sido mesmo demonstrado que o n mero de n ódulos radiculares subterr â¬
neos fixadores do azoto nas leguminosas (ver página 138, Figura 4- 4) é controlado
pelo fotoper í odo que actua através das folhas da planta. Uma vez que a bact é ria
fixadora de azoto nos n ódulos requer energia alimentar manufacturada pelas folhas
da planta para realizar o seu trabalho, quanta mais luz e clorofila, mais alimento
fica dispon í vel para a bactéria; a máxima coordenação entre a planta e os micró¬
bios seus parceiros é assim refor çada pelo fotoper íodo regulador.
Em total contraste com o comprimento do dia, a chuva num deserto é
altamente imprevisível ; no entanto as plantas anuais do deserto, que constituem o
maior nú mero de espécies nas floras de muitos desertos (ver página 627), utilizam
este factor como um regulador . As sementes de muitas de tais esp é cies cont ê m
um inibidor da germinação que precisa de ser lavado por uma quantidade m í nima
de chuva ( por exemplo, 1 cm ou mais) que proporcionar á toda a água necessá ria
para completar o ciclo de vida completo at é à nova semente. Se tais sementes são
colocadas numa estufa em solo h mido, nã o germinam, poré m fazem - no rapidamente
quando tratadas com chuva artificial na quantidade necess ária (ver Went , 1955) . As
sementes podem permanecer viá veis no solo durante muitos anos, «esperando», por
assim dizer , por uma chuva adequada; isto explica a razã o pela qual os desertos
«florescem», isto é, se tornam rapidamente cobertos por flores, pouco tempo depois
de uma chuva forte.
Para efeitos de revisões sobre o fotoperiodismo ver Evans, 1963; Salisbury,
1963 ; Searle , 1965 ( para o caso das plantas), e Withrow , 1959 ( para o caso dos
animais).
186

5. BREVE RESUMO SOBRE FACTORES FÍSICOS IMPORTANTES


COMO FACTORES LIMITANTES

Como se destacou v árias vezes nas discuss ões anteriores, o conceito amplo
dos factores limitantes nã o é restrito aos factores físicos, uma vez que as inter-
- relações biológicas ( «coacções» ou «factores biológicos») são t ão importantes como
aqueles no governo da distribui çã o e da abund â ncia reais dos organismos na natu ¬
reza. Contudo, as ltimas ser ão examinadas mais cuidadosamente nos capítulos sub ¬

sequentes que tratam das populações e das comunidades, deixando a revisã o dos
aspectos f ísicos e qu í micos dos ambientes para esta secção. Para apresentar tudo
o que se conhece neste campo seria necess ário um livro pró prio, e sairia fora do
objectivo do presente esquema de princí pios ecol ógicos. Por outro lado, caso houvesse
um desenvolvimento nos detalhes , fugir-se-ia ao objectivo de se obter uma visão
geral da mat é ria espec í fica da ecologia. Desta forma, apenas é necessário passar uma
breve revista pelos aspectos que os ecologistas consideraram importantes e dignos
de estudo.
1. TEMPERATURA . Em compara çã o com uma amplitude de milhares de
graus que se sabe ocorrer no nosso universo, a vida , tal como a conhecemos, apenas
pode existir dentro de um intervalo estreito de cerca de 300 ° cent ígrados: de cerca de
200° C a 100° C. Realmente , a maior parte das espécies e a maior parte da activi-
dade est ão restringidas a um intervalo de temperaturas ainda mais estreito. Alguns
organismos, especialmente em estado de repouso, podem existir a temperaturas muito
baixas pelo menos durante curtos per í odos de tempo, enquanto um pequeno n ¬
mero de microrganismos, principalmente bacté rias e algas, são capazes de viver e de
se reproduzir em mananciais quentes onde a temperatura se aproxima do ponto
de ebuli çã o (ver página 517). Em geral , os limites superiores s ão mais rapidamente
críticos que os inferiores , pese embora o facto de muitos organismos funcionarem
mais efícazmente junto dos limites superiores dos seus intervalos de tolerâ ncia. A
amplitude de varia çã o da temperatura tende a ser menor na água do que na terra ,
e os organismos aqu áticos t ê m geralmente um limite de toler â ncia à temperatura
mais estreito do que os animais equivalentes da terra. A temperatura, portanto,
é universalmente importante e é com muita frequ ê ncia um factor limitante. Os ritmos
da temperatura juntamente com os da luz, humidade e mar és, controlam largamente
as actividades estacionais e diá rias das plantas e dos animais. A temperatura é, com
frequ ê ncia, responsá vel pela zonagem e pela estratifica çã o que ocorrem nos ambien ¬
tes tanto aqu áticos como terrestres (tal como será descrito na Parte 2). É també m
um dos factores ambientais mais fáceis de medir. O term ó metro de mercú rio, um
dos primeiros e mais largamente utilizados instrumentos cient íficos de precisão,
tem sido mais recentemente suplementado por aparelhos el é ctricos «sensí veis», como
os term ó metros de resist ê ncia de platina, termopares ( uniões met á licas) e termis-
187

tores (resistê ncias de óxido metálico termicamente sensí veis), que n ão s ó permitem
medições em lugares de «acesso difícil» mas que proporcionam tamb é m o registo
cont ínuo e automático das medições. Alé m do mais, avan ços na tecnologia da tele ¬
metria permitem agora transmitir por r ádio informação relativa à temperatura do corpo
de um lagarto no fundo do seu ref gio ou de uma ave migrat ó ria voando muito
alto na atmosfera ( ver Cap ítulo 18).
A variabilidade da temperatura é extremamente importante do ponto de vista
ecol ógico. A temperatura flutuando entre 10 e 20° C e tendo por valor m é dio 15° C
n ão tem necessariamente o mesmo efeito nos organismos que a temperatura cons¬
tante de 15° C. Verificou-se que os organismos que estão normalmente sujeitos a tem¬
peraturas variáveis na natureza ( como na maior parte das regiões temperadas ) tendem
a ficar deprimidos, inibidos ou mais lentos a uma temperatura constante. Assim , para
apresentar os resultados de um estudo pioneiro, Shelford (1929) verificou que os
ovos e as fases de larva e de ninfa da tra ça pequena se desenvolviam 7 a 8 por cento
mais depressa sob condi ções de temperatura variá vel do que sob uma temperatura
equivalente a um valor m édio. Numa outra experi ê ncia ( Parker , 1930 ) , ovos de
gafanhoto mantidos a temperatura variá vel apresentaram uma aceleraçã o mé dia de
38,6 por cento e as ninfas uma aceleração de 12 por cento, relativamente ao desen ¬
volvimento verificado a uma temperatura constante compar ável.
N ã o se sabe ao certo se a variação é ela pr ó pria a causa do efeito acele¬
rador ou se a temperatura mais elevada causa um maior desenvolvimento do que
aquele que é equilibrado pela temperatura mais baixa. Em todo o caso, o efeito
estimulante da temperatura variá vel, pelo menos na zona temperada, pode ser aceite
como um princípio ecológico perfeitamente definido, e que deve ser destacado,
uma vez que a tend ê ncia tem sido para conduzir trabalho experimental no laborat ó¬
rio sob condições de temperatura constante.
Pelo facto dos organismos serem sensíveis às alterações da temperatura e
porque a temperatura é muito fá cil de medir, a sua import ância como factor limi-
tante tem sido sobrestimada com frequ ê ncia. É preciso ter cuidado com a assun ção
de que a temperatura é limitante quando outros factores n ã o mensurados podem ser
mais importantes. A capacidade generalizada das plantas, animais e especialmente
comunidades para compensarem ou se aclimatarem à temperatura já foi mencionada.
Ser á porventura um bom conselho para o ecologista principiante uma chamada de
aten çã o mais ou menos deste tipo: No estudo de um dado organismo ou problema
tenha-se sempre em conta a temperatura, por é m, n ã o se detenha por aí.
2. RADIA çã O : LUZ. NOS termos expressos apropriadamente por Pearse
(1939), os organismos encontram-se entre as pontas de um dilema no que se refere à
luz. A exposi çã o directa do protoplasma à luz provoca a morte, por é m a luz é a
fonte fundamental de energia, sem a qual a vida n ão poderia existir . Por conseguinte ,
grande parte das caracter ísticas estruturais e de comportamento dos organismos
188

est ão relacionadas com a solu ção deste problema. De facto, como será descrito
com algum detalhe no Capí tulo 9, a evolu ção da biosfera como um todo envolveu
principalmente o «dom í nio» da energia da radiaçã o solar que chega à Terra de tal
maneira que as suas componentes teis possam ser exploradas e as suas compo¬
nentes perigosas mitigadas ou eliminadas. A luz, portanto, n ão só é um factor
vital mas é també m um factor limitante , aos n íveis tanto máximo como m í nimo.
N ão existe outro factor de maior interesse para os ecologistas!
O ambiente total da radiação e alguma coisa acerca da sua distribuição espec¬
tral foram considerados no Cap ítulo 3, tal como o foi o papel principal da radia çã o
solar na energ é tica do ecossistema. Consequentemente , apenas se necessita neste
cap í tulo considerar a luz como um factor limitante e regulador. A radiação é cons¬
tituída por ondas electromagn éticas de uma grande varia ção quanto a comprimento.
Como a Figura 5-6 ilustra, duas bandas de comprimentos de onda penetram facil ¬
mente na atmosfera terrestre, quais sejam, a banda visível, juntamente com algumas

ESPECTRO ELECTRO - MAGN ÉTICO


FOTOGRAFIA -
30004 39004 49004 60004 66004 76004 10 000A

1VERDE iVERMÊ LHO


VIS Í VEL
ONDAS CURTAS ONDAS LONGAS
ALTA FREQUÊNCIA BAIXA FREQUÊNCIA
RAIOS RADAR
GAMA
l i
RAIOS - X
i I
UV
I » i
IV
I
( MICRO - ONDAS) UHF R Á DIO
I i
BF
| 1
Á UDIO
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o , 03 A 3A 300 A 0 , 3 /r 30 / r 0 ,3 cm 30 cm 3 m 300 m 3 km 300 km


i « i i « » i 1 1 I t 1 i i i i « i - J I, J

qOMPRIMENTO DE ONDA

TRANSMISS ÃO ATMOSFÉ RICA

FLUTUAÇÕ ES DOS CAMPOS INTRODUÇÃ O


EL É CTRICO E MAGN ÉTICO _ENERGIA ~ MATÉRIA

DETECTORESj FÓSFORO !pRFOTO -


*25S5S
[ T É RMICOS 1

-
T CT R S
DE
1
_
§ ANTENAS E
Á FICOSl 1 QUANTUM I SENSORES
DE IONIZA ÇÃ O Jf CIRCUITOS ELECTR Ô NICOS

VISUAIS

Figura 5-6 . O espectro electromagn é tico em rela çã o com a luz vis í vel , com uma indica çã o da
transmissã o atmosf é rica , da energ é tica e dos m é todos de detecçã o de bandas com diferente frequ ê ncia
de onda . Á = angstrom = 0 , l milimicron ( m /z ) = 0,0001 micron ( /i ) . ( Modificado de Colwell et ai , 1963.)

E
189

partes das bandas adjacentes, e a banda de rá dio de baixa frequ ê ncia, tendo compri ¬
mentos de onda superiores a 1 cm. N ão se sabe se as ondas longas de r ádio
possuem ou n ã o significado ecol ógico, sem embargo das afirmações sobre os efei ¬
tos positivos nas aves em migração e outros organismos. Como se ilustra na Figura
3-1, as radiações solares que penetram na atmosfera superior e chegam à super¬
f í cie da Terra consistem em ondas electromagnéticas variando em comprimento
aproximadamente de 0,3 a 10 microns ( ju ); isto equivale a 300 a 10 000 mfi , ou
3000 a 100 000 Á (*). Para o olho do homem, a luz vis í vel car dentro do intervalo
de 3900 a 7600 Á ( 390 a 760 m,u ), tal como a Figura 5-6 ilustra. Esta figura tamb é m
mostra a interacção energia- maté ria de diferentes bandas e o tipo de sensores utili ¬
zados para as detectar e medir ( ver Capítulo 18 para efeitos de detalhes adicionais ).
No Capítulo 3 foi examinado o papel dos raios ultravioletas ( abaixo de 3900 Á ) e
infravermelhos (acima de 7600 Á ). O papel que a radiação gama de comprimento
de onda muito curto, de alta energia, bem como outros tipos de radia çã o ionizante
podem desempenhar como factores ecológicos limitantes na idade at ó mica envolve
considerações muito especiais e complexas , cujo tratamento cabe melhor no Ca ¬

pí tulo 17.
Sabe-se que , ecologicamente , a qualidade da luz ( comprimento de onda ou
cor), a sua intensidade ( energia actual medida em calorias-grama ou velas- pé ) e a
sua dura çã o ( comprimento do dia) são importantes. Sabe-se que tanto as plantas
como os animais respondem a diferentes comprimentos de onda de luz. A vis ão da
cor em animais tem uma interessante ocorr ê ncia «irregular» em diferentes grupos
taxon ómicos , sendo segundo parece bem desenvolvida em certas espécies de artró po-
dos, peixes, aves e mam ífero , embora não noutras espécies dos mesmos grupos
( entre os mamíferos , por exemplo, a vis ã o da cor est á bem desenvolvida apenas nos
primatas). A velocidade da fotoss í ntese varia um tanto com diferentes comprimentos
de onda. Nos ecossistemas terrestres a qualidade da luz n ã o varia o suficiente para
ter um efeito diferencial importante na intensidade da fotossí ntese , por é m quando a
luz penetra na água os vermelhos e os azuis são eliminados por filtra ção e a luz
esverdeada resultante é absorvida deficientemente pela clorofila. As algas vermelhas
tê m , por é m , pigmentos suplementares (ficoeritrinas ) capazes de utilizar esta energia
e de viver a maiores profundidades do que seria poss í vel para as algas verdes
( ver página 535 ).
Como foi analisado no Capítulo 3, a intensidade da luz ( isto é , a entrada
de energia ) que encontra a camada autotrófica controla o ecossistema inteiro
através da sua influ ê ncia na produ ção primá ria. A rela ção entre a intensidade e a
fotossí ntese segue nas plantas tanto terrestres como aqu áticas o mesmo padr ão ge ¬
ral de um acré scimo linear até um ó ptimo ou n í vel de satura ção luminosa , seguido

(*) Um micron (/r ) é a mil é sima parte do mil í metro ( 10 ' mm ); um milimicron ( m/u ) é a milion é sima parte do
mil í metro (10 6 mm ) ; um angstrom (Á ) é a d é cima parte do milimicron ( 10 ~ 7 mm ) .
190

em muitos casos por um decréscimo a intensidades muito altas (Rabinowitch , 1951;


Thomas, 1955). Constam da Figura 5-7 as curvas da fotossí ntese segundo a intensidade'
da luz para v á rias popula çõ es e comunidades. Tal como seria de esperar, a compen ¬
sação de factores entra em jogo uma vez que tanto as plantas individuais como as
comunidades se adaptam a diferentes intensidades de luz tornando-se «adaptadas
à sombra» ( isto é, alcançando a satura ção a intensidades baixas ) ou «adaptadas ao sol»
( ver Capítulo 3, especialmente a Figura 3- 5). Os extremos da satura çã o luminosa
s ão ilustrados na Figura 5-7. As diatom áceas que vivem nas areias das praias ou
nos lodos da maré sã o not á veis na capacidade de alcan çar a m áxima taxa fotos-
sint ética quando a intensidade da luz é inferior a 5 por cento da luz solar plena,
e podem manter uma produ ção l íquida a menos de 1 por cento (Taylor, 1964).
E, n ão obstante , estas diatomáceas apenas são levemente inibidas pelas intensida ¬
des altas, o que explica o facto da produ çã o m áxima no mar ocorrer usualmente
sob e n ão à superf ície ( ver Figura 3-3 ). No outro extremo a planta do milho
«amante do sol» nã o se satura de luz at é que tenham sido alcançadas as intensida ¬
des da plena luz do sol (Figura 5-7) .
N ã o se reconhece de um modo t ã o geral que a luz solar normal possa ser
limitante tanto a intensidade plena como quando a intensidades baixas. A intensida ¬
des altas, a foto- oxidação de enzimas reduz manifestamente a s í ntese , e a respira ¬
ção r á pida utiliza os produtos fotossintetizados. A s í ntese da proteína é especialmente
reduzida pelo que s ão produzidas a intensidades altas elevadas percentagens dc
hidratos de carbono, o que constitui uma das razõ es pelas quais é dif í cil conseguir
boas produ ções nos tr ó picos com as culturas que produzem elevadas quantidades
de prote í na.
O papel da dura ção da luz, ou fotoperiodicidade, já foi considerado na
Secção 4.
3. Á GUA . A água , uma necessidade Fisiol ógica para todo o protoplasma,
é do ponto de vista ecológico principalmente um factor limitante nos ambientes
terrestres ou naqueles ambientes aquáticos em que a sua quantidade est á sujeita
a grandes flutua ções, ou onde a elevada salinidade promove a perda de água pelos
organismos mediante osmose (ver Figura 11-3). A queda pluviom é trica , a humidade,
o poder de evaporação do ar e o abastecimento dispon í vel de água de superf í cie
s ão os principais factores medidos. Segue -se um breve resumo de cada um destes
aspectos.
A queda pluviom étrica é largamente determinada pela geografia e pelo padrã o
dos grandes movimentos do ar ou «sistemas meteorol ógicos». Um exemplo relativa ¬
mente simples é apresentado na Figura 5-8. Ventos carregados de humidade soprando
do oceano depositam a maior parte da sua humidade nas vertentes voltadas ao
oceano, do que resulta no lado oposto uma «sombra de chuva » que produz um de ¬
serto; quanto mais altas forem as montanhas maior será o efeito, em geral . Uma vez
191

100 Á RVORES DA FLORESTA

80
/ /£ Folhas de á rvore
f // de sol MILHO
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/ 1
 MBITO DE PLENO SOL
10 15 20 30 40 50 60 70 80 90 100
IRRADIAÇÃO SOLAR , cal cm 2 h ' 1
( = langley h 1
)

Figura 5-7. Ciirvas fotossí ntese- luz para diferentes popula çõ es de plantas, mostrando um largo
intervalo de resposta em termos de satura çã o luminosa ( energia luminosa da fotoss í ntese m á xima ) . ( O
diagrama superior desenhado a partir dos dados tabelados por Hesketh e Baker , 1967; o relativo à s
diatom áceas de praia, dos dados de Taylor , 1964; o relativo ao fitoplâncton marinho , dos dados de
Ryther, 1956.)

que o ar continua depois das montanhas, é recolhida alguma humidade e a queda


pluviométrica pode voltar a aumentar um tanto. Assim os desertos encontram-se
no geral «por detrás» das altas cadeias de montanhas ou ao longo da costa onde
os ventos sopram mais das extensas á reas terrestres interiores secas do que dos
oceanos como no exemplo da costa do Pacífico ilustrado na Figura 5-8. A distri ¬
buição da queda pluviométrica ao longo do ano é um factor limitante extrema¬
mente importante para os organismos. A situa ção proporcionada por uma queda
pluviomé trica de uns 85 cm regularmente distribu í da é totalmente distinta da
proporcionada por uma mesma queda pluviométrica que caia em grande parte durante
uma fracção relativamente pequena do ano. No ú ltimo caso, as plantas e os ani-
192

mais t ê m de ser capazes de sobreviver a longos per íodos de seca. Em geral a


queda pluviom é trica tende a ser irregularmente distribu í da ao longo das esta ções
nos tr ó picos e nos subtr ó picos, o que determina com frequ ê ncia estações bem defi¬
nidas h ú midas e secas. Nos tró picos, o ritmo estacionai na humidade regula as acti-
vidades estacionais (especialmente a reprodu ção) dos organismos de uma forma
muito semelhante à que os ritmos estacionais da temperatura e da luz os regulam
na zona temperada. Nos climas temperados, a chuva tende a ser mais regularmente
distribu í da ao longo do ano, com muitas excepções. A tabula ção que se segue
facilita uma aproxima ção grosseira das comunidades bióticas cl í max ( ver Capí tulo
14, Secção 7) que podem ser esperadas nas latitudes temperadas com diferentes quan ¬

titativos anuais de queda pluviom étrica regularmente distribu ída:

0 25 cm anuais Deserto
25 75 cm anuais Pradaria, savana ( *) ou floresta aberta
75 125 cm anuais Floresta seca
mais de 125 cm anuais Floresta h mida

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DIST Â NCIA EM MILHAS

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Figura 5-8 Queda pluviom é trica m édia anual ( colunas verticais) em relaçã o com a altitude
( linha adornada ) numa sé rie de esta ções estendendo-se, para este, desde Paio Alto, na costa do Pacífico,
atrav é s /da Coast Range e da «Sierra Nevada», at é Oá sis Ranch no deserto de Nevada. O diagrama ilus ¬
tra ( 1 ) o efeito de aproximação no lado oeste da « Sierra », ( 2) a zona de m á xima chuva na vertente
ocidental do centro da « Sierra» , e ( 3) as sombras de chuva entre as duas cadeias montanhosas. ( De
Daubenmire , Plants and Environment, John Wiley & Sons, Inc., 1947.)

Na realidade, a situação biótica n ão é determinada pela queda pluviom étrica isolada


mas pelo equilí brio entre a chuva e a evapotranspira ção potencial , sendo esta ltima
a água perdida pelo ecossistema por evaporação, como se ver á adiante.
(*) Urna savana é uma pradaria com á rvores isoladas ou grupos isolados de á rvores, um tipo de comuni ¬
dade interm é dia entre a pradaria e a floresta ( ver Figura 14-14).
195

A humidade representa a quantidade de vapor de água no ar . A humidade


absoluta é a quantidade real de água no ar expressa em massa de água por unidade
de massa de ar (gramas por quilograma, por exemplo). Uma vez que a quantidade
de vapor de água que o ar pode conter (em estado de saturação ) varia com a tem ¬
peratura e a pressã o, a humidade relativa representa a percentagem de vapor realmente
presente comparada com a saturaçã o nas condições de temperatura e pressão existen ¬
tes. A humidade relativa é usualmente medida observando a diferen ça entre os ter ¬
mó metros de bolbos respectivamente seco e molhado montados num instrumento
chamado psicr ómetro. Se os dois term ó metros facultam a mesma leitura, a humidade
relativa é 100 por cento; se a leitura no term ómetro de bolbo molhado é inferior
à realizada no bolbo seco, como geralmente acontece, a humidade relativa é inferior
a 100 por cento, sendo o valor exacto determinado por consulta a tabelas preparadas.
A humidade relativa pode tamb é m ser adequadamente medida por intermédio de um
higrógrafo que proporciona um registo cont í nuo. O cabelo humano, especialmente o
cabelo louro comprido, expande e encolhe em proporção com a humidade relativa,
pelo que se podem fazer com ele fios para accionar uma alavanca que escreva sobre
um tambor girat ó rio. Como no caso da medição da temperatura, est á a generalizar-se_
o uso de diversos dispositivos elé ctricos sensíveis. Um destes dispositivos utiliza a
propriedade de uma pel í cula de cloreto de l ítio de alterar a sua resist ê ncia el é ctrica
em propor ção com as alterações na humidade relativa. Outros materiais higroscó-
picos est ã o em experimenta çã o.
Em geral , a humidade relativa tem sido a grandeza mais utilizada no trabalho
ecol ógico, embora o valor seu inverso, ou d éfice da press ão de vapor ( a diferen ça
entre a pressão parcial do vapor de água na saturação e a pressão real de vapor ),
seja com frequ ê ncia preferido como medida das rela ções de humidade , dado que
a evaporação tende a ser proporcional mais à pressão de vapor do que à humidade
relativa.
Uma vez que h á geralmente um ritmo diá rio na natureza quanto à humidade
(alta à noite, baixa durante o dia, por exemplo) , assim como diferen ças verticais
e horizontais, a humidade desempenha com a temperatura e a luz um importante
papel na regulação das actividades dos organismos e na limitação da sua distribui¬
ção. A humidade tem um papel especialmente importante na modifica ção dos efeitos
da temperatura, como se ver á na pr ó xima secção.
A energia de evapora ção do ar é um factor ecol ógico importante, especialmente
para as plantas terrestres, e é usualmente medida por evapor í metros, que medem a
evaporação verificada em recipientes, ou por atm ó metros, que a medem sobre a
superfície de um bolbo poroso cheio de água. Os animais podem com frequ ê ncia
regular as suas actividades por forma a evitar a desidratação movendo-se para locais
protegidos ou entrando em actividade à noite ( ver página 399 ) ; as plantas, por é m,
t ê m de se «manter e aguentar». De 97 a 99 por cento de água que entra nas plan-
194

tas vinda do solo perde-se por evapora çã o a partir das folhas, evapora çã o que se
designa por transpira ção a qual, como ficou mencionado no Cap í tulo 2 , constitui uma
caracter í stica nica da energ é tica dos ecossistemas terrestres. Quando a água e os
nutrientes sã o n ão limitantes, o crescimento das plantas terrestres é aproximada-
mente proporcional ao abastecimento total de energia à superf í cie do solo, como
já foi salientado. Uma vez que a maior parte da energia é calor e como a fracçã o
que proporciona calor latente para a transpira çã o é praticamente constante, ent ã o
o crescimento é també m proporcional à transpira ção ( Penman , 1956) . As rela ções
entre a evapotranspira çã o e a produtividade primá ria sã o expressas sob a forma de
um modelo matemático, apresentado na página 603 . A razão do crescimento ( pro¬
du çã o lí quida) para a água transpirada designa-se por eficiência de transpira ção
e é expressa usualmente como gramas de mat é ria seca produzida por 1000 gramas de
água transpirada. A maior parte das espé cies de culturas agr í colas, bem como uma
ampla gama das espé cies n ã o cultivadas, t ê m uma eficiê ncia de transpira çã o de 2 ou
menor, isto é, são perdidas 500 gramas ou mais de água por cada grama de mat é ria
seca produzida (Briggs e Shantz, 1914; Norman , 1957). As culturas resistentes à secura,
como por exemplo o sorgo e o pain ço, podem ter efici ê ncias de 4 . De forma bas ¬
tante singular, as plantas do deserto pouco podem fazer melhor do que isso se é
que o conseguem ; de facto a sua nica adapta çã o reside n ã o na capacidade de cres¬
cer sem transpira ção mas sim na capacidade de ficarem dormentes quando a água
se n ão encontra dispon ível (em vez de emurchecer ou morrer como aconteceria com
as demais plantas). As plantas do deserto que perdem as folhas e apenas expõem ,

os gomos ou os caules verdes durante os per í odos secos, apresentam uma elevada
eficiê ncia de transpira ção (Lange et ai , 1969) embora, certamente, n ão produzam
muito alimento em tais condições ( recorde-se que alta efici ê ncia na utiliza ção da luz
també m acompanha uma baixa produ çã o ; ver página 93 ). Deve destacar-se que as
plantas do deserto, bem como todos os organismos, t ê m limites de tolerâ ncia tanto
superiores como inferiores, e cada espécie deve apresentar um intervalo um tanto
distinto. Quando a humidade' aumenta grandemente em á reas á ridas, como atrav é s
de irriga çã o, a produtividade prim á ria de todo o ecossitema aumenta, embora muitas,
-
se n ão todas, espé cies de plantas do deserto morram e sejam substitu í das por outras
espécies mais adaptadas à humidade elevada. ( A água pode ser « uma quantidade
demasiada de uma coisa boa » para a planta do deserto!).
A oferta de água de superf í cie dispon í vel est á, naturalmente, relacionada com
a queda pluviom étrica ocorrida na á rea, mas h á com frequ ê ncia grandes discrepâ n ¬
cias. Assim , devido a fontes ou a mananciais subterr â neos ou abastecimentos vindos
de regiõ es vizinhas, os animais e as plantas podem ter acesso a mais água do que
aquela que cai como chuva. Do mesmo modo a água da chuva pode tornar-se rapi ¬
damente indispon í vel para os organismos. Wells (1928) falou das colinas de areia da
Carolina do Norte como de «desertos na chuva», porque a abundante chuva da re-
195

giã o escoa tã o rapidamente atravé s do solo poroso que as plantas, especialmente


as herbáceas, se encontram confrontadas com disponibilidades muito pequenas na
camada superficial. A vida das plantas e dos pequenos animais em tais á reas as ¬
semelha-se à que ocorre em regiões muito mais secas. Outros solos nas plan ícies
do oeste ret ê m água t ão fortemente que as culturas podem fazer -se sem que caia
uma s ó gota de chuva durante a estação de crescimento, sendo as plantas capazes
de utilizar a água armazenada proveniente das chuvas invernais.
Os traços gerais do ciclo hidrol ógico foram examinados detalhadamente no
Cap í tulo 4, nele se tendo chamado a aten ção para as importantes, e ainda mal
conhecidas, relações entre a água da superf ície e a água subterr â nea e entre a queda
pluviom é trica e os compartimentos atmosfé rico e marinho. Os ecologistas con ¬
cordam em geral sobre a necessidade de um maior conhecimento acerca dos re ¬
cursos h í dricos e de melhorar o seu ordenamento antes que seja considerada seria-
mente a manipulação da queda pluviom étrica, caso isto se torne tecnicamente possí ¬
vel. Poderia chegar -se a uma situação dif ícil controlando inabilmente tanto a água
da chuva como a água da superf ície ! No actual estado de coisas, a eliminaçã o muito
severa da cobertura vegetal e pr áticas deficientes de utiliza ção da terra, com a
destruição da textura do solo e o aumento de erosão resultantes, elevaram com
frequ ê ncia o escoamento para um grau tal que se produziram desertos locais em
regiões de queda pluviom étrica adequada. Do lado mais positivo, a irriga çã o e o
represamento artificial dos cursos de água t ê m ajudado a aumentar o abasteci ¬
mento local em água. Contudo, estes dispositivos mecâ nicos de engenharia, por
muito teis que usualmente sejam, nunca poderão ser considerados como subs ¬
titutos de pr áticas agr ícolas ou florestais sãs de utilização da terra, que ret ê m a
água nas suas origens ou pr óximo delas com máxima utilidade para as plantas,
os animais e o homem . O ponto de vista ecológico, considerando a água como
um produto cí clico no interior do ecossistema tomado no seu conjunto, é muito im ¬
portante . Aqueles que pensam que todos os nossos problemas de inunda ções, de
erosão e de utilização da água podem ser resolvidos apenas atrav és da constru ção
de grandes barragens ou qualquer outro dispositivo mecânico podem ter boas
ideias no dom í nio da engenharia, mas precisam de as refrescar em mat é ria de
ecologia ( ver Capítulos 9, 11 e 15). A ideia de que a unidade bacia hidrogr áfica é
uma espécie de sistema ecol ógico m ínimo para efeitos de ordenamento foi em pri¬
meiro lugar mencionada no Capítulo 2, tendo sido citados frequentemente neste
texto exemplos de investiga ções importantes baseadas no estudo de toda a bacia
hidrogr áfica. Estudos realizados em bacias hidrográficas experimentais ( ver a Figura
2-4 para se ter uma imagem de um dispositivo experimental deste tipo) apenas propor ¬
cionam informações muito importantes para a economia de vidas e de bens se forem
tomados em consideraçã o por aqueles que tomam as decisões no â mbito da polí¬
tica e da actividade ! Por exemplo, as vias de acesso para a extracção, mais do que a
196

pr ó pria extracçã o, constituem com frequ ê ncia o principal dano numa bacia hidrográ ¬
fica florestada. Se as vias de acesso para a extraCção forem planeadas e constru ídas
adequadamente ( Figura 15- 6 ), o dano resultante da erosã o é reduzido e a regene ¬
ra ção acelerada, e a operação, ela pr ópria, mais útil. Outras experiê ncias demonstra ¬
ram que o importante é n ão destruir a forte interacçã o das plantas, animais e mi ¬
crorganismos que mant ê m a superf í cie do solo como uma «esponja viva », capaz de
reter a água e da a ir libertando gradualmente sem uma perda excessiva de mate ¬
riais valiosos. Assim, a vegeta ção natural pode ser modificada de diversas formas
para produzir produtos desejados ou para servir finalidades ú teis sem destruir a sa ú ¬

de essencial das comunidades bi óticas, necessá ria para que se mantenha a futura
produtividade . O orvalho pode dar um contributo apreciá vel à precipita çã o, mesmo
vital em á reas de chuva escassa. O orvalho, «o nevoeiro baixo», pode ser impor
tante não apenas nas florestas das zonas costeiras , onde pode ocorrer mais água
total desta forma do que como chuva ( ver página 614 ), mas tamb é m nos desertos.
Aperfeiçoamentos recentes nos medidores de orvalho e nos lis í metros de pesagem
autom ática, que indicam a absor ção real da á gua pela vegeta çã o, traduziram-se em me¬

di ções mais precisas. Em muitos casos, a quantidade anual e a capacidade das


plantas para utilizar água são maiores do que anteriormente se admitia.
4. A ACçã O CONJUNTA DA TEMPERATURA E DA HUMIDADE. Considerando
o conceito de ecossistema, o primeiro entre os conceitos ecológicos, evitou-se criar
a impressão de que os factores ambientais operam independentemente uns dos outros.
Neste capítulo trata-se de mostrar que o exame dos factores individuais constitui
um meio de pegar problemas ecol ógicos complexos, mas nã o o ú ltimo objectivo do
estudo ecol ógico, objectivo que consiste em avaliar a import ância relativa dos vá rios
factores nas circunst âncias em que estes operam conjuntamente nos ecossitemas
reais. A temperatura e a humidade t ê m uma import ância t ão geral nos ambientes
terrestfes e operam numa acção recí proca t ão estreita, que se tomam usualmente
como o aspecto mais importante do clima. Assim, ser á conveniente examiná-los
juntamente antes de tratar de outros factores.
A interacçã o da temperatura e da humidade, tal como acontece na interacçã o
da maior parte dos factores, depende tanto dos valores relativo como absoluto de
cada factor . Assim, a temperatura exerce um efeito limitativo mais severo nos or ¬
ganismos quando as condi ções de humidade são extremas, isto é , tanto muito
altas como muito baixas, do que quando tais condições sã o moderadas. De igual modo,
a humidade desempenha um papel mais cr ítico nos extremos da temperatura. De
certo modo, isto constitui um outro aspecto do princípio da interacção de factores,
já examinado neste cap ítulo. Por exemplo, o gorgulho do algod ão tolera temperaturas
mais altas quando a humidade é baixa ou moderada do que quando é muito alta.
Na zona do algod ão o tempo quente e seco constitui um ind í cio para que os cul ¬
tivadores de algod ão tenham prontos os seus pulverizadores e estejam atentos a um
197

possí vel aumento na popula çã o do gorgulho. O tempo quente e h ú mido é menos


favorá vel para o gorgulho, embora, infelizmente, não muito favor ável para o algo ¬
doeiro! As grandes massas de á gua moderam grandemente os climas terrestres por
motivo do elevado calor latente de evaporação e das caracter í sticas de fusão da água
( ver pá gina 475 ). De facto, pode falar-se em dois tipos bá sicos de clima, ou seja ,
os climas continentais, caracterizados por extremos de temperatura e de humidade ,
e os climas marítimos, caracterizados por uma flutuação menos extrema devido ao
efeito moderador de grandes massas de água ( os grandes lagos produzem assim
«climas marí timos» locais).

-
FLORESTA CADUCIFÓ LIA TEMPERADA CHAPARRAL REGI ÃO DE CHUVA DE INVERNO DESERTO
CM ( SEABROOK , N . J .) ( BERKELEV , CALIF.) ( ALBUQUERQUE , N . M.)

A
J
M J J A S O N D M J J A S O N D J

EVAPOTRANSPIRA Ç AO POTENCIAL EXCEDENTE DE AGUA

PRECIPITA ÇÃ O UTILIZA ÇÃO DA HUMIDADE DO SOLO

f ; : | DEFICI ê NCIA EM AGUA RECARGA DO SOLO EM HUMIDADE

-
Figura 5 9. Rela çã o entre queda pluviom é trica e evapotranspiraçã o potencial ( evapora çã o
pelo solo mais transpira çã o pela Vegeta çã o) em tr ês localidades representando três regi ões ecol ógicas
caracteristicamente diferentes. Nos grá ficos, a á rea ponteada ( «defici ê ncia em água») indica a esta çã o
durante a qual cabe esperar que a água constitua um factor limitante , enquanto que a extensã o vertical
dessa á rea indica a severidade relativa dessa limita çã o. (Segundo Thornthwaite , 1955.)

As modernas classifica ções do clima, tais como as de K õ ppen (1931) e de


Thornthwaite (1948) , baseiam-se largamente em medidas quantitativas da temperatura
e da humidade , tomando em considera ção a efici ê ncia da precipitaçã o e da temperatura
(com refer ê ncia às estações de crescimento) e a distribuiçã o estacionai, bem como os
valores m é dios. A compara ção da precipita ção com a evapotranspiração (que depende
da temperatura) proporciona uma imagem particularmente boa dos climas, como se
ilustra na Figura 5-9 que contrasta os climas de trê s regiões biol ógicas diferentes
claramente distintas ou biomas ( ver mapas da expansã o geográfica destes biomas
nas Figuras 14- 7 e 14-8). O período de « utilização da humidade do solo» representa,
para a comunidade tomada como um todo, o per í odo principal da produ çã o primá ria
e determina assim a previsão de alimento dispon í vel para os consumidores e decom-
positores durante todo 0 ciclo anual. Note-se que na regi ã o de florestas caduci-
fó lias é presum í vel que a água só seja severamente limitante no fim do Verão,
198

com mais destaque na parte sul do que na parte norte desta região. A vegetação
ind ígena est á adaptada a resistir às secas periódicas de Verão, poré m algumas cul¬
turas agr ícolas que nela crescem n ão o est ão. Depois de várias experiê ncias amargas
com muitos fracassos culturais nos fins de Verão, os agricultores no sul dos Estados
Unidos da Am é rica, por exemplo, est ão finalmente a proporcionar rega no fim do
Ver ão. Na regi ão* de chuva de Inverno, a principal esta ção de produ ção é o fim do
Inverno e a Primavera, ao passo que no deserto a esta ção de crescimento é mais
reduzida.
Em geral, a classificação dos tipos clim á ticos baseada em í ndices temperatura-
- humidade correspondem bem a zonas de cultivo ( Klages, 1942) e a zonas ve -
getativas gerais. Por é m , os tipos de clima estabelecidos pelos climatologistas são
frequentemente demasiado amplos para que sejam teis ao ecologista em situações
locais, pelo que é com frequê ncia necessá rio estabelecer subdivis ões baseadas na
comunidade biótica (ver Daubenmire, 1959).
Os climogramas, ou gráficos em que um factor climático principal é repre ¬
sentado relativamente a outro, representam outro método til da representa ção grá ¬

fica da temperatura e da humidade combinadas. Nos gráficos da temperatura-queda


pluviomé trica ou temperatura-humidade são assinalados valores mé dios mensais
com a escala de temperatura no eixo vertical e a humidade ou a queda pluviomé¬
trica no eixo horizontal, como se ilustra na Figura 5-10. Os meses sã o indicados
por n ú meros, a come çar por Janeiro. O polígono de 12 lados resultante faculta uma
«imagem » das condições temperatura- humidade e torna possí vel comparações gráficas
de um conjunto de situações com outro. Os climogramas t ê m sido ú teis na compa¬
ração de áreas entre si ( Figura 5-10C) e como um auxiliar para testar a importân ¬
cia das combina ções da temperatura- humidade como factores limitantes ( como na
Figura 5-10 4 e B ) . A marca ção de outros pares de factores també m pode ser ins¬
/

trutiva, por exemplo, a representação da temperatura e da salinidade em ambientes


marinhos (ver Figura 12-3, página 527 ).
As câ maras climáticas proporcionam outro m étodo eficaz de estudar combina¬
ções de factores f ísicos. Estas variam desde simples salas de temperatura- humidade
em uso na maior parte dos laboratórios at é grandes estufas controladas, tal como o
«fitotrão» onde pode ser mantida qualquer combinação desejada de temperatura,
humidade e luz. Estas câ maras são com frequ ê ncia projectadas para controlar as
condições ambientais com a finalidade do investigador poder estudar a gen é tica e
a fisiologia das espé cies cultivadas ou domesticadas. Podem , poré m, ser ú teis para
-
os estudos ecol ógicos, especialmente quando é possível simular ritmos naturais na
temperatura e na humidade . Como já se salientou , as experiê ncias deste tipo ajudam
a isoiar factores que podem ser «funcionalmente significativos», poré m apenas podem
revelar uma parte da hist ória dado que muitos aspectos significativos do ecossistema
199

não podem ser reproduzidos no interior, devendo sim ser estudados ou experimenta ¬
dos ao ar livre.
5. GASES ATMOSFé RICOS. Excepto no que se refere às grandes varia ¬
ções em maté ria de vapor de água já examinadas sob o t í tulo «água» , a atmosfera
da maior parte da biosfera é notavelmente homeost ática. De forma interessante,
a presente concentração de di óxido de carbono ( 0,03 por cento em volume) e de
oxig é nio (21 por cento em volume) é um tanto limitante para muitas plantas supe ¬
riores. Sabe-se bem que a fotoss í ntese em muitas plantas pode aumentar com acr és ¬
cimo moderado na concentração de C02 , por é m já n ão se sabe t ã o bem que redu ¬
zindo experimentalmente a concentração de oxig é nio se pode també m aumentar
a fotoss í ntese. Bjõrkman e seus colaboradores (*), deram not í cia que os feijoeiros e
muitas outras plantas aumentaram a sua taxa fotossint ética em nada menos de 50
por cento quando a concentração de oxig é nio em redor das suas folhas foi reduzida
para 5 por cento. Considerou -se que a inibição devida ao oxig é nio é provocada por
uma retro-reacção entre um produto fotossintético interm é dio altamente reduzido
e o oxig é nio molecular que aumenta com a concentração de 02. Certas gram í neas
tropicais, incluindo o milho e a cana-de- açú car , nã o apresentam inibi ção ao oxig é nio
porventura por utilizarem um diferente « padr ão» para a fixaçã o do di óxido de car ¬
bono. Pode admitir -se que a raz ã o para esta situa ção est á no facto das plantas de
folha larga haverem evolucionado numa altura em que a concentração de C02 era
mais alta e a de 02 mais baixa do que presentemente , como ficou descrito na
Secção 4, Capítulo 9.
O oxig é nio torna-se limitante para os anaer ó bios e o C02 aumenta nos solos
e nos sedimentos com a profundidade (també m nos corpos dos grandes animais,
sendo o r ú men do gado um sistema anaer ó bio) ; isto traduz-se numa redu çã o na
taxa de decomposição, cuja importância foi examinada em profundidade no Capí ¬
tulo 2 ( ver també m Figuras 9-9 e 12-13). O papel do homem nos ciclos de C02 foi
largamente analisado no Capítulo 4.
A situação nos ambientes aqu áticos é muito distinta da que ocorre nos am ¬
bientes atmosfé ricos uma vez que as quantidades de oxig é nio, di óxido de carbono
e de outros gases atmosfé ricos dissolvidos na água, e assim dispon í veis para os
organismos, variam muito com o tempo e com o lugar. O oxig é nio é um factor
limitante de A-l, especialmente nos lagos e nas águas com uma pesada carga de
material org â nico. Sem embargo do oxig é nio ser mais solú vel na água do que o
azoto, a quantidade real de oxig énio que a água pode conter nas condições mais
favor á veis é muito menor do que a que se encontra constantemente presente na
atmosfera. Assim, se 21 por cento do volume de 1 litro de ar é oxig é nio, haver á
210 cm 3 de oxig é nio por litro. Em contraste, a quantidade de oxig é nio por litro de
(*) Ver o Relat ó rio Anual do Presidente da Carnegie Institution of Washington , 1966- 67 , página 66 ;
e tamb é m Bjõ rkman , 1966.
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Figura . 5-10. Climogramas de temperatura humidade. A . m é dias mensais de temperatura e


percipita çã o para Havre, Montana, onde foi introduzida com ê xito a perdiz h ngara, e Columbia,
Missouri, onde essa introdução ffà cassou, comparadas com as condiçõ es mé dias na área europeia d ê
cria. (Reproduzido de Twomey, 1936. ) B. Condições de temperatura e humidade em Tel Aviv, Israel,
para dois anos diferentes, comparadas com as condi ções óptimas (rect ângulo interior) e favor á veis (rect ân-
gulo exterior ) para a mosca mediterr ânea da fruta. Os danos causados nas laranjas foram muito maiores
em 1927. (De Bodenheimer, 1938.) C. Climogramas de temperatura pluviosidade para A, costa da
Ge órgia ( nivel do mar ), e B, Ge órgia setentrional ( altitude de-2000 a 3000 p é s). Em A, umas esta ções
h midas e secas pronunciadas s ão a variante estacionai consp í cua, caracterí stica de um clima subtropical,
ao passo que em B, as diferen ç as sazonais na temperatura são mais pronunciadas do que as altera çõ es na
pluviosidade. A vegeta çã o do clí max climá tico ( ver página 423 para efeitos de definiçã o deste termo)
na localidade costeira é uma floresta perenifólia de folha larga ( ver Figura 14- 19 ), enquanto que na área
mais setentrional é uma floresta temperada caducifólia ( ver Figura 14- 12,4).

água não excede 10 cm3. A temperatura e os sais dissolvidos afectam grande ¬

mente a capacidade da água para conter oxig énio, aumentando a solubilidade do


oxigénio com as baixas temperaturas e decrescendo por acção de salinidades ele-
201

vadas. A provisão de oxig é nio na água vem principalmente de duas fontes, por
difusão do ar e por acção da fotossíntese das plantas aquáticas. O oxig é nio difun ¬
de-se na água muito lentamente a menos que ajudado pelo vento e movimentos
da água, ao passo que a penetraçã o da luz é um factor da m áxima import ância
na produ ção fotossinté tica de oxig é nio. Portanto, devem esperar-se importantes
varia ções diá rias, sazonais e espaciais na concentra çã o de oxig é nio dos meios aquá ¬
ticos . Na Parte 2 serão considerados detalhes da distribuiçã o do oxig é nio e sua
relação com as comunidades aqu á ticas.
O di óxido de carbono, à semelhan ça do oxig é nio, pode estar presente na
água em quantidades altamente variáveis, embora nela o seu comportamento seja
bem diferente e a sua ecologia se não encontre bem conhecida. É portanto difí¬
cil fazer afirma ções acerca do seu papel enquanto factor limitante. Embora presente
em baixas concentrações no ar , o dióxido de carbono é extremamente sol ú vel na
água, que tamb é m obt é m grandes abastecimentos a partir da respiração, da decom ¬
posi çã o e de fontes do solo ou subterrâ neas. Assim , o « m í nimo» é provavelmente
de menos import ância do que no caso do oxig é nio. Al é m do mais, ao contr ário
do oxig é nio, o dióxido de carbono reage com a água para formar H 2C03 , que por
seu turno reage com pedras calcá rias dispon í veis para formar carbonatos ( C03)
e bicarbonatos ( HC03). Como se ilustra na Figura 4- SA , o sistema de carbonatos
dos oceanos constitui um compartimento de dep ósito principal do C02 biosf é rico.
Estes compostos n ão s ó facultam uma fonte de nutrientes, mas actuam també m
como tampã o, ajudando a conservar a concentração do ião de hidrogénio dos
ambientes aquáticos pr ó ximo do ponto neutro. Acr éscimos moderados de C02 na
água parecem acelerar a fotossí ntese e os processos de desenvolvimento de muitos
organismos. Já foi mencionado que o enriquecimento em C02 pode ser fundamen ¬
tal na eutroficaçã o cultural ( ver página 168 ; e tamb é m Lange , 1967; Kuentzel ,
1969). Concentraçõ es elevadas do C02 podem ser decisivamente limitantes para os
animais, especialmente porque essas concentrações elevadas est ão associadas com
concentrações baixas de oxig é nio. Os peixes respondem rigorosamente a altas con ¬

centrações e podem morrer se a água se encontra demasiadamente carregada de


C02 livre .
A concentração dos i ões de hidrog é nio, ou pH, est á intimamente relacionada
com o complexo do di óxido de carbono ( ver página 91 ) e, sendo relativamente
fá cil de medir , tem sido muito estudada nos ambientes aquá ticos naturais. Durante
o reviver nos princípios do século XX do interesse pelo estudo ecol ógico organi ¬

zado, o pH foi considerado como um importante factor limitante, assim como um


indicador geral promissor para determinar as condições ecológicas gerais de ambien ¬
tes aqu á ticos; por é m n ã o se provou ser este o caso. O quadro de um ecologista
viajar para a sua campanha apenas equipado com um dispositivo de medi çã o do pH
era muito comum . O fisiologista, olhando para fora pela janela do seu laborat ó-
202

rio, provavelmente sorria com tolerância, uma vez que o interesse inicial em mat é ¬
ria de pH no trabalho ecológico se ficou a dever à descoberta pelo fisiologista que
o pH era muito importante na regula ção da respira ção e dos sistemas de enzimas
no interior do corpo, sendo críticas diferen ças muito pequenas . A menos que os
valores sejam extremos, as comunidades compensam-se das diferen ças por mecanimos
já descritos neste cap ítulo e apresentam uma ampla toler â ncia para as amplitudes
que ocorrem naturalmente . Contudo, quando a alcalinidade total é constante , a al¬
tera çã o do pH é proporcional à altera ção do C02, e portanto constitui um indicador
til da taxa ou taxas do metabolismo total da comunidade ( fotoss í ntese e respira ¬
ção), como ficou descrito na Secção 3 do Cap ítulo 3. Os solos e as águas de baixo pH
( isto é, «á cidos») sã o muito frequentemente deficientes em nutrientes e de baixa
produtividade .

6. SAIS BIOG é NICOS : MACRONUTRIENTES E MICRONUTRIENTES. OS sais


dissolvidos vitais para a vida podem designar-se convenientemente por sais bio ¬

g énicos. J á foram apresentados vá rios exemplos sobre a sua import â ncia como
factores limitantes no solo e na água. De facto, a «lei» original de Liebig do m í ¬
nimo baseou -se em grande parte na acçã o limitante de mat é rias- primas vitais que
são escassas ou variá veis no ambiente . Como já ficou indicado, os sais de azoto e de
fósforo revestem-se da maior import â ncia, e o ecologista procederá bem come çando
como rotina por efectuar o seu exame. Hutchinson (1957) descreve o caso em rela ¬

ção ao f ósforo como factor limitante em A - l como se segue : «De todos os ele ¬
mentos presentes num organismo vivo, é prov á vel que o f ósforo seja ecologica ¬
mente o mais importante, uma vez que nos organismos a razão do f ósforo para os
outros elementos tende a ser consideravelmente maior do que a razão nas fontes
primá rias dos elementos biol ógicos. A defici ê ncia de f ósforo é portanto provavel ¬
mente mais capaz de limitar a produtividade em qualquer regi ão da superf í cie da
Terra do que a deficiê ncia em qualquer outro material com a excepçã o da água».
Como se discutiu no Cap í tulo 4 o homem cria a ritmo crescente situações em que
o excesso mais do que a escassez se torna limitante.
Seguindo de perto as pisadas do azoto e do f ósforo, o pot ássio, o cálcio,
o enxofre e o magn ésio merecem grande atenção. O cá lcio é necessá rio em quanti ¬
dades especialmente grandes pelos moluscos e os vertebrados, e o magn ésio é um
constituinte necessário da clorofila, sem a qual nenhum ecossistema pode funcionar.
Os elementos e os seus compostos necessá rios em quantidades relativamente grandes
designam -se com frequ ê ncia por macronutrientes .
Nos anos recentes tem - se desenvolvido um grande interesse pelo estudo
de elementos e respectivos compostos que , sendo embora necessá rios para o funcio¬
namento dos sistemas vivos, apenas o são em quantid á des extremamente diminutas,
muitas vezes como componentes de enzimas vitais. Estes elementos sã o geralmente
203

denominados elementos m í nimos, oligoelementos ou micronutrientes. Uma vez que


necessidades diminutas parecem estar associadas com uma ocorr ê ncia no ambiente
igualmente diminuta ou at é mais pequena , os micronutrientes t ê m import â ncia como
factores limitantes. O desenvolvimento de mé todos modernos de microqu í mica,
espectrografia , difracçã o por raios-X e ensaios biol ógicos t ê m aumentado grandemente
a capacidade humana para medir mesmo os quantitativos mais pequenos. Tamb é m a
disponibilidade dos is ótopos radioactivos de muito dos elementos m í nimos estimulou
grandemente os estudos experimentais. Conhecem -se desde h á muito tempo, pelo
menos de uma forma geral, doen ças de defici ê ncia motivadas pela aus ê ncia de ele ¬
mentos m í nimos. Tê m sido observados em laborat ó rio sintomas patol ógicos em
plantas dom é sticas e silvestres e em animais. Sob condi ções naturais os sintomas
de deficiê ncias deste tipo est ão algumas vezes associados com uma hist ória geoló¬
gica peculiar e algumas vezes com um ambiente deteriorado, com frequ ê ncia resul ¬
tante directamente do med í ocre ordenamento realizado pelo homem . Um exemplo
de uma hist ó ria geol ógica peculiar encontra-se na Florida do Sul. Os solos orgâ¬
nicos desta região potencialmente produtivos não correspondiam às expectativas
( para a cultura agrí cola ou a produ çã o de gado) at é se descobrir que esta regi ã o
sedimentar tinha falta de cobre e de cobalto, usualmente presentes na maior parte
das regiões. Na página 151 discutiu -se um caso poss í vel de deficiê ncia de micronu ¬
trientes resultante de alterações no ordenamento da á rea terrestre.
Eyster (1964) enumera dez micronutrientes que se sabe sem qualquer d ú vida
serem essenciais para as plantas. São eles ferro, mangan ê s, cobre, zinco, boro,
sil í cio, molibd é nio, cloro, van á dio e cobalto. Em termos de fun ção estes podem
dispor-se em tr ês grupos corno se segue : (1) os que sã o necessários para a fotos-
sí ntese: Mn , Fe, Cl , Zn e V; (2) os que são necessá rios para o metabolismo do
azoto : Mo, B, Co, Fe; (3) aqueles que s ão necessários para outras fun ções meta ¬
bólicas : Mn, B, Co, Cu e Si. A maior parte deles são tamb é m essenciais para os
animais, e um pequeno n ú mero de outros, como seja o iodo, são essenciais para
certos animais, como por exemplo os vertebrados. A linha divisória entre macro e
micronutrientes n ão é, certamente , estrita nem a mesma para todos os grupos de
organismos; o sódio e o cloro, por exemplo, ser ã o necessá rios em maiores quanti ¬
dades para os vertebrados do que para as plantas. O s ódio é com frequ ê ncia, de facto,
adicionado à lista anterior como um micronutriente para as plantas. Muitos dos mi ¬
cronutrientes assemelham -se às vitaminas porquanto actuam como catalisadores. Os
metais menores combinam- se com frequ ê ncia com compostos orgânicos para formar
« metalo-activadores»; o cobalto, por exemplo, é um elemento constitutivo da vita¬
mina B|2. Goldman (1965) documentou um caso em que o molibd é nio é limitante
para um ecossistema inteiro ao ter verificado que a adiçã o de 100 partes por mil
milh ões à água de um lago de montanha aumentava a intensidade da fotoss í ntese.
Tamb é m verificou que no mesmo lago a concentraçã o do cobalto era suficiente-
204

mente alta para inibir o fitopl âncton. Como acontece com os macronutrientes, também
uma quantidade excessiva pode ser limitante.
7. CORRENTES E PRESSõES. Os meios atmosf é rico e hidrosf é rico em que os
organismos vivem n ã o est ã o com frequ ê ncia completamente quietos durante um
dado per í odo de tempo. As correntes na água n ã o só influenciam grandemente a
concentra çã o de gases e nutrientes, como actuam directamente como factores li-
mitantes. Assim, as diferen ças entre a comunidade de um rio e a de um pequeno
tanque ( ver Capítulo 11, Secçã o 7) podem ser devidas em boa medida à grande dife ¬
ren ça no factor corrente. Muitas plantas e muitos animais de um curso de água est ã o
especificamente adaptados morfol ógica e fisiologicamente à manuten ção da respectiva
posi çã o na corrente e sabe -se terem limites de tolerâ ncia muito definidos a este
factor específico. Em terra, o vento exerce de forma semelhante um efeito limitante nas
actividades e at é na distribuiçã o dos organismos. As aves, por exemplo, mant ê m -se
quietas em lugares protegidos em dias ventosos, que sã o, portanto, ocasi õ es impr ó prias
para o ecologista tentar realizar o censo de uma popula çã o de aves. As plantas podem
ser estruturalmente modificadas pelo vento, em especial quando outros factores tam ¬
bé m sã o limitantes, como nas regi õ es alpinas. Whitehead (1956) demonstrou experi ¬
mentalmente que o vento limita o crescimento das plantas nos locais expostos das
montanhas. Quando levantou uma parede para proteger a vegetaçã o do vento, a altura
das plantas aumentou . Os temporais assumem uma import â ncia principal , mesmo que
apenas tenham uma expressã o local. Os furacõ es ( tal como os ventos usuais ) transpor ¬
tam animais e plantas a grandes dist â ncias e , quando levantam terra, os ventos podem
alterar a composi çã o de comunidades florestais por muitos anos. Tem-se observado
que os insectos se espalham mais rapidamente na direcçã o dos ventos dominantes do
que em outras direcções para á reas que parecem oferecer iguais oportunidades de es¬
tabelecimento das esp é cies. Em regiões secas, o vento é um factor limitante para as .
plantas especialmente importante , uma vez que aumenta o ritmo da perda de água por
transpira çã o. Sã o necessá rios bons estudos cr í ticos sobre o efeito do vento. Face à *
preocupa çã o com a temperatura e a humidade , os ecologistas negligenciaram este im ¬

portante factor.

A pressã o baromé trica n ã o se tem revelado como um importante factor limi ¬


tante directo para os organismos, embora alguns animais pare çam capazes de detectar
diferen ças, e, naturalmente , a pressão atmosf é rica tenha muito a ver com o tempo e
com o clima que são directamente limitantes para os organismos. No oceano, por é m,
a pressã o hidrost á tica tem import â ncia dado o enorme gradiente desde a superf í cie at é
aos n í veis mais fundos. Na água a pressão aumenta uma atmosfera por cada 10 metros.
Na parte mais funda do oceano a pressã o atinge 1000 atmosferas. Muitos animais
podem tolerar varia ções amplas na pressã o , especialmente se o corpo nã o cont é m ar
livre ou gás. Quando o cont é m, poderá desenvolver-se embolia gasosa. Em geral , as
205

grandes press ões como as que se encontram no fundo do oceano exercem um efeito
depressivo, pelo que o ritmo de vida é mais lento.
8. SOLO. É algumas vezes conveniente idealizar a biosfera como constitu í da
pela atmosfera, a hidrosfera e a pedosfera, sendo a ltima o solo. Cada uma destas di ¬
vis ões deve muito dos seus aspectos caracter ísticos a reacções e coacções ecol ógicas
dos organismos e a interacções dos ecossistemas e dos ciclos bá sicos entre si . Cada
qual é composta por um componente vivo e um n ã o vivo mais facilmente separ áveis
numa base te órica do que pr ática. Os componentes bi óticos e abi óticos est ão em
especial intimamente ligados no solo, que por defini ção consiste de uma camada
meteorizada da crosta terrestre com organismos vivos e produtos da respectiva decom ¬

posi ção misturados uns com os outros. Sem vida, a Terra teria uma crosta e poderia
ter ar e água, por é m o ar e a água, e especialmente o «solo» , seriam inteiramente di ¬
ferentes destes componentes tal como os conhecemos. Assim, o solo n ão é apenas
um «factor» do ambiente dos organismos como é també m produzido por eles ( os
organismos do solo e o metabolismo do solo sã o considerados no Capitulo 14, Sec ¬

ção 4). Em geral, pensa-se no solo como o resultado lí quido da acção do clima e dos
organismos, especialmente a vegeta ção, sobre o material origin á rio ou rocha m ã e da
superf í cie da Terra. Assim o solo é composto de um material origin á rio, de um
substrato subjacente geol ógico ou mineral , e um adicional orgâ nico no qual organismos
e os respectivos produtos se encontram misturados com part ículas finamente divididas
do material origin á rio, ou rocha mãe, modificado. Os espa ços entre as part í culas est ã o
cheios com gases e água. A textura e a porosidade do solo são características alta ¬
mente importantes e determinam em larga medida a disponibilidade de nutrientes
para as plantas e os animais do solo.
Caso se examine o corte de uma barreira ou de uma cova (Figura 5-11), verifi ¬
car-se-á ser o solo composto de camadas distintas que muitas vezes diferem na cor.
Estas camadas designam-se por horizontes do solo, e a sequ ê ncia dos horizontes a
partir da superfície designa-se por perfil do solo. O horizonte superior, ou horizonte A
( « solo superior»), é composto por corpos de plantas e de animais que est ão a ser
reduzidos a material org â nico finamente dividido pelo processo conhecido por
humificação , um conceito introduzido no Cap í tulo 2 ( página 43 ) e descrito mais
detalhadamente* no Capítulo 14 ( página 588 ). Num solo maduro este horizonte é
usualmente subdividido em camadas distintas representando est ádios conhecidos
de humificação. Estas camadas (Figuras 5- 11 e 5- 12) são designadas (a partir da
superfície ) por folhada (A-0), h ú mus ( A - l) e zona lixiviada (A-2) de cor clara. A
camada A-0 é algumas vezes subdividida em A- l (folhada propriamente dita) , A-2
( camada hum ífera) e A-3 ( terra vegetal). O horizonte folhada ( A-0) representa o
componente detritos e é considerado no Cap í tulo 14 ( página 589 ) como uma espé cie
de subsistema ecol ógico. O horizonte principal seguinte, ou horizonte B, é composto
de solo mineral em que os compostos org â nicos foram convertidos pelos decompo-
206

Figura 5 - 11. Perfil do


solo de uma á rea virgem
comparado com o de uma
á rea erosionada na regiã o da
floresta caducif ó lia. Na fi¬
gura da esquerda, 1 - 2 repre-

,
mada B (acumulação de ma ¬
terial lixiviado ) . Comparar
com a Figura 5 - 12 . ( Foto ¬
grafia do U. S. Soil Conser-
vation Service .)

sitores em compostos inorgâ nicos pelo processo da mineralização e completamente


misturados com o material origin á rio finamente dividido. Os materiais sol veis do
horizonte B são com frequ ê ncia formados no horizonte A e depositados no ho¬
rizonte B, ou lixiviados pela corrente de água descendente. A banda escura na
Figura 5- 11 representa a parte superior do horizonte B onde os materiais se acumu ¬
lam. O terceiro horizonte , ou horizonte C , representa o material originá rio, ou rocha
mãe , mais ou menos intacto. Este material originá rio pode representar a forma ção
mineral original ( rocha m ãe ) que é desagragada no local ou pode ter sido transpor ¬
tada para o local por gravidade ( depósito coluvial), pela água ( dep ósito aluvial),
pelos glaciares ( depósito glaciá rio ) , ou pelo vento ( dep ósito eó lico ou «loess» ). Os
solos transportados sã o com frequ ê ncia extremamente f é rteis (atestam- no os solos
fundos de «loess» em Iowa e os solos ricos dos deltas dos grandes rios).
O perfil do solo e a espessura relativa dos seus horizontes são geralmente
caracterí sticos para as diferentes regiõ es climá ticas e para situações topográficas
( Figuras 5-12 e 5-13 ). Assim os solos das pradarias diferem dos solos florestais
pelo facto da humificação ser rápida embora a mineraliza çã o lenta. Uma vez que a
planta herbácea toda ela, incluindo as ra í zes, é de vida curta, adicionam-se cada ano
grandes quantidades de material org â nico que se decompõem rapidamente, deixando
uma pequena folhada ou manto, embora muito h mus. Na floresta a folhada e as
ra ízes decomp õem-se lentamente e , uma vez que a mineralização é r á pida, a camada
de h ú mus mant é m-se estreita ( Figura 5-12 ). Por exemplo, o teor m é dio de h ú mus
207

de um solo de pradaria é de cerca de 1500 toneladas por hectare, em compara çã o


com umas 125 toneladas por hectare nos solos florestais ( Daubenmire, 1947). Numa
zona de floresta e pastagem ( ver Figura 5-13) em Illinois pode- se facilmente dizer pela
cor do solo quais dos actuais campos de cereal eram de pradaria ou de floresta : o
solo da pradaria é mais escuro, devido ao seu elevado teor em h mus. Caso ocorra
uma adequada queda pluviom étrica, não é por acaso que «os celeiros do mundo» se
encontram localizados nas regiões de pradaria.
As condições topogr áficas influenciam grandemente o perfil do solo no inte¬
rior de uma dada região clim ática. As terras de montanha ou bem drenadas, es ¬

pecialmente se mal utilizadas pelo homem , tendem a ter horizontes A e B delgados


devido à erosão ( Figura 5-12). Em terrenos planos a água pode arrastar rapidamente
materiais para camadas mais fundas, formando algumas vezes uma «camada dura
ou durimperme » atravé s da qual as ra ízes das plantas, os animais e a água não podem
penetrar . A Figura 9-7 ilustra um caso extremo de uma situa ção de camada dura
e o efeito resultante sobre a vegeta ção. Situa ções mal drenadas como os pâ ntanos
favorecem a acumula ção de h mus, uma vez que o fraco arejamento atrasa a decom ¬
posiçã o. A falta de oxig é nio e a acumula çã o de dió xido de carbono ou outros produtos
t óxicos tornam-se factores limitantes severos. Algumas vezes solos desenvolvidos
em locais mal drenados são extremamente produtivos se forem adequadamente dre¬
nados como o atestam os solos hum íferos da Florida atr ás mencionados, que
passam por ser dos mais produtivos solos do mundo, se convenientemente tratados.
A dificuldade está em que « maneio adequado» envolve problemas dif íceis tanto
ecol ógicos como de engenharia, porque o cultivo de tais solos aumenta grandemente
a oxida ção da maté ria org â nica acumulada e, com o tempo, destr ói algumas das
caracter ísticas estruturais que tornam tais solos t ão favor á veis no in ício. A maneira
de evitar a «surriba » de tais solos não tem recebido a atençã o adequada porque
os agricultores est ão com frequ ê ncia apenas interessados nas produções imediatas que
se podem obter. Os problemas especiais da utiliza ção dos solos tropicais e a neces¬
sidade de novos mé todos para essa utiliza ção foram discutidos no Cap ítulo 4, Sec¬
ção 6 ( ver també m Capítulo 14).
A classificaçã o dos tipos de solo tornou-se uma mat é ria altamente emp írica.
O especialista de solos pode reconhecer dezenas de tipos de solos no interior dos
limites de um departamento ou de um estado. Encontram-se largamente dispon í¬
veis nas entidades departamentais e estatais de conserva çã o do solo e nas univer ¬
sidades estatais cartas dos solos locais. Tais cartas e as descriçõ es dos solos que
as acompanham facultam uma base ú til para estudos dos ecossistemas terrestres.
O nome para um tipo de solo local é composto do nome da localidade onde foi
pela primeira vez descrito e de uma expressã o que indica o tipo de textura. Por
exemplo, o solo argilo-arenoso de Norfolk refere-se a um solo descrito pela pri ¬

meira vez perto de Norfolk que tem uma textura grosseira ( uma elevada propor-
208

FLORESTA FLORESTA
CADUCIFÔ LIA DE CON Í FERAS PRADARIA

--
A 0
A 1
A
A- 2

B - 1 isíBlil
kte í
B
-
B 2

535?° |oo

.« 0 A

ACUMULAÇÃ O
C
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DE C Á L ÍÍ IO

PODZ0 LICO PODZOL CHERNOZEM


PARDO.- ACINZENTADO
v PEDALFER ' PEDOCAL

Figura 5-12. Diagramas simplificados de tr ê s tipos principais de solos que sã o caracter ísticos
das tr ê s principais regi õ es bi ó ticas . Ver legenda da Figura 5- 14.

ção de areia para o sedimento argiloso, isto é, «solo-franco» ), O ecologista deverá


fazer naturalmente, no estudo da á rea, mais do que designar apenas o solo. No
m í nimo, deverão ser feitas medições de trê s importantes atributos pelo menos
nos horizontes A e B como a seguir se indica: (1) textura, isto é, a percentagem
de areia, sedimento e argila ( ou uma determinação mais detalhada da dimensã o das
part í culas), ( 2 ) a percentagem de mat é ria orgâ nica , e (3) a capacidade de troca , isto é,
uma estimativa da quantidade de nutrientes de troca. Como se salientou no Capí¬
tulo 4, os minerais «dispon íveis», mais do que a quantidade total , determinam a fer ¬
tilidade potencial, sendo favor áveis as outras condições.
Uma vez que o solo é 0 produto do clima e da vegetação, o mapa dos
principais tipos de solos do mundo ( Figura 5-14) converte-se num mapa complexo
de climas e vegetações (Figura 5-15). Face a um material originário favorá vel a
acção dos organismos e do clima tenderá a formar um solo característico da re¬
giã o ( comparar a Figura 5-14 com 0 mapa das comunidades bióticas, Figura 14-7).
De um ponto de vista ecológico amplo, os solos de uma dada região podem ser
>

divididos em dois grupos, aqueles que são fundamentalmente controlados pelo clima
e a vegetação da região e aqueles que são principalmente controlados pelas condições
ed áficas e topogr áficas locais, pelo n ível da água, ou pelo tipo de material origi ¬
n á rio. Como será examinado em maior detalhe no Capítulo 9, as condições locais
ou edáficas s ão mais importantes (1) nas regiões que são ecologicamente novas e
naquelas em que 0 clima e a vegeta çã o ainda nã o foram capazes de «construir»
209

A
jr
A2 I -
-B
B
r •
.
3'

5
b
- Loess calcareo
-5 '

Podzó lico Transi çã o Pradaria


pardo - acinzentado

-
Figura 5 13. Rela ções solo- vegetaçã o numa zona de transi çã o entre floresta e pradaria . Sob a
influ ê ncia de clima e de vegeta çã o diferentes, desenvolvem -se solos manifestamente distintos a partir
do mesmo material origin á rio ( neste caso, loess calcá reo, ou horizonte C transportado pelo vento).
O decréscimo em mat é ria org â nica, o desenvolvimento de um horizonte A podz ólico (com uma camada
de h ú mus delgada, ver Figura 5- 12) e o aumento do desenvolvimento estrutural do horizonte B sã o os
tra ços principais que distinguem os solos florestais dos solos de pradaria. (Segundo Crocker, 1952.)

um manto de solo uniforme e (2) nas regiões onde o clima é extremo, como
nos desertos, por exemplo, onde pequenas diferen ças no solo podem provocar gran ¬
des diferen ças nas comunidades bióticas resultantes. Consequentemente , o grau de
maturidade do solo (isto é , a extensã o em que o equil íbrio entre o solo, o clima
e a vegeta ção foi alcan çado) varia grandemente com a região. Wolfanger (1930),
por exemplo, avaliou que 83 por cento dos , solos em Marshall County, Iowa , são
maduros em comparação com apenas 15 por cento em Bertie County , North Ca-
rolina, que se encontra localizada na Plan í cie Costeira «geologicamente nova».
É importante destacar que o papel desempenhado pelo «tipo de solo» na função do
ecossistema depende do est ádio de desenvolvimento geológico e ecológico ( no Cap í tulo 9
voltar-se- á a este assunto).
Tendo em vista um adequado estudo geral do solo, dever á referenciar-se
Russell (1957), Eyre (1963) e Black (1968), enquanto que est ã o referenciados na
página 597 livros que respeitam mais especificamente aos organismos do solo.
9. O FOGO COMO FACTOR ECOLóGICO. A investigação feita durante os
ú ltimos 40 anos imp ôs uma reorientação bastante dr ástica nas ideias existentes
sobre o fogo enquanto factor ecol ógico. É agora evidente que o fogo n ã o é um
factor menor ou anormal , mas sim um factor principal que é , e tem sido durante
sé culos, pouco menos do que um elemento do «clima» normal na maior parte dos
ambientes terrestres do mundo. Consequentemente , as comunidades bi ó ticas
adaptam -se e compensam -se relativamente a este factor como o fazem quanto à
temperatura ou à água. Tal como com a maior parte dos factores ambientais, o
homem tem modificado grandemente o seu efeito, incrementando a respectiva
influ ê ncia em muitos casos e reduzindo-a noutros. O não se ter reconhecido que os
ecossistemas podem estar «adaptados ao fogo» deu como resultado um elevado grau
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SOLOS PARDOS FLORESTAIS, ETCMS
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ÍMTERRA ROSSA , MARGAS VERMELHAS,
SOLOS VERMELHOS E AMARELOS)
CHERNOZEMS | - ::. ] SIER 0ZEMS E SOLO DE DESERTO
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SOLOS DE PRADARIA E \ SOLOS CASTANHOS SOLOS DAS MONTANHAS E DOS
SEGUNDO KSSSCHERNOZEM DEGRADADO Jv E PARDOS VALES DE MONTANHA ( COMPLEXO)
GLINKA ,
MARBUT \ A - MATERIAL DO SOLO EM GRANDE PARTE DE ORIGEM ALUVIAL
\ / / /
E OUTROS 6
°100 150 i ro 9 O 60 50 0 5O 9O I 2P 150

Figura 5- 14. Mapa esquem ático dos principais tipos de solos do mundo. N ã o só são evidentes as diferen ças entre norte
e sul , como també m as entre este e oeste, relacionadas com a queda pluviom é trica. Os solos podzólicos e later í ticos das regi ões
h ú midas são, com frequ ê ncia, conhecidos por «pedalfers» por motivo da acumula ção de ferro e alum í nio nos horizontes B, enquanto
que os «chernozems» e outros solos das regi ões mais á ridas são « pedocals», dada a acumula çã o de cálcio ( ver Figura 5 12). Em
anos recentes, tem sido proposto para os tipos de solos zonais um conjunto de nomes mais uniforme e descritivo, tendo cada
-
nome a mesma raiz «sol». Assim , o podzol sententrional converte-se em spodosol ( = acinzentado), o tipo de pozólico pardo-acin -
zentado temperado em alfizol ( Al- Fe, referindo a acumula çã o mineral de B 2) , o solo de pradaria em aridisol, e o solo later í tico
tropical em oxisol ( = oxidado). ( Mapa do U. S. Department of Agriculture Yearbook , 1938.)
211

de «mau ordenamento» dos recursos naturais pelo homem. Convenientemente utili¬


zado, o fogo pode ser um instrumento ecológico de grande valor. O fogo é assim
um factor limitante extremamente importante, se n ão fora outra razão porque a huma¬
nidade é capaz de o controlar em maior extensão do que o pode fazer com muitos
outros factores limitantes.

FRIO SECO FRIO H Ú MIDO

A DISTRIBUI ÇÃO DE : NEVE PERPÉ TUA E GELO

TUNDRA
<
TAIGA
( SUB Á RCTICO ) £
1.. TIPOS
CLIM ÁTICOS
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CALOR SECO PRECIPITAÇÃO CALOR H Ú MIDO

NEVE PERP É TUA E GELO

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2. FORMAÇÕ ES co VEGETAÇÃO
Cf )
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VEGETAIS
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II 1S 8 tu O
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NEVE PERPÉ TUA E GELO

SOLOS DE TUNDRA

3. PRINCIPAIS GRUPOS PODZÔ IS SOLOS


DE SOLOS ZONAIS
o
£ O <
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UJ < SOLOS PODZÔ LICOS
UJ
O < N
O -
PARDO ACINZENTADOS
O
O £
Q
I SOLOS TICcS
LATER Í
VERMELHOS E AMARELOS
O
O
o
Cf )
5 O
LATERITES
Cf )
O
Cf)
SOLOS VERMELHOS

Figura 5-15. Representaçã o esquem á tica que ilustra a inter-relação do clima, forma ções vegetais,
e grupos de solos zonais. ( De Oosting, 1952 , 2.a ed ., segundo Blumenstock e Thorntwaite.)
212
O fogo é mais importante nas regi ões de floresta e de pradaria das zonas
temperadas e nas á reas tropicais com esta ções secas. Os arquoologistas consideram
correntemente as provas de utiliza çã o deliberada do fogo pelo homem como o primeiro
« sinal » do desenvolvimento humano. Em muitas partes do oeste e do sueste dos
Estados Unidos da Amé rica, seria dif ícil encontrar uma área de certa extensã o que
não revele ter sido percorrida pelo fogo durante os ú ltimos cinquenta anos pelo
menos. Em muitas partes os fogos foram originados naturalmente pelos raios. O ho¬
mem primitivo, o índio da Am é rica do Norte, por exemplo, incendiava regularmente
os bosques e as pradarias por raz ões de ordem prá tica. O fogo foi assim um factor
limitante muito antes do homem moderno haver come çado a modificar drasticamente
o ambiente numa tentativa de melhorar a sua condição. Inadvertidamente, atrav é s de
um comportamento descuidado, o homem moderno aumentou com frequ ência a tal
ponto o efeito do fogo que aquilo mesmo que pretende um ambiente produtivo é
destru ído ou degradado. Por outro lado, uma completa protecçã o contra o fogo nem
sempre se traduziu naquilo que se esperava , nomeadamente num ambiente mais pro¬
dutivo do ponto de vista dos objectivos humanos. Assim , tornou -se claro que o fogo
deverá ser considerado como um factor ecol ógico juntamente com outros factores
como a temperatura, a chuva e o solo, e que será preciso estud á- lo com uma menta ¬
lidade aberta. Se o fogo é um amigo ou um advers á rio da civiliza çã o, agora tal como
no passado, dependerá de um conhecimento e controlo inteligentes.
Ao falar de fogo como factor ecol ógico, a primeira coisa a destacar é que
há vá rios tipos de fogo na natureza que de facto sã o distintos. Ilustram-se na Fi ¬
gura 5-16 dois tipos extremos. Por exemplo, o fogo de copa destr ói com frequ ê n ¬
cia toda a vegetaçã o, ao passo que o fogo de superfí cie tem efeitos inteiramente
diferentes. O primeiro é limitante para a maior parte dos organismos ; a comunidade
biótica tem de voltar a iniciar o desenvolvimento, mais ou menos da linha de
partida, e serã o necessá rios muitos anos antes que a á rea se torne produtiva do
ponto de vista do homem, Os fogos de superf í cie , por outro lado, exercem um
efeito selectivo; são mais limitantes para alguns organismos do que para outros ê
assim favorecem o desenvolvimento de organismos com elevada tolerâ ncia ao factor
fogo. També m , os fogos de superf í cie ligeiros ajudam as bact é rias a decompor os
corpos das plantas e a tornar os nutrientes minerais mais rapidamente dispon í veis
para um novo crescimento vegetal ( ver página 42 ). As leguminosas fixadoras de azoto
prosperam com frequ ê ncia depois de um incê ndio ligeiro. Em regiões especialmente
sujeitas ao fogo, fogos regulares e ligeiros de superf í cie reduzem grandemente
o perigo de fogos de copa severos mantendo a um n í vel m í nimo o sub- bosque
combust í vel. Como ficou mencionado na página 46 , os fogos combinam-se com fre ¬

qu ê ncia com os antibióticos produzidos pelas plantas na promoçã o de altera ções


r í tmicas na vegetação ( o «clí max cí clico», ver página 426 ) que se traduzem na
estabilização e rejuvenescimento da produ çã o primá ria e da diversidade de esp é cies
213

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Figura 5- 16 . Os dois extremos do fogo . À esquerda em cima : Resultado de um severo fogo
de copa em Idaho com a subsequente forte eros ã o da bacia de recep çã o. À esquerda em baixo: Uma
opera çã o de fogo controlado numa floresta de pinheiro, da esp é cie Pinus palustris , no sudoeste da Ge ó rgia ,
que elimina a competi çã o das folhosas, estimula o crescimento de leguminosas , e melhora a reprodu çã o
de madeira valiosa de pinho . O inc ê ndio é posto em condi ções h midas ao cair da tarde ( o fogo é
detido à noite pela queda de orvalho ). Note -se que o fumo é branco ( indicando uma pequena perda
de nutrientes ) e que a estreita linha de fogo pode ser atravessado em muitos pontos. As formigas, os
os insectos do solo e os pequenos mam í feros n ã o sã o injuriados por estes fogos de superf í cie leves .
Em cima : Uma floresta madura de Pinus palustris que resulta da pr á tica do fogo controlado . Na fotografia
vê - se E . V . Komarek , ecologista pioneiro do fogo, dirigindo- se aos estudantes. Inserto: Planta jovem de
Pinus palustris mostrando o gomo terminal protegido do fogo por agulhas compridas. ( À esquerda em cima ,
fotografia do U . S. Forest Service ; à esquerda em baixo , fotografia de Leon Neel , Tall Timbers Research
Station ; em cima , fotografias de E . P . Odum . )

alternadas. Ao examinar unta área nas regi ões onde o fogo é um factor , a ecologia
encontra usualmente alguma prova da sua passada influ ê ncia. Em que grau o fogo
dever á ser exclu ído no futuro ( partindo do princí pio que isso seja praticá vel) ou
dever á ser utilizado como um instrumento de ordenamento dependerá inteiramente
do tipo de comunidade que se pretende ou parece ser melhor do ponto de vista
da utilizaçã o regional da terra.
Um só exemplo retirado de uma situa ção bem estudada ilustrará de que
maneira o fogo actua como factor limitante e como o fogo n ão é necessariamente
«mau » do ponto de vista humano. Na plan ície costeira do sueste dos Estados
Unidos da Am é rica a esp écie Pinus palustris, pinheiro de folha longa, é mais resis¬
tente ao fogo do que qualquer das outras espé cies de á rvores. O gomo terminal
das plantas novas deste pinheiro est á bem protegido por um conjunto de agulhas
215

longas resistentes ao fogo ( Figura 5-16, suplemento). Assim, os fogos de superfí¬


cie favorecem selectivamente esta espécie . Na ausê ncia completa do fogo, as folhosas
do sub-bosque crescem rapidamente e substituem os pinheiros daquela espécie . Tam ¬
bé m sã o eliminadas gramíneas e leguminosas, e a codorniz comum e outros animais
que delas dependem n ã o prosperam nas á reas florestais na completa ausê ncia do
fogo. Os ecologistas concordam de um modo geral em que os magn í ficos povoamen ¬
tos virgens e abertos deste pinheiro da plan ície costeira e a abundante caça a eles
associada ( Figuras 14-12 e 5-16) constituem uma parte do ecossistema controlado pelo
fogo ou um «clímax de fogo».
Um bom lugar para observar os efeitos a longo prazo de um uso inteligen ¬
te do fogo é a Tall Timbers Research Station na Florida do Norte e as planta ções
adjacentes do sudoeste da Geórgia onde durante muitos anos Herbert Stoddard e
E . V . e Roy Komarek tê m vindo a estudar a relação do fogo com todo o complexo
ecol ógico. Como resultado destes estudos, Stoddard (1936) foi o primeiro que advogou
a utiliza çã o do fogo controlado ou « prescrito» para incrementar a produ çã o quer de
madeira quer de ca ça, num tempo em que o ponto de vista «oficial» ou « profissional »
dos florestais era o de que o fogo constitu ía sempre um malefício. Durante anos

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Figura 5-17. Urzal ingl ê s queimado em faixas e manchas ( cada á rea clara com á rea aproximada
de um hectare ) para aumentar a produ çã o de caç a. Esta fotografia ilustra uma combina ção desej á vel
de vegetação nova e vegeta çã o madura ( como se analisa detalhadamente na Secçã o 3 do Capítulo 9 ) ,
e tamb é m o princí pio do «efeito de bordadura » ( ver Capí tulo 6). (Segundo Picozzi, 1968 ; reprodu çã o com
autoriza ção do autor. )
216

t ê m sido mantidas elevadas densidades tanto de codorn ízes como de perus sel ¬
vagens em terra dedicada à produ ção altamente rent ável de madeira, atrav é s da uti ¬
lização de um sistema de incê ndio «complementado» por uma diversificação no uso
da terra. Desde 1963, tem sido realizada anualmente uma «conferê ncia sobre a ecolo¬
gia do fogo» em Tall Timbers Station. As Actas (*) destas confer ê ncias não se limitam
a resumir a experiê ncia local mas tamb ém as iníer-relações fogo-solo-vegetação-
-clima por todo o mundo.
A natureza de outros tipos de vegetação adaptada ao fogo é analisada no
Capítulo 14. O fogo é especialmente importante nas pradarias. Sob condições h ú ¬
midas, o fogo favorece a erva relativamente às árvores, e sob condições secas o fogo
é com frequ ê ncia necessário para manter a pastagem contra a invasão dos arbustos
de deserto. O fogo tem a sua utilizaçã o na agricultura, como seria de esperar.
Morris (1968), por exemplo, verificou que a queima de uma gramí nea das Ber-
mudas ( Cynodon dactylori) no fim do Inverno ou come ço da Primavera aumentou
a produ ção de folhagem quando foram utilizados elevados n íveis de fertilização.
Um exemplo do uso do fogo no ordenamento da caça em brejos de urze
ingleses encontra-se reproduzido na Figura 5-17. Uma ampla experimenta ção ao longo
de anos demonstrou que o incê ndio de manchas ou faixas cada uma da ordem de
1 hectare, com cerca de 6 de tais manchas por km 2 , se traduziu nas maiores popula¬
ções de tetraon í deos e na produ ção de caça. Os tetrazes, herbí voros que se alimen ¬
tam de gomos, necessitam de urze madura ( não queimada) para nidificar e se
proteger contra os inimigos, embora encontrem alimento mais nutritivo no novo
crescimento que ocorre nas manchas incendiadas. Este é um bom exemplo de um
compromisso entre a maturidade e a juventude num ecossistema que é muito impor ¬
tante para o pró prio homem (ver Secção 3, Capítulo 9).
A quest ã o de quando «se deve incendiar ou não incendiar» pode certamente
levantar d ú vidas ao cidad ão. Dado que o homem tende a incrementar , pela sua
neglig ê ncia, os «incê ndios selvagens», é necessário realizar uma forte campanha de
protecção contra o fogo nas áreas de florestas e de recreio. O cidad ão deverá
reconhecer que ele, como indiv í duo, nunca dever á iniciar ou provocar fogos em
qualquer parte da natureza; contudo, també m deverá reconhecer que a utiliza ção
do fogo, como um instrumento, por pessoas treinadas, constitui uma parte do bom
ordenamento da terra (ver Garren, 1943; Sweeney, 1956; Ahlgren e Ahlgren, 1960;
Cooper , 1961; Komarek, 1964, 1967).

O Microambiente
São importantes as diferen ças regionais na temperatura, humidade e outros
factores, embora també m o sejam as diferen ças locais na horizontal e na vertical.
(*) C ó pias destas publica çõ es podem ser obtidas na Tall Timbers Research Station, Tallahassee, Florida.
217

Os organismos que ocupam o mesmo habitat geral podem realmente viver sob
condições muito diferentes. O conceito de microambiente ( micromeio), o ambiente
de pequenas á reas em contraste com o de áreas grandes, apenas tem sido desen ¬
volvido na ltima d é cada. Outros termos, aplicados vulgarmente a este conceito
embora mais restritos no seu âmbito, são o microclima e o bioclima. Uma vez
que o termo microambiente é um termo relativo, poder á significar tanto o ambiente
imediato da á rea ocupada por um pinhal, ou de forma igualmente correcta o ocupado
por um líquen no interior do povoamento. Estudos crí ticos a n í vel do microambiente
tê m afinado singularmente o mé todo de estudo tanto dos organismos como das
comunidades de organismos; os dados sã o especialmente valiosos no cá lculo da
corrente de energia de várias popula ções no interior da comunidade .
O estudo dos microambientes requer que se dispense uma aten ção consi ¬
derável à quest ão dos instrumentos, uma vez que as medições nos gradientes
vertical e horizontal t ê m um significado muito maior que as medições em pontos
isolados. Por exemplo, a estação meteorol ógica convencional mede a temperatura e
outros factores num recinto artificial acima do solo «à altura do peito» ao ar livre
um microambiente especialmente relevante para o homem embora não para um orga¬
nismo do solo ou para uma folha da copa de uma á rvore . O ecologista tem,

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Figura 5 18. Gradiente vertical da temperatura durante uma temporada de neve no centro
do Alaska, um caso extremo de diferen ças microclim áticas sobre e sob a neve . As medições foram
feitas, simultaneamente, utilizando pequenos pares t é rmicos de cobre de constantano, colocados de modo a
que os erros de condu ção e de radia çã o fossem m í nimos e . a cobertura de neve ficasse intacta ( Dados
de H. McClure Johnson obtidos durante os estudos contratados entre a Cornell University e o Alaskan
Air Command Arctie Aero Medicai Laboratory , Ladd AFB, Alaska. )
218

portanto, de estabelecer o seu pr ó prio sistema de vigilâ ncia ambiental. Encon-


tram-se agora dispon í veis um certo n mero de livros e manuais que descrevem
o tipo e a utilizaçã o de sensores , como , por exemplo , Platt e Griffiths (1964 ) e
Wadsworth et al. (1967) para os ambientes terrestres; Barnes (1959) e os manuais
de «M é todos Padrã o» da American Public Health Association (1965) para os ambientes
aqu áticos.
A Figura 5-18 ilustra de um modo espectacular a varia ção ambiental na tundra,
mostrando diferen ças nas temperaturas registadas simultaneamente em diferentes pon ¬
tos acima e por baixo da neve durante um curto período de Inverno frio no Alasca
central. Note-se que embora as temperaturas acima da neve variassem entre 60 e
70° F abaixo de zero, a temperatura à superfície do solo sob a neve era uns 80° F
mais elevada! Os animais vivendo sobre a neve , como o caribu ou a raposa do
á rctico, estavam submetidos a baixas temperaturas ao passo que os animais existindo
sob a neve viviam virtualmente numa zona de clima mais meridional! Na estação
onde se efectuaram as medições registadas na Figura 5-18, ratos silvestres do
g é nero Microtus mostravam-se muito activos no espaço de ar de 5 cm existente
entre a neve e o solo. Estes ratos silvestres t ê m uma pele bastante fina e não
estão especialmente bem adaptados a um frio extremo ( em compara ção com a
lebre á rctica, por exemplo ); sem embargo são capazes de sobreviver numa região

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Figura 5 19. Radia çã o solar recebida na horizontal nas encostas expostas a norte e a sul na
«Coweeta Watershed Experimental Area», nas montanhas do oeste da Carolina do Norte. As curvas
sã o intensidades da radia çã o te ó rica recebidas antes da redu çã o pela atmosfera e nuvens. A energia reai
recebida na camada autrot ó fica seria cerca de metade da ilustrada ( ver Secçã o 1 do Cap ítulo 3 ). ( Repro ¬
duzido de Swift e van Bavel, 1961. )
219

de clima com Inverno muito frio em virtude do microambiente favorá vel existente
sob a neve.
Sã o criadas por características topogr áficas da paisagem diferen ças microclimá-
ticas muito importantes. Como se ilustra na Figura 5-19, uma encosta de uma bacia
hidrogr áfica virada a sul recebe muito mais radiaçã o solar ( mais de 2,5 vezes no
Inverno) que a encosta virada a norte na Coweeta Hydrological Research Area,
nas montanhas da Carolina do Norte ( ver uma fotografia desta á rea na Figura
2-4). As diferen ças na temperatura, humidade, evapotranspira ção e outros factores
determinam com frequê ncia comunidades inteiramente diferentes nas encostas opos ¬
tas do mesmo vale com comunidades de organismos de tipo mais setentrional na
encosta voltada a norte e mais meridional no lado virado a sul . Um estudo com ¬
parativo das encostas voltadas a norte e a sul faculta um bom exercí cio de campo
para um curso de ecologia.
Como já foi indicado, os animais utilizam com frequ ê ncia gradientes ambien ¬
tais para «regular» o seu pr ó prio microambiente de modo a mantê-lo a um n ível
constante. No Cap ítulo 8 são mencionados outros exemplos ( ver tamb é m o «nicho
t é rmico» de uma ave pequena, Figura 8- 4).

6. INDICADORES ECOLÓGICOS

Uma Vez que, como se viu, factores específicos determinam de uma forma
bastante precisa que tipos de , organismos estar ão presentes, pode-se inverter a si ¬
tuaçã o e ajuizar sobre o ambiente f í sico a partir dos organismos existentes. Com
frequ ê ncia é ú til empregar um ensaio biol ógico deste tipo, em particular caso se
tenha alguma ideia específica e for inconveniente ou dif í cil medir directamente o
factor ou os factores em quest ão. De facto, o ecologista utiliza constantemente or¬
ganismos como indicadores na explora çã o de novas situa ções ou na avalia çã o de
/grandes á reas. As plantas terrestres sã o especialmente ú teis quanto a este aspecto.
No oeste dos Estados Unidos da Amé rica, por exemplo, as plantas t ê m sido muito
utilizadas como indicadores da água e das condições do solo (especialmente quando
estas afectam as potencialidades do pasto ou da agricultura), desde o trabalho inicial
de Shantz ( 1911) e Clements (1916). A utilizaçã o de animais vertebrados, bem como
de plantas, como indicadores em zonas temperadas m é todo desenvolvido por
Merriam, 1894, 1899 tamb é m tem sido muito estudada. Tem -se dado, mais recen-
temente, aten ção à utilização de métodos de análise funcional, descritos na página 403 .
Algumas das considera ções importantes que dever ã o estar presentes ao tratar
com indicadores ecol ógicos são as seguintes:
1. Em geral as espé cies «esteno» d ão muito melhores indicadores do que as
espé cies «euri », por raz ões ó bvias. Tais esp é cies nã o sã o com frequ ê ncia as mais
220

abundantes na comunidade. Incluem-se no Capí tulo 14, Secção 5, uma an á lise com ¬
plementar quanto a este aspecto e o conceito de «fidelidade ».
2. As espé cies grandes d ão usualmente melhores indicadores do que ás espé ¬
cies pequenas uma vez que , como se demonstrou no Capí tulo 3, pode ser suportada
como uma dada corrente de energia uma biomassa ou exist ê ncia em pé maior e mais
est á vel . O ritmo de renova çã o dos organismos pequenos pode ser t ã o grande ( hoje
presente , amanh ã ausente ) que uma espé cie particular presente num dado momento
pode n ã o ser muito instrutiva como um indicador ecol ógico. Rawson (1956), por
exemplo, n ã o encontrou nenhuma espé cie de algas que pudesse servir como um
indicador de tipos de lagos.
3. Antes de confiar numa dada esp é cie ou grupo de esp é cies como indica ¬
dor, dever á ter-se abundantes provas de campo e, se poss í vel , evid ê ncia experimen ¬
tal que o factor em quest ã o é limitante . Tamb é m se dever á conhecer a capacidade
de compensa çã o ou de adapta ção; caso existam ecótipos pronunciados, a ocorr ê ncia
da mesma sé rie de esp é cies em diferentes localidades n ão significa necessariamente
que existam as mesmas condições, como já foi salientado neste cap í tulo.
4. Relações numé ricas entre esp é cies, populações e comunidades inteiras
facultam com frequ ê ncia indicadores mais seguros do que espé cies isoladas, uma vez
que o todo reflecte melhor do que a parte a integra çã o de condi ções. Isto tem sido
posto em destaque particularmente na busca de indicadores biológicos dos v ários
tipos de polui ção, como ser á considerado com certo detalhe no pr óximo cap í tulo.
Na Europa Ellenberg (1950) demonstrou que o conjunto flor ístico das comunidades
de infestantes proporciona indicadores quantitativos excelentes da produtividade
agr í cola potencial do terreno.
Uma versão interessante pr ó pria da era at ómica em mat é ria de indicadores
é proporcionada pela descoberta que certas plantas são ú teis na prospecçã o do ur â ¬

nio ( Cannon , 1952, 1953, 1954). Quando plantas de raí zes profundantes, como os .

pinheiros e os zimbros crescem sobre dep ósitos de ur â nio, as partes aé reas das
plantas cont ê m uma concentra çã o de ur â nio mais elevada dq que a normal . As *

folhas podem ser facilmente colhidas, reduzidas a cinzas, e examinadas fluorimetri -


camente ; considera-se que mais de duas ppm de ur â nio na cinza indica a exist ê ncia
de dep ósitos utilizá veis comercialmente . Uma vez que o sel é nio acompanha com
frequ ê ncia o min é rio de ur â nio, as plantas indicadoras de selé nio por exemplo,
espé cies de Asíragalus na regi ã o das Montanhas Rochosas podem també m ser ú teis
na localiza çã o de depósitos. De forma semelhante, onde o enxofre e o urâ nio estão
associados, membros da fam í lia da mostarda e do l í rio tamb é m proporcionam indi ¬
cadores ú teis.
221

Capítulo 6 - PRINCÍPIOS E CONCEITOS


RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO
A NÍVEL DA COMUNIDADE

1. CONCEITO DE COMUNIDADE BIÓTICA

Enunciado

A comunidade biótica é qualquer conjunto de populações que vivem numa área


determinada ou habitat í f sico; é uma unidade organizada na medida em que tem
características adicionais às das suas componentes, indivíduos e populações ( ver o prin ¬
cípio dos n íveis integrantes, página 47 ) e funciona como uma unidade mediante
transformações metabólicas associadas. É a parte viva do ecossistema, como ficou in¬
dicado no Enunciado 1, Capítulo 2. A «comunidade biótica» é, e deverá continuar a
ser, um termo amplo que pode ser utilizado para designar conjuntos naturais de
vários tamanhos, desde o biota de < um tronco a uma vasta floresta ou oceano.
As comunidades maiores são aquelas que t ê m um tamanho e um grau de organização
tais que são relativamente independentes; isto é , apenas necessitam receber do exte ¬
rior a energia do sol e são relativamente independentes das entradas e saídas ligadas
às comunidades vizinhas. As comunidades menores são aquelas que se encontram
mais ou menos dependentes dos agrupamentos vizinhos. As comunidades nã o só
possuem uma unidade funcional precisa, com estruturas tr óficas e padrões de corrente
de energia característicos, como possuem também unidade de composição porquanto
existe uma certa probabilidade de que dadas espé cies ocorram juntas. Contudo, as
espécies são em larga medida substitu íveis no tempo e no espaço pelo que comu ¬
nidades funcionalmente semelhantes podem ter diferentes composições quanto
a espé cies.

Explicação

O conceito de comunidade é um dos princípios importantes na teoria e na


prática ecológica. É importante na teoria ecol ógica porque destaca o facto d è diver-
222

sos organismos viverem usualmente juntos de uma forma ordenada, e n ão simples¬


mente como seres independentes distribu í dos ao acaso sobre a Terra. À semelhan ça
de uma amiba, a comunidade bi ótica est á constantemente a modificar a sua apar ê n ¬
cia ( visualize -se a floresta no Outono e na Primavera) embora tenha estruturas e
fun çõ es que podem ser estudadas e descritas, e que constituem atributos do grupo.
Victor E. Shelford , um pioneiro no campo da ecologia da comunidade bi ó tica, definiu
a comunidade como um «conjunto com unidade de composição taxon ó mica e uma
apar ê ncia relativamente uniforme ». A isto dever á juntar-se: «e com uma organiza çã o
tró fica e padrão metabó lico definidos ». As comunidades podem definir - se com
precisã o e distinguir-se umas das outras, sobretudo quando o habitat da comunidade
apresenta altera ções bruscas, embora tamb é m possam resultar fronteiras relativamente
claras da interacção no interior da pró pria comunidade . Com muita frequ ê ncia , por é m ,
as comunidades fundem-se gradualmente umas nas outras de tal forma que n ão h á
fronteiras claramente definidas. Como ser á salientado na Secção 3, a continuidade
ou descontinuidade é em larga medida uma fun ção da inclinação do gradiente am ¬

biental.
O conceito de comunidade é importante na pr ática da ecologia porque «se¬
gundo vai a comunidade , assim vai ; o organismo». Deste modo, com frequ ê ncia,
a melhor forma de « controlar» um organismo particular , quer se pretenda estimul á-lo
quer combat ê- lo , consiste em modificar a comunidade , mais do que proceder a um
«ataque » directo ao organismo. Por exemplo, tem sido demonstrado mais de uma vez ,
que se consegue uma melhor popula çã o de codorn í zes mantendo a comunidade
bi ótica particular em que a codorniz melhor prospera do que criando e libertando
aves ou manipulando factores limitantes ( como sejam os predadores, por exemplo).
Os mosquitos podem com frequ ê ncia ser controlados mais eficiente e economica ¬
mente modificando a comunidade aqu á tica inteira (como, por exemplo, por flutua ção
dos n í veis de água) do que tentando envenenar os organismos directamente . Uma
vez que as «infestantes» prosperam em condições de um dist ú rbio cont í nuo do solo,
a melhor maneira de as controlar ao longo das vias de comunica ção, por exemplo,
consiste em deixar de escavar e lavrar os taludes e as bermas das estradas, e esti ¬
mular o desenvolvimento de uma vegeta çã o est á vel com a qual as infestantes n ã o
podem competir ( ver Figura 15-6£). O bem- estar do homem, tal como o da codorniz,
do mosquito, ou da infestante depende em ú ltima análise da natureza das comuni¬
dades e dos ecossistemas sobre os quais ele impõe a sua cultura.

Exemplos

Porventura a melhor maneira de ilustrar o conceito de comunidade é o de


apresentar dois exemplos de estudos concretos de comunidades, um realizado sobre ¬

tudo do ponto de vista estrutural ou da «exist ê ncia permanente » e outro realizado


223

do ponto de vista funcional ou do « metabolismo da comunidade ». Para estudo des¬


critivo seleccionou-se um estudo pioneiro sobre as comunidades bi óticas da região
setentrional do deserto de arbustos em Utah ocidental realizado por R . W . Fautin
( 1946 ). Nesta investigação foi seleccionado um certo n mero de «áreas de estudo» ,
isto é, de áreas suficientemente grandes para caracterizar a regiã o embora suficien ¬
temente pequenas para facilitar o estudo quantitativo. Ao longo de um per í odo
de tr ê s anos foram cuidadosamente medidos a densidade e a frequ ê ncia das plantas,
os n meros e tipos de animais vertebrados ( aves, mam íferos e r é pteis) e de popu ¬
lações de invertebrados pelos melhores m é todos de amostragem ent ã o conhecidos,
e os dados sobre o biota correlacionados com informação sobre o habitat fí sico das
comunidades, isto é, sobre o clima e as relações água-solo. A principal debilidade
de um estudo descritivo desta natureza consiste no facto da componente microrga ¬
nismo n ão se deixar submeter a m é todos de «colheitas de amostra» . O estudo revelou
que havia duas comunidades principais ( ver defini ção no Enunciado anterior ) . Eram
elas a comunidade de artem ísia e a comunidade de «shad scale » ( Atriplex conferti-
folia), cada uma denominada de acordo com o seu organismo mais proeminente ,
uma planta. As temperaturas eram as mesmas para ambas as comunidades, sendo a
água o principal factor limitante da comunidade . A comunidade de artem ísia ( veja-se
uma ilustração do deserto de artem ísia na Figura 14- 15C, p ágina 630 ) ocupava
á reas onde «a precipitação é maior ( cerca de duas vezes maior) e, ou , onde o solo é
profundo, mais permeável e relativamente livre de sais». A comunidade de Atriplex
confertifolia , por outro lado, ocorria onde a secura era maior e onde o solo se
encontrava com frequ ê ncia impregnado de sais minerais. No interior da comunidade
maior de «shad scale » havia um certo n ú mero de comunidades menores bem desen ¬
volvidas, provocadas por diferenças na disponibilidade em humidade do solo . Todas
as comunidades, maiores e menores, tinham limites perfeitamente definidos. Obser¬
vou-se que os animais grandes, principalmente os predadores, percorriam as comu ¬
nidades maiores e vagueavam de uma comunidade maior para outra. Os animais mais
pequenos e muitas plantas, por outro lado, estavam confinados a comunidades
particulares maiores ou menores ou apresentavam nelas as suas maiores abund â n ¬
cias. As aves, os roedores, os lagartos, as formigas e os cole ó pteros tenebrionídeos
apresentavam adaptações particulares para viver sob condições de secura e conse ¬
quentemente formavam o grosso da popula çã o animal. Os roedores eram especialmente
importantes para a comunidade tomada como um todo, por motivo das suas activi-
dades de «pastoreio» e de escava çã o. Assim , o estudo mostrou com precisão factores
e organismos «operacionalmente significativos», proporcionando uma base para aná¬
lise funcional e de sistemas ( como será examinado no Cap ítulo 10).
Um dos exemplos mais bem conhecidos do m é todo do metabolismo da
comunidade é o estudo de Silver Springs, Florida, devido a H. T. Odum ( 1957). Esta
investigação de uma atracção tur ística muito popular foi vá rias vezes referida no
224

Capítulo 3 e encontra-se outra vez citada num outro contexto no Capítulo 10. Aná¬
lises da exist ê ncia permanente foram combinadas com medições in loco da cor ¬
rente da energia, e da troca de materiais. O estudo está resumido nos dois diagramas
da Figura 6-1. Das quarenta e tantas conclus ões que foram retiradas do estudo,
podem citar-se como tendo interesse geral para o estudo da comunidade ecológica
as seguintes :

1. Silver Springs é uma comunidade ecológica termostá tica, quimiostá tica e


biostática em cl í max de estado de equilí brio de pulsação estacionai.
2. O ritmo da produ ção primária de toda a comunidade é linearmente pro¬
porcional à intensidade da luz sob condições naturais.
3. A eficiê ncia da produ çã o primá ria relativamente à luz incidente de com ¬
primentos de onda utilizáveis que chega ao n ível da vegetação é cerca
de 5,3 por cento.
4. A comunidade experimenta uma renova ção anual de 8 vezes.
5. A maior parte da produ ção vai para a respiração, embora 12 por cento
-
seja exportada em forma de mat é ria em . part ículas.
6. Em todas as é pocas do ano tem lugar ao anoitecer o aparecimento de
grandes insectos aqu á ticos, embora a produ ção larvar seja sempre em
pequena proporção.
7. Neste manancial de temperatura constante alguns dos principais compo¬
nentes dos invertebrados e dos peixes apresentam um forte fotoperio-
dismo nos ciclos de cria ção.
8. O quociente metab ólico da comunidade (02 / C02) t ê m um valor m é dio
de 1,38 no Verão e de 0,95 no Inverno, o que indica 39 por cento
de prote í na na produ ção primá ria ali onde está envolvida a fixaçã o
de azoto.
9. As bact érias constituem uma parte relativamente pequena da biomassa
da existê ncia permanente, embora a seguir às plantas verdes sejam os
principais consumidores em termos de utilização de energia.
10. A sucessão de organismos pequenos ( ver Figura 13-5 na página 574 )
nas folhas individuais da zoostera ( Sagittaria) ocorre continuamente à
medida que as folhas se desenvolvem a partir do gomo, embora a área
total esteja num estado constante com um tipo de distribuição de
sucessão estável possivelmente análoga a uma distribuição está vel de
idades ( ver página 281 ).
225

D= s
BACTÉRIA, PEIXE AGULHA ( AMERICANO ) E ACHIG Ã CT = 1 5
LAGOSTIM

METADE DA BIOMASSA DE «STUMPKNOCKERS»


CELENTERADOS C=11
OUTROS PEIXES, INVERTEBRADOS

CECIDOMIAS, TRICÓPTEROS, ELÓFILA


CARAC ÓIS
CAMAR ÕES
METADE DAS BIOMASSA DOS « STUMPKNOCKERS» H=37
TARTARUGAS
MUGEM -
p = 809
ALGAS NO
OUTROS S AGITT ARIA LORATA AUFWUCHS
A MACR ÓFITOS

I nnr 1
RTO
G / M2 DE BIOMASSA SECA

KILOCALORIAS
POR ANO
IMPORTA ÇÃ O POR M2

PRODUTORES 1478 85 £l

H c

\
i
EXPORTA ÇÃ O
V/ RIO ABAIXO
4600

RESPIRA ÇÃ O

I - 18 796 DA COMUNIDADE

Figura 6 - 1. Exist ência permanente ( A ) e corrente de energia ( B) da comunidade de Silver


Springs. A biomassa mé dia e a corrente anual de energia est ão distribuí das por cinco grupos tr ó ficos
como se segue: produtores (P), herbí voros (H), carní voros (C), carní voros de topo (CT) e decomposi-
tores (D). Nota: os «stumpknockers» s ão peixes centr árquidos, Lepomis punctatus , o peixe pequeno mais
abundante no manancial. (Segundo H. T. Odum, 1957.)

15
226

2. CLASSIFICAÇÃO NO INTERIOR DA COMUNIDADE E CONCEITO


DE DOMIN Â NCIA ECOLÓGICA

Enunciado

Os organismos da comunidade n ão t ê m todos igual import â ncia na determi ¬


na ção da natureza e do funcionamento da comunidade tomada no seu conjunto.
De entre as centenas ou milhares de tipos de organismos que poderão estar presentes
numa comunidade, apenas um n mero relativamente pequeno de espé cies ou de gru ¬
pos de esp écies exercem a principal influê ncia controladora em virtude dos respec-
tivos n meros, tamanho, produ çã o ou outras actividades. A import â ncia relativa na
comunidade n ão é indicada por rela ções taxon ó micas, uma vez que os principais or ¬
ganismos que a controlam ou «regulam » pertencem com frequ ê ncia a grupos taxon ó-
micos muito diversos que t ê m relações muito mais sinerg éticas do que competitivas
(como será analisado no cap ítulo seguinte ). A classificação no interior da comunidade
ultrapassa assim o registo taxonó mico (da flora e da fauna) e trata de avaliar a im ¬
port â ncia real dos organismos na comunidade . A classifica ção principal mais l ógica,
deste ponto de vista, é baseada nos n í veis tró ficos ou em outros n í veis funcionais
como foi analisado nos Cap í tulos 2 e 3. As comunidades, pelo menos as maiores,
t ê m produtores, macroconsumidores e microconsumidores. Dentro destes grupos as
espé cies ou os grupos de esp é cies que controlam em maior grau a corrente de ener ¬
gia e afectam fortemente o ambiente de todas as outras espé cies são designados por
dominantes ecológicos. O grau em que o dom í nio est á concentrado em uma, vá rias,
ou muitas espé cies pode ser expresso por um í ndice de dominâ ncia apropriado que
soma a import â ncia de cada espé cie em relação à comunidade tomada como um todo.

Explicaçã o e Exemplos

O problema da classifica ção no interior da comunidade biótica pode ser


clarificado recorrendo a um exemplo simplificado. Suponha-se que se d á um passeio
por um campo de pastagem e se toma nota dos organismos importantes que se vão
observando. Depois de um tal «censo» poderá ter-se a seguinte lista:

gram í neas de caule verde -azulado gado bovino perus


trevo branco '
gado leiteiro ovelhas
carvalhos galinhas cavalos
227

Uma tal lista «taxon ó mica» s ó por si n ã o faculta uma boa imagem da pastagem .
O adicionar estimativas quantitativas ajudará:
gram í neas de caule verde-azulado 19 hectares
trevo branco 1 hectare
carvalhos 2 pé s
gado bovino 2 cabe ças
gado leiteiro 48 cabe ças
galinhas 6 bicos
perus 2 bicos
ovelhas 1 cabe ça
cavalos 1 cabe ça

Nesta base tornar-se- ia claro que as gram í neas de caule verde- azulado s ão «domi ¬

nantes » entre os « produtores», assim como o gado leiteiro o é entre os «consumi ¬

dores». A comunidade é essencialmente uma pastagem de gado leiteiro. Um quadro


mais completo poderia ser obtido, certã mente, se o agricultor informasse sobre a
varia çã o estacionai na utiliza çã o, a produ çã o anual de feno e de leite, etc. , e caso
se soubesse alguma coisa sobre as actividades dos microrganismos do solo.
Por certo, há realmente muitos outros tipos de organismos numa pastagem,
por é m a gram í nea de caule verde-azulado e os microrganismos do solo são os mais
importantes do ponto de vista da influ ê ncia controladora ( à parte o homem , o domi ¬
nante supremo neste caso). As comunidades naturais podem ter at é um n mero bem
maior de esp écies. Mesmo assim, um n mero relativamente pequeno de esp écies con ¬
trola com frequ ê ncia a comunidade ; designam-se por dominantes. Isto não significa
que as esp écies raras mais numerosas n ão sejam importantes; são- no com efeito porque
determinam basicamente a diversidade , um aspecto igualmente importante na estru ¬
tura da comunidade que será considerado na Secção 4. A remoção das dominantes
provocará importantes altera ções não apenas na comunidade bi ótica mas tamb é m no
ambiente f í sico ( microclima, por exemplo) , ao passo que a remoçã o de espé cies
n ã o dominantes produzir á uma alteraçã o muito mais pequena. Em geral, as domi ¬
nantes sã o aquelas espé cies que nos seus grupos tr óí f cos tê m a maior produtividade.
Na comunidade de Silver Springs representada na Figura 6- 1 pode ver-se que a
zoostera, Sagittaria , é o autotr ófico dominante. Para os organismos grandes, embora não
necessariamente para os organismos pequenos, a biomassa pode ser um indicador de
domin â ncia, como já houve ocasiã o de destacar. Os ecologistas t êm utilizaáo uma
grande variedade de medi ções para avaliar da importância relativa das esp é cies como,
por exemplo, a «á rea basal» ( a á rea da secçã o transversal dos troncos das árvores)
nas comunidades florestais, ou o «coberto» (a á rea da superf ície do solo ocupada)
numa pastagem . Tal como acontece com os n ú meros e a biomassa, estes í ndices
228
especializados são apenas aplicá veis se as popula ções a comparar tiverem aproxi-
madamente a mesma rela ção tamanho metabolismo ( ver Capítulo 3, Secçã o 5).
Nas comunidades terrestres, as espermat ófitas são usualmente as dominan ¬

tes principais n ão apenas entre os autotr óficos mas na comunidade tomada no seu
conjunto, uma vez que proporcionam o principal ref úgio para a grande massa dos
organismos da comunidade e modificam os factores í f sicos por diversas formas.
De facto, o termo dominante tem sido largamente utilizado pelos ecologistas das
plantas para significar as plantas do «andar superior» ou as mais altas da comunidade .
Clements e Shelford (1939) assinalaram que os animais ( consumidores) també m
podem controlar as comunidades. Onde as plantas t ê m pequena dimensão, os ani¬
mais podem produzir altera ções relativamente maiores no habitat físico. O conceito
de domin â ncia não tem sido aplicado ao n ível saprotr ófico, embora haja motivos
suficientes para admitir que entre as bacté rias, etc., alguns tipos são mais impor ¬
tantes que os outros. (Ver na página 588 um exemplo de como a população micro¬
biana é dominada por diferentes grupos num gradiente de decomposição no solo).
As comunidades setentrionais t ê m sempre um n mero mais pequeno de
espé cies que podem ser classificadas como dominantes do que as comunidades
meridionais. Assim, uma floresta do norte pode ter uma ou duas espé cies de
á rvores que representam 90 por cento ou mais do povoamento. Numa floresta
tropical , por outro lado, podem ser dominantes uma d ú zia ou mais de esp é cies
aplicando o mesmo crit é rio ( ver página 639 ). També m, as dominantes são em n ú mero
reduzido quando os factores í f sicos são extremos, como ficou indicado na secção
anterior. Assim, a dominância em todos os grupos ecol ógicos é muito mais desta ¬
cada nos desertos, tundras e outros ambientes extremos. Ou , colocando a quest ão
noutros termos, a influ ê ncia controladora na comunidade em ambientes extremos
encontra-se dividida entre um menor n ú mero de espé cies.
Ilustra-se no Quadro 6-1 uma equa ção relativa a um índice simples ( c) para
a «concentra ção da domin â ncia». Para ilustrar o caso, admita-se que se tem uma
comunidade composta por 5 espécies, cada qual com import ância igual, e que se
atribui um valor de import ância de 2 a cada espé cie ( porventura baseado numa
densidade de 2 por m 2 ). Numa outra comunidade de 5 espé cies admita-se que uma
espé cie tem um valor de import â ncia de 6 e cada uma das outras espé cies apenas
de 1. Caso se calcule ( c) no Quadro 6 -1 a partir da equação ter-se -á um valor
de 0,2 para a primeira comunidade e de 0,4 para a segunda, na qual a domin â ncia
se encontrava mais «concentrada» ( numa espé cie neste exemplo). Whittaker ( 1965)
calculou í ndices de domin â ncia para um certo n ú mero de florestas baseado no
contributo de cada espé cie de árvores para a produ çã o primá ria l íquida total ;
os valores variaram de 0,99 para uma floresta de sequ óias (domin â ncia quase total
de uma só esp é cie ) a 0,12 e 0,18 para duas florestas densas nas Smoky Mountains
onde a domin â ncia é compartilhada por um grande n ú mero de espé cies, como numa
floresta tropical.
229

Quadro 6-1
Alguns í ndices Ú teis da Estrutura das Comunidades Quanto a Espé cies
A. Í NDICE DE DOMIN Â NCIA (c)

c = Z ( ni / N ) 2 onde ni = valor de import â ncia para cada espé cie ( n ú mero de indiví duos,
biomassa, produ çã o, etc.)
N = total dos valores de import ância

B. Í NDICE DE SEMELHAN ÇA (S ) ENTRE DUAS AMOSTRAS f

2C
5: onde A = n mero de espé cies na amostra A
A+B B = n mero de espé cies na amostra B
C = n ú mero de esp é cies comuns a ambas as amostras
Nota: í ndice de dissemelhança = 1 5'
C. Í NDICES DE DIVERSIDADE EM ESPÉ CIES
(1) Três índices de riqueza ou variedade em espécies ( d ) ff

5- 1 . 5
di di d } = S por 1000 indiv íduos
log N fft

onde 5 = n ú mero de espécies


N = n ú mero de indivíduos, etc.
( 2) í ndice de uniformidade ( e) §
i
H
e onde H = índice de Shannon ( ver mais abaixo)
log 5
5 = n ú mero de espécies
(3) índice de Shannon ou da diversidade geral ( H ) \\

ou
- Z Pi log Pi
Onde ni = valor de importâ ncia para cada espécie
N = total dos valores de import ância
Pi = probabilidade de importâ ncia para cada espécie = ni/ N
* Ver Simpson ( 1949).
f Ver Sorenson ( 1948); para um í ndice de «diferença percentual» relacionado, ver E. P. Odum (1950).
ff ií] , ver Margalef ( 1958 a ); d2 , ver Menhinick ( 1964); rf 3, ver H. T. Odum, Cantlon e Kornicker ( 1960).
§ Ver Pielou ( 1966) ; ver um outro tipo de í ndice de «equidade» em Lloyd e Ghelardi ( 1964).
II Ver Shannon e Weaver ( 1949); Margalef (1968) .
Nota: Nas expressões de rfj, e e H são usualmente utilizados os logaritmos naturais ( loge), embora os logaritmos
na base 2 ( log2) sejam muitas vezes utilizados para calcular H , de modo a obter-se « bits por indiv í duo».
230

3. AN ÁLISE DA COMUNIDADE

Enunciado

As comunidades podem ser convenientemente designadas e classificadas de


acordo com (1) as principais caracter ísticas estruturais, como sejam as espé cies
dominantes, as formas ou os indicadores de vida, ( 2) o habitat f í sico da comunidade,
ou (3) atributos funcionais, como por exemplo o tipo de metabolismo da comunidade.
N ão t ê m sido formuladas regras precisas para a designa ção das comunidades, ao
contrário do que tem sido feito para a designação ou classifica ção dos organismos,
mesmo que isto seja desejá vel ou possí vel. As classificaçõ es baseadas nas caracte ¬
r ísticas estruturais são um tanto específicas para certos ambientes; as tentativas feitas
para estabelecer nesta base uma classificaçã o universal t ê m sido grandemente insatis¬
fat ó rias. Os atributos funcionais facultam uma base melhor para a comparação de
todas as comunidades em habitats muito diferentes, por exemplo, terrestre , marinho ,

ou de água doce .
A aná lise da comunidad è no interior de uma dada regiã o geográfica ou área
de paisagem criou dois m étodos contrastantes: ( 1) o método zonal, no qual as comu ¬
nidades separadas são reconhecidas, classificadas e catalogadas numa espé cie de lista
padrã o de tipos de comunidade e (2) o m é todo da an álise do gradiente, que envolve
o arranjo das populações ao longo de um gradiente ou eixo ambiental uni- ou
multi-dimensional com o reconhecimento da comunidade baseada nas distribuições
de frequ ê ncia, em coeficientes de semelhan ça, ou outras compara ções estat ísticas.
O termo ordenação é frequentemente utilizado para designar a disposição das es¬
pé cies e comunidades ao longo de gradientes e o termo cont ínuo para designar o
gradiente que cont é m as esp é cies ou as comunidades dispostas ordenadamente . Em
geral, quanto mais rá pido é o gradiente ambiental, mais distintas ou descont í nuas
são as comunidades, n ão s ó por motivo de uma maior probabilidade da ocorrê ncia
de altera ções bruscas no ambiente fisico, mas tamb é m porque as fronteiras são mais
n ítidas , em consequ ê ncia dos processos de competição e de coevolu ção entre as
espé cies com interacçã o e interdepend ê ncia.

Explicaçã o e Exemplos

Em primeiro lugar, considere -se a designação e a classificação numa base


estrutural. Uma vez que a comunidade é composta de organismos, muitos ecologistas
crê em que as comunidades deverão ser sempre designadas de acordo com os seus
organismos importantes, geralmente os dominantes. Isto d á bom resultado quando
s ó h á uma ou duas espé cies ou grupos de espé cies ( talvez g é neros) dominantes.
231

como por exemplo nas comunidades do deserto de artem ísia e de Atriplex confer-
tifolia descritas na Secçã o 1, que se mant ê m sempre consp í cuas. Em muitos casos
a domin â ncia n ã o est á t ã o comodamente concentrada , tal como se indicou na
Secção 2, ou as espé cies podem mudar continuamente com as esta ções como acon ¬

tece em muitos tipos de comunidades de fitopl â ncton. Como se p ôs em realce num


dos primeiros princ í pios ( Cap í tulo 2 ) , o ecossistema é , mais do que a comunidade, a
unidade bá sica real . Portanto, n ão h á razão l ógica para que a comunidade n ã o
possa ser designada segundo alguma caracter ística do seu habitat nã o vivo, caso este
procedimento proporcione a qualquer pessoa uma imagem clara da comunidade.
Os nomes das comunidades, tal como os nomes de quaisquer coisas, dever ão ter
significado embora sendo t ão curtos quanto poss í vel ; caso contr á rio, os nomes n ão
serã o utilizados. Deste modo, a melhor forma de designar uma comunidade consiste
em escolher alguma caracterí stica est á vel conspí cua, quer seja viva ou n ão, e utilizá-la
na designação. Na terra, as plantas principais facultam usualmente um ponto de
refer ê ncia manifesto e est á vel . Nas comunidades aqu á ticas, por é m, o habitat í f sico
pode també m servir o objectivo, tal como, por exemplo, uma comunidade de rá pidos
de um rio, uma comunidade de banco de lodo, uma comunidade pelágica de oceano
( de mar alto), ou uma comunidade de areal de praia. Sc os animais sã o not órios
e altamente caracter í sticos, como por exemplo os animais sésseis de fundo no
habitat marinho de mar é , a comunidade pode ser convenientemente designada com
base neles, como seja uma comunidade de banco de ostras ou de percebes. Em
geral, a inclus ã o no nome da comunidade de animais altamente m óveis nã o é satis ¬

fat ó ria porque o componente animal varia muito, em geral, de um momento para
outro; raramente ocorre aí uma dominâ ncia clara a longo prazo por uma ou duas
espé cies. Shelford defendeu a inclusã o de animais no nome das comunidades com
vista a destacar que os animais são, tanto como as plantas, partes integrantes da
comunidade bió tica. No entanto, este objectivo é alcan çado pela descrição da comu ¬
nidade que acompanha a designaçã o. As comunidades, tal como os organismos,
precisam ser descritas tanto como designadas.
O decidir onde se devem tra çar os limites é um dos problemas interessantes
na classifica ção da comunidade, tal como o é em qualquer outro tipo de classifica ¬

ção. Existe , porventura, um paralelismo entre as comunidades e as espé cies no


sentido de que ambas est ão mais nitidamente delimitadas umas das outras quando
os gradientes ambientais e de evolu çã o apresentam descontinuidades. Durante os
ú ltimos 20 anos ( 1950 - 1970) os ecologistas das plantas envolveram-se numa ani ¬

mada contrové rsia sobre se as comunidades das plantas terrestres devem ser con ¬

cebidas como unidades discretas com limites definidos , como foi sugerido por
Clements ( 1905, 1916 ), Braun-Blanquet (1932, 1951) e Daubenmire (1966 ), ou at é
que ponto as popula ções respondem independentemente aos gradientes ambien ¬

tais a tal ponto que as comunidades se sobrep õem parcialmente num cont ínuo
232

de modo que o reconhecimento de unidades discretas é arbitrário, como o con ¬


sideram Gleason (1926), Curtis e Mclntosh (1951), Whittaker (1951), Goodall (1963)
e outros. Whittaker (1967) ilustra estes pontos de vista contrastantes com o se¬
guinte exemplo. Se no ponto alto da colora çã o outonal no Parque Nacional de Great
Smoky Mountain for seleccionado um local conveniente ao longo da estrada por
forma a se ganhar um panorama do vale at é ao cimo da montanha, observar-se-iam
cinco zonas de cor como se segue: (1) uma floresta de galeria com muitos tons,
(2) uma floresta de tsuga verde escura, (3) uma floresta de carvalhos de um ver¬
melho escuro, ( 4) uma vegetação de carvalho e urze de um castanho-avermelhado,
e ( 5) no topo o verde aberto da floresta de pinheiros. Poder - se - á considerar
cada uma destas cinco zonas como tipos de comunidades discretas e proceder à
sua análise em conformidade, ou poder-se-á considerar todas as cinco como fazendo
parte de um cont í nuo ú nico a submeter a alguma forma de an álise de gradiente que
ponha em destaque a distribuição e as respostas das populaçõ es das espé cies indi ¬
viduais às condiçõ es ambientais que se alteram no gradiente. Esta situação está
-
ilustrada na Figura 6 2, que mostra a distribuição de frequê ncia (como curvas
hipotéticas em forma de sino) de 15 espé cies de árvores dominantes ( de a a o )
que se sobrepõem ao longo do gradiente e a designa ção um tanto arbitrária de cinco
tipos de comunidades ( A, B, Cu C2 e D), baseada nos máximos de uma ou mais
dominantes. Há muitas razões a favor de se tomar toda a vertente como uma comu-

COMUNIDADE - TIPOS
A 1 B 1 C, . Ca 1 D
o
ui 25 9 n -~
N. <1
020

2,
o
X /\ /\A XX ! /
10
LU
g» \ X./í /SXíA \ XNT-2-
LLJ
1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0
o.

Figura 6-2. Distribui ção das populaçõ es das árvores dominantes ao longo de um gradiente hipo ¬

té tico, de 0 a 10, ilustrando o arranjo das populações componentes no seio de uma comunidade de
tipo «contínuo» . Cada espécie exibe uma distribui ção em forma de «boca de sino» com um pico de
abund ância relativa ( percentagem do povoamento) num ponto diferente ao longo do gradiente ; algu ¬
mas esp é cies exibem um â mbito mais largo de tolerâ ncia (e usualmente um menor grau de dominân ¬

cia) do que outras. No interior da comunidade ampla podem delimitar-se subcomunidades (como se
indica de A a D na parte superior da figura) na base de combina ções de dois ou mais dominantes, indi¬
cadores ou outras caracter ísticas. Tais divis õ es serã o um tanto arbitrárias, se bem que teis para efeitos
de descrição e compara ção. As curvas foram configuradas segundo dados de diversos estudos de distri ¬

bui ção de árvores ao longo de um gradiente de altitude . (Segundo Whittaker, 1954 o.)
233

nidade maior, uma vez que todas as florestas est ão ligadas entre si por trocas de
nutrientes, energia e animais à maneira de um ecossistema de bacia hidrográfica
que , como se destacou no Cap í tulo 2, é a unidade de ecossistema com dimensã o
m í nima manejável para estudos funcionais e, sobretudo, para efeitos de ordenamento
pelo homem . Por outro lado, o reconhecimento das zonas como comunidades sepa ¬
radas é til para o florestal ou o ordenador da paisagem, por exemplo, uma vez
que cada tipo de comunidade difere no ritmo de crescimento da madeira, na qualidade
desta, no valor quanto a recreio, na vulnerabilidade ao fogo e às doen ças e em
outros aspectos.
Como acontece com frequ ê ncia, os conceitos e os m é todos são uma fun ção
da geografia; assim, os ecologistas que trabalham em áreas de gradientes suaves
e uniformes, substratos maduros ( ver página 208 para efeitos de an á lise do conceito
de solos maduros versus solos geograficamente novos) são a favor do conceito de
cont í nuo e das v árias t é cnicas de ordenação ( isto é, meios estat ísticos de ordenar
as populações das espécies e comunidades ao longo de gradientes), ao passo que
os ecologistas que trabalham em á reas de gradientes r á pidos ou com descontinui-
dades topográficas preferem o conceito zonal. Beals (1969) fez uma compara ção
directa das alter áções na vegeta ção ao longo de gradientes de altitude um rá pido
outro suave na Etiópia, ilustrando-se na Figura 6-3 dois aspectos deste estudo. Havia
mais descontinuidade no gradiente rá pido como demonstram os vários picos pronun-
.80
<
ABRUPTO
1.60
=
2w

Figura 6-3. An á lise de gradiente das altera çõ es


da vegeta çã o ao longo de uma encosta í ngreme
(linhas cont í nuas) em compara ção com uma encosta
co
5 - 40
D
tu

I 20
-O \
-- A
ww
P \o o o/o \oo
* -
/ ;' To
V
' -,
'0' 0 SUAVE
(

1000 1500 2000


suave ( linhas tracejadas ), ambas com a mesma ALTITUDE EM METROS
amplitude altitudinal , na Etió pia . Em cima : uma
representa ção gr á fica de í ndices de dissemelhan ça
GRADIENTE SUAVE
( ver Quadro 6-1) para segmentos adjacentes ao
longo de gradientes . Em baixo: Distribui çã o de fre ¬
qu ê ncia de duas espé cies, A - Acacia senegal e
A
- V /
/ \ \
B

B - Carissa edulis. As esp é cies e os grupos de /


\
comunidades encontram -se delimitados mais niti ¬
damente ao longo do gradiente rá pido. (Reprodu ¬
, \ .
zido de Beals, 1969.)
GRADIENTE R Á PIDO

_ L
234

ciados no gráfico dos í ndices de dissemelhan ça calculados para pares de amostras


vizinhas ( Figura 6- 3, em cima ) . ( As f ó rmulas para os coeficientes de semelhan ça e
dissemelhan ça encontram -se no Quadro 6- 1.) Por outro lado, verificou-se uma
tend ê ncia n í tida para o aparecimento e o desaparecimento mais bruscos de espé cies
ao longo do gradiente rá pido do que ao longo do suave. Como se ilustra na Fi¬
gura 6-3, em baixo , as curvas de distribuiçã o de frequ ê ncia para as espécies domi¬
nantes tendem a ser normais e em boca de sino ( parecendo-se com as hipot éticas
que constam da Figura 6-2) ao longo do gradiente suave, ao passo que eram de
lado mais inclinado e truncadas no gradiente rápido, indicando uma delimitação
mais pronunciada das populações. Beals concluiu que «ao longo de um gradiente
r á pido a vegetação, ela pr ó pria, pode impor disjun ções num gradiente ambiental
extrinsecamente cont ínuo, ao passo que ao longo de um gradiente suave pode
n ão o poder fazer» ( ver també m p ágina 251 ). Tr ê s importantes processos, a analisar
em capítulos ulteriores, podem contribuir para distinguir uma comunidade de outra,
a saber , ( 1) exclus ão competitiva, ( 2) simbiose de grupos de espécies entre si
dependentes ( ambos estes aspectos são tratados no Capítulo 7) e (3) coevolu çã o de
grupos de espécies ( ver Capí tulo 9, Secção 5). Factores como o fogo e a produ ção
de antibióticos també m podem criar limites pronunciados ( ver Figura 5- 17). Buell
( 1956) descreveu uma situação no Itasca Park, Minnesota; aqui, no interior de uma
matriz geral de floresta de ácer e t ília, ilhas de floresta de p ícea e abeto mant ê m
limites bastante pronunciados que se encontram associados a mudan ças na to¬
pografia. As comunidades bê nticas marinhas apresentam uma zonagem bastante
pronunciada em gradientes r á pidos, tal como se encontra descrito no Capítulo 12
( ver Figuras 12-9 e 12-14Z)).
Em qualquer an álise das comunidades é extremamente importante considerar
o gradiente tempo , tanto a n ível do desenvolvimento como à escala mais lenta
da evolu ção. Esses aspectos s ão examinados a fundo no Capítulo 9. Aqui chega dizer
que as comunidades de diferentes idades est ã o com frequê ncia delimitadas umas
das outras muito pronunciadamente .
Para resumir, a an á lise de gradientes ( ver Whittaker , 1967 e Mclntosh, 1967,
para efeito de bons resumos) juntamente com padrões matriciais ou métodos mul-
tiaxiais complexos, e ainda pouco utilizados, pode detectar descontinuidades de uma
forma objectiva e pôr em destaque relações entre as popula ções componentes.
A forma como as comunidades devem ser delimitadas e classificadas depender á
dos objectivos do estudo e das aplicações projectadas. Devem ser relembrados nova¬
mente dois m é todos b ásicos de ecologia mencionados no Capí tulo 2 , a saber , o
mé todo merológico, que se inicia com as partes (populações de espé cies) e constr ó i
um sistema a partir delas, e o m étodo holístico que parte com o todo. Um con ¬

t ínuo inteiro ou qualquer sub-unidade que esteja delimitada pode, assim, constituir
o ponto de partida.
235

4. DIVERSIDADE DE ESPÉCIES NAS COMUNIDADES

Enunciado

De um n mero total de esp é cies num componente tr ófico, ou numa comu ¬

nidade tomada no seu conjunto, uma percentagem relativamente pequena é como


regra abundante ( representada por n ú meros grandes de indiv íduos, uma grande
biomassa ou produtividade , ou qualquer outra indica çã o de «import â ncia ») e uma
grande percentagem é rara ( tem valores de «importâ ncia» pequenos ). Enquanto
as poucas espécies comuns ou dominantes ( ver Secção 2, deste cap í tulo) contri¬
buem largamente para a corrente de energia em cada grupo tr ófico , é o grande
n mero de espécies raras que determina essencialmente a diversidade de espécies
dos n í veis tróficos das comunidade tomadas no seu conjunto. As razões entre o
n ú mero de espé cies e os «valores de import â ncia » ( n ú meros, biomassa, produtivi ¬
dade , e assim por diante) dos indiv íduos designam-se por í ndices de diversidade de
espécies. A diversidade de espécies tende a ser pequena nos ecossistemas controlados
fisicamente ( isto é, sujeitos a fortes factores limitantes fí sico- qu í micos ) e alta nos
ecossistemas controlados biologicamente. Em geral, a diversidade aumenta com um
decré scimo na razã o da manuten çã o antit é rmica para a biomassa (a razã o R / B ou
«razã o de Schrõ dinger », ou renova çã o ecol ógica ver pá gina 58 ). Est á directamente
relacionada com a estabilidade, embora n ão se saiba até que ponto se trata de uma
rela çã o de causa-efeito.

Explicação

A rela çã o geral entre esp é cies e n ú meros (ou outros í ndices de «impor ¬

t ância») pode ser representada por uma curva côncava ou em forma de «cova», como
se ilustra na Figura 6- 4. Embora o padrão de um pequeno n ú mero de esp écies com
um grande n ú mero de indivíduos associado com muitas espé cies raras com um
pequeno n ú mero de indivíduos seja caracter ístico da estrutura da comunidade em
toda a parte, as rela ções da abund â ncia quantitativa em espé cies variam grande ¬

mente. Como se mostra na Figura 6- 4, a tensão tender á a aplanar a curva à medida


que o n ú mero de espécies raras se reduz e aumenta a import â ncia de, ou a con ¬
centra ção da domin â ncia em, poucas espé cies comuns (que sã o tolerantes, ou espe ¬
cialmente adaptadas à tensão). Utilizam-se dois m étodos gerais para analisar a diver ¬

sidade de espécies em diferentes situa ções, a saber, ( 1) compara ções baseadas nas
formas, padr ões, ou equa çõ es das curvas da abund â ncia de espé cies e (2) compara ¬
ções baseadas em í ndices de diversidade, que são razõ es ou outras express ões mate-
236

máticas de relações entre espé cies e importância. Encontram-se formalizados no


Quadro 6-1 exemplos de vá rios tipos ú teis de í ndices de diversidade e o respectivo
uso é ilustrado na Figura 6-5; a Figura 6-6 mostra exemplos de tratamentos gr áficos.
É importante reconhecer que a diversidade de espécies tem um certo n ú ¬
mero de componentes que podem responder de forma diferente aos factores geográ¬
ficos, de desenvolvimento ou í f sicos. Um componente principal poder á designar-se
riqueza em espécies ou componente variedade, se for expresso por raz ões simples entre
a totalidade das esp é cies, S , e os n ú meros totais ( ou valores de importância).
N, como nos trê s í ndices « d » apresentados no Quadro 6- 1. Estes í ndices podem ser
utilizados para comparar uma comunidade , ou grupo de populações, com outra, desde
que seja primeiro determinado que S é uma função linear do logaritmo ou da raiz
quadrada de N . Um í ndice esp é cies / á rea ( isto é, o n ú mero de espé cies por unidade
de área) també m é utilizado para exprimir a variedade , embora ao fazer compara ções
seja preciso assegurar que as dimensões das amostras sã o compar á veis. Com fre ¬
qu ê ncia , embora nã o sempre , as relações tanto de espé cies para n ú meros como de
espé cies para á reas sã o logar í tmicas ou exponenciais ( isto é, sã o adicionadas novas
espé cies em propor çã o com o logaritmo ou a funçã o exponencial do n ú mero de
indiv í duos ou da á rea amostrada ).
Um segundo componente principal da diversidade é aquele que pode ser
designado por uniformidade ou equidade na distribuiçã o dos indiv íduos pelas es¬
pé cies. Por exemplo, dois sistemas contendo cada qual 10 esp é cies e 100 indiv í duos
tê m o mesmo í ndice S / N , embora possam ter í ndices de uniformidade fortemente
diferentes na distribui ção dos 100 indiv í duos pelas 10 espé cies, por exemplo,
-
9 1 1 - 1 - 1 - 1 - 1 - 1 - 1 - 1 - 1 num extremo ( uniformidade m í nima) e 10 indi¬
v í duos por espé cie ( uniformidade perfeita) no outro extremo. O í ndice « e » do
Quadro 6- 1 constitui um exemplo de uma express ã o conveniente para este com ¬
ponente . A utilizaçã o ampla da fun çã o de Shannon ou í ndice H , que é uma imi ¬
tação da chamada f ó rmula da teoria da informa ção que cont é m factoriais difíceis
de calcular, combina os componentes da variedade e da uniformidade à maneira
de um í ndice de diversidade. Este í ndice é um dos melhores para fazer compara ções
quando se n ã o esteja interessado em separar os componentes da diversidade ( como
se ilustra na Figura 6-5 C) uma vez que é razoavelmente independente do tamanho
da amostra ( o que significa que na prática se requere um pequeno n ú mero de
amostras para se obter um í ndice seguro para efeitos de comparação ) . També m est á
normalmente distribu í do (Bowman et al., 1970; Hutcheson, 1970), pelo que se podem
utilizar os mé todos estat ísticos de rotina para testar a signifícâ ncia das diferen ças
entre m édias. Pode notar-se que tanto e como H se comportam inversamente ao
í ndice de predomí nio mencionado na Secção 2 (Quadro 6-1 A ) uma vez que os
valores altos indicam uma baixa concentra çã o de domin â ncia.
Há um certo n ú mero de princí pios ecol ógicos importantes associados aos
237

Figura 6 -4. Rela çã o geral entre o n ¬

mero de esp é cies ( S ) e o n mero de indi ¬

v í duos por esp é cie ( N / S ). A maior parte


das comunidades naturais cont é m um pe
queno n mero de esp é cies com grande
¬

s
n ú mero de indiv í duos ( as esp é cies comuns
e dominantes ) e muitas espécies represen ¬

tadas, cada uma delas, por poucos indiv í ¬

duos ( as esp é cies raras ). O ambiente fisico


rigoroso, a polui çã o, ou outras press õ es,
tenderã o a aplanar a curva , como se ilustra
com a linha tracejada .
N /S

conceitos de diversidade , como ficou esboçado no enunciado do resumo anterior.


Como foi expresso por Margalef ( 1968), «os ecologistas v ê em em qualquer medida
da diversidade uma expressã o das possibilidades de constru çã o de sistemas de
retroacção». Maior diversidade significa cadeias alimentares maiores e mais casos
de simbiose ( mutualismo, parasitismo, comensalismo , e assim por diante ; ver
Cap í tulo 7), e maiores possibilidades para o controlo de retroacçã o negativa, que
reduz oscilações e aumenta assim a estabilidade . Onde os custos da manuten ção
antit é rmica impostos pelo ambiente í f sico são reduzidos ( isto é, quando a razão
R / B é baixa; ver Capí tulo 3, p ágina 58 ), pode destinar-se à diversidade maior quanti ¬
-
dade da energia da comunidade . Consequentemente, as comunidades em ambientes
est áveis como seja a floresta tropical h ú mida t ê m diversidades de espécies mais altas
do que as comunidades submetidas a perturbações estacionais ou peri ódicas por
acção do homem ou naturais. N ão foi poré m ainda medido at é que ponto um
incremento na diversidade da comunidade no mesmo habitat pode, por si, aumentar
a estabilidade do ecossistema em presen ça de oscilações externas no habitat fí sico.
O significado das tend ê ncias da diversidade no desenvolvimento e na evolu ção dos
ecossistemas é considerado mais detalhadamente no Capí tulo 9. Chega dizer nesta
altura que a diversidade tende a ser mais alta nas comunidades mais velhas e mais
baixa nas estabelecidas recentemente. Embora a produtividade ou a corrente total
de energia afectem certamente a diversidade de espé cies, as duas quantidades
não est ão relacionadas de uma forma linear simples. As comunidades muito pro¬
dutivas podem ter diversidades de espé cies tanto muito altas (exemplo, um recife de
coral) como muito baixas (exemplo, um estu ário temperado). Como já ficou indi ¬
cado, a estabilidade parece estar mais directamente correlacionada com a diversidade
do que o est á a produtividade .
Quando se tomam em considera çã o n í veis tr óficos, elementos taxonomica-
mente bem estudados ( como sejam aves, insectos, ou populações b ê nticas aquá-
238

ticas), ou outras partes das comunidades, verifica-se que a diversidade de espécies


f cos. Por exemplo,
é muito influenciada pelas relações funcionais entre os n íveis tróí
o grau de apascentação ou de predação afecta grandemente a diversidade das popu-

PRESSÀO AGUDA POR INSECTICIDA


AMA [

NUMERO DE ESPECIES < -»


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SAIDA DE POLU 1ÇÀ O
2 3 A » 6 7 10 13
JULHO SEMANAS SETEMBRO

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S .

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0 10 2 0 3 0 4 0 5 0 6 0
C MILHAS A JUSANTE DA SA Í DA. AO LONGO DO RIO

-
Figura 6 5. Alguns exemplos da utiliza çã o de í ndices de diversidade de esp é cies. A . 0 efeito
do aumento da dimensã o da amostra em dois indices de diversidade , representado em papel semilo-
gar ítmico, juntamente com o n mero de espé cies acumuladas em sucessivas amostras de artr ó podos,
colhidas, em parcelas de 0, 1 m 2, na vegeta çã o de um campo de milho mi do ( Panicum ) na Ge ó rgia .
(Ver Figura 2-5.) B. 0 efeito de uma simples aplica çã o do insecticida Sevin ( um insecticida organofos -
_
fatado que se mant é m t óxico apenas uns 10 dias) na popula çã o de artr ó podos , numa parcela de um acre ,
de um campo de milho mi ú do. Dois componentes de diversidade ( d , e ) e um í ndice geral de diversidade
-
total (H ) baseiam se em 10 amostras de 0, 1 m 2 obtidas na á rea tratada c numa á rea de controlo, a intervalos
semanais ou bissemanais, desde princí pios de Julho at é fins de Setembro. A representa çã o semiloga -
r í tmica facilita a compara çã o directa de desvios relatij/ os resultantes da press ã o aguda do insecticida .
C. Altera ções no í ndice de diversidade de Shannon ( H ) do bentos ( organismos que vivem no fundo )
ao longo do rio, para jusante de uma desembocadura de polui çã o ( mistura de esgotos dom é sticos e indus ¬
triais de um à pequena cidade ), ilustrando o efeito pronunciado da polui çã o cr ó nica de um curso de
água por res í duos inadequadamente tratados. ( A e B tra çado por E . P. Odum a partir de dados de
Barrett , 1969 ; C reproduzido de Wilhm , 1967.)
239

la ções de pasto ou de presa. Uma « preda çã o» moderada reduz com frequ ê ncia
a densidade dos dominantes, proporcionando assim à s espécies menos competitivas
acrescida oportunidade de utilizar os espa ços e os recursos. Harper (1969) relata que
a diversidade das plantas herbáceas diminuiu nas colinas fcalcá reas inglesas quando
se evitou com cercados o pastoreio dos coelhos. Uma apascenta ção severa, por outro
lado, actua como uma press ão e reduz o n mero de espécies a poucas e de mau
paladar. Paine ( 1966) verificou que a diversidade de espé cies de organismos s é sseis
no habitat rochoso de mar é (onde o espa ço é geralmente mais limitante do que o
alimento) era maior , tanto nas regiõ es temperadas como tropicais, nos locais onde
os predadores de primeira e segunda ordem estavam activos. Em tais situações
a remoçã o experimental de predadores reduziu a diversidade de espécies de todos os
organismos s é sseis quer fossem ou nã o directamente submetidos a predação. Paine
conclui que «diversidade em esp é cies locais est á directamente relacionada com a
eficiê ncia com que os predadores evitam a monopolização dos principais requisitos
do ambiente por uma espé cie». Esta conclusã o n ã o é necessariamente válida para
os habitats onde a competi ção pelo espa ço é menos severa. O homem, enquanto
predador , produz o efeito oposto uma vez que tende a reduzir a diversidade e a
favorecer as monoculturas.
Durante os ú ltimos 10 anos (1960 a 1970) aumentou muito entre os ecolo¬
gistas o interesse sobre a diversidade em espé cies, porventura porque o homem
est á a reduzir a diversidade natural t ão rapidamente, e com frequ ê ncia com tanta
neglig ê ncia, que se levantam s é rias d ú vidas sobre se esta tend ê ncia aponta ou n ã o
no sentido dos seus melhores interesses. Em consequ ê ncia, foi produzida acerca
deste assunto uma «explosã o . de literatura» que no fecho da d écada é dif í cil de
resumir ou de avaliar. O ensaio de Hutchinson sobre «Why are there so many
species . ..» (1959) pode certamente ser uma leitura recomendada como um ponto
de partida para o estudo de outra literatura. O simpósio editado por Woodwell e
Smith (1969) proporciona uma boa amostra dos pontos de vista e dos m étodos e
é especialmente ú til para o principiante, dado que os autores de 19 trabalhos do
simpósio se ocupam com as rela ções entre a diversidade e a estabilidade, e com
a import â ncia dos conceitos para as actividades humanas. Resumos mais curtos
incluem Connell e Orias (1964), Whittaker (1965) , MacArthur (1965), Pianka ( 1967)
e Mclntosh (1967 a).

Exemplos

Exemplos da utiliza çã o dos í ndices de diversidade para avaliar as tens ões


provocadas pelo homem est ã o ilustradas na Figura 6-5, enquanto dois tipos de
an álises gr áficas est ã o representados na Figura 6-6. Antes de serem utilizados os
240

100

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N Ú MERO DE INDIV Í DUOS POR INTERVALOS GEOM ÉTRICOS

Figura 6 -6. A utilizaçã o das curvas de abund ância de espé cies para comparar a diversidade em
habitats diferentes. A . O m é todo da «rarefacçã o», envolvendo a constru ção de curvas baseadas na com ¬
posição, em percentagem de espé cies, em amostras avulsas de sedimentos marinhos suficientemente
grandes para conter de 500 a 3000 indiv íduos de poliquetas e bivalves, com o objectivo de determinar o
n mero hipot é tico de espé cies em amostras sucessivamente mais pequenas. Os habitats, por ordem
decrescente de diversidade de espé cies, são: água tropical pouco profunda (TSW, «tropical shallow
water»), mar profundo (DS, «deep sea»), plataforma continental ( CS, «continental shelf»), água boreal
pouco profunda ( BSW, «boreal shallow water ») e estuário boreal (BE, «boreal estuary») B. A estrutura ,

em espé cies da componente diatom á ce â de duas comunidades de estuá rio no Texas, como a exibem as
curvas normais truncadas obtidas representando o n ú mero de espé cies em sucessivos intervalos geomé ¬
tricos de abund â ncia; isto é, 1 a 2 indivíduos formam o primeiro intervalo, 2 a 4 o segundo, 4 a 8 o
terceiro , 8 a 16 o quarto, e assim por diante . No canal polu ído ( o Houston ship channel) o n mero
'

de espécies em todas as classes de abund â ncia foi fortemente reduzido . ( A reproduzido de Sanders, 1968 ;
B reproduzido de Patrick, 1967.)
241

í ndices de diversidade para comparar uma situa çã o com outra, tem de ser ave ¬

riguado o efeito do tamanho da amostra . Uma maneira de o fazer encontra - se


ilustrado na Figura 6- 5 A , na qual os indices s ã o calculados com base em amos ¬
tras de artr ó podes cumulativas correspondentes a 0, 1 m 2 num campo uniforme
de cultivo de gr ã os com utiliza çã o de um aspirador de v ácuo, como mostra a Fi ¬
gura 2 - 5 A . Como pode ver-se na Figura 6-5.4 , o í ndice de Shannon nivelou -se a 4
ou 5 amostras ( n ã o obstante haver sido amostrada uma pequena parte das espé¬
cies presentes ), ao passo que o indice de variedade ( S 1 / logN ) n ã o come çou
a nivelar-se at é terem sido colhidas 9 ou 10 amostras. Na Figura 6- 55 apresen ¬

ta-se o efeito de uma tens ão severa por acção de um insecticida. Deve notar-se
que embora o í ndice de variedade tenha sido grandemente reduzido pelo trata ¬

mento, a uniformidade aumentou e permaneceu elevada durante a maior parte da


esta ção de crescimento. Neste exemplo a diversidade da população de artr ó podos
era baixa antes do tratamento, com uma grande domin â ncia exercida por um pequeno
n mero de esp é cies em cada n í vel tr ófico. Quando o insecticida matou um grande
n mero das esp é cies dominantes, resultou em consequ ê ncia uma maior uniformi ¬

dade na abund â ncia das popula çõ es sobreviventes. Caso a diversidade se tivesse


apresentado na populaçã o original mais elevada do que baixa, quer a componente
variedade quer a componente uniformidade teriam sido reduzidas. O í ndice de
Shannon exprime a interacçã o destes dois componentes da diversidade e exibe ,
portanto, uma resposta interm é dia ( Figura 6- 5 B ). Embora o insecticida utilizado
nesta experi ê ncia apenas tenha permanecido t óxico durante 10 dias e a depressão
aguda somente haja durado umas duas semanas, foram evidentes durante muitas
semanas supera ções e oscilações nas raz ões de diversidade . Este exemplo mostra a
conveniê ncia de separar os componentes riqueza em esp é cies e abund â ncia relativa.
Tramer ( 1969 ), que analisou estes componentes em popula çõ es de aves , verificou
que as diferen ças na diversidade geral em vá rios tipos de comunidades do á rctico
at é aos tr ó picos eram principalmente o resultado de diferen ças no componente
riqueza em espé cies , mantendo-se o componente abund â ncia relativa est á vel a um
valor elevado ( provavelmente em virtude do comportamento territorial de muitas
esp écies; ver página 336 ). Tramer sugere al é m disso que as comunidades de ambien ¬
tes rigorosos deverã o variar em diversidade de acordo com o seu componente abun ¬
d â ncia relativa, enquanto a diversidade nos ambientes n ã o rigorosos ( controlados
biologicamente ) dever á ser uma fun çã o do n ú mero de esp é cies. O efeito dos esgotos
municipais ( contendo ú ma mistura de res í duos dom é sticos e industriais ) na diver ¬

sidade de organismos bê nticos ( de fundo) num rio de Oklahoma est á representado


graficamente na Figura 6-5 C. A diversidade b ê ntica foi reduzida ao longo do rio at é
uma dist â ncia superior a 100 quil ó metros. .Como será analisado no Cap í tulo 16, tais
esgotos deveriam primeiro ser introduzidos numa sé rie de tanques de estabiliza çã o,
ou submetidos a qualquer outro tratamento por forma a que o efluente final descarre-
16
242
gado no ambiente geral n ão produzisse um efeito t ão drá stico. Os í ndices de diversi ¬
dade facultam um dos melhores meios de detectar e de avaliar a poluição ( ver Wilhm,
1967; Wilhm e Dorris, 1968). Para este objectivo apenas é necessá rio estar em condi¬
ções de reconhecer as espé cies, sem necessidade de as identificar pelos respectivos
nomes. Os erros resultantes de se n ão ser capaz de distinguir entre espé cies muito
semelhantes ou de considerar etapas diversas da vida de uma mesma espé cie como
espé cies distintas nã o são graves porque (1) não é fácil que se encontre na mesma
amostra esp écies muito aparentadas ( ver página 342 ) e (2) as etapas distintas da vida
de uma espé cie fazem parte elas pr ó prias da diversidade. Al é m disso, as espécies não
são as nicas unidades ú teis. Por exemplo, a razão entre a clorofila e a biomassa
microbiana em material deslizante pode ser utilizada como í ndice de poluição ( baixo
em curso de água « polu ído», alto em curso de água «limpo»).
Na Figura 6-6 ilustram-se dois tratamentos grá ficos de diversidade em espécies.
No gr á fico superior a diversidade de componentes invertebrados principais («in -
fauna», ver página 539 ) de sedimentos em diferentes habitats marinhos é comparada
mediante aquilo que se tem designado por mé todo da «rarefação», que envolve a
representação gráfica do n ihero cumulativo de espé cies versus o n ú mero cumulativo
de indiv íduos contados e a avaliação das diferen ças em diversidade a partir da forma
da curva (Sanders, 1968). Surpreendentemente , os sedimentos marinhos profundos
mostraram alojar uma alta diversidade de animais embora a densidade (n ú mero
por m 2) se apresentasse muito baixa. A sucessão da diversidade decrescente das
águas superficiais tropicais (TSW ) at é ao estu ário boreal (BE) suporta a teoria de que
a estabilidade do habitat é um factor principal na regula ção da diversidade em espé ¬
cies. Um outro tipo de an á lise gráfica encontra-se ilustrado na Figura 6-6 B . Quando
o n ú mero de espé cies é representado graficamente versus o n ú mero de indivíduos
por intervalos geom é tricos ( isto é, 1- 2, 2-4, 4-8, 8-16, e assim por diante), obt é m-se
uma curva normal truncada , que é diferente das curvas côncavas apresentadas na
Figura 6-4. Uma vez mais, a polui çã o ou outras tensões tendem a baixar e a
aplanar a curva (isto é, a reduzir neste caso a altura da moda).
As análises gráficas têm duas vantagens sobre os índices: (1) o erro sistemá¬
tico da amostragem é reduzido e (2) não se admite nenhuma relação matem ática
específica. Contudo, as equa ções ajustadas a tais curvas podem ajudar a revelar se
existem «leis» matemá ticas governando as rela ções entre «S» e «N ». Isto é assunto
para textos avançados, por é m pode-se abrir a porta notando que h á quatro hipó¬
teses principais, a saber , que a relação é ( 1) geom é trica ( Motomura, 1932), ( 2 )
lognormal ( Preston , 1948), (3) logar í tmica (Fisher, Corbet e Williams, 1943), ou ( 4) con ¬
trolada casualmente pelo nicho ( MacArthur, 1957; ver tamb é m Capí tulo 8, página 379).
O Quadro 6-2 apresenta uma comparação das densidade e diversidade de popu ¬
lações de artró podes pum campo de cultura de grãos e numa comunidade herb ácea
natural que o substituiu no ano seguinte. Os valores apresentados são m édias de dez
243

amostras colhidas ao longo do perí odo vegetativo. Apenas após um ano sob
«ordenamento da natureza», por assim dizer, ocorreram as seguintes altera ções ( com ¬

parar 1966 e 1967) : (1) o n mero de insectos herb í voros (í


f t ófagos) foi grandemente
reduzido, tal como a densidade total dos artr ó podos; (2) o componente variedade
da diversidade e o í ndice da diversidade total aumentaram signifícativamente em
cada componente, o mesmo acontecendo para o total da comunidade de artró podos;
(3) o componente uniformidade aumentou na amostra total e em alguns dos com ¬
ponentes tr óficos; ( 4 ) o n mero, a diversidade e a composi çã o percentual dos
predadores e dos parasitas aumentou grandemente : os predadores e os parasitas
representavam apenas 17 por cento da densidade da popula çã o no campo de cultivo
de gr ã os em comparaçã o com a percentagem de 47 por cento no campo natural
( onde superaram de facto o n ú mero de herb í voros). Esta compara çã o proporciona
alguns ind í cios sobre as razões pelas quais as comunidades artificiais requerem
com frequ ê ncia o controlo dos insectos, qu í mico ou outro, ao passo que as á reas
naturais não o necessitar ã o caso seja dada à natureza a oportunidade de desenvolver
a sua pr ó pria autoprotecção!

Quadro 6-2
Densidade Média e Diversidade de Popula ções de Artrópodes na Cultura de Grãos
de 1966 não Submetida a Colheita * Comparadas com as da Comunidade
da Sucessão Natural que a Substituiu em 1967 j
INSECTOS INSECTOS ARACN Í DEOS TOTAL DE INSECTOS ARTR Ó PODES TOTAL DE
HERB Í VOROS PREDADORES PREDADORES PARASITAS DIVERSOS ARTR PODES

Densidade 1966 482 ± 36,0§ 64 ± 8,9 18 ± 1,9 82 ± 8,8 24 ± 4,3 36 ± 2 , 5 624 ± 36 , 6§


n .°/ m2 1967 156 ± 13,6 79 ± 12,2 38 ± 8,0 II 117 ± 19 , 0 51 ± 6,4§ 31 ± 3,1 355 ± 35,8
í ndice de 1966 7 ,19 ± 0 ,14 2,75 ± 0 , 13 1 , 56 ± 0,22 3,92 ± 0,20 6,32 ± 0,29 3,29 ± 0,29 15,57 ± 0,27
Varie -
dade ( d) tf 1967 10,56 ± 0 ,46 § 5,96 ± 0, 52 § 7,21 ± 0,58§ 11,42 ± 0 ,93§ 12,40 ± 1,21§ 4,35 ± 0,30§ 30,88 ± 1,92 §

í ndice de 1966 0, 65 ± 0, 021 0, 76 ± 0, 014 0,56 ± 0, 083 0,77 ± 0, 018 0,89 ± 0, 019 0,72 ± 0, 014 0,60 ± 0 ,019
Uniformi
dade ( e) ff
- 1967 0 ,79 ± 0,017 § 0,76 ± 0 ,024 0 ,86 ± 0, 03011 0,80 ± 0,020 0 ,90 ± 0, 013 0,85 ± 0, 017§ 0 ,84 ± 0, 006 §.

índice de 1966 2,58 ± 0,082 2,04 ± 0 , 059 1,12 ± 0,216 2 , 37 ± 0 , 071 2,91 ± 0, 072 1,96 ± 0 ,066 3,26 ± 0, 092
Diversidade
f ) ft 1967 3,28 ± 0,095§ 2,60 ± 0,067 § 2,96 ± 0, 101 § 3,32 ± 0,092§ 3,69 ± 0 ,134§ 2,54 ± 0,071§ 4,49 ± 0,075 §
Total (í

* Um campo de pain ço , Panicum , num cercado de um acre (ver Figura 2- 5 /i , página 26 ), povoado com tr ês
espé cies de pequenos mam í feros. Fertilizante aplicado na forma prescrita para a agricultura na altura da
instalaçã o, embora sem utiliza çã o de insecticida ou outro tratamento quimico (representada na Figura 6-5 B
a parcela de controlo para a experiê ncia).
t Dados nã o publicados, E. P. Odum , G. Barrett, R . Pulliam, Inst . of Ecology, University of Georgia. Os
n ú meros são m édias ± um erro padrão.
tf As fó rmulas dos í ndices encontram -se no Quadro 6-1; estes cá lculos baseiam se em logaritmos naturais.
-
§ A m é dia mais alta é signifí cativamente diferente da mais baixa ao n í vel dos 99 por cento.
II Diferen ça significativa ao n ível dos 95 por cento.
244

Dever á destacar-se que se tem vindo a tratar da diversidade no seio das comu¬
nidades ou por ções funcionais das mesmas ( produtores, por exemplo) e n ã o da
diversidade da flora e da fauna de á reas geogr áficas contendo uma variedade de
habitats e de comunidades mistas , se bem que amostras destes habitais mistos
( por exemplo, insectos atra í dos a uma armadilha luminosa) possam mostrar tend ê n ¬
cias semelhantes. As amostras regionais tenderã o, por é m, a reflectir mais a varie ¬
dade de habitats presentes do que a variedade no interior de um habitat determi ¬
nado. A diversidade geográfica é uma fun ção do isolamento e da extensão da á rea ;
as ilhas pequenas t ê m um n ú mero menor de espé cies do que as ilhas grandes,
que por seu turno t ê m uma menor diversidade biótica do que os continentes.

5. PADR ÕES NAS COMUNIDADES

Enunciado

A estrutura que resulta da distribui çã o dos organismos nos seus ambientes,


e as respectivas interacções com esses ambientes pode designar- se por padrão ( Hut -
chinson , 1953 ). Muitos tipos diferentes de arranjos na exist ê ncia permanente dos
organismos contribui para a diversidade de padrão (*) na comunidade , como por
exemplo: (1) padr ões de estratificação (disposição de camadas na vertical), (2) padrões
de zonagem (segrega çã o horizontal), (3) padr ões de actividade ( periodicidade), (4 ) pa¬
dr ões de teia alimentar ( organiza çã o em rede nas cadeias alimentares), ( 5) padr ões
reprodutivos ( associações dc progenitores e descendentes, clones de plantas, etc.),
(6) padr ões sociais ( manadas e bandos ), (7) padr ões coactivos ( resultantes da com ¬
peti çã o, antibiose, mutualismo, etc.) e (8) padr ões estocásticos ( resultantes de for ¬
ças fortuitas).

Explicação e Exemplos

A variedade de espécies e as suas abund â ncias relativas ( tal como se examinou


na secção anterior ) não são de nenhuma maneira os ú nicos elementos que interv ê m
na diversidade da comunidade . Os padr ões de arranjo e as actividades programadas
tamb é m contribuem para a fun çã o e a estabilidade da comunidade . Uma vez que sã o
apresentados na Parte 2 detalhes dos padr ões da comunidade nos habitats terrestre e

(*) Pielou ( 1966 á) utilizou a expressã o « diversidade de padr ão» num sentido muito mais restrito,
a saber , para referir o grau de segrega çã o dos indiv íduos de uma popula çã o relativamente aos
de outra.
245

aqu ático, ser á apenas necessário ilustrar nesta altura o princípio com diversos
exemplos.
Numa floresta, as duas camadas b ásicas o estrato autotrófico e o estrato
heterotrófico que são característicos de todas as comunidades (ver Capí tulo 2)
estão com frequê ncia distintamente estratificados em camadas adicionais. Assim,
a vegetação pode apresentar a camada herbácea, a arbustiva, a das árvores do andar
inferior e a das árvores do andar superior, ao mesmo tempo que o solo se encontra
fortemente estratificado, como ilustram as Figuras 5-11 e 5-12. Uma tal estratificação
não é limitada às plantas sésseis ou aos organismos pequenos mas é tamb ém caracte-
rística dos animais maiores e mais móveis. Assim, Dowdy (1947) amostrou as popula¬
ções de artr ó podos de cinco estratos principais de uma floresta de carvalho e
cária no Missouri ao longo do ano. Encontrou que das 240 espé cies de insectos,
aracnídeos e miriápodes, 181 espé cies (ou cerca de 75 por cento) tinham sido colec-
tadas apenas num só estrato, 32 de dois estratos, 19 de trê s e apenas 3 a 5 espé cies
tinham sido encontradas em quatro ou em todos os cinco estratos. Isso indica uma
ligaçã o not ável aos estratos por parte de grupos de organismos altamente m óveis.
Mesmo as aves, que podem voar facilmente do solo at é ao topo das árvo¬
res mais altas em poucos segundos se assim o desejarem , demonstram com frequê n¬
cia uma ligação estreita a certas camadas, especialmente durante a estação de cria.
N ão apenas os ninhos mas també m a totalidade das áreas de alimentação estão com
frequ ê ncia restringidas a um intervalo vertical surpreendemente estreito. A estratifi¬
cação em grupos altamente móveis tais como as aves é mais marcada ali onde h á um
certo n ú mero de espé cies semelhantes (com frequ ê ncia estreitamente aparentadas),
em competição potencial. Por exemplo, nas florestas perenifólias de New England,
a toutinegra ( Dendroica magnolia) ocupa os ní veis inferiores, a esp é cie «blâck-
-throated green warbler» ( Dendroica virens) os n íveis m é dios e a «blackburnian
warbler» ( Dendroica fusca) os n íveis altos da floresta. Todas estas espé cies são mem¬
bros da fam ília Parulidae e tê m habitais alimentares semelhantes. Outras esp écies
de aves canoras ocupam na floresta posições horizontais diferentes. MacArthur e
MacArthur (1961) , mostraram que, pelo menos na zona temperada, a diversidade em
espé cies de aves est á correlacionada com a altura da vegetação e o seu grau de estrati ¬
ficação. Como já foi indicado, factores adicionais, para alé m da diversidade de padrão,
encontram-se envolvidos na alta diversidade em esp é cies observada nos tr ópicos.
Para que se obtenha um contraste em mat é ria de estratificação na floresta,
compare-se a floresta tropical h ú mida com múltiplas camadas, constante da Fi ¬
gura 14-20, com a floresta de pinheiros controlada pelo fogo, essencialmente com
duas camadas, apresentada na Figura 14-12 C.
Um exemplo interessante de uma população estratificada na água é ilustrado
pela distribuição em profundidade de trê s espécies de peixe de pesca em represa
da TVA por meados do Verão (Figura 6-7). Como acontece em muitos lagos
246

profundos nas regiõ es temperadas, desenvolve -se durante o Ver ão uma estratificação
f sica n í tida com uma camada de água circulante aquecida, rica em oxig é nio, sobre ¬
í
posta a uma camada mais fria, e n ão circulante, que com frequê ncia fica exaurida
de oxig é nio. ( Ver Capí tulo 11, Secção 5, para efeitos de uma aná lise adicional da
estratifica ção num lago ) . Como se indica na figura , o achig ã de boca grande é a espé ¬
cie mais tolerante às altas temperaturas (como tamb é m é indicado pelo facto de ocor ¬

rer na natureza mais a sul do que as outras duas esp écies ) e encontra-se pr óximo
da superfície. As outras duas espé cies agrupam-se em águas mais profundas, selec-
cionando a perca do Canad á a água mais funda (e, portanto, a mais fria) que ainda
contenha um abastecimento adequado de oxig é nio. Determinando a distribui ção
em profundidade do oxig é nio e da temperatura é assim possí vel prever onde o peixe
será encontrado em maior n mero. Os diagramas como os da Figura 6 -7 tê m , de
facto, sido publicados em revistas locais com o objectivo de ajudar os pescadores
a se decidirem sobre qual a maneira de pescar para conseguir as esp é cies que de ¬
sejam. Por é m, como todo o pescador sabe , o simples conhecimento do s ítio onde
o peixe se encontra n ão d á garantia de sucesso; mas pode ajudar!
No oceano os bancos de peixe est ão com frequ ê ncia notavelmente estratifi ¬
cados, a tal ponto que criam «camadas difusoras do som » estritamente delimitadas,
como a Figura 12-16 mostra.
Uma das falhas dos estudos sobre a diversidade em espé cies, tal como se
descreveu na secção anterior , consiste no facto de tais an álises n ão revelarem como
as populações de esp écies estão ligadas entre si funcionalmente. Uma elevada razão
de espé cies para indiv íduos apenas é assumida para indicar uma teia alimentar com ¬
plexa com as consequentes interacções e estabilidade de retroacção. Um mé todo mais
avançado ser á o de determinar directamente a diversidade das ligações ou das vias
na rede padrão. Os testes de precipitina ( ver Dempster, 1960) ou, como se encontra
descrito detalhadamente no Cap ítulo 17, os traçadores radionuclidos permitem esta ¬
belecer diagramas das correntes reais de materiais e energia de uma esp é cie da popu ¬
la ção para outra ( Wiegert , E. P. Odum e Schnell, 1967). Na Figura 6-8 ( diagrama
central) é apresentado um exemplo de uma parte de uma teia alimentar cujo dia ¬

grama se obteve atravé s do traçador fósforo- 32. Neste exemplo de uma comunidade
de campo agrí cola abandonado há um ano havia duas espé cies de plantas superiores e
mais de 120 espé cies de artr ópodos associadas com o estrato da vegeta ção acima do
solo. Das ltimas apenas 15 espé cies se alimentavam efectivamente das duas plan ¬
tas , como ficou indicado por uma transfer ê ncia apreciá vel do tra çador durante um
per í odo de seis semanas de estudo em meados do Ver ão. Assim, a maioria das
espécies animais presentes n ão estava realmente envolvida no primeiro elo da cadeia
alimentar de pastoreio; muitas, claro, eram de predadores e parasitas, por é m muitas
espé cies utilizavam a vegeta ção principalmente como abrigo ou alimentavam-se de
plantas menos comuns, n ã o marcadas, ou de detritos , microrganismos , e assim
247

DIPTH TEMPERATURA oF OXIG É NIO DISSOLVIDO * KU . 0£ » nr


IN BASS WALLEYE SAUGER
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0
60 70 80 1 3 4 5 6 7 8 9 4" T
10 10 10

20 20 20

30 30 30

40 40 40
DOUGLAS
50 50 50
t PONTE DANDRIDGE
DOUGLAS; 1946 JULHO 24

0 60 I 2 3 4 5 6 7 8 9

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20 20 20

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40 40 40

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0 60 70 80 2 3 4 3 6 7 8 9

10 10

20 20 20

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50 50 50
PONTE CL1 NCH
NORRIS .covs ccut
/
/» >r
*(r 4946 JULHO 22

-
Figura 6 7. Distribuição em profundidade de tr ê s esp é cies de peixe de pesca desportiva em
tr ê s albufeiras da TVA (Tennessee Valley Authority), por meados do Ver ão. Apresentam -se à direita as
condiçõ es de temperatura e oxig é nio que determinam o n ível a que as diferentes esp é cies se agregam .
(Segundo Dendy, 1945.)

por diante. Como se ilustra na Figura 6-8, das plantas dominantes uma das espé cies
( conhecida como produtora de antibióticos) foi «pastoreada» por um menor n ú mero
de espécies do que a outra. A diversidade da teia (segundo se pode quantificar
contando o n ú mero de vias e de interacções) evidenciou-se como intermé dia entre
os modelos hipot éticos de baixa e de alta diversidade que se ilustram a um e outro
lado do modela para a comunidade real.
Uma vez que a progressão diária da luz, da temperatura e de outros factores
248

Produtores

Consumidores
Primários
Modelo Comunidade Modelo
Hipotético 1 de campo velho Hipotético 2

Figura 6-8. O diagrama do centro model a teia alimentar real tal como resulta de transferê ncias
do traçador 32 P para uma comunidade de um ano, de um campo agr ícola abandonado, que tem duas
plantas dominantes principais e 15 espécies de insectos que se alimentam de uma delas ou de ambas .
A teia alimentar real é interm é dia, em diversidade da cadeia alimentar , entre os dois extremos hipo¬
té ticos figurados. (Segundo Wiegert e E. P. Odum, 1969. )

f sicos se faz ela própria sentir em todas as comunidades, excepto nas comunidades
í
das águas profundas, do solo oy das cavernas, dever á esperar -se que a maioria das
populações na maior parte das comunidades apresentem periodicidades que estão
relacionadas, tanto directa como indirectamente, com as alterações que ocorrem
durante o período noite-dia de 24 horas. O termo periodicidade diel (= dia) refere-se
a acontecimentos que ocorrem em intervalos de 24 horas ou menos, enquanto
que o termo ritmo circadiano (= cerca de um dia) se refere à periodicidade persis¬
tente regulada pelo relógio biológico que conjuga os ritmos ambiental e fisiológico
( ver página 393). Produz-se periodicidade na comunidade quando grupos inteiros
de organismos exibem padr ões de actividade síncronos no ciclo noite-dia. Alguns,
por exemplo, estão activos apenas durante o perí odo de obscuridade ( nocturnos),
outros durante o dia ( diurnos) e outros ainda apenas durante os períodos de cre¬
púsculo ( crepusculares ).
Um exemplo notável de periodicidade diel em habitats aqu á ticos foi encontrado
na « migração» vertical de organismos do zoopl â ncton que ocorre regulafmente
tanto nos lagos como nos oceanos. Os copé podos, clad óceros, formas larvares, etc., ,

que integram a vasta vida flutuante nas á reas abertas t ê m geralmente um movi¬
mento ascendente ou no sentido da superf ície durante a noite e descendente
durante as horas de sol (Figura 6-9). Embora a luz seja aqui claramente o factor con ¬

trolador, estes movimentos diel são complexos, e os mecanismos fisiológicos envol ¬


vidos ainda não foram completamente elucidados. Cada esp écie, e algumas vezes
diferentes estados da mesma espécie , responde de uma maneira diferente de tal
forma que todos os organismos não tendem a acumular-se na mesma zona, se bem
que a estratificação seja muito mais marcada a meio do dia do que a meio da noite .
249

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Figura 6 -9. Diagrama de migra çã o vertical diel de tr ê s espé cies de pl â ncton marinho, nomeada ¬
mente, um copé podo ( Calanus finmarchicus), uma pequena medusa ( Cosmetira pitosesella ) e um crus¬
t á ceo { Leptomysis gracilis ) no Atlâ ntico Norte . ( De Allee et al., 1949, segundo Russell e Yonge. )

As periodicidades estacionais são do mesmo modo quase universais nas


comunidades e determinam com frequê ncia uma alteração quase completa na estru ¬
tura da comunidade durante o ciclo anual. Os efeitos da temperatura, fotoper í odo,
estações h midas e secas, fogo e outras periodicidades estacionais na regulação
da estrutura e da função da comunidade foram revistos no cap ítulo anterior. Na
zona temperada a temperatura interage com a duração do dia. Assim, Leopold e
Jones (1947) verificaram que a variação de ano para ano na é poca de floração
de plantas e a chegada das aves migrat órias é maior no princípio da Primavera,
quando as temperaturas sã o cr í ticas, do que no fim desta, embora experiê ncias
( realizadas por outros autores) mostrem que a duração do dia é o factor contro¬
lador em muitos casos.
Conquanto se pense convencionalmente em termos de quatro estações ( Pri ¬
mavera, Verão, Outono, Inverno), os ecologistas que estudam as comunidades terres¬
tres e de água doce nas regiões temperadas verificaram que ( como se sugere no
parágrafo anterior) o princí pio e o fim da Primavera e o princí pio e o fim do Ver ão
são tão diferentes uns dos outros como o são o Outono e o Inverno. Assim, parecem
mais representativas da periodicidade das comunidades seis estações: hibernal ou
hiemal ( Inverno), prevernal (Primavera tempor ã), vernal (Primavera tardia), estival
( princí pio de Verão) , serotinal ( Verão tardio) e outonal.
250

6. ECOTONOS E CONCEITO DE EFEITO DE BORDADURA

Enunciado

Um ecotono é a transição entre duas ou mais comunidades diversas como,


por exemplo, entre a floresta e a pradaria ou entre uma comunidade marinha de
fundo brando e outra de fundo duro. É uma zona de união ou um cinturão de ten ¬
são que pode ter comprimento consider ável embora seja mais estreita do que as
áreas das pr ó priás comunidades adjacentes. A comunidade ecotonal cont é m vulgar ¬
mente muitos dos organismos de cada uma das comunidades que se encontram e,
em adição, organismos que são característicos do ecotono e ami de lhe são restritos.
Com frequ ê ncia, tanto o n ú mero de esp écies como a densidade da população de
algumas esp é cies sã o maiores no ecotono do que nas comunidades que o marginam .
A tend ê ncia para o aumento da variedade e da densidade nas uniões de comuni¬
dades é conhecida por efeito de bordadura ou efeito de margem.

Explicação

Como já se destacou na Secção 3 deste cap ítulo as comunidades alteram-se


com frequ ê ncia muito gradualmente , como ao longo de um gradiente, ou podem
antes alterar-se abruptamente . No ú ltimo caso ser á de esperar uma zona de tensão
entre duas comunidades em competi ção. O que poder á n ão ser t ão evidente com
base numa observação casual é o facto da zona de transição suportar com frequ ê ncia
uma comunidade com caracter ísticas adicionais à das comunidades adjacentes ao
ecotono. Assim, a menos que o ecotono seja muito estreito, alguns habitats e, por ¬
tanto, alguns organismos são capazes de encontrar na região de transição aquilo que
n ão est á presente em qualquer das comunidades de per si. Uma vez que comu ¬
nidades ecotonais bem desenvolvidas podem conter organismos característicos de
cada uma das comunidades que se encontram e, ainda, espé cies vivendo apenas na
regiã o do ecotono, não se dever á ficar surpreendido por encontrar no ecotono maior
variedade e densidade de vida (efeito de bordadura). Por outro lado, algumas espé ¬
cies necessitam de facto como uma parte do habitat , ou como uma parte da sua
biologia , de duas ou mais comunidades adjacentes que diferem grandemente na
estrutura. ( Ver exemplo do habitat do tetraon í deo ilustrado na Figura 5-17.) Os orga
¬

nismos que ocorrem principalmente ou com mais abund â ncia, ou despendem a maior
parte do tempo, nas jun çõ es entre comunidades designam-se com frequ ê ncia por
esp é cies de « bordadura».
251

Exemplos

Nas comunidades terrestres o conceito de efeito de bordadura tem-se mos ¬


trado especialmente aplicá vel às popula ções de aves. Por exemplo , Beecher (1942)
fez uma tentativa decidida para localizar todos os ninhos de aves numa extens ão
de terreno que continha um certo n ú mero de comunidades de pântano e de
terrenos elevados. Verificou que havia menos ninhos num amplo estrato de pân ¬
tano de espadana, por exemplo, em compara ção com uma área equivalente composta
por lotes numerosos e pequenos da comunidade da mesma planta. Para o estudo em
conjunto ficou demonstrado que a densidade da popula çã o aumentava com o au ¬

mento do n mero de metros de bordadura por unidade de á rea da comunidade.


Numa escala mais ampla, é conhecido vulgarmente que a densidade de aves canoras é
maior nas quintas, nos terrenos dos col é gios e em lugares semelhantes , que t ê m
habitats mistos e, consequentemente , uma maior « bordadura » em compara çã o com
extens ões uniformes de floresta ou pastagem .
Como já foi destacado no enunciado anterior , os ecotonos podem ter espé cies
caracter ísticas que se nã o encontram nas comunidades que lhes d ã o origem . Por exem ¬
plo, num estudo sobre popula ções de aves ao longo de um gradiente de desenvol ¬
vimento da comunidade ( ver Quadro 9- 3) as á reas estudadas foram seleccionadas
por forma a minimizar a influ ê ncia das junções com outras comunidades. Obser -
vou - se que 30 esp é cies de aves tinham uma densidade de pelo menos 5 casais
por 40 hectares nalguns desses trechos. Contudo, cerca de 20 espé cies adicionais
eram conhecidas como aves correntes de cria das comunidades das terras altas
da regiã o tomada como um todo; 7 destas esp é cies foram encontradas em pequenos
n meros , ao passo que 13 esp é cies n ão foram mesmo registadas nas á reas uniformes
estudadas. Entre as ú ltimas incluiam-se esp é cies t ã o comuns como o tordo ameri ¬

cano ( Turdus migrat ó rias ) , o « bluebird » ( S ia lia sialis), o « mockingbird » ( Mimus polu-
ventos ) , o pássaro-anil ( Passerina cyanea ) , o «chipping sparrow» (Spizela passerina )
e o « orchard oriole » ( Icterus spurius ). Muitas destas esp é cies necessitam de á rvores
para nidificar ou para postos de observa çã o embora comam abundantemente na
erva do solo ou em outras á reas abertas; portanto, as suas necessidades quanto a
habitat são satisfeitas nos ecotonos entre as comunidades de floresta e de pradaria
ou arbustivas , embora não apenas na á rea de qualquer delas . Assim, neste caso
cerca de 40 por cento (20 de cada 50) das esp é cies comuns que se sabe criarem na
regiã o podem ser consideradas principalmente ou inteiramente ecotonais.
Um dos tipos gerais mais importantes de ecotonos no que respeita ao homem
é a bordadura da floresta. Esta pode ser definida como um ecotono entre as comuni ¬
dades de floresta e de pastagem ou arbustiva. Onde quer que se estabele ça , o homem
tende a manter as comunidades de bordadura da floresta na vizinhança das suas
habitaçõ es. Assim, caso se estabele ça na floresta reduz esta a pequenas á reas entre -
252

meadas com campos de pastagem, campos de cultura e outros habitais mais abertos.
Caso se estabeleça nas plan í cies, planta á rvores, criando um padr ão semelhante.
Alguns dos organismos originais da floresta ou da plan í cie sã o capazes de sobreviver
nas bordaduras florestais criadas pelo homem, ao passo que aqueles organismos
especialmente adaptados à bordadura da floresta , em especial muitas esp écies de
« plantas infestantes», aves, insectos e mam íferos, aumentam com frequê ncia em
n ú mero e expandem os respectivos territórios em resultado da cria ção pelo homem
de vastos novos habitats de bordadura florestal ( ver p áginas 181 e 389) .
Antes de se deixar este assunto dever á destacar -se que um aumento de densi ¬

dade nos ecotonos não constitui de nenhum modo um fen ó meno universal . Muitos
organismos podem, de facto, apresentar um efeito oposto. Assim, por exemplo, a
densidade das á rvores é obviamente menor no ecotono da bordadura da floresta
do que nesta. Embora muitas espé cies de animais econ ó micos, como os animais
de ca ça, sejam espécies «de bordadura», ou utilizem os ecotonos em grande parte ,
Barick ( 1950) mostrou que na regi ã o de Adirondack para o veado e o tetraon í deo
o conceito de efeito de bordadura deve ser exagerado . De facto, parece prová vel
que os ecotonos adquiram maior import â ncia ali onde o homem modificou grande-
mente as comunidades naturais. Na Europa, por exemplo, onde a maior parte da
floresta tem sido reduzida a bordaduras florestais, os tordos e outras aves da floresta
vivem em cidades e sub ú rbios em maior grau do que as espé cies afins da Am é rica
do Norte .

7. PALEOECOLOGIA :
A ESTRUTURA DAS COMUNIDADES EM IDADES PASSADAS

Enunciado

Uma vez que se sabe a partir dos f ósseis e outras evid ê ncias que os orga ¬
nismos eram diferentes nas idades passadas e que evolucionaram at é ao estado
presente, segue-se naturalmente que a estrutura das comunidades e a natureza
do ambiente també m foram diferentes. O conhecimento das comunidades e dos
climas do passado contribui grandemente para o conhecimento das comunidades
presentes. É este o objecto da paleoecologia , um dom í nio intermé dio entre a ecolo¬
gia e a paleontologia que foi definido por Stanley Cain ( 1944 ) como « o estudo do
biota do passado com base em conceitos e m é todos ecológicos na medida em que
podem ser aplicados», ou, numa forma mais ampla, como «o estudo das interacções
da terra, atmosfera e biosfera no passado». As hipóteses da paleoecologia sã o: (1)
que a acçã o dos princí pios ecol ógicos tem sido fundamentalmente a mesma atravé s
253

dos vá rios perí odos geol ógicos e (2) que a ecologia dos fósseis pode ser inferida
a partir daquilo que se conhece acerca das espé cies equivalentes ou aparentadas
que vivem actualmente .

Explicação

Desde que Charles Darwin trouxe a teoria da evolu çã o para o primeiro


plano do pensamento humano, a reconstru çã o da vida no passado atrav é s dos estu ¬
dos dos registos f ósseis tem constitu í do um objectivo cient ífico absorvente . A his¬
t ória evolucion ária de muitas espé cies, g é neros e grupos taxon ómicos mais altos
est á agora reunida. Por exemplo, a hist ória da evolu ção do esqueleto do cavalo
desde um animal de quatro dedos do tamanho de uma raposa at é à sua actual
configuraçã o é hoje ilustrada graficamente na maior parte dos livros de texto de
biologia elementar . Por é m o que se sabe sobre os elementos associados ao cavalo
durante as suas etapas de desenvolvimento ? O que comia, e quais eram os seus
habitat e densidade ? Quais eram os respectivos predadores e competidores ? Como
era, então, o clima? Como contribu íram estes factores ecológicos para a selecção
natural que teve de desempenhar o seu papel na configura ção da evolu ção estru ¬
tural ? Algumas destas quest õ es, claro, poderã o nunca ser respondidas. Contudo,
obtida informaçã o quantitativa sobre f ósseis mutuamente associados no mesmo
tempo e lugar, poder á ser possí vel ao cientista determinar alguma coisa da natureza
das comunidades, e dos seus dominantes, no passado. De forma an áloga, estas provas,
juntamente com as de car á cter puramente geol ógico, podem ajudar a determinar
condições climáticas e outras condições físicas existentes na altura. O desenvolvi¬
mento da «marca çã o radioactiva do tempo» e outros instrumentos geol ógicos novos
t ê m aumentado grandemente a capacidade humana para estabelecer o tempo preciso
em que um dado grupo de fósseis viveu .
At é h á pouco tempo tinha sido prestada escassa atenção às quest ões referidas
no par ágrafo anterior. Os paleontologistas estavam ocupados em descrever as suas
descobertas e a interpret á-las à luz da evolu ção ao n í vel taxon ómico. Por é m , à
medida que uma tal informação se acumulou e tornou mais quantitativa era mais
que natural que fosse despertando o interesse pela evolu çã o do grupo, e assim nasceu
um novo ramo de ciê ncia, a paleoecologia. Em resumo, o paleoecologista trata,
assim, de determinar a partir de registos fósseis que organismos estavam associa¬
dos no passado, como interagiam com as condiçõ es físicas existentes e como as
comunidades se alteraram com o correr do tempo. As hipóteses básicas da paleoecolo¬
gia sã o fundamentalmente as mesmas que as da paleontologia, isto é, que as «leis
naturais» eram no passado iguais às de hojè e que os organismos com estruturas
semelhantes à s dos organismos que hoje vivem tinham padr ões de comportamento
254

e caracter ísticas ecol ógicas semelhantes. Assim, se a prova f óssil deu indicação de
que existiu h á 10 000 anos uma floresta de p íceas onde agora se encontra presente
uma floresta de carvalhos e cárias, existem todas as razõ es para pensar que o clima
era mais frio h á 10 000 anos, uma vez que as espé cies de píceas são conhecidas
hoje como adaptadas a climas mais frios do que os carvalhos e as cá rias .

Ilustrações

Uma vez que o padrão geral da evolu ção da comunidade atrav é s de todo o per ¬

curso do tempo geológico se encontra examinado no Capí tulo 9, podem seleccionar - se


exemplos com base em estudos de comunidades em per íodos geol ógicos recentes.
O pó len fó ssil proporciona excelente material para a reconstitui ção das
comunidades terrestres que foram existindo desde o per íodo Pleistocé nico. A Fi ¬

gura 6-10 é um diagrama que mostra como a natureza das comunidades pós-gla-
ciares e os climas podem ser reconstru ídos determinando quais as á rvores dominan ¬

tes. À medida que os glaciares se retiraram deixaram com frequ ê ncia locais cô ncavos
que se converteram em lagos. O pólen das plantas que cresceram à volta do lago chega
ao fundo e torna-se fossilizado no lodo do sedimento. Um lago desta natureza poder á
encher -se e converter -se num pâ ntano. Caso se obtenha uma amostra com uma sonda
vertical do fundo do pâ ntano ou do lago, obt é m-se um registo cronol ógico na base
do qual se pode determinar as percentagens dos vá rios tipos de pólen . Assim, na
Figura 6-10, o pólen « mais velho» amostrado é composto principalmente por p í cea,
abeto, lari ço, vidoeiro e pinheiro, indicando um clima frio. Uma altera çã o para o car
¬

valho, a tsuga e a faia indica a ocorrê ncia de um per í odo h ú mido quente v á rios
milhares de anos mais tarde, ao passo que o carvalho e a cá ria sugerem um pe ¬

ríodo seco e quente ainda mais à frente, com um retorno às condiçõ es um tanto
mais frias e h midas na parte mais recente do perfd. Finalmente , o «calend ário»
do pólen re ílecte claramente os efeitos da acção recente do homem ao abrir a floresta,
como fica provado por um aumento do pólen das plantas herbá ceas. De acordo com
Davis (1969) os perfis de p ólen na Europa mostram at é os efeitos da peste negra
quando a agricultura entrou em decad ê ncia , determinando um decré scimo do pólen
de herbá ceas nas camadas de sedimento datadas do mesmo tempo em que ocorreu
a morte em massa muito generalizada de seres humanos.
A Figura 6-10 tamb é m ilustra como a quantifica çã o aperfeiçoada pode alterar
as interpretações dos registos fósseis. Quando a abund â ncia de p ólen é representada
graficamente como uma percentagem da quantidade total na amostra ( o m é todo
convencional , pelo menos at é h á pouco), fica-se com a impressão de que a New
England estava coberta por uma floresta densa de p íceas há 12 000 a 10 000 anos. Nã o
obstante , quando o registo da idade pelo carbono tornou poss í vel determinar a
255
60%
PERCENTAGENS DE POLEN
o

2 2*§
LU CC
11 <
cr
O
=>
i

< < co
Í 5 5£
CD < < cn <
H LU oo

5,000

C/D
O
z

*
< 10,000

LU
C/D
O 15,000
J
Z TIPO DE VEGETAÇÃ O
LU B. TAXAS DE ACUMULA ÇÃ O DE PÓLEN
5
Q TERRA DE CULTURA -
LU
C/D - N Ú CLEOS ARBORIZADOS
C/D
O 5 ,000 FLORESTA DE FOLHOSAS
Q
LU
O FOLHOSAS - PINHEIRO
<

)
O
10,000 PARQUE ABERTO DE PlCEA

TUNDRA
15 ,000 3
10 * IO GR ÃOS cm

Figura 6 - 10. Perfis de p ó len fó ssil de camadas datadas representadas em sondas de sedimento
de um lago localizado no sul da Nova Inglaterra . Em A , o n mero de gr ã os de p ó len de cada grupo
de espé cies est á representado como uma percentagem do n mero total na amostra , enquanto que em B
est á representada a taxa estimada de dep ósito de p ó len para cada grupo de plantas . O perfil da taxa
faculta uma melhor indica ção da natureza quantitativa da vegeta çã o do p ó s - pleistocé nio do que o perfil
da percentagem . ( Reproduzido de Davis , 1969 . )

proporção do depósito de pólen em camadas datadas e as propor ções foram represen ¬


tadas graficamente na Figura 6-105, tornou-se evidente que as árvores de todas as
esp écies eram escassas há 10 000 anos e que a vegetaçã o è ntão existente era na rea¬
lidade um campo aberto de parque de pí ceas, provavelmente n ã o muito distinto d ó
que no presente ocorre ao longo da bordadura sul da tundra. Isto constitui um bom
exemplo daquilo para que os estat í sticos com frequ ê ncia advertem: cuidado com
as análises percentuais; podem ser enganosas!
No oceano, as conchas e os ossos dos animais proporcionam com frequê ncia
o melhor registo. Os depósitos de conchas sã o especialmente bons para an á lises
de diversidade, exactamente como o sã o as popula ções actuais, tal como se representa
na Figura 6-6 A. Valentine ( 1968) apresenta , um modelo interessante (Quadro 6- 3)
256

Quadro 6-3
Comparação da Densidade em Espécies de Moluscos de Concha Bênticos na Plataforma
Marítima Continental, num Gradiente do Equador ao Pólo Norte, Durante Períodos
Geológicos Quentes ( I ) e Frio ( II ) *
IPÓLOS II P Ó LOS
PER Í ODO QUENTE PER Í ODO FRIO

Espécies Espécies
Acumuladas Acumuladas
( a partir do ( ia partir do
ZONAS DA LATITUDE N.° de Espécies equador) N.° de Esp cies equador )

6 ( polo) 850 1000 250 2050


5 875 1000 400 2 000
4 900 1000 550 1825
3 925 1000 700 1625
2 950 1000 850 1350
1 (equador) 1000 1000 1000 1000

-
* Segundo Valentine, 1968.

que p õe em destaque a import â ncia de distinguir entre diversidade « na comuni ¬


dade » e diversidade «geogr áfica». Assim, em idades passadas quando n ã o havia gelo
nos p ólos (Quadro 6-3, coluna I) havia a norte muito mais espécies nos fundos
do mar do que hoje (Quadro 6-3, coluna II). N ão obstante , no gradiente completo
do pólo ao equador h á agora duas vezes mais esp é cies de moluscos bê nticos numa
altura em que os pólos est ão cobertos de gelo em virtude do gradiente mais
rá pido aumentar a especiação.
257

Capítulo 7 - PRINCÍPIOS E CONCEITOS


RELATIVOS À ORGANIZA ÇÃO
A N Í VEL DA POPULA ÇÃO

1. PROPRIEDADES DO GRUPO POPULAÇÃO

Enunciado

A população, que tem sido bem definida como um conjunto de organismos


da mesma espé cie ( ou outros grupos no seio dos quais os individuos podem trocar
informação gen é tica) ocupando um dado espaço, tem vá rias caracter ísticas que ,
embora melhor expressas como fun ções estat ísticas, fazem parte unicamente do grupo
e n ão s ão caracter í sticas dos indiv í duos que o compõem. Algumas destas proprie ¬
dades s ão a densidade, a natalidade ( taxa de nascimento), a mortalidade (taxa de
morte ), a distribuição de idades, o potencial biótico, a dispersão e a forma de cres ¬
cimento. As populações també m possuem caracter ísticas gen é ticas directamente rela¬
cionadas com a sua ecologia , nomeadamente adaptabilidade , capacidade reprodutiva
( darwiniana) e persist ê ncia ( isto é , probabilidade de deixar descendentes durante
longos per íodos de tempo ). Ver Dobzhansky (1968 ).

Explicação

Tal como foi expresso correctamente por Thomas Park ( em Allee et al., 1949),
uma população tem caracter í sticas ou «atributos biológicos» que compartilha com os
organismos componentes, e tem caracter ísticas pr ó prias do grupo ou «atributos de
grupo» . Entre os primeiros, a popula çã o tem um ciclo biológico dado que cresce , se
diferencia e se manté m tal como acontece com o organismo. Tem uma organização
e uma estrutura definidas que podem ser descritas. Por outro lado, os atributos de

17
258
grupo, como a taxa de nascimento, a taxa de morte, a proporção de idades e a capa ¬
cidade gen é tica, apenas se aplicam à popula çã o. Assim , um indiv í duo nasce e morre
e tem idade, embora nã o tenha um índice de natalidade, um í ndice de mortalidade
ou uma propor ção de idades. Estes ltimos atributos s ó t ê m sentido ao n í vel de
grupo. Como se indica no Enunciado, os atributos das popula çõ es podem ser consi ¬
derados em duas categorias: (1) aqueles que respeitam a rela ções numé ricas e a
estrutura e (2) as tr ê s propriedades gen éticas gerais. Nas secçõ es seguintes ser ão
considerados os atributos importantes de grupo e apresentados exemplos.
Em populações simples de laborat ório observadas sob condi ções controladas
muitos dos atributos mencionados podem ser medidos, e estudados os efeitos
que sobre eles exercem os vários factores. Nas popula çõ es naturais, contudo, é
com frequ ê ncia dif í cil ou imposs í vel medir todos os atributos. Algumas destas
dificuldades t ê m sido ultrapassadas à medida que vão sendo melhorados os mé todos
de estudo das popula ções. O desenvolvimento de melhores m étodos para medir
as propriedades das populações dos diferentes organismos importantes é, assim, uma
linha muito frutuosa da actual investiga ção ecol ógica. Mesmo com um grande
aperfei çoamento nos m é todos, é duvidoso que todos os atributos da popula ção possam
ser medidos na natureza com . igual precisão. Felizmente , não é com frequ ê ncia ne ¬
cessá rio medir realmente todos eles para que se obtenha uma imagem suficiente da
popula ção . Frequentemente uma caracter ística de dada populaçã o pode ser calculada
a partir de dados relativos a outra caracter í stica. Assim , medições adequadas de uma
ou duas propriedades podem ter mais valor do que a medição defeituosa de várias.

2. DENSIDADE DA POPULAÇÃO E Í NDICES DE ABUNDÂ NCIA RELATIVA

Enunciado

A densidade da popula çã o é a grandeza d é sta relativamente a uma unidade


de espaço. É geralmente analisada e expressa como o n ú mero de indiv í duos, ou a
biomassa da população, por unidade de á rea ou volume por exemplo, 400 á rvores
por hectare, 5 000 000 diatomá ceas por m 3 de água , ou 100 kg de peixe por hectare
de superf í cie de água. Como ficou sugerido no Cap ítulo 2 , podem servir como uni ¬

dade de biomassa atributos muito diversos, variando desde o peso seco ao DNA
ou ao teor em RNA. Por vezes é importante distinguir entre densidade bruta , o
n ú mero ( ou biomassa) por unidade do espaço total , e densidade específica ou ecoló ¬

gica (*), o n ú mero (ou biomassa) por unidade de espaço de habitat (á rea ou volume
dispon ível que pode ser realmente colonizado pela popula çã o). Com frequ ê ncia é

(*) Tamb é m denominada densidade econ ó mica por Elton ( 1933) .


259

mais importante saber se a popula çã o se est á a alterar (a crescer ou a decrescer) do


que conhecer o seu tamanho em qualquer momento. Em tais casos, são ú teis os
í ndices de abund ância relativa; estes podem ser « relativos ao tempo», como, por
exemplo, o n ú mero de aves observadas por hora, ou podem ser percentagens de
vá rios tipos, tais como a percentagem de parcelas de amostra ocupadas por uma dada
esp écie de planta.

Explicação

Ao iniciar o estudo de uma população, a densidade será com frequ ê ncia o pri ¬
meiro atributo desta a que se dedica aten ção. Poderá dizer-se que a hist ória natural
se converte em ecologia assim que se consideram tanto «quantos» como «que tipos».
1i
De facto, o efeito que uma população exerce na comunidade e no ecossistema 4
depende não apenas do tipo do organismo envolvido mas tamb é m do respectivo n ú ¬
mero noutras palavras, da densidade da população. Assim, uma gralha num campo
de cereal com 50 hectares terá um efeito pequeno sobre a produ ção final e n ão
causa preocupaçõ es ao agricultor, embora 1000 gralhas em 50 hectares seja coisa
inteiramente diferente!
A densidade da população é , tal como acontece com alguns dos outros
atributos da popula ção, muito vari ável. Contudo, n ão é de nenhum modo infinitamente
variá vel; há limites superiores e inferiores definidos para as dimensões das populações
de espécies que são observados na natureza ou que podem existir teoricamente durante
qualquer perí odo de tempo. Assim, uma vasta á rea de floresta poderá apresentar
uma m é dia de 10 aves por hectare e 20 000 artr ó podos do solo por m 2, por é m nunca
poderá ter um n ú mero de 20 000 aves por m 2 ou um n ú mero t ã o pequeno como
10 artr ópodos por hectare! Tal como se destacou no Capí tulo 3, o limite superior da
densidade é determinado pela corrente de energia ( produtividade ) no ecossistema,
!
-
o n í vel tr ó fico a que o organismo pertence e a taxa metab ó lica do organismo .
O limite inferior pode não estar t ão bem definido, por é m nos ecossistemas em equil í ¬
brio, pelo menos, os mecanismos homeost áticos operam mantendo a densidade dos 1
organismos comuns ou dominantes dentro de limites um tanto definidos.

Exemplos

Na Figura 7-1 apresenta-se o intervalo da densidade registada para mam í¬


feros comuns . A densidade (expressa como biomassa por hectare ) é a da espé cie
dentro da sua á rea geográfica normal, no seu habitat preferido ( isto é, a densidade
ecol ógica) e sob condições em que o homem ou outras for ças «exteriores» não
260
são excessivamente restritivos. As espé cies est ão distribu í das no gráfico de acordo
com o n í vel tr ófico e dentro dos quatro n íveis segundo o tamanho do indivíduo.
Vê -se que enquanto a densidade dos mam íferos como uma classe pode variar ao
longo de aproximadamente cinco ordens de grandeza, o intervalo para uma dada
espécie ou n ível tr ófico é muito menor. A influ ê ncia do n ível trófico é, certamente ,
impressionante , e o efeito do tamanho també m est á indicado, uma vez que os gran ¬

des mam íferos em cada n ível tendem a manter uma biomassa maior do que os
mam íferos pequenos. O efeito do n ível tr ófico na densidade de peixes numa lagoa
encontra-se ilustrado pelos dados do Quadro 7-1.4: quanto mais baixo for o n ível
tr ófico maior ser á a densidade. O ponto a salientar é que a primeira ordem de
regula çã o da populaçã o é a corrente de energia factor f ísico complexo; a segunda
ordem de controlo envolve a mat é ria que constitui o objecto deste capí tulo, nomea ¬
damente a interacção das populaçõ es umas com as outras.
Quando o tamanho e a taxa metabólica dos indiv íduos na populaçã o sã o
relativamente uniformes, a densidade expressa em termos de n ú mero de indiv íduos
é, como medida, bastante satisfat ó ria ; por é m ocorre com frequ ê ncia a situa çã o ilus¬
trada no Quadro 7-15. Os m é ritos relativos dos padr ões de n ú meros, biomassa e
corrente de energia como í ndices encontram- se discutidos no Capí tulo 3 ( ver
página 125, e especialmente o Quadro 3-14). Será conveniente relembrar o seguinte

3 DONINHA
I
l O
= LINCE COMEDORES DE CARNE >
X
i PUMA i 5.
<
aJARITATACJA o
X
I
O
RAPOSA 1 OMN Í VEROS w
aURSO PRETO

RATO ( PEROMYSCUS ) c:
CO COMEDORES DE ESQUILO NORTE
c
O FRUTOS E SEMENTES AMERICANO (TAMIAS);
tr
O |ESQUILO COMUM c
> I
m RATO SILVESTRE ( MICROTUS)c
cc I 1
LU I f GALO!I
x COMEDORES DE FOLHAGEM SILVESTRE ,
I I
VEADOc
I I
I
I I
1
.001 .01 0.1
J
l. o 10 100
BIOMASSA QUILOGRAMAS/ HECTARE

-
Figura 7 1. O â mbito da densidade da popula çã o (como biomassa por hectare ) de vá rias espé cies 3
de mamíferos, reportado ao habitat preferido das espécies em á reas onde o homem n ã o é excessivamente
restritivo. As espé cies est ã o distribu í das segundo os niveis tr ó ficos e de acordo com a dimensã o indi ¬
vidual, dentro dos quatro n í veis tr ó ficos, para ilustrar os limites impostos pela posiçã o tr ó fica e dimensã o
do organismo na exist ê ncia permanente esperada. (Gr áfico preparado a partir de dados obtidos por
Mohr , 1940, e de resultados de estudos posteriores.)
261

enunciado desse cap ítulo: «Os n ú meros estimam por excesso a import â ncia dos
organismos pequenos, e a biomassa estima por excesso a import â ncia dos organismos
grandes», por é m os componentes da corrente de energia « proporcionam um í ndice
mais apropriado para comparar toda e qualquer popula ção num dado ecossistema».
H á numerosas medidas e termos especiais largamente utilizados que se apli ¬
-
cam apenas a populações específicas ou a grupos de populaçõ es. Os florestais, por
exemplo, determinam os «metros cú bicos por hectare » ou outras medidas da parte
comercialmente utilizá vel da árvore. Assim , esta é , como muitas outras, uma medida
de densidade de acordo com a definição ampla que se fez do conceito, uma vez que
expressa de uma certa maneira a quantidade de «exist ê ncia ou biomassa permanente »
por unidade de á rea.
Uma das maiores dificuldades em medir e expressar a densidade resulta do
facto dos indivíduos nas populações estarem com frequ ê ncia irregularmente distri ¬

bu ídos no espa ço, isto é, apresentarem uma distribuição «agregada». Por tal motivo,
deve haver cuidado na escolha da dimensão e do n ú mero de parcelas de amostra
utilizadas para determinar a densidade. Este problema ser á discutido mais adiante
neste capítulo.
Como ficou indicado no Enunciado no princí pio desta secção, a abund â ncia
relativa é com frequ ê ncia uma medida ú til quando importa conhecer como a popu ¬

la çã o se est á a alterar, ou quando as condições sã o tais que a densidade absoluta


n ão pode ser determinada. Os termos «abundante», «comum », «raro», e assim por
diante , são mais ú teis quando est ã o ligados a algo que se mediu ou avaliou de
uma forma que d á sentido à compara ção. Algumas formas de investigar a impor ¬

t ância ou o predom í nio (e o conceito de «valor de import â ncia») das populações das
espé cies na comunidade foram revistas nas Secções 4 e 5 do capítulo anterior.
.

Como seria de prever , os « í ndices» de abund ância relativa são de uso muito generali
¬

zado com populações de animais maiores e de plantas terrestres, onde é imperativo


obter sem dispê ndio excessivo de tempo e dinheiro uma medida aplicável a grandes
áreas. Por exemplo, os administradores federais encarregados de estabelecer os regu ¬
lamentos de ca ça para as aves migrat órias aquáticas t ê m de saber se as populações
sã o mais pequenas, maiores ou de igual dimens ã o do que as do ano anterior ,
caso queiram adaptar os regulamentos de caça ao melhor interesse tanto das aves
como dos caçadores. Para o fazer precisam basear-se em í ndices de abund â ncia
relativa obtidos com base em provas de campo, invent á rios, levantamentos dos
ca çadores, inqu é ritos e censos de nidifica ção. Os índices percentuais sãó larga ¬
mente utilizados no estudo da vegeta ção, tendo entrado no uso geral termos espe ¬
cialmente definidos; por exemplo, frequ ê ncia = percentagem de parcelas de amostra
nas quais a espé cie ocorre, abund â ncia = percentagem de indiv í duos numa dada
amostra, coberto = percentagem da superf ície do solo coberto obtida por projecção
vertical das partes aé reas. No Cap ítulo 14 examinam-se outros í ndices desta natu -
262

reza. Dever á haver o cuidado de n ã o confundir í ndices de abund â ncia relativa com
a densidade verdadeira, que é colocada sempre em termos de uma por ção definida
de espa ço.
O contraste entre densidade bruta e densidade ecológica pode ser ilustrado pelo
estudo de Kahl (1964) sobre a cegonha do bosque nos Everglades da Florida. Como
a Figura 7-2 ilustra, a densidade de peixes pequenos na á rea tomada no seu conjunto
baixa à medida que os n í veis de água baixam durante a esta çã o seca de Inverno,
ao passo que a densidade ecol ógica nos pegos de água em contracção aumenta à
medida que os peixes se vão amontoando em superf í cies de água cada vez mais
pequenas. A cegonha põe os ovos numa altura tal que a cria sai do ovo quando a
densidade ecol ógica de peixe est á no auge e é fá cil aos adultos apanharem peixe
que proporciona o principal alimento para as crias.

Quadro 7-1
Densidade em Populações de Peixe Ilustrando o Efeito do N ível Tróflco na Densidade
da Biomassa (A ) e as Relações Entre N úmeros e Biomassa numa População
com uma Estrutura de Idades e Volumes em R ápida Alteração ( B )
A. POPULA ÇÕ ES MISTAS , BIOMASSA POR UNIDADE DE Á REA :
Peixe em lagoas artificiais, em Illinois ( dados de Thompson é Bcnnett, 1939). Grupos de
peixes dispostos segundo ordem aproximada das rela çõ es na cadeia alimentar , com o «peixe
.
grosseiro» a ocupar o nivel trófico mais baixo e o «peixe de pesca desportiva» o mais alto.

PEIXE EM LIBRAS POR ACRE

Lagoa Lagoa Lagoa


N.° 1 N .° 2 N .° 3
Peixe de pesca desportiva e de prato (achigã ,
Lepomis macrochirus, etc. ) 232 46 9
Peixe gato ( Ictalurus nebulosus e I. punctatus) 0 40 . 62
Peixe de forragem ( Notropis sp., Dorosoma
cepedianum, etc.) 0 236 3
Peixe herb ívoro ( Catostomus commersoni ,
carpa , etc.) 0 87 1 143
Totais 232 409 1217

B. COMPARA ÇÃ O DA DENSIDADE INDIVIDUAL E DA BIOMASSA QUANDO O TAMANHO DO ORGANISMO SOFRE


UMA PRONUNCIADA ALTERA ÇÃ O COM A IDADE :

O salm ã o da esp é cie Oncorhynchus nerka num lago da Col mbia Britânica. O salmão incuba
em rios e em Abril entra no lago, onde permanece at é à maturidade. Observe-se que entre
Maio e Outubro os peixes crescem rapidamente em tamanho, do que resulta a triplica çã o da
biomassa, muito embora o seu n ú mero seja fortemente reduzido. De Outubro at é ao Abril
seguinte ocorre um crescimento muito pequeno, e a morte continuada de peixe reduz a
biomassa total. (Dados de Ricker e Forester , 1948).
Maio Outubro Abril
Indiv í duos, milhares no lago 4 000 500 250
Biomassa, toneladas m é tricas no lago 1,0 3,3 2,0
263

T ê m sido ensaiadas muitas t é cnicas diferentes para a medi ção da densidade da


popula ção, e a metodologia constitui ela pr ó pria um importante campo da investi ¬
ga çã o. N ão seria esta a altura de entrar em detalhes quanto a mé todos uma vez
que estes se examinam melhor no campo e nos manuais que deles tratam . Por
outro lado, o indiv í duo no campo verificar á geralmente que tem primeiro de pro ¬

ceder à revis ão da literatura original aplicada à sua situação e que depois tem de
desenvolver modificações e aperfei çoamentos nos m é todos existentes para os adaptar
ao seu caso específico. N ão há substituto para a experiê ncia quando chega a altura
de efectuar o invent á rio de campo! Pode assinalar-se, contudo, que os m étodos caem
em diversas categorias gerais : ( 1) Contagem total, algumas vezes poss í vel com orga¬
nismos grandes ou consp í cuos ou com aqueles que se encontram agregados em
col ónias. Por exemplo, Fisher e Vevers ( 1944 ) foram capazes de estimar a dimensão
da população mundial do ganso- patola ( Sula bassanà) , uma grande ave marinha
branca que nidifica num pequeno n mero de col ónias densamente povoadas nas
costas do Atlâ ntico Norte da Am é rica do Norte e da Europa, em 165 600 ± 9500 in- ; p
div í duos. (2) Os m é todos de amostragem por parcelas de amostra envolvendo a con- j
||
tagem e a pesagem de organismos em parcelas ou faixas com dimensã o e n mero
apropriado para obter uma estimativa da densidade na área amostrada. (3) M é todos
<

O N D J F M A M A S
MESES DO ANO
Figura 7-2. Densidade ecológica e bruta do peixe- presa em relação com a cria çã o da cegonha
predadora. Quando no sul da Florida os n íveis da água descem durante a estaçã o quente, declina a
densidade bruta do peixe mi ú do ( isto é, o n mero de peixes por quil ó metro quadrado da á rea total
declina dado que a dimens ão e o n mero de lagoas diminui ) , embora a densidade ecológica ( isto é,
'

o n ú mero por metro quadrado de superfície da água remanescente ) aumente com a acumula ção do peixe
em á reas mais pequenas de água. A nidifica çã o da cegonha est á regulada de modo a que a m áxima
"

disponibilidade em alimento coincide com a 'maior procura de alimento pelos filhotes em crescimento.
(Segundo Kahl , 1964.)
264

de marca çã o e nova captura ( para os animais m óveis) , nos quais uma amostra dã
popula ção é capturada, marcada e libertada, e a propor ção dos indiv í duos marcados
encontrados numa amostra posterior utilizada para determinar o total das popula ¬
ções. Por exemplo, se 100 indiv í duos forem marcados e libertados e caso se veri ¬

fique que 10 de uma segunda amostra de 100 se encontram marcados, ent ão a


população poder á ser avaliada como se segue : 100 / P = 10 / 100, ou P = 1000 . Uma
variante designada por m é todo do «calend á rio» envolve registar um indiv íduo presente
entre a primeira e a ltima capturas quer esteja realmente ou não registado no pe ¬
r í odo de tempo intermédio. Os m é todos de marcação e nova captura são mais segu ¬
ros quando o tempo de renovação é baixo; o m é todo não resulta bem quando a ,

densidade est á sujeita a uma rá pida alteração. (4) Amostragem de supressão, na qual
o n mero de organismos removidos de uma área em amostras sucessivas é marcado
no eixo das ordenadas de um gráfico e o n ú mero previamente removido registado
no eixo das abcissas. Se a probabilidade de captura permanece razoavelmente cons¬
tante , os pontos distribuir-se-ão segundo uma linha recta que pode prolongar-se
at é ao ponto zero (eixo dos x ) , o que indicaria teoricamente uma remoção de
100 por cento na á rea considerada ( ver Zippin , 1958; Menhinick , 1963). (5) Mé to¬
dos sem parcelas (aplicáveis a organismos fixos tais como as á rvores). Por exemplo,
o m é todos dos quadrantes a partir de uma sé rie de pontos casuais mede-se a dis¬
t â ncia ao indiv í duo mais pr óximo em cada um dos quatro quadrantes. A densidade
por unidade de área pode ser estimada a partir da dist â ncia m édia ( ver .Phillips, 1959).

3. CONCEITOS BÁSICOS RELATIVOS ÀS TAXAS

Enunciado

Uma vez que a populaçã o é uma entidade em mudan ça, est á-se interessado
não apenas na sua dimens ão e composição em qualquer momento mas també m na
forma como est á a alterar -se . Um certo n ú mero de caracter í sticas importantes da
popula ção dizem respeito aos ritmos. O ritmo pode medir-se dividindo a altera çã o
pelo per í odo dé tempo em que ela ocorre ; esta fracçã o designada por taxa ou í ndice
indicar á a rapidez com que uma dada entidade se altera com o tempo. Assim , o
n ú mero de quil ó metros que um carro percorre por hora é a taxa de velocidade ,
e o n ú mero de nascimentos por ario é a taxa de natalidade . O vocá bulo « por »
significa «dividido pelo». Por exemplo, a taxa de crescimento de uma popula çã o é
o n mero de organismos a ela adicionado com o decorrer do tempo e é obtido
dividindo o acr é scimo da popula çã o pelo per í odo de tempo transcorrido. Ao tratar
das taxas m é dias da altera çã o da popula çã o, a nota çã o é AN / Ar. onde N = tamanho
265

da popula ção ( ou outra medida de import â ncia ) e t = tempo. Para taxas instant â ¬

neas a nota ção é dN / dt.

Explica ção

Caso o tempo seja registado no eixo horizontal ( das abcissas ) e o n ú mero


de organismos no vertical ( das ordenadas) de um gr áfico, obt é m-se a curva de cresci ¬

mento da popula ção. Na Figura 7-3, est ã o ilustradas as curvas de crescimento para
colónias de dois tipos de abelhas criadas no mesmo apiá rio. Tamb é m se marcou
versus o tempo o ritmo aproximado de crescimento durante intervalos semanais.
Note-se que o ritmo de crescimento aumenta ou diminui conforme aumenta ou
diminui a inclina çã o da curva de crescimento. O í ndice ou taxa de crescimento da
popula ção B é consideravelmente menor do que o da popula çã o A durante as pri ¬

meiras oito semanas pouco mais ou menos, embora eventualmente a popula ção B
cres ça t ão rapidamente como a A . As curvas de crescimento da população n ão s ó
facultam uma forma de resumir os fen ó menos ao longo do tempo, como o tipo da
curva pode tamb é m proporcionar ind í cios sobre os processos básicos que controlam
as alterações da popula ção. Certos tipos de processos originam tipos caracter ísticos
de curvas das popula ções. Como se verá na Secçã o 8, as curvas de crescimento em
forma de S e as curvas de ritmos de crescimento com oscila ções em torno de um
n ível máximo são com frequê ncia caracter ísticas de populações que se encontram
em fase pioneira.
Por conveni ê ncia, é uso abreviar um tanto «a alteração em » escrevendo o
s í mbolo A (delta) em frente da letra que representa aquilo que se está a alterar .
Assim, se N representar o n ú mero de organismos e ; o tempo, ent ão:
AN = altera ção no n ú mero de organismos.

ou AN / At = a taxa m édia da altera ção no n ú mero de organismos com o


( dividido pelo, ou relativo ao) tempo, isto é , o í ndice ou
taxa de crescimento.

ou AN /( NAt ) = a taxa m é dia da alteração no n ú mero de organismos com


o tempo e por organismo (a taxa ou o í ndice de crescimento
dividido pelo n ú mero de organismos inicialmente presente
ou , alternativamente , pelo n ú mero m é dio de organismos exis¬

tentes durante o perí odo de tempo). Isto designa-se com


frequ ê ncia por taxa ou í ndice especí fico de crescimento e é
ú til quando se comparam popula ções de diferentes dimen¬
sõ es. Caso se multiplique por 100 [isto é , 100 x AA7( AA / )].
converte-se em taxa ou í ndice percentual de crescimento.
266

Muitas vezes está-se interessado n ã o apenas na taxa m é dia ao longo de um


per í odo de tempo mas tamb é m na taxa te ó rica instant â nea em momentos determi ¬
nados; por outras palavras, na taxa de altera ção quando At se aproxima de zero.
Em linguagem de cálculo, um ramo da matemática que respeita (em parte) ao estudo
das taxas, a letra d ( para a derivada) substitui o A quando estão a ser consideradas
as taxas instant â neas. Neste caso as nota ções anteriores convertem- se em :

dN / dt = taxa ou í ndice de altera çã o no n mero de organismos com o tempo


num instante particular.

dN / ( Ndt ) = taxa ou í ndice de alteração no n mero de organismos com o tempo


por indiv í duo num instante particular.

ro
LU
£ 8°
5
s 60
<
I

<
A R
N Q 40

-
Figura 7 3. Curva de crescimento da
populaçã o ( em cima ) e curva da taxa
de crescimento (em baixo) para duas 20 -
col ó nias de abelhas no mesmo api á rio. <
A - abelhas italianas; B-abelhas de
Chipre . ( Reproduzido dc Bodenhei - LU
m
mer, 1937.)
O s !2 15
« 10
O

AN §
AT
§ 5- A B
<
-L

« o
3 ' ' 6 ' ' 9 ' ' 12
'

15
TEMPO EM SEMANAS

Em termos de curva de crescimento a inclina çã o ( a linha recta tangente)


em qualquer ponto é o í ndice ou taxa de crescimento. Assim , no caso da popula çã o A
constante da Figura 7- 3, o í ndice ou taxa de crescimento atingiu o m áximo entre
as 4 e as 11 semanas e o valor zero depois de 16 semanas. A nota çã o AN / A t serve
para ilustrar o modelo no caso dos objectivos correntes de medi çã o, embora seja ne-
267

cessá rio substitui-la pela notação dN/ dt em muitos tipos de manipulação matemá tica
real dos modelos.

Exemplo

Suponha-se que uma população de 50 protozoá rios num charco est á a aumen ¬
tar por divis ão. Suponha-se que a popula çã o de 50 aumentou para 150 transcorrida
uma hora. Então
N ( o n ú mero inicial ) = 50
AN (altera çã o no n mero ) = 100
A N / At ((axa m é dia da alteração com o tempo ) = 100 por hora
AN / ( NAt) ( taxa m é dia da altera çã o com o tempo por indiv íduo) = 2 por hora
por indiv íduo ( um acré scimo de 200 % por hora)

A taxa instant ânea, dN/ dt, n ã o pode ser medida directamente, nem dN /( Ndt)
pode ser calculada directamente a partir de contagens realizadas na popula çã o. Seria
preciso conhecer o tipo da curva do crescimento exibido pela populaçã o e depois
disso calcular a taxa instant â nea a partir das equações, tal como ser á explicado
na Secção 7. N ão se pode fixar um «velocí metro» à populaçã o e determinar a sua
taxa de velocidade instant â nea como se pode fazer com um carro. Pode , certamente,
obter-se uma aproxima ção realizando o censo da popula ção a intervalos de tempo
muito curtos. Seria natural que s è descobrisse que o ritmo de crescimento varia
de tempos a tempos, uma coisa sobre a qual o valor mé dio n ã o d á nenhuma
indica ção. No exemplo anterior, a taxa específica de crescimento é apresentada
em termos da popula ção original no princ í pio da medi ção ( isto é, 50 protozoá rios).
Por outras palavras os 50 protozoá rios deram origem de uma maneira ou de outra
a 2 protozoá rios adicionais por cada um dos 50 originais. H á vá rias vias segundo as
quais isto poderia ter acontecido; alguns indiv íduos poderiam ter-se dividido duas
vezes, alguns nenhuma, e alguns outros poderiam ter desaparecido da população. Os
censos realizados antes e depois n ão informam sobre o que aconteceu . A taxa espe ¬

cífica de crescimento poder á tamb é m ser expressa em termos da população média


durante o per í odo de tempo. Ao avaliar a taxa percentual do crescimento anual para
as popula ções humanas é usual utilizar como base a estimativa da densidade obtida
a meio do ano. Assim, uma taxa de 1 por cento por ano significa que foi adicionada
uma nova pessoa à populaçã o por cada 100 pessoas presentes a meio do ano.
Exprimindo a taxa em termos do n mero presente é possível comparar taxas de
crescimento de populações com dimensões muito diferentes, como, por exemplo,
a população de um pa í s pequeno com a de um grande.
268

4. NATALIDADE

Enunciado

A natalidade é a capacidade de crescer inerente a uma popula çã o. O í ndice


ou taxa de natalidade é equivalente ao «í ndice ou taxa de nascimento» na termi¬
nologia do estudo da popula çã o humana (demografia ); de facto, é simplesmente
um termo mais amplo que cobre a produ çã o de novos indiv í duos de qualquer orga ¬
nismo quer esses novos indiv íduos « nasçam », «eclodam », «germinem », « se produ ¬
zam por divisão», ou como quer que seja. A natalidade máxima ( por vezes designada
por absoluta ou fisiol ógica) é a produ çã o de novos indiv í duos teoricamente má xima
sob condições ideais ( isto é, na aus ê ncia de factores ecol ógicos limitantes, sendo a
reprodu çã o apenas limitada por factores fisiol ógicos); é uma constante para uma dada
popula çã o. A natalidade ecol ógica ou realizada ( ou simplesmente « natalidade » sem
qualquer adjectivo qualificativo) refere- se ao acr é scimo da popula çã o face a uma
dada condiçã o ambiental real ou especí fica. N ã o é uma constante para uma dada
popula çã o podendo sim variar com o tamanho e a composi çã o da popula çã o e com
as condiçõ es fí sicas do ambiente. A natalidade é geralmente expressa como uma taxa
( ou í ndice ) obtida por divis ã o do n ú mero de novos indiv íduos produzidos pelo
tempo ( ANJAt , a taxa absoluta de natalidade) ou como o n mero de novos indi ¬
v í duos por unidade de tempo e por unidade de popula çã o [ ANJ ( NAt ), a taxa especí ¬
fica de natalidade].

Explicação

A natalidade pode ser medida e expressa de vá rias formas. Seguindo a nota¬


çã o da secçã o anterior tem- se:
AN „ = produ ção de novos indiv í duos na popula çã o.
AN .
At
= B ou í ndice ou taxa de natalidade .
A N.
= b ou í ndice ou taxa de natalidade por unidade de popula çã o.

N pode representar o total da popula çã o ou apenas a parte reprodutiva desta.


Com os organismos superiores, por exemplo, é costume exprimir o í ndice de natali ¬
dade por fê mea. A taxa especí fica de natalidade , b, pode ser definida, para diferentes
grupos de idade na popula çã o, atrav é s de taxas específicas de natalidade por idade.
Por exemplo , Lord (1961) , no seu estudo de uma popula çã o de coelhos silvestres ,
269

verificou que as fê meas com um e dois anos de idade produziam em m é dia quatro
crias por ano e por f ê mea, ao passo que este í ndice por idade era de apenas 1,5
para f ê mea com menos de um ano de idade. Considerando todos os «tipos» dife ¬
rentes de taxas de nascimento é natural que facilmente resulte da í confusão a menos
que o conceito utilizado seja claramente definido, de prefer ê ncia utilizando notações
matem áticas normalizadas como as anteriores. O conceito utilizado depender á dos
dados dispon í veis e do tipo de comparações ou de previsões que se pretenda fazer.
Embora as mesmas notações possam ser utilizadas relativamente à taxa de
natalidade e à taxa de crescimento da população, as duas não s ão iguais uma vez
que AN representa quantidades um tanto diferentes nos dois casos. No que res¬
peita à natalidade , ANn representa os novos indiv í duos adicionados à população.
A taxa de natalidade é zero ou positiva, nunca negativa. No que se refere à taxa de
crescimento, AN representa o acréscimo ou o decréscimo lí quido na popula ção o qual
é o resultado não apenas da natalidade mas igualmente da mortalidade , emigração,
imigra çã o, etc. A taxa de crescimento pode ser tanto negativa como nula ou po¬
sitiva, uma vez que a população tanto pode estar a decrescer como permanecer
inalterad á ou estar a crescer. A taxa de crescimento da populaçã o voltará a ser con ¬
siderada nas Secções 7 e 8.
A natalidade m áxima , tal como ficou indicado no enunciado anterior , é o
limite superior te órico que a população, ou a parte reprodutiva da população, será
capaz de produzir sob condi ções ideais. Como se poder á pensar , é dif ícil de deter ¬
minar embora tenha interesse por duas raz ões. ( 1) Proporciona uma medida com
que comparar a natalidade realizada. Assim, a informação de que a natalidade de
uma popula çã o de ratos foi de seis jovens por fê mea e ano ter á mais significado caso
se conhe ça at é que ponto poderia ter sido mais elevada se as condições fossem
menos limitantes. ( 2) Sendo uma constante, a natalidade máxima é ú til no estabe ¬
lecimento de equações para determinar ou prever o ritmo de crescimento numa dada
popula ção, como haver á ocasi ã o de se ver em secções subsequentes. Para efeitos pr á¬
ticos, a natalidade máxima pode averiguar -se aproximadamente mediante m é todos
experimentais. Por exemplo, a mé dia de produ çã o seminal mais elevada alcan çada
numa s é rie de experi ê ncias com luzerna, nas quais se combinaram as melhores con ¬

dições conhecidas de humidade, temperatura e fertilizante, poder á ser tomada como


natalidade m áxima para essa popula ção particular. Outro m étodo para estabelecer uma
base consiste em observar o í ndice de reprodu çã o de uma população quando esta
é colocada num ambiente favorá vel, ou quando os principais factores limitantes n ão
actuam temporariamente. Por exemplo, se um pequeno grupo de param é cias é
colocado numa riova sé rie de meios favor á veis, a taxa máxima de reprodu ção alcan ¬
çada constituirá uma boa medida da taxa máxima de natalidade. Este m étodo pode
com frequ ê ncia ser utilizado no campo, caso o ecologista esteja atento, uma vez que
h á na natureza circunst â ncias fortuitas durante as quais os factores limitantes se
270

encontram temporariamente abrandados. Como ser á salientado mais adiante, muitas


popula ções naturais apresentam regularmente a natalidade máxima durante breves
períodos estacionais ou outros. Os resultados da reprodu çã o durante tais per íodos
favor á veis poder ão constituir uma aproxima ção pr ática da natalidade máxima. Uma vez
que o valor do conceito de natalidade má xima reside no seu uso como uma constante
com a qual se podem comparar natalidades observadas variá veis, qualquer avaliação ra¬
zoá vel poderá ser utilizada desde que sejam definidas as condições sob as quais foi feita.
Dever á repetir-se que a natalidade , e os outros conceitos discutidos nesta
secção, se referem à popula ção e não a indivíduos isolados. A capacidade de repro¬
du çã o mé dia dever á ser tomada como uma medida de natalidade, e nã o como a
capacidade do indivíduo mais ou menos produtivo. É bem conhecido que numa dada
popula çã o indivíduos ocasionais apresentar ão taxas de reprodu ção anormais , embora
os resultados obtidos por tais indivíduos não devam constituir uma medida satisfa ¬
t ória das possibilidades máximas da população tomada no seu conjunto. Alé m do
mais, nalgumas populações a taxa de reprodu çã o mais elevada ocorre quando
a densidade da população é baixa, embora noutras alguns dos vertebrados supe ¬
riores com padr ões reprodutivos complicados, por exemplo a taxa mais elevada
possa ocorrer quando a população tem tamanho mé dio ou at é relativamente grande
(efeito de Allee, ver Secção 14 e Figura 7-26). Assim, a melhor estimativa da natalidade
máxima dever á ser feita n ão só quando os factores í f sicos não são limitantes mas
tamb é m quando o tamanho da populaçã o é ó ptimo. Nalgumas das secções que se
seguem imediatamente é necessá rio facultar mais informaçõ es sobre este problema
de uma população actuar como um factor limitante sobre ela pr ó pria.

Exemplos

No Quadro 7-2 tratam-se dois exemplos, um com dados de campo e outro


com dados de laborat ório, para ilustrar os conceitos de natalidade realizada máxima
e de taxas absoluta e específica de natalidade. A natalidade máxima est á baseada em
condições um tanto arbitr á rias, como deve acontecer sempre , embora estas condi ¬
ções se encontrem claramente definidas no quadro. As natalidades ecológicas são
medi ções reais. A partir destes exemplos observa- se que o insecto aqui considerado
tem uma natalidade enormemente maior do que o vertebrado, embora o ltimo
realize uma maior percentagem do seu potencial sob as condi ções consideradas .
Isto explica a razão pela qual o insecto dos cereais se pode converter tão facil ¬

mente numa praga, ao passo que é imprová vel que o p ássaro ( Sialia sialis ) alcance
n íveis de sobrepopulação; quando a temperatura e outras condições sã o favor á veis
no cereal armazenado, o insecto «realiza» uma grande parte da sua natalidade po¬
tencial, produzindo assim uma explos ã o na popula ção. Para efeitos de compara çã o
271

é mais satisfat ório utilizar as taxas especí ficas ( isto é, tantos ovos ou jovens por
f ê mea e por unidade de tempo). No caso da ave , o n ú mero exacto de fê meas na
popula çã o n ã o se conhecia e assim os cálculos das taxas apresentadas no Ponto III
do Quadro 7 -2 são aproximações. També m ser á de ~ destacar que as aves fê meas
podem realmente p ôr mais de 15 ovos por esta çã o, se uma ou v á rias das posturas
forem destru í das. Sob condições ideais, por é m, n ão se perderão ovos e tr ê s posturas
de cinco ovos cada constituir ão teoricamente tudo aquilo que uma f ê mea poder á
fisiologicamente realizar durante uma esta ção. Os dados relativos à ave tamb m de ¬
monstram uma varia ção estacionai na natalidade que desperta a aten ção; as posturas
tardias apresentam poucos ovos e sã o infé rteis mais ovos, n ã o criando, ou perdem-se
por outros motivos. A varia çã o estacionai na natalidade é um fen ó meno por assim
dizer universal, tal como a varia ção devida a diferen ças ocorridas na popula ção
quanto a distribui ção de idades e de sexos.
Um dos problemas que ocorre na compara çã o da natalidade de popula ções
de esp écies diferentes reside na dificuldade de medir a natalidade em fases com ¬
par á veis dos respectivos ciclos biol ógicos; isto aplica-se especialmente a organismos
como os insectos e as aves que t êm ciclos biológicos complicados. Assim, num caso
pode conhecer -se o n ú mero de ovos enquanto num outro caso apenas pode ser
determinado o n ú mero de larvas ou crias independentes. Ao comparar uma esp é cie
ou uma popula ção com outra, é, portanto, importante estar-se seguro de que existe
uma base compar á vel.

5. MORTALIDADE (*)

Enunciado

A mortalidade refere-se à morte dos indiv í duos numa populaçã o. É mais ou


menos a ant í tese da natalidade com os mesmos subconceitos paralelos. O í ndice ou
taxa de mortalidade é equivalente ao « í ndice ou taxa de morte» na demografia
humana. Tal como a natalidade, a mortalidade pode ser expressa como o n ú mero dos
indiv í duos que morrem num dado per í odo ( mortes por unidade de tempo), ou como
um í ndice espec ífico em termos de unidade da população total ou de qualquer parte
dela. A mortalidade realizada ou ecológica a perda de indiv í duos sob um dado
conjunto de condi ções ambientais n ã o é, à semelhan ça da natalidade ecol ógica,
uma constante, variando com a popula çã o e as condi ções ambientais. H á uma morta -

(*) O autor deve um agradecimento ao Dr . W . T . Edmondson da Universidade de Washington por ter


sugerido, com base na sua longa experi ê ncia no ensino dos fundamentos de ecologia , a inclusã o
de mat é rias nesta secçã o e secçõ es subsequentes .
272

lidade mí nima , te órica, uma constante para uma dada população, que representa a
perda sob condi ções ideais ou condi ções n ã o limitantes. H á, mesmo sob as melhores
condições, indiv í duos que morrer ã o de «velhice » determinada pela longevidade fisio-

Quadro 7-2
Comparação das Natalidades M áxima e Realizada de Duas Espécies.
As Natalidades Estão Expressas como Taxa de Natalidade por Tempo ( B )
e Taxa de Natalidade por Tempo e por Fêmea ( b )
I. Popula çã o natural de aves da esp é cie Sialia sialis num parque de cidade, Nashville, Tenn .,
1938 (de Laskey, 1939) :
NATALIDADE M Á X . TAXA DE NATALIDADE ECOLÓGICA OU REALIZADA
Total de Ovos Ovos Produzidos Crias Formadas
Postos N.° Em % do M á x. N.° Em % do Má x.
l .a postura 170 * 170 100 123 72
2.a postura 175 * 163 93 90 51
3.a postura 165 * 122 74 52 32
Total para o ano 510 * 455 89 265 52
II. Populaçã o de laborat ó rio de insectos da farinha da espécie Tribolium confusum, 18 casais
durante 60 dias (aprox. uma geração) (de Park, 1934):

NATALIDADE M Á X. TAXA DE NATALIDADE ECOLÓGICA OU REALIZADA


Total de Ovos Ovos Produzidos Larvas Produzidas
Postos N.° Em % do M á x. N.° Em % do M á x.
Farinha fresca 11988 t 2617 22 773 6
Farinha velha
ou «condicionada » tt 11988 t 839 7 205 2
III . Natalidade das populaçõ es das aves e dos insectos expressa como taxas específicas ( ANJNAt ) :
AVE :
TAXA EXPEC Í FICA DE NATALIDADE M Á XIMA NATALIDADE ESPEC Í FICA REALIZADA POR FÊ MEA
Ovos por Fê mea e por Ano Ovos Crias Formadas
15
#
13,4 7,8
INSECTO :
TAXA DE NATALIDADE M Á XIMA NATALIDADE REALIZADA POR F Ê MEA
Ovos por Fê mea e por Dia Ovos Larvas

Farinha fresca 11,1 2,40 0,61


Farinha velha 11,1 0,73 0,19

* Calculado multiplicando por 5 o n mero de ninhos examinados; cinco ovos por ninho é o n mero m é dio
que a população é capaz de produzir na parte mais favor á vel da estação,
t Determinado segundo a taxa m édia de 11,1 ovos por fê mea e por dia, o que representa a m édia de duas
culturas de 60 dias sob condi çõ es ó ptimas ( ver Table 4, em Park, Ginsburg e Horwitz, 1945).
tt Farinha em que viveu previamente uma cultura; cont é m produtos metabólicos ou «res íduos». Esta situaçã o
poderia ser semelhante àquela em que na natureza os organismos não usufruem continuamente do benef í cio
de ambiente ainda «nã o utilizado».
273

lógica que, certamente , é com frequ ê ncia bastante maior do que a longevidade ecoló ¬

gica mé dia. Com frequ ê ncia o índice ou taxa de sobrevivê ncia tem maior interesse
do que o í ndice ou taxa de morte . Se este ltimo for expresso como uma fracção,
M , o í ndice ou taxa de sobrevivê ncia ser á 1- M.

Explicação e Exemplos

A natalidade e a mortalidade sã o caracter ísticas complexas da populaçã o que -


podem ser expressas sob vá rias formas. Para evitar confusões, portanto, o termo geral
« mortalidade » carece de ser qualificado e de ser, sempre que possível, expresso por
sí mbolos matemá ticos definidos, tal com ò se indicou nas secções anteriores. Geral ¬
mente, a mortalidade específica é expressa como uma percentagem da população
.
inicial que morreu durante um dado perí odo de tempo (*) Uma vez que se est á
com frequ ê ncia mais interessado nos organismos que sobrevivem do que naqueles
que o n ã o fazem , é muitas vezes mais ú til exprimir a mortalidade em termos da
taxa de sobreviv ê ncia recí proca. Tal como a natalidade, també m a taxa da mortalidade
m í nima ( teoricamente constante ) e a taxa da rilortalidade real ou ecol ógica ( variável)
tê m interesse , a primeira para servir como uma base ou « padr ão de medida» para
comparações. Uma vez que mesmo sob condições ideais os indiv íduos de qualquer
popula çã o morrem de «idade avan çada», h á uma mortalidade m í nima que ocorrerá
sob as melhores condições possíveis que possam ser visualizadas, e isto será deter¬
minado pela longevidade fisiol ógica m é dia dos indiv í duos. Na maior parte das
popula ções .no seu estado natural a longevidade m édia é muito inferior à fisiolo-
gicamente inerente ao ciclo de vida, e, portanto, os í ndices reais de mortalidade
sã o muito maiores do que o m í nimo. Contudo, nalgumas populações, ou por períodos
curtos de tempo noutras, a mortalidade pode, para todos os efeitos pr áticos, alcan ¬
çar o m í nimo e facultar assim uma oportunidade para medição prática sob con ¬
di ções naturais.
Uma vez que a mortalidade varia grandemente com a idade, como acontece
com a natalidade, especialmente nos organismos maiores, tê m um grande interesse as
mortalidades especí ficas em tantas idades ou fases do ciclo biológico quantas poss í vel,
uma vez que permitem determinar as forças que se encontram na base da mortalidade
bruta, envolvendo toda a popula ção. Um quadro completo de mortalidade numa
popula çã o é proporcionado de uma forma sistem á tica pelo quadro de vida , um dis¬
positivo estat ístico desenvolvido pelos estudiosos das populações humanas. Raymond
Pearl foi o primeiro a introduzir o quadro de vida na biologia geral aplicando-o

(*) Tal como acontece com as outras taxas que t ê m vindo a ser discutidas, a taxa de mortalidade
pode ser expressa como uma percentagem da m é dia da populaçã o em vez da popula çã o inicial; isto
ter á interesse em situa ções em que a densidade varia grandemente durante o per í odo da medi çã o.

i .v
274

a dados obtidos de estudos laboratoriais com a mosca do vinagre Drosophila ( Pearl


e Parker , 1921). Deevey ( 1947 e 1950) reuniu dados para a constru çã o de quadros
de vida para um certo n ú mero de populações naturais, de rot í feros a ovelhas de
montanha. Desde os trabalhos de Deevey , t ê m sido publicados numerosos quadros
de vida para uma variedade de popula çõ es naturais e experimentais. Num labora ¬
t ório pode-se come çar com um grupo de, por exemplo, 1000 indiv í duos novos e seguir a
esteira do n ú mero de sobreviventes a intervalos de tempo até ao fim dessa geração.
No campo é tamb é m muitas vezes poss í vel determinar a intervalos regulares os
indiv í duos sobreviventes de uma popula ção inicial marcada. També m podem ser
constru ídas para as populações naturais quadros de vida aproximados caso se conhe ça
a idade no momento da morte, ou caso possa ser determinada a intervalos a estru ¬
tura de idades ( isto é, a proporçã o das diferentes idades ).
A t í tulo de exemplo, considere-se a ovelha de montanha de Dali (Quadro 7-3).
A idade destas ovelhas pode ser determinada pelos chifres. Quando uma ovelha
é morta por um lobo ou morre por qualquer outra razã o, os seus chifres permanecem
preservados durante um longo per í odo de tempo. Adolph Murie dedicou vá rios
anos a um estudo intensivo de campo sobre a relação entre lobos e esta ovelha
.
de montanha no Mt . McKinley National Park, Alasca. Durante esse perí odo recolheu
uma grande quantidade de chifres, proporcionando assim dados admirá veis sobre a
idade em que a ovelha morreu num ambiente sujeito a todas as contingê ncias
naturais, incluindo a predação pelo lobo (embora não incluindo a predação pelo
homem , uma vez que a ovelha n ão era caçada no McKinley National Park). Como
o Quadro 7-3 mostra , o quadro de vida consiste de vá rias colunas, encabe çadas por
nota ções normalizadas, facultando: ( /,.), o n ú mero de indiv í duos de uma popula çã o
determinada ( 1000 ou qualquer outro n ú mero conveniente ) que sobrevive depois
de intervalos regulares de tempo ( dia, m ê s , ano, etc. ver coluna x); ( dx ) , o n ú ¬
mero de mortes durante intervalos sucessivos de tempo ; ( <7 V), a taxa de mortalidade
ou morte durante intervalos sucessivos (em termos da população inicial no prin ¬
c í pio do per í odo); e ( ex) , a esperan ça de vida no fim de cada intervalo. Como
resulta do Quadro 7-3, a idade m é dia é superior a sete anos, e se uma ovelha
consegue sobreviver ao primeiro ano ou à volta disso, as probabilidades que tem de
sobreviver at é uma idade relativamente avan çada são boas, não obstante a abun ¬
d â ncia de lobos e outras vicissitudes do ambiente .
As curvas constru í das a partir dos dados dos quadros de vida podem ser
muito instrutivas. Quando os dados da coluna lx sã o representados em intervalos
de tempo no eixo horizontal de coordenadas e o n ú mero de sobreviventes no eixo
vertical de coordenadas, a curva resultante designa-se por curva de sobreviv ência.
Caso se utilize um gráfico semilogar ítmico com o intervalo de tempo no eixo
horizontal, expresso como uma percentagem da duraçã o m é dia de vida ( ver coluna x ',
Quadro 7-3 ) ou como uma percentagem da extensã o de vida total, podem ser com -
275

paradas esp é cies com ciclos de vida muito diferentes. Al é m do mais, a linha recta
num gr áfico semilogar í tmico indica uma taxa espec í fica de sobreviv ê ncia constante.
As curvas de sobreviv ê ncia sã o de tr ê s tipos gerais, como se ilustra na Fi
¬

gura 7- 4. Uma curva altamente convexa (A na Figura 7- 4) é caracter ística de


espé cies como a ovelha de Dali , nas quais a taxa da mortalidade da popula çã o
permanece baixa at é próximo do fim do ciclo de vida. (Sugere-se representar num
gráfico em papel semilogar í tmico a coluna /x , Quadro 7-3, e comparar a forma da
curva com os modelos constantes da Figura 7-4). Muitas espécies de animais gran ¬
des, e naturalmente o homem , exibem este tipo de curva de sobrevivê ncia. No outro
extremo uma curva altamente cô ncava ( C na Figura 7- 4) ocorre quando a mortali ¬

dade é alta durante a fase jovem . As ostras e outros moluscos e os carvalhos podem
servir de bons exemplos; a mortalidade é extremamente alta durante as fases larvar
de nata çã o livre ou de germina çã o das glandes, embora uma vez que o indiv í duo
esteja bem estabelecido num substrato favor á vel a esperan ça de vida aumente consi ¬
deravelmente ! Sã o interm é dios os padrões em que a sobreviv ê ncia específica da idade
se aproxima de uma constante, pelo que as curvas tendem para a linha recta diagonal
num gráfico semilogarítmico (B na Figura 7- 4). Um tipo de curva de sobrevivê ncia
em «degrau de escada » pode esperar-se se a sobreviv ê ncia difere grandemente em
etapas sucessivas do ciclo biol ógico, como ocorre com frequ ê ncia no caso de insectos
holometabóli ços ( isto é, insectos com metamorfoses completas como sejam as bor ¬

boletas). No modelo apresentado ( B - 1 na Figura 7- 4), os segmentos r á pidos represen¬

tam fases de ovo, pr é- pupa e de adulto de vida curta, ao passo que os segmentos
mais planos representam os estados larvar e de pupa sujeitos a menor mortalidade
( ver It ô, 1959). Provavelmente nenhuma popula çã o no mundo real tem uma taxa
de sobrevivê ncia específica da idade constante ao longo de todo o ciclo de vida ( B-2 ,
Figura 7- 4), embora uma curva ligeiramente cô ncava ou sigmó ide ( B-3, Figura 7- 4)
seja caracter ística de muitas aves, ratos e coelhos. Nestes casos, a taxa de mortalidade
é alta na juventude embora mais baixa e mais aproximadamente constante na idade
adulta ( um ano ou mais).
It ô ( 1959) salientou que a forma da curva de sobreviv ê ncia se encontra
relacionada com o grau de cuidado dos pais ou de outra protecçã o facultada na
juventude . Assim, as curvas de sobreviv ê ncia para as abelhas ou os tordos americanos
( Turdus migratorius) , que protegem as crias, sã o muito menos cô ncavas do que as
dos gafanhotos ou das sardinhas, que as não protegem. As ltimas espécies com ¬

pensam, claro está , produzindo muito mais ovos.


A forma da curva de sobreviv ê ncia pode variar com a densidade da população,
como a Figura 7-5 ilustra. Foram utilizados dados sobre a estrutura de idades por
Taber e Dasmann ( 1957) para a constru çã o de curvas relativas a duas popula ções de
veados vivendo na regi ã o do chaparral da Calif ó rnia ( ver Cap í tulo 14, página 630 ,
para efeitos de uma descri çã o deste tipo de habitat ). Como pode ver -se na figura,
276

Quadro 7-3
Quadro de Vida para a Ovelha de Dali Mountain ( Ovis d. d álli) *. Baseado na Idade
Conhecida de 608 Ovelhas Quando das Respectivas Mortes Antes de 1937
(ambos os sexos ), f Duração Média de Vida, 7,09 Anos
TAXA DE ESPERAN Ç A DE
N Ú MERO DE MORTALIDADE VIDA, OU TEMPO
IDADE N Ú MERO DOS SOBREVIVENTES, POR MILHAR M É DIO DE VIDA
EM DESVIO QUE MORREM DE CADA 1000 DE INDIV Í DUOS RESTANTE
PERCENTUAL DE CADA 1000 NASCIMENTOS, VIVOS PARA OS QUE
PARA A IDADE NASCIMENTOS NO IN ÍCIO NO PRINC Í PIO ALCAN Ç AM '
IDADE M É DIA NO INTERVALO DO INTERVALO DO INTERVALO O INTERVALO
( ANOS ) DE VIDA DE IDADE DE IDADE DE IDADE DE IDADE ( ANOS)

X x d, h 1000 qx /*

0 - 0,5 - 100 54 1000 54,0 7,06


0,5 - 1 - 93,0 145 946 153,0
-
1 2
2- 3
-
-
85,9
71,8
12
13
801
789
15,0
16,5
7,7
6 ,8
-
3 4
4- 5
-
-
57,7
43,5
12
30
776
764
15,5
39,3
5,9
5,0
-
5 6
6- 7
-
-
29,5
15,4
46
48 .
734
688
62,6
69,9
4,2
3, 4
7- 8 - 1,1 69 640 108,0 2,6
8- 9 + 13,0 132 571 231,0 1,9
9 - 10 + 27,0 187 439 426,0 1,3
10 - 11 + 41,0 156 252 619,0 0,9
11 - 12 + 55,0 90 96 937,0 0,6
12 - 13 + 69,0 3 6 500,0 1,2
13 - 14 + 84,0 3 3 1000 0,7

* De Deevey ( 1947); dados de Murie ( 1944 ).


t Um pequeno n mero de crâ neos sem cornos, embora por sua osteologia considerados pertencentes a ovelhas
de nove ou mais anos, foram repartidos proporcionalmente pelas classes de idade mais elevadas .

a curva de sobreviv ê ncia da popula ção mais densa é muito cô ncava. Por outras pala¬
vras, o veado que vive em á rea ordenada, onde o abastecimento de alimentos
aumentou mediante recurso ao fogo controlado, tem uma expectativa de vida mais
curta do que o veado da á rea n ã o ordenada, presumivelmente em virtude do au ¬

mento da pressão venat ó ria , da competi çã o intra- especí fica, e assim por diante. Do
ponto de vista do ca çador , a á rea ordenada é mais favor á vel , embora do ponto de
vista do veado individual, a á rea menos populosa ofere ça uma melhor oportunidade
de uma vida longa . A hist ória regista um n mero de casos paralelos a esta situa¬
çã o nas popula ções humanas onde a elevada densidade n ã o é sempre favor á vel ao
indiv í duo. Muitos ecologistas cr ê em que a presente explosã o da popula ção humana
não é tanto uma amea ça para a sobrevivê ncia do homem como o é para a qualidade
de vida do individuo, muito embora o homem civilizado tenha aumentado grande ¬
mente a sua longevidade «ecológica» em resultado dos modernos conhecimentos
277

1000

\ A
\
\
\

100 \ B Figura 7-4. V ários tipos de curvas de sobre ¬

viv ência tra çadas com base nos sobreviventes


\ por milhar em escala logar í tmica ( coordenada
z vertical) e na idade como uma percentagem
B3 \ do tempo de vida ( coordenada horizontal).
\ A . Tipo convexo, em que a maior parte da mor ¬

\ talidade ocorre para o fim do tempo de vida.


\ Tipo degrau de escada, em que a taxa de
10 - sobreviv ência sofre alteraçõ es bruscas na tran ¬

si ção de uma etapa do ciclo de vida para


outra. Si. Curva te órica ( linha recta), em que
c a sobreviv ência especifica da idade permanece
constante . Tipo ligeiramente sigm ó ide que I
se aproxima de B ,. C. Tipo c ôncavo, em que a t i
mortalidade é muito alta durante as etapas
novas. II
; ;

IDADE - % DO TEMPO DE VIDA

médicos, melhor nutrição, e assim por diante, de tal forma que a curva do homem i
se aproxima da curva convexa, a da mortalidade mí nima. Não obstante, o homem j
não aumentou segundo parece a sua longevidade máxima ou «fisiológica», uma i
vez que agora não vive mais gente para além dos 100 anos do que acontecia nos
s é culos passados. No Capí tulo 21 voltar - se - á a tais paradoxos. j ;j
É óbvio que nem o tamanho nem a tendência da população (quer se trate
de aumento ou decré scimo) a esperar podem ser determinados apenas a partir do
conhecimento da mortalidade. T êm de ser igualmente consideradas a natalidade
e outras caracterí sticas da população.
Com o objectivo de preparar o caminho para modelos matemáticos do cres ¬

cimento da população a considerar em secções subsequentes é instrutivo juntar ao


quadro de vida a natalidade especí fica da idade por forma a que n ão se trate apenas
de um quadro de «morte» ( como é o Quadro 7- 3). No Quadro 7-4 incluem- se dois
quadros de vida abreviados que incluem tanto dados sobre a natalidade como sobre
a sobrevivência. O Quadro 7- 4,4 apresenta um conjunto simplificado de dados
hipot é ticos para ilustrar os principios e os cálculos; o Quadro 7-45 baseia- se
em dados de um estudo real de uma população de laborat ório de gorgulho dos
cereais. As notaçõ es x, dx e 4 t êm o significado atrá s descrito; as taxas de natalidade
especí fica da idade ( como descendência por fêmea produzida numa unidade de
tempo) est ão indicadas pela coluna encabeç ada por mx . Caso se multiplique lx por mx
278

l - igura 7 5 . Curvas de sobreviv ência para duas


'
-

populações est veis de veados da região do cha ¬

parral da Califórnia. A populaçã o de densidade BAIXA DENSIDADF


alta ( uns 64 veados por milha quadrada) encon ¬

tra - se numa á rea ordenada, onde é mantido um


coberto aberto de arbustos e de herb áceas pelo
logo controlado, proporcionando, deste modo,
uma quantidade maior de renovos na forma de
novo crescimento. A população de densidade
baixa ( cerca de 27 por milha quadrada) encon ¬

tra- se numa á rea, sem ordenamento, de arbus ¬

tos velhos n ã o incendiados durante os ltimos


10 anos. As á reas recentemente incendiadas
podem suportar at é 86 veados por milha qua ¬

drada, por é m, a popula çã o é inst á vel e, por ¬

2 4 S 8 IO
tanto, nã o é possivel construir curvas de so ¬
ANOS
breviv ê ncia a partir dos dados da distribuição
de idades. ( Segundo Taber c Dasmann, 1957.) CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA
DO VEADO MULA

e se obtenha a soma dos valores das diferentes classes de idade, obt é m- se aquilo
que pode ser designado por índice ou taxa reprodutora lí quida (R 0). Assim:

R „( taxa reprodutora lí quida) = X /, mx


(Neste caso / v refere - se apenas ao n mero de fêmeas). No Quadro 1- 4 A a taxa repro ¬

dutora lí quida ' de 1,9 indica que para cada fêmea existente à partida se produziu
uma descendência de 1,9. Caso os sexos se apresentassem em igual propor ção, signi ¬

ficaria isto que a população se substitui aproximadamente a ela própria durante a


geração. Na população de laborat ório de gorgulhos de grãos em condições óptimas
a população multiplica- se 113,6 vezes em cada geração ( isto é, R = 113,6) ! Na na0
¬

tureza, sob condiçõ es est áveis, R „ deveria andar à volta de 1 em termos da popu ¬

lação total. Paris e Pitelka ( 1962), utilizando o mé todo do quadro de vida e dados
de lx e mx para as classes de anos, calcularam R „ para uma população de bicho- de-
-conta numa pastagem como sendo 1,02, o que indica um equilíbrio aproximado
entre nascimento e morte.
É importante destacar que o esquema reprodutivo tem grande influência
sobre o crescimento da população e outros dos seus atributos. A selecção natural
pode provocar vários tipos de alteração no ciclo biológico que se traduzir ão em arran ¬

jos adaptativos. Assim, a pressão de selecção pode alterar a altura em que come ça
a reprodução sem afectar o n mero total de descendentes produzidos, ou pode
afectar a produção ou o «tamanho da ninhada» sem alterar o tempo da reprodução.
Estes e muitos outros aspectos podem ser revelados pela análise do quadro de vida.
Quadro 7-4
Quadros de Vida que Incluem a Sobrevivência e a Natalidade
Específicas da Idade

A . QUADRO DE VIDA PARA UMA POPULAÇÃO HIPOTÉTICA COM UMA BIOLOGIA SIMPLES

Taxa de
Natalidade
Taxa de Taxa de Especifica da Idade
Sobreviv ê ncia Morte ( Descendência
Idade Especifica da Idade Especí fica por Fêmea
( como Fracçõo ) da Idade de x anos )

x lx dx mx K x*

0 1,00
0,20 0 0,00
1 0,80
0 ,20 0 0,00
2 0,60
0,20 1 0,60
3 0, 40
2
4 0,20
0, 20

0,10 2
0,80
0,40
li
5 0, 10
0,05 1 0,10
6 0,05
0,05 0 0 ,00
7 0,00
Xlxmx taxa de reprodu ção liquida ( RJ 1,90

B. QUADRO DE VIDA PARA UMA POPULA ÇÃO DE GORGULHO DOS CEREAIS ( Calandra oryzae) SOB CONDIÇÕES
Ó PTIMAS (29 °C e 14 % de teor de humidade do arroz); IGUAL PROPOR ÇÃO DE SEXOS t

Natalidade
Especifica da Idade
Idade Sobrevivê ncia ( N .° de Descendentes
em Semanas, Específica da Idade Fêmeas por Fêmea
Valor Central (como Fracção ) de x anos)

x lx mx lx >x

4.5 0,87 20,0 17,400


5.5 0,83 23.0 19,090
6.5 0,81 15.0 12,150
7.5 0,80 12,5 10,000
8.5 0,79 12,5 9,875
9.5 0,77 14.0 10,780
10.5 0,74 12.5 9,250
11.5 0,66 14.5 9,570
12.5 0,59 11.0 6,490
13.5 0,52 9.5 4,940
14.5 0,45 2.5 1,125
15.5 0,36 2,5 0,900
16.5 0,29 2,5 0,800
17.5 0,25 4.0 1,000
18.5 0,19 1.0 0,190
R „ = 113,560

* Baseado em lx no in í cio do per í odo de idade,


f Segundo Birch , 1948.
280

6. DISTRIBUI ÇÃO DE IDADES NA POPULAÇÃO

Enunciado

A distribuiçã o de idades ou et ária é uma caracterí stica importante da popula ¬


ção que influencia tanto a natalidade como a mortalidade , como foi demonstrado
pelos exemplos discutidos na secçã o anterior. Consequentemente , a proporçã o entre
os v á rios grupos de idade numa população determina a condição reprodutiva corrente
desta e indica o que poderá esperar-se no futuro. Usualmente uma população em
expansã o rá pida conterá uma grande proporçã o de indiv í duos novos, uma popula çã o
estacionária uma distribuiçã o mais uniforme das classes de idade , e uma popula ção
em decl ínio uma grande proporção de indiv í duos velhos. Contudo, uma popula ção
pode passar por altera ções na estrutura et ária sem altera ções na dimensã o. H á provas
de que as popula ções t ê m uma distribuiçã o de idades est ável ou « normal» para a
qual tendem as distribui ções de idades reais. Uma vez alcan çada a distribui çã o de
idades est á vel , aumentos anormais na natalidade ou na mortalidade determinam
altera ções temporá rias, com retorno expont â neo à situa çã o est á vel ou de equil í brio.

Explicação

No que à população respeita , há tr ê s idades ecol ógicas que foram catalogadas


por Bodenheimer (1938) como pré-reprodutora, reprodutora e p ós-reprodutora. A du ¬
ra ção relativa destas idades em propor çã o com o ciclo de vida varia grandemente de
uns organismos para os outros. Para o homem moderno, as tr ês «idades» t êm uma
rela çã o relativamente semelhante , cerca de um terço da sua vida cai em cada classe .
O homem primitivo , em compara ção, tinha um per í odo p ós- reprodutor muito mais
curto. Muitas plantas e animais t ê m um largo período pré-reprodutor . Alguns ani ¬
mais, com destaque para os insectos, t ê m per í odos pr é-reprodutores extremamente
longos, um perí odo reprodutor curto, e n ã o t ê m perí odo p ós- reprodutor. O insecto
« mayfly » ( Ephemeridae) e a cigarra de dezassete anos sã o exemplos clá ssicos. O pri ¬
meiro necessita de um a v á rios anos para se desenvolver em estado larvar na
água e vive apenas um pequeno n mero de dias na forma de adulto; a ltima tem
uma biologia de desenvolvimento extremamente longa (n ão necessariamente dezas¬
sete anos, contudo) , com uma vida adulta de duração inferior a uma s ó esta ção.
É ó bvio, portanto, que a dura ção das idades ecol ógicas deve ser considerada na
interpretaçã o dos dados sobre a distribui çã o de idades.
Lotka (1925) demonstrou sob bases te óricas que uma popula çã o tende a
desenvolver uma distribui çã o de idades est á vel ou de equilí brio, isto é, uma propor-
281

ção mais ou menos constante entre os indiv í duos das diferentes idades, e que se
esta situa ção est ável é interrompida por altera çõ es tempor á rias no ambiente ou por
entrada proveniente de ou saída para outra popula çã o, a distribui çã o de idades
tenderá a voltar à situa ção pr é via uma vez repostas as condi çõ es normais. Altera ções
mais permanentes determinarão, por certo, o desenvolvimento de uma nova distri ¬
buiçã o est á vel. Uma citação directa de Lotka constitui porventura a melhor forma
de clarificar o importante conceito da distribui çã o de idades est ável:
... a for ça da mortalidade varia muito decisivamente com a idade , e deverá assim supor-se
que qualquer aná lise do ritmo de crescimento de uma popula çã o de organismos tem de
tomar inteiramente em conta a distribui çã o de idades. Contudo, esta suposi çã o envolve uma
hip ótese , a saber, a hipótese de que a distribui ção de idades é ela pr ó pria variá vel. Ora bem,
a distribui çã o de idades é realmente variá vel , embor á apenas dentro de certos limites res¬
tritos. Certas distribui ções etá rias nunca ocorrerã o na prá tica , e se por acçã o de interferê ncia
arbitrá ria ou por uma cat ástrofe da natureza, alguma forma inteiramente anormal afectar a
distribui çã o de idades de uma popula çã o isolada , as irregularidades tender ã o rapidamente a
desaparecer. H á , de facto, um certo tipo est á vel de distribui çã o de idades em torno do qual
varia a distribui çã o et á ria real e para a qual tende a retornar caso qualquer ac çã o da í a retire.
A forma dessa distribui ção numa popula çã o isolada ( isto é, com imigra çã o e emigra çã o des ¬

prezá veis) é deduzida com facilidade...

A prova matemá tica deste parâ metro e o mé todo te órico de calcular a distribuição
de idades est ável est á fora do â mbito desta exposição ( ver Lotka, 1925, Cap í tulo IX,
páginas 110 a 115). Chega dizer que os dados do quadro de vida e o conhecimento
da taxa específica de crescimento (ver Secções 2 e 7) são necessários para determinar
a distribui ção de idades est á vel .
A ideia de uma distribuição de idades est ável é importante. De novo, assim
como no caso da constante natalidade máxima, faculta uma base para avaliar as
distribuições de idade reais tal como podem ocorrer. É mais uma constante que
pode ajudar a desvendar a ordem aparentemente confusa das vari áveis que ocorrem
na natureza. A teoria global de uma populaçã o é, certamente, a de que esta é
uma unidade biol ógica real com constantes biológicas definidas e limites definidos
para as varia çõ es que podem ocorrer à volta destas constantes ou em sentidos que
delas se afastam.

Exemplos

Uma forma conveniente de representar a distribuição de uma população


consiste em dispor os dados segundo a forma de um pol ígono ou pir â mide de idades
( não confundir com as pir â mides ecol ógicas analisadas no Capítulo 3), no qual
o n mero de indiv í duos ou a percentagem nas diversas classes de idade são indi ¬
cados pelas larguras relativas das sucessivas barras horizontais. As pir â mides supe-
282

riores da Figura 7-6 ilustram trê s casos hipot é ticos : ( à esquerda ) uma pirâ mide
com base larga , indicando uma elevada percentagem de indiv í duos novos; (ao centro)
um pol ígono em forma de sino, indicando uma propor ção moderada de jovens
para adultos ; e (à direita) uma figura em forma de urna, indicando uma baixa
percentagem de indiv í duos novos. A ú ltima ser á geralmente uma caracter í stica de
uma população senil ou em decl ínio. As pir â mides relativas ao rato silvestre apre¬
sentadas na Figura 7-6 mostram uma distribuiçã o de idades est ável em condições
de uma taxa máxima de aumento de populaçã o (à esquerda) e sem qualquer au ¬
mento (à direita) , isto é , com a natalidade a igualar a mortalidade . Quanto mais
rapidamente crescer a população maior ser á a proporçã o dos indiv í duos novos.
Nas aves de ca ça e nos mam íferos produtores de pele , a propor ção dos ani ¬
mais do primeiro ano para os animais mais velhos, averiguada durante a estação de
colheita (Outorio ou Inverno) pelo exame de amostras da população obtidas por ca ça ¬
dores ou armadilhas, proporcionam um í ndice das suas tend ê ncias. Em geral , uma
propor ção alta de juvenis para adultos, como os diagramas inferiores constantes da
Figura 7-6 ilustram , indica uma esta çã o de cria muito bem sucedida e a probabi- |
lidade de ocorrer no próximo ano uma popula çã o maior, com a condiçã o de não 1
ser excessiva a mortalidade juvenil. No exemplo do rato almiscarado (em baixo à j
direita, Figura 7-6 ) a percentagem mais elevada de juvenis (85 por cento) ocorreu Jj
numa população que tinha sido submetida a caça com armadilhas nos anos ante- J
riores; ao que parece a redu ção no total da populaçã o assim verificada traduziu -se j
num aumento da natalidade dos indiv í duos sobreviventes. Assim, como diria Lotka , j
a população estava a voltar «expontaneamente» a uma distribuiçã o de idades mais |
est á vel que presumivelmente se situaria algures entre os extremos apresentados. J
A medida que as técnicas de determina ção da idade foram sendo melhoradas, J
tamb é m foi aumentando o conhecimento da distribui çã o de idades nas popula çõ es 1
silvestres. Verificou - se com coelhos que o peso do cristalino do olho constitui
um bom indicador da idade. Utilizando este indicador, Meslow e Keith ( 1968)
investigaram a distribui ção de idades em popula ções da lebre- das-neves, que , se ¬
gundo se descreve na Secçã o 9, sã o famosas por apresentarem pronunciados ciclos
de abund â ncia. Quando a população se expandia rapidamente ( um ou dois anos
antes da máxima abund ância) nada menos de 76 por cento da popula çã o de Verã o
tinha um ano de idade com apenas 4 por cento de indiv í duos de trê s ou mais anos.
Em contraste , 35 por cento tinha tr ê s ou mais anos e apenas uma percentagem
semelhante se encontrava na classe de idade de um ano durante os anos de decl í nio,
justamente antes de ser alcan çado o ponto mais baixo do ciclo de abund â ncia.
Um fen ó meno conhecido como a «classe de idade dominante» tem sido re-
petidamente observado em populações de peixes que t ê m un í ndice potencial de
natalidade muito alto . Quando uma classe de idade grande ocorre em resultado
de uma sobreviv ê ncia anormal de ovos e larvas de peixes, a reprodu ção é suprimida
283

TIPOS DE PIR ÂMIDES DE IDADE

o
<
9 PERCENTAGEM EM CLASSE DE IDADE

.
Figura 7-6 Pirâ mides de idade . POPULA ÇÃ O DE RATO SILVESTRE
Em cima: Tr ê s tipos de pir â mides co 20 i
de idade representando uma per ¬
{ jj 10 EM EXPANS ÃO EST ÁVEL o
centagem grande , moderada e pe ¬ 10
quena de indiv í duos novos na po
pula ção . No centro: Pir â mides de
¬

_
2 14
12
10
;
i
D
CD
CZD

idade para a popula çã o de laborat ó ¬


rio do rato silvestre, Microtus agres-
UI
Q l6 t
= )

tis , ( esquerda ) quando em expan ¬ < 4


sã o a uma taxa exponencial num 9 2
"1 1
ambiente n ã o limitado , e ( direita ) O 20 40 60 O 5 10 15
quando as taxas de natalidade e de PERCENTAGEM EM CLASSE DE IDADE
mortalidade s ã o iguais ( dados de
Leslie e Ransom , 1940 ). Em baixo:
Extremos na propor çã o entre jo ¬ FAISÕES RATOS ALMISCARADOS
vens e adultos em faisões no Da- EXTREMOS EM 14 ESTUDOS
kota do Norte ( dados de Kimball,
1948) e em ratos almiscarados no ADULTO 1 148 % 1 ] 4 0 /n

leste dos Estados Unidos da Am é


rica ( dados de Petrides, 1950 ) .
¬ JOVEM I .
152 °/ I 5 2%
194 5 MAIS BAIXO

ADULTO 1 125 % cm] i 3 %


JOVEM 1 l 75°/„ 1 1
1947 MAIS ALTO

durante alguns dos anos seguintes. O arenque no Mar do Norte proporciona um


exemplo clássico, como se ilustra na Figura 7- 7. Os peixes da classe do ano de 1904
dominaram a captura desde 1910 (quando esta classe de idade atingiu os 6 anos
e tinha dimensã o suficiente para ser efectivamente capturada pelas redes comerciais
de pesca) at é 1918 quando, com 14 de anos de idade, ainda superava em n mero
os grupos de idade mais jovens! Observa-se aqui uma espé cie de mecanismo
compensat ório no qual uma sobrevivê ncia alta é seguida por uma elevada proba ¬
bilidade de sobrevivência baixa nos anos subsequentes. Os ecologistas das quest ões
da pesca procuram correntemente saber que condições ambientais determinam uma
sobrevivê ncia anormal que ocorre de quando em quando.
Como exemplos finais, a Figura 7 -8 ilustra uma sé rie de interessantes pirâ ¬

mides de idade para popula ções humanas em duas localidades na Escócia. Ambas
as populações eram novas e vigorosas em 1861, e por volta de 1901 tinham atingido
284

3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21aar

1 § a B 1~ 1907 20 -
1908 20 | -
m n a eB
40

R t i rn
a
R -
r
1909
i < ..
20 -
60 -
40 -
1910
20 -
R rr
60

1911
40 - .
Figura 7- 7 Distribuiçã o de idades na
captura comercial de arenque no Mar
20 -
n do Norte entre 1907 e 1919, ilustrando
60 -| o fenómeno da classe de idade domi ¬

40 - nante . A classe de idade de 1904 foi


1912 muito grande e dominou a populaçã o
20 por muitos anos. Uma vez que o peixe
n
com menos de 5 anos nã o é capturado
60 - pelas redes, a classe de 1904 nã o apare¬

40 - ceu at é 1909. A idade do peixe foi de ¬

1913
20 - terminada pelos anéis de crescimento
„r-, 0 nas escamas, que se vã o depositando
anualmente da mesma maneira que os
1914- 40 - anéis de crescimento anual nas árvores.
20 - ( Segundo Hjort, 1926.)
m
~ -> r H
1915 40 -
20 H
H i i r i r i i n
-
>

40
1916
20 -
í
f R -
r i m r i R

20 -i
ig p H - m
40 -
1918
a 20 1
H ~ R ~ R

n 1
i i
g 1919
ò 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 aar
n- ri -
~
20 H
%-

uma distribuição de idades de uma população estacionária. Em 1931 uma população


tinha adquirido uma estrutura de idades com o topo muito pesado (relativamente
poucas crianças, uma grande propor ção de pessoas velhas) em resultado da dete ¬

rioração do habitat . Estes dados são interessantes, tamb é m, porque mostram que
a distribuição segundo o sexo pode ser representada juntamente com a distribui ¬

ção de idades.
285

7. A TAXA INTR ÍNSECA DE AUMENTO NATURAL

Enunciado

Quando o ambiente não est á limitado ( o espaço, o alimento e outros orga ¬


nismos não exercem um efeito limitante ), a taxa ou í ndice específico de crescimento
( isto é, a taxa ou í ndice de crescimento da popula çã o por indiv í duo) torna-se
constante e m áxima para as condi ções microclim á ticas existentes. O valor da taxa
de crescimento sob estas condi ções favor á veis para a populaçã o é má ximo, é ca-
racter í stico de uma dada estrutura de idades da população, e constitui um í ndice
nico da capacidade que uma popula ção tem para crescer. Pode ser designado pelo
s í mbolo r, que é o expoente na equa ção diferencial para o crescimento da popula ção
num ambiente ilimitado sob condições f ísicas específicas:
dN / dt = rN r = dN / ( Ndt) (1)

Note-se que se trata da mesma f ó rmula utilizada na Secção 3. O parâ metro, r,


pode ser concebido como um coeficiente instant â neo do crescimento da população.
A forma exponencial integrada obt é m-se automaticamente com recurso ao cá lculo :

Nt = N 0
e" ( 2)

Onde N0 representa o n ú mero na origem dos tempos, Nt o n ú mero no instante t e e


a base dos logaritmos naturais. Tomando o logaritmo natural ( ln ou loge) de ambos
os membros, a equação converte-se numa forma utilizada para realizar os cálculos.
Assim :
InN , - \ nNo
ln Nt = \nNo + rt ( 3)
t
Desta forma a taxa r pode ser calculada a partir de duas medições da dimensão
da popula çã o (A e Nt ou em quaisquer dois momentos durante a fase de crescimento
, ,
ilimitado, caso em que se poder á substituir N0 e N por Nt e N 2 e t por ( t2 1 )
)
- ,
nas equaçõ es anteriores).
A taxa r é realmente a diferença entre a taxa específica instant â nea de
natalidade ( isto é, taxa por unidade de tempo e por indiví duo) e a taxa específica
instant â nea de mortalidade e pode, assim, expressar-se de uma forma simples :

r = b- d ( 4)

A taxa geral de crescimento da popula çã o em condições ambientais ilimitadas ( r)


depende da composi ção de idades e das taxas específicas de crescimento devidas à
286

ANOS DE IDADE ANOS DE IDADE


S5 15
0
80
1561 lo 0 J 75

45
40 QJ ~
55
50
ii Ai
AO
35
35
25
10
5
'
5 5
0
J 0

ANOS DE Í DADE ANOS DE IDADE


. U I «
15 5
<30
1901
70
45
4: 60
55 55
50
45
A0
55
30
25
2o
'5 5
10 :
5
o
0 0

ANOS DE IDADE

s; 20
1931 1931 05
70 X'

60
55

35 55
3o 3°
25
20
' 5

5 fO

-
Figura 7 8. Pir â mides de idade para o homem em duas localidades na Escócia. As sé ries à
esquerda respeitam a uma par óquia com estrutura de idades com o topo muito pesado em 1931 num
habitat deteriorado. As sé ries à direita respeitam a uma popula çã o num ambiente um tanto mais sã o.
As classes de idade foram reduzidas a percentagem da populaçã o total , com os homens representados
à esquerda e as mulheres à direita em cada pirâ mide . ( Segundo Darling , 1951.)
287

reprodu çã o dos grupos de idade componentes. Assim, poderá haver vários valores
de r para uma dada espé cie consoante a estrutura da popula ção. Quando ocorre
uma distribuição de idades estável e estacioná ria , a taxa específica de crescimento
designa-se por taxa intrí nseca de aumento natural ou . O valor máximo de r é
rmax
com frequ ê ncia designado pela expressão menos específica embora largamente utili ¬
zada de potencial biótico, ou potencial reprodutor. A diferença entre o r máximo
ou potencial bió tico e a taxa de aumento que se produz nas condições reais de
laborat ório ou campo é com frequ ê ncia tomada como uma medida da resistência
ambiental, que é a soma total dos factores ambientais limitantes que impedem
a realiza ção do potencial biótico.

Explicação

Alcan çou -se nesta altura um ponto em que se pretende juntar a natalidade ,
a mortalidade e a distribui ção de idades importante cada uma delas embora
incapazes de facultar muita informa çã o de per si e apresentar-se o que real¬
mente se pretende saber, nomeadamente, como cresce a população no seu todo,
como o faria se as condi ções fossem diversas, e qual é o melhor rendimento
possí vel na base do qual se devem apreciar os rendimentos de todos os dias?
Chapman ( 1928) prop ôs o termo potencial biótico para designar o poder reprodutor
máximo. Definiu- o como «a propriedade inata de um organismo para se repro-
zir, sobreviver, isto é, para aumentar em n mero. É uma espé cie de soma alg é ¬
brica do n ú mero de jovens produzidos em cada reprodu ção, o n mero de reprodu ções
num dado per í odo de tempo, a propor ção dos sexos e a respectiva capacidade
para sobreviver sob determinadas condi ções f í sicas». O conceito de potencial bi ótico
ou potencial reprodutor, sugerido por alguns como mais descritivo ( ver Graham ,
1952), alcan çou uma utiliza ção ampla. Contudo, como será possí vel imaginar com
base nas definições muito gerais atrás facultadas, o potencial bi ó tico tem significado
coisas diferentes para pessoas diferentes. Para alguns tem significado uma espé cie de
poder reprodutivo nebuloso de atalaia na popula ção, de aspecto terr í vel , mas ao qual
felizmente nunca é dado ir para a frente por motivo da acçã o directa do ambiente
( isto é , «caso não fossem controlados, os descendentes de um par de moscas pesa ¬
riam em poucos anos mais do que a Terra »), Para outros tem significado simplesmente
e mais concretamente o n ú mero de ovos, sementes, esporos, e assim por diante, que
se sabe terem sido produzidos pelo indiv í duo mais fecundo, n ã o obstante o facto
de que isto terá tido na maior parte dos casos um pequeno significado no â mbito
da população , uma vez que a maior parte das populações n ã o cont é m indiv í duos
todos eles capazes de uma produ çã o má xima cont ínua.
288

Estava reservado a Lotka ( 1925), Dublin e Lotka ( 1925), Leslie e Ranson


( 1940) , Birch ( 1948) e outros o traduzir a ideia um tanto geral do potencial bi ótico
em termos matemá ticos que podem ser entendidos em qualquer linguagem (algumas
vezes com a ajuda de um bom matem ático!). Birch (1948) expressa-o bem quando
diz: «Se ao potencial bi ótico de Chapman for dada expressã o quantitativa mediante
um s ó í ndice , o par â metro r parece ser a melhor medida a adoptar uma vez que
faculta a capacidade intr í nseca do animal para aumentar num meio n ão limitado».
A taxa /• é també m utilizada frequentemente como expressão quantitativa da «capa ¬

cidade reprodutora» em sentido gen ético, como ser á referido mais tarde .
Em termos de curvas de crescimento analisadas na Secçã o 3, r é a taxa espe ¬
cífica de crescimento ( AN / NAt ) quando o crescimento da população é exponencial.
Reconhecer -se- á que a equa ção (3) do Enunciado anterior é a equa ção duma linha
recta. Portanto, o valor de r pode ser obtido graficamente em papel semilogarí tmico ;
representando o logaritmo do n mero de indiv íduos da popula çã o em ordenadas e o
tempo em abcissas obter-se-á uma linha recta caso o crescimento seja exponencial;
.
r é a inclina ção dessa recta Quanto mais r á pida for a inclina ção, maior ser á a taxa
intr ínseca de crescimento. Na Figura 7-9 a mesma curva de crescimento é repre ¬
sentada de duas maneiras , com os n ú meros ( N ) numa escala aritm ética (gr áfico da
esquerda) e com N numa escala logar í tmica (gr á fico da direita em papel semiloga ¬
rí tmico ). Neste exemplo uma popula ção hipot é tica de microrganismos experimenta
crescimento exponencial durante 6 dias nos quais a popula ção cresce segundo um
factor de 10 por cada 2 dias, A inclina ção da linha no papel semilogarí tmico é de 1,15,
que representa o valor de r. Pode-se testar o resultado introduzindo na equa çã o ( 3)
qualquer par de valores da popula çã o, por exemplo, a densidade no dia 2 e no dia 4
como se segue:

IniV,, - IniV , ,
(f ? — tj)

_ ln 100 - ln 10
2

Segundo a tabela dos logaritmos naturais,

4,6 - 2 ,3
r= 1,15
2

O coeficiente do crescimento da popula ção, r, nã o dever á ser confundido com a


taxa reprodutora lí quida, R , como se examinou na Secção 5 ( ver Quadro 7- 4 ) ;
0

a ú ltima refere - se estritamente ao tempo da gera ção e n ão se presta a comparar


289

popula ções diferentes, a menos que os tempos, das respectivas gera ções sejam simi ¬
lares. Contudo, o tempo m é dio da gera ção ( 7) est á relacionado com Rn e r da forma
que se segue :
log eRn
Rn = erT; portanto, T =
r
As rela çõ es entre T , R e r est ão representadas graficamente para uma diversidade de
0

popula ções de animais na página 52 do livro de Slobodkin (1962). Na natureza as


popula ções apresentam com frequ ê ncia crescimento exponencial durante per í odos
curtos de tempo quando h á alimento abundante e n ã o ocorrem efeitos de densidade
excessiva, inimigos e outros. Sob tais condi ções a popula çã o tomada como um todo
expande-se a um ritmo espantoso mesmo que cada organismo se esteja a reproduzir
ao mesmo ritmo que anteriormente, isto é, se a taxa específica de crescimento for
constante. As «flora ções» de pl â ncton , mencionadas em cap í tulos anteriores, as
erup ções de pragas ou o crescimento de bact é rias em novos meios de cultura cons ¬
tituem exemplos de situações em que o crescimento pode ser logar í tmico. Muitos
outros fen ómenoá tais como a absor ção da luz, as reacções qu í micas monomole-
culares e os juros compostos comportam-se de forma igual. É ó bvio que este incre ¬
mento exponencial n ã o pode durar muito tempo; muitas vezes nunca se realiza.
As interacções no interior da popula ção, como sejam as resist ê ncias ambientais,
depressa reduzem a taxa de crescimento e desempenham de v árias maneiras um
papel na forma do modelo de crescimento da popula çã o, como ser á considerado
nas pr óximas secções.

Exemplos

O Quadro 7-5 faculta a taxa intr í nseca de acr é scimo natural para v á rios
insectos, roedores e o homem juntamente com outros dados relacionados. Os valo¬
res para os roedores e os insectos a 29 °C consideram -se como sendo o «r m áximo»
( potencial bi ótico) , uma vez que as popula ções nas quais os cálculos se basearam
viviam sob condi ções pr óximas do ó ptimo, segundo fora averiguado experimental-
mente . As diferen ças extremamente grandes na capacidade potencial das diferentes
popula ções para crescer encontram -se postas em realce especialmente nas duas
ltimas colunas, que apresentam o n ú mero de vezes que a popula çã o se multipli ¬
caria caso a taxa exponencial continuasse e o tempo necessário para duplicar a popu ¬
la ção, respectivamente . Estes dois par â metros são derivados matematicamente do
í ndice intr í nseco ou taxa de «juro da popula ção», r, como se segue :
Taxa finita de aumento, A = er logf A =r A = antlogf r
Tempo de duplica çã o, t = logf 2 Ir = 0,693\lr ( derivado da equa ção
exponencial 2, página 288, fazendo N ,/ N0 = 2).

19
290

1000 L N - ESCALA ARITMÉTICA N - ESCALA LOGAR ÍTMICA


1000

N t:N 0 e 1 ' 5 * .
I n N : l n N 0+ Ti 5 t

100

500 -

0 I 2 3
DIAS
4 5 6 '5 I 2 3
DAS
4 5 6

Figura 7-9. A mesma curva de crescimento da população representada em duas formas: À esquerda:
Os n meros ( N ) numa escala aritm é tica. À direita: Os n meros numa escala logar í tmica. Neste exemplo
hipot é tico, uma popula çã o de microrganismos experimenta crescimento exponencial durante seis dias,
durant ç os quais a populaçã o cresce dez vezes em cada dois dias. Ver o texto para explica çã o das equações.

No caso do gorgulho do arroz notar se-á que a variação da temperatura


acima e abaixo do ó ptimo tem efeitos marcados na capacidade da população para
aumentar. A diferença entre 0 r m áximo e 0 que ocorre a uma temperatura não
ó ptima (embora ainda dentro dos limites de tolerâ ncia) constitui um exemplo do
controlo ambiental na ausê ncia de amontoamento. Deverá notar-se que, mesmo
sob estas condições de temperaturas menos favoráveis, a população ainda é capaz
de aumentar vá rias centenas de vezes no decurso de um ano se as condições bióticas
permanecerem não limitantes. Uma vez que os insectos são com frequ ê ncia consi¬
derados os competidores mais sé rios do homem , constitui sem d ú vida uma sorte
que não tenhamos que depender apenas dos factores físicos (ou dos instrumentos
de pulverização!) para manter os insectos controlados. Os parasitas, as doen ças,
os predadores, a competição inter e intra-específica e outros factores biol ógicos
tamb é m facultam controlos poderosos se forem encorajados a operar. Quanto mais
0 homem aprender sobre estas « resist ê ncias ambientais», melhor equipado estará
na «guerra» contra os insectos.
Para organismos mais pequenos que os insectos, a taxa intr í nseca pode ser
mesmo mais alta do que a ilustrada no Quadro 7-5. Smith ( 1963) observou na
Daphnia (um pequeno crustáceo ), que num ambiente alimentar nã o limitado r era
de 0,44 por dia ou 3,08 por semana. Num outro estudo , Smith ( 1954 ) sugere que
0 intervalo de r no reino biótico deve estender-se ao longo de 6 ciclos logar ítmicos.
Quadro 7-5
Comparação de Dados Referentes a Taxas de Acré scimo de Certos Insectos, de Roedores e do Homem

DURAÇÃO
M É DIA TEMPO DE
DA GERA¬ TAXA DE DUPLICAÇÃ O
ORGANISMO E .
I A X A U N I K.l M S f c C A ( r ) ÇÃO ( 7) REPRODU ÇÃ O 1 A X A fcINITA * ( er )
CONDI ÇÃ O Semanas ( s)
Semana Ano Semanas LÍ QUIDA ( R0 ) Semana Ano ou Anos ( a )

Calandra (gorgulho dos cereais) l


a temp. ó ptima 29 ° C 0,76 39 ,6 6 ,2 113,56 2,14 1,58 xlO16 0,91 ( í)
Calandrai a 23 ° C 0,43 22,4 10,6 96,58 1,54 5,34 x 10* 1,61 (í)
Calandrai a 33,5 ° C 0,12 6,2 9,2 3,38 1,13 4,93 x 102 5,78 ( s )
Tribolium castaneum §
(insecto da farinha ) a temp.
ó ptima 28,5 ° C 0,71 ' 36,8 7,9 275,0 2,03 1 ,06 x ] 05 0,96 ( s )
Pediculus humanus ll •
( piolho de homem) 0,78 40,6 4,4 30,93 2,18 4,27 xlO 16 0,88 ( s )
Microtus agrestis ll
( rato do campo) lab. ó ptima 0,088 4,5 20,2 5,9 1,09 90 7,90 ( s)
Rattus norvegicus §§
( ratazana ) lab. óptima 0,104 5,4 31,1 25,66 ui 2,21 x 102 6,76 ( s)
Homem, branco, E.U.A., 1920 ** 0,0055 1,0055 126,0 ( a)
Homem, E.U.A., 1968 tt 0,0077 1,0077 90,0 ( a)
Homem, Mundo, 1968 tt 0,02 1,0202 34,7 ( a)

* N mero de vezes em que a população se multiplicaria no tempo indicado, § De Leslie e Park ( 1949).
t Tempo requerido para a duplicação da população = 0,693 l / r. §§ De Leslie ( 1945).
I De Birch ( 1948). II De Evans e Smith ( 1952 ).
U De Leslie e Ranson ( 1940). ** De Dublin e Lotka ( 1925).
tt De Ehrlich e Ehrlich ( 1970).

K>
292

8. FORMA DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO


E CONCEITO DE CAPACIDADE DE SUSTENTAÇÃO

Enunciado

A populaçã o tem padr ões caracter ísticos de aumento designados por formas
de crescimento da população. Para efeitos de compara ção podem indicar-se dois pa ¬

dr ões básicos baseados nas formas das representa ções em escala aritm é tica das curvas
de crescimento, a saber, a forma de crescimento em J e a forma de crescimento sigmó ide
ou em S. Estes tipos contrastantes podem ser combinados ou modificados , ou ambas
as coisas, de v árias maneiras de acordo com as peculiaridades dos diversos orga¬
nismos e ambientes. Na forma em J a densidade aumenta rapidamente segundo o
tipo exponencial ou de juros compostos ( como se ilustra na Figura 7 -9) parando
abruptamente quando a resist ê ncia ambiental ou um outro limite se torna efectivo
mais ou menos bruscamente . Esta forma pode ser representada pelo modelo simples
baseado na equaçã o exponencial considerada na secçã o anterior :

= rN com um limite definido em N

Na forma sigm óide, a população aumenta lentamente primeiro (fase de estabeleci ¬


mento ou de aceleração positiva) , depois mais rapidamente ( porventura aproximan ¬
do-se de uma fase logar ítmica); por é m depressa abranda gradualmente à medida
que aumenta de uma forma percentual a resist ê ncia ambiental (fase de aceleraçã o
negativa) , at é ser alcan çado um n í vel de equilí brio. Esta forma pode ser representada
pelo modelo log í stico simples :

ÉK = rN
dt K

O limite superior, acima do qual n ão pode ocorrer nenhum acr é scimo importante,
tal como o representa a constante K , é a assimptota superior da curva sigm ó ide e
tem sido adequadamente designado por capacidade de sustenta ção . Na forma em J
poderá n ão haver n í vel de equil í brio, por é m o limite em N representa o limite supe ¬
rior imposto pelo ambiente. As duas formas de crescimento e algumas variantes
encontram-se esquematicamente ilustradas na Figura 7-10.

Explicação

Quando um pequeno n ú mero de indiv í duos é introduzido ou entra numa


área n ã o ocupada ( por exemplo, no in í cio de uma esta çã o), t ê m -se observado com fre-
293

quência padr ões caracterí sticos de aumento da população. A parte da curva de


crescimento que ilustra o aumento da população, quando representada graficamente
em escala aritmé tica, toma com frequência a forma de um S ou de um J, como
as Figuras 7-l(F4 e B ilustram. É interessante observar que estas duas formas
básicas de crescimento s ão similares aos dois tipos metab ólicos ou de crescimento
que foram descritos no caso dos organismos individuais (Bertalanffy, 1957). Não
obstante, não se sabe se existe relação causal entre o crescimento dos indiví duos
e o das populações; não é seguro nesta altura fazer mais do que chamar a atenção
para o facto de que há algumas semelhanç as nos padr ões.
Será observado que a equação atr á s apresentada como um modelo simples para
a forma em J é a mesma que a equação exponencial examinada na secção anterior,
com a excep ção de ser imposto um limite em N; isto é, o crescimento relativamente
incondicionado é subitamente detido quando a população se v ê privada de algum
recurso ( como alimento ou espaço), ou quando interv ém o gelo ou qualquer outro
factor do clima, ou ainda quando termina bruscamente a estação de reprodução
(porventura, por exemplo, por motivo do desenvolvimento da diapausa como se
descreveu no Capí tulo 5, página 184). Quando se atinge o limite superior de N,

A B
LIMITE N

Figura 7-10. Alguns aspectos de


formas de crescimento da popula ¬

çã o, quando representadas em es¬


D calas aritm é ticas, ilustrando as for ¬

mas em J ( exponencial) ( A ) e em
Z S ( sigm óide ) ( B), e algumas varian ¬

Q tes . A - l e A - 2 mostram oscilações


TEMPO - > que poderã o ser inerentes à forma
B -l em J. B - l, B - 2 e B - 3 ilustram algu¬

mas contingê ncias ( mas não todas)


em que ocorre um atraso no efeito

[ A i - da densidade, que se dá quando


decorre tempo entre a produ ção de
indiv í duos jovens e a plena in
t
¬

fluência destes ( o caso das plantas


e dos animais superiores). Quando
t B- 2
os nutrientes, ou outros requisitos,
f se acumulam antes do crescimento
da população, pode ocorrer um
«sobrecrescimento», como acontece
A-2 em A - 2 e B - 2. ( Isto explica a raz ão
pela qual lagoas ou lagos novos
proporcionam, com frequ ê ncia,
B-3
uma pesca mais abundante do que
os velhos !). ( Curvas adaptadas de
Nicholson, 1954.)
294

a densidade pode permanecer a esse n í vel durante algum tempo, ou, como acontece
com frequ ê ncia , ocorrer um imediato declí nio, produzindo um padrão de «oscilação
de afrouxamento» na densidade, como se ilustra na Figura 7- KM - / e A -2. Este
tipo de padr ã o, que Nicholson (1954) designou de «densidade engatilhada », parece
ser na natureza característica de muitas populações como sejam florações de algas,
plantas anuais, alguns insectos, e porventura de lemingues na tundra.
Um tipo de forma de crescimento que també m se observa com frequ ê ncia
segue um padrã o em forma de S ou sigmóide quando a densidade e o tempo
são representados em escalas aritméticas. A curva sigmóide é o resultado de uma
acção de factores adversos ( resist ê ncia ambiental) progressivamente maior à medida
que a densidade da popula çã o aumenta, em contraste com o modelo anterior no
qual a resist ê ncia do ambiente foi adiada quase para o termo do acré scimo. Por esta
razão Nicholson (1954) referiu-se ao tipo sigmóide como sendo de «densidade con ¬
dicionada ». O caso mais simples que se pode conceber é aquele em que os
factores adversos são linearmente proporcionais à densidade. Uma tal forma de
crescimento simples ou «ideal » é designada por log ística e é conforme com a
equaçã o log ística W que foi utilizada como uma base para o modelo padrã o sigmóide .
Pode escrever-se a equação de várias maneiras como se segue (ilustram- se trê s
formas para alé m da forma integrada) :
dN
dt
= v ( K K- N ) dN
dt
rN
K
N2
dt
= rN (l -
\ K )
)
K
N
1+ ea - r'

onde dN / dt é a taxa de crescimento da população (a variação do n ú mero com


o tempo) , r a taxa específica de crescimento ou a taxa intrínseca de crescimento
como foi examinado na Secção 6, N o tamanho da população ( n ú mero), K o máximo
tamanho possível da população, ou «assimptota superior », e a base dos logaritmos
naturais e a a constante de integração definindo a posição da curva em relação à
origem ; é o valor de logf ( K - N ) / N quando t = 0.
Como se verificará, esta equação é a mesma que a exponencial escrita na
secção anterior com a adição da expressão ( K - N ) / K, ( r / K) N2 , ou ( l - N / K) . As
ú ltimas express ões são tr ês formas de indicar a resistê ncia ambiental criada pelo
crescimento da pr ó pria população, que acarreta uma redu ção crescente na taxa de

(*) A equa çã o log ística foi proposta pela primeira vez por P. F. Verhulst em 1838; foi largamente
utilizada por Lotka e « redescoberta » por Pearl e Reed (1920). Veja -se Pearl (1930) para efeitos de
dedu ções matem á ticas e m é todos de tra çado das curvas.
295

reprodu çã o potencial à medida que o tamanho da população se aproxima da capa¬


cidade de sustentação. Em forma escrita, estas equações significam simplesmente:

Taxa de igual a taxa m áxima poss ível de vezes grau de


acré scimo aumento (taxa especí fica realiza ção da
da população n ão limitada de crescimento taxa m áxima
multiplicada pelo n mero ou
de indiv íduos da
população)
menos crescimento
n ão realizado

Em resumo, ent ã o, este modelo simples é um produto de tr ê s componentes :


a taxa constante O), uma medida da dimensão da popula ção ( N ) e uma medida
da por ção do façtor limitante dispon í vel n ão utilizado pela popula ção ( 1 - N / K).
A equação log ística també m pode ser escrita em termos da taxa de acr és¬
cimo por geração, R, como se segue :

dN
=N .
„,log „ ( K - N\
R ( )
Deve destacar - se nesta altura que embora o crescimento de uma grande
variedade de popula ções representando microrganismos, plantas e animais in ¬
cluindo tanto popula ções de laborat ório como naturais, siga o tipo de curva sigm óide,
isto nã o implica necessariamente que tais popula ções cres çam de acordo com a equa ¬
ção log ística. Há muitas equações matemá ticas que produzem uma curva sigm óide.
Quase todas as equa ções em que os factores negativos aumentam de qualquer forma
com a densidade produzir ão curvas sigmóides. Deve evitar-se um mero ajustamento
matemático. Antes de se tentar comparar os dados reais com uma curva teórica é
necess ário ter provas de que os factores da equação operam realmente no controlo
da população. A situação simples em que a resist ê ncia ambiental cresce linearmente
com a densidade parece confinar -se às populações de organismos que t ê m ciclos
biológicos muito simples, como por exemplo nas leveduras crescendo num espa ço
limitado ( como numa cultura; ver Figura 7-11). Nas popula ções de plantas e animais
superiores, que t ê m ciclos biológicos complicados e longos per íodos de desenvolvi¬
mento individual, é provável que se produzam respostas diferidas que modificam
grandemente a forma de crescimento, produzindo o que Nicholson (1954) designou
padr ões de «densidade retardada condicionada». Em tais casos pode resultar uma
curva de crescimento mais côncava ( necessidade de um per íodo mais longo para que a
natalidade se torne efectiva), e quase sempre a popula çã o « ultrapassa » a assimptota
superior e experimenta oscilações antes de se fixar ao n ível da capacidade de sus ¬
tentação (ver Figura 7-10, curva B-2 ). Wangersky e Cunningham (1956 e 1957)
sugeriram uma modificaçã o da equação log ística para incluir dois tipos de atraso
296

temporal: (1) o tempo necessário para um organismo come çar a aumentar quando as
condições sã o favor á veis e (2) o tempo necessá rio para os organismos reagirem a
uma aglomera ção desfavor ável mediante a alteração dos í ndices de nascimento e
,
morte. Sendo tais atrasos temporais t - t e t - t2, respectivamente, tem-se :
dm , K - N( - 2)
»
(
'
' '
dt K

Quando se estuda este tipo de equação mediante a utilização de um computador


anal ógico, a densidade « ultrapassa o n ível de sustentação» e oscila com amplitude de ¬
crescente com o tempo, muito à semelhan ça do que se ilustra no modelo gr áfico da
Figura 7-10, B-2. Deevey (1958) sugere que esta forma de crescimento é porventura
a mais comum e o tipo que mais provavelmente exibir á a popula ção humana apenas
controlada pelos pr ó prios efeitos de «auto-aglomera ção» ( isto é, caso n ão se aplique
nenhum controlo «externo» como seja o planeamento familiar sistem ático ). A razão
para isto é simples, e observa-se realmente com frequ ê ncia a «ultrapassagem do n í vel
de sustenta çã o» numa escala local. Assim, quando as condições econ ó micas sã o favo¬
rá veis ( o espa ço e os recursos baratos) as pessoas podem responder tendo muitos
filhos; ent ã o 10 ou 20 anos mais tarde ( o atraso temporal) as escolas e habita¬
ções ficam superlotadas uma vez que as pessoas raramente «antecipam » as necessi ¬
dades antes que elas realmente ocorram. As cidades de crescimento rá pido ( onde a
imigra çã o é com frequ ê ncia o factor de aumento) experimentam quase sempre este
tipo de ultrapassagem do n í vel de sustenta çã o e subsequente oscilaçã o. Enquanto a
oscila çã o é moderada, e se planeou com antecipa çã o, n ã o resultar á um grande dano.
De facto, com base na experiê ncia de engenharia poderá ocorrer que uma «osci ¬
la çã o atenuada » seja mais f á cil de tratar do que uma situa çã o completamente
assimpt ótica. O que é alarmante é a probabilidade crescente de que todas as cidades
possam ultrapassar os respectivos limites, quanto a recursos, simultaneamente , e já
se n ã o possa conseguir al í vio transportando simplesmente a popula çã o excedente
para outro lugar; ou pela entrada de fundos de assist ê ncia ( taxas, etc. ) vindos de
qualquer parte ( uma vez que a «qualquer parte » se encontra igualmente sob tensão ).
Muitas modifica çõ es no modelo log ístico básico t ê m sido sugeridas numa ten ¬
tativa para tomar em conta as interacções complexas do ciclo biológico que caracte-
rizam os organismos superiores. Smith (1963), por exemplo, sugeriu a adi çã o de uma
constante de manuten çã o, c ( = í ndice de substituição na saturaçã o), de modo que
uma razã o rlc (crescimento para manuten ção) modifique o componente autolimitador
da equa çã o; uma tal forma proporciona um modelo mais realista do crescimento das
popula ções de Daphnia num ambiente com alimento limitado. Slobodkin (1962,
Cap í tulo 9) discute em detalhe a possibilidade de adicionar coeficientes de primeira,
segunda e terceira ordem capazes de representar a competi ção, a altera çã o metabólica
do ambiente e as interacções sociais, respectivamente.
297

750
<
ASSIMPTOTA = 6 6 5.0
CE
g 500
>
LLJ
LU 450
Q
LU
Q
Q 300

<
O 150

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
HORAS
-
Figura 7 11. Crescimento da levedura
em cultura. Um caso simples de forma
de crescimento sigm ó ide em que a resis ¬

1000 - t ê ncia ambiental ( neste caso, factores


prejudiciais produzidos pelos pr ó prios
K = 665 organismos ) é linearmente proporcional
à densidade . Os c í rculos abertos sã o
500 - valores de crescimento observados; as
L linhas cont í nuas s ã o curvas tra çadas a
partir de equa ções. No gr á fico superior,
o crescimento da levedura é represen ¬
< tado numa escala aritm é tica e a curva lo ¬
cr g í stica foi ajustada aos dados. No grá fico
o inferior, esses mesmos dados sã o repre ¬
>
LU sentados ( L) com a quantidade de leve ¬
dura numa escala logar í tmica ; inclui -se
UJ
uma curva exponencial ( E ) para ilustrar
Q
LU
Q
100 - como seria o crescimento sem restri ções
< autolimitantes. Ver dados e equa ções no
g
H Quadro 7-6. (Traçado a partir de dados
Z de Pearl, 1927; grá fico superior retirado
<
z
a> de Allee et ai., 1949.)

2 4 8 10 12 16 18
HORAS

Exemplos

A Figura 7-11 ilustra o tipo de crescimento sigm ó ide na sua forma mais
simples; a Figura 7-12 ilustra o padrã o em forma de J. No ltimo caso os trips
( pequenos insectos) aumentam rapidamente durante os anos favorá veis at é que no
298

fim da estação se verifica uma fase de abrandamento, depois da qual ocorre um declí ¬
nio igualmente rá pido. Em anos menos favorá veis a forma de crescimento é mais
sigm óide. Falando em termos gerais, a forma em J deve ser considerada como uma
curva sigmóide incompleta uma vez que ocorre um efeito limitante s bito antes
que os efeitos autolimitantes no interior da popula çã o se tornem importantes.
Na Figura 7- 11 o crescimento da levedura está representado graficamente
tanto em escala aritm ética (gráfico superior) como logarí tmica (gráfico inferior), e
com ajuste de uma curva logística aos dados. Note-se que no gr áfico semilogarítmico
essa curva toma mais a forma de um «J » invertido do que de um «S». No gráfico
inferior tamb é m se apresenta uma curva exponencial ( linha recta E) para ilustrar
como seria o crescimento se n ão estivesse limitado pelo tamanho do recipiente

14 0 -
1932 3 1933- 4 1934-5

S 00 .
g 60
_
Q
cc 2 0

Si 40
• 1935- 6 1936 - 7 1937 - 8

w 100
o
60

20

ABR . AGO . DEZ . ABR . AGO. DEZ. ABR . AGO. DEZ. ABR .

Figura 7- 12. Alterações estacionais numa população de trips adultos vivendo em rosas. ( Grá fico
constru í do a partir dos dados de Davidson e Andrewartha , 1948.)

da cultura e pela densidade da população. Os dados e as equações são apresentadas


no Quadro 7-6; observe-se que as equações estão em formas integradas para as
equa ções log ística e exponencial (forma de crescimento em J ) como já foi descrito,
com os valores reais introduzidos em lugar das constantes K, a e r. O crescimento
real (observado) das leveduras foi essencialmente exponencial para as primeiras
trê s horas embora depois haja decrescido consideravelmente em conformidade com
a forma de crescimento log ístico. A área entre as duas curvas (diagrama inferior,
299

Figura 7-11) pode ser tomada como uma medida quantitativa da resist ê ncia ambiental.
A vantagem do gr áfico semilogar ítmico é a de que qualquer desvio relativamente
a uma linha recta indica uma altera çã o na taxa de crescimento da popula çã o
( dN / dt); quanto mais a curva arqueia, tanto maior é a altera çã o. Se bem que o cres¬
cimento log ístico simples esteja provavelmente limitado a organismos pequenos ou
aos que tê m ciclos biológicos simples, o padrão de crescimento sigm ó ide pode ser
observado em organismos maiores quando estes sã o introduzidos num ambiente
novo e temporariamente ilimitado. As expansõ es para alé m do nível máximo e as
oscila ções acontecem como se indicou no Enunciado. Na Figura 7-13 apresenta-se
um bom exemplo de crescimento de uma destas populaçõ es. Introduziram-se ovelhas
na ilha da Tasmânia perto da Austr ália por volta de 1800, tendo-se guardado registos
relativamente bons do n mero presente. Este seguiu a curva sigm óide com uma
moderada ultrapassagem de uma assimptota geral de cerca de 1700 000 ovelhas e
oscila ções em torno dela. Algumas das flutua ções que ocorreram depois de 1860 fica ¬
ram a dever -sé provavelmente a variaçõ es nos factores do clima.

Quadro 7-6
Crescimento de Levedura numa Cultura *
BIOMASSA BIOMASSA CALCULADA BIOMASSA CALCULADA
TEMPO OBSERVADA A PARTIR A PARTIR DA EQUA ÇÃ O
EM DE DA EQUA ÇÃ O EXPONENCIAL tt
HORAS LEVEDURA LOG ÍSTICA t ( EM N Ú MEROS REDONDOS)

0 9,6 9,9 9,6


í 18,3 . 16,8 17
2 29,0 28,2 28
3 47,2 46,7 48
4 71,1 76,0 82
5 119,1 120,1 139
6 174,6 181,9 238
7 257,3 260,3 408
8 350,7 348,2 694
9 441,0 433,9 1238
10 513,3 506,9 2 042
11 559,7 562,3 3 504
12 594,8 600 , 8 5 904
13 629,4 625,8
14 640,8 641,5
15 651,1 651,0
16 655,9 656,7
17 659,6 660,7
18 661,8 662,1 14 765

* Segundo Pearl (1927) de dados de Carlson.

1 + (? 4,1896 -0,5355 /

tf N ,= Noe .xsst
0

( N „= 9,6)
300
2500
co
<
3 2000 O o
o
o o
>
u 2 1500
LU ca
Q sz
O 1000
s5 500
O
z
1814 '24 '34 '
44 '54 64 '74 84 '94 1904 '14 '24 '34

ANO

-
Figura 7 13. Crescimento de uma popula ção de ovelhas num ambiente novo na Tasipânia. Os
círculos são médias para per íodos de 5 anos. (De Davidson, 1938.)

A validade geral da forma sigmóide de crescimento é indicada pelo facto da


taxa de crescimento ser usualmente uma função decrescente da densidade dentro
dos limites das dimens ões «normais» das populações que se encontram em ecossis-
temas em equil íbrio. Tanner (1966) encontrou uma correla ção negativa estatisti¬
camente significativa entre a taxa de. crescimento e a densidade em dois terços
de 63 populações de insectos e vertebrados de laborat ório e de campo de que
havia dados dispon íveis na literatura. De forma interessante, a população humana
foi a única que mostrou uma correlação positiva significativa ! Contudo, muitas popula ¬
ções animais devem «escapar» ao controlo de densidade de quando em quando
(como o homem o faz actualmente), uma vez que o í ndice de crescimento se torna
independente, ou uma funçã o crescente, da densidade. Parece que nas popula ções de
plantas a situa ção é semelhante. Harper et al. (1965) relatou que o estabelecimento
das novas plantas de semente é limitada pela densidade quando as «micro-estações»
-
no solo eram escassas, embora n ão quando abundavam. Na secção seguinte serão
examinados casos de oscilações, erupções e expans ões para alé m do n ível de susten ¬
tação, com a inten ção de que tais exemplos possam revelar mecanismos que operam
na situação mais «normal» em que o tamanho da população se desvia da assimptota
em menor grau .

9. FLUTUAÇÕES DA POPULAÇÃO
E AS CHAMADAS OSCILAÇÕES «CÍCLICAS »

Enunciado
Quando as populações completam o seu crescimento, e AN / At tem em média
o valor zero, a densidade da população tende a flutuar para cima e para baixo
da assimptota superior ou n ível da capacidade de sustentaçã o, mesmo nas popula ções
301

que estão sujeitas a uma forma de crescimento autolimitado ou a outras formas de


controlo de retroalimentação. Tais flutuações podem resultar de alterações no am ¬
biente físico que, com efeito, fazem subir e baixar o n í vel assimpt ótico, ou de interac-
ções no interior da popula ção, ou de ambas , ou entre populações com apertada
interacção. Assim, as flutuações podem ocorrer mesmo num ambiente constante
como é possí vel manter em laborat ório. Na natureza, é importante distinguir entre ( 1)
altera ções estacionais no tamanho da popula ção, acima de tudo controladas por
adapta ções ao longo do ciclo biol ógico associadas com altera ções estacionais nos
factores ambientais e (2) flutuações anuais. Para efeitos de an álise, estas ltimas
podem ser consideradas sob dois t í tulos : ( a ) flutuações controladas principalmente
por diferen ças anuais no ambiente físico da população, ou factores extr í nsecos
( isto é, fora da esfera das interacções da populaçã o) e ( b) oscila ções principalmente
controladas pela din â mica da popula çã o, ou factores intr í nsecos ( isto é, factores no
interior das populaçõ es). Em geral, as primeiras tendem a ser irregulares e claramente
relacionadas com a varia çã o num ou mais dos principais factores fí sicos limitantes
( como, por exemplo, a temperatura ou a pluviosidade), ao passo que as ltimas
exibem com frequ ê ncia uma tal regularidade que o termo «ciclos» parece apropriado
( e as espé cies que apresentam uma tal variaçã o regular no seu tamanho sã o com
frequ ê ncia conhecidas como espé cies «cí clicas» ). Como se viu na secçã o anterior ,
as oscilações violentas ser ão inerentes às populações que exibem uma f órma de
crescimento em J e as oscilações atenuadas ser ão caracterí sticas de uma forma de
crescimento em S, na qual ocorrem atrasos temporais relacionados com o ciclo bio¬
lógico. Sabe-se, naturalmente, que tanto os factores extr í nsecos como os intr í nsecos
influenciam todas as flutuações; o problema fundamental consiste em avaliar a im ¬
port ância de cada um , ou pelo menos em determinar qual é a causa principal da
varia ção em casos específicos. Tem sido observado repetidamente que as densidades
de populações de espé cies flutuam de ano para ano mais violentamente nos ecos-
sistemas simples, em que as comunidades est ã o compostas por popula ções de um
n ú mero de espécies relativamente pequeno ( isto é, onde a diversidade de espé cies
e a diversidade de padr ã o sã o baixas; ver Capí tulo 6 ), como, por exemplo, nas comu ¬
nidades do á rctico e nas comunidades florestais artificiais de pinheiros.

Explicação e Exemplos

1. AMOSTRAS DE DIVERSOS TIPOS DE VARIAçõ ES DE DENSIDADE DA POPU ¬

LA çã O . O mecanismo que se encontra na base do fluxo e refluxo da dimensão


da popula çã o constitui um problema apaixonante da ecologia apenas em parte
resolvido. Como se indicou no par ágrafo anterior , as flutuações podem resultar
logicamente de varia ções no ambiente f ísico externo, como sejam, por exemplo, as
variações clim áticas. Tais flutuações poder ã o ser classificadas como de natureza
302

extrí nseca, uma vez que são provocadas por factores externos à população ou à
comunidade isto é , por factores não biológicos. Por outro lado, é tamb é m l ógico
que flutuações pronunciadas possam resultar de factores intr ínsecos , isto é, de
acontecimentos que ocorrem parcialmente no interior da comunidade, como a pre-
daçã o, as doen ças e o tipo de forma de crescimento inerente. Com frequê ncia
é difícil distinguir quantitativamente entre estas possibilidades. Algumas vezes ape ¬
nas se pode estabelecer que certos tipos definidos de flutuações ou oscilações são
caracter ísticos de dadas popula ções em certas regiões, sem que se seja capaz de assi ¬
nalar as causas. Uma vez que, como se destacou em capí tulos anteriores, as popu ¬
lações modificam e compensam as perturba ções provocadas pelo factor físico, pode-se
reafirmar o seguinte princí pio b ásico: Quanto mais altamente organizada e madura
é a comunidade e mais est á vel o ambiente, menor ser á a amplitude das flutuações
na densidade da população com o decorrer do tempo. O desenvolvimento da homeos-
tasia da comunidade ser á examinado no Capítulo 9.
Todos est ão familiarizados com as variações estacionais no tamanho da
popula çã o. Todos esperam que em certas alturas do ano os mosquitos sejam
abundantes ou que os bosques estejam cheios de aves , ou os campos repletos de
ambr ósia; noutras estações as populações destes organismos podem definhar até
ao ponto de desaparecer. Embora seja difí cil encontrar na natureza populações de
animais, microrganismos e plantas herbáceas que n ão apresentem alguma alteração
estacionai na dimens ão, as flutuações mais pronunciadas ocorrem com organismos
que t ê m esta ções de reprodu çã o limitadas , especialmente aqueles com ciclos de vida
curtos e os que apresentam padr ões de dispers ão estacionai pronunciada ( isto é ,
migra çã o). A Figura 7- 12 , já referida, ilustra nã o apenas a forma de crescimento
em J ( sem n í vel de equilí brio nas densidades mais elevadas) mas també m as flutua ¬
ções estacionais e anuais, tal como foram reveladas por um estudo sistemático
ao longo de um certo per íodo de anos. Um padr ão deste tipo é provavelmente
t í pico da maior parte dos insectos e dos organismos «anuais» entre as plantas e
os animais. Em situações aquáticas, tanto de água doce como oceâ nica, os ciclos
anuais nas popula ções de plâ ncton tê m sido estudados e modelados muito intensi ¬
vamente , como se encontra descrito no Capí tulo 11 ( Figura 11- 8, página 494).
São t ão caracter í sticas dos tr ópicos como das regiões temperadas e á rctica
as variações estacionais pronunciadas na densidade da população. Por exemplo,
Bates ( 1945) verificou que a abundâ ncia relativa de apenas uma de entre sete
espé cies de mosquitos tropicais n ã o apresentou varia ções estacionais (Figura 7-14).
As flutua ções nos tr ó picos est ã o com frequ ê ncia relacionadas com a chuva, embora
o possam estar com periodicidades inerentes que ocorrem no interior da comunidade.
As densidades de insectos e aves, por exemplo, podem flutuar com a periodicidade
da flora çã o e da frutificação das plantas que ocorre mesmo num ambiente constante
de floresta tropical h ú mida.
303

Na Figura 7-15 apresenta-se um exemplo t í pico de uma varia ção um tanto


irregular na dimensã o da popula çã o que parece estar correlacionada com o clima.
Durante a maior parte dos anos as populações de gar ças permanecem relativamente
constantes nas duas á reas da Grã- Bretanha ; aparentemente os ambientes locais pro¬
porcionam uma capacidade de sustenta çã o relativamente est á vel para as gar ças. Con-

CAPTURAS DI Á RIAS 1943 CAPTURAS EST ÁVEIS COM ARMADILHA 1943


(Mosquitos por Homem e Hora ) & ( Mosquitos por Armadilha e Noite )

Figura 7-14. Altera çõ es estacionais na abund â ncia de sete espé cies de mosquitos no ambiente
tropical do leste da Colô mbia . (Segundo Bates, 1945.)

tudo, um pronunciado decl í nio na densidade com subsequente recupera çã o ocorreu


a seguir a cada uma de trê s s é ries de Invernos severos (como fica indicado ao longo
da parte superior da Figura 7-15). O facto das altera ções na densidade nas duas
á reas terem sido sí ncronas confere credibilidade à correla ção com a mortalidade de
Inverno. Contar com mais de uma á rea de investiga ção é uma boa regra para o estudo
ecol ógico de campo! Incidentalmente , as populações de aves encontram- se entre as
mais intensamente estudadas, e os resultados de tais estudos t ê m dado grande
contribuição para a teoria da popula ção. Veja-se Lack (1966 ) para efeitos de um bom
sumá rio sobre populações de aves.
Varia çõ es interessantes na densidade , e apenas parcialmente compreendidas,
são aquelas que não est ão relacionadas com a esta ção ou com alterações anuais
ó bvias, mas que envolvem oscila ções regulares ou cí clicas de abund â ncia com pontos
altos e depress ões que ocorrem por sistema passados poucos anos, com uma tal
304

Invernos severos
I I I
40 41 42 45 47 62 63

500

w
O 400

Cheshire e S. Lanes.

t
E
z \
100

34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62
Ano

Figura 7-15. Alteraçõ es na abund ância da gar ça Ardea cinerea em duas áreas da Grã- Bretanha
entre 1933 e 1963. Est á indicada a rela çã o entre Invernos frios e um decl í nio na abund â ncia. (De
Lack , 1966.)

regularidade que a dimensão da popula ção pode ser prevista antecipadamente. Os


casos que melhor se conhecem referem-se a mam íferos, aves, insectos, peixes e à
produ çã o de sementes em plantas dos ambientes setentrionais. Entre os mamíferos,
os exemplos que se encontram mais bem estudados exibem uma periodicidade de
9 a 10 anos ou de 3 a 4 anos. Exemplos clássicos de uma oscila ção de 9 a 10 anos
são o da lebre-das-neves ou lebre variá vel e o do lince (Figura 7-16). Desde cerca
de 1800 a Hudson Bay Company do Canad á tem conservado registos das peles
carregadas dos animais abatidos em cada ano. Quando representados graficamente
estes registos mostram que o lince, por exemplo, alcan çou um máximo de popula ção
todos os 9 ou 10 anos, em m édia 9,6 anos, durante este longo perí odo de tempo.
Os picos de abund â ncia são muitas vezes seguidos por «colapsos», ou declínios
rápidos, tornando-se o lince extxemamente escasso durante vá rios anos. A lebre-
-das-neves segue o mesmo ciclo, com um auge de abund â ncia que precede geral¬
mente o do lince em um ou mais anos. Como o lince est á largamente dependente
da lebre para efeitos alimentares, é ó bvio que o ciclo do predador est á relacionado
com o da presa, embora não se trate estritamente de uma interaeção de causa
e efeito predador -presa, uma vez que as lebres t ê m «ciclos» em á reas onde não
há linces. O ciclo mais curto, de 3 a 4 anos, é caracter ístico de muitos mur ídeos
( roedores) do norte (lemingues, ratos, ratos do campo) e respectivos predadores
(especialmente o bufo-nival ou branco e as raposas ). O ciclo dos lemingues da tundra,
305
160

140 LEBRE
LINCE
120
co
LU
100

80

UJ
60

UJ 40
)
/
20

1845
v . XI
1855 1865 1875 1885 1895 1905 1915 1925 1935
TEMPO EM ANOS

-
Figura 7 16 . Altera ções na abund â ncia do lince e da lebre-das- neves, de acordo com o n ú mero
de peles recebidas pela Hudson Bay Company . Trata-se de um caso cl á ssico de oscila çã o c í clica na
densidade da popula çã o. ( Reproduzido de MacLulich , 1937 . )

da raposa do árctico e do bufo-nival sã o casos clássicos bem documentados ( Elton,


1942). Todos os trê s ou quatro anos, em enormes áreas da tundra do norte dos
dois continentes, os lemingues ( duas espécies na Eurásia e uma na Amé rica do Norte
do g é nero Lemmus e uma espécie de Dicrostonyx na Am é rica do Norte) tornam-se
extremamente abundantes e logo «colapsam », frequentemente numa só esta çã o. As
raposas e os bufos, que aumentam em n mero à medida que o seu alimento au ¬
menta, decrescem de seguida muito rapidamente . Os bufos podem emigrar rumo
ao sul para os Estados Unidos ( à s vezes chegam a alcan çar a Ge ó rgia) em busca de
alimento. Esta migra çã o eruptiva de aves em excesso é aparentemente um movi ¬
mento de um s ó sentido; poucos bufos regressam se é que regressam alguns.
A popula çã o de bufos «colapsa» em resultado de um movimento de dispersão.
Esta oscila çã o é t ã o regular que nos Estados Unidos os estudantes de ornitologia
podem contar com uma invasã o do bufo- nival todos os 3 ou 4 anos. Uma vez que
essas aves se notam muito bem e surgem por toda a parte à volta das cidades, atraem
muito a aten ção, aparecendo as suas fotografias nos peri ódicos e as respectivas
peles nas lojas dos taxidermistas locais. Nos anos que medeiam entre entradas,
poucos ou nenhuns bufos s ão vistos nos Estados Unidos ou no sul do Canad á.
Gross (1947) e Shelford (1943) analisaram os registos das entradas e mostraram
que est ão relacionadas com o decr é scimo periódico na abund â ncia do lemingue,
o seu principal alimento. Na Europa, embora aparentemente n ão na Amé rica do
Norte, os pr ó prios lemingues tornam-se t ão abundantes no auge do ciclo que t êm
de emigrar dos respectivos habitats superlotados. Elton (1942 ) descreveu de uma
forma vivida as famosas « migra ções» dos lemingues na Noruega. Os animais passam
atrav é s das vilas em tal n ú mero que os cães e os gatos se cansam de os matar
e acabam por ignorar a orda. Ao chegarem ao mar , muitos afogam-se . Assim, à
20
306


*
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-
Figura 7 17. A lebre - das - neves
-
s
CL
ou lebre vari á vel, famosa nos
anais ecol ógicos pelo seu espec- \
tacular ciclo de abund â ncia ( ver Jr
Figura 7- 16). O espec í men ilus ¬ „ ê
trado apresenta- se com a sua
pelagem de Inverno. Está com ¬
provado que a mudan ç a da
pelagem parda de Verã o para a
branca de Inverno é controlada
( *
Si \
pela fotoperiodicidade . ( Foto ¬
A
-
grafia do U. S. Soil Conservation
Service . )

semelhança da erupçã o do bufo, o movimento dos lemingues é num s ó sentido.


Estas emigrações espectaculares n ã o acontecem todos os 4 anos no apogeu da den ¬
sidade, mas apenas nos anos em que esta é excepcionalmente elevada. Com fre ¬
qu ê ncia a populaçã o baixa sem que os animais deixem a tundra ou as montanhas.
Na Figura 7-18 apresentam-se dois exemplos de registos prolongados de osci ¬
la ções violentas em insectos da folhagem em florestas da Europa. Estes ciclos pro¬
nunciados t ê m sido registados principalmente nas florestas setentrionais, especialmente
em povoamentos puros de con íferas. Como se ilustra na Figura 7-18, a densidade
pode variar ao longo de cinco ordens de grandeza ( ciclos logar ítmicos). Por exemplo,
.
a densidade das larvas de Bupalus (as lagartas deixam-se cair na folhada do solo da
floresta para se reproduzir , proporcionando assim o momento conveniente no seu
ciclo de vida para a realiza çã o de um censo ) variou desde menos de uma a mais
de 10 000 por 1000 m2 ( 0,001 a 10 por m 2). É f á cil de imaginar que com 10 000
307

borboletas potenciais emergindo de cada 1000 m2 , e com vá rias gerações numa


esta ção, poderão ser produzidas lagartas suficientes para desfolhar e mesmo matar
as árvores, como frequentemente acontece. Os ciclos das lagartas desfolheadoras
n ão é tã o regular como as oscilações do bufo- nival , e as respectivas periodicidades
parecem localizar-se algures entre os 4 e os 10 anos ( os picos de abund â ncia
conduzem a uma mé dia de 7 ,8 e 8,8 anos nos dois exemplos apresentados). Nem
s ão s í ncronos os ciclos de diferentes esp é cies. As erupções periódicas dos insectos da
espé cie Choristoneura fumiferana que ataca o gomo da p í cea e da espé cie Malaco-
soma disstria são exemplos bem conhecidos de padr ões similares na parte setentrional
da Amé rica do Norte . Como se verificará no Cap í tulo 9, a «coevolu ção» da inter-
acção insecto-á rvore acarreta um comportamento cí clico de todo o ecossistema.
Provavelmente a mais famosa de todas as oscilações de populações de insec¬
tos é a que envolve os gafanhotos. Na Eurásia os registos de erupções da esp é cie
Locusta migrat ória remontam à antiguidade (Carpenter , 1940 a). O gafanhoto vive no
deserto ou em região semi-árida e na maioria dos anos não é migrat ório, não
come as colheitas e n ão atrai aten ção. A intervalos , contudo, a densidade da popu ¬
lação aumenta enormemente; o gafanhoto torna-se de facto morfologicamente
diferente ( desenvolve asas mais longas, etc.) sob os efeitos da aglomeração (*),
e emigra para as terras cultivadas, consumindo tudo no seu percurso. Uvarov
(1957) assinala que as actividades do homem, como a substitui ção de culturas e o
sobrepastoreio, tendem mais a incrementar do que a diminuir a probabilidade de
um surto, uma vez que uma mistura ou mosaico de vegetação e de terra nua
( na qual os gafanhotos põem os ovos ) é favor á vel ao crescimento da popula çã o
em forma exponencial ou em J. Parece que estamos aqui a tratar de um caso
de explos ã o de populaçã o originada pela combina çã o no ambiente da instabilidade
e da simplicidade . Como no caso do lemingue, é prová vel que nem toda a população
máxima seja acompanhada por uma emigração; portanto, a frequ ê ncia das pragas
n ão representa necessariamente a verdadeira periodicidade das oscilações de densidade .
Mesmo assim entre 1695 e 1895 foram registados surtos pelo menos uma vez em
cada 40 anos. Waloff ( 1966) apresenta um invent ário hist órico mais recente das
erupções e das recess ões do gafanhoto do deserto.
Um tipo interessante de oscila ção de « predador - presa» envolve plantas e
animais. A produ ção de semente nas con íferas é «cíclica», e as aves comedoras de
semente e outros animais apresentam oscilações correspondentes.
2. TEORIAS SOBRE O MECANISMO DO TIPO OSCILATó RIO VIOLENTO DAS
FLUTUA çõES DA POPULA çã O. Como se indicou previamente, as flutuações acima
e abaixo de um n í vel de equil í brio afiguram -se como caracter í sticas da maior parte

( *) As formas solit á rias e migrat ó rias ocorrem num certo n mero de espé cies de gafanhotos e foram
descritas com frequ ê ncia como espé cies distintas, antes de serem conhecidas as suas verdadeiras
rela çõ es.
308

LARVA DE PINHEIRO
O BUPALUS
5
o~
Z

Figura 7-18. Flutua ções no T


O
n ú mero de duas esp écies de
borboletas cujas larvas se ali ¬
2
mentam de folhagem de con í ¬
feras. Em cima: A larva Bupalus
do pinheiro em florestas de pi ¬
nheiro em Litzlingen , Alema ¬ 3
nha , ordenadas em povoamen ¬
tos puros. Em baixo: A larva do
lari ço, Zeiraphera griseana , em
florestas de lari ço no vale su íço
I*
de Engadin . ( Gr á fico superior <
g

.
reproduzido de Varley , 1949 ; 2
gráfico inferior reproduzido de
D-
Baltensweiler , 1964.)
I!
O
LARVA DE LARIÇO
ZEIRAPHERA

1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960

das popula ções, o que seria de facto de esperar sob a influ ê ncia variada dos fac-
tores naturais, se bem que os ciclos regulares de abund ância pareçam um tanto
paradoxais face à not ória irregularidade da natureza! As duas caracterí sticas se ¬
guintes destas oscila ções chamam a aten ção : ( 1) sã o mais pronunciadas nos sis¬
temas menos complexos das regiões setentrionais, como os exemplos atrá s des¬
critos tornam evidente; e ( 2 ) embora as culminâ ncias da abund â ncia possam ocorrer
simultaneamente em extensas áreas, as culmin âncias na mesma espé cie em dife ¬
rentes regi ões de forma alguma são sempre coincidentes. As teorias que tê m sido
avan çadas para explicar os ciclos na densidade podem ser agrupadas sob diversos
t ítulos como se segue: ( 1) teorias meteorol ógicas, (2) teoria das flutuações casuais,
( 3) teorias da interacção na popula çã o e ( 4) teorias da interacçã o ao n í vel tr ó fico.
Ser á apresentado nos vários parágrafos seguintes um breve resumo de cada qual.
At é agora t ê m sido infrut íferas as tentativas para relacionar estas oscila ções
regulares com factores do clima, nã o obstante o facto da respectiva sincronia e
proemin ê ncia nas latitudes setentrionais parecer sugerir algum acontecimento cíclico
fora do ecossistema local. Houve uma altura em que o ciclo das manchas solares,
que ocasiona alterações importantes no clima, foi considerado por muitos como uma
explicaçã o adequada para o ciclo do lince e outros ciclos de 10 anos. Contudo,
309

MacLulich (1937) e outros demonstraram n ão haver realmente correla ção. At é ao


presente , n ã o foram demonstradas periodicidades clim á ticas comuns envolvendo
á reas extensas correspondentes a intervalos de 3 a 4 anos. Mesmo se houvesse
boas correla ções, o problema continuaria por resolver at é que pudesse ser demons ¬
trado de que maneira as manchas solares, os ultra- violetas ou outros factores do
clima afectam a natalidade , a mortalidade , a dispersão, ou outras caracter í sticas
da popula çã o. Como se real çou atr á s na an á lise feita, as correlaçõ es ( ou «ajustamento
do ciclo» ) sem provas do seu mecanismo são perigosas.
Palmgren ( 1949) e Cole (1951 e 1954) sugeriram que o que parece ser oscila ¬
ções regulares poder á resultar de variações casuais no complexo ambiente bi ótico e
abiótico da popula çã o ( recorde-se que na Secçã o 5, Cap í tulo 6, se consideraram «os
padr õ es estocásticos resultantes de for ças casuais » como um dos elementos respon ¬
sá veis pelos padr ões das comunidades); caso isto seja assim, n ão se poder á isolar
nenhum factor como sendo mais importante do que todos os outros. Keith ( 1963)
fez uma aná lise estat í stica detalhada dos ciclos das aves e dos mam íferos seten ¬
trionais e concluiu que o ciclo de 10 anos é «real» (isto é, n ão casual), ainda que
seja dif í cil provar que os ciclos mais curtos n ã o sã o devidos a flutua ções casuais.
Para al é m da lebre-das- neves e do lince, demonstrou que o lag ó pode de poupa exibe
um ciclo de 7 a 10 anos que é síncrono em grandes áreas do Canad á e dos estados
dos lagos e també m geralmente s í ncrono com os ciclos do bufo. O lag ó pode da
pradaria , o lag ó pode branco, os ratos almiscarados e as raposas sã o outras esp é cies
que experimentam ciclos de duraçã o semelhante, embora com frequ ê ncia em escala
mais localizada ou irregular. De forma bastante interessante , a perdiz da Hungria
parece ter « adoptado » um ciclo de 10 anos no seu novo ambiente na Am é rica
do Norte setentrional, se bem que a esp é cie n ã o tenha sido introduzida há tempo
suficiente para que se haja obtido dados suficientes. Keith concluiu que o ciclo
de «10 anos» se encontr ã limitado ao bioma das con íferas do norte e seus ecotonos
da Am é rica do Norte (para figuraçã o desta região ver Figura 14-8) e que n ão
é evidente na Europa . Em contraste , e como se viu , os ciclos de 7 a 10 anos nas
pragas de insectos florestais encontram-se bem documentados na Europa.
Caso se possa provar que os factores do clima, casuais ou outros, n ão cons¬
tituem a causa principal de oscilações violentas , ent ão dever á olhar-se naturalmente
para causas existentes no interior das pr ó prias popula ções ( isto é , para «factores
intr í nsecos»). Aqui existe uma certa prova de mecanismos poss í veis capazes de operar
em conex ã o com o estado atmosf érico ou outras alterações nos factores f í sicos.
Como já se referiu na aná lise da forma de crescimento da popula ção, podem espe ¬
rar-se oscilações na densidade nas populaçõ es que experimentam durante um certo
per í odo de tempo um crescimento exponencial mais ou menos ilimitado, uma vez
que tais populações poder ã o exceder os limites de algum factor limitante mais do
que alcan çar o estado constante. Quanto mais simples for o ecossistema ( isto é ,
310

menor o n mero de esp écies e de factores limitantes principais), tanto maior ser á
a probabilidade de desequil í brios temporá rios. A simples sobrepopula çã o ( seguida de
um inevit á vel decl í nio) pode assim originar oscilações, como se ilustrou na Fi ¬
gura 7-105-3, com um per í odo que tem a possibilidade de ser proporcional à taxa
intr í nseca de acr é scimo ; ou podem ser originadas ou acrescidas pela interacçã o pre¬

dador- presa. Como será discutido mais adiante, um sistema contendo uma só presa
e um só predador especializado em com ê-la pode oscilar mesmo num ambiemte
f ísico constante de laborat ó rio ( ver Utida, 1957), se bem que tais sistemas simples
de predador- presa usualmente se extingam ou as oscilações abrandem com o tempo
( ver Figura 7-33). Como foi referido na secção anterior , as populações «escapam»
com frequ ê ncia ao controlo da capacidade de sustenta çã o (seja abiótico ou biótico);
aquilo que pode ser designado por «teoria da sobrepopula ção dos ciclos» baseia-se na
ideia de que certas populações nos ecossistemas setentrionais «escapam » a intervalos
regulares mais do que ocasionalmente ou a intervalos irregulares.
Existem cada vez mais provas de que as alterações fisiol ógicas e gen é ticas
nos indiv íduos e nas populações acompanham as oscilaçõ es violentas na densidade
da população. At é que ponto estas alterações causam as oscilaçõ es ou são meramente
adapta ções a essas oscilações, constitui neste momento mat é ria de contrové rsia ,
embora a maior parte dos investigadores esteja de acordo que tais alterações podem
pelo menos modificar a periodicidade ou a amplitude das flutua ções. Com base
na sensacional teoria m é dica do «stress» ( isto é, o sí ndroma geral de adapta ção ),
Christain e seus colaboradores ( ver Christain , 1950, 1961 e 1963; Christain e Davis,
1964) reuniram um considerá vel n mero de provas, tanto de campo como de labo¬
rat ó rio, de que nos vertebrados superiores o amontoamento provoca um aumento
nas glâ ndulas supra- renais o que é característico de alterações no equil í brio que,
por seu turno, produzem alteraçõ es no comportamento, no potencial reprodutor e
na resist ê ncia à doen ça ou a outras press ões. Tais alterações combinam-se com fre ¬
qu ê ncia provocando um «colapso sú bito» na densidade da população . Por exemplo,
as lebres- das- neves morrem com frequ ê ncia subitamente no auge da densidade de
uma « doen ça de choque» que tem sido demonstrado estar associada a um aumento
das supra- renais e a outras evid ê ncias de desequilí brio end ó crino. Em insectos
cí clicos Wellington ( 1957, 1960) verificou que na fase ascencional do ciclo as lagartas
da espé cie Malacosoma disstria constroem ninhos compridos que aumentam ou
abandonam fazendo outros, e os indiv í duos se movem activamente para a folhagem
para se alimentarem . No auge da densidade as lagartas tornam-se inactivas, cons ¬
troem ninhos compactos, alimentam -se menos e ficam sujeitas a doen ça . Os adultos
saí dos das lagartas pregui çosas eram també m pregui çosos e n ã o punham os ovos
muito longe. Na larva do lariço ( Zeiraphera griseana ) , cujos ciclos de abund â ncia
se apresentam na Figura 7- 185, raças fisiológicas «forte» e «d é bil» que sã o «quase
com certeza gen é ticas» ( ver um resumo detalhado da ecologia desta espé cie em Clark ,
311

Grier , Hughes e Morris, 1967, páginas 124- 136 ) alternam nas fases de densidade
baixa e alta do ciclo. Chitty (1960, 1967) sugere que as alterações gen éticas deste tipo
explicam as diferen ças no comportamento agressivo e na sobreviv ê ncia que se obser ¬
vam em diferentes fases dos ciclos do rato do campo. Tais «s í ndromes de adaptação»
parecem ser naturalmente mecanismos que «atenuam » a oscila çã o evitando assim
uma flutuação muito grande que poderia danificar o ecossistema e pô r em perigo
a sobreviv ê ncia da espé cie.
Um quarto grupo de teorias anda à volta da ideia de que os ciclos de abun ¬
d â ncia s ã o intr í nsecos ao n í vel do ecossistema mais do que ao n í vel da popula çã o.
Certamente alterações de densidade que variam ao longo de diversas ordens de
grandeza devem envolver n ã o apenas n í veis tr óficos secund á rios, como predador
e presa, mas també m as interacções prim á rias entre plantas e herb í voros. Um
exemplo de uma teoria ao n í vel de ecossistema é a « hip ótese de recupera çã o do
nutriente» de Schultz (1964, 1969), proposta para explicar os ciclos « microtinos»
na tundra. De acordo com esta hip ótese , suportada por dados retirados de estudos
de ciclos minerais, um forte pastoreio realizado pelos lemingues durante o ano de
máxima abund â ncia fixa e reduz a disponibilidade dos nutrientes minerais (especial ¬
mente o f ósforo ) no ano seguinte, de tal forma que o alimento dos lemingues
tem uma qualidade nutricional baixa; o crescimento e a sobreviv ê ncia dos jovens
são em conformidade grandemente reduzidos. Durante o terceiro ou quarto ano é
reposta a reciclagem de nutrientes, as plantas recuperam e o ecossistema pode
suportar novamente uma alta densidade de lemingues.
Dedicou -se um espa ço um tanto extenso ao exame dos ciclos de abund â ncia
de amplitude grande n ã o por motivo de estes serem particularmente comuns no
mundo em geral mas sim porque o seu estudo revela fun ções e interacções que t ê m
provavelmente uma aplicaçã o geral , embora nã o possam ser t ã o evidentes em popu ¬
la ções cuja densidade se encontra sob um melhor controlo. O problema da oscila ¬
ção c í clica em qualquer caso especí fico pode bem resumir - se a determinar at é
que ponto um ou v á rios factores sã o principalmente por ele responsá veis ou se as
causas são t ão numerosas que se torna dif ícil esclarecer o assunto, mesmo que a
interacçã o total possa ser entendida como aquilo que Cole ( 1957) chama «simplicidade
secund á ria » na acepçã o de que a regularidade pode ser « n ã o maior do que a que se
encontra numa sequ ê ncia de n ú meros casuais». Como Se indicou, a primeira é
certamente possí vel em ecossistemas simples , quer sejam experimentais ou naturais;
a ú ltima deve ser mais plaus í vel nos ecossistemas complexos.
Tendo-se considerado um certo n ú mero de problemas especí ficos interessan ¬
tes, est á-se em boas condições para analisar o problema mais geral da regula ção
da popula çã o.
312

10. REGULAÇÃO DA POPULAÇÃO E OS CONCEITOS DE ACÇÕES


INDEPENDENTES E DEPENDENTES DA DENSIDADE
NO SEU CONTROLO

Enunciado

Nos ecossitemas submetidos a pressão f í sica, de baixa diversidade, ou naqueles


que se encontram submetidos a perturba ções extr í nsecas irregulares ou imprevisí veis,
as populações tendem a ser reguladas pelos componentes f ísicos, como o estado do
tempo, as correntes de água, os factores qu í micos limitantes, a polui çã o, e assim
por diante. Nos ecossistemas com elevada diversidade, ou naqueles que nã o est ã o
sujeitos a pressã o f ísica, as populações tendem a estar controladas biologicamante .
Em todos os ecossistemas h á uma forte tend ê ncia por parte de todas as populações
para evolucionar atravé s da selecção natural at é à auto- regula çã o ( uma vez que a
sobrepopula ção n ão vai de modo nenhum ao encontro dos melhores interesses de
qualquer popula ção!) mesmo que isto seja dif ícil de alcan çar sob uma pressão extrín ¬

seca. Do ponto de vista da pr ó pria população, os conceitos seguintes apresentam-se


como corol á rios'desta teoria geral.
Qualquer factor, seja limitante ou favorá vel ( negativo ou positivo) para uma
população, é ( 1) independente da densidade ( tamb é m chamado legislativo da densi¬
dade ) se o seu efeito ou acção é independente do tamanho da populaçã o, ou (2)
dependente da densidade ( tamb é m chamado regulado pela densidade) se o seu efeito
na populaçã o é uma função da densidade . A acção dependente da densidade é
igualmente directa no sentido de que se intensifica à medida que se aproxima o
limite superior, embora tamb é m possa acontecer o contr á rio ( decr é scimo na intensi ¬
dade com o aumento de densidade ). Os factores dependentes directamente da
densidade actuam como os comandos de uma máquina ( daí o termo « regulado pela
densidade ») e por esta razão sã o considerados como um dos principais agentes na
prevenção da sobrepopulação, e assim responsá veis pela realiza ção de um estado
de equil í brio. Os factores climáticos com frequ ê ncia, embora não sempre, actuam
de uma forma independente da densidade , ao passo que os factores bi óticos ( com ¬
peti çã o, parasitas, agentes patog é nicos, e assim por diante ) actuam com frequ ê ncia,
embora não sempre, de uma forma dependente da densidade.

Explicaçã o

Uma teoria geral para a regulação da população, tal como se apresentou nos
parágrafos anteriores, resulta logicamente da análise do potencial bi ótico, da forma
313

de crescimento e da varia ção em torno do n í vel da capacidade de sustenta ção.


Como se destacou no cap ítulo anterior ( ver página 233 ), as teorias est ã o com fre ¬

qu ê ncia correlacionadas com o ambiente dos seus autores! Assim , os ecologistas


que trabalham em ambientes de pressã o ( como sejam as regiõ es á ridas ) ou com
organismos pequenos ( como sejam insectos ou plâ ncton que t ê m ciclos de vida
curtos, potenciais bióticos elevados e altos í ndices de metabolismo por grama e ,
assim , exist ê ncias permanentes ou biomassas por unidade de espa ço relativamente
pequenas em qualquer altura ) t ê m -se impressionado com o que se segue : ( 1 ) a
import â ncia do per íodo de tempo em que a taxa de acr é scimo ( r ) é positiva , (2 ) a
import â ncia dos factores independentes da densidade , tais como o estado do tempo,
na determina ção da dura ção dos per í odos favor á veis, (3 ) a import â ncia mais secun¬

d á ria do que principal das for ças autolimitantes no interior da popula ção e (4 ) a
falta geral de estabilidade na densidade de qualquer esp é cie mesmo quando o ecossis-
-
tema parece est á vel. Estes pontos encontram se destacados particularmente bem no
conhecido livro de Andrewartha e Birch ( 1954 ). Os ecologistas qiie trabalham em
ambientes benignos ( tal como os jardins ingleses, os recifes de corais ou as florestas
tropicais) ou com organismos maiores ( como as aves, mam í feros ou á rvores florestais,
cujos ciclos de vida sã o mais longos e os n meros e a biomassa reflectem mais clara ¬
mente o fluxo de energia ), t ê m sido impressionados com o que se segue : ( 1 ) a impor ¬
t â ncia dos factores dependentes da densidade , especialmente a competi çã o intra- espe-
c í fica autolimitante ( como na equa ção de crescimento sigm ó ide ), e dos controlos
interespecíficos de vá rios tipos ( competi çã o interespecí fica , parasitas, e assim por
diante ), (2) a estabilidade ou pelo menos a consist ê ncia nos padr õ es de densidade e
(3) a import â ncia geral dos mecanismos de controlo biol ógico. De uma forma bastante
interessante, as pessoas que trabalham com populações confinadas de organismos
pequenos, como bact é rias ou insectos do g é nero Tribolium em cultura, tamb é m ficam
impressionados com estes ú ltimos aspectos, o que porventura nã o surpreende uma
vez que nas culturas a biomassa por unidade de espa ço é maior do que seria
usual na natureza. De forma semelhante , n ã o dever á surpreender que as pessoas
que trabalham com monoculturas e florestas fiquem impressionados pela eficá cia
do controlo biológico! Para efeitos de uma aná lise das teorias do controlo depen ¬

dente da densidade, ver os trê s importantes trabalhos de Nicholson ( 1954, 1957 e


1958), Lack ( 1954 ), e em Lack ( 1966) o apê ndice.
Acima de tudo, quando se fica interessado num estudo aprofundado de popu ¬
la ções espec íficas, n ão se deve esquecer a integra ção que ocorre ao n í vel da comu ¬
nidade e do ecossistema, porque ( tal como se destacou no Cap í tulo 2 ) a parte
( populaçã o ) n ã o pode nunca ser completamente explicada sem que o todo ( ecossis ¬
tema) seja considerado, ou vice- versa. Onde haja um grande n ú mero de esp é cies
ocupando um n í vel tr ófico ( insectos herb í voros numa floresta, por exemplo ), a eco¬
logia da popula çã o de qualquer uma das esp é cies pode fazer pouco sentido a menos
314

que se conhe ça o que os «colaboradores» est ã o a fazer na comunidade nessa


mesma altura.
Em ú ltima an á lise, ent ão, a regula ção da popula çã o deve ser uma fun ção do
tipo de ecossistema de que a popula çã o em quest ã o constitui uma parte. Embora o
colocar em contraste o ecossistema «controlado fisicamente» e o ecossistema «contro¬
lado biologicamente », como se fez, seja arbitrá rio e produza um « modelo» excessiva ¬
mente simplificado, trata- se de um m étodo relevante, especialmente uma vez que o
homem parece estar empenhado em sistemas cada vez mais sujeitos a pressão que são
incapazes de automanuten çã o ou auto- regulaçã o. Os ecossistemas naturais na zona
temperada que sã o, certamente, daqueles que melhor se conhecem de um ponto de
vista ecológico, constituem termos intermé dios quanto à import â ncia dos reguladores
físicos e bi ó ticos. Milne ( 1957 e 1962) destaca a interacção dos controlos indepen ¬
dente e dependente da densidade, e real ça que o ltimo é raramente « perfeito»,
como no modelo de crescimento sigm óide ou log ístico, mas sim com frequ ê ncia
«imperfeito» porquanto as limitações podem ser mais efectivas a uma densidade
do que a outra. No campo observa-se com frequ ê ncia que um factor de controlo,
como um predador, pode ser bastante eficaz face a densidades baixas da presa, em ¬
bora bastante ineficaz a densidades altas quando existe um atraso na resposta da
densidade do predador relativamente à densidade da presa. De facto, Holling ( 1961)
concluiu que na preda ção dos insectos existe usualmente uma fun ção crescente da
densidade da presa quando a densidade desta é baixa, embora uma fun ção decres¬
cente ( inversamente dependente da densidade ) a densidades altas.
Falando estritamente, um efeito apenas poderá ser independente da densidade
se for exercida uma influ ê ncia constante na popula ção, independentemente da sua
dimens ã o. Por exemplo, se o mesmo n mero de ca çadores for autorizado a ca çar
dois veados por é poca e ca çarem at é os abater, ent ão o mesmo n ú mero de veados
ser á removido cada ano, independentemente do n ú mero total de veados presentes.
Tem sido costume, contudo, falar igualmente de um factor como «independente da
densidade» se o efeito percentual for o mesmo independentemente da densidade,
como seria o caso, por exemplo, se 10 por cento dos veados fossem removidos
em cada ano, mesmo que o n ú mero afectado ( removido) dependesse da densidade !
Caso se pretenda fazer uma distin çã o, pode falar- se de um efeito percentual cons¬
tante como sendo proporcional à densidade .
Uma via para clarificar estas mat é rias consiste em pensar em termos das
equa çõ es de crescimento facultadas previamente (outro exemplo de modelos mate ¬
má ticos ú teis). Uma constante adicionada à equação representa, certamente, uma
acção absolutamente independente da densidade. Uma constante multiplicada por N
( o n ú mero existente na popula çã o) representa um efeito percentual constante inde ¬
pendente da densidade. Qualquer factor [tal como ( K-N ) / K\ que aumente ou diminua
percentualmente à medida que o n ú mero cresce ser á dependente da densidade.
315

Segue-se daqui que a dependê ncia directa da densidade deve ser efectiva caso uma
popula çã o haja de estar bem regulada, se se definir a regulação da população como
a tend ência para voltar ao tamanho de equilí brio, e a estabilidade da população como
a tend ência para permanecer a um tamanho constante.
Porventura a parte mais importante da teoria geral apresentada é o enunciado
de que «as populações evoluem para a auto-regulaçã o». Na secçã o anterior descre-
veu -se como as alterações fisiol ógicas e gen éticas, ou a alternâ ncia de ecotipos no
tempo, podem , de certo modo, atenuar as oscila ções e acelerar o retorno da densidade
para n í veis mais baixos. Durante os anos 60 acumularam-se provas indicando que as
populações nã o s ó evitam os extremos suicidas de ir at é demasiado acima ou dema¬
siado abaixo dos n í veis de saturação, como també m evoluem para a regulação da res-
pectiva densidade a um ní vel nitidamente abaixo da assimptota superior ou capacidade
de sustentação que poderiam alcançar caso todos os recursos em energia e espaço fossem
completamente utilizados. Desta forma a selecção natural opera na maximização da
qualidade do ambiente individual e reduz a probabilidade da extin ção da popu ¬
la çã o. Wynne-Edwards (1962 e 1965) põ e em destaque vigorosamente o caso da
auto-regulação das populaçõ es, enquanto a regula ção através das interacções inter -
específicas ocorre segundo Pimentel ( 1961 e 1968) por um processo de retroacção
genética. Wynne-Edwards documenta dois mecanismos que podem estabilizar a
densidade a um n ível inferior ao da satura ção : (1) territorialidade, uma forma exage ¬
rada de competição intra-específica que limita o crescimento atravé s do controlo
do « uso da terra», como se examinará na Secção 15; e (2) conduta de grupo, como
as «ordens por bicada», a «dominâ ncia sexual » e outros aspectos, a discutir no
Cap ítulo 8. O conceito de retroacçã o gen é tica refere-se a um mecanismo mediante
o qual as populações de esp é cies interagindo estreitamente «regulam » as suas exi¬
gê ncias recí procas. Nas palavras de Pimentel (1961): «Num sistema herbívoro- planta,
a densidade animal influencia a pressão selectiva sobre as plantas; esta relação
exerce influ ê ncia sobre a estrutura genética das plantas, e por seu turno a estrutura
gen ética das plantas influencia a densidade animal . As acções e reacções nas popula¬
ções que interagem no ciclo da cadeia alimentar no mecanismo de retroacção gen é ¬
tica traduzem-se na evolu ção e na regula ção das populações». Esta esp é cie de
«coevolu ção» entre populaçõ es ecologicamente enlaçadas voltar á a ser considerada
com mais detalhe no Cap í tulo 9, Secção 5.
Para resumir , os aspectos do meio independentes da densidade tendem a oca ¬
sionar varia ções, por vezes drásticas, na densidade da popula çã o e a causar um deslo¬
camento da assimptota superior ou n í vel de capacidade de sustentação, ao passo
que a natalidade e a mortalidade dependentes da densidade tendem a manter a
popula çã o num «estado de equil í brio» ou a acelerar o retorno a um tal n í vel. Os
primeiros desempenham um papel mais importante no controlo dos ecossistemas
submetidos a pressão f ísica, tornando-se os ú ltimos mais importantes à medida que
316

se reduz a pressão extr ínseca. Como num sistema cibern ético funcionando regular ¬
mente ( ver página 52 , Figura 2- 11), é facultado um controlo adicional de retroacção
negativa por interacções ( tanto fenot í picas como genéticas) entre populaçõ es de dife ¬
rentes espé cies que se encontram enlaçadas entre si nas cadeias alimentares, ou por
outras relações ecol ógicas importantes.

Exemplos

Tempestades severas, baixas bruscas de temperatura ou outras altera çõ es


drásticas em factores f ísicos proporcionam geralmente os exemplos mais claros de
acção independente da densidade. Num estudo com a dura ção de tr ês anos de um
caracol do mar ( Acmaea) que vive em rochas na zona de mar é , Frank ( 1965)
observou que a maior parte das alterações na população eram dependentes da den ¬
sidade , excepto para a mortalidade que se seguia a fortes geadas de Inverno quando
porçõ es da superf ície da rocha se desmoronam , removendo os caracóis indepen ¬

dentemente do n mero presente. Já se apresentou um bom caso de depend ê ncia


« perfeita» da densidade no desenvolvimento da levedura (Figura 7-11). Como se
demonstrou nessa análise , as interacções interespecíficas t ê m menor tend ê ncia para
apresentar uma depend ê ncia linear da densidade . O estudo intensivo de Varley
(1947) sobre os insectos que provocam as galhas numa cent á uria mostram que a
acção de um insecto parasita importante , Eurytoma curta , pode ser dependente da
densidade, uma vez que matou uma percentagem muito maior e um n mero total
maior de indiv í duos do hospedeiro quando a popula ção deste era elevada :

ANO E N Í VEL POPULA ÇÃ O DE LARVAS LARVAS MORTAS PERCENTAGEM DA


DE POPULA ÇÃ O NO IN Í CIO DA ESTA ÇÃ O PELO PARASITA POPULA ÇÃ O MORTA
( N / M2) ( N /M 2 ) PELO PARASITA

1934 ( popula çã o pequena ) 43 6 14


1935 ( popula ção grande ) 148 66 45

Contudo, num outro estudo Varley e Edwards ( 1957) informam que quando a
«á rea de exploraçã o» é pequena, como aconteceu com o caso do himen ó ptero
parasita Mormoniella, a acçã o do parasita sobre os seus hospedeiros d í pteros n ã o
era necessariamente dependente da densidade. Assim , as diferen ças na conduta
podem ser importantes. Holling (1965 , 1966) introduziu caracteristicas de comporta ¬
mento numa s é rie de elegantes modelos matem á ticos que prevê em qual o grau
de eficiê ncia de um dado insecto parasita no controlo de um insecto Hospedeiro
a diferentes densidades. No Capí tulo 10 voltar-se-á a este assunto.
317

Que a natalidade , tal como a mortalidade, pode variar com a densidade


demonstra-se por dois exemplos, um de laborat ó rio outro de campo, ilustrados na
Figura 7-19. Destes gr áficos resulta que a popula çã o de ovos e de jovens por
f ê mea decresce com o acré scimo da densidade nas culturas de laborat ório de cla-
docera (« pulgas de água ») e em popula çõ es silvestres de chapim real (aves peque¬
nas). Em ambos os casos a relaçã o é essencialmente exponencial (e poderá ser
expressa pela mesma equação básica utilizada para o crescimento da população).
Apresenta-se na Figura 7-33 ( ver página 356) um exemplo de retroacçã o gené ¬
tica na regulação interespec í fica da populaçã o.
O objectivo global da regula ção da popula ção pode ser resumido de forma
conveniente pelo modelo gráfico da Figura 7-20. Este gráfico está baseado na din â ¬
mica de uma populaçã o de uma dada espé cie ( um insecto psilídeo australiano que
vive em eucaliptos), embora ilustre muitos dos princí pios que t ê m sido delineados.
Normalmente, a população encontra-se estabilizada a um nível baixo (na Figura 7-20,

5-
DAPHNIA
2 s
xREPRESENTAÇAO LOGAR ÍTMICA
£2 3-
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I - \
2
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Figura 7 19. Densidade dependente da natalidade
numa populaçã o de laborat ó rio de cladoeera (grá fico
superior) e numa populaçã o silvestre de chapim real
k o 2 4 6 8 IO 12 14 16 18
(gráfico inferior). As curvas mostram que o decl í nio
.065 * LOG * 0.3 1.5
3
9.0 18
na produ çã o de crias com o aumento de densidade
N .° DE ADULTOS POR CM
é notavelmente semelhante nestas duas populaçõ es
muito distintas. (Gráfico superior reproduzido de
Frank, 1952; gr áfico inferior reproduzido de Kluijver,
O CHAPIM REAL 1951.)
gl 2-
u)
LU .

ã 6-
8
Q
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O4 -
s
o

2 4 6 8 10 12 14 16 16
N .° DE CASAIS POR 10 HECTARES
318
ECOLOGIA DE UMA ERUPÇÃ O DA POPULA ÇÃ O
N Í VEL
2

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LU

<
5
5
N í VEL
TEMPO -»
HL

-
Figura 7 20. Din â mica da população do insecto da esp é cie Cardiaspina albitextura , que se ali ¬
menta nas á rvores da esp é cie Eucalyptus blakelyi. A densidade da popula çã o permanece normalmente
estabilizada a um n í vel baixo pelas acções combinadas do clima, independente da densidade, e dos para ¬
sitas e predadores, dependentes da densidade ; poré m , ocasionalmente a popula çã o «escapa » ao controlo
natural e « irrompe» para uma densidade alta, determinando uma ampla desfolha das á rvores. O n í vel
de densidade 1 é aquele abaixo do qual o controlo natural opera com efici ê ncia . O n í vel 2 é a densidade
a que as disponibilidades alimentares e os locais de postura de ovos se tornam fortemente limitantes.
( Reproduzido de Clark , 1964; ver tamb é m Clark , Greier, Hughs e Morris, 1967, p á gina 158.)

n ível 1, tempo I), que se encontra francamente abaixo do n ível que é alcan çado
quando todos os recursos em alimento e espa ço sã o explorados. A regulaçã o a este
n ível mais baixo do que o de saturação é acompanhada pelas condições de tempo
predominantes, por predação independente da densidade, parasitismo sobre os esta¬
dos ninfais e predação pelas aves sobre os adultos, dependente da densidade.
Ocasionalmente, o processo da estabilização falha, usualmente em consequê ncia de
temperaturas anormalmente baixas que reduzem a percentagem de parasitismo, e a
densidade ultrapassa ( isto é, «escapa do») o n í vel controlado ( na Figura 7-20, perí odo
de tempo II). Ent ão ocorre um aumento r á pido eruptivo segundo o tipo de cresci¬
mento em J ( período de tempo III) uma vez que (1) o parasitismo sobre as ninfas
se torna ineficaz dado o rápido aumento dos hiperparasitas ( parasitas que para ¬
sitam os parasitas psil ídeos ) e (2) as aves predadoras não podem aumentar t ão rapi¬
damente como os insectos ( recordar a grande diferença na natalidade dos insectos
e das aves ilustrada no Quadro 7-2). O crescimento temporariamente não limitado
é detido ao n ível 2 quando as ninfas ficam sem alimento e os adultos sem locais
de postura. A população ent ão «colapsa» à medida que as árvores são desfolha¬
das e que a preda çã o pelas aves, formigas e parasitas come ça a recuperar o atraso
( per í odo de tempo IV, Figura 7-20). Se o n ú mero de psilí deos fica reduzido para
baixo do n í vel 1, a população volta a estar sob controlo e manter-se-á provavel¬
mente baixa durante alguns anos, como é ilustrado por (a) na Figura 7-20. Con¬
tudo, como se ilustra em (b ), uma outra erupção pode ser gerada caso a densi ¬
dade não caia para n í veis inferiores ao n í vel de controlo.
319

Este modelo també m ilustra algumas dificuldades no controlo prático das


erup ções de pragas de insectos, cuja frequ ê ncia, como já se indicou , é aumentada
pelas press ões provocadas pelo homem, muitas das quais actuam como condições
atmosfé ricas «anormais» impedindo a actuação do mecanismo natural de controlo.
Com frequ ê ncia a erupção desenvolve-se t ão rapidamente que não é detectada at é
que o crescimento exponencial já se encontre em pleno curso e já seja muito tarde
para que o tratamento se torne efectivo. Obviamente , as medidas de controlo pode ¬
rão ajudar a prevenir uma segunda eclos ão, caso o tratamento tenha sido específico
para o insecto a atacar. A aplica ção de um insecticida de espectro amplo no período
de tempo IV poderá, contudo, causar mais dano do que proveito, uma vez que os
parasitas e os predadores poderiam també m ser mortos, aumentando assim , em
lugar de reduzir , a possibilidade de uma outra erup çã o. Em muitos casos ser á pre ¬
fer í vel n ão realizar nenhum tratamento a uma pulveriza ção «tipo tiro de espingarda»
com insecticida, feita sem conhecimento da fase do ciclo da popula ção ou da situa ¬
ção de outras populações envolvidas no mecanismo natural de controlo.

11. DISPERSÃO DA POPULAÇÃO

Enunciado

A dispersão da populaçã o ( *) é o movimento dos indiv í duos ou dos respec-


tivos elementos de disseminação ou propágulos (sementes, esporos , larvas , etc.)
para dentro ou para fora da popula ção ou da sua área. Reveste -se de trê s formas :
emigra ção movimento para fora num só sentido; imigra ção movimento para den ¬
tro num s ó sentido; e migração sa í da e retorno peri ódicos.
A dispersão suplementa a natalidade e a mortalidade na conforma çã o da
forma de crescimento da popula çã o e da densidade . Na maior parte dos casos
alguns indivíduos ou os seus elementos reprodutivos est ã o constantemente a entrar
ou a abandonar a população. Com frequ ê ncia este tipo gradual de dispersã o tem
pequeno efeito sobre o total da populaçã o (especialmente se é grande a unidade
populaçã o), quer porque as emigrações equilibram as imigra ções , quer porque os
ganhos e as perdas sã o compensados por alterações na natalidade e na mortalidade .
Noutros casos, por é m , ocorrem dispers ões em massa envolvendo altera ções r á pidas
com efeitos correspondentes na população. A dispersão é grandemente influenciada
por barreiras e pelo poder inerente do movimento dos indiv í duos ( ou elementos de
dissemina ção), que se designa pelo termo vaguealidade. A dispersão é um meio
( *) N ã o dever á confundir-se com a acep çã o utilizada em estat ística , que sc rclcre ao padr o interno dc
uma popula çã o , isto é , à distribui çã o dos elementos cm torno da m é dia .
320

atravé s do qual áreas novas ou despovoadas são colonizadas e é estabelecida uma


diversidade de equilí brio. É també m um importante componente na corrente de
genes e no processo de especia ção. A dispersã o de organismos pequenos e propágu -
los passivos adquire geralmente uma forma exponencial na qual a densidade decresce
segundo uma quantidade constante por m ú tiplos iguais da dist ância à origem . A dis ¬
persã o de animais activos, grandes, desvia-se deste padrã o e pode tomar a forma
de dispersão a «dist â ncia fixa », dispersã o distribu í da normalmente , ou outras formas.

Explicação e Exemplos

Em grande parte da exposi ção feita at é aqui no presente cap í tulo tem -se con ¬
siderado a popula ção como se fosse uma unidade isolada das outras populações.
Embora isto n ã o seja normalmente verdadeiro (na natureza, pelo menos), é certo
que as trocas entre popula ções são com frequ ê ncia menos importantes do que
alguns dos processos «internos» que t ê m vindo a ser analisados. Uma vez que h á
muitos ju í zos populares falsos sobre o abastecimento ( isto é, imigra ção artificial)
nas populações naturais, é importante determinar o papel que a dispersão realmente
í desempenha em casos especí ficos.
c O efeito que a dispersão ter á numa popula ção depende, em primeiro lugar , da
! situa ção quanto à forma de crescimento da população ( at é que ponto se encontra
, em ou pr óximo do n í vel da capacidade de sustenta ção, ou est á em crescimento
; activo ou em decl í nio) e, em segundo lugar , da taxa de dispersão. Considerem-se
estes aspectos sucessivamente .
Se a população se encontra « bem provida» e em equil í brio com os factores
limitantes do ambiente ( isto é, ao n í vel assimpt ótico), uma imigra çã o ou emigra ção
moderada ter á um pequeno efeito geral ou permanente; os ganhos e as perdas por
dispersã o apenas compensar ã o altera ções na natalidade e na mortalidade . Se uma
popula çã o se encontra acima ou abaixo da capacidade de sustenta çã o, a dispersã o
pode ter efeitos mais pronunciados. A imigra çã o por exemplo, pode acelerar o
crescimento da população ou , no caso de extrema redu ção, evitar a extin ção. J á
se viu como a emigra ção dos lemingues ou do bufo-nival das regiões sobrepovoa-
das constitui um factor determinante do r á pido decl í nio ou «colapso» caracter í stico
das flutuações na populaçã o de tais esp é cies. Gause ( 1934 ) provocou oscila ções
entre predador - presa em protozoá rios introduzindo regularmente « imigrantes» nas
culturas que as n ã o apresentavam na aus ê ncia de imigra ções. A dispersã o em massa
pode alterar de vá rias formas a estrutura de uma popula ção equilibrada. Assim ,
a introdu ção de um grande n mero de peixes jovens da espé cie Lepomis macrochirus
numa lagoa em que a popula çã o desta esp écie haja alcan çado a capacidade de sus ¬
tenta çã o ou dela se aproxime pode determinar um menor crescimento de toda a
321

popula çã o e uma dimensã o de peixe em m é dia mais pequena . Mesmo que a den ¬
sidade da biomassa se mantenha inalterada, a dimensã o individual do peixe pode ser
t ão reduzida que a pesca se torne med í ocre, provavelmente para desapontamento
dos que pensavam que o «abastecimento» adicional melhoraria a pesca!
A dispersã o é muito influenciada pela presen ça ou aus ê ncia de barreiras, e
pela vaguealidade que se define pelo poder inerente de movimento. A vaguealidade
é com frequ ê ncia maior do que normalmente se julga. Embora se conheça a capa ¬
cidade das aves e dos insectos para «andar de um lado para o outro», muitas plantas
e formas menores de animais t ê m na realidade capacidades de dispersão maiores.
Estudos recentes sobre a vida que se encontra flutuando no ar , ou « pl â ncton aé reo»,
revelaram a exist ê ncia de um n mero surpreendente de organismos, n ão apenas
esporos, sementes e microrganismos, mas tamb é m animais, como por exemplo ara ¬
nhas que flutuam ao longo de muitos quil ó metros seguras a paraquedas filiformes
por elas constru í dos.
Wolfenbarger (1946) resumiu um grande volume da literatura sobre a disper ¬
s ão. Observou que a maior parte dos organismos pequenos ou dos elementos de
disseminação te ndem a dispersar -se segundo o logaritmo da dist â ncia à origem .
Quando as unidades de dist â ncia se representam logaritmicamente e as unidades de
ocorr ê ncia (eixo das ordenadas) uniformemente (gr áfico semilogar í tmico), obt é m-se
com frequ ê ncia uma linha recta. Deste modo, a inclinação da linha de regres ¬
são torna-se uma medida quantitativa da dispers ão, ú til para comparar diferentes
situações ( por exemplo, para comparar o í ndice de redu ção em bact é rias e insectos,
ou de esporos e de mosquitos). A dispers ão exponencial pode ser tratada da mesma
forma que a mortalidade exponencial, utilizando as mesmas equações exponenciais
previamente examinadas neste cap í tulo. O conhecimento da vaguealidade relativa
e a capacidade para avaliar a probabilidade dos organismos se moverem at é uma
determinada dist â ncia t ê m frequentemente grande import â ncia pr á tica, como seja,
por exemplo, na determina çã o das dist â ncias às habita çõ es humanas at é onde seria
necess ário tomar medidas para controlar os mosquitos.
Os organismos com sistemas nervosos bem desenvolvidos e movimento diri ¬
gido podem, certamente, n ã o seguir o padr ão do decr é scimo logar í tmico a partir da
origem . As abelhas e as aves, por exemplo, podem passar por alimento existente
pr óximo da colmeia ou do ninho dando prefer ê ncia a alimento existente a maiores
dist â ncias. De igual modo, as migra ções e outros movimento dirigidos ao longo de
vias especí ficas ou para pontos determinados traduzir -se-ã o em padr ões de dispersã o
caracter ísticos para cada esp é cie .
MacArthur e Wilson (1967) examinaram tr ê s temas de dispers ão ligados ao
movimento de prop águlos do continente para as ilhas ou de ilha para ilha : ( 1) o pa ¬
dr ã o exponencial no qual a fracção dos indiv í duos que continua se reduz com o
aumento da dist â ncia à razão de e x ( como acaba de se descrever), (2) o padr ão de

21
322

distribuição norfnal no qual a fracção se reduz com a dist ância à velocidade de e *2 '

e (3) um padrão uniforme, que poderá ser designado como dispersão a «dist â ncia
fixa», uma vez que os propágulos se movem at é uma certa dist â ncia e se det ê m
como uma ave que voa de ilha para ilha ou se desloca para um invernadouro ou
um agostadouro. Ilustram-se na Figura 7-21 exemplos dos dois primeiros padr ões.
A migra çã o, como atrás foi definida, é um tipo especial muito not á vel de dis ¬
pers ã o da populaçã o envolvendo com frequ ê ncia o movimento em massa de popula¬
-
çõ es inteiras. Isto só pode acontecer, naturalmente, com os organismos móveis,
e est á mais bem desenvolvido nos artr ó podes e nos vertebrados. As migra ções
estacionais e diurnas não só tornam possível a ocupação de regiõ es que seriam
adversas na ausê ncia de migra çã o mas també m permitem aos animais manter uma
densidade _ e um í ndice de açtividade m é dios mais elevados. As populações não

Figura 7-21. Dois tipos de padr õ es de dis¬


persão. A . Modelo exponencial. B. Modelo de
distribui ção normal . Os padr ões exponenciais
sã o modelados com base em mosquitos, Aedes
sollicitans (A , ) e A . vexans ( A2), e a dispersã o
normalmente distribu ída a partir de tavõ es
( Tabanidae ). ( B, Dados de MacCreary e Stearns
em Wolfenbarger , 1946.)

DIST Â NCIA

migrat ó rias t ê m com frequê ncia de sofrer uma redu çã o considerá vel na densidade
ou adquirir uma certa forma de dormê ncia durante os períodos n ão favoráveis.
A orientaçã o e a viagem de animais migrat ó rios a grandes dist â ncias ( aves, peixes,
etc.) constitui um terreno popular para experiê ncias e teorias, embora estejam mal
compreendidas at é agora. Noutros pontos deste livro ( ver página 400 e Secçã o 6,
Capí tulo 14) encontram-se brevemente resumidas algumas teorias e padr ões.
A Figura 7-22 constitui uma boa ilustra çã o da forma como a emigra ção e a
migra çã o afectam a populaçã o de uma dada espé cie . A coruja das torres é migrat ó ria
no norte dos Estados Unidos da Am é rica, embora não o seja na parte meridional do
país. Em ambas as regi ões as aves novas tendem a dispersar-se a partir do local de
nidificação. Tal como se ilustra na Figura 7-22, esta dispers ão dos jovens é casual em
todas as direcções, embora esteja restrita a cerca de 150 quiló metros da origem (este
n ú mero poder á constituir uma medida da vaguealidade da emigração). O movimento
migrat ório é , poré m , estritamente dirigido ( para o sul) e envolve maiores distâ ncias.
323

100 -
N 2 2 2
4 50 2
1000 2
155 2
2
700 3
3 3
500 X
300
X
2
\
w 2
E
4
3 14
1
2
2 3

4
2 4

Figura 7-22. Dispersã o do bufo nival em bandas relativamente aos respectivos locais de nidi ¬

ficaçã o. A distâ ncia do movimento, em milhas, é indicada por cí rculos concê ntricos. O n ú meros de aves
recuperadas em qualquer direcçã o determinada é indicado pelos n meros entre os círculos. No interior
,

das 100 milhas a dispersã o é n ão dirigida; para alé m dessa distância a dispersã o é decididamente direccio-
nal. (Segundo Stewart , 1952.)

Totalmente à parte dos respectivos efeitos sobre a dimensã o e a composi çã o


da popula ção, a dispersã o produz troca gen ética entre popula çõ es e é assim impor ¬
tante dos pontos de vista da gen ética das popula ções e da especia ção , como haverá
ocasiã o de verificar nos dois capítulos seguintes. Finalmente, n ão se consideram aqui
os efeitos da imigração de uma nova espé cie para uma dada comunidade ou o efeito
que a dispersã o de uma espé cie pode exercer noutra. É melhor considerar estas
importantes rela ções sob o t ítulo competi çã o.
324

12. CORRENTE DE ENERGIA NA POPULA ÇÃO OU BIOENERGÉTICA

Enunciado

A corrente de energia ( = taxa de assimila çã o) numa popula çã o proporciona


a base mais segura para (1) avaliar as flutuações observadas na densidade e (2) deter ¬

minar o papel de uma popula ção no seio da sua comunidade .

Explicação e Exemplos

Os conceitos de corrente de energia e de produtividade delineados no Capí ¬


tulo 3 aplicam-se tanto ao n í vel da popula çã o como ao n í vel do ecossistema. Como
se assinalou naquele cap í tulo ( ver especialmente Secção 6 e Quadro 3- 14), os n me¬
ros ( densidade num é rica) sobrestimam e os pesos ( densidade de biomassa) subesti ¬
mam a import â ncia dos organismos pequenos, enquanto que o inverso é verdadeiro
com os organismos grandes. Caso se possam utilizar dados de n meros e de bio¬
massa para calcular as velocidades de altera çã o e de corrente de energia, então pode
obter -se uma avaliaçã o mais segura da import â ncia de uma dada popula çã o na sua
comunidade . A Figura 7 - 23 ilustra um estudo no qual isto foi feito para uma
popula çã o de gafanhotos vivendo numa comunidade de sapal . Neste caso relativa ¬
mente simples, o animal é um herb í voro estrito, sedent á rio, apenas tem uma gera¬
çã o por ano e vive numa esta ção bastante uniforme composta por uma espécie de
planta que lhe faculta a ú nica fonte de alimento e de abrigo. Os n ú meros e a bio ¬

massa por m 2 foram determinados a intervalos de 3 a 4 dias. A partir de tais dados


determinou-se o crescimento da popula çã o, ou produ ção, adicionando o acr é scimo
em peso da popula ção viva ao crescimento dos indiv í duos que morreram durante
o intervalo do invent á rio. A produ ção foi depois convertida em quilocalorias por m 2
e por dia. O consumo de oxig é nio ( respira çã o) dos adultos e das ninfas de diversos
tamanhos em rela çã o com a temperatura foi na altura determinado em laborat ó rio.
A partir de tais dados calculou-se a respira çã o da população para a massa perma¬
nente m é dia durante cada intervalo e ajustou -se à temperatura real do ambiente .
O consumo de oxig é nio foi convertido em calorias por intermé dio de um coeficiente
oxical ó rico ( ver Ivlev, 1934). A taxa de assimila ção total da populaçã o foi depois
obtida adicionando a produ çã o à respira çã o.
Como se tira da Figura 7-23, os n ú meros atingiram um máximo em meados
de Maio, quando numerosas ninfas muito pequenas eclodiram de ovos hibernados,
declinando depois rapidamente durante a estação. No ano em que o estudo foi
realizado houve dois per í odos de grande mortalidade , cada qual seguido por um
325

60
NUMEROS
40 -

£ 20 -
I

10 -
Figura 7-23. N meros , biomassa
( peso seco) e corrente de energia (taxa
de assimila ção da população) por metro
quadrado numa popula çã o de gafanho ¬ .0
tos de sapal ( Orchelimum fidicinium ) vi ¬ BIOMASSA
vendo num sapal de Spartina alterni- o
flora perto do University of Georgia s o
Marina Institute, Sapelo Island , Ge ó r- m 0.5
gia. (Segundo E . P. Odum e Alfred E .
Smalley , 1959.) S
LU

0.2 I 1

0.4 - CORRENTE DE ENERGIA.

<
o 0.2 -

MAIO JUNHO JULHO AGOSTO

crescimento acelerado dos sobreviventes , e também por um pequeno aumento


devido a recrutamento ( novos ovos que eclodiram nos princí pios do Verão, imi ¬
f m do Verão). O máximo da corrente da energia não correspondeu
gração durante o í
quer ao culminar dos n ú meros quer ao auge na biomassa, mas ocorreu durante o
perí odo em que a população estava composta de um n ú mero médio de ninfas de
tamanho mé dio, crescendo todas elas rapidamente. Por outra palavras, o maior
impacto da população no sapal (em termos de consumo de erva) não coincidiu com
o máximo do n ú mero ou da biomassa, embora se tenha verificado mais próximo
do ú ltimo do que o primeiro. Observa-se tamb é m que, ao passo que os n ú meros e
a biomassa variaram e flutuaram de cinco a seis vezes, a corrente de energia apenas
variou duas vezes. Uma vez que o metabolismo por grama das pequenas ninfas foi
várias vezes maior do que o dos adultos, o alto n ú mero mas com pequena biomassa
da população da Primavera foi equivalente ao pequeno n ú mero com grande biomassa
de fim de Verão. Tira-se da parte inferior do gráfico da Figura 7-23 que aproxima-
327

de muitas espé cies na maior parte dos habitats. Como se ilustra no diagrama, a ne ¬
cessidade anual de energia da popula ção é suportada por uma dieta de aproximada-
mente 60 por cento de insectos herbí voros, 30 por cento de insectos predadores
e aracn í deos e 10 por cento de detrit í voros ( pequenos caracóis e caranguejos).
Durante a esta ção de nidificação as carriças comem por dia uma quarta parte da exis ¬

tê ncia permanente dos insectos e das aranhas que se encontram na á rea de nidi ¬
fica çã o, intensidade de preda ção s ó possí vel em consequ ê ncia da elevada produ çã o
da presa e da imigra çã o desta proveniente das á reas vizinhas do sapal n ã o ocupadas
pelas carri ças. Embora as necessidades em energia da popula çã o de carri ças apenas
sejam cerca de 2 por cento da produ ção l í quida do sapal , o respectivo impacto sobre
os n íveis tr óficos consumidores prim á rio e secund á rio na cadeia alimentar de pas ¬
toreio é relativamente grande. Este estudo feito por Kale ( 1965) é um dos estudos

A UNIFORME

* :

B CASUAL

:-
•* •*

C AGREGADA
( POR ÉM, CASUAL PARA OS GRUPOS)

-
Figura 7 25. Tr ê s padr ões b á sicos de distribui çã o dos indi ¬
v í duos, casais ou outras unidades, numa popula çã o.
328

mais completos alguma vez realizados que incluem n ã o apenas a energ ética deta ¬

lhada da popula ção mas també m a do ecossistema do qual aquela é uma parte
funcional. Tais estudos revelam a real «import â ncia» da popula çã o num grau que
n ão poder á ser determinado pela informação isolada do invent á rio ( isto é , conhe ¬
cendo apenas « N » ).

13. ESTRUTURA DA POPULAÇÃO: PADR ÕES DE DISTRIBUIÇÃO


INTERNA ( DISPERSÃO)

Enunciado

Os indiv í duos numa popula ção podem encontrar-se distribu í dos segundo
tr ê s grandes padr ões (Figura 7-25): (1) casual, (2) uniforme ( mais regular do que
casual) e (3) agregado ( irregular n ão casual). A distribui çã o casual é relativamente
rara na natureza, ocorrendo onde o meio é muito uniforme e n ão h á tend ê ncia
para a agrega çã o. A distribui çã o uniforme pode ocorrer onde a competi çã o individual
é severa ou onde h á um antagonismo positivo que promove um espa çamento regular.
A agrega çã o em v á rios graus representa de longe o padrã o mais comum, quase a
regra , quando se consideram os indiv í duos. Contudo, se os indiv í duos de uma
populaçã o tendem a formar grupos de uma certa dimensã o por exemplo, pares
nos animais ou clones vegetativos nas plantas a distribui ção dos grupos será
mais pr óxima do padr ão casual . É necessá rio determinar o tipo de distribui çã o, o
grau de agrupamento ( se o houver) e a dimensã o e perman ê ncia dos grupos, caso se
pretenda compreender efectivamente a natureza de uma popula çã o, e especialmente
se pretenda medir correctamente a densidade. Assim , os m é todos de amostragem
e as an á lises estat í sticas que seriam adequados para a distribuição casual ou uni ¬

forme poder ã o ser completamente inadequados ou err ó neos quando aplicados a


distribui ções fortemente agrupadas.

Explicação

Os tr ê s padr ões de distribuição ou de «dispersão intrapopula ção» são apresen ¬


tados numa forma simplificada na Figura 7-25. Cada rect â ngulo cont é m aproximada-
mente o mesmo n mero de indiv í duos. No caso da distribuiçã o agregada ( C ), os
grupos poder ã o ter dimensã o igual ou vari á vel ( tal como se ilustra) e poderã o estar
distribu í dos casualmente ( como se ilustra també m ), distribu í dos uniformemente ou
eles pr ó prios agregados ou agrupados, com grandes espa ços n ã o ocupados. Por outras
329

palavras, deverá considerar-se que existem cinco tipos de distribui çã o: ( 1 ) uniforme ,


( 2 ) casual , ( 3 ) agregada casual , ( 4 ) agregada uniforme e ( 5 ) agregada agrupada.
Todos estes tipos se encontram indubitavelmente na natureza. DD exame da Fi ¬
gura 7-25 resulta ó bvio que uma amostra pequena obtida de uma popula çã o com
uma distribui ção agregada tenderá a facultar uma densidade ou muito alta ou muito
baixa quando se multiplica o n ú mero constante da amostra para estimar o total da
popula çã o. Assim, as popula ções «agregadas» carecem de um planeamento mais amplo
e cuidado das t é cnicas de amostragem do que as n ão agregadas.
Deverá recordar-se que a distribui çã o casual é uma das que segue a chamada
curva normal » ou em forma de sino na qual se baseiam os m étodos estat ísticos.
«
Este tipo de distribuição é de esperar na natureza quando muitas for ças pequenas
actuam conjuntamente na popula ção. Quando um pequeno n ú mero de factores prin ¬
cipais dominam, como ocorre geralmente ( recordar o princí pio dos factores limi-
tantes ) , e quando existe uma tend ê ncia t ã o forte por parte das plantas e dos animais
para se agregarem por ( ou em resultado de ) motivos reprodutivos ou outros, h á
pouca razã o para esperar uma distribui çã o totalmente casual na natureza. Contudo,,
como Cole (1946 ) sugeriu, as distribuiçõ es não casuais (ou contagiosas) de or ¬
ganismos podem muitas vezes ser consideradas como produzidas por uma mis ¬
tura de distribui ções casuais de grupos contendo vá rios n ú meros de indivíduos
( como na Figura 7- 25 C), ou os grupos poderã o apresentar-se uniformemente dis¬
tribu í dos ( ou pglo menos de uma forma mais regular do que casual). Por outras
palavras, tomando um caso extremo, ser á melhor determinar o n ú mero de col ónias
de formigas (isto é, utilizando a col ónia como uma unidade de popula ção) por um
m étodo de amostragem e depois determinar o n ú mero m é dio de indiví duos por col ó¬
nia, do que tentar contar o n ú mero de indiv íduos directamente por amostras casuais.
T ê m sido sugeridos um certo n ú mero de m étodos que podem utilizar-se na
determina çã o do tipo de espa çamento e do grau de agrega çã o entre os indiv íduos
numa dada popula ção (onde n ã o são óbvios), embora haja ainda muito que fazer
para a resolu çã o deste importante problema . Podem ser mencionados como exemplos
dois mé todos. Um método consiste em comparar a frequê ncia real de ocorr ê ncia
de grupos de diferentes tamanhos obtidos numa sé rie de amostras com uma distribui ¬
çã o de «Poisson » que faculta a frequ ê ncia com que grupos de 0, 1, 2 , 3, 4, etc. indi ¬
v íduos seriam encontrados juntos para a hipótese de distribui çã o casual. Assim , se
a ocorr ê ncia de grupos de pequena dimensão ( incluindo os vazios ) e os grupos de
grande dimensã o sã o mais frequentes e a ocorr ê ncia dos grupos de dimensão mé dia
menos frequentes relativamente à expectativa , ent ã o a distribuiçã o é agregada. O oposto
encontra-se na distribuição uniforme . Podem ser utilizados testes estat ísticos para
determinar quando o desvio observado para a curva de Poisson é significativo,
embora este m é todo geral tenha como desvantagem o facto da dimensã o da amostra
poder influenciar os resultados. No Quadro 7- 7 ilustra-se um exemplo da utiliza çã o
330

Quadro 7 -7
Distribuição Espacial Casual e Não Casual de Aracní deos e Amêijoas
A. N Ú MERO E DISTRIBUI ÇÃ O DE ARANHAS ( LYCOSIDAE ) EM PARCELAS QUADRADAS DE 0,1 HECTARES
NUM HABITAT DE CAMPO VELHO *

Nú mero Qui-Quadrado
por da Distribuição
Espécies Parcela Parcela de Poisson

Lycosa timuqua i 31 8,901


2 19 9,581
3 15 5,51
4 16 0,09
5 45 0,78
6 134 1,14
L. carolinensis 2 16 0,09
5 23 4,04
6 15 0,05
L. rabida 3 70 17,301
4 16 0,09

B . MÉ DIA , VARI Â NCIA E DISTRIBUI ÇÃ O ESPACIAL DE DUAS ESPÉ CIES DE PEQUENAS AM ÊIJOAS NUM BANCO
LODOSO DE MAR É EM CONNECTICUT tt

Raz ão
Esp é cies e Idade Média Vari â ncia Variâ ncia -M édia §

Mulinia lateralis
Todas as idades 0, 27 0,26 Casual
Gemma gemma
Todas as idades 5,75 11,83 Agregada
l .° ano 4,43 7,72 Agregada
2.° ano 1,41 1,66 Casual

* Segundo Kuenzler , 1958.


f Significativo ao n ível dos 5 por cento, isto é, n ão casual ; em todas as outras parcelas quadradas a distribuiçã o
era casual.
ffSegundo Jackson , 1968.
§ Quando n ão significativamente diferente de um ( n í vel de confian ç a dos 5 por cento), assinalada a distribui ção
casual; quando significativamente maior do que um , assinalada a distribui ção agregada.

do m é todo de Poisson para testar a distribuição normal de aracn ídeos. Em conjunto,


e com excepção de 3 casos, nas 11 parcelas de amostra os aracn ídeos encontravam -se
distribu ídos casualmente . As distribuições n ão casuais ocorreram em parcelas em
que a vegeta ção era menos uniforme .
Uma propriedade geral da distribuição casual consiste no facto da variâ ncia
( V ) igualar a média { m )\ uma maior variância do que a m é dia indica uma distribui çã o
331

agregada e menor do que a m édia um padr ão uniforme ( regular). Assim, numa dis¬
tribuiçã o casual:

Vim = 1 ; desvio padrão = V 2/ H - 1

Caso, na aplicação dos testes de significâ ncia padrã o, se observe que a razão entre
a variâ ncia 6 a mé dia é signifícativamente maior do que 1, a distribuiçã o é agregada;
se for signifícativamente menor do que 1, a distribuição é regular; se não diferir de
1, a distribuiçã o é casual. Este m é todo també m se encontra ilustrado no Quadro 7- 7.
Um outro m étodo, sugerido por Dice ( 1952), envolve medições reais da dis ¬
t â ncia entre os indiv í duos de uma forma padronizada. Quando a raiz quadrada da
dist â ncia é representada graficamente versus a frequ ê ncia, a forma do pol ígono de
frequ ê ncias resultante indica o padrão de distribuição. Um pol ígono sim é trico ( por
outras palavras, uma curva normal em forma de sino) indica uma distribuição normal,
um pol ígono assim é trico alongado para a direita uma distribui çã o uniforme, e um
pol ígono assim é trico alongado para esquerda uma distribui ção agregada ( os indiv í ¬
duos encontram-se mais perto uns dos outros do que a expectativa). Pode calcular-se
uma medida num é rica do grau de «assimetria». Este m é todo ter á maior aplicação,
naturalmente, nas plantas ou nos animais estacion á rios, embora possa ser utilizado
para determinar o espaçamento entre as col ó nias de animais ou os domicílios ( covis
de raposa, tocas de roedores, ninhos de aves, e assim por diante ).
Veja-se Greig-Smith ( 1957), Skellum ( 1952) e Pielou ( 1960 ) tendo em vista
uma informação mais detalhada acerca da estat ística da distribuição espacial das uni ¬
dades no interior de uma popula çã o.

Exemplos

Park ( 1934) observou que as larvas de um insecto da farinha se encontravam


como regra distribu í das casualmente pelo seu ambiente muito uniforme, uma vez
que a distribuição observada correspondia à distribui çã o de Poisson . O tipo « lobo
solit á rio» dos parasitas ou dos predadores, à semelhan ça de uma das espé cies de
aracn í deos constantes do Quadro 7-7, apresenta algumas vezes uma distribuição
normal ( e adopta com frequ ê ncia uma conduta de « procura casual» dos respectivos
hospedeiros ou presas). Jackson ( 1968) relatou que exemplares de um molusco,
Mulinia lateralis, se encontravam distribu ídos casualmente num banco de lodo de
maré, tal como os indiv íduos do segundo ano da espé cie Gemma gemma, embora
nem o total da população desta esp é cie nem os seus indiv íduos do primeiro ano
o estivessem; encontravam- se agregados em virtude da reprodu ção ovoviv í para ( isto
é, as crias retidas no corpo das f ê meas durante o desenvolvimento larvar ). No
332

Quadro 7-75 apresentam-se os resultados deste estudo. Note-se que a vari â ncia
est á pr óxima da m é dia na popula çã o distribu í da casualmente, embora seja significa
¬

tivamente maior na popula ção agregada. O ambiente de baixio lodoso é muito homo¬
g é neo e a competi çã o interespecí fica n ã o é severa dois aspectos que favorecem a
dispersã o casual.
As á rvores florestais que alcan çaram altura suficiente para formar parte do
copado da floresta podem apresentar uma distribui çã o uniforme, de acordo com
Dice ( 1952 ), uma vez que a competi çã o pela luz solar é t ã o grande que as á rvores
tendem a ficar espa çadas a intervalos muito regulares, « mais regulares que casuais».
Certamente, um campo de milho, uma horta e uma plantaçã o de pinheiros facul ¬
tar ã o melhores exemplos. Os arbustos de deserto encontram-se com frequ ê ncia
muito regularmente espa çados como se estivessem plantados em linhas, manifes ¬
tamente por motivo de intensa competi çã o ( que pode incluir antibi óticos ) no am ¬

biente de baixa humidade ( ver Figura 14- 15 ). Como ser á examinado na Secçã o 15
deste cap í tulo a «territorialidade » tende a produzir uma distribui ção mais regular do
que casual. Tal como para as distribui ções agregadas, o leitor n ã o terá que olhar
para muito longe para encontrar numerosos exemplos! De diversos invertebrados do
solo da floresta estudados por Cole ( 1946 e 1946 a) , apenas as aranhas apresentaram
uma distribuição casual, ao mesmo tempo que num outro estudo este autor deu
not í cia de que apenas 4 plantas das 44 observadas apresentavam esse tipo de dis ¬
tribuiçã o. Tudo o resto exibiu vá rios graus de agrega çã o. Isto d á uma certa ideia
do que h á a esperar nas situaçõ es naturais. Será dada mais aten ção às agrega ções
na secção seguinte.

14. ESTRUTURA DA POPULAÇÃ O: AGREGAÇÃO E PRINCÍ PIO DE ALLEE

Enunciado

Como se indicou na secção anterior, são caracter í sticos da estrutura interna


da maior parte das populações, numa altura ou noutra, graus vari á veis de «agrupa ¬

mento» . Um tal agrupamento resulta da agrega ção de indiv í duos ( 1) em resposta


a diferen ças no habitat local , (2) em resposta a altera ções di á rias ou estacionais no
estado do tempo, ( 3) em resultado de processos reprodutivos, ou (4) em resultado de
atracçõ es sociais ( nos animais superiores). O grau de agrega ção a ser encontrado
na população de uma dada espé cie depende , portanto, da natureza específica do
habitat ( de ser uniforme ou descont í nuo ), do estado do tempo ou de outros factores
f ísicos, do tipo de padr ão reprodutivo caracter ístico da espécie e do grau de socia ¬
bilidade . A agrega çã o pode aumentar a competi çã o entre os indiv íduos pelos
333

nutrientes, alimento ou espaço, embora isto seja com frequ ê ncia mais do que con ¬
trabalan çado pelo aumento de sobrevivê ncia do grupo . Os indiv íduos em grupos
experimentam com frequ ê ncia uma taxa de mortalidade mais baixa durante os per í o¬
dos desfavor á veis ou durante ataques por outros organismos do que os indiv í duos
isolados, uma vez que a á rea da superf í cie exposta ao ambiente é menor relati ¬
vamente ao volume e porque o grupo pode ser capaz de modificar favoravelmente o
microclima ou o micro- habitat . O grau de agregação, tal como a densidade total, que
se traduz no ó ptimo quanto ao crescimento da popula çã o ou à sua sobrevivê ncia,
varia como as espé cies e as condi ções; assim sendo, tanto a falta como o excesso de
agrega ção podem ser limitantes. Este é o princí pio de Allee.

Explicação e Exemplos

Nas plantas, a agrega ção pode ocorrer em resposta aos primeiros tr ê s factores
atr ás enumerados, enquanto que nos animais superiores agrega ções espectaculares
podem ser o resultado de todos os quatro factores, como fica ilustrado, por exemplo,
pelas grandes manadas de renas ou caribus que ocorrem no habitat á rctico muito
irregular. Num estudo da distribui ção de tr ê s espécies de plantas num campo velho
de Michigan, Cain e Evans (1952) observaram que parte da á rea de estudo era de ¬
masiado h ú mida para qualquer das tr ê s espé cies, ilustrando como o habitat físico
contribui para a distribuição n ã o casual. Dentro da á rea habit ável as tr ê s espé cies
variavam no grau de agrega ção, mostrando a esp é cie do gé nero Solidago uma distri ¬
bui ção quase casual , enquanto as plantas do g é nero Lespedeza estavam altamente
agregadas. Estas ú ltimas usam reproduzir - se vegetativamente, aparecendo os novos
indiv íduos de pôlas radiculares; assim o padr ão de reprodu ção contribui, pelo menos
em parte , para a agregação.
Nas plantas em geral , e provavelmente em alguns dos grupos de animais infe ¬
riores, constitui um princ í pio ecol ógico relativamente bem definido que a agregação
se encontra inversamente relacionada com a mobilidade dos elementos de dissemi ¬
na çã o, sementes, esporos, etc. (Weaver e Clements, 1929; recordar també m os
padr ões de dispersã o casual e n ã o casual examinados na Secçã o 11). Por exemplo,
ao viajar de autom óvel pelo campo todos já observaram com frequ ê ncia que nos
campos agr í colas abandonados os zimbros ( cupress áceas ), os diospireiros e outras
plantas com sementes n ã o mó veis est ão agregados junto da á rvore progenitora ao
longo das sebes e demais lugares onde as aves e outros animais depositaram as
sementes em grupos. Por outro lado, as ambr ósias e as ervas, e mesmo os pinheiros,
que t ê m sementes leves amplamente disseminadas pelo vento encontram- se, em
cotejo, distribu í das pelos campos abandonados de uma forma mais regular .
O valor de sobreviv ê ncia de um grupo é uma caracter ística importante que
pode resultar da agrega ção. Um grupo de plantas pode ser capaz de suportar melhor
334

a acção do vento do que os indivíduos isolados ou ser capaz de reduzir a perda


de água mais eficientemente. Com as plantas verdes, contudo, os efeitos nefastos da
competiçã o pela luz e pelos nutrientes ultrapassam rapidamente , regra geral , as van ¬
tagens da agregaçã o. Os valores de sobrevivê ncia de grupo mais marcados encon-
tram- se nos animais. Allee (1931, 1938 e 1951) realizou muitas experiê ncias neste
dom í nio e resumiu a extensa obra sobre a maté ria. Verificou , por exemplo, que
grupos de peixes podiam suportar uma dada dose de veneno introduzido na água
melhor do que os indiv íduos isolados. Estes foram mais resistentes ao veneno
quando colocados em água que anteriormente tinha sido ocupada por um grupo
de peixes do que quando colocados em água que não estava «condicionada biolo¬
gicamente» por esta forma; no primeiro caso, o muco e outras secreções ajudavam
a combater o veneno, revelando assim alguma coisa do mecanismo da acção de grupo
em tal caso. As abelhas proporcionam um outro exemplo do valor de sobrevivência
do grupo; uma colmeia ou um enxame de abelhas pode promover e reter calor
suficiente na massa conjunta para a sobrevivê ncia de todos os indiv íduos a tempera¬
turas suficientemente baixas para matar todas as abelhas, se cada uma estivesse
isolada. As aves coloniais deixam com frequ ê ncia de se reproduzir com ê xito quando
a dimensão da col ónia fica pequena- (Darling , 1938). Allee assinala que estes tipos
de cooperação primitiva ( protocooperaçã o) que se encontram inclusive em filos muito
primitivos constituem o come ço da organização social, que apresenta graus variá veis
de desenvolvimento no reino animal , culminando no comportamento inteligente
de grupos de seres humanos ( o qual , assim se espera, tem valor de sobrevivê ncia!).
O princí pio de Allee encontra-se ilustrado em diagrama na Figura 7-26.
As agregações sociais reais, como as que ocorrem nos insectos e nos verte¬
brados sociais ( em contraste com a agrega çã o passiva em resposta a algum factor
comum do ambiente), tê m uma organização definida envolvendo uma hierarquia
social e especializações individuais. A hierarquia social pode tomar a forma de uma
,

«ordem por bicada» (assim designada porque o fen ó meno foi pela primeira vez
descrito nos galináceos ) com uma relação perfeitamente definida de dom í nio e
subordinaçã o entre os indivíduos, com frequ ê ncia numa ordem linear ( como uma
ordem militar de mando do general para o soldado raso!), ou poderá terrtar a forma
de um padrão mais complicado de comando, dominância e cooperação, como ocorre
em grupos muito ligados de aves e de insectos que se comportam quase como uma

Figura 7-26. Ilustra çã o do princ í pio de Allee . Em A


algumas populações o crescimento e a sobreviv ê ncia
s ã o maiores quando a dimens ã o da popula çã o é pe ¬
quena ( A), ao passo que noutras a protocoopera çã o
intraespecífica determina que uma populaçã o de
dimensã o interm édia seja a mais favorá vel ( B). Neste
ltimo caso, a « subagrega çã o » é t ã o prejudicial como
a «sobreagregaçã o». (Segundo Allee et ai , 1949.)
335

unidade nica. Em tais unidades dever á haver um l í der definido, embora seja igual¬
mente corrente que nenhum indivíduo dirija realmente; os indivíduos do grupo
seguem qualquer de entre eles que actua directamente, como se «soubesse do que
se trata» ( Scott , 1956). Como se assinalou na Secçã o 10, estes tipos de organização
social n ão só beneficiam a popula ção no seu conjunto como podem tamb é m regular
ou evitar o sobrecrescimento.
As organiza ções not á veis dos insectos sociais est ã o numa classe pr ó pria e t ê m
sido objecto de muito estudo (especialmente por W. M . Wheeler e A. E. Emerson;
ver Allee et al., 1949, Cap í tulo 24). As sociedades de insectos mais altamente desen ¬
volvidas encontram -se entre as t é rmitas (ordem Isoptera ) e as formigas e abelhas ( or ¬
dem Hymenoptera ). Nas espé cies mais especializadas ocorre uma divisã o de trabalho
entre trê s castas reprodutores ( rainhas e reis), obreiras e soldados cada qual
morfologicamente especializada para desempenhar as fun ções de reprodu çã o, obten ¬
ção de alimento e protecção. Como ser á discutido no pr óximo cap í tulo, este tipo
de adapta çã o conduz à selecçã o de grupo, nã o apenas no interior da espé cie mas
tamb é m em grupos e espé cies estreitamente aparentadas.
O princí pio de Allee é muito importante para o homem . É ó bvio que a
«agrega çã o urbana» é ben é fica para o homem , embora apenas at é um certo ponto.
Como se ilustra na Figura 7- 26, atinge-se um ponto em que o aumento da densidade se
torna prejudicial mesmo em populaçõ es que beneficiem de um elevado grau de
cooperação intra- especí fica. É necessá rio desenvolver um verdadeiro esforço para
determinar objectivamente qual a evolu ção ó ptima das cidades. As cidades, tal como
acontece com as col ónias de abelhas ou de t é rmitas, podem atingir dimens ões supe ¬

riores àquelas que para seu pr ó prio bem lhes conv ê m!

15. ESTRUTURA DA POPULAÇÃO :


ISOLAMENTO E TERRITORIALIDADE

Enunciado

As for ças que produzem o isolamento ou o espaçamento dos indiv í duos,


casais ou pequenos grupos de uma população, n ão se encontram porventura t ão pro¬
fusamente difundidos como aquelas que favorecem a agregação, embora sejam muito
importantes especialmente em termos de regula çã o da popula çã o ( intra-especí fica,
interespecífica, ou ambas). Usualmente o isolamento resulta de (1) competi çã o entre
indiv í duos por recursos escassos ou (2) antagonismo directo. Em ambos os casos
pode resultar uma distribui ção casual ou uniforme, como ficou esquematizado na
Secçã o 13, por motivo de vizinhos próximos serem eliminados ou expulsos. Os indi -
336

v í duos, casais ou grupos familiares de vertebrados e os invertebrados superiores


restringem com frequ ê ncia as respectivas actividades a á reas definidas, designadas
por â mbito doméstico. Se esta á rea é activamente defendida, denomina-se um terri¬
t ório. A territorialidade parece ser mais pronunciada nos vertebrados e em certos
artr ó podos que t ê m complicados padr ões de comportamento reprodutivo envol¬
vendo a constru çã o de ninhos, a postura de ovos e a protecçã o da cria. Contudo,
com risco de ofender os puristas semânticos, inclui-se sob este t ítulo de territoriali¬
dade qualquer mecanismo activo que afaste os indiví duos ou os grupos uns dos
outros, significando com isto que se pode falar sobre territorialidade nas plantas e
nos microrganismos tal como nos animais. Nos animais superiores é prov á vel que
o mecanismo de isolamento seja de comportamento ( neural) , enquanto que nos
animais inferiores e nas plantas é prov á vel que seja qu í mico ( isto é , realizado por
antibióticos ou subst â ncias «alelopáticas», que ser ã o consideradas numa secçã o
posterior ). Em resumo, o isolamento deste tipo reduz a competi çã o, conserva a
energia durante per íodos cr íticos e evita a sobrepopula çã o e a exaust ã o do abasteci ¬
mento em alimento no caso dos animais, ou de nutrientes, água ou luz no caso das
plantas. Por outras palavras, a territorialidade tende a regular as popula ções a um
n í vel abaixo do de saturação. Assim,, a territorialidade é um fenó meno ecológico
geral nã o restrito a um só grupo taxonómico como as aves ( no qual acontece que
o fen ó meno est á bem estudado).

Explicação e Exemplos

Tal como a agrega ção pode aumentar a competiçã o, embora tenha outras
vantagens, també m o espa çamento dos indiv íduos numa popula çã o pode reduzir a
competi çã o pelas necessidades da vida, embora porventura à custa de vantagens da
acção cooperativa do grupo. Presumivelmente , dos padr ões o que subsiste, consi ¬
derada que seja a evolu ção num caso particular a longo prazo, depender á daquele
que ofereça as maiores vantagens. Em qualquer caso, verifica-se que ambos os
padr ões sã o frequentes na natureza ; de facto, as popula ções de algumas esp écies
alternam de um para o outro ( o tordo Turdus migratorius, por exemplo, isolado em
territ órios durante a esta çã o de cria e agregado em bandos durante o Inverno),
obtendo assim vantagens de ambos os arranjos! Outrossim , idades e sexos diferentes
podem apresentar padr ões opostos ao mesmo tempo (adultos isolados, jovens agre ¬
gados, por exemplo).
J á foi analisado (Secções 10 e 13) o papel da competição intra-específica na
produ çã o do espa çamento, como nas á rvores florestais e em arbustos de deserto.
Apenas é preciso chamar a aten çã o para o espaçamento que resulta do antagonismo
activo como o que exibem os animais superiores. Muitos animais isolam-se e restrin-
337

gem a maior parte das suas actividades a áreas definidas ou â mbitos domé sticos que
podem variar de alguns centí metros quadrados a muitos quil ómetros quadrados,
como no caso de um puma. Uma vez que os â mbitos domésticos se sobrepõem
com frequ ê ncia, apenas se atinge uma dispersã o parcial (Figura 7-27 , esquerda).
A territorialidade leva a dispersão ao ltimo grau (Figura 7-27, direita ). Os territ ó rios
das aves foram classificados por Nice ( 1941) em diversos tipos bá sicos: ( A) toda
a área de acasalamento, alimentação e cria é defendida, ( B) é defendida a área de
acasalamento e cria embora n ão a de alimentaçã o, (C) é defendida apenas a á rea de
acasalamento, ( D) apenas é defendida a área de nidifica ção, (E) são defendidas as
á reas que nã o sã o de cria. No tipo «A» a á rea defendida pode ser bastante grande,
maior do que a necessá ria em termos de abastecimento alimentar para o par e as suas
crias. Por exemplo, o pequeno caça- mosquitos ( que pesa cerca de 3 gramas ) esta¬
belece em m é dia um territ ório com cerca de 2 hectares, embora obtenha todo o
alimento necessário numa á rea muito mais pequena à volta do ninho ( Root , 1969).
Na maioria dos casos de comportamento territorial a disputa efectiva em maté ria dos
limites é mantida a ní veis mí nimos . Os propriet á rios anunciam os seus territ órios

1956
Figura 1-21. Â mbitos dom é sticos e territó rios (isto é, â mbitos domé sticos defendidos) em vários
animais. A esquerda: Â mbitos domésticos de 15 tartarugas ( Terrapene carolina ) ocupando partes de uma
parcela de uns vinte hectares; A - machos, B - fê meas. Nesta espé cie não há defesa dos âmbitos dom és ¬

ticos que se sobrepõem . (De Stickel, 1950.) À direita: Territórios do tordo comum ( Turdus philomelos)
no Jardim Botâ nico de Oxford , Inglaterra, em dois anos sucessivos. Os n ú meros identificam os machos
anilhados do casal territorial; note-se que tr ês indivíduos (1, 6 e 7) mantiveram os mesmos territ órios
nos dois anos, ao passo que outros dois, que ocuparam territórios em 1955, não voltaram e foram
substitu ídos por três indiv í duos novos. Geralmente , os que conseguem defender o territ ó rio ficam com
a mesma á rea ano após ano, enquanto vivem. (Adaptado de Lack, 1966.)

22
338

ou a sua posição no espaço por interm é dio de sons ou de exibiçã o e os intrusos


potenciais evitam geralmente entrar no dom í nio estabelecido. O facto da área defen ¬
dida pelas aves ser com frequ ê ncia maior no princí pio do ciclo de cria do que mais
tarde quando a procura de alimento é máxima, e o facto de muitas espé cies terri ¬
toriais de aves, peixes e r é pteis n ã o defenderem a á rea de alimenta çã o, d á suporte
à ideia de que o isolamento e controlo reprodutivo t ê m um maior valor de sobre¬
viv ê ncia do que o isolamento de uma reserva de alimento como tal . A territoriali ¬
dade n ã o tende apenas a evitar a sobrepopula çã o, como tamb é m proporciona uma
r á pida recupera çã o acaso ocorra uma mortalidade anormal dos reprodutores, uma vez
que se encontram presentes um certo n ú mero de indiv í duos que se n ã o reproduzem
por incapazes de encontrar espa ço; estes introduzem-se rapidamente mal se perde o
propriet á rio de um territ ório.
Um bom local para observar na Primavera o comportamento territorial é a
água pouco profunda de uma lagoa contendo achig ã s. Pode-se observar os machos
a defender o «ninho» ou o «leito» ( num local escavado no fundo) e suas imedia ¬
çõ es. Quando outro indiv í duo se aproxima o macho exibe as cores brilhantes das
barbatanas e carrega sobre o intruso. Uma vez que o macho defende a á rea tanto
antes como depois da f ê mea p ôr os ovos, a defesa é certamente em termos de
espa ço, e n ã o unicamente de defesa da descend ê ncia,

i At é que ponto o homem é territorial por virtude da sua conduta inerente , e


at é que ponto o homem pode aprender a utilizar o controlo e o planeamento do
uso da terra como salvaguarda contra a sobrepopula çã o, s ã o hoje quest õ es objecto
de vivo debate . Voltar -se-á ao assunto em capítulos ulteriores. No livro de grande
sucesso The Territorial Imperative ( 1967) Robert Ardrey expõ e algumas ideias intri ¬
gantes sobre a mat é ria .

16. TIPOS DE INTERACÇÃO ENTRE DUAS ESPÉCIES

Enunciado

Teoricamente as populaçõ es de duas espécies podem interagir segundo vias


b á sicas que correspondem a combina ções de 0, + e , como se segue : 00, , + +.
+ 0, 0 e -l . Tr ê s destas combinações ( + + , e -I ) s ã o normalmente sub¬
divididas, assim resultando nove importantes interacções que t ê m sido demonstradas
( ver a adapta çã o de Burkholder, 1952, do esquema de classifica çã o de Haskel , 1949).
Sã o elas ( ver Quadro 7-8) as seguintes: ( 1) neutralismo , na qual nenhuma das popu ¬
la çõ es é afectada pela associa çã o com a outra; (2) tipo de inibição mútua por competi¬

ção, na qual ambas as populaçõ es se inibem activamente uma à outra; (3) tipo
339

de competição pela utilização de recursos, na qual cada populaçã o afecta prejudicial¬


mente a outra na luta por recursos escassos; (4) amensalismo, na qual uma população
é inibida e a outra n ão é afectada; (5) parasitismo e (6) preda ção, nas quais uma
população afecta desfavoravelmente a outra por ataque directo se bem que dependa
dela; ( 7) comensalismo, na qual uma popula çã o é beneficiada embora a outra n ã o seja
afectada; (8) protocoopera ção, na qual ambas as populações são beneficiadas pela
associa ção embora as relações n ão sejam obrigat órias; e (9) mutualismo, na qual o
crescimento e a sobreviv ê ncia de ambas as populações são beneficiadas e qual ¬

quer delas nã o pode sobreviver em condições naturais sem a outra . Em termos de

Quadro 7-8
Análise das Interacções Entre as Popula ções de Duas Espécies
0 INDICA AUSÊ NCIA DE INTERAC ÇÃ O SIGNIFICATIVA
+ INDICA QUE O CRESCIMENTO, A SOBREVIV Ê NCIA, OU OUTRO ATRIBUTO DA POPULA ÇÃO BENEFICIOU (TERMO
POSITIVO ADICIONADO À EQUAÇÃ O DE CRESCIMENTO)
- INDICA QUE O CRESCIMENTO DA POPULA ÇÃO OU OUTRO ATRIBUTO FOI INIBIDO (TERMO NEGATIVO ADICIONADO
À EQUAÇÃO DE CRESCIMENTO )

Espécies
Tipo de Interacção * 1 2 Natureza Geral da Interacção

1. Neutralismo 0 0 Nenhuma das popula ções afecta a outra


2. Competi çã o: Tipo
de interfer ê ncia directa Inibi çã o directa de cada uma das esp é cies pela
3. Competi çã o: Tipo de outra
recurso utilizado - Inibi çã o indirecta quando um recurso comum
escasseia
4: Amensalismo 0 A popula çã o 1 é inibida, nã o sendo a 2 afectada
5. Parasitismo + A popula çã o 1, o parasita, é geralmente menor
do que a 2, o hospedeiro
6. Preda çã o + A popula çã o 1, o predador , é geralmente maior
do que a 2, a presa
7. Comensalismo + 0 A popula çã o 1, o comensal , beneficia enquanto
a 2, o hospedeiro, n ão é afectada
8. Protocoopera çã o + + Interacçã o favorá vel a ambas, embora não obri ¬
gat ó ria
9. Mutualismo + + Interacçã o favorá vel a ambas e obrigat ó ria

* Os tipos de 2 a 4 podem ser classificados como «interacções negativas», os tipos 7 a 9 como «interacções
positivas », e o 5 e o 6 como ambas as coisas.

sobreviv ê ncia e crescimento da popula çã o, estas interacções envolvem adicionar às


equa ções básicas do crescimento da popula ção termos positivos, negativos ou nulos,
como ficou escrito na Secção 8.
Todas estas interacçõ es entre populaçõ es usam ocorrer na comunidade
comum e podem ser facilmente reconhecidas e estudadas, pelo menos qualitativa-
340

mente, mesmo nas comunidades complexas. Para um dado par de espé cies o tipo
de interacção pode alterar -se sob diferentes condições ou durante est ádios sucessivos
nos respectivos ciclos de vida. Assim, duas espé cies poder ão apresentar parasitismo
em certa altura, comensalismo noutra, e serem ainda completamente neutras noutra
altura. As comunidades simplificadas e as experi ê ncias de laborat ório facultam meios
para isolar e estudar quantitativamente as v árias interacçõ es. Por outro lado, modelos
matemáticos dedutivos derivados de tais estudos possibilitam analisar factores que
não s ão normalmente separ á veis uns dos outros.
Em termos do quadro conjunto do ecossistema os nove tipos de interacções
podem reduzir -se a dois tipos gerais, nomeadamente o das interacções negativas e o
das interacções positivas. Sã o especialmente dignos de destaque dois princí pios res¬
peitantes a estas categorias : (1) Na evolu ção e no desenvolvimento dos ecossistemas
as interacções negativas tendem a reduzir-se ao grau mí nimo em favor da simbiose
positiva que reforça a sobrevivê ncia das espécies que entre si interagem ( ver Cap í tulo 9).
( 2) As associações recentes ou novas est ão mais sujeitas a desenvolver coacções nega¬
tivas severas do que as associações mais velhas ( ver Secçã o 17).

Explicação

Uma situa ção familiar consiste na acção de uma popula ção que afecta a taxa
de crescimento ou de morte de outra popula çã o. Assim , os membros de uma popu ¬
la çã o podem alimentar-se dos membros de outra, competir pelos alimentos, excretar
materiais nocivos, ou interferir de qualquer outra maneira com a outra popula ção.
Do mesmo modo, as populaçõ es podem ajudar -se uma à outra, sendo a interacção
num só sentido ou recí proca. As interacções deste tipo caem nas diversas categorias
definidas como se enumerou no anterior Enunciado e se ilustra no Quadro 7-8.
Antes de examinar casos reais, será til representar casos hipot é ticos e um tanto
simplificados com o objectivo de ver como estas interacções podem operar para
influenciar o crescimento e a sobrevivê ncia das popula ções. Como se destacou pre-
viamente , os «modelos» de equa çõ es de crescimento tornam as definições mais
precisas, clarificam as ideias e permitem determinar que factores podem operar em
situações naturais complexas.
Se o crescimento de uma popula ção pode ser representado e descrito por uma
equa çã o (ver Secçã o 8 ), a influ ê ncia de outra popula ção pode ser expressa por um
termo que modifica o crescimento da primeira popula ção. Podem ser inclu í dos
termos diversos consoante o tipo de interacção. Por exemplo, na competi ção a taxa
de crescimento de cada popula çã o é igual à taxa de crescimento ilimitado subtra í da
dos efeitos do auto-adensamento ( que aumenta à medida que a popula çã o cresce )
341

e dos efeitos depressivos da outra espécie, N 2 ( que també m crescem à medida que
os n ú meros das duas espé cies, N e N 2 , aumentam), ou
dN
dt
= rN -
(i ) ! - CN 2 N

taxa de taxa efeitos do efeitos


crescimento ilimitada auto- depressivos da
-adensamento outra esp écie

Como se reconhecer á, esta equação é a equação log ística apresentada na página 294,
com excep ção da adição do ltimo termo, «menos os efeitos depressivos da outra
esp écie». Existem v ários resultados poss í veis deste tipo de interacção. Se «C» é
pequeno para ambas as esp é cies, de tal forma que os efeitos depressivos interespe-
cíficos são menores do que os efeitos intra- especííf cos (autolimitantes), a taxa de cres¬
cimento, e porventura a densidade final de ambas as espé cies, apenas ser ã o sujeitas a
pequena depressã o; por é m, ambas as espé cies ser ã o provavelmente capazes de viver
juntas. Por outras palavras, o efeito depressivo da outra espé cie ser á menos im ¬
portante do que a competi çã o dentro da esp é cie . També m, se as espé cies exibem
crescimento exponencial ( com factor autolimitante ausente da equação), ent ão a
competi çã o interespecí fica pode desempenhar a fun ção « niveladora» que falta na
forma de crescimento da pró pria esp é cie. Contudo, se «C» é grande a espé cie que
exercer o maior efeito eliminar á a sua competidora ou for çá-la-á a deslocar -se para
outro habitat . Assim , teoricamente , as esp é cies que t ê m necessidades spmelhantes
n ão podem viver juntas uma vez que se desenvolverá provavelmente uma forte
competição, provocando a eliminaçã o de uma delas. Os modelos apresentados des¬
tacam algumas das possibilidades; ver-se-á na pr óxima secção como estas possibi ¬
lidades realmente actuam .
Quando ambas as espé cies das popula ções que interagem t ê m efeitos be ¬
n é ficos uma sobre a outra, em vez de efeitos depressivos, adiciona-se um termo
positivo às equações de crescimento. Em tais casos ambas as populações crescem e
prosperam, atingindo n í veis de equil í brio que sã o mutuamente ben éficos. Se os
efeitos ben é ficos da outra popula ção (o termo positivo na equação) forem necessários
para o crescimento e a sobrevivê ncia de ambas as populações, a relaçã o é conhecida
por mutualismo. Se , por outro lado, os efeitos bené ficos apenas aumentam a dimensão
ou a taxa de crescimento da popula ção, n ão sendo necessá rios para o crescimento ou
para a sobreviv ê ncia , a rela çã o é classificada sob o t í tulo de coopera çã o ou protocoo-
pera ção. (Dado que a coopera ção indicada não é necessariamente o resultado de um
racioc í nio consciente ou «inteligente», é de preferir provavelmente o ltimo termo).
342

Tanto na protocooperação como no mutualismo os resultados sã o semelhantes, isto


é, o crescimento de qualquer das populações é menor ou nulo sem a presen ça da
outra população. Quando se atinge um n ível de equil í brio as duas populações vivem
juntas de uma forma est ável , usualmente numa propor ção definida.
As considerações sobre as interacções entre popula ções tal como se ilustram
no Quadro 7-8, ou em termos de equações de crescimento, evitam confusões que
surgem com frequê ncia quando apenas se consideram termos e defini ções. Assim,
o termo simbiose é algumas vezes utilizado no mesmo sentido do mutualismo;
outras vezes o termo é utilizado para cobrir tanto o comensalismo como o para-
sitismo. Dado que literalmente simbiose significa «viver junto», a palavra é utilizada
neste livro nesse sentido amplo, independentemente da natureza da rela ção. O termo
« parasita» e a ci ê ncia da parasitologia são geralmente considerados como respeitando
a qualquer pequeno organismo que vive sobre outro ou noutro organismo, indepen ¬
dentemente do seu efeito ser negativo, positivo ou neutro. T ê m sido propostos
vários termos para o mesmo tipo de interacção, o que aumenta a confusão. Por é m,
quando as rela ções sã o representadas graficamente, h á pequena d vida sobre qual o
tipo de interacção que est á a ser considerado; a palavra ou «etiqueta» torna-se ent ão
secund á ria para o mecanismo e seu resultado. Mesmo que n ão se esteja em con ¬
di ções de aplicar equações às situações reais, estes « modelos matemáticos» ainda
t ê m uma utilidade muito grande na clarificação das ideias, abrindo caminho para a
expressão quantitativa, e para ajudar a eliminar as complicadas e pesadas defini ções
que impestaram os come ços da hist ória da ecologia!
Um apontamento final. Note-se que se n ão utilizou a palavra « prejudicial» na
descrição das interacções negativas. A competi ção e a predação reduzem a taxa de
crescimento das populações afectadas, embora isto n ão signifique necessariamente
que a interacção seja nociva do ponto de vista de sobrevivê ncia e da evolu ção a
longo prazo. De facto, as interacções negativas podem aumentar o í ndice de selecçã o
natural, determinando uma nova adaptação. Como já se viu, os predadores e os para¬
sitas são com frequ ê ncia ben éficos para as populações que n ão possuem auto- regu ¬
lação, no sentido de que podem prevenir a sobrepopula ção capaz de provocar a
autodestruição (ver Secção 8).
Finalmente, a tend ê ncia para a redu ção da severidade das interacções nega¬
tivas e o aumento das positivas, tal como foi esquematizado no Enunciado, é um
conceito da maior import â ncia para o homem . A ideia ser á desenvolvida em várias
das secções seguintes.
343

17. INTERACÇÕES NEGATIVAS : COMPETIÇÃO INTERESPEC Í FICA

Enunciado

A competiçã o no sentido mais lato refere-se à interacçã o de dois organismos


que lutam pela mesma coisa. A competi çã o interespecí fica é qualquer interacçã o
entre duas ou mais populações de espécies que afectam de forma adversa os res-
pectivos crescimento e sobrevivê ncia. Pode tomar duas formas como se ilustra no
Quadro 7-8. A tend ê ncia para a competi ção produzir a separa çã o ecológica de
espé cies intiniamente relacionadas, ou semelhantes por qualquer outra forma , conhe-
ce-se por princí pio da exclusão competitiva.

Explicação

Os ecologistas, os geneticistas e os evolucionistas t ê m escrito muito sobre a


competiçã o interespecífica. Na maior parte dos casos a palavra «competi çã o» é utili ¬

zada com refer ê ncia a situa ções em que as influ ê ncias negativas sã o devidas a uma
escassez de recursos utilizados por duas espé cies. Isto faz com que as interfe ¬
r ê ncias recí procas mais directas, tais como a preda çã o m tua ou a secre çã o de subs¬
t âncias nocivas, sejam colocadas numa outra categoria ( como se fez no Quadro 7-8)
mesmo que não exista um termo geralmente aceite para estes tipos de interacçõ es.
Tê m-se designado por subst â ncias alelopátiças ( ver páginas 35 e 354) ou alomonas
antag ónicas (Brown et al., 1970) os mensageiros qu í micos interespecí ficos ( ou subs ¬
t â ncias aleloqu í micas; ver Whittaker , 1970) que proporcionam uma vantagem compe ¬
titiva de uma espécie sobre outra. É firme a opinião do autor de que palavras como
competição, comunidade, popula ção, que sã o largamente utilizadas nã o apenas na
ciê ncia mas també m na linguagem geral, deveriam ser definidas com precisã o ( como
se fez) , embora mantendo um â mbito amplo. É muito menos confuso para todos
deixar os termos bá sicos amplos, e depois «subclassificar » mediante adjectivos ou
frases condicionantes quando esteja em causa um significado mais restrito. Por exem¬
plo, pode-se falar de competi çã o pelos recursos , competiçã o antibiótica, ou compe ¬
tição pela luz. Ou poder-se-á subdividir quantitativamente de acordo com o grau do
efeito depressivo como o fez Philip (1955) com a utiliza ção dos modelos. Assim,
em geral, tentar-se-á evitar termos especializados excepto quando se tornar neces ¬
sário um significado muito específico.
A interacçã o competitiva envolve com frequ ê ncia o espa ço, alimento ou
nutrientes, luz, material de desperd ício, sensibilidade aos carn í voros , doença, e
assim por diante, e muitos outros tipos de interacções m ú tuas. Os resultados da
competiçã o revestem-se do maior interesse e t ê m sido muito estudados como um
344

dos mecanismos de selecçã o natural. A competi ção interespecí fica pode traduzir-se
por ajustes de equil í brio por parte de duas espé cies, ou pode determinar que a
populaçã o de uma esp écie substitua a outra , ou a force a ocupar um outro espaço
ou a utilizar um outro alimento, qualquer que seja a base da acção competitiva.
Observa - se muitas vezes que os organismos intimamente relacionados tendo
habitats ou formas de vida semelhantes nã o ocorrem com frequ ê ncia nos mesmos
lugares. Caso ocorram no mesmo local, utilizam alimento diferente, est ão activos
em alturas diversas , ou de outro modo ocupam nichos um tanto distintos. O con ¬
ceito de nicho ecol ógico será definido mais completamente no pr óximo capí tulo;
por é m é preciso assinalar nesta altura que o nicho envolve n ã o apenas o espa ço
físico ocupado por um dado organismo, mas tamb é m o seu lugar na comunidade ,
incluindo a sua fonte de energia e o per í odo de actividade. Duas espé cies não po ¬

dem , por certo, ter exactamente o mesmo nicho e serem diferentes, poré m espé cies
há que, especialmente se forem estreitamente aparentadas ( e tiverem assim caracte-
rí sticas morfol ógica e fisiologicamente semelhantes), são com frequ ê ncia t ã o simi ¬
lares que t ê m virtualmente as mesmas necessidades quanto a nicho. També m pode
| ocorrer competição severa quando os nichos são em parte sobrepostos. Pesquisas ex ¬
perimentais e por observa çã o mostraram que numa elevada propor çã o de casos há
,, uma esp écie para um nicho. A explicação para a separação ecol ógica largamente
observada de espé cies estreitamente aparentadas ( ou semelhantes por qualquer outra
forma) tornou -se conhecida como o princí pio da exclusão competitiva ( Hardin, 1960),

o
P. CAUDATUM isolado
60
o O
o o o
o
o
P. CAUDATUM em cultura mista -
Figura 7 28. Competi çã o
So- 2 -A -A -A-
entre duas esp écies de pro ¬

_ o tozoá rios estreitamente apa


- A-
¬
J A rentadas que t ê m os mesmos
CL ~ A -- A
-A nichos. Quando separadas,
a Paramecium caudatum e
< O
a Paramecium aurelia exi ¬
A
LU P. AURELIA isolado -i> . 105
bem um crescimento sig -
-A- - 2
3 m óide norma ] em culturas
O 80 controladas com constante
O
A ,
A abastecimento de alimento ;
A quando juntas, a P. cauda
A ¬
A tum é eliminada. ( De Allee
/ P. AURELIA em cultura mista
40 et a!., 1949, segundo Gause.)

4 8 10 14 16 18
DIAS
345

ou princí pio de Gause (segundo o biologista russo que primeiro confirmou experi ¬

mentalmente o princí pio; ver Figura 7-28).


Alguns dos aspectos te ó ricos da teoria da competi çã o mais largamente deba ¬

tidos andam à volta do que passou a conhecer-se pelas equações de Lotka- Volterra
( assim chamadas porque foram propostas como modelos por Lotka e Volterra, em
publica ções separadas, em 1925-1926 ). Trata-se de um par de equações diferenciais
muito semelhantes à apresentada na secção anterior. Tais equações são teis para
modelar as interacções predador- presa, parasita- hospedeiro, competição, ou qualquer
outra interacção entre duas espécies. Em termos de competição num espa ço limitado
onde cada popula ção tem um K ou n í vel de equilí brio definido, as equações de
crescimento simult â neo podem escrever-se nos termos seguintes:

dNx Kx - Nx - a N2
= r\ N\
dt

d N2
= r2 N 2
K2 - N 2- PNX
dt K2

onde Nx e N 2 são os n ú meros das espé cies 1 e 2 respectivamente, a é o coeficiente


de competiçã o que indica o efeito inibidor da esp é cie 2 sobre a espécie 1 e /? é o
coeficiente de competição correspondente à inibição da esp écie 2 pela 1. Note-se que
a equação log ística foi novamente utilizada como base do modelo. O resultado desta
interacçã o é que a espécie com o maior efeito inibidor sobre a outra a eliminar á
do espa ço, embora, como Slobodkin ( 1965) demonstrou, as duas espécies possam teo¬
ricamente coexistir se os coeficientes de competiçã o forem muito pequenos relati ¬
vamente às razões das densidades de satura ção ( Kx / K2 e K 2 / Kx ).
Para entender a competição é preciso considerar não só as condições e os
atributos das populações que conduzem à exclusão competitiva, mas tamb é m as
situações sob as quais as espé cies similares coexistem, uma vez que grande n ú mero
de esp é cies compartem recursos comuns nos sistemas abertos da natureza (especial¬
mente em ecossistemas maduros, est á veis ). No Quadro 7-9 e na Figura 7-29 apre ¬

senta-se o que poder á designar-se o modelo «Tribolium-Trifolium», que inclui uma


demonstra çã o experimental da exclusão em espé cies pareadas de insectos ( Tribolium )
e uma da coexist ê ncia em duas esp é cies de trevo ( Trifolium).
Um dos estudos experimentais mais completos e prolongados de competição
entre espécies é o que foi realizado no laborat ó rio do Dr. Thomas Park da Univer ¬
sidade de Chicago. Park, seus estudantes e colaboradores, trabalharam com insec¬
tos da farinha, especialmente com os que pertencem ao g é nero Tribolium ( ver Park,
1962, para efeitos de um breve resumo deste trabalho). Estes pequenos insectos
podem levar a cabo o seu ciclo de vida completo num habitat muito simples e
346

Figura 7-29. O caso de coe ¬


xist ê ncia em popula ções de trevo
- o

( Trifolium ) . O grá fico mostra o


/0
crescimento da popula çã o de
duas esp é cies de trevo em com ¬ /
posi çã o pura ( isto é, crescendo / / A
s ó) e mista . Note - se que as duas / \
esp é cies em composi çã o pura / / \
\
t ê m uma forma de crescimento
diferente , alcan çando a maturi ¬
/ r \
/ \
dade em é pocas distintas. Por
esta e outras diferen ças, as duas
2 3
/ /
espé cies sã o capazes de coexis
5 /
¬
LU
tir em cultura mista , embora a UJ
/ /
uma densidade reduzida, mes ¬ g
mo interferindo uma com a
outra. O í ndice de á rea foliar ,
2

/
/ /

que é utilizado como um í ndice / /


de densidade de biomassa , é a /
propor çã o da á rea da superf í cie / /J
foliar para a á rea da superfí cie /
do solo ( crrf por crrf ) ; ver Ca-
1 p ítulo 3 , p ágina e Cap í tulo 14,
I p ágina 376 . (Reproduzido de 9 12 15 18
J Harper e Clatworthy , 1963. ) SEMANAS APÔS A SEMENTEIRA

i homog éneo, nomeadamente um jarro de farinha ou de farelo de trigo . O meio neste


|j caso é tanto o alimento como o habitat para as larvas e os adultos . Caso se vá
'

adicionando meio fresco a intervalos regulares, a população dos insectos pode man -
j ter- se por muito tempo . Em terminologia de corrente de energia ( Capí tulo 3 ) este
dispositivo experimental pode descrever- se como um sistema heterotr ófico estabi -
í lizado no qual as importações de energia alimentar equilibram as perdas por respi ¬

ração . Trata- se de um ecossistema altamente artificial, embora de interesse prático


tendo em atenção os danos que o insecto provoca no cereal armazenado destinado
à alimentação humana.
Os investigadores verificaram que quando duas espé cies diferentes de Tri -
bolium são colocadas neste universo pequeno e homog éneo , uma espé cie é mais cedo
ou mais tarde invariavelmente eliminada, ao passo que a outra continua a prosperar .
Uma espé cie , «vence» sempre , ou para colocar as coisas de outra forma, duas
espécies de Tribolium não podem sobreviver neste ecossistema particular que , por
defini ção , cont é m apenas um nicho para os insectos da farinha. O número relativo de
indiv í duos de cada espé cie colocados originalmente em cultura ( isto é , o í ndice
de reserva) não afecta o resultado final , embora o « clima» imposto ao ecossistema
exerça um grande efeito quanto à espé cie que vence . Como se ilustra no Qua ¬

dro 7- 9 , uma espécie ( 71 castaneum ) vence sempre sob condi ções de elevada tem ¬

peratura e humidade , ao passo que a outra ( T. confusum ) vence sempre sob con ¬

dições de «frio - secura» , embora cada uma das espé cies possa viver indefinidamente
em qualquer dos seis climas com a condição de se encontrar s ó na cultura. Sob
347

Quadro 7-9
O Caso de Exclusão Competitiva em Populações de lnsectos
da Farinha ( Tribolium ) *
RESULTADOS
DE COMPETI ÇÃ O
INTERE SPECÍFICA
(%) t

HUMIDADE Vence Vence


TEMPERATURA RELATIVA Tribolium Tribolium
CLIMA °
( C) (%) castaneum confusum

Quente - h ú mido 34 70 100 0


Quente - seco 34 30 10 90
Temperado - h ú mido 29 70 86 14
Temperado seco- 29 30 13 87
-
Frio h ú mido 24 70 31 69
Frio - seco 24 30 0 100

* Dados de Park, 1954.


t De 20 a 30 experiências repetidas para cada uma das seis condições. Qualquer das espécies pode sobreviver
em qualquer dos climas caso se encontre s ó na cultura, embora apenas sobreviva uma delas quando ambas
se encontram nela presentes. As percentagens indicam a propor ção das repetições em que cada esp écie
subsistiu depois da eliminação da outra.

condi çõ es interm édias cada esp é cie tem uma certa probabilidade de ganhar ( por
exemplo, é de 0,86 a probabilidade de que a T. castaneum ven ça sob condi çõ es
de « calor e humidade » ) . Os atributos das- populações , medidos em culturas de
uma s ó espécie, ajudam em parte a explicar o resultado da acção competitiva. Por
exemplo, verificou -se que como regra a espé cie com mais elevada taxa de acré s ¬
cimo ( r) sob as condições de exist ê ncia em quest ão ganhava caso as diferen ças espe ¬
cíficas em r fossem bastante grandes. Quando as taxas de crescimento diferiam
apenas moderadamente, aquela que tinha a taxa mais elevada n ã o vencia sempre.
A presen ça de um v í rus numa popula çã o podia facilmente inclinar o equil í brio.
Tamb é m linhas gen é ticas dentro da popula ção diferem grandemente na «capacidade
competitiva».
É fácil construir condições do modelo Tribolium que possam determinar a
coexist ê ncia em vez da exclusã o. Caso as culturas fossem colocadas alternadamente
em condições de calor- humidade e de frio-secura ( para simular alterações atmos¬
f é ricas estacionais), a vantagem que uma espé cie teria sobre a outra poderia não
continuar o tempo suficiente para provocar a extin ção desta ltima. Se o sistema
de cultura fosse «aberto» e os indiv íduos da espécie dominante emigrassem ( ou
fossem removidos por um predador) a um ritmo considerá vel, a interacção compe ¬
titiva poderia ser t ão reduzida que ambas as esp é cies pudessem coexistir. Pode-se
pensar em muitas outras circunst âncias que pudessem favorecer a coexist ê ncia.
348

Algumas das experiê ncias mais interessantes na competi çã o das plantas são
as que se encontram relatadas por J. L. Harper e seus associados do University
College de North Wales (ver Harper , 1961; Harper et ai , 1963; Clatworthy e Har ¬
per , 1962). Os resultados de tais estudos, como se apresentam na Figura 7- 29, ilus¬
tram como uma diferença na forma de crescimento permite que duas espé cies
de trevo coexistam no mesmo ambiente (isto é, a mesma luz, temperatura, solo, e
assim por diante). Das duas espé cies, a Trifolium repens cresce mais depressa e atinge
o auge da densidade foliar mais cedo. Contudo, a espécie Trifolium fragiferum
forma pecíolos mais compridos e folhas mais altas e é capaz de ultrapassar em altura
a espé cie de crescimento mais r ápido, especialmente depois da T. repens ter ultra ¬
passado o seu ponto máximo, evitando assim ser afastada por ensombramento. Em
consociação, portanto, cada espécie inibe a outra, embora ambas sejam capazes de
completar o respectivo ciclo de vida e produzir semente, se bem que cada qual
coexista a uma densidade reduzida (embora a densidade conjunta nas culturas mistas
das duas esp é cies fosse aproximadamente igual à densidade nas culturas puras).
Neste caso as duas espécies, se bem que competindo fortemente pela luz, foram
capazes de coexistir por motivo de diferenças de morfologia e no ritmo da regu ¬
lação do crescimento máximo. Harper ( 1961) concluiu que duas espé cies de plantas
podem coexistir se as populações forem independentemente controladas por um
ou mais dos mecanismos seguintes: (1) diferentes necessidades nutritivas (legu ¬
minosas e não leguminosas, por exemplo ) , (2 ) diferentes causas de mortalidade
( sensibilidades distintas ao pastoreio, por exemplo ) , ( 3) sensibilidade a toxinas
diferentes e ( 4) sensibilidade ao mesmo factor de controlo (luz, água, e assim por
diante ) em alturas diversas (como no caso descrito do trevo ).

Exemplos

Os resultados das experiê ncias originais de Gause encontram- se ilustrados


na Figura 7-28. Este é, pode dizer -se, um exemplo «clássico» da exclusão competi¬
tiva. Dois protozo á rios ciliados estreitamente aparentados, Paramecium caudatum
e Paramecium aurelia, quando em culturas separadas exibem um crescimento da
popula çã o tipicamente sigm óide e conservam a populaçã o a um n í vel de equilí ¬
brio no meio de cultura mantido constante com uma concentraçã o Fixa de elementos
alimentares ( bact é rias que se não multiplicavam no meio e assim podiam ser adi¬
cionadas a intervalos frequentes para manter a concentração de alimento constante ).
Contudo, quando ambos os protozoários foram colocados na mesma cultura, depois
de 16 dias apenas sobrevivia a P. aurelia. Neste caso nenhum dos organismos ata¬
cava o outro ou secretava substâncias nocivas; simplesmente a população de P. aure¬
lia tinha uma taxa de crescimento maior ( taxa intr í nseca de aumento mais alta)
349

e assim « punha fora de competi ção» a P. caudatum pela quantidade limitada de


alimento sob as condições existentes. Por outro lado, a Paramecium caudatum e a
Paramecium bursaria eram ambas capazes de sobreviver e alcan çar um equilí brio
está vel no mesmo meio de cultura dado que, embora ambas competissem pelo
mesmo alimento, a P. bursaria ocupava uma parte diferente da cultura onde podia
alimentar-se de bact é rias sem competir com a P. caudatum. Assim, a característica
habitat do nicho destas duas espécies provou ser suficientemente distinta, embora
o respectivo alimento fosse idê ntico. Poderiam citar-se outros exemplos nos quais
duas espécies intimamente aparentadas existem no mesmo habitat embora apreen¬
dendo alimento diferente ( ver Figura 7 -32), resultando daqui uma separa çã o de
nichos igualmente efectiva.
Frank (1952 e 1957) realizou uma ampla sé rie de experiê ncias utilizando espé¬
cies de cladocera ( pulgas de água). Como pode ver-se na Figura 7-30, uma espécie
eliminava a outra quando formas estreitamente aparentadas do mesmo g é nero
eram emparelhadas; contudo, o padrão da interacçã o variava com o alimento. Quando
se utilizava levedura (que podia suportar ambas as espécies quando cresciam sepa ¬
radamente), a espécie que perdia tinha uma vantagem temporária e era capaz de

-
Figura 7 30. Competi çã o entre pares de es ¬
pé cies de cladocera em cultura . A Daphnia
pulicaria elimina a D . magna estreitamente
aparentada com ela , embora com levedura I o
como alimento para ambas a D. magna persista
durante mais tempo, uma vez que este alimento
é menos favor á vel para a espé cie dominante .
A competi çã o é menos severa entre esp é cies
dos gé neros Daphnia e Simocephalus , que t ê m
nichos sobrepostos. Em culturas mistas, as po ¬
pula ções de ambas as espé cies exibem uma
forma normal de crescimento e persistem jun ¬
tas durante 40 dias, após o que a do g é nero
Simocephalus é gradualmente eliminada . (Gr á ¬
ficos superiores reproduzidos de Frank , 1957;
gr á fico inferior reproduzido de Frank , 1952.)

O 10 20 30 4Õ 50 6S fb
DIAS
350

aumentar durante cerca de 20 dias. Quando foram comparadas espé cies menos seme¬
lhantes, como as pertencentes a g é neros diferentes, ambas as popula ções desenvol ¬
veram um crescimento sigm óide mais ou menos normal na cultura mista e manti¬
veram um n í vel assimpt ó tico elevado durante cerca de 30 dias (Figura 7-30, gráfico
inferior). Depois disso, a população de Simocephalus declinava gradualmente e aca¬
bava por desaparecer da cultura. Este caso parece constituir um bom exemplo de
nichos sobrepostos. As experiê ncias com Cladocera d ão assim resultados intermé ¬
dios entre os modelos Tribolium- Trifolium ( Quadro 7-9 e Figura 7-29). Na natu ¬
reza, onde a competição não ser á certamente t ão severa, nem tão prolongada como
nas pequenas culturas de laborat ó rio, as duas esp é cies terão menos dificuldade de
coexistê ncia no mesmo habitat .
Um outro exemplo de como a diversificação do habitat pode reduzir a com ¬

petição por forma a possibilitar a coexist ê ncia em vez de impor a exclusã o encon-
tra- se descrita por Crombie (1947). Este autor verificou que o g é nero Tribolium exter¬
mina o g é nero Oryzaephilus ( um outro g é nero de insecto da farinha), quando ambos
vivem juntos na farinha, porque os indiv í duos de Tribolium sã o mais activos na des¬
trui ção de estados imaturos de outras espé cies. Contudo, caso se coloquem tubos
de vidro na farinha, no interior dos quais as fases imaturas dos organismos mais
pequenos de Oryzaephilus podem escapar, então ambas as popula ções sobrevivem.
Assim , quando um ambiente simples de « um nicho» é mudado para um ambiente de
«dois nichos», a competiçã o é suficientemente reduzida para permitir as duas
espé cies. Isto constitui també m um exemplo do tipo de competição por «interfe ¬
r ê ncia dirccta» (Quadro 7-8).
Isto quanto a exemplos de laborat ório. Admite-se facilmente que a aglome¬
ração possa ser maior nas experiê ncias de laborat ó rio e, assim , exagerada a competi ¬
çã o. No campo a competiçã o interespecífica nas plantas tem sido muito estudada
e é considerada, como regra, um fact ór importante na produ ção de uma sucess ão
de espé cies ( como se descreverá no Capí tulo 9). Keever (1955) descreve uma situa¬
çã o interessante na qual uma espé cie de infestante, alta, que ocupa os campos no pri ¬
meiro ano de pousio em composi çã o quase pura é neles gradualmente substitu í da
por uma outra esp é cie anteriormente desconhecida na regiã o. As duas espé cies,
embora pertencendo a g é neros diferentes, t ê m biologias ( tempo de floração, processo
de propaga çã o por semente ) e formas de vida muito semelhantes e entram assim
em intensa competi ção.
Cí riggs (1956) fez um estudo interessante de competição em plantas numa
charneca de uma montanha rochosa onde a maior parte das espé cies cresciam em
tufos isolados . Os tufos de uma esp écie eram com frequ ê ncia invadidos por outras
espé cies. Griggs foi capaz de elaborar uma lista de esp écies segundo a ordem da
sua capacidade de invadir outros tufos. Esta «escala competitiva» provou não ser a
351

mesma que a ordem da sucess ão, uma vez que a capacidade para invadir e a capa ¬
cidade para substituir completamente n ão estavam inteiramente correlacionadas.
Já se salientou que a competição entre indivíduos da mesma espécie é na
natureza um dos factores mais dependentes da densidade, podendo dizer-se o mesmo
para a competição interespecíí f ca. A competição revela-se ser extremamente impor ¬
tante na determina ção da distribuição de espé cies intimamente aparentadas , e a
regra de Gause duas espé cies no mesmo nicho n ão parece ser válida tanto para
o campo como para o laboratório, embora muitas das provas apenas tenham carácter
circunstancial. Na natureza, as espé cies intimamente aparentadas, ou as espé cies
que t ê m necessidades muito semelhantes , ocupam geralmente á reas geogr áficas dis¬
tintas ou habitats diferentes na mesma á rea ou , de outra forma , evitam a competi ¬
ção mediante diferen ças na actividade diária ou estacionai ou quanto a alimento.
A interacçã o competitiva pode provocar alterações morfol ógicas (atravé s da selecção
natural) que reforçam a separa çã o ecol ógica ( ver o conceito de «deslocamento de
carácter», Secção 3 do Capí tulo 8). Por exemplo, no centro da Europa seis esp écies
de chapim ( pequenas aves do g é nero Parus ) coexistem , segregadas parcialmente pelo
habitat e parcialmente pelas áreas de alimenta ção e dimensão da presa, o que se
traduz em pequenas diferen ças no comprimento e na largura do bico. Na Amé rica
do Norte é raro encontrar mais de duas espécies na mesma localidade , sem embargo
de se encontrarem presentes sete espé cies no continente considerado no seu con ¬
junto. Lack ( 1969) sugere que «as espé cies de chapins da Amé rica se encontram
numa fase mais temporã da respectiva evolu ção do que as europeias, e as suas dife ¬
ren ças no bico, na dimensão do corpo e na conduta alimentar são adaptações aos
respectivos habitats, e que ainda n ã o h á adapta ções que permitam a coexist ê ncia
no mesmo habitat». A ideia de que o desenvolvimento evolucion á rio favorece a
coexistê ncia e a diversidade voltará a ser considerada no Capítulo 9.

MAR OPT. MAR .

INTERESPECÍFÍ CA

INTRAESPECÍFICA

Figura 7-31. O efeito da competi çã o na distribui çã o do habitat de aves . Quando a competi çã o


intraespec í fica domina, as esp é cies estendem -se e ocupam á reas menos favorá veis ( marginais); onde a
competi çã o interespec í fí ca é intensa, as espé cies tendem a ficar restringidas a um â mbito mais estreito
que integra as condiçõ es ó ptimas. ( Adaptado de Svardson , 1949.)
352

Na Figura 7- 31 est á resumida a teoria geral respeitante ao papel que a com ¬

peti çã o desempenha na selecçã o do habitat. As curvas representam o â mbito do


habitat que pode ser tolerado pelas espécies, com as condições ó ptimas e marginais
indicadas. Quando h á competiçã o com outra espécie estreitamente aparentada ou
ecologicamente similar, o â mbito das condi ções de habitat que tais espé cies ocupam
fica geralmente limitado ao ó ptimo ( isto é, às condições mais favor áveis sob as quais
'

a espécie tem uma vantagem sobre os seus competidores). Onde a competição inter -
específica é menos severa, ent ã o a competição no interior da espécie ocasiona geral ¬
mente uma selecção de habitat mais ampla. As ilhas constituem bons lugares para a
ocorr ê ncia de uma selecção de habitat mais ampla quando os competidores poten ¬
ciais não conseguem colonizar. Por exemplo, nas ilhas, ratos- toupeira de campo
( Microtus ) ocupam com frequ ê ncia habitats de floresta donde o seu competidor da
floresta, o rato-toupeira-vermelho ( Clethrionomys), est á ausente ( ver Cameron, 1964).
Crowell (1962) observou que o cardial era mais abundante e ocupava um habitat
marginal maior nas Bermudas, onde muitas das aves que com ele competem no
continente est ão ausentes.
H á muitos casos que parecem à primeira vista constituir excepções à regra de
Gause mas que, num estudo cuidadoso, provam não o ser. Um bom exemplo disto
é o caso de duas aves semelhantes comedoras de peixe da Bretanha, o corvo-
-marinho-de-faces-brancas ( Phalacrocorax carbo) e o corvo- marinho-de- crista ( P. aris-
totelis ) estudadas por Lack ( 1945). Estas duas espé cies alimentam-se usualmente nas
mesmas águas e nidificam nos mesmos rochedos, poré m um estudo mais aprofun ¬
dado mostrou que realmente os locais de nidifica ção eram diferentes e, como se
ilustra na Figura 7- 32, o alimento era basicamente distinto. De facto, o corvo- ma¬
rinho-de-crista alimenta-se nas águas mais superficiais, de peixes e enguias em nata ¬
ção livre, ao passo que o corvo- marinho-de-faces- brancas procura o seu alimento
mais no fundo, caçando peixes chatos (linguados) e invertebrados de fundo ( cama¬
r ões, etc.).
O facto de espécies intimamente aparentadas se encontrarem separadas na
natureza não significa, certamente, que a competição actua continuamente para
as manter separadas; as duas espécies podem ter desenvolvido necessidades ou pre ¬
fer ê ncias distintas que as mantenham efectivamente ao abrigo da competição. Será
suficiente para o ilustrar um só exemplo de cada um dos reinos animal e vegetal.
Na Europa, uma espé cie de Rhododendron , a R. hirsutum, encontra-se nos solos
calcários ao passo que outra espé cie , a R. ferrugineum, se encontra em solos ácidos.
As necessidades das duas espé cies sã o tais que nenhuma delas pode viver no tipo
oposto de solo pelo que nunca h á qualquer competiçã o real entre elas ( ver Braun-
-Blanquet, 1932). Teal (1958) fez um estudo experimental da selecçã o de habitat de
espécies de caranguejo-violinista ( Uca ) que usualmente se encontram separadas nos
sapais em que habitam. Uma espé cie, U. pugilator, foi encontrada em bancos de areia
353
P. ARISTOTELIS P. CARBO
-
Figura 7 32. H á bitos alimentares
ENGUIAS DE AREIA | 33 0
de duas espé cies de aves aqu á ticas
estreitamente aparentadas , o corvo- PEIXE CLUPE Ô IDE Í4 9
-
- marinho de - faces - brancas ( Phala-
PEIXE CHATO | I
-
crocorax carbo ) e o corvo marinho -
- de - crista ( P. aristotelis ) que se
| 26
CAMAR ÃO - PITU ] l 33
encontram juntos durante a é poca *
de cria. Os h á bitos alimentares in ¬ LABRID FISH 7
dicam que , embora o habitat seja
semelhante, o alimento é diferente ; >
GOBI ÃO Il 7
assim sendo , o nicho das duas es ¬ OUTROS PEIXES > | I7
p é cies é diferente e as aves n ã o
est ã o realmente em competi çã o di - O 20 40 0
PERCENTAGEM DO ALIMENTO
20 40 60
recta. ( Dados de Lack, 1945. )

abertos, ao passo que a outra, U. pugnax, foi observada em substratos barrentos


cobertos com erva de pâ ntano. Teal observou que nenhuma das espécies tendia a in ¬
vadir o habitat da outra mesmo na ausê ncia desta, umà vez que cada espécie apenas
escavava ref úgios no seu substrato preferido. A ausê ncia de competição activa n ão
significa, certamente, que a competiçã o tenha de ser exclu ída como um factor que
no passado foi realizando o comportamento de isolamento.
Será conveniente fechar esta abordagem de exemplos adoptando os tr ê s mo¬
delos de ensaio propostos por Philip ( 1955) como uma base para futuras observações,
an álises e experiê ncias. São eles: (1) competição imperfeita, em que os efeitos inte-
respecííf cos são menores do que os efeitos intra-específicos; a competição interespe -
f ca é um factor limitante embora não ao ponto de eliminar por completo uma
cíí
das espécies; (2) competi çã o perfeita, como nos modelos inalterados de Gause ou
Lotka-Volterra, nos quais uma espé cie é invariavelmente eliminada do nicho por um
processo gradual à medida que ocorre o adensamento; e (3) competiçã o hiperper-
feita, na qual os efeitos depressivos são grandes e imediatamente efectivos, como
na produção de antibióticos. Ser á facultado na secção seguinte um exemplo bem
ilustrativo da interferê ncia directa ou competi ção «agravada » em plantas.

18. INTERACÇÕES NEGATIVAS:


PREDAÇÃO, PARASITISMO E ANTIBIOSE

Enunciado

Como já foi referido, a preda ção é o parasitismo são exemplos de interacções


entre duas popula ções das quais resultam efeitos negativos no crescimento e na
sobrevivê ncia de uma das populaçõ es ( termo negativo na equa ção de crescimento

23
354

de uma das popula ções, ver Quadro 7-8, tipos 5 e 6). Um resultado semelhante
ocorre quando uma população produz uma substâ ncia nociva para a população que
com ela compete. O termo antibiose é usado geralmente para tal interacção, e o termo
alelopatia (= nocivo para o outro) tem sido proposto para a inibi çã o qu í mica pelas
plantas (Muller , 1966).
Um princí pio fundamental é o de que os efeitos negativos tendem a ser quan ¬
titativamente pequenos quando as populações que interagem tiveram uma hist ória
de evolu çã o comum num ecossistema relativamente est ável. Por outras palavras, a
selecção natural tende a levar à redu ção dos efeitos depressivos ou à eliminaçã o de
toda a interacção, uma vez que uma severa inibição continuada da população das
presas ou dos hospedeiros pela população dos predadores ou dos parasitas apenas
pode conduzir à extin çã o de uma ou de ambas as popula ções. Consequentemente, a
interacção severa observa-se mais frequentemente quando a interacçã o é de recente
origem ( quando duas populações ficam pela primeira vez associadas) ou quando
ocorreram alterações em grande escala ou s ú bitas ( porventura tempor árias) no ecos¬
sistema (como as que poder ão ser produzidas pelo homem). Isto conduz àquilo que
poderá designar -se «o princí pio do pat ógeno instant âneo», que explica a razã o pela
qual as frequentes introdu çõ es ou as manipulações nã o ou mal planeadas pelo homem
conduzem com tanta frequ ê ncia a epidemias.

Explica ção

É difícil abordar o tema do parasitismo e da predaçã o objectivamente. Todos


t ê m uma natural aversão aos organismos parasí ticos, sejam bact érias ou t é nias.
Do mesmo modo, embora o pr ó prio homem seja o maior predador que o mundo
conheceu (e també m o maior causador de epidemias na natureza), este tende a con ¬
,

denar todos os outros predadores, sem cuidar de averiguar se eles são realmente pre ¬
judiciais para os seus pr ó prios interesses ou não. A ideia de que «o ú nico falcão
bom é o falcão morto» é largamente perfilhada, embora n ão constitua de maneira
nenhuma, como se ver á, uma generaliza ção v álida.
A melhor forma de ser objectivo consiste em considerar a predação e o para¬
sitismo mais do ponto de vista da população do que do indiv í duo. É certo que os
predadores e os parasitas matam ou injuriam os indiv í duos , e reduzem pelo menos
em certa medida a taxa de crescimento das populações ou reduzem o tamanho total
da população. Poré m , significará isto que as populações estariam melhor sem pre ¬
dadores ou parasitas ? Na ó ptica do longo prazo, os predadores e os parasitas são
os ú nicos beneficiários da associação? Como ficou salientado quando da análise
da regula çã o da popula çã o (Secção 10, ver especialmente a Figura 7- 20), os pre ¬
dadores e os parasitas desempenham um papel na manuten ção dos insectos herbí-
355

voros a uma densidade baixa, embora possam ser ineficazes quando a popula ção
hospedeira tem um grande surto ou «escapa» ao controlo dependente da densidade .
As popula ções de veados são com frequ ê ncia citados como exemplos de popula ¬

ções que tendem a conhecer erupções quando é reduzida a pressão dos predadores.
Um exemplo destes largamente citado é o da manada de veados de Kaibad que ,
segundo a descri çã o inicial de Leopold ( 1943) baseada em estimativas realizadas por
Rasmussen ( 1941), aumentou supostamente de 4000 ( em uns 300 000 hectares do
lado norte do Grand Canyon no Arizona) em 1907 para 100 000 em 1924, em paralelo
com uma campanha governamental organizada de eliminação de predadores. Caughley
( 1970 ) voltou a examinar este caso e concluiu que embora n ã o haja qualquer d ¬
vida de que os veados aumentaram e com eles o sobrepastoreio, e depois o declí nio,
h á d vidas acerca da extensã o da sobrepopula ção e n ã o h á uma prova real de que
esta se ficou a dever exclusivamente à remoção dos predadores, sendo possí vel que
o gado e o fogo també m tenham desempenhado um papel . É sua convicção que as
erupções das populações de ungulados resultam mais provavelmente de alterações
no habitat ou no alimento que permitem à popula çã o «escapar » ao controlo da
mortalidade usual ( como no modelo constante da Figura 7-20). Uma coisa é clara:
as erupções mais violentas ocorrem quando uma espé cie é introduzida numa nova
á rea onde haja simultaneamente recursos inexplorados e uma falta de interacções
negativas. A explosão da populaçã o de coelhos introduzidos na Austrália é , certa ¬

mente, um exemplo bem conhecido entre os milhares de casos, literalmente falando, de


oscila ções severas directamente provocadas pelo homem.
Chega-se nesta altura à mais importante de todas as generaliza ções, con ¬

cretamente, a de que as interacções negativas se tornam menos negativas com o


decorrer do tempo, caso o ecossistema seja suficientemente est á vel e especialmente
diverso para permitir adaptações recí procas. Como se referiu na Secção 9, as po ¬

-
pulações simples de parasita hospedeiro ou predador - presa introduzidos em mi -
croecossistemas experimentais oscilam violentemente com uma certa probabilidade
de extin çã o. Os modelos das equa ções de Lotka- Volterra ou da interacção predador-
- presa produzem uma oscilação perpé tua n ão amortecida a menos que se adicionem
termos de segunda ordem que induzam autolimita ções capazes de atenuarem a oscilação
( ver Lewontin , 1969). Pimentel ( 1968; Pimentel e Stone, 1968) mostrou experimen ¬

talmente que tais termos de segunda ordem podem tomar a forma de adaptações
recí procas, ou retroacção gen ética. Como se ilustra na Figura 7-33, ocorrem osci ¬

lações violentas quando um hospedeiro, a mosca dom éstica, e um heminó ptero


parasita sã o colocados juntos pela primeira vez num sistema de cultura confinado.
Quando os indiv íduos seleccionados das culturas anteriores, que tinham conseguido
sobreviver às oscilações violentas durante dois anos, foram postos em novas culturas,
foi evidente que se tinha desenvolvido uma homeostasia ecológica na qual ambas
as populações haviam «perdido vigor», por assim dizer, e eram ent ão capazes de
coexistir num equil í brio muito mais est á vel.
356
SISTEMAS PARASITA - HOSPEDEIRO

500 J\ A - ASSOCIADO RECENTEMENTE


HOSPEDEIRO
400 PARASITA
<
Q
OT
300
200
100

B - DEPOIS DE DOIS ANOS DE ASSOCIAÇÃ O


500
O 400
O
3 300
O 200

100

0 10 20 30 40 50 60 70
SEMANAS

Figura 7-33. Evolu çã o da homeostasia nas rela ções parasita e hospedeiro entre popula ções da
mosca dom éstica ( Musca domestica) e de uma vespa parasita ( Nasonia vitropennis ) numa jaula multice -
lular, para populações de laborat ó rio, constitu í da por 30 caixas de plá stico interligadas por tubos espe ¬
cialmente concebidos para retardar a dispersã o do parasita . A . As populações recentemente associadas
( material silvestre colocado junto pela primeira vez ) oscilaram violentamente , ao aumentar primeiro a
densidade do hospedeiro (a mosca ) e depois a do parasita (a vespa ), seguindo -se o «colapso ». B. 'As popula¬

ções derivadas de coló nias em que as duas espécies estiveram associadas durante dois anos coexistiram
num equil í brio mais está vel sem «colapsos ». A resist ê ncia de adapta çã o que se havia desenvolvido no
hospedeiro foi traduzida pelo facto da natalidade do parasita se apresentar grandemente reduzida (46 des ¬
cendentes por fê mea em compara çã o com os 133 no caso do sistema de associa çã o recente ), e da popu ¬
la çã o parasita ficar nivelada a uma densidade baixa . A experi ê ncia demonstra como a retroacçã o gen é tica
pode funcionar ao mesmo tempo como mecanismo de regula çã o e de estabiliza çã o nos sistemas de
popula ções. (Reproduzido de Pimentel e Stone, 1968; o grá fico inferior , B , é uma composi ção das duas
popula ções experimentais, como se apresentam nas suas Figuras 2 e 3. As densidades figuradas sã o
n meros por cé lula na jaula de 30 cé lulas.)

No mundo real do homem e da natureza, o tempo e as circunstâncias podem


não favorecer essas adaptações recí procas atrav é s de novas associações, uma vez
que existe sempre o perigo de que a reacção negativa possa ser irreversí vel e que
conduza à extin ção do hospedeiro. A história da doen ça da tinta do castanheiro
na América é um caso em que a quest ão da adaptação ou da extinção está em
suspenso, e o homem poUCo mais pode fazer do que observar.
Originalmente , o castanheiro americano era um membro importante das flo ¬

restas da região dos Apalaches da Amé rica do Norte . Tinha os seus parasitas ,
doenças e predadores . Do mesmo modo, os castanheiros do oriente na China uma
357

esp é cie diferente embora aparentada tinha o seu conjunto de parasitas, e assim
por diante , incluindo o fungo Endothia parasitica , que ataca a casca dos troncos.
Em 1904 o fungo foi acidentalmente introduzido nos Estados Unidos da Am é rica.
O castanheiro americano n ão foi resistente a este mesmo parasita; finalmente, por
volta de 1952 todos os castanheiros morreram , constituindo os seus troncos des ¬
cascados, acinzentados, um traço caracter ístico das florestas dos Apalaches (Fi ¬
gura 7 -34). O castanheiro continuou a lan çar varas a partir das raí zes, varas que
podem antes de morrer produzir frutos, embora n ão seja possí vel prever qual o
o resultado final, se extin ção completa, se adaptação. Para todos os efeitos pr á ticos
o castanheiro foi removido, pelo menos de momento, como elemento de influ ê ncia
principal na floresta.
Os exemplos anteriores n ão são apenas casos escolhidos a dedo para « provar
um ponto de vista». Caso o estudante dedique uns momentos de leitura na biblio ¬

teca , pode encontrar centenas de exemplos semelhantes que mostram: ( 1) que onde
os parasitas e os predadores estiverem associados por longo tempo com os res-
pectivos hospedeiros e presas, o efeito é moderado, neutro ou ben éfico do ponto
de vista do longo prazo e (2) que os parasitas e os predadores de aquisição recente
são os mais nefastos. De facto, caso se fa ça uma lista de doen ças, de parasitas e de
pragas de insectos que provocam os maiores danos na agricultura ou sã o os mais

t
A í v
I f V
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& W.
£
mm Ei
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Figura 7-34. Resultados da doen ça da tinta do castanheiro na regiã o meridional dos Apalaches
( Ge ó rgia ) , um exemplo do efeito extremo que um organismo parasita ( fungo) , introduzido do Velho
Mundo , pode provocar num hospedeiro de aquisiçã o recente ( castanheiro americano ) .
358

patog é nicos para o pr ó prio homem, a lista incluirá um grande n ú mero de espé cies
que t ê m sido recentemente introduzidas em novas á reas, como no caso da doen ça
da tinta do castanheiro, ou que adquiriram um novo hospedeiro ou presa.
O princí pio do pat ógeno instant âneo, mencionado brevemente no Enunciado,
pode agora ser reformulado como se segue :
As condições patog é nicas ou a pestil ê ncia são com frequ ê ncia induzidas ( 1)
pela introdu ção s bita ou rá pida de um organismo com uma taxa intr í nseca de au ¬
mento potencialmente alto no seio de um ecossistema no qual os mecanismos de
controlo a ele adapt áveis são fracos ou faltam, ou (2) por altera ções ambientais
abruptas ou violentas que reduzem a energia dispon í vel para o controlo de retroac-
çã o, ou que afectam por qualquer outra forma a capacidade de autocontrolo. O ho¬
mem propende a produzir «pestes instant â neas» dado que «introduz» e « perturba»
( com frequ ê ncia inadvertidamente ) em grande escala e a velocidades rápidas que
n ão d ã o tempo ao desenvolvimento de ajustamentos complexos.
A li ção para o homem consistir á, certamente , em tomar cuidado com as
novas interacções negativas e evitar patrocinar outras mais depressa do que o estri ¬
tamente necessá rio.
Embora a preda ção e o parasitismo sejam semelhantes de um ponto de vista
ecol ógico, os extremos das sé ries, o grande predador e o pequeno parasita interno,
exibem importantes diferen ças para al é m da dimensão. Os organismos parasitas ou
patog é nicos t ê m geralmente um potencial bi ótico mais elevado do que os predadores.
São com frequ ê ncia mais especializados quanto a estrutura , metabolismo, especi ¬
ficidade do hospedeiro e biologia , como o requerem o seu ambiente especial e o
problema da dispersã o de um hospedeiro para outro.
Tê m especial interesse . os organismos intermé dios entre os predadores e os
parasitas, por exemplo os chamados insectos parasí ticos. Estas formas possuem com
frequ ê ncia a capacidade de consumir a presa inteira, como o faz o predador , e
t ê m també m a especificidade de hospedeiro e o alto potencial bi ótico do parasita.
O homem tem sido capaz de propagar artificialmente alguns destes organismos e
de os utilizar no controlo de pragas de insectos. Agora que o homem aprendeu ,
a partir de uma triste experi ê ncia , que o controlo qu í mico dos insectos tem limita ¬
ções s é rias, o controlo mediante a utiliza ção de parasitas tornar-se-á mais importante.
Em geral , as tentativas feitas para utilizar com semelhante prop ósito grandes pre ¬
dadores n ão especializados n ã o foram bem sucedidas. Poder á o leitor encontrar
raz ões que o expliquem ?
Do lado mais positivo o homem est á a aprender lentamente a maneira de
ser a que Slobodkin ( 1962) chama um « predador prudente», isto é , um predador
que n ã o extermina a sua presa por sobreexplora çã o. Como se verá no Capítulo 10,
os modelos matemáticos podem ajudar a determinar o grau de explora çã o das popu ¬
lações de animais de ca ça ou de pesca que garantir á uma produ çã o ó ptima sustent á¬
vel. O problema da produ çã o ó ptima foi discutido por Beverton e Holt ( 1957), Ricker
359

( 1958), Menshitkin (1964), Slobodkin ( 1968), Silliman (1969), Wagner (1969) e mui ¬
tos outros. Teoricamente, se o crescimento sigm óide é simétrico como no modelo
log ístico, a taxa mais elevada de crescimento, dN / dt, ocorre quando a densidade é
de K / 2 ( metade da densidade de saturação). Contudo, a forma de crescimento é
com frequê ncia assimé trica pelo que o ponto culminante da curva ondulada ou para ¬
b ólica da taxa de crescimento não deverá estar a meio caminho entre 0 e í.
De acordo com Wagner (1969), a densidade máxima de produ ção sustentada é com
frequ ê ncia um tanto inferior a metade da densidade de equilí brio em situa çã o de
não exploração.
O problema pode abordar-se experimentalmente colocando populações de
prova em microecossistemas. Um destes modelos experimentais encontra-se na Fi¬
gura 7-35 na qual indiv í duos da espécie Lebistes reticulatus, um pequeno peixe de
aquário, foram utilizados para «simular» uma populaçã o de peixe comercial em ex¬
plora çã o pelo homem . Como se prova, a produ ção má xima sustentá vel foi obtida
quando se removeu um ter ço da popula ção por período reprodutivo, o que reduzia
a densidade de equil í brio a um pouco menos de metade da relativa à popula ção não
explorada. Dentro dos limites da exploraçã o este índices tenderam a ser indepen ¬
dentes da capacidade de sustentação do sistema, que se fez variar a trê s níveis por
manipulaçã o do abastecimento em alimento.
Com frequê ncia os modelos de uma só espécie provam ser simplificações
excessivas, uma vez que não tomam em consideração as espé cies competidoras que
podem responder à densidade reduzida das espé cies exploradas mediante aumento
das respectivas densidades e utilização de alimento ou de outros recursos necessá¬
rios à manutenção da espé cie explorada. É muito simples para um « predador de
topo» como o homem (ou um animal de pastoreio principal como uma vaca) inclinar
a balan ça num equilíbrio competitivo de tal forma que a espécie explorada seja
substitu í da por outra espé cie que o predador ou o animal que pasta poderá nã o
estar preparado para utilizar. No mundo real, os exemplos de tais substituições
( como se observará mais adiante) tem sido documentados com frequê ncia crescente
à medida que o homem se torna mais «eficiente» como pescador, ca çador e colhedor
de plantas. Isto conduz a formular um enunciado que é tanto um repto como uma
advert ê ncia : Os sistemas de uma só espécie de colheita, bem como os sistemas de
monocultura ( como por exemplo a agricultura de monocultivo), são inerentemente ins ¬

t áveis, uma vez que quando sob pressão sã o vulneráveis à competição, à doen ça, ao
parasitismo, à preda ção e a outras interacções negativas. Como foi salientado no Cap í ¬
tulo 3, a produ ção ó ptima deve ser inferior ao máximo quando é considerado o
custo de manuten ção da «ordem» em sistemas inerentemente instáveis.
A pressão da predação ou da colheita afecta com frequ ê ncia a dimensã o dos
indivíduos nas populações exploradas. Assim, colher ao n ível máximo da produ ção
sustent ável traduz-se numa redu ção da dimensão m édia do peixe, do mesmo modo
360

que maximizar as produ ções de madeira para obten çã o de volume de lenho reduz a
dimensã o da á rvore e a qualidade do lenho. Como se repetiu muitas vezes neste
livro, n ão é possí vel obter ao mesmo tempo qualidade e quantidade máximas. Brooks
e Dodson (1965) descrevem como espé cies grandes de zooplâ ncton foram substi ¬
tu ídas por espé cies mais pequenas quando se introduziram peixes que se alimentam
de zooplâncton em lagos que não dispunham de tais predadores directos. Neste caso
em que o ecossistema é relativamente pequeno, tanto a dimensã o das espé cies
como a composição em espé cies de todo o ní vel tr ófico podem ser controladas por
um ou por um pequeno n mero de predadores.
Estas considerações reconduzem, como sempre, ao papel das interacções
negativas no ecossistema tomado no seu conjunto. Como atrás se aduziu (Secçã o 10),
a importâ ncia do controlo bi ótico é uma função da posi ção no gradiente físico em
que os ecossistemas se desenvolvem. Na Figura 7-36 apresenta-se um «modelo de
percebe» baseado em estudos experimentais de J. H. Connell. A zona de maré
de uma costa mar í tima rochosa proporciona um gradiente miniatura desde um am¬
biente submetido a pressã o í f sica a um ambiente mais controlado biologicamente

33 %
i

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5
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15 20 25 30
BIOMASSA (GRAMAS)

Figura 7-35. Biomassa e produ çã o em popula ções de ensaio do peixe de aqu á rio da esp é cie
Lebistes reticulatus, explorado em diversas propor çõ es ( representadas como recolha percentual por per íodo
reprodutivo ) a tr ê s n í veis de dieta distintos. As produ çõ es mais altas foram obtidas quando foi recolhido,
por per í odo de reprodu çã o , cerca de um ter ço da popula ção, e a biomassa m é dia reduzida para menos
de metade da popula çã o n ão explorada ( curvas de produ çã o inclinadas para a esquerda). (Segundo
Silliman , 1969. )
361

( ver Capítulo 12, página 540, para efeitos de uma descri çã o deste habitat ). Neste
estudo, realizado na Escócia, Connell ( 1961) observou que as larvas de duas esp é cies
de percebes se estabeleciam num intervalo amplo na zona de mar é embora sobre ¬

vivessem como adultos num â mbito muito mais restrito. Verificou que a esp é cie
maior ( Balanus) estava limitada à parte mais baixa da zona uma vez que era incapaz
de tolerar longos per í odos de exposi çã o, ao passo que a espé cie mais pequena
( Chthamalus) foi exclu ída da zona mais baixa pela competi çã o movida pela esp é cie
maior e pelos predadores que são mais activos abaixo do limite da mar é alta. Como
a Figura 7-36 ilustra, a pressão f í sica da desseca ção foi o principal factor controlador
na parte superior do gradiente, ao passo que a competição interespecífica e a pre-
da çã o foram factores controladores nas zonas mais baixas. Pode considerar-se este
modelo como aplicá vel a gradientes mais extensos , como por exemplo um gra ¬
diente do árctico ao tr ópico ou de uma altitude elevada a outra baixa, com a con ¬

di çã o de se ter presente que todos os «modelos» sã o em graus variá veis simplifi ¬


cações excessivas.
A an á lise das interacções negativas n ã o ficaria completa sem se mencionar
um curto embora sugestivo trabalho de Hairston , Smith e Slobodkin ( 1960) que
sugere ser o controlo da situa çã o ao n í vel tr ófico herb í voro ( dos consumidores
prim ários ) fundamentalmente diferente do de outros n í veis tr óficos. Segundo as suas
palavras: «As popula ções de produtores, carn ívoros e decompositores s ã o limitadas

FACTORES FACTORES
DISTRIBUI ÇÃ O F Í SICOS BIOLÓ GICOS
( desseca ção ) ( competi çã o N í veis da maré
adultos larvas
preda ção )
m ,
éCjja jas maré S vivas altas
Chfhamolus Chfhamalus

m édia das mar és mortas altas

Balanus Balanus
maré m édia

m édia das maré s mortas baixas

m édia das maré s vivas baixas

Figura 7- 36 . Factores que controlam a distribui çã o de duas esp é cies de percebes num gradiente
de maré . A descend ê ncia de ambas as esp é cies estabelece - s é numa extens ã o ampla por é m a sobrevi ¬
v ê ncia na idade adulta ocorre num â mbito mais restrito . Os factores fí sicos, como a desseca çã o, con ¬
trolam os limites superiores da esp é cie do g é nero Balanus , enquanto que os factores biol ógicos , como
a competi çã o e a preda çã o , controlam a distribui çã o para baixo da esp é cie do g é nero Chthamalus.
( Segundo Odum , 1963 ; de Connell , 1961 . )
362

pelos respectivos recursos na forma clássica dependente da densidade » e «a compe ¬


tição interespec í fica deve existir necessariamente entre os membros destes trê s gru ¬

pos». Em contraste, «os herb ívoros estã o raramente limitados pelo alimento, pare ¬
cendo com frequ ê ncia serem mais limitados pelos predadores, e portanto nã o se
encontram provavelmente em condições de competir pelos recursos comuns». Esta
teoria está baseada na observa çã o geral de que ( 1) nos ecossistemas naturais as
plantas apenas sã o ligeiramente pastoreadas ( o que lhes faculta dportunidade de
constru í rem uma estrutura de biomassa) e (2 ) muitas espécies de herb í voros coexis ¬
tem sem exclusão competitiva evidente ( ver Ross, 1957; Broadhead , 1958). Indubi ¬
tavelmente, a generalizaçã o é excessiva, tem por é m estimulado estudo e debate e
-
continuará a faz ê lo por algum tempo.

Exemplos

A seguinte sé rie de estudos ilustra de que modo as interacções entre compe ¬


tidores e predadores (ou parasitas ) afectam a densidade e a diversidade , com especial
refer ê ncia ao « predador humano».
1. Larkin ( 1963) atravé s de simula ção com computador demonstrou como
diferentes n íveis de exploração poderiam alterar os n í veis de equil í brio de espé cies
coexistentes.
2. Slobodkin (1964) demonstrou que a remoção experimental ( isto é, pre-
da çã o pelo experimentador) da Hydra em culturas de laborat ó rio de duas espé cies
impediu que a densidade alcan çasse n í veis de exclusã o, permitindo assim às duas
espécies coexistir onde apenas uma poderia fazê-lo na ausê ncia de predação.
3. Paine (1966 ) observou que a remoçã o experimental de predadores nas
rochas de mar é (onde o espa ço é limitado) reduziu grandemente a diversidade dos
herb í voros ( isto é, dos comedores de algas) em virtude de se ter intensificado a
competi çã o interespecífica at é um ponto de exclus ão; fez a previsã o de que na ausê n ¬
cia continuada de predadores o n ú mero de espé cies seria eventualmente reduzido
a uma, tal como no modelo Tribolium ( caso em que a redu ção na pressão de pas¬
toreio se traduziu num decréscimo na diversidade das plantas, como foi referido
na página 239) -
4. Murphy ( 1966 e 1967 ) diagnosticou o decl í nio da sardinha do Pacífico
( >Sardinops caeruleá) sujeita a pesca intensa e o subsequente aumento da anchova
( Engraulis mordox), que tem uma ecologia muito semelhante , como um caso de
substituição de uma esp é cie sobreexplorada por uma espécie competidora que não
foi sendo submetida a exploração. Como se ilustra na Figura 7-37, o aumento das
anchovas é paralelo a um aumento previsto com base em equações simples de
competi çã o. Este é um bom exemplo do insucesso da pesca de uma s ó espé cie . Sem
363

embargo da sardinha ter deixado de ser intensivamente pescada, a alteraçã o poderá


ser permanente uma vez que agora a anchova se encontra no comando da compe ¬

tiçã o (certamente, a explora çã o desta ú ltima poderia inclinar novamente a balan ça


em sentido contrá rio).
5. Smith ( 1966) descreve como uma sucessão de exploraçõ es de espécies
específicas combinadas com introdu çõ es e eutroficaçõ es determinaram sucessivos
aumentos e quebras de peixes comerciais no Lago Michigan. Primeiro foi a truta-
-de-lago que suportou uma pesca est ável durante meio século, porém esta foi virtual¬
mente eliminada pelo assalto combinado da exploração excessiva, do ataque de uma
lampreia parasita introduzida e da eutrof ícação. Então, em rá pida sucessão, o aren-
que - de - lago, a .esp é cie Coregonus clupeaformis, um ciprin í deo e o sável sofreram
alternadamente crescimento da populaçã o e declí nio à medida que cada um deles
era por sua vez explorado e cedia o lugar sob a pressão de um competidor, predador
ou parasita . Recentemente foi introduzido o salm ão «coho» que prospera com uma
dieta de sá veis para deleite dos predadores desportivos. Pode prever-se que esta mina

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Figura 7 37. O decl í nio da sardinha do Pac í fico, fortemente pescada, e o subsequente aumento
da anchova n ã o explorada ( como competidor ecol ógico equivalente ) . Para a sardinha, os pontos ligados
pela linha representam estimativas da popula çã o . Para as anchovas os triâ ngulos são estimativas da
popula çã o, e a curva foi produzida por computador anal ógico a partir das equa ções de competiçã o
de Volterra . (Segundo Silliman , 1969 ; dados de Murphy, 1964, e de Murphy e Isaacs, 1964.)
364

de ouro não tardará a esgotar-se a menos que a colheita e a polui çã o possam ser
sujeitas a um melhor controlo.
Um exemplo final de interacçã o negativa ser á retirado do trabalho de C. H.
Muller e seus colaboradores que investigaram inibidores alelopá ticos ou antibióticos
produzidos por arbustos no chaparral da Calif órnia ( ver pá gina 632 para efeitos de
um relato deste tipo de comunidade ). Estes investigadores não só se debru çaram
sobre a natureza qu í mica e a acçã o fisiol ógica das subst â ncias inibidoras, mas de¬
monstraram tamb é m que estas desempenharam um papel importante na regula ção
da composição e na dinâmica da comunidade ( ver Muller , 1966 e 1969; Muller
et al., 1964 e 1968). A Figura 7-38 mostra como os terpenos vol á teis produzidos
por duas espé cies de arbustos aromáticos inibem o crescimento das plantas her ¬
b áceas. As toxinas vol áteis ( especialmente cineola e câ nfora) sã o produzidas nas
folhas e acumulam-se no solo durante a estação seca numa quantidade tal que
quando chega a estaçã o das chuvas a germina çã o ou o crescimento subsequente das
pequenas plantas é inibido numa faixa larga à volta de cada grupo de arbustos.
Outros arbustos produzem antibióticos sol ú veis cm água de uma natureza qu ímica
diferente (fenóis e alcaloides, por exemplo), que també m favorecem a domin â ncia
do arbusto. Contudo, fogos perió dicos, que constituem uma parte integrante do
ecossistema chaparral , removem efícazmente a origem das toxinas, degradando as
que est ã o acumuladas no solo, e disparando a germinação de sementes adaptadas ao
fogo. Em conformidade, o fogo é seguido na pr óxima esta çã o de chuvas por uma
floração vistosa de plantas anuais que continua a aparecer cada Primavera até os
arbustos voltarem a crescer e as toxinas se tornarem efectivas. No chaparral maduro
fica um n mero muito pequeno de ervas. A interacção do fogo e dos antibióticos
perpetuam, deste modo, alterações cí clicas na composição que constituem uma carac-
ter ística de adapta çã o deste tipo de ecossistema. Whittaker (1970), num resumo dos
inibidores bot â nicos, concluiu: «As plantas superiores sintetizam quantidades apre ¬
ci á veis de subst â ncias repelentas ou inibidoras para outros organismos. Os efeitos
alelopá ticos t ê m uma influ ê ncia significativa ao longo da sucessão de plantas e nas
espé cies que compõ em as comunidades est á veis. As interaeçõ es qu í micas afectam
a diversidade em esp é cies das comunidades naturais em ambas as direcções; a forte
dominâ ncia e efeitos alelopá ticos intensos contribuem para baixar a diversidade em
espé cies de algumas comunidades, enquanto que a variedade das adapta ções qu í mi ¬

cas constituem uma parte do fundamento ( como aspectos de diferenciação de nicho)


da alta diversidade específica de outras». A antibiose n ã o é, certamente, restrita às
plantas superiores; conhecem-se numerosos exemplos entre os microrganismos,
como fica ilustrado com a penicilina , o inibidor bacteriano produzido pelo bolor do
pã o e hoje largamente utilizado em medicina. Referindo o Quadro 7-8, vê-se que
a antibiose qu ímica pode ser considerada uma forma de competi çã o do tipo inter ¬

fer ê ncia directa, ou nas suas formas mais moderadas, como amensalismo.
O papel dos antibió ticos na sucessã o ecológica ser á considerado no Capítulo 9.
366

19. INTERACÇÕES POSITIVAS:


COMENSÁ LISMO, COOPERAÇÃO E MUTUALISMO

Enunciado

As associa ções entre as popula ções de duas esp é cies que se traduzem por
efeitos positivos estão extraordinariamente expandidas e são provavelmente tão
importantes como a competi çã o, o parasitismo, e assim por diante , na determina ção
da natureza das populações e das comunidades. As interacções positivas podem ser
adequadamente consideradas numa sé rie evolutiva como se segue : comensalismo
uma popula ção é beneficiada; protocooperação ambas as populações são bene ¬
ficiadas; e mutualismo ambas as popula ções beneficiam e tornam-se completa ¬

mente dependentes uma da outra.

Explicação

A aceita ção generalizada da ideia de Darwin da «sobreviv ê ncia do mais apto»


como um meio importante de produ ção da selecção natural fez dirigir a aten ção para
os aspectos competitivos da natureza. Em consequê ncia disso, a importâ ncia na
natureza da coopera çã o entre espé cies tem sido porventura subestimada. Pelo menos,
as interacções positivas não tê m sido submetidas a tanto estudo quantitativo como
as interacções negativas. Como numa equa ção equilibrada, parece razoável admitir
que as relações negativas e positivas entre popula ções tendem eventualmente a
equilibrar-se mutuamente, caso o ecossistema venha a alcan çar algum tipo de es¬
tabilidade.
O comensalismo constitui um tipo simples de interacção positiva e re ¬
presenta porventura o primeiro passo no sentido do desenvolvimento de relações
bené ficas. É especialmente comum entre plantas e animais s ésseis, por uma parte ,
e organismos m óveis, por outra. O oceano é em especial um bom lugar para observar
o comensalismo. Praticamente toda a galeria de vermes marinhos, moluscos ou espon ¬
jas cont é m vá rios «h óspedes não convidados» , organismos que necessitam de pro-
tecção do anfitrião mas não produzem em contrapartida qualquer benef í cio ou dano.
Talvez o leitor haja aberto ostras, ou estas lhe tenham sido servidas em meia concha,
e observado um pequeno e delicado caranguejo na cavidade do manto. Estes são
usualmente «caranguejos comensais», embora algumas vezes excedam a sua condi ção
de «h óspede » para partilhar dos tecidos do hospedeiro como refei ção (Christensen e
McDermott, 1958). Dales (1957), no seu resumo sobre o comensalismo marinho, enu ¬
merou 13 espé cies que vivem como hospedeiros nas galerias de grandes vermes
367

marinhos (Erechis) e de crust á ceos dos g é neros Callianassa e Upogebia. Este conjunto
de peixes, moluscos, vermes, poliquetas e caranguejos comensais vive apanhando
alimento excedente ou rejeitado ou materiais de desperd ício dos hospedeiros. Muitos
dos comensais não s ão específicos relativamente ao hospedeiro, embora alguns apenas
se encontrem associados aparentemente com uma s ó espécie de hospedeiro.
Daqui nã o vai sen ã o um pequeno passo at é à situa çã o em que ambos os
organismos ganham com uma associaçã o ou interacção de algum tipo, caso em que
se tem a protocooperação. O já desaparecido W. C. Allee ( 1938 e 1951) estudou e
escreveu muito sobre este assunto. Acreditava que os começos da cooperação entre
espécies h ã o-de encontrar-se por toda a natureza. Foi capaz de documentar muitos
deles e de demonstrar mediante experiê ncias as vantagens m ú tuas. Voltando ao mar
para efeitos de exemplificação, os caranguejos e os celenterados associam-se com fre ¬
quê ncia com m ú tuo benef ício. Os celenterados crescem no dorso dos caranguejos
( ou são algumas vezes ali « plantados» por estes), proporcionando camuflagem e
protecçã o ( uma yez que os celenterados t ê m cé lulas urticantes). Em contrapartida,
os celenterados são transportados e obtê m part ículas de alimento quando os caran¬
guejos capturam e comem outros animais.
Na situa ção anterior o caranguejo n ão est á completamente dependente do
celenterado, nem vice-versa. Um passo ulterior na coopera ção ocorre quando cada
umá das populações se torna completamente dependente da outra. Tais casos t ê m
sido denominados mutualismo ou simbiose obrigatória. Com frequ ê ncia estão associa ¬
dos tipos de organismos muito distintos. De facto, é mais prová vel o desenvolvimento
de condi ções de mutualismo entre organismos com requisitos bastante diferentes.
(Como se viu , organismos com necessidades semelhantes sã o mais capazes de
ficarem envolvidos em interacções negativas). Os exemplos mais importantes de
mutualismo desenvolvem-se entre aut ótrofos e heter ó trofos. Isto não é surpreen ¬
dente uma vez que estes dois componentes do ecossistema precisam, em ú ltima
an álise, de alcan çar algum tipo de simbiose equilibrada. Exemplos que deverão ser
classificados como mutualistas vão mais longe do que esta interdepend ê ncia geral na
comunidade, at é ao ponto de um tipo particular de heterótrofo se tornar com ¬
pletamente dependente quanto ao alimento de um dado tipo particular de aut ó-
trofo, tornando-se este ú ltimo dependente da protecção, ciclagem mineral, ou outra
fun ção vital proporcionada pelo heter ótrofo. A associa çã o entre as bact é rias
fixadoras de azoto e as leguminosas é um exemplo que foi discutido em detalhe
no Cap í tulo 4. O mutualismo é també m comum entre microrganismos que podem
digerir celulose e outros resí duos resultantes de plantas e animais que n ão t ê m
os sistemas enzim á ticos necessários para o fazer. A simbiose obrigat ória entre ungu-
lados e as bact é rias do r ú men é um exemplo a ser analisado no Capí tulo 19.
Como foi previamente sugerido, o mutualismo parece substituir o parasitismo à
medida que os ecossistemas evoluem no sentido da maturidade, e parece ser especial-
368

mente importante quando algum aspecto do ambiente é limitante ( solo inf é rtil,
por exemplo), at é . uma extensão em que a coopera ção mutualista tem uma forte
vantagem selectiva . Os exemplos concretos que se seguem ilustrar ão alguns des¬
tes aspectos.

Exemplos

A simbiose obrigat ó ria entre microrganismos digestores de celulose e animais


pode ser ilustrada por dois exemplos. A importâ ncia geral de um tal mutualismo na
cadeia alimentar de detritos foi analisada no Cap ítulo 3 ( página 108 ). A associa ção
entre a t é rmita e o flagelado intestinal constitui um caso bem estudado, trabalhado
primeiro por Cleveland ( 1924 e 1926). Sem os flagelados especializados ( um «agrupa¬
mento» de esp é cies da ordem Hypermastigina ), muitas esp é cies de t é rmitas sã o inca¬
pazes de digerir o lenho que ingerem, como o demonstra o facto de morrerem de
fome quando os flagelados são removidos experimentalmente. Estes parceiros estão
t ão bem coordenados com o seu hospedeiro que reagem às hormonas de muda deste
enquistando-se , com o que asseguram a transmissã o e a reinfecçã o quando a t é r¬
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mita muda o seu revestimento intestinal e a seguir o ingere. Neste caso os sim-
biontes vivem no interior do corpo do hospedeiro, por é m pode desenvolver-se uma
interdepend ê ncia ainda mais í ntima com microrganismos parceiros vivendo fora do
corpo do animal hospedeiro, e tais associa ções podem realmente representar um
estádio mais avan çado na evolu ção do mutualismo ( menor probabilidade de que as
rela ções se possam transmudar em parasitismo!). Constitui um exemplo o caso
muito interessante e bem documentado das formigas-cortadeiras tropicais ( Atta ) que
cultivam hortos de fungos nos respectivos formigueiros. As formigas fertilizam, tra¬
tam e procedem à colheita de culturas de fungos da mesma forma que o faria um
eficiente agricultor. Foi demonstrado recentemente ( Martin , 1970) que o sistema
fungo-formiga reduz o circuito e acelera a decomposiçã o natural das folhas. Como
est á descrito na página 588, é normalmente necess ária uma sucessã o de micror ¬
ganismos para decompor as folhas da folhada com o aparecimento de fungos basi-
diomicetes durante as ltimas fases da decomposiçã o. Contudo, quando as folhas são
«fertilizadas» pelo excremento da formiga nos jardins de fungos, estes fungos são
capazes de prosperar nas folhas frescas à maneira de uma monocultura de rá pido
crescimento que faculta alimento para as formigas ( note-se que é necessá rio uma
dose de «energia de formiga» para manter esta monocultura à semelhan ça do que
acontece numa cultura intensiva realizada pelo homem ). Martin resumiu a situação
como se segue : «As formigas cultivando um organismo decompositor de celulose
como uma cultura alimentar tê m acesso às vastas reservas de celulose da floresta tro¬
pical h ú mida para uso indirecto como um nutriente. Aquilo que as t é rmitas realizam
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Figura 7-39. Tipos de micorrizas. A . Jovens pinheiros de tr ê s anos da esp é cie Pinus strobus
desprovidos de micorrizas ( esquerda) e com um desenvolvimento prol í fero de micorrizas ectotr ó ficas
( direita ). B. Micorrizas endotróficas mostrando o micé lio do fungo no interior das cé lulas da raiz.
[A ilustra çã o continua na p ágina seguinte .]

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Figura 7-39. C. Micorrizas peritr ó ficas (extramatriciais) formando agregados ou massas à volta
das ra í zes de uma planta nova de p í cea ( Picea pugens ) . D. Micorrizas peritr óficas formando uma bainha
ou denso manto de fungos à volta de ra í zes enterradas na folhada de uma floresta tropical . ( Fotografias
amavelmente cedidas pelo Professor S . A. Wilde , Universidade de Wisconsin .)
371

atrav é s da sua associação com microrganismos decompositores de celulose , as for ¬


migas conseguem- no atravé s da sua associação ecto-simbiótica mais complexa com
fungos que igualmente a decomp õem. Em termos bioqu í micos a contribuiçã o dos
fungos para a formiga consiste no sistema enzimá tico para a degrada ção da celu ¬
lose. O material fecal da formiga cont é m enzimas proteolíticas que faltam aos fungos,
pelo que as formigas contribuem com os seus sistemas enzim áticos para a degra ¬
daçã o da prote í na. A simbiose pode ser considerada como uma alian ça metabólica
em que os metabolismos do carbono e do azoto dos dois organismos foram inte ¬
grados». A coprofagia, ou a reingest ão de fezes, que surge como sendo caracter í stica
dos detrit í voros ( ver página 46) , pode provavelmente ser considerada como um caso
de mutualismo muito menos elaborado, embora muito mais expandido, que agrega
os metabolismos do carbono e do azoto de microrganismos e animais ( isto é , o
conceito de « r men externo», que foi sugerido anteriormente ).
A ciclagem mineral, assim como a produ çã o de alimento, é refor çada pela sim ¬
biose entre microrganismos e plantas. O primeiro exemplo são as micorrizas ( = raiz-
-fungo), envolvendo o micé lio dos fungos que vivem em associação mutualista com
as raízes vivas das plantas ( não confundir com os fungos parasí ticos que matam as
ra ízes). Como no caso das bact é rias fixadoras de azoto e as leguminosas, os fungos
interagem com o tecido radicial para formar «órgã os» que aumentam a capacidade da
planta para extrair minerais do solo. Em contrapartida, naturalmente, os fungos sã o
abastecidos pela planta com alguns do produtos fotossintetizados. Como se ilustra
na Figura 7-39 as micorrizas tomam formas diversas:
1 . Micorrizas ectotr óficas , fundamentalmente basidiomicetes , formando
extensões semelhantes a raizes que crescem no exterior da casca da raiz ( Figura
7-39 A ); conquanto conspícuas, não são aparentemente o tipo dominante nem t ão
pouco o mais efectivo em solos deficientes em minerais.
2 . Micorrizas endotr óficas, fundamentalmente ficomicetes, que penetram no
interior das cé lulas da raiz ( Figura 7-395); encontram-se muito expandidas nas ra ízes
das árvores sendo poré m dif í ceis de cultivar e de estudar.
3. Micorrizas peritr óficas (ou extramatriciais), que formam mantos ou agre¬
gados à volta das ra í zes ( Figura 7 - 39 C e D ) , embora o micé lio n ã o penetre na
epiderme da raiz ; consideram - se como sendo muito importantes na cria çã o de
um « ambiente rizosf érico» qu í mico favorável que transforma minerais insol ú veis, ou
indispon í veis, em formas que podem ser apanhadas pelas ra ízes ( ver Wilde, 1968).
Muitas árvores não cresceriam sem micorrizas. As árvores da floresta trans¬
plantadas para solos de pradaria, ou introduzidas numa regiã o diferente , frequente-
mente não crescem a menos que sejam inoculadas com os fungos simbióticos. Os
pinheiros com micorrizas sã s associadas crescem vigorosamente em solo t ão pobre
para os padrões agrícolas convencionais que neles não sobrevive o milho ou o trigo.
Os fungos sã o capazes de metabolizar fósforo e outros minerais «indispon íveis» por
372

quelaçã o ( ver páginas 36 e 45 para efeitos de explicação deste processo) ou por


outros mecanismos que ainda não estão bem compreendidos. Quando se adicionam
ao solo minerais marcados (fósforo traçador radioactivo, por exemplo), a massa
micorr ízica podetá apanhar rapidamente cerca de 90 por cento, com posterior liber ¬
tação lenta para a planta. O papel das micorrizas na reciclagem mineral directa tem
import ância nos tró picos, e a necessidade de culturas com sistemas semelhantes de
reciclagem sã o postas em destaque nas Secções 7 e 8 do Capítulo 4 (e novamente no
Capí tulo 14, página 588). Ver Harley (1959), Rovira (1965) e Wilde (1968) para efeitos
de informação adicional sobre o mutualismo entre os microrganismos e as raízes.
Os lí quenes, como é bem conhecido, são uma associação de fungos e algas
específicos que é tão í ntima, em termos de interdepend ê ncia funcional, e morfolo¬
gicamente t ão integrada, que forma uma espécie de terceiro reino de organismos
que n ão se assemelha a qualquer dos seus componentes. Os lí quenes sã o usualmente
classificados como «esp é cies» singulares muito embora sejam compostos de duas
espécies não aparentadas. Enquanto que os componentes podem com frequ ê ncia
ser cultivados separadamente no laborat ó rio, a unidade integrada é dif ícil de cul¬
tivar não obstante ser capaz de existir na natureza sob condições severas ( os lí que¬
nes são com frequ ê ncia a planta dominante na rocha nua ou no árctico). Os líquenes
são també m interessantes porque dentro do grupo se encontra prova de uma evo¬
lu ção do parasitismo para o mutualismo. Em alguns dos lí quenes mais primiti ¬
vos, por exemplo, os fungos penetram realmente as células das algas como se
ilustra na Figura 7-40 A, e são assim essencialmente parasitas das algas. Nas esp é cies
mais avan çadas, o micélio do fungo ou hifa n ão penetra as células da alga, vivendo
ambos em completa harmonia (Figura 7-405 e Q. O «modelo lí quen » constante da
Figura 7-40 é porventura um sí mbolo para o homem. At é agora o homem tem geral-

A B C
as hifas do fungo as hifas do fungo as hifas do fungo est ão muito
penetram mesmo as entrelaç am- se com apertadas contra as c é lulas da
c é lulas da alga filamentos da alga alga mas n ão as penetram

Figura 7-40. Uma tend ê ncia na evolu çã o do parasitismo para o mutualismo nos l í quenes. Nalguns
l í quenes primitivos os fungos penetram mesmo as cé lulas das algas, como ilustra o diagrama A . Nas
esp é cies mais avan çadas os dois organismos vivem em maior harmonia com m tuo benef í cio , como
em B e C. (Segundo Odum , 1963.)
373

mente actuado como um parasita no seu ambiente autotr ófico, apanhando o que
-
pretende com pouca aten çã o relativamente ao bem estar do seu hospedeiro. As grandes
cidades são planeadas e crescem sem que se d ê qualquer aten ção ao facto de serem
parasitas do espa ço rural, que de uma forma ou de outra fornece alimento, água, ar,
e de degradarem quantidades imensas de resí duos. É obviamente tempo do homem
evoluir para a fase de mutualismo nas suas relações com a natureza uma vez que
é um heterotr ófico dependente e que a sua cultura é cada vez mais dependente
de recursos e deles crescentemente necessitada. Se o homem nã o aprender a viver
mutualisticamente com a natureza, ent ão, à semelhan ça de um parasita «impru ¬
dente» ou «inadaptado», pode explorar o hospedeiro at é ao ponto de se destruir
a si pr ó prio .
Veja - se o simpósio editado por Nutman e Masse ( 1963 ) e Henry ( 1966 )
para efeitos de um resumo geral das associa ções simbió ticas. A rela çã o entre o
homem e as plantas e os animais domesticados, que poder á considerar-se como uma
forma especial de mutualismo, é analisada no pr óximo capí tulo. No Cap í tulo 12
encontram-se examinadas associações entre corais e algas como um outro caso impor ¬
tante de rela ções mutualistas que refor çam a reciclagem de nutrientes e a produti ¬

vidade do ecossistema tomado no seu conjunto.


375

Capítulo 8 - A ESPÉCIE E O INDIVÍDUO


NO ECOSSISTEMA

1. CONCEITOS DE HABITAT E DE NICHO ECOLÓGICO

Enunciado

O habitat de um organismo é o local onde este vive , ou o local onde se


deverá ir procurá-lo. O nicho ecológico, por outro lado, é um termo com maior â mbito
que inclui, não apenas o espaço físico ocupado por um organismo, mas també m o
seu papel funcional na comunidade (como, por exemplo, a sua posição tróí f ca) e
a sua posição nos gradientes ambientais de temperatura, humidade, pH, solo e outras
condições de existência. Estes três aspectos do nicho ecológico podem ser conve¬
nientemente designados como nicho espacial ou de habitat, nicho tráfico e nicho mul -
tidimensional ou de hipervolume. Consequentemente, o nicho ecol ógico de um orga¬
nismo depende não apenas do s í tio onde vive mas também daquilo que faz (como
transforma energia, se comporta, responde ao seu ambiente f ísico e biótico e o
modifica), e da forma como é constrangido por outras espécies. Por analogia, pode
dizer-se que o habitat é a «morada» do organismo, e que o nicho é a sua «pro¬
fissão», biologicamente falando. Uma vez que a descri ção de um nicho ecológico
completo para uma dada espécie incluiria um conjunto infinito de características
biológicas e de parâmetros f ísicos, o conceito é mais ú til, e quantitativamente mais
aplicá vel, em termos de diferenças entre espécies ( ou da mesma espécie em duas
ou mais localizações) quanto a uma ou a um pequeno n ú mero de caracterí sticas prin ¬
cipais ( isto é, operacionalmente significativas).
376

Explicação

O termo habitat é profusamente utilizado, n ão apenas em ecologia mas por


toda a parte . Geralmente considera- se que significa simplesmente o lugar onde vive
um organismo. Assim, o habitat do insecto aquá tico do g é nero Notonecta , ilustrado
na Figura 8-2, são as áreas de águas superficiais (zona litoral) das lagoas e dos lagos ;
é aqui que se irá colher este organismo particular. O habitat de uma planta de Tril¬
lium é uma situa ção h mida e ensombrada numa floresta caducif ólia madura; é nela
que se poder á encontrar plantas de Trillium. Diferentes espé cies do g é nero Notonecta
ou Trillium podem ocorrer no mesmo habitat geral embora exibam pequenas dife ¬
ren ças de localização, caso em que se diria que o micro-habitat é diferente. Outras
espécies destes g é neros apresentam diferen ças quanto a habitat amplo, ou macro -
-habitat.
O habitat també m pode referir-se ao local ocupado por uma comunidade
completa. Por exemplo, o habitat da «comunidade de pradaria de salvia de terrenos
arenáceos» é a série de cumieiras de solo arenoso que ocorre ao longo das margens
norte dos rios na parte sul da região dos Estados Unidos da Amé rica conhecida por
Great Plains. Neste caso o habitat consiste principalmente de complexos í f sicos ou
abióticos, ao passo que o habitat na acepção utilizada nos casos atrás referidos
das espé cies de Notonecta e de Trillium compreende tanto elementos vivos como
n ão vivos. Assim, o habitat de um organismo ou de um grupo de organismos ( po ¬

pula çã o ) inclui outros organismos assim como o ambiente abi ótico. Uma descri çã o
do habitat da comunidade incluir á apenas o ú ltimo. É importante reconhecer estas
duas utiliza ções possíveis do termo habitat por forma a evitar confus ões.
O nicho ecol ógico é um conceito mais recente que se n ão encontra apreen ¬
dido de uma forma tão generalizada fora do campo da ecologia. Houve ocasião de
introduzir o conceito no capítulo anterior em conexão com a an á lise da competição
( ver página 344 ). Os termos amplos, como o caso de nicho, embora ú teis, são dif íceis
de definir e de quantificar ; o melhor mé todo consiste em considerar as componentes
do conceito de um ponto de vista hist órico. Joseph Grinnell (1917 e 1928) utilizou
a palavra nicho «como o conceito da unidade de distribuição ú ltima, em cujo seio
cada espé cie é mantida pelas suas limitações estruturais e instintivas ... n ã o podendo
duas espé cies com o mesmo territ ó rio geral ocupar durante bastante tempo um nicho
ecológico que seja identicamente o mesmo». (Incidentalmente , o ú ltimo enunciado
antecipa a demonstração experimental de Gause do princí pio da exclusã o competitiva;
ver Capítulo 7 , página 344 ). Assim, Grinnell pensou no nicho fundamentalmente em
termos de micro-habitat, ou do que se chamaria no presente o nicho espacial. Em In ¬
glaterra Charles Elton (1927 e publicações posteriores) foi um dos primeiros a utilizar
o termo «nicho» no sentido de «estado funcional de um organismo na sua comuni¬
dade ». Em consequ ê ncia da grande influ ê ncia que exerceu no pensamento ecol ógico,
377

aceitou -se de um modo geral que o nicho não é de maneira nenhuma sin ó nimo de
habitat. Uma vez que Elton destacou as rela ções de energia, a sua versã o do conceito
poder á considerar-se o nicho tráfico. Foi sugerido por G . E. Hutchinson (1957 a) que
o nicho poderia ser visualizado como um espa ço multidimensional ou hipervolume
no interior do qual o ambiente permite ao indiv íduo ou à espécie viver indefinida-
mente . O nicho de Flutchinson, que pode ser designado como o nicho multidimen ¬

sional ou nicho de hipervolume , é suscept ível de medi ção e de manipulação mate ¬


m ática. Por exemplo, os clim ógrafos bidimensionais apresentados na Figura 5-10,
que figuram o « nicho clim á tico» de uma espé cie de ave e de uma mosca do g é nero
Drosophila, poderiam ser desenvolvidos como uma s é rie de coordenadas para incluir
outras dimens ões ambientais. Hutchinson també m estabeleceu uma distin ção entre
o nicho fundamental o máximo «hipervolume abstractamente habitado» quando a
espé cie n ã o est á coibida por competi çã o com outras e o nicho realizado hiper ¬
volume mais pequeno ocupado sob coacçõ es bi ó ticas. Veja -se Hutchinson ( 1965)
para efeitos de an álise adicional do conceito de nicho de hipervolume.
Volte- se, de momento, à simples analogia da «morada » e da « profissã o»
mencionada atr á s. Caso se deseje conhecer pessoalmente uma dada pessoa na
comunidade humana a que se pertence será preciso conhecer , em primeiro lugar ,
a respectiva direcçã o, isto é, onde poderá ser encontrada. Para ficar realmente a
conhecê-la é preciso poré m saber mais alguma coisa do que a vizinhan ça onde vive
ou trabalha. Será preciso querer saber alguma coisa sobre a sua ocupa çã o, os seus
interesses, as pessoas das suas rela ções e o papel que desempenha na vida geral da
comunidade. Passa- se o mesmo com o estudo dos organismos; conhecer o habitat
não é mais do que o começo. Para determinar o estatuto do indiv íduo na comuni¬
dade natural ser á preciso conhecer alguma coisa sobre as suas actividades , especial ¬
mente as respectivas fontes de nutrição e de energia; igualmente a sua taxa de meta ¬
bolismo e crescimento, os seus efeitos sobre outros organismos com os quais entra
em contacto e a extensão at é onde modifica ou é capaz de modificar processos
importantes no ecossistema.
MacArthur (1968) destacou que o termo ecol ógico «nicho» e o termo gen é ¬
tico «fen ótipo» sã o conceitos paralelos no sentido em que ambos envolvem um
n ú mero infinito de atributos, ambos incluem algumas ou todas das mesmas medi¬
ções, e ambos são muito ú teis para determinar diferenças entre indiv íduos e entre
espécies. Deste modo, os nichos de espé cies semelhantes conjuntamente associadas
no mesmo habitat podem ser comparados com precisão quando a compara ção envolve
apenas um pequeno n ú mero de medi ções funcionalmente significativas. MacArthur
compara nichos de quatro espécies americanas de toutinegra ( Parulidae ) todas elas
nidificando no mesmo macro-habitat , uma floresta de píceas, embora busquem o
alimento e nidifiquem em partes diferentes da á rvore. Construiu um modelo mate ¬

m á tico da situação, consistindo num conjunto de equa ções de competiçã o numa


378

matriz, uma t é cnica de «constru ção de modelos» descrita no Capí tulo 10. A partir
deste modelo podem ser realizados todos os tipos de previs ões sobre o que ocor ¬
reria aos nichos caso a abund â ncia relativa de uma das esp é cies se alterasse, ou se
uma ou mais das espé cies n ão estivessem presentes na floresta. Um outro mé todo
para quantificar compara ções de nicho é sugerido por Maguire (1967), que estabelece
«indices de versatilidade» calculados somando os â mbitos de toler â ncia relativos
a factores qu í micos para cada espé cie de protozoá rios que coexistem na mesma lagoa.
As medições de caracterí sticas morfológicas de plantas e animais de maiores
dimens ões podem com frequ ê ncia ser utilizadas como í ndices nas comparaçõ es dos
nichos. Van Valen (1965), por exemplo, verificou que nas aves o comprimento e
a grossura do bico (o bico reflecte, naturalmente, o tipo de alimento que é consu ¬
mido ) constitui um í ndice da «amplitude do nicho» ( veja-se na Figura 7-31 um dia¬
grama da amplitude do nicho em relação com a competi ção intra e interespecífica);
observou -se que o coeficiente de varia ção na espessura do bico é maior nas popu ¬
lações de seis espé cies de aves nas ilhas do que nas populações do continente ,
em correspond ê ncia com um nicho mais amplo ( maior variedade de habitat ocupado
e de alimento consumido) nas ilhas ( ver també m página 352). No seio da mesma
esp écie, a competi ção é com frequ ê ncia grandemente reduzida quando fases dife¬
rentes do ciclo de vida do organismo ocupam nichos diferentes; por exemplo,
no mesmo lago o girino funciona como um herbí voro e a rã adulta como um car ¬
n í voro. Pode mesmo ocorrer segregação de nichos entre os sexos. Num pica- pau
do g é nero Dendrocopus o macho e a f ê mea diferem quanto à dimens ã o do bico e
à conduta na procura de alimento ( Ligon, 1968). Nos b ú tios, assim como em
muitos insectos, os sexos diferem marcadamente no tamanho, e , portanto, nas di ¬
mens ões dos respectivos nichos alimentares.
Dentro dos n í veis tr óficos dos grupos taxon ó micos (aves, insectos, e assim por
)
diante e de comunidades inteiras os tipos de abund ância em espécies proporcio¬
nam, tal como se analisou na Secção 4 do Capítulo 6, dados sobre a natureza
das relações do nicho em grupos de espé cies que est ão estreitamente associadas
no mesmo macro- habitat , do ponto de vista ecológico. Como se referiu resumida¬
mente na página 242, há vários enunciados matemáticos simples, ou de primeira
ordem , que imitam as distribui ções da abund â ncia em espécies. Uma vez que a
forma segundo a qual as espécies componentes «repartem » o espa ço do nicho
dispon ível ou «hipervolume » tem grande influ ê ncia sobre o tipo de distribuição
da abund â ncia em espé cies, pode-se algumas vezes inferir alguma coisa sobre os
nichos das espécies individuais a partir do tipo de distribui ção da abund â ncia em
espé cies exibida pelo grupo. Por exemplo, se a espé cie mais abundante é duas vezes
mais numerosa do que a que se lhe segue em abund â ncia, a qual de sua parte
tem duas vezes a densidade da terceira, e assim por diante, obter-se-á uma recta
quando numa escala logar í tmica se representa o n mero de indivíduos por espécie
379

em ordenadas e a sequ ê ncia das espécies ( da mais abundante para a menos abun ¬
dante) no eixo das abcissas, como se ilustra na Figura 8-1 ( curva A). A partir dela
poderá admitir-se que a primeira espécie ocupa metade do espa ço do nicho dispo¬
n í vel, a segunda metade do espaço remanescente (25 por cento do total), e assim por
diante. Se, por outro lado, o espa ço do nicho é dividido casualmente em segmentos
n ão sobrepostos, cont íguos, deverá obter-se uma curva inteiramente distinta, como
tamb é m se ilustra na Figura 8-1 (curva B). Estas duas possibilidades representam o
que parece ser os extremos, com a maior parte das distribui ções naturais exibindo
algum tipo de curva sigmóide interm édia ( curva C na Figura 8-1), sugerindo um
padrão mais completo de diferencia ção e sobreposi ção parcial de nicho (Whittaker,
1965). MacArthur (1957 e 1960) sugere que, examinando as distribui ções da abun ¬
d â ncia em espécies, se poderiam detectar tr ês arranjos de nicho, designadamente,
o padr ão casual, cont íguo, n ão sobreposto acabado de referir , o padrã o discreto ( ni ¬
chos n ã o sobrepostos que n ão sã o adjacentes) e um padr ão sobreposto. Os grupos
que exibem uma competi çã o interespecííica intensa e uma conduta territorial , como
sejam as aves da floresta , tendem a harmonizar-se com a hip ótese do nicho n ão
sobreposto, embora muitas popula ções, especialmente aquelas que pertencem ao
mesmo n ível tr óFico bá sico, exibam padr ões que sugerem o nicho sobreposto e
padr ões de competi çã o que nã o a estrita exclusã o competitiva . Whittaker (1965)
observou que se encontram curvas aproximando-se da simples sé rie geom étrica
(A na Figura 8- 1) em algumas comunidades de plantas em ambientes rigorosos,

1000

-
Figura 8 1. Curvas de dom í nio- diversidade para
uma amostra hipot é tica de 1000 indiv í duos em
100 20 espé cies de uma comunidade . Os n meros de
indiv íduos na esp écie ( ordenada ) est ã o represen ¬
tados relativamente ao n ú mero de esp é cies na
§ sequ ê ncia , desde a mais abundante at é à me ¬
Q
nos abundante ( abcissa ). A . S é rie geom é trica .
B. Hip ó tese de nichos casuais, n ã o sobrepostos.
Q
C. Padrã o sigm ó ide interm é dio ; ver texto para
explica ção . (Reproduzido de Whittaker, 1965. )
O 10
cr
w
O

5 10 15 20
SEQUÊ NCIA DE ESPÉ CIES
380

embora na maior parte das comunidades maduras as populações de plantas se sobre ¬


ponham no uso do espaço e dos recursos, como já foi indicado na Secção 3 do
Capí tulo 6. As plantas terrestres, tal como muitos animais, coexistem aparentemente
sob condições de competiçã o parcial mais do que de competi ção directa; algumas das
adaptações que promovem a diferencia çã o do nicho sem exclusã o de um dado habitat
por competiçã o são consideradas nas secções seguintes ( ver tamb é m o «modelo
Tribolium-Trifolium», Quadro 7-9 e Figura 7-29).

Quadro 8-1
Segregação por Nichos em Miriápodes ( Diplópode) de Acordo com a Percentagem
de Ocorrência no Chão de uma Floresta de Carvalho e Bordo *
ESPÉ CIES

Euryurus Pseudo- Narceus Scytonotus Foní aria Cleidogonia


MICRO-HABITATS erythro
pygus
polydesmus
serratus
america-
nus
granu-
latus
virgi
niensis
- caesio - Abacion
annularis lacterium

Cerne no centro dos toros 93,91 0 0 0 0 0 0


Lenho superficial dos toros 0 66 ,7 4,3 6,7 0 14,3 0
Superfí cie exterior do lenho
sob a casca 0 20,8 71,4 0 0 0 0
Debaixo do toro, mas na su-
perfície deste 3,0 8,3 6,9 60,0 0 0 15,8
Debaixo do toro, mas na su -
perf í cie do ch ão 3,0 4,2 12,5 0 97,1 14,3 36,8
Entre as folhas da folhada 0 0 0 26,7 0 42,8 0
Sob a folhada na superfí cie
do chã o 0 0 4,7 6,7 2,9 28,6 47 ,4
* Segundo 0 Neil , 1967.
t Os n ú meros em itálico representam micro-habitats em que as espécies predominam .

Exemplos

Exemplos de nicho espacial, de nicho tr ófico e de nicho multidimensional


( hipervolume) encontram-se ilustrados no Quadro 8- 1 e Figuras 8- 2, 8-3 e 8- 4. A se ¬

grega çã o do micro-habitat de sete esp é cies de centopeias encontra-se indicada pelos


dados constantes do Quadro 8-1. Todas estas esp é cies vivem no mesmo habitat
geral, concretamente o solo de uma floresta de carvalho e bordo em Illinois, e per ¬
tencem ao mesmo n ível tr ófico básico, isto é , são todas elas consumidoras de detritos.
Como se ilustra, cada esp é cie predomina num micro- habitat distinto. Presumivel ¬
mente cada espé cie vai utilizando uma fonte um tanto distinta de energia uma vez
que o estado da decomposição e a microflora se alterar ã o, no gradiente , do centro
do toro à posição sob a folhada. A Figura 8-2 representa dois percevejos aqu á ticos
semelhantes que podem ser colhidos na mesma amostra retirada de uma pequena
381

lagoa dominada pela vegetaçã o, embora ocupando nichos tróficos muito diferentes.
O insecto do g é nero Notonecta é um predador activo que nada de um lado para
outro apresando e comendo outros animais da sua ordem de grandeza. Em contraste,
o insecto do g é nero Corixa, embora se pare ça muito com o anterior, desempenha
um papel muito diferente na comunidade uma vez que se alimenta principalmente
da vegetaçã o em deteriora çã o. A Figura 7-32 mostra um outro exemplo de separa çã o
de nicho baseada em há bitos alimentares de espé cies coexistentes que utilizam
uma fonte distinta de energia.

-
Figura 8 2. Notonecta ( es ¬
txp- y
querda ) e Corixa ( direita ) ,
dois percevejos ( Hemiptera )
aqu á ticos que podem viver no
mesmo habitat ocupando , po ¬
ré m , diferentes nichos tr ó ficos ,
em virtude de diferen ças nos
h á bitos alimentares.

Dois diagramas, um geral ( Figura 8-3) e um espec í fico ( Figura 8- 4), ilustram
o conceito de nicho multifactor. Quando os nichos se sobrepõem numa ampla exten ¬
sã o, como se ilustra na Figura 8-35, a selecçã o natural pode favorecer um processo
de deslocamento de nicho ( como o indicado pelas setas ), envolvendo mudan ça
no habitat, na selecção de alimento, morfologia, fisiologia, ou conduta de uma ou
ambas as espécies; mais adiante voltar -se-á ao assunto. O diagrama ( Figura 8- 4) do

-
Figura 8 3. Representa çã o esquem á tica do conceito
de hipervolume do nicho ecol ógico. A base ponteada
representa factores do ambiente ( temperatura , recursos
alimentares, minerais, outros organismos ) projectados so ¬
bre o plano . Os pol í gonos irregulares incluem conjuntos
de factores que s ã o significativamente operacionais para
.
a popula çã o de uma espé cie. Em A duas espé cies ocupam
nichos n ão sobrepostos, enquanto que em B. os nichos
de duas esp é cies se sobrep õ em numa extensã o tal que
a competi çã o severa por recursos compartilhados po ¬ B
der á determinar a elimina çã o de uma das esp é cies , ou
uma diverg ê ncia de nichos como se indica pelas setas.
' Reproduzido de Bruce Wallace e A. M . Srb. Adaptation.
Prentice - Hall , Englewood Cliffs , New Jersey . )
382
NICHO CLIMÁTICO - CARDINALIS
50
limites superiores
_ de tolerâ ncia
40 Ventoso ( 1000 cm s l )
Vento fraco ( 10 cm s- ' )
30
O
o
/ \ /
cc 20 / ( Zona
o
< Noite V \
\
/
/
Té rmica
Q
<
I0 ( Sombra )
/ \ /
Neutra
ventosa
CC
3
I- 0 - / /7
/
/

Zona
<
CC
/ Ninho y
/
/ Té rmica Neutra
£ - 10 / / Vento fraco
LU
-
I -20 so ,
- 30
/ \' r '
/ \ limites inferiores
- 40 /
/
de toler â ncia
i / i » 1 1 1 i

0 I 2 3 4 6 7 8 5 9 1.0 l. l
RADIAÇÃ O ABSORVIDA - cal cnrr min
2 - 1

Figura 8-4. Nicho clim á tico para uma ave pequena ( Cardinalis cardinalis ) , ilustrando rela ções entre
temperatura do ar, radia çã o absorvida por cm 2 de superfí cie do animal e velocidade do vento, enquanto
configuram as condi ções sob as quais o organismo pode sobreviver. As condi ções t é rmicas neutras sã o
aquelas em que a ave n ã o se encontra sob pressão t é rmica . Note-se como o vento e a exposi ção alteram
grandemente os limites de tolerâ ncia . (Reproduzido e simplificado a partir de Gates, 1969 a . )

nicho climá tico de uma pequena ave, Cardinalis cardinalis, mostra os limites de tole ¬
râ ncia e a zona mais confortável , na qual se encontra dispon í vel o máximo de energia
para as actividades, para al é m da manuten ção e da sobrevivê ncia. A adapta ção de
conduta ( por exemplo, permanecendo em lugares abrigados durante os dias frios e
ventosos) permite à ave evitar os limites superior e inferior de tolerâ ncia, com a
condiçã o de que exista alimento dispon í vel que faculte a energia necessá ria.

2. EQUIVALENTES ECOLÓGICOS

Enunciado

Os organismos que ocupam o mesmo nicho ecol ógico ou nichos ecol ógicos
semelhantes em diferentes regiões geográficas são conhecidos por equivalentes ecoló-
383

gicos. As esp é cies que ocupam nichos equivalentes tendem a ser estreitamente
aparentados do ponto de vista taxon ómico em regi ões contíguas , embora com fre ¬
qu ê ncia nã o o sejam em regi ões que se encontram muito separadas ou isoladas uma
da outra.

Explicação e Exemplos

Como será descrito com mais detalhe na Parte 2, a composi ção em esp écies das
comunidades difere grandemente em regi ões biogeogr áí f cas distintas, poré m desen ¬
volvem-se ecossistemas semelhantes onde o habitat físico é similar, independente ¬
mente da localiza ção geográfica. Os nichos funcionais equivalentes est ão ocupados por
grupos biol ógicos equivalentes, qualquer que seja a composição da fauna e da flora da
região. Assim , um ecossistema do tipo pradaria desenvolve-se onde quer que ocorra
um clima de pradaria ( ver página 192), embora as espé cies de ervas e os animais de
pastoreio possam ser bastante diferentes especialmente onde as regi ões se encontram
muito apartadas. A comparação tabular seguinte de grandes herbívoros de pastoreio
de pradarias de quatro continentes ilustrará o conceito de equivalê ncia ecológica:

América
do Norte Eurá sia Á frica Austrá lia

bisonte, saiga, cavalos numerosas espé- os grandes


pronghorn selvagens, cies de ant í lope, cangurus
antílope burros selvagens zebra , etc.

Poderá dizer-se « que os cangurus da Austrá lia sã o ecologicamente equivalentes ao


bisonte e ao ant ílope pronghorn, ou antilocarpo, da Am é rica do Norte ; ou poder-
-se-á porventura dizer «eram», uma vez que as manadas e os rebanhos do homem
os substitu íram largamente em ambas as regiões. As pastagens naturais em que os
herb í voros se alimentam apresentam uma aparê ncia muito semelhante por todo o
mundo mesmo que as espé cies, e com frequ ê ncia g é neros e fam í lias inteiras, possam
estar estritamente confinados a um dado continente, ou região biogeográfica dentro
de um continente ( ver Figura 14-1). Ilustram-se no Quadro 8-2 ( um exemplo retirado
do habitat marinho) equivalentes ecológicos em trê s nichos tr óficos de quatro re ¬
giões costeiras. Observe-se que as «litorinas» herbívoras equivalentes pertencem ao
mesmo género, embora os carn í voros b ênticos equivalentes, que diga-se de passagem
são recursos alimentares marinhos importantes nas respectivas regiões, perten çam
a g é neros distintos.
384

Quadro 8-2
Equivalentes Ecológicos em Três Nichos Principais de Quatro Zonas Costeiras
da América do Norte e Central
COSTA OCIDENTAL COSTA ORIENTAL
NICHO TROPICAL SUPERIOR COSTA DO GOLFO SUPERIOR

Herb ívoros nas rochas in- Littorina L. danaxis L. irrorata L. littorea


tercotidais ( b ú zios) ziczac L. scutelata
Carn ívoros b ê nticos Lagosta Caranguejo Caranguejo Lagosta
( Panulirus) ( Paralithodes) ( Menippe) ( Homarus)
Peixes que se alimentam Anchova Arenque do Pací- Savelha, Arenque do
de pl âncton fico, Sardinha Barbado Atlâ ntico,
outro arenque

3. DESLOCAMENTO DE CAR ÁCTER : SIMPATRIA E ALOPATRIA

Enunciado

As esp écies que ocorrem em diferentes regiõ es geográficas ( ou est ão sepa ¬

radas por uma barreira espacial) diz-se serem alopátricas, ao passo que as que
ocorrem na mesma área (embora não necessariamente no mesmo nicho) diz-se

ALOPATRIA

SIMPATRIA

Figura 8-5. Um exemplo de deslocamento de car á cter . Duas esp é cies de trepadeiras ( aves do
g é nero Sitia ) s ã o muito semelhantes em alopatria (separadas geograficamente ), mas divergem no tamanho
do bico e na pigmenta çã o facial em simpatria ( quando ocorrem juntas). ( Esbo ç os baseados em exemplares
fotografados em Vaurie, 1951. )
385

serem simpátricas. As diferen ças em espé cies estreitamente relacionadas s ão com


frequ ê ncia acentuadas (isto é, divergem ) em simpatria e reduzem-se (isto é, con ¬
vergem) em alopatria por um processo evolucion ário conhecido por deslocamento
de cará cter.

Explicação e Exemplos

Brown e Wilson (1956) explicam o fen ó meno do deslocamento de cará cter


como se segue:
Duas espé cies estreitamente aparentadas t ê m â mbitos sobrepostos. Nas partes dos
â mbitos onde uma espé cie ocorre sozinha, as popula ções desta espé cie são semelhantes à s
da outra espé cie e pode mesmo ser dif ícil distingui-las. Em á rea de sobreposição , onde
as duas espé cies ocorrem conjuntamente , as populações são mais divergentes e facilmente
distingu í veis, isto é, elas «deslocam -se» uma da outra em uma ou mais caracter í sticas. Os
caracteres envolvidos podem ser morfol ógicos, ecol ógicos, de conduta, ou fisiol ógicos; admi-
te-se terem fundamento gené tico. (*)

É importante real çar a natureza dupla deste padr ã o em que espécies mostram des¬
locamento quando s ão simpátricas ( = pátria comum ) e converg ê ncia activa quando
são alopátricas ( = de pátrias distintas). O deslocamento de car ácter tem dois valores
de adaptação ; (1) refor ça o deslocamento de nicho ( ver secção pr évia e Figura 8-3),
reduzindo assim a competição, e (2) refor ça a segregação gen é tica mantendo a dis¬
tin ção entre as espé cies (isto é, evitando a hibridaçã o) e garantindo deste modo uma
maior diversidade de espécies na comunidade ( relativamente ao que aconteceria no
caso de uma espécie eliminar a outra, ou com ela se hibridar numa s ó espé cie ).
Entre os exemplos citados por Brown e Wilson (1956) encontra-se o caso de
duas espé cies de aves trepadeiras ( Sitta), como está descrito por Vaurie ( 1951). Onde
as duas esp é cies s ão alopá tricas, cada uma é tão parecida com a outra que os
espé cimes apenas podem ser distinguidos por um especialista em taxonomia das
aves . Onde as duas esp é cies são simpá tricas, h á uma divergê ncia clara na morfologia de
tal forma que se podem distinguir à primeira vista; numa das espécies o bico e a
faixa facial negra tornam-se maiores, enquanto na outra estas caracter ísticas se redu ¬

zem, como se ilustra na Figura 8-5. Assim a acentuada diferen ça na dimens ão do


bico reduz a sobreposição do nicho alimentar , e a diferen ça consp ícua na faixa facial
refor ça o reconhecimento da esp é cie e evita o intercruzamento ou pelo menos
reduz o desperd ício de energia que poderia resultar do acasalamento sem sucesso
ou infrutífero com a espécie errada.
(*) De Brown , W . L. , Jr. e Wilson , E. O.: Systematic Zoology , 5 ( 2), 1956.

25
386

Outro exemplo not á vel ocorre entre os famosos «tentilh ões de Darwin » nas
Ilhas Gal á pagos ( recorde-se que a visita de Darwin a estas ilhas da Amé rica do Sul
influenciou grandemente o desenvolvimento da sua teoria da selecção natural).
Como foi descrito por Lack ( 1947), duas espé cies de tentilh ões do g é nero Geospiza ,
ocorrendo juntas em ilhas maiores, diferem na dimensã o do corpo e nas propor¬
ções do bico. Nalgumas das ilhas mais pequenas, contudo, uma ou a outra espé cie
pode ocorrer isolada , caso em que , qualquer delas, é quase exactamente interm é dia
quanto à dimensão e à configuraçã o do bico (a tal ponto que se julgou inicialmente
tratar- se de h íbridos). Assim, cada espécie alopátrica convergiu para a outra, enchendo
parcialmente , de certo modo, o outro nicho. MacArthur e Levins ( 1967) sugeriram
que a converg ê ncia de car á cter , em vez do deslocamento, poder á ocorrer quando
uma terceira espécie competidora invade o territ ó rio ocupado pelas duas espé cies
já em competi çã o em nichos parcialmente sobrepostos.

4. SELECÇÃ O NATURAL : ESPECIAÇÃ O ALOPÁTRICA E SIMPÁTRICA

Enunciado

A esp écie é uma unidade biol ógica natural mantida pelo facto dos seus ele ¬
mentos compartilharem um depósito comum de genes (Merrell, 1962). A especia ção,
ou formação de novas espé cies, e o desenvolvimento da diversidade em espé cies,
ocorrem quando a corrente de genes no interior do depósito comum é interrompida
por um mecanismo de isolamento . Quando o isolamento ocorre por separa çã o geo¬
gr áfica das popula çõ es que descendem de um antepassado comum , pode resultar a
especiação alopátrica. Quando o isolamento resulta de condi ções ecol ógicas ou gené ¬
ticas dentro da mesma área, é possível a especiação simpátrica.

Explicação e Exemplos

A teoria da evolu çã o biológica, envolvendo a selecção natural darwiniana e a


muta ção gen é tica a n í vel da espé cie, é t ão bem conhecida pelos estudantes e est á
t ão bem descrita nos textos b ásicos de biologia e em numerosos pequenos volumes
( ver , por exemplo , Savage , 1969 ; Wallace e Srb , 1961; Volpe , 1967) , que não é
necessá rio proceder aqui à sua revisão. Com vista a criar uma base para os aspectos
mais dif íceis e mais controversos da evolu ção ao n ível do ecossistema, a ser dis ¬
cutida no pr óximo capí tulo, é preciso considerar nesta altura os conceitos contras ¬
tantes da especia ção alopá trica e simpá trica.
387

A especia ção alopá trica tem sido geralmente admitida como o principal meca ¬
nismo atravé s do qual as espé cies surgem . De acordo com este ponto de vista con ¬
vencional, dois segmentos de uma popula çã o que se cruza livremente ficam espa ¬
-
cialmente isolados ( como numa ilha ou separados por uma cadeia de montanhas).
Com o correr do tempo acumulam-se no isolamento diferen ças gen é ticas suficientes
para que os segmentos já nã o possam trocar genes (intercruzar -se ) quando voltam
a ficar juntos, pelo que coexistem como espé cies distintas em nichos diferentes
( ou porventura estas diferen ças resultem ainda mais acentuadas por acção do pro¬
cesso adicional do deslocamento de car ácter ). Os tentilh ões das Galá pagos, referidos
na secçã o anterior, constituem um exemplo clássico da especia çã o alopá trica. A partir
de um antepassado comum todo um grupo inteiro de espé cies evolucionou em
isolamento em diversas ilhas e irradiou tanto em mat é ria de adapta çã o que , no
momento da reinvasão, foi explorada uma diversidade de nichos potenciais; as
espé cies agora presentes compreendem insect ívoros de bico delgado e comedores de
sementes de bico grosso, espé cies que se alimentam no solo e outras que o fazem
nas á rvores, tentilhõ es de corpo grande e outros de corpo pequeno, e at é um tenti¬
lhão, Camarhynchus pallidus, parecido com o pica- pau (que, embora dificilmente
possa competir com o pica- pau verdadeiro, é capaz de sobreviver na ausê ncia de inva¬
são por uma popula çã o deste ).
Acumulam-se provas de que a especia çã o simpátrica poder á estar mais espa ¬
lhada e ser mais importante do que se julgava no passado. Isto foi demonstrado
claramente em primeiro lugar nas plantas superiores nas quais os mecanismos de
um tal isolamento gen ético como a poliplá idia ( a duplica ção de conjuntos de cro ¬
mossomas pode produzir isolamento gen é tico imediato), a hibridação, a autofecun-
da çã o e a reprodu çã o assexuada sã o mais comuns do que nos animais. A grande
« invasão» dos sapais da Gr ã- Bretanha constitui um bom exemplo de especia ção
quase «instant â nea» resultante da interrupção do isolamento geográfico provocada
pelo homem, seguida de hibridaçã o e de polipló idia. Quando se introduziu nas Ilhas
Brit â nicas a gramí nea Spartina alternijlora, esta cruzou-se com a espé cie nativa, S. ma
¬

rí tima, para produzir uma nova espé cie polipl óide, S. townsendii, que agora invadiu
positivamente os baixios lodosos de mar é n ão ocupados pela espé cie ind ígena. À me ¬
dida que os mecanismos de isolamento ecol ógico envolvendo segrega ção de nicho
( como foi analisado em secçõ es precedentes) foram sendo mais claramente com ¬
preendidos, foi-se tornando manifesto que a possibilidade de especia çã o « no acto»
ou simpá trica não está confinada aos mecanismos gen é ticos internos particulares
das plantas. Ehrlich e Raven (1969) citam numerosos casos de estabelecimento,
dispersã o restrita de propágulos, colonizaçã o e outros semelhantes como prova
para suportar a tese de que a corrente de genes na natureza é mais restrita do
que normalmente se julga. Isto equivale a dizer que os tipos de conduta e repro¬
du ção ( ver Secção 5 do Cap í tulo 6 para efeitos de discussão do padr ão nas comu-
388

nidades) tendem a dividir a popula çã o de uma espé cie em segmentos geneticamente


isolados de modo que o intercâ mbio entre col ó nias ou comunidades locais tem lugar
a um ritmo muito mais baixo do que no seio das pr óprias col ónias. Estes autores
també m defendem que se pode produzir diferencia çã o mesmo quando as popula ções
trocam livremente genes, dado que os segmentos da população estão com grande
frequ ê ncia sujeitos a diferente pressão de selecção ecológica. Por exemplo, um pre ¬
dador pode exercer pressã o selectiva num segmento da popula ção e n ã o num outro.
Assim , as populações com cruzamento interno, tal como a espé cie considerada no
seu conjunto, podem constituir unidades evolutivas que produzem adapta çã o e
diversidade nas comunidades. Contudo, é també m possí vel que a selecção natural
ao n í vel da esp é cie e a n í vel inferior não seja mais do que uma parte do processo,
como se ver á no pr óximo capí tulo . Para compreender a evolu ção torna-se claro
que se dever á considerar o espectro completo desde a popula ção local at é ao grande
ecossistema funcional.
Conquanto se considere geralmente a evolu ção como um processo lento, al¬
guma coisa que na maior parte das vezes ocorreu num passado confuso, certos tipos
de especia çã o, tal como se viu no caso da gram í nea de sapal , podem ser muito r á pi ¬
dos e de certo modo uma coisa do «presente», especialmente desde que o homem
come çou a alterar os ambientes e a redispor as barreiras a um ritmo r á pido, no de ¬
sempenho do papel recentemente descoberto de « poderoso agente geológico» ( acerca
do qual se falou no Cap í tulo 2). A pressã o maci ça sobre a paisagem , incluindo a
remoçã o da vegetaçã o natural , n ã o s ó estimula a invasã o por espé cies exóticas que
se tornam «infestantes» ( isto é , prosperam em locais onde não são «desejadas»), mas
també m tais alteraçõ es maci ças e r á pidas podem criar as condições para a evolu ção
r á pida de novas espécies de infestantes que est ã o até melhor adaptadas ao novo
ambiente do que qualquer espé cie pr é - existente ( ver Baker , 1965). Um dos exemplos
mais profusamente citados de selecção natural rá pida ficou conhecido como «mela-
Quadro 8-3
Sobrevivência de Borboletas Pigmentadas de Claro e de Escuro Libertadas em Matas
Escuras ( Troncos das Á rvores Enegrecidos pela Poluição Industrial ) e Claras
( Troncos das Á rvores Cobertos por Líquenes de Cor Clara ) *
MATAS ESCURAS MATAS CLARAS

Borboletas Borboletas Borboletas Borboletas


Escuras Claras Escuras Claras

N mero libertado 154 64 473 496


Percentagem recapturada
(como uma medida de
sobrevivência ) 53 25 6 12

* Dados de Kettlewell , 1956.


389

nismo industrial», ou o caso das borboletas dos troncos das á rvores, Bistonbetularia,
que se desenvolveu em á reas industriais na Inglaterra onde a casca das árvores
ficou muito enegrecida pela polui ção industrial ( mata os l íquenes que d ão à casca
normal uma apar ê ncia clara). Como se ilustra no Quadro 8-3, Kettlewell ( 1956)
demonstrou experimentalmente que as borboletas escuras sobrevivem melhor em
matas enegrecidas ( polu í das) e as borboletas claras em matas naturais, provavelmente
porque a preda ção pelas aves é selectiva para os indivíduos sem coloraçã o protectora.
Este exemplo conduz naturalmente ao tema da selecção directa ou intencional
pelo homem.

5. SELECÇÃO ARTIFICIAL: DOMESTICAÇÃO

Enunciado

A selecção levada a cabo pelo homem com o objectivo de adaptar plantas


e animais à s suas necessidades é conhecida por selecção artificial. A domestica ção
de plantas e animais envolve mais do que modificar a gen ética de uma dada espécie,
uma vez que são necess árias adaptaçõ es recí procas entre a espé cie domesticada e o
domesticador ( usualmente o homem), o que conduz a uma forma especial de mu ¬

tualismo ( ver Secção 19 do Cap í tulo 7). A domesticação pode falhar no seu objectivo
a longo prazo, a menos que a relaçã o mutualista seja ela pr ó pria stiscept ível de adap¬
tação ao n í vel do ecossistema, ou o possa ser atrav és de regulação deliberada.

Quadro 8-4
Acréscimo na Produ ção de Trigo de Inverno nos Países Baixos por Selecção Artificial
de Variedades com Razões Grão / Palha Aumentadas, mas sem Aumento
na Produção Total de Matéria Seca *
PRODUÇÃ O - KILOGRAMAS / HECTARE

Razão
Grão /
VARIEDADE PERÍ ODO Total Grao Palha / Palha

Wilhclmina 1902 - 1932 12 600 6426 6174 0,51


Juliana 1934 - 1947 12 430 6 836 5 594 0,55
Staring 1948 - 1961 13900 8201 5699 0,59
Felix 1958 - 1961 12 830 7 698 5132 0,60
Heines VII 1953 - 1955 11860 7 828 4 032 0,66

Segundo Van Dablen , 1962.


390

Explicação e Exemplos

Como o homem é egoí sta cai na ratoeira de julgar que quando domestica
um outro organismo atravé s da selecção artificial est á meramente a «obrigar » a natu ¬

reza a seguir o seu objectivo. Na realidade, como se compreende, a domesticação


é uma via de dois sentidos que produz alterações (ecol ógicas e sociais, se não
gen éticas) tanto no homem como no organismo domesticado. Deste modo, o homem
é t ão dependente da planta que produz milho como esta é dependente do homem .
Uma sociedade que depende do milho desenvolve uma cultura muito diferente daquela
outra que depende da criação de gado. É uma questã o real esta de se saber quem
se converte em escravo de quem ! A mesma quest ão pode ser colocada considerando
o homem e as suas m áquinas. Porventura a relação entre o homem e o seu tractor
não é muito diferente da que existe entre o homem e o pr ó prio cavalo com que
lavra, com a excep çã o de que o tractor requer uma maior entrada de energia
(combust í vel ) e produz mais resíduos t óxicos! Nestes termos, a domesticaçã o é na
realidade uma forma especial de mutualismo; poderia logicamente ter sido discutida
no Capítulo 7, por é m foi colocada neste de uma forma um tanto arbitr ária tendo em
atenção a sua especial relação com a espéciação.
O Quadro 8- 4 constitui um exemplo de um tipo de selecção artificial em
culturas que faz parte da base da « revolu çã o verde » orientada no sentido de alimentar
.
os milh ões de seres humanos que passam fome. Tal como já foi salientado no
Capítulo 3 e noutras alturas, a selecção com vista à produ ção da parte comest ível
das culturas não significa necessariamente um acr é scimo na produ ção prim ária.
Acima de um certo ponto o aumento da produ ção tem de implicar o sacrif í cio
de alguma outra forma de utiliza çã o adapt á vel de energia; neste caso a produ çã o
alimentada de trigo na sequ ê ncia de uma sé rie de variedades artificialmente seleccio-
nadas acompanha um decr éscimo na produ ção de «palha», produ ção essa que repre ¬

senta o mecanismo de manuten ção autoprotector da planta. As estirpes altamente


melhoradas são, deste modo, n ão só vulneráveis à doen ça, como requerem também
um cuidado especial ao abrigo do qual as máquinas ( tal como potentes e poluidores
produtos qu ímicos) substituem o homem e os animais nas explorações agrícolas, im ¬
plicando portanto alterações profundas na estrutura social, econó mica e pol í tica da
sociedade humana. Estes e outros «reveses ecol ógicos» potenciais, e os meios que
permitem evit á-los, sã o considerados no Capí tulo 15. A quest ã o é que a selecçã o
artificial tem efeitos profundos nos ecossistemas tomados no seu conjunto por
motivo dos ajustamentos compensat órios que ocorrem por selecção natural.
O Dr . I . Lehr Brisbin (*) tem algumas ideias interessantes acerca da domes-

(* ) Instituto de Ecologia da Universidade da Ge ó rgia .


391

ticação animal , e preparou os quatro parágrafos que se seguem para utilizaçã o


neste texto:
A domesticaçã o é um estado de rela çã o existente entre popula ções, na qual uma das
populações (a domesticadora) faz duas coisas à outra ( domesticada) ; em primeiro lugar, a
popula çã o domesticadora actua no sentido de evitar que a selec çã o natural tenha acçã o sobre
o reservat ó rio gen é tico da popula çã o domesticada e, em segundo lugar, a popula çã o domes¬
ticadora impõe um certo regime de selecçã o artificial que ent ã o actua no sentido de deter ¬
minar a futura composi çã o do depó sito de genes da popula çã o domesticada na ausê ncia da
-
selecçã o natural. Deste modo, pode definir se uma população silvestre como aquela cuja
composi çã o do depósito de genes se encontra sob o controlo directo da interacçã o selecçã o
natural - muta çã o no sentido darwiniano; uma população doméstica é aquela cuja futura
composi çã o do depósito de genes se encontra sob controlo directo de algum regime de
selecçã o artificial a ela imposto externamente por qualquer outra popula çã o; e uma popu ¬

la ção feral é aquela cuja composi çã o futura do depósito de genes esteve em dada altura sob
controlo de algum regime de selecçã o artificial, embora no presente esteja sob controlo
directo da interacçã o selecçã o natural - muta çã o.
A interacçã o domestica çã o tem dois tipos de componentes que podem, por conve ¬

ni ê ncia, ser designados por componentes do tipo «A» e do tipo « B ». Os componentes de tipo
« A » respeitam aos efeitos que a popula çã o domesticadora exerce sobre a popula çã o domes ¬

ticada. Os mais comuns de entre eles envolvem altera ções na estrutura ou na morfolgia dos
indiv í duos domesticados e encontram - se examinados em detalhe por Zeuner ( 1963). Tem
interesse referir que exceptuando uma tend ê ncia no sentido da hipersexualidade, se sabe
ainda muito pouco sobre os efeitos funcionais do tipo « A». Torna- se tamb é m necessá rio
estudar os efeitos deste tipo « A » ao ní vel de organizaçã o tanto da popula çã o como individual.
Os componentes do tipo «B » da rela çã o de domestica çã o sã o menos familiares e refe ¬
rem -se aos efeitos que a popula çã o domesticada exerce sobre a popula çã o domesticadora.
Estes efeitos, juntamente com os de tipo « A», constituem assim um mecanismo de controlo
de retroacçã o da regula çã o entre popula ções dentro da rela çã o de domestica çã o. Um bom
exemplo de efeitos do tipo «B» ao n í vel da popula çã o é facultado por Downs e Ekvall ( 1965),
cujo estudo sugere que o ambiente pode ser considerado como um padr ã o que traduz, atravé s
de vá rios mecanismos de controlo de retroac çã o, um padrã o correspondente na estrutura das
populações domesticadas da á rea. No estudo de Downs e Ekvall no Tibete, a criaçã o de
animais dom é sticos exibiu uma natureza basicamente tripartida , em resposta ao padr ão am ¬

biental tripartido. Por exemplo, as regi ões superiores das montanhas continham popula ções
de iaques e de cavalos n ó madas , ao passo que os bovinos da regi ã o baixa e os asininos consti ¬

tu í am o gado das regi ões de vale. As regi ões de transi çã o eram caracterizadas por formas
h í bridas , tal como o dzo (iaque cruzado com vaca da regi ã o baixa) e a mula ( cavalo n ó mada
cruzado com burro). As popula ções domesticadas produzem um padr ã o correspondente nas
popula ções domesticadoras, dado que os tipos sociais humanos revelaram tamb é m uma natu ¬
reza basicamente tripartida. As regi ões altas das montanhas eram habitadas pelos Drog- ba
( n ó madas) e as regi ões do vale pelos Rong- ba ( agricultores). A zona de transi çã o era habi ¬

tada pelos Sama-drog, um grupo interm é dio de gente caracter ístico dessa zona .
392

Pode considerar- se que as popula ções domesticadas actuam como um mecanismo


interm é dio ou de amortecimento interposto entre as popula ções domesticadoras e o am ¬

biente. Tornam assim as popula ções domesticadoras mais capazes de realizar ajustamentos
ecol ógicos mais delicados e completos ao regime de condi ções ambientais a que t ê m que
fazer face. Neste sentido, o processo de domestica çã o serve as popula ções domesticadoras
como uma ferramenta para levar a cabo ajustamentos ambientais, e esta concepçã o da domes ¬

tica çã o como instrumento lan ça considerá vel luz ecol ógica sobre os estudos das origens
biol ógicas do processo de domestica çã o no homem primitivo (Zeuner, 1963). Tal como
aconteceu com outros instrumentos como o fogo, as armas e o vestu á rio, a domestica çã o
teve de conferir vantagens selectivas considerá veis aos grupos dos homens primitivos que
a praticavam com efici ê ncia. Esta vantagem selectiva só poderia, poré m , ter ocorrido em
condi ções ambientais que impediam as popula ções de homens primitivos de obter benef í cios
conferidos pelas popula ções domesticadas por outros meios culturalmente mais simples,
como sejam a ca ça , a pesca e a colheita de frutos. É assim significativo n ã o terem ocorrido,
segundo parece , domestica ções importantes entre aquelas espé cies de animais contempo¬
râ neos do homem primitivo na savana africana. Com efeito, parece ser uma regra geral que
nunca foram feitas importantes domestica ções pelo homem primitivo nas regi ões tropicais,
onde um abastecimento est á vel de alimento poderia ser obtido atrav é s da ca ça , da pesca e
da colheita de frutos. Foi acima de tudo na regi ã o do M é dio Oriente e da Âsia Central onde
foram iniciadas as rela ções de domestica çã o mais importantes entre o homem primitivo e
popula ções de animais de presa , como os ovinos, os caprinos, os bovinos e os su í nos. As
domestica ções destas espé cies ocorreram em ambientes que impunham indubitavelmente
per í odos de fraca oportunidade de captura à queles grupos que unicamente se baseavam na
economia da ca ça , enquanto que os grupos com prá tica de domestica çã o tinham sem d vida
um abastecimento de alimentos mais est á vel e mais seguro.

Em resumo, a domesticação é um tipo de mutualismo especial e muito impor ¬


tante que tr á s consigo profundas alteraçõ es no ecossistema, uma vez que a rela ção
afecta um grande n mero de outras esp é cies e processos ( ciclagem de nutrientes,
corrente de energia, estrutura do solo, e assim por diante ) n ão directamente envol ¬
vidos na interacção entre o domesticador e o domesticado. Enquanto acção deli ¬
berada do homem , a domestica çã o pode falhar nos seus objectivos a longo prazo
caso as coacções de retroacção da selecção natural que foram suprimidas por selecção
artificial n ão sejam compensadas por coacções artificiais deliberadas (isto é , inteli ¬
gentes) de retroacçã o artificial. Assim , o homem e a sua vaca destruir ã o o ambiemte
atrav é s do sobrepastoreio a menos que a rela çã o seja regulada em termos de todo
o ecossistema, de tal forma que seja realmente mutualista ( ben é fica para ambos)
em vez de espoliat ó ria. Alé m disso, alguns dos piores problemas do homem foram
provocados por plantas e animais domesticados que «escapam » (isto é , se tornam
ferais), voltando ao estado natural e convertendo- se em pestes importantes. Neste
aspecto, a miopia do homem é o que Garrett Hardin ( 1968) chama a «trag é dia das
393

coisas comuns». Enquanto uma pastagem ( ou qualquer outro recurso) for considerada
como ilimitada e aberta a uma utilização comum por toda a gente sem limitações,
ent ão, como destacou Hardin, é inevit ável o uso excessivo, uma vez que o indivíduo
ganha uma vantagem tempor ária explorando em excesso ( ou utilizando em excesso)
e s ó algum tempo depois começa a sofrer , como indivíduo, as consequ ê ncias desse
excesso de uso. Se o homem não imp õe a temperança, por assim dizer, na fun ção das
poderosas combinaçõ es entre ele e o animal domé stico, entre ele e a planta dom é stica
e entre ele e a máquina, ent ão, ter á em ú ltima análise de fazer face às consequ ê ncias
da selecção natural que com excessiva frequê ncia se traduzem no exterm ínio da
«esp écie intemperada».

6. RELÓGIOS BIOLÓGICOS

Enunciado

Os organismos possuem um mecanismo fisiológico de medição do tempo


conhecido por relógio biológico. A manifestação mais comum e porventura a mais
básica é o ritmo circadiano ( circa = cerca; dies = dia), ou a capacidade de cronometrar
e repetir fun ções a intervalos de aproximadamente 24 horas mesmo na aus ê ncia de
ind ícios t ão conspícuos como a luz. Outros acontecimentos periódicos encontram-se
relacionados com as periodicidades lun ares (que controlam as mar é s, por exemplo) e
com os ciclos estacionais. O mecanismo do relógio biol ógico ainda não est á resolvido,
embora sejam propostas correntemente duas teorias: (1) a hip ótese de um regulador
do tempo end ógeno (isto é, o «relógio» consiste num dispositivo interno que pode
medir o tempo sem ind í cios do ambiente ) e (2) a hip ótese do regulador de tempo
externo (isto é, o relógio interno é regulado por sinais externos provenientes do
ambiente ). Independente do mecanismo, a vantagem ecol ógica, ou selectiva, do
relógio biol ógico é indiscut ível, uma vez que enlaça os ritmos ambientais e fisio¬
l ógicos e torna os organismos capazes de antecipar as periodicidades diárias, estacio¬
nais e outras quanto à luz, temperatura, mar é s, e assim por diante .

Explicação

A liga çã o de periodicidades naturais e da actividade da comunidade já


foi analisada na Secção 4 do Capítulo 5 e novamente no Capítulo 6, página 156 .
Como se destacou, a adapta ção ultrapassa a mera toler ância a flutuaçõ es ambien¬
tais para alcançar a participa ção activa na periodicidade, como um meio de coorde-
394

nação e regulação de fun ções vitais. No Capítulo 5 foi discutido, como exemplo, o
fotoperiodismo com algum detalhe . Nesta secçã o focam-se as formas misteriosas
(isto é, desconhecidas) pelas quais o indivíduo sintoniza os seus ritmos com os
do ambiente .
Encontram-se ilustradas pelo diagrama da Figura 8-6 vá rias características do
ritmo circadiano. No seu habitat natural um animal nocturno como, por exemplo, o
esquilo voador do g é nero Glaucomys ou o rato de pata branca do g é nero Peromyscus
mant ém -se no ninho durante as horas de luz e é activo à noite. A actividade
r ítmica tem uma duração de exactamente 24 horas e est á integrada ou «encerrada»
no ciclo diá rio de luz e obscuridade provocado pela rotação da Terra em torno do
seu eixo. Caso o animal seja levado para o laborat ório e seja colocado sob um
regime de obscuridade constante, o ritmo diá rio continua, embora seja possí vel que
o in ício da actividade se vá deslocando ligeiramente cada dia, indicando um per í odo
persistente ou de «livre curso» um pouco mais curto ou um pouco mais longo

1 Ciclo
2 Dia - Noite
3
4
5
cg 6
o
'

7
c
<03 8
'
L.
03 9
O.
X IO
LU I I -_ Obscuridade
(0
-O 12 Permanente
cg 13
b 14
15
16
17
18
19
20
i i i i i j |_l l I i i I i i i I I i I I I i i i
12 18 24 6 12
( Meio Dia ) ( Meia Noite ) ( Meio Dia)

Altura do Dia ( horas )


Figura 8-6. Ritmo circadiano num esquilo voador. A actividade espontânea de deslocamento
-
( registada por um volante de exercí cio) sob condições de um ciclo dia noite regular repete-se todos os
-
dias à mesma hora , poré m, sob obscuridade permanente o ritmo revela se como sendo de «curso livre »
na acepçã o de que o per í odo de actividade se desloca , indicando deste modo que o per íodo inato tem
aproximadamente, se bem que nã o exactamente, uma duraçã o de 24 horas. (Ligeiramente maior do que
24 horas neste exemplo). (Diagrama baseado em dados de DeCoursey, 1961.)
395

do que as 24 horas. A Figura 8-6 mostra que o per í odo é , em completa obscuridade , da
ordem de uns 20 minutos mais longo do que as 24 horas, pelo que depois de 20
dias o animal deixa o ninho para a sua ronda « nocturna» seis horas mais tarde do
-
que no in ício da experiê ncia. Quando o ciclo luz obscuridade é restabelecido,
a actividade volta a desenvolver-se em conformidade com ele . As flutuações na tem ¬

peratura t ê m pequeno efeito nos ritmos circadianos. As experiê ncias n ão podem


provar que o rel ógio é inteiramente interno, uma vez que nem todos os ind ícios
ambientais sã o eliminados pela colocação do animal em condições constantes no
que respeita aos factores principais como a luz e a temperatura. Insinuam -se flutua ¬
ções atmosfé ricas e geof ísicas subtis que poder ã o ser detectadas pelo organismo.
T ê m-se descoberto ritmos persistentes numa ampla variedade de organismos,
desde as algas ao homem. Mesmo a batata armazenada às escuras numa arca pode
apresentar quer um acr é scimo quer uma redu çã o no consumo de oxig é nio tanto
diá ria como mensalmente . Alguns organismos parecem ter tanto um relógio para o
dia solar como um relógio para o dia lunar. Dever á destacar-se que muitos ritmos
diurnos e outros não são persistentes na aus ê ncia da altera ção ambiental. A migra ção
vertical do pl â ncton , por exemplo, tal como se encontra representado na Figura 6-9,
é inteiramente extr í nseco, no sentido de n ã o ocorrer sob condições de luz ou obscuri¬
dade constantes.
As duas teorias, como foi delineado no Enunciado, podem ser clarificadas
em termos de uma analogia com os rel ógios feitos pelo homem . Um rel ógio movido
por mola em espiral com um oscilador interno de roda de balancim poderia ser aná ¬
logo ao relógio biológico interno, ao passo que um relógio eléctrico regulado por pul¬
sações de corrente alterna provenientes de um gerador distante exemplificaria a hipó¬
tese de um regulador externo. Os proponentes da teoria end ógena ( Pittendrigh ,
1961; Flasting , 1969 ) sugerem que o regulador bá sico poderia ser uma reacção bio¬
qu í mica oscilante com sede na cé lula , ou porventura num sistema end ócrino, embora
at é à data as provas sejam apenas indirectas. Pye ( 1969), por exemplo, informa que
a glicólise nas cé lulas da levedura pulsa numa forma r í tmica, embora nenhum ritmo
conhecido na levedura esteja correlacionado com esta oscilação metab ólica. Frank
Brown ( 1969 ) , um proponente da ideia de um regulador externo para o relógio
interno, verificou que os organismos respondem a flutua ções diá rias no campo
magn é tico da Terra. Sugeriu que as plantas e os animais usam tais flutuações subtis
como um «acumulador» de tempo no qual codificam a informação necessá ria para
regular os seus ritmos fisiológicos. Os dois pontos de vista sobre os rel ógios bio ¬
lógicos encontram -se completamente expostos num pequeno livro belamente ilus ¬
trado de Brown , Hastings e Palmer ( 1970). Outras revisõ es e simp ósios compreen ¬
dem: Cloudsley-Thompson ( 1961), Sweeney ( 1963 ), Harker ( 1964 ), Aschoff ( 1965),
Bunning ( 1967 ).
Qualquer que seja o mecanismo, o relógio biológico inato ( isto é, herdado,
396

não aprendido por experiê ncia) não só integra ritmos internos e externos, como
permite tamb é m ao indiv íduo antecipar alterações. Assim, quando o rato nocturno
deixa o seu ninho encontra-se completamente atento às vicissitudes do ambiente
porque os seus sistemas fisiol ógicos já se encontravam programados para « partir»!
O tráfego aé reo e a exploração do espaço tomaram o homem consciente do
facto de que tamb é m ele tem ritmos circadianos. O voar rapidamente de uma zona
para outra distante em longitude é exaustivo para a maior parte das pessoas; são
necessá rios v á rios dias antes que os ritmos fisiológicos do sono, digest ão, e assim
por diante, sejam coordenados com o ciclo local de dia e noite. Torna-se claro que
os padr ões de actividade de 24 horas deverão ser mantidos na viagem espacial e que
serão necessários mecanismos especiais de regulação para as longas viagens no espaço.

7. PADR ÕES DE CONDUTA BÁSICA

Enunciado

A conduta ou comportamento no seii sentido amplo é a actividade evidente


que um organismo desenvolve para se ajustar às circunst â ncias ambientais por forma
a assegurar a sua sobrevivê ncia. É tamb é m um importante meio através do qual os
indiv í duos se integram em sociedades e comunidades organizadas e reguladas. A con ¬
duta pode ser considerada como um conjunto de seis componentes que variam em
import â ncia de acordo com o tipo de organismo : ( 1) tropismos, ( 2) taxias , ( 3) refle ¬
xos, (4) instintos, (5) aprendizagem e (6) racioc í nio. O termo tropismo está presen ¬
temente circunscrito, na generalidade, a movimentos dirigidos ou a orientações em
organismos como as plantas que carecem de sistemas nervosos, ao passo que os
outros cinco componentes, acima enumerados numa sequ ê ncia mais ou menos evo¬
lutiva ( ver tamb é m Figura 8-7), est ão associados a animais que tê m sistemas
nervosos e sensoriais complexos. Originalmente, os etologistas ( etologia, da palavra
« ethos» significando costume , é a ci ê ncia da conduta ou do comportamento) tendiam
a fazer uma n í tida distin ção entre conduta «inata» (componentes 1 a 4 na anterior
relação) e conduta «adquirida» ( componentes 5 e 6), embora seja agora evidente
que a conduta adquirida ou aprendida é constru ída sobre padr ões complexos de
reflexos, instintos e outros padr ões de conduta herdada, incluindo os ritmos circadia ¬
nos e outros ritmos inatos do corpo que foram examinados na secçã o anterior.
Explica ção e Exemplos

No Cap í tulo 7 e nas secções anteriores deste capí tulo, foi posto em relevo
o importante papel da conduta na an álise da regula ção da popula ção, da selecção
397

do habitat , da territorialidade , da agregaçã o, da interacçã o predador - presa, da compe ¬


tição, da diferenciação de nicho, da selecção natural e de todos os outros aspectos
da ecologia da popula çã o. Para efeitos de aná lise adicional segundo estas vias re-
comenda-se a leitura do pequeno livro de Klopfer Behavioral Aspects of Ecology
(1962). Seguindo os trabalhos muito lidos de Murchison ( 1935), Allee (1938), Lorenz
(1935 e 1952) e Tinbergen (1951 e 1953), o estudo da conduta, ou etologia, tor ¬
nou -se uma ciê ncia interdisciplinar importante que procura mais ou menos inter ¬

ligar a fisiologia, a ecologia e a psicologia. Ao princípio, os psicólogos, que estudam


o comportamento do homem', e os zoologistas, que estudam a conduta animal, for ¬

mavam dois pó los isolados quanto ao tema conduta «inata» versus «adquirida»;
por é m, como em muitos outros aspectos da biologia, tornou-se claro para todos que
o homem é uma parte da natureza, não uma parte dela proveniente. A integração
resultante est á produzindo muitos livros de texto extensos ( por exemplo Scott , 1958;
Ektin, 1964; Marler e Hamilton, 1966 ), muitos livros de texto pequenos ( por exem ¬
plo, Thorpe , 1963; Dethier e Stellar , 1964; Davis , 1966; van der Kloot , 1968), resu ¬
mos ( ver Klopfer e Hailman, 1967) e livros populares ( por exemplo, Lorenz, 1966;
Morris , 1967), sem mencionar volumes de simp ósios demasiado numerosos para
serem citados. Como em outras ci ê ncias em desenvolvimento, a uma fase descritiva
segue-se uma fase experimental e te ó rica que tenta descobrir os mecanismos e
as funções bá sicas. Temos enquanto seres humanos duas motivações principais ( para
usar um termo de conduta) para estudar o comportamento: (1) encontrar as ra í zes
neurol ógicas, hormonais e gen éticas do complexo, e com frequê ncia agressivo,
comportamento do homem e (2) compreender como o organismo individual se
adapta ao ambiente, em especial como as interacções recí procas entre organismos
( cooperação, mutualismo, domesticação, e assim por diante ) conduzem à organização
social. O primeiro aspecto ultrapassa o âmbito deste livro, e o espaço dedicado à
conduta apenas permitir á destacar muito brevemente nas duas secções seguintes
um pequeno n ú mero de conceitos básicos relativos ao ltimo daqueles dois aspectos.
Como se ilustra na Figura 8-7, os seis componentes da conduta podem ser
observados numa esp é cie de sequ ê ncia evolutiva; contudo, observe-se que mesmo
nos vertebrados superiores e no. homem os componentes mais primitivos ( instintos,
reflexos) ainda desempenham uma parte na determinação da forma como os indiví ¬
duos actuam, porventura uma parte mais importante do que aquela que o homem,
ente egoísta, est á disposto a admitir. Os tropismos ( tropos = volta ou mudan ça)
são movimentos dirigidos e orienta ções que se observam nas plantas, como sejam
o volver do girassol para o sol ( fototropismo), a orientação vertical de folhas de
árvores num dia quente de sol ( heliotropismo) ou o crescimento das raízes para
baixo (geotropismo). Uma vez que uma tal conduta adaptativa ocorre na aus ê ncia de
sistemas nervosos, ela envolve usualmente mais uma parte do organismo do que
todo ele , sendo hormonas que proporcionam o mecanismo principal de coordenaçã o.
Já se viu como simples respostas de crescimento ( ver página 347 ) ou a secreção de
398

antibióticos ( ver página 364), podem ser t ã o efectivos para a planta em termos de
adaptação e sobrevivê ncia como a conduta mais complexa o é para o animal .

Evolução Evolução
Plantas Animais ( Sistemas Nervosos)

Plantas : Protista ! Invertebrados Inseotos Vertebrados | Homem

Figura 8-7. Representa çã o esquem á tica da import â ncia relativa de seis componentes da conduta
em filogenia . ( Modificado de Dethier e Stellar , 1964.)

O termo taxia ( = arranjo) é no presente geralmente utilizado para referir movi ¬

mentos de resposta a est í mulos t ão frequentemente observados nos animais infe ¬


riores ( Figura 8-7). Fraenkel e Gunn (1940) no seu resumo pioneiro destas condutas
básicas distinguiram entre : (1) reacções n ã o dirigidas, como seja a evita çã o geral de
ambientes desfavorá veis (que designaram por « kineses»), (2) reacções dirigidas ( taxia,
em sentido restrito) com orientação directamente no sentido do est í mulo ou em sen ¬
tido oposto ( a mosca voando no sentido da luz) e (3) orienta çõ es transversas, ou
movimentos formando algum â ngulo com a direcção do est ímulo, como seja a bem
conhecida orientação das abelhas em procura da direcção segundo um â ngulo de luz
( ver von Frisch, 1955). N ã o se pode traçar uma linha divis ória fixa e estrita entre taxia
399

e reflexo, embora os reflexos sejam em geral considerados como respostas a est í mulos
de determinados órgã os ou partes do corpo; ambos podem ser modificados pela
experiê ncia. O reflexo condicionado bem conhecido é um in í cio de conduta «adqui ¬
rida». Fen ómeno anteriormente considerado como exclusivo dos animais superio¬
res, parece hoje que os vermes e at é , porventura, os protozoá rios podem ser «con ¬
dicionados».
A conduta alimentar da hidra, simples celenterado ao qual falta um sistema
nervoso central, ilustra como tropismos semelhantes aos das plantas e simples respos¬
tas dirigidas s ão coordenados por interm é dio de hormona produzida fora do corpo da
hidra ( isto é, uma « hormona ambiental » ; ver Capítulo 2 , página 46 ). Como foi des¬
crito por Lenhoff (1968), quando o organismo presa é contactado e penetrado pelas
células urticantes d é um dos tent á culos, difunde-se a partir da presa uma subst â n ¬
cia denominada glutationa reduzida que provoca uma rá pida e vigorosa coordenação
de todos os tent áculos deslocando-se ent ão estes na direcção da boca centralmente
localizada . As experiê ncias mostraram que a glutationa era um disparador muito
específico do comportamento alimentar.
O comportamento instintivo que explica uma parte t ã o importante do que
fazem os insectos e os vertebrados inferiores é constitu í do por sequ ê ncias codificadas
de conduta estereotipada, como sejam as acções sucessivas de constru çã o de ninho,
procura de alimento, cortejo, acasalamento, postura dos ovos e protecção das crias
que integram o ciclo reprodutivo de uma vespa óú de uma ave. Finalmente , o
comportamento aprendido e raciocinado aumenta de import â ncia quase em propor çã o
directa com o aumento do cé rebro, particularmente do córtex cerebral. Apenas nos
primatas superiores e no homem o raciocí nio, envolvendo a resolu ção de problemas
e a formula ção de conceitos, se tornou um componente principal do comportamento.
Para ilustrar como o comportamento inato e adquirido se fundem um no
outro pode-se citar o caso bem conhecido do « imprinting» tal como foi originalmente
descrito por Lorenz (1935 e 1937). Os patos ou os gansos recentemente saí dos da
casca t ê m a tend ê ncia inata para seguir um progenitor , embora tenham de «aprender»
a reconhecê-lo atravé s da associa ção. Se uma pessoa ou mesmo um objecto inani ¬
mado m óvel substituir o progenitor natural durante as primeiras semanas de vida,
a imagem do substituto é «impressa» num tal grau que o jovem animal seguir á
subsequentemente o substituto de prefer ê ncia ao real progenitor. Tamb é m em muitas
aves o canto parece ser uma combinação de conduta inata e aprendida.
A espectacular queren ça das aves e dos peixes é um tipo de comportamento
instintivo que, nã o obstante, envolve provavelmente um ou mais componentes con ¬
dicionados ou aprendidos. O salm ã o, por exemplo, é capaz de descobrir o curso
de água nativo pelo «odor» ou o «sabor » da água, que ficaram codificados na res*
pectiva mem ória durante os primeiros tempos de vida nas nascentes ( ver Hasler,
1965). Aparentemente cada bacia hidrogr áfica liberta para a corrente um composto
400

org â nico ligeiramente distinto (ainda nã o identificado) que pode ser detectado pelo
sistema sensorial do peixe mesmo quando a qu í mica da corrente est á considera ¬
velmente alterada pela polui çã o do homem !

8. CONDUTA REGULADORA E COMPENSATÓRIA

Enunciado

Os organismos regulam os respectivos ambientes interno e microambiente


externo por meios quer de conduta quer fisiol ógicos. O comportamento, portanto,
é um importante componente da compensa çã o de factor e do desenvolvimento
ecotí pico; estes conceitos foram descritos na Secçã o 2 do Capí tulo 5.

Explicação e Exemplos

As respostas de conduta constituem, como se viu , uma parte importante do


ajustamento do organismo ao seu ambiente. Em muitos casos a selecçã o ou a cria ¬
ção de um ambiente ó ptimo é conseguida tanto por formas de conduta como por
regulaçã o fisiol ógica interna. Por exemplo, as aves e os mam íferos sã o os nicos
tipos de organismos que regulam a temperatura do corpo por meios internos; assim,
estes animais são denominados homeot érmicos ou endotérmicos. Por é m , outros animais
( isto é, os poiquilotérmicos ou exotérmicos ) controlam com frequ ê ncia a temperatura
do seu corpo de forma quase t ã o eficaz por regula çã o da conduta. Bogert (1949 ) foi
dos primeiros a demonstrar que a temperatura do corpo dos r é pteis se mant é m com
frequ ê ncia bastante constante , uma vez que os animais saem e entram nas suas tocas
de tal maneira que a sua temperatura interna se mant é m dentro de um intervalo
ó ptimo mais ou menos constante . Como as t é cnicas da «detecção remota » se torna ¬
ram mais sofisticadas, podem ser implantados nos tecidos min úsculos termo-sensores
com transmissores de r ádio que permitem acompanhar continuamente por monitor
a temperatura dos animais nos respectivos habitats normais. Esses estudos revelaram
que os animais denominados de «sangue frio» exibem uma not á vel conduta termo-
-reguladora. Num estudo ( McGinnis e Dickson , 1967), o lagarto do deserto Dipso-
saurus mantinha a temperatura do corpo entre 31° e 39 ° C, muito embora a amplitude
t é rmica no ambiente fosse mais de duas vezes superior. Num outro estudo no labo ¬
rat ório, um tipo diverso de lagarto ( Tiliqua) foi capaz de manter a temperatura do
corpo entre os 30 ° e os 37 ° C deslocando-se de um para outro meio com temperaturas
entre 15 ° e 45 ° (Hammel et al., 1967).
401

9. CONDUTA SOCIAL

Enunciado

Uma rede de comunicações, alguma forma de hierarquia de dom í nio, aprendi ¬


zagem e um equilí brio entre condutas contradit órias ( competi çã o versus cooperação,
agress ão versus passividade, agrega ção versus isolamento, e assim por diante) sã o
os ingredientes necessários para a organização social, quer esta seja monoespecífica
( envolvendo indiv íduos da mesma espé cie ) ou poliespecífica (envolvendo diversas
espé cies).

Explicação

Nas organizações sociais de animais superiores bem definidas é altamente


evidente alguma forma de hierarquia social na qual um ou mais indiví duos são
dominantes ou chefes. Uma tal organizaçã o pode ser rígida , como na conhecida
«ordem por bicada» das galinhas ( ou como numa unidade familiar humana ou numa
organização militar) , ou mais flexível na lideran ça, passando esta de um indivíduo
para outro ( como numa sociedade humana não militar em geral); ver Allee et al.,
( 1949) para efeitos de um resumo das hierarquias sociais. Uma vez que essa hierar ¬
quia tenha sido estabelecida e reconhecida por todos os indivíduos, a energia que
seria dispendida em conflitos pode ser . dedicada à actividade colectiva do grupo.
É necessá ria , certamente , alguma forma de comunica çã o audio- visual. Smith ( 1969)
analisou a vocaliza ção e a exibição de aves e mam íferos silvestres e chegou à con-

Quadro 8-5
As Mensagens Bá sicas da Comunicação nos Vertebrados em Termos
de «Informação Transmitida» por Exibições e Vocalizações *

Identificação: esp écies, sexo, etc.


Probabilidade: insegurança quanto à acção (atacar ou fugir ?).
Conjunto geral: manuten ção, alimentação, atavio, descanso.
Locomo ção: dada no início e no termo da locomo ção.
Ataque.
Fuga.
Subconjunto não agon ístico: mensagens de ansiedade .
Associação: associação social estreita, embora sem contacto íf sico.
Subconjunto limitado por vínculos: entre companheiros, pais e filhos.
Jogo.
Copulação.
Frustração: acções suced âneas, etc.

* Compilado de W. John Smith , 1969.

26
402

clusão que toda a enorme variedade pode ser reduzida a 12 « mensagens», como
se enumera no Quadro 8-5. Observe-se que a maior parte da «informa ção transpor ¬
tada» nestas mensagens tem a ver com a coordenação das actividades dos indiv íduos
e , portanto, com a organiza ção social. O aspecto menos compreendido da conduta
social tem a ver com a resolu ção dos conflitos entre impulsos básicos que sejam
contradit órios. Assim, a necessidade de isolamento (isto é, necessidade de «privaci¬
dade») est á em conflito com a necessidade de agregação. J á se examinaram as vanta¬
gens selectivas de cada uma dessas necessidades no capítulo anterior (Secções 14
e 15). O comportamento agressivo poupa energia em dadas situa ções, desperdi çando-a
noutras; como se est á tornando cada vez mais manifesto, aquilo que sempre se con ¬
siderou como «bom» para o indivíduo n ão é sempre «bom» para o grupo. Os efeitos
da aglomeração sobre a conduta são especialmente importantes e reveladores para
o homem no actual momento da sua hist ória. Foram examinadas na Secção 9 do
Cap í tulo 7 as not áveis alterações na conduta que acompanham alterações na den ¬
sidade de animais «cíclicos». Na sociedade humana a aglomera ção tanto parece
aumentar como reduzir a agressividade . Porventura os «militants» e os «hippies»
representam a reacção oposta à aglomeração urbana. O ecologista tende a crer que
o homem deveria manter e desenvolver um territorialismo agressivo que impedisse
o uso excessivo e a destruição do seu ambiente. Por outro lado, muitos sociólogos
acham que o homem deveria tornar-se sucessivamente mais passivo e tolerar a
agregação em centros urbanos do mesmo modo que os animais domé sticos densa¬
mente distribu í dos se toleram uns aos outros ao serem alimentados. N ão se pode
esperar o tratamento adequado de semelhante tema em t ã o pouco espaço neste
breve sumário. O autor recomendaria a cada estudante a leitura dos dois ensaios
seguintes e uma reflex ã o sobre eles : ( 1) « On War and Peace in Animais and
Man », de Tinbergen ( 1968) e ( 2) «Population Density and Social Pathology», de
Calhoun (1962).
403

Capítulo 9 DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇÃO


DO ECOSSISTEMA

1. A ESTRATÉGIA DO DESENVOLVIMENTO DO ECOSSISTEMA (*)

Enunciado

O desenvolvimento do ecossistema , ou aquilo que se conhece com mais fre ¬

qu ê ncia por sucessão ecol ó gica, pode definir -se em termos dos tr ê s par â metros
seguintes : (1) É um processo ordenado de desenvolvimento da comunidade que
envolve alterações na estrutura específica e nos processos da comunidade com o
tempo; é razoavelmente dirigido e, portanto, previs ível. (2) Resulta da modifica ¬
ção do ambiente í f sico pela comunidade; isto é, a sucessão é controlada pela comu ¬
nidade , embora o ambiente í f sico determine o padrão e o ritmo de alteração e
imponha com frequ ê ncia limites à possibilidade de desenvolvimento. ( 3 ) Culmina
num ecossistema estabilizado, no qual são mantidos, por unidade de corrente de
energia dispon í vel, a m áxima biomassa ( ou elevado conte do de informaçã o) e a
função simbiótica entre organismos. A sequ ê ncia inteira de comunidades que se subs ¬

tituem umas às outras, numa dada á rea, denomina-se a «serem, as comunidades


relativamente transit órias são indiferentemente designadas por etapas «serais» ou
etapas de desenvolvimento ou etapas de explora ção, sendo o sistema estabilizado
terminal conhecido por o clí max. Na sere ocorre a substituição de espécies, por ¬
que as populações tendem a modificar o ambiente físico, criando condições favorá¬
veis para outras populações, at é que seja alcan çado o equilí brio entre o biótico e
o abi ótico.
(*) Esta secçã o , e tamb é m a Secçã o 3, est ã o adaptadas do artigo do autor «The Strategy of the
Ecosystem Development » , inicialmente publicado em Science, Vol . 164, pp . 262 - 270, 1969 Abril 18.
404

Numa palavra, a «estratégia» da sucessão como processo a curto prazo é,


basicamente, a mesma que a «estrat é gia» a longo prazo do desenvolvimento evolu ¬
f sico, ou a homeostasia
cion á rio da biosfera, isto é, o controlo acrescido do ambiente í
com ele, no sentido de ser alcançada a máxima protecção contra as perturbações.
O desenvolvimento dos ecossitemas tem muitos paralelos com a biologia do desenvol ¬
vimento dos organismos, e també m com o desenvolvimento da sociedade humana.

Explicação

Os estudos descritivos da sucessão em dunas de areia, pradarias, florestas,


litorais marinhos, ou outras estações, e exames funcionais mais recentes, condu ¬
ziram à teoria básica contida na definição atr ás dada. H. T. Odum e Pinkerton
(1955), foram os primeiros, baseando-se na «lei da energia m áxima nos sistemas
biol ógicos» de Lotka (1925), a assinalar que a sucess ão envolve um deslocamento
fundamental nas correntes de energia à medida que é relegada crescente energia
para a manuten ção. Margalef (1963, 1968) documentou mais recentemente esta base
bioenerg é tica para a sucessã o e estendeu o - conceito.
As alterações que ocorrem nas caracter ísticas estruturais e funcionais prin ¬
cipais de um ecossistema em desenvolvimento encontram-se enumeradas no
Quadro 9-1. Por conveni ê ncia de an á lise, foram agrupados vinte e quatro atributos
dos sistemas ecol ógicos sob seis t ítulos. As tend ê ncias s ão destacadas contrastando
a situação no desenvolvimento jovem e no tardio. O grau de alteração absoluta, o ritmo
de alteraçã o e o tempo requerido para alcan çar um estado est ável podem variar,
n ão apenas com climas e situações í f siogr áficas diferentes , mas tamb é m no mesmo
ambiente físico çom atributos distintos do ecossistema. Ali onde se disp õe de bons
dados, as curvas da taxa de altera ção são usualmente convexas, com as alterações
a ocorrer mais rapidamente no in í cio, embora també m possam ocorrer padr ões bimo-
dais ou cíclicos.

Bioenergética do Desenvolvimento do Ecossistema

Os atributos de 1 a 5, no Quadro 9- 1, representam a bioenerg é tica do ecos ¬


sistema. Nas fases jovens da sucess ã o ecol ógica, ou na « natureza nova» por assim
dizer, a velocidade da produ ção primá ria ou fotossí ntese total ou bruta (P)
excede a velocidade da respira çã o da comunidade (R), pelo que a razã o P/ R é
maior do que 1. No caso especial da poluição orgânica, a razão P / R é tipicamente
inferior a 1. O termo sucessão heterotrófica é com frequ ê ncia utilizado para uma
sequ ê ncia de desenvolvimento em que no in ício R é maior do que P em con-
Quadro 9-1
Um Modelo Tabular da Sucessão Ecoló gica : Tendências a Esperar
no Desenvolvimento de Ecossistemas *
Fases de
Atributos do Ecossistema Desenvolvimento Fases Maduras

Energética da comunidade
1. Produ çã o bruta/ respira ção da comuni - Maior ou menor Pr óxima de 1
dade (razã o P/ R) do que 1
2. Produ çã o bruta / biomassa da existê ncia
permanente (razã o P/ B) Alta Baixa
3. Biomassa suportada / unidade de fluxo
de energia (razão B / E) Baixa Alta
4. Produ çã o l íquida da comunidade
( produ ção) Alta Baixa
5. Cadeias alimentares Linear, predomi
nantemente de
- Tipo tecido , pre
dominantemente
-
pastoreio de detritos
Estrutura da comunidade
6. Mat éria orgânica total Pouca Muita
7. Nutrientes inorgâ nicos Extrabióticos Intrabióticos
8. Diversidade em esp écies- componente
variedade Baixa Alta
9. Diversidade em espé cies-componente
equidade Baixa Alta
10. Diversidade bioquímica Baixa Alta
11. Estratificaçã o e heterogeneidade espacial
(diversidade de padrã o) Pouca organizada Bem organizada
Biologia
12. Especializa ção de nicho Ampla Estreita
13. Tamanho do organismo Pequeno Grande
14. Ciclos de vida Curto, simples Longo, complexo
Ciclo de nutrientes
15. Ciclos minerais Aberto Fechado
16. Ritmo de troca de nutrientes entre
organismos e ambiente Rápido Lento
17. Papel de detritos na regeneração
dos nutrientes Sem importância Importante
Pressão de selecção
18. Forma de crescimento Para crescimento Para controlo de
r á pido ( «selec- retroacção («se-
çã o r» ) lecçã o K »)
19. Produ ção Quantidade Qualidade
Homeostasia geral
20. Simbiose interna N ão desenvolvida Desenvolvida
21. Conservação de nutrientes Má Boa
22. Estabilidade (resistê ncia à s
perturbações externas) Má Boa
23. Entropia Alta Baixa
24. Informação Baixa Alta

* De E. P. Odum, em Science, 164: 262-270, 18 de Abril de 1969. Copyright 1969, da American Association for
the Advancement of Science .
406

traste com a sucessão autotrófica , na qual a raz ão é inversa nas etapas novas. Em
ambos os casos, contudo, a teoria é a de que P/ R se aproxima de 1 à medida
que a sucessã o progride . Por outras palavras, no ecossistema maduro ou «clí max»
a energia fixada tende a ser equilibrada pelo custo energ ético da manuten ção ( isto
é , a respira ção total da comunidade). A razã o P/ R poderá ser, deste modo, um
excelente í ndice funcional da maturidade relativa do sistema . Encontram -se repre ¬
sentadas graficamente, na Figura 9-1, as relações P/ R para um certo n mero de
ecossistemas familiares, na qual se indicam també m as direcções das sucessões auto¬
trófica e heterotrófica.
Enquanto P excede R , a mat é ria orgâ nica e a biomassa ( B) acumular-se-ão
no sistema ( Quadro 9-1, n ú mero 6), daí resultando que a razão P/ B tenderá a decres ¬
cer ou , inversamente, as razõ es B / P, B / R ou B / E ( onde E = P + R ) a aumentar
( Quadro 9-1, n meros 2 e 3). Recorde-se que os recí procos destas raz ões foram ana ¬
lisados no Cap í tulo 3 em termos de fun ções termodinâ micas de ordem ( página 57).
Teoricamente , ent ão, o montante da biomassa da exist ê ncia permanente suportada
pela corrente de energia dispon í vel (E) aumenta at é a um máximo nas fases maduras
ou cl í max (Quadro 9-1, n ú mero 3). Como consequ ê ncia, a produtividade l íquida da
comunidade, ou produ ção, num ciclo anual é maior na natureza jovem e mais pe ¬
quena ou nula na natureza madura. ( Quadro 9-1, n ú mero 4).

Comparação da Sucessão num Microcosmo de Laboratório e numa Floresta

Pode-se observar facilmente as alterações bioenergé ticas dando in í cio a uma


sucessão em microssistemas experimentais de laborat ório do tipo dos derivados dos
sistemas naturais, como se descreveu no Capitulo 2 ( página 33 e Figura 2 1A ). -
Na Figura 9-2 compara-se o padrão geral de uma sucessão autotrófica de 100 dias
num microcosmo, baseado em dados de Cooke (1967), com um modelo hipot é tico
de uma sucessão de 100 anos de uma floresta, tal como foi apresentado por Kira
e Shidei (1967).
Durante os primeiros 40 a 60 dias numa experiê ncia t í pica de microcosmo,
a produ ção líquida diurna ( P) excede a respira ção nocturna ( R ), pelo que a biomassa
( B) se acumula no sistema. Depois de uma «floração» precoce por volta dos 30 dias,
ambas as taxas declinam, tornando-se aproximadamente iguais entre os 60 e os
80 dias. A raz ão B / P, em termos de gramas de carbono sustentados por grama da
produ çã o diária de carbono, aumenta desde menos de 20 a mais de 100 quando é
alcan çado o estado est á vel. No clí max, não apenas o metabolismo autotr ófico se
encontra equilibrado com o heterotr ófico, como també m uma grande estrutura or ¬
gâ nica é suportada por pequenas intensidades diá rias de produ çã o e de respiração.
407

P/R > I AUTOTROFIA

CULTURA
RECIFES DE CORAIS
INCIPIENTE DE ALGAS /
< ( Ó PTIMO EM NUTRIENTES ) ESTU Á RIOS F É RTEIS
Q
/
FLORESTAS RICAS
/
O
LU
<
10 - AGRICULTURA
FÉ RTIL
PRADARIAS

CORRENTES
<
Li
O
_
SECUNDARIA LAGOAS POLU Í DAS tr
5 ZONA DE 02 BAIXO O
SUCESSÃ O
O
0 AUTOTR Ò FICA
Á GUAS £
PANTANOSAS LU
< LAGOS RICOS x
1s- 14 OCEANOS
SUCESS Ã O
HETEROTR Ó FICA
V
cr
O
o
cr CL

LAGOS POBRES
/
DESERTOS ESGOTOS
BRUTOS

o.i ! To IOO
RESPIRAÇÃO DA COMUNIDADE G /M 2 /DIA

-
Figura 9 1. Posiçã o dos vá rios tipos de comunidade numa classifica çã o baseada no metabolismo
da comunidade . A produ ção bruta ( P ) excede a respiração da comunidade ( R ) do lado esquerdo da
'

linha diagonal ( P / R maior do que 1 = autotrofia ) , enquanto que a situação inversa ocorre à direita
( P / R menor do que 1 = heterotrofia ). Estas ú ltimas comunidades importam matéria orgânica, ou vivem
do armazenamento ou da acumula çã o anteriores. As direcções das sucess õ es autotr ófica e heterotr ófica
sã o indicadas pelas setas. Durante o per í odo m édio de um ano, as comunidades localizadas ao longo
da linha diagonal tendem a consumir aproximadamente aquilo mesmo que produzem , e podem conside ¬
-
rar se como constituindo cl í maxes metab ó licos. (Reproduzido de H . T. Odum , 1956.)

Muito embora a projecção directa do pequeno microssistema de laborat ó¬


rio para as condiçõ es naturais possa n ão ser inteiramente v álida, h á provas de que
algumas das tend ê ncias básicas que se observam no laborat ório sã o caracter ísticas
da sucessão que ocorre na á rea terrestre e nas grandes massas de água. As suces ¬
sões sazonais tamb é m seguem com frequ ê ncia o mesmo padr ão uma flora ção
sazonal precoce, caracterizada pelo r á pido crescimento de umas poucas espé cies
dominantes, seguida por raz ões B / P elevadas , por uma maior diversidade , e um
estado relativamente está vel , embora tempor á rio , em termos de P e de R ( Margalef,
1963). Os sistemas abertos podem não experimentar , na maturidade , um decl í nio
na produtividade total ou bruta, como acontece com o microcosmo vivendo em es ¬
paços limitados, embora o padrã o geral da altera çã o bioenergé tica no ú ltimo pare ça
simular bastante bem a natureza.
408

O Quadro 9-1, como já foi apontado, refere-se a altera çõ es provocadas por


processos biológicos no interior do ecossistema em questão. Materiais ou energia im ¬
portados, ou for ças geol ógicas actuando no sistema, podem , por certo, inverter as
tend ê ncias apresentadas no Quadro 9-1. Por exemplo, d á-se a eutrofica ção de um
lago, quer natural quer cultural , quando s ã o importados de fora isto é, da bacia
de alimenta çã o nutrientes para o lago. Isto equivale a adicionar nutrientes ao
microssistema de laborat ório ou à fertilizaçã o de um campo de cultura; em termos
de sucessão, o sistema é reconduzido a um est á dio mais novo ou de «flora ção».
Estudos recentes de sedimentos de lagos (Mackereth , 1965; Cowgill e Hutchinson , 1964;
Harrison , 1962), assim como considerações te óricas, indicaram que os lagos podem
progredir , e progridem , para uma situa çã o mais oligotr ófica quando a entrada de nu ¬

trientes provenientes da bacia de alimentação abranda ou cessa. Deste modo, h á


esperan ças de que a indesejá vel eutrofica çã o cultural das nossas águas possa ser
invertida, caso a corrente de entrada de nutrientes proveniente da bacia de alimen ¬
ta ção seja grandemente reduzida. A «recupera ção» do Lago Washington em Seattle
( ver página 439) constitui um exemplo. Poré m , acima do mais, esta situação volta
a destacar que, caso se pretenda atacar com sucesso os problemas da polui çã o da

PB B
PL
R

Sucessã o numa floresta


I _L I I
40 60
Anos
PB B
PL /
R s
/
/
/
7 Sucessã o num microcosmo
I I I I
40 60 80 100
Dias
Figura 9-2. Comparação da energé tica do desenvolvimento do ecossistema numa floresta ( Repro¬
duzido de Kira e Shidei , 1967) e num microcosmo de laborat ó rio ( Reproduzido de Cooke, 1967).
PB, produ çã o bruta ; PL, produ çã o l í quida; R , respiração total da comunidade ; B, biomassa total .
409

água, a unidade de ecossistema que deve ser considerada é toda a bacia de drena¬
gem ou de capta çã o, e n ã o apenas o lago ou o rio ( reler a página 22).
Para evitar confusões nestas mat é rias importantes é relevante distinguir entre
processos autogênicos ( isto é, processos bi ó ticos no interior do sistema) e processos
alogénicos ( como as for ças geoqu í micas actuando de fora). Assim, o Quadro 9-1
descreve apenas a sucessão autogénica. A sucess ão alog énica ser á considerada mais
adiante, embora se possa assinalar , desde já, que os lagos pequenos, ou outros sis ¬

temas que são transit ó rios no sentido geol ógico, apresentam com frequê ncia ten ¬

d ê ncias opostas àquelas que se indicam no Quadro 9-1, porque o efeito dos proces ¬

sos alogénicos excede o dos processos autogênicos. Tais ecossistemas poder ão n ão


s ó n ão estabilizar , como també m extinguir -se. Tal ser á o destino final dos lagos
criados pelo homem , sujeitos à erosã o por ele provocada ! ( Ver , por exemplo, Figura
15-6 A', página 430 ).

Cadeias e Tecidos Alimentares

À medida que o ecossistema se desenvolve, podem ser esperadas altera ções


subtis no padr ão do modelo da teia das cadeias alimentares. A maneira pela qual
os organismos se encontram ligados entre si através do alimento tende a ser rela ¬
tivamente simples e linear nas etapas muito jovens da sucessão. Al é m do mais,
a utilização heterotr ófica da produ ção líquida tende a ocorrer predominantemente
por interm édio das cadeias alimentares de pastoreio isto é, sequ ê ncias planta-
- herb í voro- carn í voro . Em contraste, nas etapas maduras, as cadeias alimentares tor-
nam-se teias complexas, seguindo o grosso da corrente de energia biológica as vias
de detritos (Quadro 9-1, n mero 5) , como já se descreveu detalhadamente no
Capítulo 3. O tempo envolvido numa sucess ã o ininterrupta permite associa ções e
adapta ções recí procas entre plantas e animais cada vez mais í ntimas que conduzem
ao desenvolvimento de muitos mecanismos que reduzem o pastoreio, como sejam
o desenvolvimento de tecidos de suporte indigerí veis (celulose , lenhina e outros),
controlo de retroalimenta ção entre plantas e herb í voros (Pimentel, 1961) e uma
crescente pressão de predadores sobre os herbívoros. Estes e outros mecanismos,
descritos nos Capí tulos 6 e 7, tornam a comunidade biol ógica capaz de manter a
grande e complexa estrutura orgâ nica que mitiga as perturbações do ambiente f í sico.
Uma pressão severa ou alterações r á pidas criadas por for ças exteriores podem, certa¬
mente, privar o sistema deste mecanismo de protecção e possibilitar a ocorr ê ncia
de crescimentos cancerosos , eruptivos , de certas espécies, como o homem com
frequ ê ncia constata para seu pesar. Documentam-se algures exemplos de erup ções
de pragas induzidas por press ã o ( ver páginas 190, 354 e 458).
410

Diversidade e Sucessão

Porventura a mais controversa das tend ê ncias da sucessão refere-se à diver¬


sidade, tema já tratado no Capí tulo 6. Encontram-se enumerados no Quadro 9-1,
n ú meros 8 a 11, quatro componentes da diversidade.
A variedade em espé cies, expressa como uma raz ã o entre espé cies e n ú mero
ou como uma razã o entre espécies e á rea, tende a aumentar durante as etapas novas
do desenvolvimento da comunidade. Conhece-se menos bem o comportamento
da componente « uniformidade » da diversidade. Embora um aumento na variedade
de espé cies, juntamente com a redu çã o do predom í nio de uma espé cie ou de um
pequeno grupo de espé cies ( isto é, uniformidade aumentada ou redund â ncia reduzida),
possa ser aceite como uma probabilidade geral durante a sucessã o, h á outras al ¬
tera ções na comunidade que podem actuar contra estas tend ê ncias. Um aumento
na dimensã o dos organismos, um aumento no comprimento e na complexidade das
suas biologias, um aumento na competiçã o interespecífica que pode determinar a
exclusão competitiva de espécies (Quadro 9-1, n ú meros 12 a 14), constituem ten ¬
d ê ncias que podem reduzir o n ú mero de espé cies que vivem em determinada
á rea. Na etapa flora çã o da sucessã o, os organismos tendem a ser pequenos e a
ter biologias simples e altas taxas de reprodu çã o. As altera ções na dimensã o
parecem ser uma consequ ê ncia de uma altera çã o na passagem de nutrientes de
inorg â nicos a org â nicos ( Quadro 9-1, n ú mero 7), ou uma adaptaçã o a ela. Num
ambiente mineral e rico em nutrientes, o tamanho pequeno constitui uma vantagem
selectiva, especialmente para os autotr óí f cos, por motivo de uma maior razão entre
superf í cie e volume . À medida que o ecossistema se desenvolve os nutrientes
inorg â nicos tendem, por é m, a ficar cada vez mais ligados à biomassa ( isto é, a tor¬
nar-se intrabi óticos), pelo que a vantagem selectiva se muda para os organismos
maiores ( quer indiv í duos maiores da mesma esp é cie, quer espécies maiores, ou
ambas as coisas), que t ê m maior capacidade de armazenamento e biologias mais
complexas. Encontram-se assim adaptados para explorar as ofertas estacionais ou
peri ódicas de nutrientes ou de outros recursos. Continua sem resposta a quest ã o
de se saber se a rela çã o que parece directa entre a dimensã o do organismo e a
estabilidade é o resultado de retroalimenta çã o ou se é meramente fortuita ( ver
Bonner, 1965; Frank, 1968).
Assim pois, o continuar ou n ã o o aumento da diversidade em espé cies durante a
sucessão ficará dependente da medida em que o acr é scimo em nichos potenciais,
resultante do aumento da biomassa, da estratifica çã o (Quadro 9-1, n ú mero 9) e de
outras consequ ê ncias da organiza ção biol ógica, exceda os efeitos contr ários do acré s
¬

cimo do tamanho e da competiçã o. Ningu é m foi ainda capaz de catalogar todas as


espé cies em qualquer á rea de certa dimensã o, e muito menos de seguir a diver ¬

sidade total em esp é cies numa sé rie cont í nua. Apenas existem dados dispon í veis
411

para segmentos da comunidade ( árvores, aves, e assim por diante ). Apresentam-se


na Figura 9-3 os resultados de um dos estudos mais completos jamais feitos sobre
alterações na diversidade de vegeta ção numa «sere» florestal. Cada classe de dimen ¬
são ou estrato é representada por uma curva diferente que indica que cada compo¬
nente alcança o apogeu , quanto a diversidade , na altura do desenvolvimento m áximo
desse componente. Margalef (1963) sust é m que a diversidade tenderá para o m á ¬
ximo durante as etapas de juventude ou m édia da sucessão e declina seguidamente
no clí max, apresentando-se na Figura 9-3 uma sugestão de tal tend ê ncia.
A variedade em esp é cies, a equitabilidade e a estratificação são apenas trê s
aspectos da diversidade que se alteram durante a sucessão. Porventura uma ten ¬
d ê ncia at é mais importante consiste no aumento da diversidade de compostos
orgâ nicos, nã o apenas daqueles que se encontram no interior da biomassa mas
tamb é m dos excretados e secretados para o meio (ar, solo, água) como subprodutos
do crescente metabolismo da comunidade. Um aumento nesta «diversidade bioqu í ¬
mica» (Quadro 9-1, n mero 10) encontra- se ilustrado pelo acr é scimo de pigmentos
vegetais ao longo de um gradiente de sucessã o em situa ções aqu áticas, como se
encontra descrito por Margalef (1967). A diversidade bioqu í mica no interior das popu ¬
lações, ou no interior dos sistemas considerados no seu conjunto, ainda nã o tem
sido estudada sistematicamente at é ao grau em que o tem sido a quest ão da di ¬
versidade em esp écies. Consequentemente, apenas se podem fazer poucas generaliza ¬
ções, excepto a de que parece poder dizer-se que , com o progredir da sucessão,
os extrametab ólitos desempenham , provavelmente, fun çõ es de crescente importân ¬
cia como reguladores que estabilizam o crescimento e a composição do ecossistema.
Tais metab ólitos podem, de facto, ser extremamente importantes no que se re ¬
fere a evitar que as populaçõ es ultrapassem a densidade de equil í brio, reduzindo
deste modo as oscila ções e contribuindo para a estabilidade.
A relação de causa e efeito, entre a diversidade e a estabilidade n ão é clara
e precisa de ser investigada de muitos â ngulos. Caso se pudesse demonstrar que a
diversidade biótica refor ça efectivamente a estabilidade f ísica no ecossistema, ou
que é o resultado dela, ent ão dispor-se- ia de um guia importante para a prática
da conservação . A conserva ção de sebes vivas, de manchas arborizadas, de espé ¬
cies n ão econ ó micas, de águas n ã o eutroficadas e de outras variedades bióticas na
paisagem humanizada poderia ent ã o verificar-se, tanto por motivos cient íficos como
est é ticos, mesmo que uma tal preserva ção pudesse frequentemente traduzir-se numa
certa redu ção na produ ção de alimento ou de outras necessidades imediatas do con ¬
sumidor. Por outras palavras, é a variedade apenas o condimento da vida ou é
uma necessidade para efeitos da existê ncia, a longo prazo, do ecossistema total
compreendendo o homem e a natureza?
412

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LU CANOPY
TREES
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s
LU

40 60 80 100 120 140 160 250


IDADE DA COMUNIDADE EM ANOS

Figura 9-3. Diversidade espé cies / n ú meros em quatro classes (estratos) de dimensão n ma «sere» de
floresta na regiã o de «piedmont» na Ge ó rgia, com in ício num campo agr ícola abandonado (idade zero).
Ver Cap í tulo 6 , página 236, para uma explicação do í ndice de Shannon . Disp õ e -se de um n ú mero muito
limitado de povoamentos florestais com mais de 200 anos de idade para estabelecer médias seguras para
clí maxes maduros, embora os dados dispon í veis indiquem uma tend ê ncia descendente . ( Curvas tra çadas
a partir dos dados n ã o publicados de Cari Monk , Instituto de Ecologia, Universidade da Ge órgia.)

Ciclagem de Nutrientes

j Uma tend ência importante, no desenvolvimento da sucessão , consiste no fechar


ou no «cerramento» da ciclagem biogeoqu ímica dos nutrientes principais, tal como
o azoto, o f ósforo e o cálcio (Quadro 9-1, n ú meros 15 a 17). Os sistemas maduros,
quando comparados com os que se encontram em desenvolvimento, t ê m uma maior
' "
.
capacidade para apanhar e conservar nutrientes para ciclagem no interior do sistema.
O ciclo do cálcio na bacia hidrogr áfica constante da Figura 4-6 constitui um bom
exemplo; apenas quantitativos muito pequenos de nutrientes se perdem dos ecossis-
temas maduros, em comparação com o que acontece nos ecossistemas imaturos
ou submetidos a perturbações.

Pressão de Selecção: Quantidade versus Qualidade

MacArthur e Wilson (1967) examinaram etapas de colonização de ilhas que


proporcionam paralelismos conclusivos com etapas na sucessão ecol ógica dos con ¬
tinentes. Verificaram que espé cies com elevados índices de reprodu çã o e de cres¬
cimento t ê m mais possibilidades de sobreviver nas fases jovens, sem grande densidade,
de colonização das ilhas. Em contraste, a pressão de selecção favorece as espécies
413

com potencial de crescimento mais baixo, embora com melhores capacidades para
a sobrevivê ncia competitiva, sob a densidade de equilíbrio das etapas mais tardias.
Utilizando a terminologia das equa ções de crescimento, onde r é o í ndice intrí nseco
de aumento e K a assimptota superior ou o tamanho de equil í brio da população
( ver Cap í tulo 7), pode dizer-se que «a selecção r» predomina na coloniza çã o temporã,
com a «selecção K» prevalecendo à medida que mais esp écies e indiv íduos empreen ¬
dem a coloniza çã o ( Quadro 9-1, n mero 18). Igual situa çã o se observa, mesmo no
interior da espécie , em certos insectos setentrionais «cíclicos», nos quais as estirpes
gené ticas «activas» encontradas a baixas densidades sã o substitu ídas a densidades
altas por estirpes « preguiçosas» que est ão adaptadas à aglomera ção, como já
foi descrito ( ver página 311).
Pode presumir-se que altera ções gen éticas envolvendo a biota no seu conjunto
acompanham o gradiente de sucessão, uma vez que , como ficou atrá s descrito, a
produ ção em quantidade caracteriza o ecossistema novo, ao passo que a produ ção
em qualidade e o controlo de retroalimenta ção são as marcas caracter ísticas do sistema
maduro ( Quadro 9-1, n ú mero 19). A selecção a n ível de ecossistema pode ser fun ¬
damentalmente interespecíí f ca, uma vez que a substituiçã o de esp écies constitui uma
caracter ística das estapas que se sucedem, ou « sere», como se ilustrará adiante . Con ¬
tudo, na maior parte das «seres» bem estudadas parece haver um pequeno n ú mero
de espé cies iniciais da sucessão com capacidade para subsistir até às etapas mais tar ¬
dias. At é onde o autor est á informado, n ã o se encontra determinado at é que ponto
alterações gen é ticas contribuem para a adaptação em tais espécies, embora os estu ¬
dos sobre a gen é tica da popula çã o de Drosophila sugiram que alterações na
composição gen é tica poderão ser importantes na regulação da popula çã o ( Ayala,
1968). Certamente, a popula ção humana, se sobreviver para al é m da presente etapa
em que se encontra, de crescimento rápido, está destinada a ser cada vez mais
afectada por uma tal pressão de selecção à medida que a adaptação à aglomera ¬
ção se for tornando essencial.

Homeostasia Global

Este breve resumo do desenvolvimento do ecossistema põe em destaque a


natureza complexa de processos que interagem. Embora seja l í cito perguntar se todas
as tend ê ncias descritas constituem características de todos os tipos de ecossistemas,
h á poucas d ú vidas que o resultado l í quido das actividades da comunidade é um
acré scimo na simbiose, na conservação de nutrientes, na estabilidade e no conte údo
de informa ção ( Quadro 9-1, n ú meros 20 a 24). Como ficou enunciado no princí ¬
pio desta secçã o, a estrat égia global est á dirigida no sentido de se alcan çar uma estru ¬
tura orgâ nica t ã o grande e diversa quanto possível , dentro dos limites impostos pela
414

entrada de energia dispon í vel e pelas condi ções fí sicas de exist ê ncia predominantes
(solo, água, clima, e assim por diante ). À medida que os estudos das comunidades bi ó-
ticas se vão tornando mais funcionais e sofisticados, vai-se ficando impressionado com
a import â ncia do mutualismo, parasitismo, predação, comensalismo e outras formas
de simbiose examinadas no Cap í tulo 7. A associaçã o entre espé cies n ã o aparentadas
é especialmente digna de nota, por exemplo a que ocorre entre corais (celenterados )
e algas ou entre micorrizas e á rvores. Em muitos casos, pelo menos, as regulações
bi ó ticas do pastoreio, da densidade da populaçã o e da ciclagem de nutrientes pro¬
porcionam os principais mecanismos de retroacçã o negativa que contribuem para a
estabilidade no sistema maduro, por evitarem excessos e oscilações destrutivas.
A quest ão intrigante é esta: os ecossistemas maduros envelhecem como acontece
com os organismos? Por outras palavras, depois de um longo per íodo de relativa esta ¬
bilidade ou «maioridade», voltarão os ecossistemas a desenvolver um metabolismo
n ão equilibrado e a tornar-se mais vulneráveis às doen ças e a outras perturbações ?
Alguns exemplos daquilo que parecem constituir cl í maxes «catastr óficos» ou
«cí clicos», citados na pró xima secçã o, suportam porventura esta analogia entre o
desenvolvimento do indiv íduo e o da comunidade .
Embora a hip ótese básica de que as espécies se substituem umas às outras
num gradiente de sucess ão, «dado que as populações tendem a modificar o ambiente
f í sico construindo condições favor áveis para outras populações, at é que seja alcan ¬
çado o equil í brio entre as partes bi ótica e abiótica» (ver «Enunciado» no princ í pio
desta secção) seja certamente vá lida, poderá constituir uma simplifica çã o excessiva,
uma vez que se sabe presentemente muito pouco sobre a natureza qu í mica dos pro ¬

cessos de desenvolvimento. Tê m presentemente sido documentados casos v á rios


ilustrativos de que algumas espécies n ã o apenas tornam as condições favor áveis
para outras como també m criam realmente condições desfavorá veis para elas pró prias,
acelerando desta forma o processo de substituição. Por exemplo, as «infestantes»
anuais pioneiras iniciais da sucessão de uma pradaria ou de um campo abandonado
pela agricultura ( campo velho ) produzem frequentemente antibi ó ticos que se acumu ¬
lam no solo e inibem o crescimento das novas plantas nos anos seguintes. Whittaker
(1970) fez a revisão destes estudos e daquilo que hoje se conhece acerca da natureza
qu í mica dos reguladores.

Exemplos

Se o desenvolvimento come ça numa á rea que n ão tenha sido ocupada previa-


mente por uma comunidade (como seja uma rocha ou uma superfície de areia de
exposi ção recente, ou uma corrente de lava), o processo é conhecido por sucessão
primária. Se o desenvolvimento da comunidade se processa numa á rea determinada
415

da qual haja sido removida uma comunidade ( como um campo de cultura agrí ¬
cola abandonado ou uma floresta abatida), o processo é designado apropriadamente
por sucessão secund ária. A sucessã o secund á ria é usualmente mais r á pida, uma vez
que alguns organismos ou respectivos propágulos se encontram já presentes, e o
territ ório previamente ocupado é mais receptivo ao desenvolvimento da comunidade
do que o são á reas est é reis. Ilustram-se nos Quadros 9-2 e 9-3, respectivamente,
os desenvolvimentos primá rio e secund á rio. Como se ilustra na Figura 9-1, a suces¬
são primária tende a come çar a um n í vel de produtividade mais baixo do que a
sucessão secund ária.
O primeiro exemplo, Quadro 9-2, ilustra uma sucessão ecol ógica primá ria de
plantas e de certos componentes invertebrados da comunidade nas dunas do Lago
Michigan. O Lago Michigan já foi muito maior do que é presentemente. Ao recuar
para as fronteiras actuais, foi deixando dunas de areia sucessivamente mais novas.
Dado que o substrato é de areia, a sucessão é lenta e encontra-se disponível
uma sé rie de comunidades de idades diferentes etapas pioneiras nas margens do
lago e etapas serais cada vez mais velhas à medida que uma pessoa se afasta da
margem. Foi neste «laborat ório natural da sucessão» que H. C. Cowles (1899) fez os
seus estudos pioneiros sobre plantas e Shelford (1913) os estudos sobre a sucessão
de animais. Olson (1958) voltou a estudar o desenvolvimento do ecossistema nestas
dunas e facultou informa ção actualizada sobre ritmos e processos. Dada a intromis¬
são da ind stria pesada, os defensores da conservação vêem-se em dificuldades ao
tentar preservar uma certa parte das «Dunas da Indiana»; o p ú blico deveria apoiar
tais esfor ços, uma vez que estas á reas n ão t ê m apenas uma beleza natural inesti¬
má vel de que podem gozar os habitantes dos centros urbanos, como constituem
també m um «laborat ó rio de ensino» natural em que o «espectáculo visual» da suces¬
são ecol ógica é dram ático.
As comunidades pioneiras das dunas consistem de ervas ( Ammophila, Agro-
pvron , Calamovilfa) , de salgueiros, cerejeiras e choupos, e de animais como um
cole ó ptero cincidelideo, aranhas buraqueiras e gafanhotos. A comunidade pioneira
é seguida, como se ilustra, por comunidades de floresta, cada uma das quais apre ¬
senta mudanças nas populações animais. O desenvolvimento da comunidade, em ¬
bora tenha começado num tipo de habitat muito seco e est é ril, resulta como produto
final numa floresta de faia e bordo, h ú mida e fria, em contraste com a duna nua.
O solo fundo e rico em h ú mus, com minhocas da terra e caracó is, contrasta com a
areia seca sobre a qual se desenvolveu. Assim, a duna original de areia relativamente
inóspita é, por fim, completamente transformada por acção de uma sucessão de
comunidades.
Nas dunas a sucess ão é com frequ ê ncia sustida nas etapas jovens, quando
o vento acumula a areia sobre as plantas e a duna có me ça a mover -se cobrindo
inteiramente no seu percurso a vegeta ção. Tem-se aqui um exemplo do efeito de
416

Quadro 9-2
Sucessão Ecoló gica Primária de Plantas e Invertebrados nas Dunas
do Lago Michigan *

ESTADOS SERAIS
Floresta
Choupo e Floresta de Floresta Seca Floresta H úmida Clímax
Invertebrados Gramínea Pinus de Black de Carvalho e de de
nos Estratos do Terreno de Praia banksiana Oak Carvalho-Cária Faia-Bordo

Insecto cicindelideo
. ( Cicindela lépida ) *
Aranha
( Trochosa cinerea) *
Gafanhoto
( Trimerotropis marí tima ) *
Tetigoni ídeo
( Psinidia fenestralis ) * * *
Aranha
( Geolycosa pikei ) * * *
Vespas
( Bembex e Microbembex ) **
Insecto cicindelideo
( C. scutellaris ) * *
Formiga ( Lasius niger ) * *
Gafanhoto migrador ( Melanoplus) * *
Gafanhotos
( Ageneotettix e Spharagemon ) * *
Vespa (Sphex) * * * *
Formiga leão ( Cryptoleon ) * *
Cerad ídeo ( Neuroctenus) * *
i Gafanhotos
(seis espé cies ainda não referidas) * *
Alfinetes ( Elateridae ) * * * * * *
Caracol ( Mesodon thyroides ) ** * * * *
Insecto cicindelideo ( C. sexguttata ) * * * *
Dipló podes ( Pontaria e Spirobolus) * * * *
Quiló podes
( Lithobius, Geophilus , Lysiopetalum ) * * * *
Falso grilo ( Centhophilus) * * * *
Formigas
( Camponotus, Lasius umbratus ) * * * *
Insectos passalídeos ( Passalus ) * * * *
Bichos de conta ( Porcellió) * * * *
Minhocas ( Lumbricidaé) * * * *
Baratas ( Blattidae ) * * * *
Gafanhoto tetig ídeo ( Tettigidae) * *
Melgas (Tipulidae ) * *
Caracóis da floresta
(7 espécies não encontradas
nas fases prévias) * *

De Shelford , 1913. É listado um pequeno n mero de invertebrados para ilustrar o padrão geral de
mudança; para uma mais completa listagem vejam -se os seus quadros L a LV .
417

paragem ou de inversã o por acçã o de perturba ções «alog é nicas», de que se falou na
explicação geral da secção anterior. Eventualmente , contudo, à medida que a duna
vai penetrando, torna-se estabilizada e as ervas pioneiras e as á rvores voltam outra
vez a estabelecer-se . Olson (1958) , utilizando os mé todos modernos de determinação
de idade pelo carbono, avaliou serem necessá rios cerca de 1000 anos para alcançar
uma floresta cl í max nas dunas do Lago Michigan. (Contrasta-se isto com a «sere»
de 200 anos do desenvolvimento secund á rio apresentado nas Figuras 9-3 e 9- 4 ).
Aquele autor també m salienta que uma floresta de faia e bordo poder á apenas ser
alcançada em locais h midos, e que uma floresta de carvalhos poder á constituir
a etapa terminal em encostas mais elevadas ou expostas. (Os cl í maxes topográficos
ser ão discutidos mais adiante na Secção 2).
O segundo exemplo ilustra como as alteraçõ es em aves residentes (Qua ¬
dro 9-3) são análogas às das plantas dominantes na sucessão secund á ria que segue
o abandono dos campos de cultura, em terras altas no sueste dos Estados Unidos
da Amé rica ( Figura 9- 4). Note-se que a alteraçã o mais pronunciada nas popula ¬

ções de aves ocorre à medida que se vai alterando a forma de vida das plantas
dominantes (ervas, arbustos, pinheiros e folhosas ). Nenhuma espé cie de ave ou
de planta é capaz de prosperar de um extremo da «sere» até ao outro; as espé cies
atingem o seu máximo em pontos diferentes no gradiente temporal. Embora as
plantas sejam os organismos mais importantes que produzem altera ções, as aves
não são de modo algum agentes inteiramente passivos na comunidade, uma vez
que as plantas dominantes principais das etapas de arbustos e de arbó reas folhosas
dependem das aves ou de outros animais no que se refere à dispersã o de sementes
por novas á reas. O resultado final, ou cl í max, é uma floresta de carvalho e cá ria, em
vez da floresta de faia e bordo como no exemplo anterior , dadas as diferen ças no
clima regional. Keever (1950 ) mostrou que a maté ria org â nica e os detritos produzidos
pelas herbáceas do g é nero Erigeron, dominantes no primeiro ano, inibem fortemente o
crescimento da pr ó pria espé cie no ano 2 ( ver Figura 9- 4, um diagrama de barras )
acelerando assim a sua substituiçã o pelas do g é nero Aster. A provável ocorr ê ncia
muito espalhada desta sucessão de «indu ção qu í mica » foi mencionada na secção
anterior. Em resumo, embora o clima e outros factores f ísicos regulem a composi ¬
ção das comunidades e determinem o cl í max, sã o as pr ó prias comunidades que
desempenham o papel principal na produ çã o da sucessã o.
A sucessã o secundá ria das plantas é quase tão not á vel nas regiões de pradaria
como nas florestas, muito embora apenas estejam envolvidas plantas herbáceas. Em
1917, Shantz descreveu a sucessão nas pistas abandonadas utilizadas pelos pioneiros
que atravessaram as pradarias do centro e do oeste dos Estados Unidos da Am é rica,
tendo sido desde ent ão descrita vá rias vezes virtualmente a mesma sequ ê ncia. Em ¬
bora as esp écies variem geograficamente, mant é m-se por toda a parte o mesmo
padr ã o. Este envolve quatro etapas sucessivas: (1) etapa de infestante anual ( de 2

27
418

Quadro 9-3
Distribuição de Aves Passeriformes numa Sere Secundária de Terras Altas,
na Regi ão de Piedmont , Geórgia *
Clí max
Plantas Dominantes Ervas não Gramí¬ Gramí neas- de Carvalho -
Idade em Anos da Area
Gramí neas neas -arbustos Floresta de Pinheiro -Cária
Estudada 1 2 -
2 3 15 20 25 35 60 100 150 - 200
Espécies de Aves ( apresen¬
tando uma densidade de
5 ou mais numa dada fase

Ammodramus savannarum 10 30 25
Sturnella magna 5 10 15 2
Spizella pusilla 35 48 25 8 3
Geothlypis tricas 15 18
Icteria virens 5 16
Richmondena cardinalis 5 4 9 10 14 20 23
Pipilo erythrophthalmus 5 8 13 10 15 15
Aimophila aestivalis 8 6 4
Dendroica discolor 6 6
Vireo griseus 8 4 5
Dendroica pinus 16 34 43 55
Piranga rubra *
6 13 13 15 10
Thyothorus ludovicianus 4 5 20 10
Parus carolinensis 2 5 5 5
Polioptila melanura 2 13 13
Sitta pusilla 2 5
Contopus sp. 10 1 3
Espé cie da fam. Trochilidae 9 10 10
Parus bicolor 6 10 15
Vireo plavifrons 3 5 7
Wilsonia citrina 3 30 11
Vireo olivaceus 3 10 43
Dendrocopos villosus 1 3 5
Dendrocopos pubensceus 1 2 5
Myarcus tyrannulus 1 10 6
Hylocichla mustelina 1 5 23
Coccyzus americanus 1 9
Mnotilta varia 8
Oporonis formosus 5
Empidonax virescens 5
Totais :
( incluindo espé cies raras
atrás n ão listadas) 15 40 110 136 87 93 158 239 288

* Segundo Johnston e E. P. Odum (1956). Os n ú meros indicam territó rios ocupados ou casais estima ¬
dos por 100 acres.
t Por densidade, as espécies «dominantes» para cada fase s ão as seguintes:
1. Fase de ervas n ão gramí neas e gramí neas: Ammodramus savannarum e Sturnella magna.
-
2. Fase de gramí neas arbustos: Spizella pusilla , Geothlypis tricas e Sturnella magna.
-
3. Floresta de pinheiro nova (25 60 anos): Dendroica pinus, Pipilo erythrophthalmus e piranga rubra.
4. Floresta de pinheiro madura ( com andar inferior de folhosas bem desenvolvido): Dendroica pinus, Thyo -
thorus ludovicianus, Wilsonia citrina e Richmondena cardinalis.
-
5. Clímax de carvalho cá ria: Vireo olivaceus , Hylocichla mustelina e Richmondena cardinalis.
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IDADE EM ANOS I 2 3 - 20
i
- 25 100
i
150 +
TIPO DE COMUNIDADE CAMPO NU i PRADARIA i
i
ERVAS- ARBUSTOS •
t
FLORESTA DE PINHEIRO Í FLORESTA CLÍ MAX DE CARVALHO- C ÁRIA

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DIGIT ÁRIA
mm
ERIGERON
TTTT
ASTER ANDROPOGON
-

ARBUSTOS PINHEIRO
•Ííf
ANDAR INFERIOR CARVALHO C Á RIA
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ANO
M 6
ANO 1
D M J S
ANO 2
M J
ANO 3
S D
IDADE DO POVOAMENTO

Figura 9- 4. Sucessão secundária na região de «piedmont » do sudeste dos Estados Unidos da América. As principais plantas dominantes
da «sere» da terra alta que se sucedem ao abandono da terra de cultura (algodão, milho, etc.) est ã o apresentadas de uma forma figurativa no
diagrama superior (Segundo E. P. Odum). Os gr áficos inferiores cont ê m dados quantitativos. À esquerda, est á representada a dimensão rela ¬

tiva das tr ê s plantas pioneiras que alcançam a dominância em anos sucessivos, a saber, espé cies dos gé neros Leptiion = Erigeron, Aster e
Andropogon (Segundo Keever, 1950), indicando- se à direita a gradual passagem do pinheiro para a dominância das folhosas ( segundo
Oosting, 1942). No diagrama à esquerda, indicando a dimens ã o relativa das tr ê s plantas, a altura das colunas representa a altura das
plantas em polegadas, e a largura das colunas o diâmetro relativo dos caules. No diagrama à direita, os dados de densidade são o n - 4
mero por 100 nrL to
420

a 5 anos), ( 2) etapa de gram í nea de vida curta ( de 3 a 10 anos) , (3) etapa de


gram í nea perene tempor ã (de 10 a 20 anos ) e ( 4 ) etapa de gram í nea clí max (atin ¬
gida entre os 20 e os 40 anos ). Assim , partindo de um terreno n ou arado,
são necessá rios de 20 a 40 anos para a natureza a í «construir» uma pradaria cl í max,
dependendo o tempo dos efeitos limitantes da humidade, do pastoreio, etc. Uma
s é rie de anos secos ou o sobrepastoreio faz com que a sucessã o retroceda no sen ¬
tido da etapa de planta anual infestante ; o grau de retorno depende da severidade
do efeito.
Tem sido produzida uma terminologia muito ampla e especializada durante
várias d é cadas para descrever a sucessã o ecol ógica terrestre . Muitos dos termos foram
propostos originalmente por Frederic E. Clements na sua monografia pioneira sobre
a sucessão vegetal (1916) e seus subsequentes trabalhos e livros volumosos. Como
acontece, com frequ ê ncia , na fase descritiva inicial da ciê ncia, muitos destes termos
n ão contribuem grandemente para a compreensão dos processos envolvidos. Conse ¬

quentemente , pode deixar-se a maior parte desses termos para que o estudante avan ¬
çado os analise e decida se deverão ou n ão ser mantidos.
A sucessão é , por igual , t ã o aparente nos habitats aqu á ticos como nos
terrestres. Contudo, tal como já se destacou, - o processo de desenvolvimento da
comunidade em ecossistemas de águas pouco profundas ( lagoas , lagos pequenos e
águas costeiras) é usualmente complicado pelas fortes entradas de materiais e de
energia que podem acelerar, deter ou inverter o curso normal do desenvolvimento
da comunidade. Assim , as pequenas lagoas formadas entre as dunas criadas pelo
recuo do Lago Michigan ( ver Quadro 9- 2 ) depressa se enchem com mat é ria org â ¬

nica e sedimentos e se transformam num substrato em que continuar á uma suces¬


são terrestre. A natureza complexa de tais alterações pode ser mais facilmente
observada em lagoas artificiais ou em lagos represados. Quando se cria um reser ¬
vat ório inundando um solo rico, ou uma á rea com uma grande quantidade de mat é ¬
ria org ânica ( como acontece quando uma á rea florestada é inundada ), a primeira
etapa de desenvolvimento consiste numa fase de «flora çã o» altamente produtiva,
caracterizada por rá pida decomposi ção, elevada actividade microbiana , nutrientes abun ¬

dantes, baixo teor de oxigé nio no fundo, embora, com frequ ê ncia , com um rá pido
e vigoroso crescimento de peixe. O pescador fica muito feliz com esta etapa! Po¬
ré m , quando os nutrientes armazenados sã o dispersados e o alimento acumulado
utilizado, o reservat ório estabiliza a um í ndice de produtividade mais baixo, a uma
maior quantidade de oxig é nio b ê ntico, e a produ ções mais baixas de peixe . Os pes ¬
cadores ficam infelizes com esta etapa ! Caso a bacia de alimenta çã o seja bem pro ¬
tegida por vegetaçã o madura, ou se os solos dessa bacia forem inf é rteis, ent ã o a
etapa estabilizada pode permanecer por algum tempo uma espé cie de «cl í max».
Contudo, a erosão e as entradas de nutrientes aceleradas pelo homem produ ¬

zem , como regra, uma s é rie cont í nua de «estados transit órios» at é que a bacia de
421

recepção se encha. Certamente, as albufeiras em bacias de alimentaçã o empobrecidas


ou em locais primitivos est é reis exibir ão um padrão inverso de baixa produtividade
à partida. A incapacidade de . reconhecer a natureza básica da sucessão ecol ógica e
as relações entre a bacia de alimenta çã o e o represamento tem determinado muitos
insucessos e desapontamentos nas tentativas feitas pelo homem para manter tais ecos-
sistemas artificiais. Como se descreverá na Secção 3 deste cap í tulo, os sistemas
de água pouco profunda podem ser levados à « estabilidade de pulsaçã o» pela alta
energia correspondente a oscila çõ es no n í vel da água.
Pelo facto dos oceanos se encontrarem , de um modo geral , num estado
est á vel, e pelo facto de terem estado estabilizados qu í mica e biologicamente durante
séculos, os ocean ógrafos n ão se t ê m dedicado à sucessão ecol ógica. Contudo, com
a poluiçã o a ameaçar perturbar o equil í brio, a interacção dos processos autog é ni-
cos e alog é nicos atrair á, certamente , maior aten ção por parte dos cientistas marinhos.
Os estudos nas águas costeiras já contribu í ram para a teoria, como ilustra o já ci ¬
tado importante trabalho de Margalef . Num outro trabalho Margalef (1967 a) resumiu
as suas observa ções sobre as altera ções que t ê m lugar num gradiente de sucess ão
em colunas de água costeira, como se segue :
1. Aumenta entre o fitopl â ncton a dimensã o m é dia da cé lula e a abund â ncia
relativa das formas m ó veis.
2. A produtividade , ou a taxa de multiplicação, decresce .
3 . A composição qu í mica do fitopl â ncton , como é exemplificado pelos pig ¬
mentos vegetais, altera-se .
4. A composição do zoopl â ncton passa de animais que se alimentam por
filtra ção, passivos, para ca çadores mais activos e selectivos em resposta à passagem
de numerosas pequenas part í culas de alimento suspensas a um alimento mais escasso,
concentrado em unidades maiores e disperso num ambiente mais organizado ( es ¬

tratificado).
5. Nas ltimas etapas da sucess ão a transfer ê ncia total de energia pode bai ¬

xar, embora a sua eficiê ncia pare ça melhorada (este tipo de eficiê ncia foi analisado
no Capítulo 3, p ágina 119).
A sucessã o de organismos nos substratos tem sido objecto de grande aten ¬
ção, dada a import â ncia pr á tica da « incrustaçã o» nos cascos dos navios e nos
pilares pelos crustá ceos balan í deos e outros organismos marinhos s é sseis. Estudos
realizados nas águas marinhas també m t ê m suportado a teoria da sucessão «ectó-
crina» ( ver pá gina 48 para explica ção deste termo), que sustenta que as excre ções
org â nicas de um conjunto de popula ções estimula a substitui çã o por outro conjunto
delas ( ver Smayda, 1963 ).
Um exemplo final, o de uma sucessão heterotr ó fica numa cultura de infusão
de feno, foi retirado das experi ê ncias cl ássicas de Woodruff . Quando se permite
a manuten çã o de um meio de cultura resultante da fervura de feno, desenvolve-se
422

uma pr óspera cultura activa de bact é rias. Caso se junte, nessa altura, um pouco
de água de lagoa (contendo material de propaga ção de vá rios protozoá rios ) ocorre,
como Woodruff verificou , uma sucess ão definida de populações de protozoá rios com
dominantes sucessivos, como se ilustra na Figura 9-5. Nesta situa ção a energia é
máxima ao princí pio e depois declina. A menos que se adicione um novo meio,
ou se produza um regime autotr ófico, o sistema acaba eventualmente por esgotar-se e
todos os organismos morrem ou passam a estados de repouso (esporos, quistos,
etc.). Isto é muito diferente das sucessões autotr óficas descritas nos exemplos ante ¬
riores, em que a corrente de energia é mantida indefinidamente. O microcosmo de
infusão de feno constitui um bom modelo para o tipo de sucessão que ocorre nos
troncos em putrefacção, nos cad á veres dos animais, nas bolas fecais, e nas etapas
secund á rias do tratamento de esgotos urbanos. Pode també m considerar-se um modelo
para a sucessã o «encosta abaixo» que deve ser associada à explora çã o humana dos
combust í veis f ósseis! Em todos estes exemplos est á a tratar-se com uma sé rie de
etapas transit órias num gradiente de energia decrescente sem possibilidade de ser
alcan çado um estado est á vel.
As sucessões heterotr óficas e autotróficas podem combinar-se num modelo de
microecossistema de laborat ório, caso se adicionem amostras de um sistema derivado
a um meio enriquecido com mat é ria orgâ nica. Gorden e colaboradores (1969) des-

> 5000
M0NADAS
2500

CÒLPODA
£ 2000 - I \ HIPÓTRICOS

BACT É RIA
<
HETEROTROFICA
1500 J \
\ AMIBA
w
1000
V ÓRTICE LA
PARAMÉCIA
1
O
500

30 40 50 60 70 60 90
IDADE DA CULTURA EM DIAS

Figura 9 - 5 . Sucessã o numa cultura de infusão de feno com dominâ ncia de sucessivas espé cies.
É um exemplo de laborat ó rio de sucessã o heterotr ófica . (Segundo Woodruff, 1912, com adi çã o de curva
hipot é tica para bact é rias heterotró ficas.)
423

creveram a sucessã o num sistema deste tipo e mediram a corrente de energia. O


sistema come ça em primeiro lugar por ficar «turvo» enquanto ocorre a «flora ção»
das bact é rias heterotr óflcas, tornando-se depois verde brilhante quando os nutrientes
e as substâ ncias de crescimento (especialmente a vitamina tiamina), de que as al-
gas carecem, sã o libertadas pelas actividades das bact é rias. Este é, por certo, um bom
modelo da eutrofica ção cultural.

2. CONCEITO DE CLÍ MAX

Enunciado

A comunidade final ou est á vel numa s é rie de desenvolvimento (« sere ») é a


comunidade cl í max; é autoperpetu á vel e est á em equil í brio com o habitat f í sico.
Presumivelmente, numa comunidade cl í max , em contraste com uma comunidade em
desenvolvimento ou outra inst á vel , n ã o h á acumula çã o anual l í quida de mat é ria or ¬

gâ nica. Isto é, a produ ção anual e a importa çã o est ã o equilibradas com o consumo
anual da comunidade e a exporta çã o ( ver Figuras 9- 1 e 9- 2 ). Para uma dada regiã o
é conveniente, se bem que um tanto arbitr á rio, reconhecer (1) um s ó clí max
climático, que est á em equil í brio com o clima geral , e ( 2 ) um n mero vari á vel de
clí maxes ed áficos, que são modificados por condi ções locais de substrato. O pri ¬
meiro é a comunidade te ó rica para a qual tende todo o desenvolvimento em ma ¬
t é ria de sucessão numa dada regi ã o; realiza- se onde as condi çõ es f í sicas do substrato
n ão são t ã o extremas que modifiquem os efeitos do clima regional predominante. A
sucess ã o termina num cl í max ed á fico ali onde a topografia, o solo, a água , o fogo e
outras perturba ções s ã o tais que o cl í max clim á tico n ã o se pode desenvolver .

Explicação e Exemplos

É geralmente aceite, como baseada numa observa çã o e numa teoria seguras,


a hip ótese de que o desenvolvimento autog é nico produz eventualmente uma comu ¬

nidade est á vel . Tem havido, por é m , duas escolas quanto à interpreta çã o . De acordo
com a ideia de « monocl í max», qualquer regiã o apenas tem um cl í max para o qual
todas as comunidades se vão desenvolvendo, embora lentamente . De acordo com a
ideia de « policl í max», nã o é real í stico assumir que todas as comunidades de uma dada
regi ã o climá tica ter ão um igual termo quando as condi ções do habitat f í sico n ã o
sã o de nenhum modo uniformes. Nem todos os habitats est ã o em condições de
serem modelados a um n í vel comum pela comunidade dentro de um per í odo ra-
424

zoá vel de tempo, medido que seja este em termos da dura ção da vida humana
( ou de um pequeno n mero de m ltiplos desta!). Um bom compromisso entre estes
dois pontos de vista consiste em reconhecer um ú nico cl í max climá tico te ó rico e um
n ú mero variável de cl í maxes ed áficos, dependendo da varia çã o no substrato. Como
se indicou no Cap í tulo 7, a an á lise de situa ções complexas à luz de «constantes»
e « vari á veis» constitui o procedimento seguro. Assim , o cl í max clim á tico é a cons ¬

tante te ó rica com a qual se podem comparar as condi ções observadas. O grau de
desvio, se existe , para o cl í max te ó rico pode ser medido e os factores responsá veis
pelo desvio podem ser mais facilmente determinados quando existe um «diapasã o»
bá sico dispon í vel para compara çã o. Uma das justifica çõ es importantes para a pre ¬

serva ção de á reas selvagens é a de que deviam estar dispon í veis , em cada regi ão
geogr áfica principal cl í maxes naturais, suscept í veis de serem comparados com as
paisagens alteradas pelo homem.
Pode -se ilustrar melhor estes conceitos atrav é s de um exemplo espec í fico.
Apresentam -se na Figura 9-6 situa ções topogr áficas no sul do Ont á rio e as comunida ¬
des bi ó ticas est áveis associadas com as v á rias situa ções f í sicas. Nas á reas planas ou
moderadamente onduladas, onde o solo é bem drenado embora h ú mido, observa-se
que a etapa terminal da sucessã o é utna comunidade de bordo e faia ( sendo a
esp é cie Acer saccharum e a faia as plantas dominantes ). Dado que este tipo de
comunidade se observa, uma e outra vez, na regi ã o onde a configura çã o do terreno
e a drenagem s ão moderadas , a comunidade de bordo e faia é considerada como o
cl í max normal, n ã o modificado, da regiã o . Onde o solo se mant é m h ú mido ou mais
seco do que o normal ( n ão obstante a acção das comunidades), ocorre , como se
indica, uma comunidade final um tanto diferente . Verificam -se desvios para o
cl í max clim á tico ainda maiores nas vertentes inclinadas expostas a sul , onde o mi -
croclima é mais quente , ou nas vertentes norte e nas ravinas profundas, onde o
microclima é mais frio ( ver Figura 5-19, página 218, que ilustra a amplitude de
tais diferen ças). Estes ú ltimos climaxes assemelham-se com frequ ê ncia a cl í maxes
clim á ticos que se encontram mais a sul ou a norte , respectivamente . Assim , como se
ilustra na Figura 9-6, tem-se o cl í max clim á tico onde o clima local e os solos sã o
normais, e v á rios cl í maxes ed áficos associados a combina çõ es diferentes de climas
e de drenagens modificadas.
Teoricamente , uma comunidade de carvalho e cá ria em solo seco, por exem ¬

plo, poder á, se for dado um tempo indefinido, incrementar gradualmente o teor


org â nico do solo e refor çar as suas propriedades de reten çã o de humidade , dando
assim eventualmente lugar à comunidade de bordo e faia. Na realidade , n ã o se sabe
se isto poder á ou n ão ocorrer , uma vez que se dispõe de uma prova limitada de
uma tal altera ção e uma vez que n ã o t ê m sido feitos registos, provavelmente neces ¬
sá rios , de á reas inalteradas durante muitas gera çõ es humanas. Em contraste , uma
comunidade de bordo e faia poder á desenvolver- se em situa ções favor á veis em 200
425

Vertente Vertente
virada a sul virada a norte

Comunidade
Habitat microclimático e solo cl í max biótico
Microclima normal Acer - Faia 1 CLÍ MAX
sobre solo h mido J
CLIMÁTICO

Microclima normal
sobre solo molhado
-
Carvalho Freixo

Microclima normal Carvalho - Cá ria


sobre solo seco

f Microclima mais quente -


Tulipeiro Nogueira
liimm sobre solo h mido

ttllt Microclima mais quente Plá tano - Tulipeiro


sobre solo molhado
CLÍMAXES
> ED Á FICOS
t tttt Microclima mais quente Carvalho - Castanhe iro
j . .1 sobre solo seco

Microclima mais frio Ulmeiro - Freixo - Carvalho


sobre solo h ú mido

ilj, Microclima mais frio Picea glauca -


sobre solo molhado - Abies balsamea

f
J I UL- í
'
Microclima mais frio
sobre solo seco
Tsuga -
- Betula lutea

-
Figura 9 6. Cl í max clim ático e cl í maxes ed áficos no sul do Ont à rio. (Simplificado a partir
de Hills, 1952.)

anos ou menos, mesmo partindo de um campo lavrado ! Come çando com condi ções
físicas severas, como por exemplo uma encosta declivosa ou uma ravina profunda,
parece prová vel que as comunidades bióticas nunca venham a ser capazes de superar
os «obstáculos», nem que o clí max climá tico venha a ser alcan çado. Em qualquer
caso, é mais prático considerar as comunidades em tais situações como clí maxes
edáficos que permanecerão quase está veis em termos do ciclo de vida do homem,
426

e provavelmente at é que haja uma altera çã o no clima regional ou uma altera ção
geol ógica no substrato. Por outras palavras, a quest ã o dos cl í maxes clim á tico e ed áfico
reconduz ao ponto destacado na secção anterior. O processo ordenado de altera ções,
que ficou definido como sucessã o ecol ógica, prové m de altera ções no ambiente
provocadas pelos pr ó prios organismos. Quanto mais extremo for o substrato f í sico,
mais dif í cil se torna a modificação do ambiente e mais prová vel ser á que o desen ¬
volvimento da comunidade se detenha ( ou pelo menos se reduza a um impercept í-
vel «arrastamento» ) sem que se alcance uma condi çã o de equilí brio com o clima
regional.
Na Figura 9-7 apresenta-se um exemplo espectacular de um cl í max contro¬
lado por condi ções especiais de solo. Numa certa á rea da costa norte da Calif ó rnia
ocorrem florestas de sequ óia gigante lado a lado com florestas an ã s de á rvores
delgadas, enfezadas. Como se ilustra na figura, o mesmo substrato de arenito suporta
ambas as florestas, embora a floresta an ã ocorra quando uma camada dura e imper ¬
me á vel , pr óximo da superf í cie, restringe grandemente o desenvolvimento das ra í zes,
bem como o movimento da água e nutrientes. A vegeta çã o que atinge um equil í ¬
brio, ou cl í max , condicionado por esta situaçã o especial onde est á ausente a camada
impermeá vel e dura , é inteiramente distinta quanto a composi çã o em espécies e
estrutura das á reas adjacentes.
A ideia de clí max catastrófico ou clí max cíclico constitui um interessant ê con ¬
ceito de cl í max. A vegeta çã o do chaparral da Calif órnia ( ver Figura na p ágina 58)
pode considerar-se como um exemplo. O desenvolvimento bi ó tico d á como resultado
um cl í max de arbustos que é especialmente vulnerá vel à «cat á strofe», neste caso
o fogo que remove n ão apenas a vegeta ção madura mas igualmente os antibi óticos
que esta produz. Segue- se um r á pido desenvolvimento de vegetaçã o herbá cea at é
que a domin â ncia dos arbustos seja restabelecida. Este tipo de ecossistema tem,
ent ão, um cl í max natural cí clico controlado pela interaeção do fogo e dos antibió¬
ticos ( ver Cap í tulo 7, página 364 ). Um outro exemplo é dado pela floresta de p í ceas,
na qual erupções periódicas de lagartas do gomo matam um grande n mero de
á rvores maduras, provocando um crescimento vigoroso das á rvores novas que em
grande parte não sã o danificadas. McDonald (1965) cr ê que a p í cea e a lagarta do
gomo formam um sistema natural que se autoperpetua, e que as tentativas para
controlar as eclosões com insecticidas constitui um esfor ço desperdi çado, mais pre ¬

judicial do que til ( ver página 319).


As regiões variam consideravelmente quanto à percentagem da á rea que é
capaz de suportar comunidades de cl í max climá tico. Nos solos fundos das plan í cies
centrais os primeiros colonizadores encontraram uma grande propor çã o da terra
coberta com um cl í max de pradaria. Em contraste , na plan í cie arenosa costeira mais
baixa, «geologicamente nova», do sueste o cl í max clim á tico ( uma floresta sempre -
- verde de folhosas) foi originalmente tão rara como é hoje ( ver tamb é m páginas 616 a
427

620). Em contraste, os oceanos, que ocupam bacias geologicamente antigas, podem


considerar -se como num cl í max est á vel no que respeita ao desenvolvimento da comu ¬
nidade, como já se referiu .

FLORESTA DE SEQUÓIAS
FLORESTA ANÃ

ti
- "
CAMADA DURA -

ir AREIA ;
PRADARIA

MAR £ ARENITO

Figura 9-7. Cl í maxes ed á ficos na costa do norte da Calif ó rnia ( regiã o de Mendocino ). Embora o
material origin á rio ( horizonte C) seja o mesmo ( dep ósitos de praia e arenito), crescem lado a lado flo ¬
restas de grandes sequ ó ias e de con í feras an ã s, em terra ços mar í timos adjacentes. A natureza raqu í tica
da floresta an ã deve -se a um horizonte B , constitu ído por uma camada dura cimentada com ferro ( sur-
raipa ), localizado a cerca de 45 cm de profundidade. O solo acima da camada dura imperme á vel é
extremamente á cido ( pH 2,8 a 3,9) e pobre em Ca , Mg , K , P e outros nutrientes. Pelo menos um dos
pinheiros pigmeus dominantes é um ecó tipo ( ver pá gina 173) especialmente adaptado a esta condi çã o
extrema de solo. ( Segundo Jenny Arkley e Schultz , 1969.)

Usualmente, a composi çã o em espé cies tem sido utilizada como um crit é rio
para determinar se uma dada comunidade é ou nã o cl í max. Contudo, s ó isto nã o
constitui com frequ ê ncia um bom crité rio, dado que a composi ção em espé cies pode
sofrer alterações apreciáveis, em resposta a estações e a flutuações no estado do
tempo, de curto prazo, mesmo que o ecossistema no seu conjunto permane ça est á ¬
vel. Como já se indicou , a razão P/ R, ou outro crit é rio funcional, pode proporcionar
um melhor í ndice. Serão igualmente teis vários í ndices estat ísticos, por exemplo,
índices de pigmentação ( ver página 96), tempos de renovação ( maiores no cl í max
do que nas etapas de desenvolvimento), coeficientes de variação, í ndices de semelhan ¬
ça e outros indicadores de estabilidade.
O homem tem, certamente, muito que ver com o progresso da sucessão
e a realização dos clí maxes. Quando uma comunidade estável, que n ão é o cl í max
climático ou ed áfico do local em questão, é mantida pelo homem ou pelos seus ani ¬

mais dom é sticos, pode designar-se convenientemente como um disclí max ( = clí max
de oVít rbio) ou subclí max antropogénico ( produzido pelo homem ). Por exemplo,
o sobrepastoreio pelo gado pode produzir uma comunidade de deserto de arbustos
Larrea tridentata , Prosopis sp. e cactos onde o clima local permitiria que se mantivesse
428

a pradaria. A comunidade de deserto será o discl í max , a pradaria o cl í max clim á tico.
Neste caso a comunidade de deserto constitui prova de um mau ordenamento hu ¬

mano, ao passo que a mesma comunidade de deserto numa regi ã o com um ver ¬
dadeiro clima de deserto seria um estado natural. Uma combina çã o interessante
de cl í maxes ed áficos e de dist rbio ocupa á reas extensas na regi ã o de pradaria da
Calif ó rnia, onde espé cies anuais introduzidas substitu í ram , quase inteiramente, as
espé cies ind í genas. Num estudo intensivo destas pradarias, McNaughton ( 1968 )
observou que a biomassa, a produtividade, as rela ções entre predom í nio e diversi ¬
dade e a composiçã o flor ística em comunidades estabilizadas em solos de arenitos
diferiam acentuadamente daquelas que ocorriam em solos de serpentina, que t ê m
um teor muito baixo em cá lcio e muito alto em magn é sio ( ver página 177).
Os ecossistemas agr í colas que t ê m permanecido estabilizados durante longos
per í odos de tempo podem certamente ser considerados como cl í maxes ( ou discl í ma-
xes, caso se prefira). Infelizmente , muitos sistemas culturais, especialmente como sã o
correntemente administrados nos tr ó picos ou nos desertos irrigados, n ã o são de ne ¬

nhum modo est á veis, uma vez que est ão sujeitos à erosão, à lixivia çã o, à acumula çã o
de sais e a eclosões de pragas. Como já foi referido, a manuten çã o de uma pro ¬
dutividade alta em tais ecossistemas requer um «subs ídio» crescente por parte do
homem . Na pr ó xima secçã o voltar-se- á ao assunto.

3. IMPORTÂ NCIA DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DO ECOSSISTEMA


PARA A ECOLOGIA HUMANA

Enunciado

Os princ í pios do desenvolvimento do ecossistema interferem grandemente nas


rela ções entre o homem e a natureza, dado que a estrat é gia da « m á xima protecção»
( isto é , de tentar atingir o m á ximo apoio da estrutura complexa de biomassa ),
que caracteriza o desenvolvimento ecol ógico, entra com frequ ê ncia em conflito com
o objectivo do homem da « máxima produ çã o» ( tentativa de obter a mais alta pro¬
du çã o poss í vel ). O reconhecer a base ecol ógica para este conflito entre o homem e
a natureza constitui um primeiro passo no estabelecimento de uma pol í tica racional
de utiliza çã o da terra.

Explicação

A Figura 9-2 representa um conflito básico entre as estrat é gias do homem e


da natureza. As rela ções de « tipo flora çã o» , como as exibidas pelo microcosmo
429

de 30 dias ou pela floresta de 30 anos, ilustram a ideia actual do homem sobre a


forma como a natureza deveria ser dirigida. Por exemplo, o objectivo da agricultura
ou da silvicultura intensiva , como agora se pratica usualmente, consiste em alcan ¬
çar altas taxas de produ ção dos produtos prontamente colh í veis, deixando acumu -
lar-sc no campo uma pequena massa permanente por outras palavras, uma
eficiê ncia P/ B alta. A estrat é gia da natureza , por outro lado, como os resultados dos
processos da sucessã o deixaram ver , é dirigida no sentido da efici ê ncia inversa
uma alta razão B / P, como est á ilustrado na Figura 9- 2 pela rela ção constante do
lado direito. O homem tem -se preocupado em obter do campo tanta « produ çã o»
quanta poss í vel , desenvolvendo e mantendo tipos de ecossistemas de fases jovens
do processo da sucessã o, usualmente monoculturas. Por é m o homem n ão vive,
certamente , apenas de alimento e de fibras ; també m carece de uma atmosfera equi ¬
librada quanto a C02- 02 , o amortecedor clim ático proporcionado pelos oceanos
e pelas massas da vegeta çã o, e de água limpa ( isto é , n ão produtiva) para os usos
cultural e industrial. Muitos dos recursos essenciais para o ciclo de vida , para n ã o
mencionar as necessidades de recreio e est éticas, proporcionam - nos melhor ao homem
as paisagens menos « produtivas ». Por outras palavras, a paisagem não é apenas um
dep ósito de abastecimento mas també m a oikos a casa na qual o homem tem de
viver. At é h á pouco tempo a humanidade tinha por garantidas as trocas gasosas,
a purifica ção da água , a ciclagem de nutrientes e outras fun ções protectoras dos
ecossistemas de automanuten çã o, isto é, at é que o n mero de humanos e as mani ¬
pulaçõ es por estes feitas do ambiente se tornaram suficientemente grandes para
afectar os equil í brios regional e global. A paisagem mais agrad á vel e certamente a
mais segura para viver é a que cont é m uma variedade de culturas, florestas, lagos ,
cursos de água, bordaduras de vias de comunicação, sapais, costas e «locais de
res í duos» por outras palavras, uma mistura de comunidades de idades geol ó¬
gicas diferentes. Enquanto indiv í duos, os homens rodeiam mais ou menos ins¬
tintivamente as suas casas com elementos de protecção n ão comest í veis ( á rvores,
arbustos, relva), ao mesmo tempo que se esfor çam para extrair alqueires com ¬
plementares das respectivas searas. Toda a gente considera a seara como uma coisa
boa, certamente, embora a maior parte dos homens n ão desejasse nela viver, e
seria com certeza um suic í dio cobrir toda a á rea terrestre da biosfera com searas,
dado que numa tal situaçã o a oscila çã o entre a popula çã o alta -e o fracasso seria
severa .
Uma vez que é imposs í vel maximizar no mesmo ecossistema usos em
conflito, duas solu ções poss í veis para o dilema surgem naturalmente. Poder-se-á
tentar continuamente um compromisso entre a quantidade da produ çã o e a qualidade
do espa ço vital , ou pode-se planear deliberadamente realizar a compartimenta çã o da
paisagem por tal forma que se mantenham , simultaneamete, tipos altamente produti ¬

vos e tipos predominantemente de protecçã o como unidades separadas submetidas a


430

diferentes estrat égias de ordenamento (estrat égias variando, por exemplo, do cultivo
intensivo, por um lado, ao ordenamento das á reas abandonadas, por outro). Se a
teoria do desenvolvimento do ecossistema é v á lida e aplicá vel ao planeamento, ent ã o
a estrat égia do chamado uso- m ú ltiplo, sobre a qual tanto se ouve falar , apenas fun ¬
cionará atrav é s de um ou de ambos estes m é todos, uma vez que na maior parte
dos casos os m ltiplos usos projectados entram em conflito uns com os outros.
É , assim , apropriado examinar alguns exemplos das estrat égias de compromisso e
de compartimenta çã o.

Estabilidade da Pulsação

Uma perturba ção f í sica imposta do exterior, mais ou menos regular embora
aguda, pode manter um ecossistema num dado ponto interm é dio na sequ ê ncia
do desenvolvimento, da í resultando, por assim dizer, um compromisso entre a juven ¬
tude e a maturidade . Constitui bom exemplo aquilo que se poder á designar por
«ecossistema de n í vel de água oscilante ». Os estu á rios, e as zonas de mar é em geral,
são mantidos num estado jovem relativamente fé rtil pelas mar é s, que proporcionam
a energia para uma ciclagem r á pida de nutrientes. Do mesmo modo, os pâ ntanos
i de água doce , como os Everglades da Florida, sã o mantidos numa fase jovem da
sucess ão pelas flutuações estacionais nos n í veis de água. A baixa da estação seca
, acelera a decomposição aer ó bia da maté ria org â nica acumulada, libertando nutrientes
,, que, com a nova subida da á gua, suportam um surto na produtividade durante a
esta ção h mida. As biologias de muitos organismos est ão intimamente associadas
com esta periodicidade. A cegonha silvestre, por exemplo, cria quando os n í veis
de água se encontram baixos, e o peixe pequeno de que se alimenta fica concen ¬
trado e é facilmente capturado nos pegos que v ã o secando. Se o n í vel da á gua
permanece elevado durante a esta ção seca usual ou se acontece n ão subir na esta ¬
çã o h ú mida, a cegonha n ã o nidifica ( Kahl , 1964). Estabilizar os n í veis da água nos
Everglades por interm édio de diques, comportas e represas, como agora advogam
alguns, seria, na opiniã o do autor, destruir mais do que conservar os Everglades, tal
como agora se conhecem, t ão seguramente como o seria a sua completa drenagem .
Sem abaixamentos de n í vel e fogos peri ódicos, as bacias pouco profundas ficariam
repletas de mat é ria org â nica e a sucessã o processar - se- ia da situa çã o presente de lagoa
e pradaria para a de chaparral ou floresta de pâ ntano.
É estranho que o homem n ã o reconheça facilmente a import â ncia das al ¬
tera çõ es periódicas no n í vel de água numa situa ção natural como a dos Everglades ,
quando pulsa ções similares constituem a base para alguns dos seus sistemas mais
duradouros de cultivo de alimento. O enchimento e a drenagem alternados de
431

iâgoas tem constitu í do um procedimento corrente na piscicultura durante sé culos


ru Europa e no Oriente. O m é todo do alagamento, drenagem e arejamento do solo
aa cultura do arroz constitui um outro exemplo. A cultura do arroz representa ,
issim. o sistema cultivado an á logo ao pâ ntano natural ou ao ecossistema da zona
de mar é .
O fogo é um outro factor cuja periodicidade tem sido de vital import â n ¬
cia para o homem e a natureza ao longo dos sé culos. Como ficou descrito no
Capí tulo 4, biotas inteiros, como as pradarias africanas e o chaparral da Calif ó r ¬
nia. adaptaram-se aos fogos peri ódicos, produzindo aquilo que os ecologistas chamam
com frequ ê ncia « cl í maxes de fogo». Durante sé culos o homem utilizou o fogo de-
liberadamente para manter tais cl í maxes ou para fazer recuar a sucessã o at é um
ponto desejado. A floresta sob fogo controlado ( ver Figura 5-16 ) produz menos madeira
do que um povoamento cultivado ( isto é , á rvores novas, todas mais ou menos da
mesma idade , plantadas em linhas e exploradas numa revolu çã o curta; ver Figura
15-3 4 ), embora proporcione um coberto com maior poder de protecção da paisagem ,
madeira de melhor qualidade e um albergue para aves de ca ça ( codorniz, peru
selvagem, e assim por diante ) que n ã o poderão sobreviver numa mata cultivada.
O cl í max de fogo constitui, assim , um exemplo de um compromisso entre a pro¬
du çã o e a simplicidade por um lado e a protecçã o e a diversidade pelo outro.
Dever á destacar-se que a estabilidade da pulsa ção trabalha apenas caso haja
uma comunidade completa ( incluindo n ão apenas plantas mas tamb é m animais e
microrganismos) adaptada à intensidade e à frequ ê ncia da perturba çã o em quest ã o.
A adapta çã o ( funcionamento do processo de selecçã o) requer tempo mensurá vel
na escala evolutiva. A maior parte das tensões físicas introduzidas pelo homem
são muito s bitas, muito violentas ou muito arr í tmicas para que a adaptação ocorra
ao n ível do ecossistema, pelo que o resultado é mais uma oscila ção severa do que
a estabilidade . Em muitos casos, pelo menos, a modificaçã o de sistemas natural ¬

mente adaptados para fins culturais afigurar -se-á prefer í vel a um esquema inteira¬
mente novo.

Perspectivas para uma Agricultura de Detritos

Como atrá s se indicou , a utiliza ção heterotr ófica da produ çã o primá ria em
ecossistemas maduros envolve , em grande parte , um consumo diferido de detritos.
N ão h á razão para que o homem n ão possa utilizar detritos em maior grau e obter
assim alimento ou outros produtos a partir de um tipo de ecossistema mais protec-
tor. Isto representaria, novamente , um compromisso, uma vez que a produ çã o a curto
prazo n ã o poderia ser t ão grande como a produ çã o obtida por exploraçã o directa
432

da cadeia alimentar de pastoreio. Uma agricultura de detritos teria, contudo, algumas


vantagens compensadoras. A actual estrat égia da agricultura baseia- se na selec çã o
com mira no crescimento r ápido e na comestibilidade das plantas alimentares, que,
certamente, as torna vulner áveis ao ataque por insectos e às doenç as. Consequente ¬

mente, quanto mais se selecciona com vista à suculência e ao crescimento, maior é


o esfor ç o que tem de ser investido no controlo quí mico das pestil ências; este es ¬

forç o aumenta por seu turno a probabilidade de se envenenar organismos teis,


para não mencionar o pr óprio homem. Por que razão não praticar também uma es ¬

trat égia inversa isto é, seleccionar plantas que sejam essencialmente não gostosas,
ou que produzam os seus pr óprios insecticidas sist émicos enquanto vão crescendo,
e converter ent ã o a produçã o lí quida em produtos comest í veis por enriquecimento
microbiano e quí mico em fábricas de alimento ? Poder- se -ia ent ão dedicar o génio
bioquí mico do homem ao processo de enriquecimento em vez de conspurcar o seu
espaç o vital com venenos químicos ! A produção de silagem por fermentação de
forragem de fraca qualidade constitui exemplo de um tal procedimento já muito
expandido. O cultivo de peixes comedores de detritos no Oriente constitui um
outro exemplo.
Utilizando a cadeia alimentar de' detritos o homem pode, també m, obter uma
colheita apreciável de muitos sistemas naturais sem os modificar grandemente ou
sem destruir o seu valor protector ou est é tico.

O Modelo de Compartimento
Fl:

Por muito ê xito que tenham os sistemas de compromisso, não s ão nem apro ¬

priados nem desej áveis para a paisagem considerada no seu conjunto. É preciso
dar mais ênfase à compartimentação, por tal forma que ecossistemas de tipo de cres ¬

cimento, de estado est ável e de tipo intermediário, possam ser integrados com áreas
urbanas e industriais para benefí cio m tuo. Conhecendo os coeficientes de transfe ¬

r ência que definem a corrente de energia e o movimento dos materiais e dos orga ¬

nismos (incluindo o homem) entre compartimentos, ser á possí vel determinar, atravé s
de manipulação de computador analógico, limites racionais para a dimensã o e a
capacidade de cada compartimento. Poder á partir - se, por exemplo, com um modelo
simplificado, ilustrado na Figura 9- 8, composto por quatro compartimentos de igual
área, repartidos de acordo com o crit ério básico da função bió tica isto é, segundo
a área é ou nã o (1) de produ çã o, (2) de protecção, (3 ) de compromisso entre (1) e ( 2),
ou ( 4) urbano-industrial. Afinando continuamente os coeficientes de transfer ência
na base de situações do mundo real, e aumentando ou reduzindo o tamanho e a ca-
433

pacidade de cada compartimento atrav é s de simula ções usando computador , ser á pos¬
sível determinar objectivamente os limites que devem ser impostos eventualmente
em cada compartimento, por forma a manter equil í brios regional e global na troca
de energia vital e dos materiais. Um procedimento de an á lise de sistemas propor ¬
ciona, pelo menos, um m é todo para a solu çã o do dilema básico posto pela pergunta
«como determinar quando se est á a obter uma coisa boa em demasia ?» Tamb é m
faculta um meio de avaliar as drenagens de energia impostas aos ecossistemas pela
polui çã o, radiação, colheita e outras tensõ es ( H . T . Odum , 1967).
Por certo, a execu ção de qualquer tipo de plano de compartimentaçã o re ¬
quereria m é todos de zonagem da paisagem e de restri çã o do uso de algumas
áreas de terra e de água. Embora o princí pio da zonagem das cidades esteja uni-

Ambiente
de protec ção
(Sistemas maduros)

/ / \\
Ambiente Ambiente
de produção de compromisso
( Sistemas em crescimento ) ( Sistemas de uso- m ú ltiplo)

/ /

Ambiente
urbano- industrial
(Sistemas i}ão vitais) /
Figura 9-8. Modelo de compartimento das classes
b á sicas de ambientes de que o homem necessita, distri ¬
bu ídos de acordo com os crit é rios do desenvolvimento
do ecossistema e dos recursos do ciclo biológico. Ver
texto para efeitos de explica çã o. ( Segundo E. P. Odum ,
1969.)

versalmente aceite, os mé todos actualmente seguidos n ã o funcionam bem porque


as restrições inerentes à zonagem são muito facilmente contornadas a curto prazo
por pressões econ ó micas e da popula çã o. A zonagem da paisagem implicará um
modo novo de pensar, abrangendo as comissões do ambiente e do planeamento
investidas com poderes de regulamentação . Caso á reas apreciá veis de terra e de água
tenham de manter-se em categorias de « protecçã o», ser á necessá ria uma maior utili ¬
zação de medidas legais que estabele çam redu çã o de impostos, restri ções no uso,
apoios à valorização da paisagem e a propriedade p blica. V á rios estados ( por
exemplo, os de New Jersey e da Calif órnia), em que a polui çã o e a pressã o da popu -

28
434
la çã o come çaram a pesar , deram um primeiro passo nesse sentido decretando uma
legisla çã o de «espa ço aberto» destinada a colocar a maior parte poss í vel da terra
n ã o ocupada sob um estatuto « proteccionista » , de tal modo que a qualidade do
ambiente total possa ser preservada. Algumas das regi õ es dos Estados Unidos da
Am é rica , embora n ã o todas, sã o afortunadas, já que grandes á reas sã o de florestas
nacionais , parques e ref gios de vida silvestre . O facto de tais á reas, assim como os
oceanos confinantes, n ão serem rapidamente explor á veis dará tempo para que se
proceda ao estudo ecol ógico e à programa çã o acelerados necess á rios para determinar
que propor ções dos diferentes tipos de paisagem proporcionam um equil í brio sã o
entre o homem e a natureza. Por exemplo, deveria deixar -se que os mares aber ¬
tos permanecessem para sempre mais no estado de regi ões protectoras do que
produtoras tendo em aten çã o o governo da biosfera, como ficou descrito no Cap í ¬
tulo 2. O mar regula os climas e baixa e regula a taxa da decomposiçã o e da rege ¬
nera çã o de nutrientes, criando e mantendo, deste modo, o ambiente terrestre alta ¬
mente aer ó bio ao qual as formas superiores de vida , como o homem, se encontram
adaptadas. A eutrofica çã o do oceano num esfor ço desesperado para alimentar as
popula ções terrestres poderia ter um efeito adverso sobre os equil í brios gasoso e
t é rmico da atmosfera.
At é que se possa determinar com mais precisã o qu ã o longe se pode ir com
seguran ça na expansã o da agricultura intensiva e no alastramento urbano a expensas
da paisagem protectora, ser á bortv manter inviolada uma parte desta ltima t ã o gran ¬
de quanto poss í vel . Assim sendo, a preserva çã o de áreas naturais n ã o é um luxo
marginal para a sociedade , mas sim um investimento de capital do qual se espera
tirar proveito. Igualmente, pode bem acontecer que as restrições no uso da terra
e da água constituam o ú nico meio pr á tico de que dispomos para evitar a sobre-
popula çã o ou uma explora çã o demasiado grande de recursos, ou ambas. A restri çã o
no uso da terra constitui , de uma forma bastante interessante , um mecanismo aná ¬
logo ao do controlo por comportamento natural conhecido por «territorialidade »,
mediante o qual muitas espé cies de animais evitam a aglomera ção e a pressã o social,
tal como se analisou detalhadamente no Cap í tulo 7, Secçã o 15. No Cap í tulo 21 será
examinado um projecto destinado a alcan çar tais objectivos nas quest õ es humanas.
Em resumo, o modelo tabular para o desenvolvimento do ecossistema tem
muitos paralelos com o pr ó prio desenvolvimento da sociedade humana. Na socie ¬

dade pioneira , assim como no ecossistema pioneiro, as altas taxas da natalidade , o


crescimento r á pido, os elevados benef í cios econ ó micos e a explora çã o de recursos
acess í veis e n ão utilizados são vantajosos, embora, à medida que o n í vel de satura ¬
çã o se aproxima , estes percursos devam ser alterados tendo em considera çã o a
simbiose ( isto é, «os direitos civis», «a lei e a ordem », a «educa çã o» e a «cultura»),
a regula ção da natalidade e a reciclagem dos recursos. Um equil í brio entre a ju ¬
ventude e a maturidade no sistema socio-ambierttal constitui o objectivo realmente
435

básico que tem de ser alcan çado caso o homem , como espé cie , haja de ultrapassar
com sucesso o est ádio presente de r á pido crescimento, ao qual se encontra mani ¬
festamente bem adaptado, para entrar nalgum tipo de etapa de crescimento contro ¬
lado e de equil í brio, relativamente à qual ainda demonstra uma compreensã o muito
limitada e apresenta fraca tend ê ncia para se adaptar.

4. EVOLU ÇÃO DO ECOSSISTEMA

Enunciado

À semelhan ça do desenvolvimento a curto prazo como foi descrito nas sec ¬

ções anteriores deste Cap í tulo, a evolu çã o a longo prazo dos ecossistemas é moldada
por ( 1) for ças alog é nicas ( exteriores ) como sejam as altera çõ es geol ógicas e clim á ¬
ticas e ( 2 ) processos autog é nicos ( interiores ) resultantes das actividades dos compo ¬
nentes vivos do ecossistema. H á tr ê s mil milh õ es de anos , os primeiros ecossiste ¬

mas eram povoados por min sculos heter ó trofos anaer ó bios que viviam a expensas
de mat é ria org â nica sintetizada por processos abi óticos. Seguindo o aparecimento
e a explosão das popula ções dos aut ó trofos algais , que converteram uma atmos ¬
fera redutora numa atmosfera de oxig é nio, os organismos evolu í ram , atrav é s dc
idades geol ógicas prolongadas , at é sistemas cada vez mais complexos e diversos que
(1) alcan çaram o controlo da atmosfera e ( 2 ) se encontram povoados por espé cies
multicelulares maiores e mais altamente organizadas. No â mbito desta comunidade ,
cr ê-se que a altera çã o do componente evolutivo ocorre principalmente atravé s de
selecção natural ao n í vel da espécie ou abaixo dele , embora a selecçã o natural acima
deste n í vel també m possa ser importante , especialmente (1) a coevolu çã o, isto é ,
a selecção rec í proca entre aut ótrofos e heter ó trofos interdependentes, e ( 2 ) a selecção
de grupo ou de comunidade, que conduz à manuten çã o de aspectos favor á veis ao
grupo , mesmo que desfavorá veis aos portadores gen é ticos no seu interior.

Explicação

O padrão geral da evolu ção dos organismos e da atmosfera com oxig é nio,
que tornou a biosfera absolutamente nica entre os planetas do nosso sistema
solar, est á representado na Figura 9-9. Geralmente cr ê-se hoje que quando a vida
come çou na Terra , h á mais de tr ê s mil milh õ es de anos, a atmosfera continha azoto,
amon í aco, hidrog é nio , mon ó xido de carbono, metano e vapor de água , por é m ,
436
n ã o oxig é nio livre ( ver Berkner e Marshall, 1964, 1965; Drake, ed ., 1968; Tappen ,
1968; e Calvin , 1969). Tamb é m continha cloro, ácido sulf í drico e outros gases que
seriam venenosos para a maior parte da vida de hoje. A composi ção da atmosfera
nesses primeiros tempos foi largamente determinada pelos gases provenientes dos
vulcõ es, que eram muito mais activos do que hoje . Dada a ausê ncia de oxig é nio
n ã o havia camada de ozono ( o 02 submetido à acção da radia çã o de onda curta
produz 03 , que por seu lado absorve a radiaçã o ultravioleta) para proteger contra
a radia ção solar ultravioleta mortal , a qual, portanto, penetrava at é à superf í cie da
terra e da água. Uma tal radia ção poderia matar toda a vida exposta, embora, por
estranho que pare ça tenha sido esta radia ção, segundo se supõe , que criou uma
composi çã o qu í mica que conduziu às mol é culas org â nicas complexas, como os ami-
noácidos, que se tornaram os blocos de constru ção da vida primitiva. A quantidade
muito pequena de oxig é nio n ã o biol ógico produzido por dissocia çã o do vapor de
água motivada pelos ultravioletas pode ter proporcionado ozono suficiente para for ¬
mar uma pequena camada protectora contra a radia ção ultravioleta. N ão obstante ,
enquanto o ozono e o oxig é nio atmosf é ricos se mantiveram escassos, a vida apenas
se podia desenvolver sob uma camada de água protectora. Os primeiros organismos
vivos foram , assim, uns anaer ó bios aqu á ticos do tipo leveduras que obtinham a
energia necessá ria para a respira çã o pelo processo de fermentaçã o . Dado que a fer ¬
menta çã o é muito menos eficiente do que a respira çã o oxidativa ( ver página 39),
a vida primitiva n ão podia evoluir para alé m da fase monocelular. Os organismos
primitivos dispunham de um abastecimento de alimento muito limitado, uma vez
que tinham de estar dependentes da descida lenta de materiais org â nicos sintetiza ¬
dos pela radia çã o nas camadas superiores da água , onde eles, os micr ó bios com fome ,
n ão podiam aventurar - se! Assim , durante milh ões de anos a vida teve de exis ¬
tir numa situa çã o muito limitada e precá ria. Berkner e Marshall (1966 ) figuraram

ESTADO ESTADO
MUITA BAIXA » R Á PIDO » ESTADO EST Á VEL * DECRESCENTE » EST ÁVEL * CRESCENTE -» EST Á VEL PRODUÇÃO
AUMENTO ALTO BAIXO OSCILANTE PRIMARIA

DIATOMACEAS
CALCAREAS E PLÂ NCTON

DOMINANTE MENTE ANAERÓBIOS -


VERDES E AZUL VERDES PREDOMINANTEMENTE .
SILICIOSAS OCE Â NICO

DE PAREDES ORGÂ NICAS COCOLITÚ FOROS CALCAREOS, ETC .


APENAS ORGANISMOS UNICELULARES ORIGEM' E RAPIDA ( ASCENSÃO DOS VERTEBRADOS EVOLUÇÃO DAS PLANTAS
EVOLUÇÃO DOS METAZOOS E DA VEGETAÇÃO TERRESTRE E ANIMAIS SUPERIORES
EXPLOSÃO EVOLUÇÃO
AUMENTO NOS EXPLOSÃO DA POPULAÇÃO DA POPULA¬ BIOSF É RICA
ANAER Ó BIOS ORIGEM E EX LOSAO DA POPULAÇÃO HERB Í VOROS E DEPOSIÇÃO HOMEOTERMICA NA TERRA ÇÃO HUMANA GERAL
DOS AUTOTR Ó F COS FOTOSSINTÊTICOS . * SIOG Ê NICA DE CALCARIO

ATMOSFERA REDUTORA ATMOSFERA ÇOM OXIG É NIO


F0 MAÇAO Dq COMBUST Í VEL FÓSSIL \
10

1 1 f {.! RMICO
N ÍVEL DE OXIG ÉNIO
\
|.
T\PT -
O RELATJVAMENTE
PRECAMBRICO AO NlVEL
ATMOSFÉRICO
Ê
P
- .1
0
ACTUAL
( PAL)

PALEOZOICO MESOZOICO CENOZÔ ICO 0.01


ZOOO ( ? t 600 500 400 300 200 IOO O

MILH Õ ES DE ANOS PASSADOS

Figura 9 - 9 . A evolu çã o da biosfera e da sua atmosfera com oxigé nio. Ver texto para explicaçã o.
( Reproduzido e ampliado com consulta a Helen Tappan , 1968.)
437

a situa ção como se segue : «Este modelo de ecologia primitiva requer charcos sufi ¬
cientemente fundos para absorver a radiaçã o ultravioleta mortal , embora n ã o t ão
fundos que eliminem em demasia a luz vis í vel. A vida pode ter tido origem no
fundo de charcos ou mares protegidos pouco profundos , alimentados, porventura,
por nascentes quentes ricas em subst â ncias qu í micas nutritivas».
Presumivelmente, a escassez de alimento orgâ nico exerceu uma pressão de
selecção que conduziria à evolu ção da fotoss í ntese. A gradual forma ção de oxig é ¬
nio, produzido biologicamente na água, e a sua difusã o para a atmosfera , provocada
pelas tremendas altera ções na geoqu í mica da Terra, tornou poss í vel a rá pida expan ¬

sã o da vida e o desenvolvimento de sistemas vivos maiores e mais complexos.


Muitos minerais, como o ferro, precipitaram - se na água e constitu í ram formações
geol ógicas caracter ísticas. Como aumentou o oxig é nio na atmosfera, a camada de
ozono formada na atmosfera superior aumentou de espessura, a superf í cie da Terra
ficou mais protegida, e a vida pôde ent ã o mover- se at é à superf í cie do mar . Por
esses tempos, a respiração aer óbia tornou poss í vel o desenvolvimento de organismos
multicelulares complexos. Pensa-se que os primeiros animais multicelulares apare ¬
ceram quando o oxig é nio atingiu cerca de 3 por cento do seu n í vel actual ( ou cerca
de 0,6 por cento da atmosfera , em compara çã o com os actuais 20 por cento ) , por
uma altura agora avaliada em cerca de 600 milh ões de anos, o come ço do per í odo
Câ mbrico ( Figura 9-9). O termo « pr é-Câ mbrico» é utilizado para cobrir o vasto per í o¬
do de tempo durante o qual apenas existiu a pequena e primitiva vida « mono-
celular ». Durante o Câ mbrico ocorreu uma explosão evolucion á ria de formas de vida
novas , como esponjas, corais, vermes, moluscos, algas e os antepassados das plantas
de semente e dos vertebrados. Assim , o facto das min sculas plantas verdes do mar
terem sido capazes de produzir um excesso de oxig é nio relativamente às necessi ¬
dades da respiraçã o de todos os organismos tornou poss í vel povoar completamente
a Terra num per í odo de tempo comparativamente curto. Nos per í odos seguintes
da era Paleozoica a vida não só enchia todos os mares , como invadiu tamb é m a
terra. O desenvolvimento do manto verde da vegeta çã o proporcionou mais oxig é ¬
nio e alimento para a evolu çã o subsequente de grandes criaturas como sejam os
dinossauros, os mam í feros e, por fim , o homem . Ao mesmo tempo, juntaram -se
formas calcá rias e depois silicatadas ao fitoplâ ncton de paredes orgâ nicas dos ocea¬
nos ( Figura 9-9 ).
Quando a utiliza çã o do oxig é nio acertou finalmente o passo com a sua pro¬
du çã o, algures nos meados do Paleozoico, a sua concentraçã o na atmosfera atingiu ,
segundo se cr ê presentemente , mais ou menos o actual n í vel de 20 por cento.
Do ponto de vista ecológico a evolu çã o da biosfera parece ser , deste modo, muito
semelhante a uma sucessão heterotr ó fica seguida por um regime autotrófico, à
semelhan ça do que se poderá realizar num microcosmo de laborat ório come çando
com um meio de cultura enriquecido com mat é ria orgâ nica. A partir do Dev ó nico
438

as provas geol ógicas indicam alguns altos e baixos ( ver Figura 9 - 9 ) . Durante a
ú ltima fase do Paleozoico houve um marcado decl í nio do 02 , talvez de 5 por cen ¬

to do actual n í vel, e um aumento no C02 acompanhados por alterações clim á ticas.


O acr éscimo no C 02 pode ter desencadeado a vasta «flora çã o autotr óí f ca» que criou
os combust í veis f ósseis dos quais depende a civilização industrial do homem .
Seguindo um gradual retorno a uma atmosfera de 02 elevado e de baixo C 02
o equil í brio 02 / C02 permaneceu naquilo que se poder á designar por um «estado de
oscila çã o estabilizada ». Como se examinou no Cap í tulo 2 e novamente no Cap í ¬
tulo 4, pode acontecer que o aumento de C02 e a polui çã o pelas poeiras provo ¬
cados pelo homem tornem este equil í brio precá rio ainda mais « inst á vel».
Diga-se de passagem , que a hist ória da atmosfera, como ficou sucintamente
descrita, deveria ser contada a todo o cidad ão e às crian ças das escolas, dado que
p õe em relevo de uma forma impressionante a total depend ê ncia em que o homem
e os outros organismos se encontram do respectivo ambiente .
A Figura 9-10 consiste num modelo simplificado que mostra como as po¬
pula ções componentes do ecossistema variam com o tempo. Ocorrem altera çõ es na
composi çã o em esp écies das comunidades quando se desenvolvem novas espé cies, se
extinguem espé cies velhas e esp é cies sobreviventes mudam quanto a abund â ncia ou
a composição gen é tica. Durante a hist ó ria hipot é tica das populaçõ es de 10 espé cies
ilustrada na Figura 9-10, parte-se com 7 espécies e termina -se com 8, 2 das quais
são novas e 5 que se alteraram quanto a abund â ncia ou a composição gen ética,
nl
ou em ambas! Durante o per í odo de tempo considerado uma espé cie ( n , 10) evo¬
luiu e extinguiu -se, ao passo que uma esp é cie ( n °. 6) se ajustou persistindo sem
alteraçã o . Muitos biologistas acreditam que todas as alterações evolutivas podem
l1
explicar -se no â mbito da teoria convencional da selecçã o natural e da muta çã o
'

( por vezes designada por neo-darwinismo ), embora os geneticistas e especialmente


os ecologistas, se encontrem intrigados com as possibilidades da selecçã o natural
a n í veis superiores de organiza çã o. Em consequ ê ncia, ser ão consideradas resumida ¬
mente tais possibilidades nas duas secções que se seguem . Simpson ( 1969), ao rever
os « primeiros trê s mil milh ões de anos da evolu ção da comunidade», conclui que a
composi çã o taxon ó mica dos ecossistemas ainda se nã o tinha estabilizado .

POPULAÇÕES DAS ESPÉCIES


Figura 9- 10. Diagrama mostrando diversas
vias cm que altera çõ es nas populaçõ es das I 2 3 4 5 6 7 8 9 IO
esp écies se traduzem em alteraçõ es evolucio ¬
n á rias na comunidade; por exemplo, alteração
gen é tica (do dep ósito gen é tico) com ou sem
V
alteração no volume da população ( ou na
distribui çã o); uma alteração no volume da
t
O
popula ção sem uma altera çã o no dep ósito
gen é tico ; evolu ção de novas esp é cies e extin ¬ È
ção de esp é cies velhas. (Segundo Valentine ,
1968.) ALTERA ÇÃ O NO DEPÓ SITO DE GENES-
439

5. COEVOLU ÇÃO

Enunciado

A coevolu çã o é um tipo de evolu çã o da comunidade ( isto é , interacções


evolutivas entre organismos nos quais é m í nima ou nula a troca de informa çã o
gen é tica entre os diversos tipos ) envolvendo interacçã o selectiva recí proca entre dois
grupos principais de organismos com uma rela çã o ecol ógica estreita , como por exemplo
plantas e herb í voros, organismos grandes e os respectivos microrganismos simbiontes ,
ou parasitas e seus hospedeiros.

Explicação

Ehrlich e Raven (1965), utilizando como base os respectivos estudos sobre


borboletas e plantas , delinearam a teoria da coevolu çã o. As suas hipó teses podem
ser resumidas como se segue : Atravé s de muta ções ou recombina ções ocasionais as
plantas produzem compostos qu í micos n ã o relacionados directamente com as vias
metab ó licas básicas ( ou porventura como subprodutos de perda originados nestas
vias ) que n ã o s ã o prejudiciais ao - crescimento e desenvolvimento normais. Algumas
destas subst â ncias servem , por casualidade , para reduzir a palatibilidade das plantas
relativamente aos herb í voros. Tais plantas , protegidas contra os insectos fit ó fagos,
teriam , em certo sentido, entrado numa nova zona de adapta çã o. Poderá seguir - se
a irradia ção evolucion á ria de plantas, e eventualmente aquilo que começou como uma
muta ção ou recombinaçã o casual poderá caracterizar uma fam í lia inteira ou um grupo
de fam í lias aparentadas. Os insectos fit ó fagos , contudo, podem evoluir em resposta
a obst áculos fisiol ógicos, como prova a recente experiê ncia humana com insectici-
das. De facto, a resposta a subst â ncias vegetais secund á rias e a evolu çã o da resist ê n ¬
cia aos insecticidas parecem intimamente relacionadas ( citando aqui Gordon , 1961).
Se numa popula ção de insectos surgiu um mutante ou recombinante que tornou
os indiv í duos capazes de se alimentarem de uma planta previamente protegida, a
selecçã o prosseguir á at é uma nova zona de adaptaçã o, permitindo a sua diversifi ¬
cação na aus ê ncia de competi ção com outros herb í voros. Assim , n ão s ó a diversi ¬
dade de plantas pode tender a aumentar a diversidade de animais fit ófagos, mas
també m a inversa pode ser verdadeira. Por outras palavras , a planta e o herb í voro
evoluem conjuntamente no sentido de que a evolu çã o de cada um é dependente
440

da evolu çã o do outro. Ehrlich e Raven v ã o mesmo ao ponto de sugerir que as res¬


postas de selecçã o rec í proca planta- herb í voro podem estar na base da alta diversidade
de plantas nos tr ó picos ( ver página 236) onde os climas quentes sã o especialmente
hospitaleiros para os insectos. Pimentel (1968) utilizou a expressã o « retroalimenta ¬

ção gen é tica » para este tipo de evolu ção que conduz à homeostasia da popula ção
e da comunidade no seio do ecossistema ( p áginas 315 e 355).

Exemplos

A coevolu çã o deu manifestamente como resultado uma associa çã o est á vel


entre as acá cias de espinhos em forma de chifre de touro ( Acacia cornigerd) e uma
formiga ( Pseudomyrmex ferrugunea ) no M é xico e na Am é rica Central , como foi des¬
crito por Janzen (1966, 1967). As formigas vivem em col ó nias no interior dos espi-
i nhos inchados das acá cias. Caso as formigas sejam removidas, ocorre uma severa
desfolha por acção de insectos herb í voros ( que normalmente seriam sujeitos a pre -
da çã o pelas formigas ) e o subsequente ensofnbramento provocado pelos vegetais
|(
competidores determina a morte da acá cia ao cabo de 2 a 15 meses. A planta en-
contra-se, assim, dependente do insecto para efeitos de protecçã o contra o pasto ¬

reio. Semelhantemente, parece que a selecçã o rec í proca e a retroacçã o gen é tica se
encontram envolvidas em todos os casos de mutualismo, como ficou descrito no
Cap í tulo 7 , Secção 19.
A coevolu çã o pode envolver mais do que um passo na cadeia alimentar.
Brower e seus colegas (1968 ), por exemplo, estudaram a borboleta monarca ( Da-
naus plexippus), bem conhecida pela sua falta de sabor para os predadores vertebra ¬
dos. Verificaram que este insecto é capaz de extrair os glicósidos altamente t óxicos
presentes, contidos em plantas do gé nero Asclepias, das quais se alimenta , o que
lhe proporciona uma defesa muito efectiva ( n ã o apenas para a lagarta mas igual ¬
mente para a borboleta ) contra as aves predadoras. Assim , este insecto, n ã o só de ¬
senvolveu a capacidade para se alimentar de uma planta de mau paladar para os
outros insectos, mas tamb é m « utiliza » o veneno da planta para a sua pr ó pria pro¬
tecçã o contra predadores!
Finalmente , a coevolu çã o n ã o se encontra limitada a interacções fagotr ó-
ficas . Popula çõ es vegetais , compreendendo v á rias esp é cies , podem encontrar -se
ligadas numa comunidade pela depend ê ncia em que se encontram de uma s ó esp é cie
de insecto ou de um colibri polinizador e pela evolu çã o comum com ele ( Baker. 1963 ) .
É f á cil perceber de que modo as selecções rec í procas graduais podem contribuir
para o curso da evolu çã o no sentido da diversidade, interdepend ê ncia e homeostasia
ao n í vel da comunidade .
441

6. SELECÇÃ O DE GRUPO ( *)

Enunciado

A selecção de grupo é uma selec ção natural entre grupos de organismos n ão


necessariamente muito ligados por associações mutualistas. A selec çã o de grupo conduz
teoricamente à manutenção de caracterí sticas favoráveis às populações e comunidades,
embora selectivamente desvantajosas para os portadores gen é ticos no seio das popula ¬

ções. Inversamente, pode eliminar, ou manter com baixas frequê ncias, caracterí sticas
desfavoráveis à sobreviv ência das esp é cies, embora selectivamente favor á veis no seio
das populaçõ es. A selecção de grupo envolve a extin ção de popula ções, num processo
análogo ao da selec ção de gen ótipos no seio das populações, por morte ou redu ção da
capacidade de reprodu ção de tipos determinados de indiví duos. A efic ácia da selec ção
de grupo pode, contudo, ser refor ç ada por «deriva» gené tica. A selecção de grupo
constitui um assunto altamente controverso entre os geneticistas e assim permane ¬

cerá provavelmente por algum tempo, segundo testemunham os argumentos contra


constantes do extenso livro de Williams ( 1966) e & favor devidos a Darlington ( 1958)
e Waddington ( 1962).

Explicação

Embora existam poucas d vidas sobre a ocorr ência da selec çã o de grupo, existe
uma incerteza considerável acerca do grau de influência que pode ter na evolu çã o.
Williams ( 1966) cr ê que a maior parte de todas as adaptaçõ es de grupo, que t ê m sido
atribu í das à ac çã o da selec ção de grupo pelos ecologistas de populações, como por
exemplo Wynne - Edwards ( 1962, 1964, 1965), podem ser atribuí das à acçã o tradicional
da selecção individual. Tem certamente m érito o seu ponto de vista de que apenas
deveria ser invocado como um mecanismo quando a conclusã o nã o seja ambí gua.
Assim, Orians ( 1969) mostrou que os sistemas de cruzamento territoriais e polí genos
de muitas aves, interpretados por alguns como adapta ções de grupo facilitando o con ¬

trolo da população, podem ser explicados como tendo evoluí do e sido mantidos pela
selec ção tradicional a ní vel individual. Williams sustenta que a priori é pouco prov á vel
ter a selec ção de grupo uma ac ção importante face ao processamento da selecção no
seio das populaçõ es, em virtude do presumí vel grande n mero de geraçõ es ( durante
as quais pode actuar a selec ção individual) que usualmente ocorre antes da extin çã o
da popula ção. Há provas recentes, contudo, no trabalho de Wilson e seus colabo ¬

radores ( ver Wilson, 1969) de que a extinçã o da populaçã o pode ter lugar a um ritmo

( *) Esta sec çã o foi preparada pelo Dr. R . H . Crozier, Departamento de Zoologia. Universidade da Ge ó rgia .
442

alto, permitindo assim uma potencialidade considerá vel para a ocorr ê ncia da selec-
çã o de grupo. Antes que seja poss í vel concluir se a selecçã o de grupo tem ou n ã o
probabilidade de constituir um factor importante na evolu çã o de qualquer esp é cie,
tem de ser determinado o ritmo de extin ção das popula ções locais; é prová vel que
nos pr ó ximos anos o tema assuma interesse crucial na ecologia da evolu ção.
Foi sugerido por Wright ( 1945) um modelo de selecçã o de grupo que n ã o envolve
a extin ção da população. No seu modelo, um gen ó tipo é selectivamente superior a outro
durante o curso da selecçã o no seio da popula çã o, mas as popula çõ es fixadas relativa ¬

mente a ele , ou ainda em segrega ção, t ê m um tamanho mais pequeno do que aquelas
que est ã o fixadas relativamente a outro alelo. Wright sugere que, numa dimensã o
de popula çã o apropriada, enquanto algumas popula ções se fixarã o atravé s de selecçã o
quanto ao alelo de baixa capacidade de adapta ção da popula çã o, outras fixar -se -ã o a
favor do alelo de alta capacidade de adapta çã o da popula ção por efeito de «deriva»
gené tica. Estas ltimas popula ções aumentarã o ent ã o de dimensã o e contribuirão
para a corrente de imigrantes entre popula ções. Este fluxo desequilibrado de genes
tender á, em populações ainda em segrega ção, a contrariar os efeitos da selecçã o indi-
' vidual e a «atrair » algumas das populaçõ es que se encontram do outro lado no que
respeita à fixa çã o do alelo favorá vel . A frequ ê ncia de alelo favor á vel com elevada ca ¬
pacidade de adapta çã o, em rela çã o à popula çã o, aumentará assim na esp é cie, mesmo
que contra ele se exer ça selecçã o a n í vel individual no seio de uma qualquer popu ¬
la çã o. Este modelo parece , contudo, requerer um ajustamento mais delicado de
factores do que o requerido no modelo de extin ção de população e , assim, n ão é
t ã o plausí vel, muito embora, como se ver á no caso dos alelos t , no rato, a «deriva»
tamb é m possa ser importante neste ltimo caso.
Em populações pequenas a «deriva» gen é tica casual pode interagir com a
selecçã o para produzir resultados inesperados quando apenas se consideram as pres ¬
sões selectivas. Wright e Kerr ( 1954 ) mantiveram um certo n ú mero de pequenas
populaçõ es de Drosophila melanogaster que continham inicialmente cada uma um
n ú mero igual de alelos de tipo « olho de barra » e de tipo selvagem at é se fixar a
favor de um ou de outro alelo. Embora contra o «olho de barra» se apresente uma
forte selecção adversa e ele se perca sempre em populações grandes, uma pequena
propor ção das popula ções experimentais fixou -se a seu favor. Isto constitui prova
experimental de que o curso da selecção pode ser algumas vezes negado pela «de ¬
riva» gen ética.

Exemplo

Um exemplo claro de selecção de grupo foi destacado por Lewontin ( 1962),


que levou por diante simulações de computador da evolu ção de tr ê s alelos t de
443

esterilidade em popula çõ es de rato dom é stico. Estes alelos conduzem à esterili ¬


dade do macho quando em condi çã o homozig ótica , embora 85 a 99 por cento do
esperma dos machos heterozig óticos, em qualquer caso, transporte o alelo, em vez
dos 50 por cento esperados. A frequ ê ncia exacta da transmissã o depende do alelo
de que se trata. Em popula ções grandes, a frequ ê ncia do alelo poderá estabilizar - se
no ponto em que a taxa de perda nos homozig óticos fica equilibrada pela res ¬
tituiçã o de alelos resultante da segrega çã o aberrante nos machos heterozig ó ticos.
Este ponto é q= 2 m 1, onde m é o coeficiente de transmissã o. Para o alelo t w
com w = 0,86 e teoricamente <7 = 0,70, o valor observado numa popula çã o foi de
</ = 0,37. Lewontin observou que uma estrutura de cruzamento em que as popu ¬

la çõ es existentes sã o t ã o pequenas como grupos de fam í lias de dois machos e seis


fê meas poderia produzir, nas simula ções de computador , aproximadamente a fre ¬
qu ê ncia g é nica observada . Em 70 por cento das fam í lias simuladas, o alelo t tendeu
a fixar-se , quer completamente quer pelo menos nos machos, e causou a extin çã o
da fam í lia . Contudo, 30 por cento das fam í lias perderam o alelo t atravé s de «deriva »
gen é tica , ficando todas as popula çõ es fixadas depois de 24 gera ções. Assim , o alelo t
perder - se- ia , n ã o fora o facto de na natureza a migra çã o o reintroduzir constante ¬
mente em algumas popula ções isentas desses alelos, de tal forma que a frequ ê ncia
real de qualquer alelo numa popula çã o depende da probabilidade de extin çã o de
grupos que o transportam e da velocidade de transfer ê ncia para grupos de fam í lias
sãs por acçã o da migra çã o.
445

ECOLOGIA DE SISTEMAS :
Cap í tulo 10
ABORDAGEM POR AN ÁLISE DE SISTEMAS
E MODELAÇÃO MATEMÁTICA EM ECOLOGIA

Por Cari J. Walters


Institute of Animal Resource Ecology, The Uni-
versity of British Columbia, Vancouver , Canada.

Toda a teoria do curso dos conhecimentos na natureza se baseia,


necessariamente, nalgum processo de simplificação e c at é certo
ponto, portanto, um conto de fadas.
Sir Napier Shaw

INTRODUÇÃO

Fecha - se agora o c í rculo. Come ç ou - se com o todo, isto é , com o conceito do


ecossistema (Capí tulos 1 e 2) , depois prosseguiu- se detalhando os componentes funcionais
e bi ôticos do ecossistema ( do Capitulo 3 ao 8) e seus desenvolvimento e evoluçã o integrados
(Capitulo 9) . Agora volta- se novamente ao todo em termos de tratamento matem á tico ou
« formal» dos modelos «informais», gr á ficos e verbais , que t ê m sido utilizados ao longo deste
texto para ilustraçã o de princ í pios. O conceito geral da modelação foi analisado na Sec ção 3
do Cap í tulo 1 , e poder á valer a pena voltar a essa sec ção, bem como à sec çã o sobre a
cibern ética ( página 51) , à guisa de introduçã o a este capitulo. Os diagramas dos modelos
de circuito e de compartimento foram sendo apresentados nos cap í tulos anteriores ( ver,
por exemplo, Figuras 3 -11 e 3- 17) e t ê m sido feitas refer ê ncias frequentes ao traç ado de
curvas por computador , que simulam ou predizem fen ómenos do mundo real ( ver , por exem ¬

plo, Figura 7 -37) . A introdução, feita no Capitulo 7 , Sec ções 7, 8 , 17 e 18 às equações dife
¬

renciais, proporciona uma base necessária para este capí tulo.


A aplicaçã o dos m étodos da an á lise de sistemas à ecologia tornou- se conhecida por
ecologia de sistemas. Enquanto via formalizada para o holismo , a ecologia de sistemas tor ¬

-
nou se uma ciência principal, por direito pr óprio , por duas razões: ( 1 ) est ão agora dispon í
¬

veis novos instrumentos formais extremamente poderosos, em termos de teoria matem á tica,
cibernética, processamento electr ônico de dados, e assim por diante , e ( 2 ) a simplificaçã o
formal de ecossistemas complexos proporciona a melhor esperan ç a de encontrar soluçõ es
para problemas ambientais do homem que nã o podem ser , por mais tempo , entregues a
procedimentos de tentativa e erro, ou de um problema uma soluçã o, em que, essencial ¬

mente , se confiou no passado. Uma vez que a ecologia de sistemas é a vaga do futuro , jus-
tifica- se recorrer a um jovem, treinado neste novo dom í nio , para efeitos de uma introdução
especialmente preparada para o estudante principiante que ainda se nã o encontra muito
treinado em mat éria de matem áticas e de processamento de informa çã o. Cari Walters é um
aluno de George Van Dyne , que organizou, com Jerry Olson e Bernard Patten quando juntos
no Oak Ridge National Laboratory, um dos primeiros programas de ensino da ecologia de
sistemas. Desde ai, Van Dyne e Patten passaram para universidades onde est ã o a ser pre -
446

paradas novas gera çõ es de ecologistas. Estes pioneiros, juntamente com os centros de


ensino e de investigação criados por Ken Watt e C. S. Holling, que começaram por modelar
a din â mica das populaçõ es, e Howard T . Odum, que come ç ou por modelar a corrente de
energia, est ão a revolucionar o campo da ecologia e a proporcionar uma ligação vital com a
engenharia, onde os métodos de an á lise de sistemas est ão a ser utilizados de hã um tempo
a esta parte. Cari Walters é, assim, um membro da primeira geração preparada para ensinar ,
bem como para investigar , numa área que no futuro ter á de ser amplamente compreendida
e eficazmente aplicada. Neste capitulo, o Dr . Walters escreve com um conhecimento e uma
clareza t ão not á veis que uma mat é ria potencialmente dificil ficou reduzida a um di álogo
compreensí vel por qualquer pessoa que possua uma base matemática ao ní vel de escola
superior e que tenha dedicado algum tempo e reflex ão aos princ í pios bá sicos de ecologia
nos termos delineados nos capí tulos anteriores.

1. A NATUREZA DOS MODELOS MATEMÁTICOS

Enunciado

Os sí mbolos matemáticos proporcionam uma taquigrafia til para a descri ¬

ção de sistemas ecológicos complexos, e as equações constituem enunciados formais


da maneira como os componentes do ecossistema tendem a actuar reciprocamente
entre si. O processo de traduzir conceitos fí sicos ou biológicos de um qualquer
sistema por um conjunto de relaçõ es matemáticas, e a manipulação dos sistemas
matemáticos assim obtidos, designa- se por análise de sistemas. O sistema matemá ¬

tico é denominado modelo e constitui uma representação abstracta imperfeita do


mundo real.

Explicação

Embora se pense com frequência em «modelos» em termos de equações e


de computadores, podem estes ser definidos, mais geralmente, como quaisquer
representaçõ es abstractas ou fí sicas da estrutura e do funcionamento dos sistemas
reais. Ao longo deste texto, faz- se uma ampla utilização de modelos «verbais» ou
«figurativos» como auxiliares para a compreensão de processos ecológicos com ¬

plexos. Se os sistemas biológicos fossem descritos com todo o detalhe sem ajuda
de algum esquema ou resumo, apresentar - se-iam desesperadamente complexos.
A análise de sistemas reconhece explicitamente e manipula a complexidade no
desenvolvimento de modelos abstractos; a análise de sistemas é simplesmente um
instrumento para a compreensão. Dale (1970) publicou uma excelente introdução à
utilização da análise de sistemas em ecologia.
447

A capacidade para descrever e prever o comportamento de sistemas ecol ó¬


gicos através da utilização de modelos depende em larga medida de um princ í pio
comum a todos os sistemas: o da organização hierárquica (ou princí pio dos n í veis
integrantes). Este princí pio, examinado no Cap ítulo 1, estabelece simplesmente que
n ão é necessário compreender previamente como um componente de um sistema est á
estruturado em subcomponentes mais simples para prever o seu comportamento.
Assim , n ão é necessá rio entender completamente a bioqu í mica para descrever a
fisiologia das cé lulas, nem t ão pouco é necessário entender completamente a fisio¬
logia para descrever a din âmica das popula ções animais. O conceito de organização
hierarquizada est á ilustrado na Figura 10-1 em termos de «caixas negras». No estudo
dos sistemas a compreensão é concebida como a capacidade para ver como est á
organizado um componente do sistema a partir de elementos mais simples. O grau
de an álise da organizaçã o utilizado no desenvolvimento de um dado modelo matemá ¬
tico depende, mais do objectivo para o qual o modelo é desenvolvido, do que da
capacidade de reconhecer as subdivisões naturais do sistema. Embora os modelos
sejam abstracções imperfeitas de sistemas reais, representam instrumentos extre ¬

mamente poderosos para o ecologista porque a procura de respostas e previsões


relativamente a mat é rias importantes t ê m maior valor, a longo prazo, do que o tra ¬
tamento preciso de detalhes sem import â ncia.

J
ENTRADAS SAÍ DAS

Figura 10-1. Os processos e as estruturas nos sistemas ecológicos podem conceber-se como
«caixas negras» formadas por caixas negras mais simples, numa hierarquia de complexidade . Este dia ¬
grama mostra tr ê s n í veis de organização . Observando-se a relação entrada-sa í da para cada caixa, é
possível prever o seu comportamento sem que se compreenda como é constitu í da a partir de compo¬
nentes mais simples.
448

2. OS OBJECTIVOS DA CONSTRUÇÃO DE MODELOS

Enunciado

Os modelos podem ser construí dos por v árias raz ões. Proporcionando uma
descri ção abstracta e simplificada de um sistema, podem ser utilizados simplesmente
para orientar os esfor ç os de investigação ou esquematizar um problema para estudo
mais detalhado. Mais frequentemente, os modelos matemáticos s ão desenvolvidos
para previsão das alteraçõ es dinâmicas ao longo do tempo. O fracasso de um modelo
para prever a alteração é em si mesmo til, uma vez que pode evidenciar falhas
no esquema conceptual básico que presidiu ao seu desenvolvimento. Os modelos
podem ser avaliados em termos de tr ê s propriedades b ásicas ou metas: realismo,
precisão e generalidade. O realismo refere- se ao grau de ader ê ncia dos enunciados
matemáticos do modelo, quando traduzidos em palavras, aos conceitos biológicos
que pretendem representar. A precisão é a capacidade do modelo predizer altera ¬

ções numé ricas e simular os dados em que se baseia. A generalidade refere- se à


amplitude da aplicação do modelo (o n mero de situações diferentes em que pode
,i ser aplicado).

Explicação

At é à pouco, desenvolviam- se principalmente modelos matemáticos nas ciên ¬

cias fí sicas, na fisiologia e em domí nios de aplicação, como sejam a logí stica mili ¬

tar e o ordenamento das pescas. Nestes casos, os sistemas em estudo podem ser
claramente definidos, e os modelos s ão construí dos para responder a quest ões es ¬

pecí ficas. Em contraste, os sistemas ecológicos s ão com frequê ncia difí ceis de defi ¬

nir no espaço e no tempo e podem ser representados por modelos, atrav é s de uma
multitude de «grandezas» (energia, nutrientes, dimens õ es de populações, e assim
por diante); as quest ões que se p õem aos modelos ecológicos s ã o com frequ ê ncia
complexas e baseadas em problemas t ão difusos como «estabilidade» e «eficiê ncia
tr ó fica». Dado que os ecossistemas t ê m entradas altamente casuais, tais como o estado
atmosfé rico, parece pouco razoá vel construir modelos de elevado poder preditivo,
quando entradas básicas não podem frequentemente ser medidas ou prognosti ¬

cadas. Assim, os modelos ecológicos s ão frequentemente avaliados em termos da


sua generalidade e da sua capacidade para orientar o esfor ç o de investigação mais do
que pelo seu poder numérico preditivo (precis ão). Tendo em consideração a imensa
complexidade das interac çõ es entre plantas e animais e a dificuldade de identifica ¬

ção e medição destas interac ções, alguns ecologistas matemáticos concluí ram que os
449

modelos n ã o podem ser ao mesmo tempo realistas e gerais ( Levins, 1966 ) . Contudo,
assim como com o belo, o realismo est á no olhar de quem observa; alguns dos
modelos de «caixa e seta» que se encontram neste livro podem parecer excessiva ¬
mente complicados e realistas para o estudante , embora absurdamente simples para
o ecologista experimentado. A organiza ção hierarquizada da complexidade nos sis ¬
temas ecol ógicos assegura que por mais detalhado que o modelo possa ser, pode con ¬

siderar -se sempre n ã o realista , caso seja encarado em termos dos n í veis inferiores
( menos abstractos) da organiza çã o biol ógica.
Em problemas de ecologia aplicada em que o objectivo é a predi ção, o rea ¬
lismo e a generalidade são com frequ ê ncia sacrificados à precisão. Por exemplo,
em modelos relativos às pescas é, com frequ ê ncia, necessá rio predizer a taxa m é dia
de crescimento dos indiv í duos. O crescimento pode ser modelado com precisã o
recorrendo a equa çõ es com uma pequena fundamenta çã o na realidade ; estas são
suficientes para os biologistas das pescas , uma vez que o seu interesse se centra
na produção de uma dada população, para um intervalo restrito de densidades da
mesma. ( Veja- se um modelo de pescas deste tipo na Figura 7-35).
A resolução e a integridade sã o dois conceitos relacionados com o realismo
e a generalidade . Bledsoe e Jamieson (1969) definem resolu çã o como estando
« . . . relacionada com o n mero de atributos de um sistema que o modelo procura
reflectir.» Como adiante se verá, os modelos ecol ógicos são constru í dos representando
cada componente do sistema por um n mero ou uma s é rie de n ú meros. Assim ,
uma população de animais poder á ser representada pelo n ú mero de animais em
cada classe de idade, pela dimensã o m é dia dos animais e pela razã o entre sexos.
Neste caso a resolu ção poderá considerar-se alta; num modelo simples poderá igno ¬
rar - se a distribui ção de idades ou a razão entre sexos . A integridade , como foi
definida por Holling (1966 a ), refere - se ao n ú mero de processos biol ógicos e de
interacções referidas no modelo. A integridade e a resolu ção podem ser entendidas
como medidas sutyectivas do grau de an álise da organização hierarquizada das estru ¬
turas e do funcionamento biol ógico.

3. ANATOMIA DOS MODELOS MATEM ÁTICOS

Enunciado

É conveniente conceber o modelo matemático como constitu í do por quatro


elementos b ásicos. As variáveis do sistema são conjuntos de n ú meros utilizados para
representar o estado, ou condi çã o, do sistema em qualquer momento. Os sistemas
ecol ógicos consideram-se normalmente como consistindo, em qualquer momento,

29
450

numa sé rie de componentes ou compartimentos ; nos modelos utilizam -se uma ou


mais vari á veis do sistema para caracterizar o estado de cada componente . Os fluxos
ou as interacções entre componentes são representados por equações designadas
funções de transferência ou rela ções funcionais. As entradas no sistema , ou os factores
que afectam os componentes do sistema mas que por eles n ã o sã o afectados, s ão
representados por equa ções denominadas fun ções de forç agem. Finalmente , as cons ¬
tantes das equa ções matemá ticas denominam -se parâ metros. ( *)

Explicação

Embora as vari á veis dos sistemas possam ser de muitos tipos, representam
usualmente quantidades ou constituintes biol ógicos, ou ritmos de altera çã o dessas
quantidades. Constituem exemplos : ( 1 ) as quantidades de energia nos n í veis tr á ¬

ficos dos produtores , dos consumidores e dos decompositores, ou o ritmo do fluxo


•i
"
de energia entre produtores e consumidores; ( 2 ) o n mero de animais numa dada
popula çã o; ( 3) o intervalo de tempo necess á rio para um predador digerir cada presa .
• Li Para efeitos de uma representa çã o matem á tica concisa do estado do sistema as
vari á veis do sistema sã o dispostas ordenadamente numa lista denominada vedor
de estado do sistema, e a lista representada por um nico s í mbolo :

U
V2

V =
v ,i

,
Aqui v representa o valor em qualquer momento da vari á vel 1 do sistema , v 2 o
valor da vari á vel 2 , e assim por diante , e n é o n ú mero de vari á veis inclu í das no
modelo. A t í tulo de exemplo, suponha- se que se pretende construir um modelo
muito simples da transfer ê ncia de energia em Silver Springs, Florida . Utilizando
os s í mbolos e os n ú meros constantes da Figura 6 - 1 A , poder-se -á escolher a bio-

( * ) Os modelos podem ser ou estocá sticos ou deterministas . Os modelos estocá sticos procuram incluir os
efeitos da variabilidade casual nas fun çõ es de for çagem e nos par â metros. Os modelos deterministas
ignoram esta variaçã o casual . Os modelos estoc á sticos s ã o dif í ceis de tratar matematicamente, pelo
que s o utilizados como exemplos, fundamentalmente, modelos deterministas.
451

massa como uma medida da energia dispon í vel para transfer ê ncia e representar o
estado do sistema por :
'

p 809
H 37
C 11
TC 1 ,5

Ent ã o, o modelo matem á tico em quest ão consistir á num conjunto de equa ções que
descrevem o fluxo da energia de um componente para outro, e uma fun çã o de
for çagem que descreve a entrada de energia ( ver Figura 6 - 15). Os par â metros deste
modelo simples representariam efici ê ncias de consumo, ritmos de respira çã o, e coi ¬
sas deste tipo. Note -se que v „ v 2, etc., podem ser també m considerados conjun ¬
tos de n meros ( vectores ), e ser utilizados para simbolizar o conjunto de atributos
que caracteriza cada componente do sistema.
As fun ções de transfer ê ncia ou rela ções funcionais podem assumir uma diver ¬
sidade de formas. Sã o representadas, na maior parte das vezes, em termos da forma
segundo a qual cada vari á vel muda, como

=/ ( vi , v 2 , ... , v „, Fj , F2 ,..., Fk )

Sendo Av , / A / ( *) uma medida do ritmo de altera çã o com o tempo do componente / do


,
sistema, e f ( v , F ) « uma fun ção de v , de v 2 ,... e de v „ e de Fu F2 ,... Fk , onde v , são
componentes do sistema como anteriormente e F; valores das fun ções de for çagem .
Resolver o modelo de sistemas envolve usualmente encontrar os valores assumidos
pelos v , ao longo do tempo, uma vez conhecidos os seus valores iniciais ( condições
iniciais) e as equa ções relativas ao ritmo. Um outro m é todo, utilizado por Holling
( 1966) , consiste em escolher um Av , fixo e resolver em ordem a At ( o lapso de tempo
requerido para que uma dada altera çã o ocorra). Este m é todo é especialmente til
nos modelos de predador - presa , onde v , pode ser o n ú mero de presas, e Av , = l re ¬
presenta o consumo de uma s ó presa. Para o exemplo anterior de Silver Springs, F,
poder á ser o ritmo de entrada da energia solar e F2 a temperatura da água ou a velo ¬
cidade da entrada de detritos. Uma fun çã o de transfer ê ncia simples para a biomassa
de herb í voros em Silver Springs poder á ser

At
= 4
At
= f { P H C TC F > = [*12 - kHH ~ k 23 HC\ F2
*

( *) Fste tipo dc nota çã o foi introduzido primeiro na Secçã o 3 do Capí tulo 7.


452

Esta equação indica que ( 1) o ritmo global de alteração é proporcional à temperatura,


F2 \ (2) a taxa de absor ção pelas plantas é proporcional à biomassa vegetal dispo ¬

ní vel ( kl 2 P); ( 3) h á um ritmo de perda (respiração, excreção, morte) proporcional à


biomassa dos herbí voros { k 22 H)\ ( 4) a biomassa perde- se para os carní voros a um ritmo
proporcional à biomassa tanto dos herbí voros como dos carní voros ( k23 HCj . Aqui, k ] 2 ,
k 22 e k 22 são constantes de proporcionalidade e s ão os parâmetros da fun ção de trans ¬

fer ê ncia. Este «submodelo» de alteração da biomassa herbí vora não é realista; é apre ¬

sentado apenas para ilustrar a ideia básica de uma equação utilizada para relacionar
diversas variá veis. Na Secção 6 deste capí tulo ver - se- ão com mais detalhe os mé to ¬

dos para o desenvolvimento das equações do sistema e da avaliação de parâmetros.


À medida que um modelo se vai desenvolvendo verifica- se, com frequê ncia,
que algumas variáveis permanecem quase constantes ao longo do perí odo de tempo
considerado pelo modelo, e que alguns par âmetros dever ão ser considerados variá veis
com o tempo. Assim, a distinção entre estas partes de um modelo é artificial e refere- se
a um conjunto particular de equações que representa um est ádio na análise de um
sistema. De modo semelhante, as funções de for çagem podem considerar - se as saí das
(efeitos) dos componentes que não est ão incluí dos no modelo por raz ões de economia
ou de falta de interesse. Quase sempre se est á em presença de sistemas «abertos» que
recebem entradas de um «sistema de sistemas» maior e lhe proporcionam saí das. Não
é necessário reconhecer explicitamente que um dado sistema em estudo se encontra
contido num sistema mais amplo (um lago encravado num floresta incluí da esta na
biosfera, por exemplo); constitui disto exemplo o modelo de crescimento «logí stico»
( Capí tulo 7, Sec ção 8, página 294 ) no qual as populaçõ es s ão consideradas como tendo
uma «taxa especí fica de crescimento ilimitado» ( r) que é uma função implí cita (não
determinada) do habitat e das interacções com outros organismos.

4. INSTRUMENTOS MATEMÁTICOS BÁSICOS NA CONSTRUÇÃO DE UM MODELO

Enunciado

As equações, ou relações funcionais, que definem um modelo matemá tico


podem assumir uma diversidade de formas. Nesta secção, serão analisados os tr ê s
principais tipos de instrumentos matemáticos utilizados no desenvolvimento de mo ¬

delos. O primeiro, teoria dos conjuntos, pode utilizar - se para representar qualquer
tipo de modelo. A teoria dos conjuntos utiliza- se no desenvolvimento de modelos de
estados transitó rios. Aqui apenas se enumeram as condiçõ es qualitativas ou «estados»
que um sistema poder á assumir, e o modelo consiste numa regra de transformação
para especificar qual o estado que o sistema assumir á a seguir, conhecido aquele em
453

que agora se encontra. O segundo instrumento, a á lgebra matricial , ocupa -se com a
descri çã o e a manipulaçã o de listas e de tabelas de n meros. As matrizes propor ¬

cionam uma via simb ólica geral de expor as rela ções dos sistemas ; as t é cnicas de
manipula çã o de matrizes constituem a base de muitos modelos. O terceiro instru ¬
mento, equa ções de diferen ças e diferenciais, é utilizado para desenvolver modelos
que descrevem quantitativamente a forma como os sistemas se alteram com o tempo.
O exemplo de Silver Springs apresentado na ltima secção é deste tipo.

Explicação

Um conjunto pode ser considerado como uma lista de elementos; é repre ¬


sentado por s í mbolos que designam os seus elementos englobados em par ê ntesis.
O alfabeto constitui um exemplo, um conjunto de 26 s í mbolos designando diferentes
sons bá sicos :
[a, b , c, d , . .. , z]

Este conjunto é finito , outros , como por exemplo « todos os n ú meros inteiros » , cont ê m
'

um n ú mero infinito de elementos. As vari á veis de estado de um modelo de sistemas


formam um conjunto, tal como as equaçõ es que definem estas vari á veis . Uma popu ¬
laçã o é um conjunto de animais ou de plantas no qual cada elemento ( organismo
individual) pode ser identificado de uma forma complicada mediante exame dos
atributos morfol ógicos, fisiol ógicos e de comportamento. Os atributos que sã o uti ¬
lizados para definir os elementos de um conjunto formam , eles pr ó prios , um outro
conjunto, e assim por diante .
A utiliza çã o de conjuntos para descrever altera ções no estado de um sistema
constitui uma parte fundamental da cibernética. Ashby ( 1963) faculta uma excelente
introdu ção a este dom í nio. Suponha-se que se desenvolveu um conjunto cujos ele ¬
mentos simbolizam cada uma das diversas condi ções poss í veis que um ecossistema
pode assumir , ao longo do tempo, no desenvolvimento da sucess ã o « prim á ria » ( ver
página 414) sobre um substrato rochoso: o «estado A » poder á por exemplo repre ¬
sentar a rocha com l í quenes e organismos decompositores; o « estado B» , o solo
delgado com ervas e pequenos herb í voros , e assim por diante . Este conjunto de
estados do ecossistema pode ser representado do mesmo modo que os sons s ã o
representados pelo alfabeto. A seguir , pode - se escolher um intervalo de tempo apro ¬

priado e anotar , para cada estado simbó lico, o estado para o qual se admite que o
454

sistema se alterar á durante o intervalo de tempo considerado. Simbolizando a di -


recçã o da altera ção por uma seta, poder-se - ia ter

A
B
--
B
C
C
-F
F -> D
D -» C

Note-se que a altera ção é especificada para cada possí vel condi çã o de partida, mais do que
para um nico estado inicial . O conjunto de transi ções de um estado para o outro
designa-se por modelo din â mico ou de transiçã o de estado , e escreve-se muitas vezes

A B C F D
B C F D C

Nesta representa çã o, os estados de partida sã o colocados na linha superior e os


e stados resultantes ( depois de um intervalo de tempo ) na inferior . O s í mbolo T
indica o conjunto global das transi ções poss í veis. Uma vez que se tenha especifi ¬
cado T a partir do conhecimento de transi ções particulares, o comportamento, a longo
prazo, do sistema pode ser analisado pelas altera çõ es sucessivas ou transições :

A -> B
- - C -> F D

Pode reconhecer - se a exist ê ncia de ciclos, an é is ou liga ções, que passaram des ¬
percebidos na constru ção gradual do sistema: um tal ciclo é ilustrado na transi çã o
C > F D. Para o visualizar em termos de uma situa ção de campo considere - se A
como representando uma comunidade pioneira de l í quen sobre afloramento de gra ¬

nito, B uma comunidade interm é dia, C uma comunidade madura com flora de Pri ¬
mavera e Ver ão, F a comunidade madura com flora de Outono e D a comunidade
madura na fase invernal que parece nua mas que cont é m ra í zes dormentes, semen ¬
tes e solo, que voltar á a C na Primavera seguinte . No modelo figurarã o assim tanto
as altera çõ es anuais da sucessão, unidireccionais, como as transi ções sazonais cí cli ¬
cas. O valor principal dos modelos dinâ micos consiste na organiza çã o do conhe ¬
cimento acerca de um sistema ; ao proceder à sua elabora ção o construtor do modelo
pode n ã o encontrar nada de essencialmente novo sobre o sistema.
A álgebra matricial é uma classe ampla de t é cnicas matem á ticas utilizadas
para o tratamento de informa çã o que pode ser organizada em tabelas de dupla
entrada . Uma matriz é simplesmente um conjunto de n meros ou s í mbolos disp ôs -
455

tos em linhas e colunas. Apresenta- se seguidamente uma matriz X com 3 linhas e


3 colunas, ou 3 x 3, para ilustrar a nota ção usualmente utilizada.

'

*11 *12 *13


X 2 1 *22 *23

U i *32 *33

Cada um dos elementos da matriz é representado por x,n onde o sub í ndice i
indica a posi çã o quanto à linha e o subí ndice j a posi çã o quanto à coluna . Uma matriz
com uma s ó linha ou uma s ó coluna denomina-se vector. N ã o se entrar á no detalhe
das opera ções que podem efectuar-se sobre matrizes; remete- se o estudante para
Searle (1966 ). Uma opera çã o muito til é a multiplica çã o de matrizes. Caso se pre ¬
tenda multiplicar a matriz X pela matriz Y ( poss í vel se X tiver um n mero de colunas
igual ao n ú mero de linhas de Y ), o produto XY ainda será uma matriz. Na matriz
produto cada elemento é definido como a soma dos produtos dos elementos da
linha / de X pelos correspondentes elementos da coluna ,/ de Y . Segue-se um exemplo
' '

simples para ilustrar o processo:


'

l 3 2 T lx 1 + 3 x 2 + 2 x 1 9
0 4 0 X 2 = 0xl + 4x 2 +0xl = 8
3 2 2_ .1 .
_
3x1+2x2+2x1 _ 9
X Y XY XY

Na modela çã o ecol ógica é particularmente ú til dispor de uma opera çã o simb ó lica
que tome produtos e os some . Por exemplo, a soma das taxas de entrada e de
sa í da define a transfer ê ncia de energia atrav é s de um componente ecol ógico; nal ¬
guns casos pode ser razoá vel representar cada taxa como proporcional à ( igual a uma
constante vezes ) quantidade de energia presente nos componentes «doador » ou
« receptor ». Em tais casos os elementos ku da matriz K podem ser utilizados para
representar as constantes de proporcionalidade de transfer ê ncia entre componentes
/ e componentes j , e os elementos v , de um vector V utilizados para representar
'

as quantidades de energia em cada componente do sistema . O ritmo global da


transfer ê ncia para cada componente / é ent ão representado pelo elemento de ordem
'
/ em KV .
Ao organizar a informa çã o de um dado sistema , as matrizes podem ser utili ¬

zadas simplesmente para indicar quais os componentes do sistema que est ã o di-
-
rectamente inter relacionados . Se , por exemplo, se identificaram n componentes
do sistema, pode utilizar-se uma matriz n x n , /, para representar todas as inter-
456

acçõ es poss í veis entre componentes / e componentes j. Denomina-se / por tabela


'

de interacção. Pode colocar-se um «A"» no elemento i, j de / para indicar que o compo ¬

nente / afecta directamente o componente j , ou um « O» para indicar que / e j


n ã o est ã o directamente relacionados. Apresenta-se seguidamente um exemplo muito
simplificado para ilustrar a t é cnica :

vors vors Decompsr


Plants Herb Carn
í í

Plantas X X 0 X
Herb í voros X X X X
Carn í voros 0 X X X
Decompositores X 0 0 X

O exemplo exprime que todos os componentes se afectam a si pr ó prios ( / „ = « X » ) ,


mas que os carn í voros n ã o afectam directamente as plantas ( /, , = 0 ) e vice - versa
( / , ; = 0 ) . Os herb í voros e os carn í voros afectam os decompositores ( proporcionando
energia ) , por é m , os decompositores n ã o afectam directamente os herb í voros ou os
carn í voros ( /42 , /41 = 0). Tais tabelas de interacçã o podem ser muito mais extensas
e são teis da mesma forma que os modelos de transição de estado.
As equa ções de diferen ças e diferenciais descrevem ritmos de altera çã o do
sistema ; do Cap í tulo 7, Secçã o 3, consta uma introdu çã o simples ao conceito de
ritmos. A ideia básica das equa çõ es de diferen ças e diferenciais é a de que exprimem
a forma pela qual uma vari á vel se altera como uma fun çã o de uma dada grandeza
à medida que essa grandeza se vai alterando. As equa çõ es de diferen ças descrevem
altera çõ es que ocorrem durante intervalos discretos de tempo. Sendo V o valor de ,
uma dada vari á vel no tempo í, a equa çã o geral de diferen ças pode escrever-se como:

K+ i = f ( K , 0
que exprime que o valor da vari á vel será, após uma unidade de tempo, uma fun ¬
.
çã o do seu valor original e do tenipo Pode-se deixar, certamente , que V seja ,

um vector e que f ( V i ) seja um conjunto de equações. Usualmente, a forma de
„ ,
/ ( V t ) é complicada e V tem de ser encontrado por computador, que utiliza

cá lculos reiterados come çando com um valor inicial V . Pode calcular -se també m
Vu í como fun ção de ,
, V _ 2 , e assim por diante ; deste modo, as equa ções de
diferen ças sã o valiosas na representa çã o dos desfasamentos temporais.
457

As equações diferenciais descrevem altera ções que ocorrem continuamente


ao longo do tempo. A forma geral destas equações é :

dt

Novamente, dV / dt e / ( V, t ) podem ser vectores. Quando f ( V, t ) apenas cont é m


termos da forma k V , e k é uma constante, diz- se que a equaçã o é «linear».
A simples equaçã o de crescimento, dN / dt = rN , analisada nas Secções 7 e 8 do
Cap í tulo 7, pertence a esta forma linear na qual r é a constante e N é a
vari á vel do sistema. Quando as vari á veis ocorrem em produtos ( por exemplo,
/cK, V2 ) ou em outras fun ções compostas, a equa çã o é designada « n ã o linear».
Alguns dos primeiros modelos matem á ticos, da corrente de energia nos ecossis-
temas, foram desenvolvidos recorrendo à álgebra matricial e a equa ções diferenciais
lineares simples ( Garfinkel, 1962; Patten, 1965). A energia no ecossistema era consi ¬

derada como fluindo atrav é s de «compartimentos» brutos ( plantas, herb í voros, car ¬

n í voros, decompositores). Admita - se que a quantidade de energia, v„ em cada com ¬

partimento se alterava de acordo com a equaçã o diferencial simples :

)C = 2>„v,
onde os k 0 são taxas instant â neas do fluxo do compartimento j para o compartimento / ; '


o termo k é negativo e representa o ritmo total de perda do compartimento i para
os compartimentos que dele est ão a receber energia. Note -se que h á uma soma de
termos de entrada e sa í da para cada compartimento do sistema ; seria fastidioso escre ¬

ver o modelo completo. Pode utilizar-se a representa çã o matricial para tornar o sim ¬

bolismo mais conciso, observando que a multiplica çã o de matrizes é definida em


termos de somas de produtos tais como k ; / v;, O modelo pode escrever- se na forma
de matriz como se segue :

í/ v , "

k \\ k , 2 • kh,
dt
dv 2 k2 | k22 . k2 n X
- •
dt

<K k „i kn2 . k „„ V„
dt
458

ou simplesmente

= KV
dt

A simplicidade deste modelo permite que muitas das suas propriedades


sejam determinadas por análise matemática, sem recurso a computadores. Contudo,
aproxima- se do limite de complexidade para as t é cnicas «analí ticas»; a maior parte
dos modelos ecol ógicos s ão mais complexos e s ão fundamentalmente examinados
por t é cnicas de simulação em computador.

5. ANÁLISE DAS PROPRIEDADES DO MODELO

Enunciado

As propriedades dos modelos matemáticos exploram- se com uma variedade


de t é cnicas. Examinando o sistema matemático, podem obter - se, com frequ ê ncia,
conhecimentos sobre as propriedades correspondentes do sistema real. A retroac-
ção e o controlo, a estabilidade, e a sensibilidade de uma parte de um sistema às
alterações de outra parte s ão quest ões primordiais.

Explicação

Muitas das t é cnicas para o desenvolvimento e o exame dos modelos de sis ¬

temas tiveram a sua origem na «teoria dos sistemas de controlo» (Milsum, 1966;
Milhorn, 1966; ver també m Sec ção 4 do Capí tulo 2). O conceito de an é is de retroac -
ção, ilustrado na Figura 10- 2, constitui um aspecto central desta teoria. A retroac -
çã o refere- se, como foi definido em primeiro lugar no Capí tulo 2 ( ver página 51),
à resposta de um 'componente do sistema a uma alteração na sua pr ópria dimensão.
Os mecanismos de retroac ção positiva s ão aqueles que promovem o acr é scimo na
dimensão à medida que esta aumenta, como no crescimento exponencial de uma
populaçã o ( página 285) - Os mecanismos de retroacção negativa desencorajam o acr é s ¬

cimo à medida que o tamanho aumenta, isto é, como no modelo logí stico da po ¬

pulação ( ver página 294) - Os modelos ajudam a determinar a eficiência relativa dos
diversos mecanismos de retroac ção na promoção ( ou na diminuição) da estabilidade
de um sistema, dado ser possí vel variar os par âmetros ou as equações que repre -
459

A . DIAGRAMA DE UMA CAIXA NEGRA DE UM SISTEMA B Á SICO DE RETROACÇÁ O

PERTURBA ÇÕ ES

COMPARADOR

V Á LVULA DE V opt e MECANISMO V sa í da'


SISTEMA
REFER Ê NCIA DE CONTROLO r CONTROLADO

CIRCUITO DE RETROACÇÁ O

B. COMPORTAMENTO DO SISTEMA DE RETROAC ÇÁ O EM RESPOSTA A UMA PERTURBA ÇÃ O

O
Q
V „P, -
<
J
O
cc
-
f
z
o CONTROLO AMORTECIDO
u
<
UJ
H
oo
55
o
Q
< V 0 pl
Q
'
<
00

CONTROLO N Ã O AMORTECIDO

TEMPO APÔS A ENTRADA


DE UMA Ú NICA PERTURBA ÇÃ O

-
Figura 10 2. Um sistema básico de retroacçã o tal como é concebido na teoria do controlo (adap¬
tado de Waterman , 1968). Um valor de refer ê ncia do estado ou taxa de saída do sistema controlado,
V0 pt, é comparado, atrav és de um mecanismo ( o comparador), com o presente valor do sistema, Vsa ída.
A diferen ça é um erro, e , que é utilizado pelo mecanismo de controlo para proporcionar uma taxa de
entrada modificada, r, para o sistema controlado. O valor de referê ncia poderá ser, ele pr ó prio, uma
fun çã o de Vsa ída.
460

sentam estes mecanismos. O modelo pode ser constru í do explicitamente em termos


de mecanismos de retroacçã o, embora com maior frequ ê ncia estes mecanismos
no interior de um sistema sejam identificados depois do modelo estar constru í do
como « propriedades emergentes» de interacções mais simples entre componentes
do sistema .
As propriedades de estabilidade sã o com frequ ê ncia exploradas com a ajuda
de diagramas de fase, como o apresentado na Figura 10- 3 para um sistema de para-
sita- hospedeiro. Nos diagramas superiores os parâ metros e as variá veis da equação
sã o tais que as oscila ções na densidade aumentam nas sucessivas gera ções; nos
diagramas inferiores um conjunto diferente de valores traduz-se em oscila ções que se
reduzem com o tempo, de uma maneira semelhante ao modelo de « retroacçã o
gen é tica » que foi descrito no Cap í tulo 7 ( Figura 7- 32 ). Os diagramas de fase são
produzidos representando os valores das vari á veis do sistema umas em ordem à s
outras, com a altera ção relativa ao longo do tempo representada por uma linha que
liga os pontos coordenados correspondentes aos sucessivos valores das vari á veis
segundo o tempo, como se ilustra nos dois diagramas da direita da Figura 10- 3. A
oscila çã o atenuada de vari á veis durante um dado per í odo de tempo é indicada por
uma linha que espirala para o interior para um « ponto de equil í brio» ( gráfico direito
inferior ). A instabilidade é indicada por uma linha que espirala para fora ( grá fico
direito superior) . Partindo de diferentes valores iniciais das vari á veis, podem encon ¬

trar-se aqueles estados do sistema que conduzir ã o à estabilidade. Os conjuntos de


estados de partida para os quais o sistema n ã o « sucumbe » definem regiões de esta ¬

bilidade no diagrama de fase . A dimensã o e a forma da regiã o de estabilidade podem


ser examinadas pela altera çã o sucessiva dos par â metros e equações do modelo.
Agrupam - se sob o t í tulo geral de aná lise de sensibilidade uma diversidade
de observa çõ es sobre o comportamento de modelos . Variando as fun çõ es de for ça -
gem de um modelo, pode examinar - se a sensibilidade de entrada - sa ída. Em modelos
de corrente de energia podem apreciar- se os efeitos das altera ções da produ çã o
prim á ria sobre a produ çã o potencial dos carn í voros . Por exemplo, considerando o
modelo de fluxo de energia de uma lagoa de pesca na Figura 3- 11, como poderia
a produ çã o de peixe para pesca desportiva (achig ã ) ser afectada por um acr é scimo
de 25 por cento na produ çã o prim á ria ( a fun çã o de for çagem ) obtido gastando um
n mero x de d ólares em fertilizante adicional ? O modelo poderia evidenciar que
uma parte muito pequena da energia prim á ria extra chegaria ao n í vel dos carn í vo ¬

ros de topo, dada a exist ê ncia da importante «cadeia lateral » envolvendo larvas
de insectos carn í voros, que constituem uma parte deste ecossistema particular. Ou ,
poderá mostrar que a produ çã o extra n ã o compensa o dinheiro despendido, dada
a instabilidade adicional criada pelo acr é scimo da fun çã o de for çagem . Numa outra
-
abordagem poder se - ia procurar a quantidade de entrada de energia necessá ria para
manter um n í vel tr ófico adicional. Por exemplo, que tamanho deverá ter um mi-
461
- 2 ,0
- 4,8
-4 HOSPEDEIRO <
-6 5
- 7 ,6
<
-8
W ( .PARASITA < - 10 , 4
< -IO \ -
K 1 ,5
W = 0, 0245
O
0 - 13 , 2 -
w -12
5 I5 20 25 30 - 4 , 8 - 2 , 0 - 0, 8
- 10 , 4 - 7 , 6
5a GERA ÇÕ ES
Q

g LOG DA DENSIDADE DO HOSPEDEIRO


w 0 ,8 r
-
Q -2 HOSPEDEIRO É
a - 2 ,0
3 -4 <
- 6 O - 4 ,8
O
-8 PARASITA - 7 ,6
IO = .78
-
- K
W 0 ,0245 - 10 , 4 -
-I2

Figura 10-3. Um modelo de componentes experimentais da interacção hospedeiro - parasita. ( De


Holling e Ewing , 1969). Os grá ficos do lado esquerdo ilustram tamanhos da popula çã o corri o tempo
i para uma situa çã o inst á vel (em cima ) e uma situa çã o est á vel ( em baixo). Os gr á ficos do lado direito
sã o «diagramas de fase», mostrando as dimens õ es da popula çã o à medida que as popula çõ es se alteram
1
uma em rela ção à outra . As setas indicam a direcçã o da altera çã o com o tempo.

croecossistema, ou uma ilha , para sustentar a longo prazo uma popula çã o de carn í vo ¬
ros sem eliminar do sistema a componente das presas ( recordar que no exemplo de
microecossistema citado no Cap í tulo 2 foi necessá rio uma «cerca de pastoreio» para
suportar at é mesmo dois n í veis tr ó ficos; ver Figura 2-6 II).
Um outro tipo de sensibilidade é a dos diferentes componentes do modelo
entre si , medida quer em termos da ( 1) altera çã o no valor m édio ou no equil í brio
de cada um com os outros, quer da ( 2) estabilidade de um como fun çã o de estabili ¬

dade de outro. Por exemplo, num modelo de ciclagem de nutrientes ( Figura 4- 7)


poder á for çar - se uma altera çã o no componente absor çã o vegetal e observar qual o
efeito produzido sobre o componente detritos. Finalmente , pode -se atender à sensi ¬
bilidade da realiza ção total ( estabilidade, valores de equil í brio, e assim por diante)
às altera ções nos parâ metros e nas equa ções do sistema. Este tipo de an á lise de
sensibilidade é particularmente valioso na sugest ão de á reas carecidas de medi ções
de campo e de trabalho experimental mais cuidadoso. Da an á lise de sistemas com ¬

plexos emergem com frequ ê ncia componentes ou interacçõ es chave . Estes factores
chave podem conceber-se como ocorrendo em pontos de convergê ncia numa rede
de linhas que representam inter- rela ções causais entre componentes do sistema.
Em resumo, a an á lise de sensibilidade é um bom m étodo a considerar quando
n ão se sabe qual é a estrat égia, ou que estrat égia adoptar para obter o resultado
desejado. Alterando os pesos de diferentes componentes de uma forma pr é- concebida
pode observar -se que componentes no modelo sã o sensí veis a cada altera çã o.
462

6. MÉTODOS PARA O DESENVOLVIMENTO DE MODELOS

Enunciado

Nã o h á regras ou crit é rios fixos para guiar as actividades de constru ção de


modelos matemáticos. Em princí pio, qualquer modelo matemá tico pode ser consi ¬

derado como uma extensão, generalizaçã o, ou um caso especial de qualquer outro


modelo. Na pr ática, t ê m sido adoptadas na modelação ecol ógica pelo menos duas
estrat é gias relativamente distintas. O m étodo do sistema por compartimentos real ç a
as quantidades de energia e de materiais nos «compartimentos» do ecossistema.
Os exemplos citados at é aqui neste capí tulo baseiam- se neste mé todo, tal como os dia ¬

gramas de «caixa e canal de fluxo» já usados nos Capí tulos 3 e 4. Os modelos «electro-
- analógicos», como se ilustra na Figura 3 - 17, sã o de tipo de compartimento, embora
ponham em destaque analogias entre sistemas ecológicos, elé ctricos e hidrológicos,
de uma forma muito semelhante àquela com que se poderia destacar os circuitos el é c ¬

tricos e de canalização num modelo de sistemas de um edifí cio ou de uma pe ça


complexa de máquina construí da pelo homem ( ver H. T. Odum, 1960 a, 1962). Os
modelos de compartimento desenvolvem- se usualmente como sistemas de equações
diferenciais relativamente simples. O método dos componentes experimentais dá ên ¬

fase à análise detalhada de processos ecol ógicos ( predação, competição, e assim por
diante). Neste método, o esfor ç o de modelação é centrado nas interac ções e nos
sistemas de equações, mais do que na identificação de medidas quantitativas para
descrever o estado do sistema. Os modelos desenvolvidos com o mé todo dos com ¬

ponentes experimentais tendem a ser realistas e precisos; os modelos de comparti ¬

mento tendem a ser gerais, embora não realistas. Os par âmetros dos modelos de
compartimento s ão usualmente estimados a partir de observaçõ es sobre as dimensõ es
dos compartimentos ao longo do tempo, obtidas sem perturbar o sistema em estudo.
Como o nome sugere, os par âmetros dos modelos de componentes experimentais
resultam de trabalhos experimentais em processos isolados relativamente ao ecossis ¬

tema; os dados de campo s ão utilizados apenas como um teste geral, para assegurar
que os processos experimentalmente considerados est ão combinados apropriada ¬

mente no modelo. Na modelação por compartimentos a ênfase tem sido posta na


descri ção e no resumo dos dados. Na modelação por componentes experimentais a
ênfase tem sido posta na previsão da reacção dos sistemas à s perturbações e às
manipulações. Nos estudos integrados, em grande escala, de ecossistemas globais
combinam- se aspectos caracter í sticos de ambos os mé todos.
463

a. MODELO DE COMPARTIMENTO
Vi
entrada
fotossintética
v4
vegetaçã o
v3 v2 em pé
vegeta ção vegeta çã o
morta
viva viva
ra ízes folhagem

v5
v6 folhada
respira çã o

b. MODELO MATEMÁTICO
3.0 + cos { 3.1 + 2.0 [ Tr (f -I . O ) ] } 8.6
365
V ,( t ) 1.4
= 1.0 v , + 0.004 v3-{o.00027 e 0 0 ' 2 ' +[ o. 002 + 0.002 sin ( 21-0.7 ) I . 4]+0.00I 4}v2
ft < 280 = 0.004 v 2-{ [0.0005 + 0.0 l sin ( t + 2 )] 1.1 + 0.004} v 3
AVj
Af _
( t > 280 = 0.004 V2 -{[0.0005 + 0.0 I sin ( t + 2 )] I . I ( jfg Q ) + 0.004} v 3
= 0.002 v 2 - 0.001 v4
= O. OOI 85 l . o +- sin ( 21 - 1.56 ) v4 - 0.002 v 5
Avg O. OOI 85 I 0 + sin ( 21 - I . 56 ) v4 - I 80.0 + v 5
~
Ãt
' + 0 0 0 I 4 V2 + 0 . 0 0 0 7 V 3

MODELO DE SAÍDA
9I 0

em pé morta
o /

2
ct 650
CJ
O
520 -
vegetaçã o
viva
o
Q .
390 - ra í zes
3
E 260 ~ folhada /
cc
O
-
130

- -i x
-*
i 1 1 1
Prevista v
Observada
1 1
\j>
*

J F M A M J J A S O N D
Meses

Figura 10-4. Um modelo de compartimento de altera çã o de biomassa num ecossistema de pra ¬


daria. a. Diagrama identificando compartimentos do sistema e mostrando a direcção da corrente de
energia, b. Fun çã o de for çagem [vi ( t ) j e sistemas de equações , c. Saída do modelo, mostrando a sua
capacidade para se ajustar a dados reais. (De VanDyne, 1969.)
464

Explicação

A abordagem da modela ção ecol ógica por compartimentos est á descrita por
Patten (1971) e Van Dyne (1969). Aqueles que vê m utilizando esta via t ê m estado
interessados, normalmente , na macrodin â mica de ecossistemas inteiros como uni ¬
dades transformadoras de energia ou de ciclagem de nutrientes. Os ecossistemas são
considerados como formados por compartimentos ou reservat ó rios de energia ou
de nutrientes. Admite-se que processos complicados associados com as populações
que se combinam em cada reservat ó rio se contrabalan çam mutuamente , dando

IOOO

Respira çã o
j|li 2 Energia Solar
/ ( x 0 ,1 ) (
f|
das Plantas
(x 1 Ó )
'
'I
' 14 <
O
K

Folhada vegetal
f.t
* 4 00
" :ll
|'
Material Vegetal
Morto em Pé
'« ( x 0,1)
1
ll '

*i ' IW Biomassa de Antilopes


(• ( x 100 ) Respira çã o de Antilopes
* l|!í - C- (* 10_ 00)
. /*
-! |'! Vegeta çã o Viva em Pé

4 '

4 •' UI ' DIAS

* .• Kl

/ Biomassa Microbiana
( X 0 , 00001 )

>
500
<
O
*
Material Fecal
MA ( x 1 000 ) M

Respira çã o Microbiana
( x 0,001 ) Detritos
(x
r11 Animais Mortos
( ( x 1 000 )
0 , 00001 )

75 I 09 I 46 182 219 255 292 328 365 0 36 75 109 146 182 219 255 292 328 365
DIAS DIAS

-
Figura 10 5. Resultados de um modelo de simula çã o em grande escala de um ecossistema de
pradaria: A entrada de dados foi feita na forma de par â metros de taxa e de valores iniciais para o dia 0;
as curvas apresentadas n ã o traduzem dados reais. É apresentada na Figura 10-4 uma vers ã o muito menos
real ística e complexa deste modelo. ( De VanDyne , 1969.)
465
origem a um compartimento simples do reservat ó rio considerado na sua globalidade .
Os dados para os modelos de compartimento podem resultar de trabalho experi ¬
.
mental embora sejam normalmente obtidos por simples medi çã o das dimens ões
dos compartimentos ao longo do tempo. As estimativas dos parâ metros obt ê m-se
usualmente atrav é s da resolu çã o repetida das equa ções, enquanto se fazem variar as
estimativas daqueles para se obter o melhor ajustamento aos dados dimensã o- tempo.
Um dado modelo poder á ser considerado inadequado, caso n ã o se consiga « ajust á - lo»
aos dados. Os opositores do m é todo por compartimentos argumentam que este nã o
é «cient í fico» , dado que em ci ê ncia experimental corrente se tenta encontrar dados
que desaprovem mais do que demonstrem a rela çã o tomada para hip ótese . Na Fi ¬
gura 10- 4 apresenta-se um modelo simples de seis compartimentos para ilustrar o
m é todo. Neste modelo o componente produtor prim á rio do ecossistema de pastagem
est á dividido em quatro unidades ( folhagem acima do solo, ra í zes, mat é ria morta em
pé , e manta morta) associadas com dois componentes de energia ( entrada fotossin -
t é tica , P, e respira çã o, R ) . Na Figura 10- 46 apresentam - se as equa çõ es para cada com
¬

partimento que indicam como ele interage sazonalmente com outros compartimentos.
Finalmente , apresenta - se na Figura 10- 4 c a sa í da computada do modelo matem á tico,
ilustrando quanto as altera çõ es « previstas» se encontram pr óximas das altera çõ es
«observadas» nos componentes, obtidas atrav é s de medi çã o no campo. O modelo
de energia descrito no fim da Secçã o 4 constitui um outro exemplo.
O m é todo dos componentes experimentais foi proposto formalmente e pela
primeira vez por Holling ( 1966 ) . Enunciado de uma forma simples , o m é todo envolve
a divis ão dos processos ecol ógicos em subprocessos muito simples , ou « componentes
experimentais ». Cada componente é ent ã o analisado experimentalmente e representado
por uma equa ção simples ou por u.m conjunto de equa ções . A integra ção dos modelos
de componentes bá sicos num modelo de todo o processo ou conjunto de processos
é tratado como um problema de «actualiza çã o de ficheiros» em computador. Utilizam - se
largamente equa ções complexas de diferen ças, e os computadores constituem uma
necessidade absoluta para o exame das propriedades do modelo. Desta maneira é rela ¬

tivamente fá cil representar desfasamentos temporais, descontinuidades, e respostas


a n í veis cr í ticos. Watt ( 1968) discutiu v á rias aplica çõ es do m étodo dos componentes
experimentais na an á lise de problemas de ordenamento de recursos. O m é todo tem
sido largamcnte utilizado para analisar processos que ocorrem a n í vel dos organis ¬
mos individuais, e as indu ções apontam no sentido de alterações nas popula ções
das esp é cies. Os problemas ligados à aplica çã o de um tal m é todo a ecossistemas
inteiros seriam certamente formid á veis. Na Figura 10-3 apresenta-se um exemplo da
aplica çã o da an á lise dos componentes experimentais ao estudo das rela ções predador
( parasita ) - presa ( hospedeiro ). Neste modelo complexo, Holling utilizou equa çõ es
representando muitos componentes do processo geral de preda çã o, como, por exemplo,
o n í vel de fome , o ritmo de busca por parte do predador , a densidade da presa e a
interfer ê ncia entre predadores.
30
PAR Â METROS DE PRODUTfVIDADE
E POPULA ÇÃ O. ESTADOS INICIAIS
DAS PLANTAS POR SUB À REAS. TAMANHOS
INICIAIS DA POPULA ÇÃ O. ETC.

Circuito atrav é s dos anos - j NOVEMBRO :

DECIDIR A ADMINISTRA ÇÃ O
PARA O PR Ó XIMO ANO

meses no Inverno
*4
ATRIBUIR A EA UNA
SILVESTRE SUB À REAS PARA
0 INVERNO
NOVEMBRO

DETERMINAR A INGEST Ã O DE ALIMENTO


PELA FAUNA E AS ALTERA ÇÕES DE
BIOMASSA VEGETAL DURANTE O INVERNO
ABRIL

Ò ETERMINAR AS f AXA $ DE REPRODU ÇÃ O '


E A NOVA DISTRIBUIÇÃ O DAS CLASSES
DE IDADE E SEXO PARA AS ESPÉ CIES MAIO
DA FAUNA SILVESTRE

meses no Ver ão
- MAIO

DETERMINAR A PRODUÇÃ O ESTIVAL


DAS PLANTAS E UTILIZA ÇÃ O PELO
GADO E A EXPLORA ÇÃ O DE MADEIRA I
SETEMBRO

EXPLORAR A FAUNA SILVESTRE E


APLICAR A MORTALIDADE NATURAL

í
T
N OVEMBRO

SA Í DA DAS PRODU ÇÕ ES DAS CULTURAS


H
ir. .
.
VEGETAIS TAXAS DE CRESCIMENTO DO
ARMENTIO E POPULA ÇÕES DE FAUNA
-'
l
SILVESTRE POR ANO
.
, i"
i

1

. • : l<!
4
SINTETIZAR AS DECIS ÕES DA
ADMINISTRA ÇÃ O E OS CORRESPONDENTES

.
A RESULTADOS

. ri 1

n C/D ERVAS
<
> • ARBUSTOS
H <I • Á RVORES
LU
cc
C/D
LU
Q
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N

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3
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0
z I / / s
I /
«
LU
1
C/D t
o
X
ii
LU

20 40 60 70
ANOS APÓS O FOGO
Figura 10 6. ( Ver legenda na pá gina oposta ).
+ +
.. ÁREA 1, PLANTAS

X
X ERVAS
ARBUSTOS
/
X ÁRVORES

ÁREA 2, PLANTAS ABATE DE


Á RVORES
| ABATE DE
l Á RVORES / /
y
.
V
r
y
A
+ -
H
ÁREA 3, PLANTAS

/
A
/
+ /

Tv.
j

ÁREA 4, PLANTAS
ABATE DE
Á RVORES X

ÁREA 5, PLANTAS

/
/ 1FOGO PASTORIL
'

/
/

y
r ff' 4-
TODAS AS ÁREAS, PLANTAS

DENSIDADE DA VIDA SILVESTRE


VEADOS
+ OVELHAS
- ALCE /

. 4. + + 4- + + 4 + + + + . .
4 '••L
j +
0 25 50 75
C ANOS

Figura 10-6. Um modelo de produção de plantas e de vida silvestre e ordenamento de uma flo¬
resta e área de pastorí cia no oeste da Amé rica do Norte. A . Diagrama de fluxos mostrando a sequência
dos cálculos de computador; cada caixa representa um ou mais sistemas de equações . B. Sucess ão de
plantas, simulada, que se segue a um fogo severo numa área ordenada sem grandes herbí voros. Cada
curva representa a biomassa relativa de uma espé cie de plantas Estão figuradas cinco espécies de gra- .
.
mí neas, duas de arbustos e duas de árvores. C- Saí da resumo de uma simulaçã o de 75 anos em cinco
áreas ordenadas ( os 5 painéis superiores) e na área total ( os dois painé is inferiores). As actividades de
ordenamento da área, como sejam o abate das árvores e os incêndios pastoris, foram realizadas em
diversas áreas ( indicadas por setas), estando indicados os seus projectados efeitos no coberto vegetal
e nas populações da vida silvestre.
Fonte de A B C
energia de
fornecimento
constante e /l
$ N2 a o i
FONTE DE ENERGIA ARMAZENAMENTO PASSIVO ESCOADOURO DE CALOR
Ni §K > D E
DE ENERGIA

F G H I
T

Escoadouro
de calor
>

$ ç
-
RECEPTOR PORTA POPULA ÇÃO DE
9
POPULA ÇÕES POSTO DE
kT
r
*
INSTALAÇÃO
(a ) GERADORA DE POTENCIAL DE ENERGIA PURA DE CENTRAL CONSUMIDORES
AO DE PLANTAS TROCA ECONÓMICA ]
NÍVEL DE SUSTENTAÇÃ O
A
Programa complexo
de desfasamento kcal / m 2 / ano
LAVOURA

PASTAGEM 6,9

0 CHUVA
1 299 000
nr 0,034
>x > ENERGIA
SANGUE
0,102 1 0.066
LUMINOSA CONSUMIDORES LEITE CARNE.
CULTURAS SILVESTRES
> r
> f
ô
$
1 460 000
(b ) 161 000
HOMEM
1

|M
_L & kcal / m 2 / ano

TRABALHO
20

TRABALHO
DOS ANIMAIS
73 » ,
AGR ÍCOLA
* 5
ENERGIA
LUMINOSA
(c)
D 1 ARMAZENAMENTO
37
180
TRABALHO DE GR Ã O
DA CHUVA
. • :!l
> 45
PARA A CIDADE

111 kcal / m2 / ano


* CONTROLO PELO HOMEM
COMBUST Í VEIS DAS CORRENTES DE ENERGIA
FÔSSEIS 135 6

t ENERGIA HOMEM

(d E
>I4>I4>T4>T4>I4>I4 60

9
B CIDADE

Y
Figura 10-7. Exemplos de modelos de circuito eléctrico analógico. A . Sí mbolos da rede de energia
(ver texto para explicações adicionais). B. Diagramas de circuito do modelo de crescimento logí stico
da população e as equações para cada resposta, ( a ) Circuito biológico para uma população com retro-
circuito multiplicativo, ( b ) Biofiltro: deslocamento de fase ressonante ou amortecida, ( c) Analógico pas ¬

sivo. ( d) Gr áfico de crescimento logí stico.


Equações derivadas do circuito:
J L(N\ N2 ) Entrada de energia
Jv
\ kwN2 Fluxo de retrocircuito à central
L kJw Condutividade. que controla a central, L - 1/ R
T dN2 / dt 50 % da taxa de entropia, quando positiva
dN2 / dt J T Jw Balanço dos fluxos
Combinando as equações :
dN2 / N2 dt = ( kw / 2 ) [ k( Ni - N2 ) - 1]
Capacidade de sustentação dependente da energia = ( kN \ 1)k.
C. Circuito de energia para um sistema tribal de gado no Uganda. D. Circuitos de energia para o homem
em agricultura de monção não subsidiada na índia, baseada em grande parte na energia solar, embora
com corrente de energia controlada pelo homem através das culturas e do gado. E. Circuito de energia
para a agricultura industrial subsidiada com combust í vel, em que as produções altas estão baseadas em
grandes entradas de combustí veis fósseis que (1) substituem o trabalho anteriormente realizado pelo
homem e animais e (2) eliminam a teia de animais e plantas que são «criados» nos dois sistemas pre ¬

cedentes, Figura 10- 7C e D. ( A , C, D , E segundo H. T. Odum, 1967 a; B segundo H. T. Odum, 1967.)


469

Uma variante interessante do modelo predador- presa é apresentado num tra ¬


balho recente por Holling (1969) que considera os urbanizadores e os especuladores
de terrenos como o « predador » e a terra como a « presa »! Foram constru í dos dois
modelos, um baseado numa especula çã o em pequena escala ( numerosos pequenos
« predadores» de terrenos) e o outro numa especula çã o em larga escala ( 50 por cento
da terra sob controlo do desenvolvimento em grande escala ). Utilizou -se um «diag ¬
n óstico de pertubação» de um aumento s bito na popula çã o e na procura de terra
para medir a estabilidade de cada modelo. A especula çã o em larga escala traduziu -se
numa menor oscilação em termos de densidade de popula ção, satisfação dos com ¬
pradores e quantidade de terra desenvolvida. Este modelo n ã o considera, natural ¬
mente, os efeitos a longo prazo do desenvolvimento em larga escala , em termos de
polui çã o, equipamentos sociais e satisfa çã o humana na gera çã o seguinte . Constitui,
contudo, um caso visando o desenvolvimento planeado em larga escala que inclui
restri ções qualitativas ambientais. O desenvolvimento processado por pequenas pe ças,
n ão planeado, que vã o apanhando a paisagem de uma maneira casual é, por certo,
t ã o autodestruidor como um predador « n ão programado» que explora a presa sem
qualquer controlo de retroacçã o.
Nas Figuras 10-5 e 10-6, apresentam -se modelos que ilustram combina ções
dos m é todos dos componentes experimentais e dos compartimentos. O modelo do
ecossistema de pradaria ( Figura 10-5 ) foi desenvolvido em associa çã o com o Pro¬
grama Biol ógico Internacional , e destina-se à investiga çã o dos principais aspectos
do fluxo de energia. Sã o utilizadas como fun ções bá sicas de for çagem equa ções para
a energia solar , a temperatura e a precipita çã o. Cada compartimento, cuja altera çã o
simulada com o tempo é ilustrada na Figura 10-5, est á representado no modelo pelo
menos por uma equa ção de diferen ças ou uma equa ção diferencial . O modelo de
produ çã o vegetal e popula çã o de vida selvagem ( Figura 10-6 ) foi desenvolvido para
analisar a utiliza çã o do solo em á reas florestais da Am é rica do Norte. A produtivi ¬

dade e a sucessã o vegetais sã o simuladas por um tipo de modelo de compartimentos


que d á ê nfase à s equa ções diferenciais n ã o lineares. Os parâ metros bá sicos da pro¬

dutividade das plantas sã o obtidos de estudos experimentais, ao passo que a ten ¬

d ê ncia geral da sucessã o é gerada «jogando» com os valores dos par â metros que
representam competi çã o entre plantas. Utilizam -se equa ções de diferen ças e um
procedimento de actualiza çã o do Ficheiro para representar a estrutura et á ria , as taxas
de natalidade e as taxas de mortalidade em popula ções da vida silvestre . A alimen ¬

ta çã o da vida silvestre e o efeito da apreensão de alimento na reprodu çã o e a morte


são simulados a partir de dados experimentais utilizando equações, quer de dife ¬
ren ças , quer diferenciais. Os dois ltimos exemplos são apresentados, n ã o tanto
para mostrar precisamente como se desenvolvem os modelos, mas sim para dar a
conhecer o grau de complexidade biol ógica que pode ser representada em termos
matem á ticos.
470

Na Figura 10- 7 ( ver tamb é m Figura 3- 17) apresentam - se quatro exemplos das
vers ões electro-anal ógicas de modelos de compartimentos. Os compartimentos encon ¬
tram - se representados por s í mbolos especiais como se ilustra na Figura 10- 7 /1; estes
incluem s í mbolos para as fontes de energia , os produtores prim á rios , os consumidores,
o armazenamento, os escoadores de calor ( onde parte da energia potencial é desviada
sob a forma de calor como uma fun çã o necess á ria da transfer ê ncia de energia de uma
forma para outra) e sa í das de trabalho ( um fluxo de trabalho que facilita uma corrente
de trabalho secund á ria , matematicamente uma fun ção produto, como se encontra
indicado pela caixa contendo um « X » ). Como foi explicado por H . T . Odum ( 1967 a ,
p ágina 59 ) ;

Cada s í mbolo tem uma defini çã o matem á tica e para cada s í mbolo h á um grá fico
ou resposta funcional de entrada e sa ída . Uma vez que cada s í mbolo representa algo definido
matematicamente , o diagrama de rede é tamb é m um enunciado de programa de compu ¬
tador que tem de ser escrito para simula çã o em computadores digitais. Quando h á que
estudar a resposta global das partes associadas , tamb é m se pode modelar o sistema com
unidades el é ctricas, com base no princ í pio passivo , no qual o fluxo de corrente el é ctrica
simula o fluxo de carbono e as perdas de energia cal ó rica no sistema real sã o simuladas
pelas perdas em calor no sistema el é ctrico . A voltagem simula a energia potencial.

: Se o sistema é constru í do por circuitos el é ctricos , pode-se variar a oscila çã o


de entrada da energia e determinar o padr ã o de chegada da energia em qualquer ponto
do sistema , como, por exemplo, ao homem no fim da cadeia alimentar. Caso se haja
omitido alguma coisa importante, a resposta será diferente da do sistema real . Pode-se
ent ã o adicionar dados ou alterar padr ões, desenvolvendo assim , gradualmente , o
modelo at é que este simule o sistema real .
A Figura 10-75 mostra como o modelo log í stico da popula çã o, que foi conside ¬
rado com certo detalhe na Secçã o 8 do Cap í tulo 7 , pode ser representado como um
circuito el é ctrico com um anel linear directo ou com um anel de retroacçã o com
desfasamento temporal que nivela o crescimento das populações a uma dada capaci ¬
.
dade de sustenta çã o, k A Figura 10- 7 C at é E mostra tr ê s sistemas de agricultura que
formam uma s é rie evolutiva, desde um sistema tribal em Á frica at é à agricultura
industrial dos E . U . A . subsidiada com combust í vel f óssil . Nestes diagramas os an é is
de retroacçã o ilustram a import â ncia quantitativa do trabalho do homem , dos animais
e do combust í vel fóssil na manuten çã o do fluxo de alimentos para o homem . O con ¬
ceito de subs í dio de energia já foi destacado no Cap í tulo 3. Como a Figura 10- 7 Z)
mostra , as chamadas vacas sagradas ( animais de trabalho) da í ndia desempenham
um papel importante no cultivo e na fertiliza çã o das culturas na agricultura « n ã o
subsidiada » ; a sua remoção implicaria uma substitui çã o de energia por combust í veis
f ósseis e maquinaria dispendiosa. Considerando como valores aproximados que uma
471

milha quadrada equivale a 2,5 milh ões de metros quadrados e que 1 milh ã o de
quilocalorias é a energia alimentar necess á ria para suportar um homem durante um
ano, ent ã o as «sa í das » ( em n meros redondos ) provenientes dos tr ê s modelos de
agricultura podem ser registados como se segue :

Pessoas suportadas por 250 hectares


kcal / m 2 /ano
No campo Na cidade

Agricultura tribal 20 50 0
Agricultura n o subsidiada 245 600 100
Agricultura industrial subsidiada 1000 150 2350

Criam -se sé rios «desajustamentos » ecol ógicos , sociais e econ ó micos por uma
rá pida passagem da agricultura n ã o subsidiada para a subsidiada , que aumenta a
polui çã o ambiental e for ça grande quantidade de pequenos agricultores a mudar
para a cidade , onde poder á haver alimento, embora possam ser inadequados o tra ¬
balho, a habita çã o e os meios capazes de manter a n í vel individual a dignidade hu ¬

mana. Modelos como estes ajudam a avaliar os custos de tais altera çõ es que t ê m de
ser pagos de alguma maneira, caso se trate de beneficiar a sociedade no seu con ¬

junto. O que é necessá rio s ã o modelos que considerem o campo e a cidade como
um só sistema de sustentaçã o da vida integrado e mutualista. A prá tica comum de
«suboptimizar » um modelo para apenas uma parte do sistema , como, por exemplo,
considerando t ã o só a produ çã o de alimentos Sem levar em considera çã o as conse ¬

qu ê ncias da tensã o ambiental , econ ó mica e social de uma produ çã o maior, pode
ser extremamente enganoso e perigoso, caso se tomem tais modelos como consti ¬

tuindo «toda a verdade ».


473

Parte 2 Q; . .

-X „

>

O MÉTODO DO HABITAT > #4 i

INTRODU ÇÃO

Na Parte 1 o sujeito da ecologia encontra-se organizado do ponto de vista dos


princ í pios e dos conceitos tal como se aplicam a diferentes n í veis de organizaçã o.
O indiv í duo, a popula çã o, a comunidade e o ecossistema sã o os n í veis convenientes
que foram utilizados ( ver Cap í tulo 1, Secçã o 2). Este m étodo de apresentaçã o reune
-
os temas centrais q ue conferem unidade ao sujeito da ecologia e estabelece uma
base s ó lida para as aplica ções a efectuar no interesse da humanidade. Em adi çã o a
este tipo de m é todo básico amplo, é necessá rio centrar també m a aten ção no exame
de « primeira m ã o» de á reas da superf í cie da Terra perfeitamenfe delimitadas, para
que se atinja uma compreensã o detalhada do mundo em que se vive . A experi ê ncia
em mat é ria de ensino (aqui incluindo a aprendizagem pelo autodidacta) tem de ¬
monstrado que um « laborat ó rio de ensino» ou um procedimento que inclua «teoria
e pr á tica » é seguro. Assim , a Parte 1 é a «teoria » e a Parte 2 é o «laborat ó rio» no
qual se vai encontrar o sujeito em condi ções de intimidade , se aprende algo sobre
a «g í ria » necessá ria, e se testam no campo as teorias.
Na Parte 1 deu-se grande ê nfase aos aspectos funcionais da ecologia, isto é,
à forma como «trabalham » os sistemas na natureza. Embora n ão possa ou não deva
ser feita uma distin çã o estrita entre fun çã o e estrutura, a Parte 2 dará destaque à
estrutura, isto é, ao «aspecto» da natureza, com refer ê ncias cruzadas apropriadas à
Parte 1 . Por outras palavras, será posto em relevo aquilo que o estudante porventura
verá nas suas excursões pelo campo, à medida que comece a pensar em termos
de estudos cr í ticos da natureza.
Pelo estudo de um habitat particular fica-se familiarizado com organismos e
factores f í sicos realmente associados num dado ecossistema . Isto ajuda a mitigar
as armadilhas a que poderá conduzir uma excessiva generaliza ção. Alé m do mais,
obt é m -se certa compreensã o sobre m é todos, instrumentos e dificuldades t é cnicas
aplicá veis a situações espec í ficas!
474

Caso se n ã o haja lido a Parte 1 , poderã o referenciar -se as secções que tratam
do conceito de ecossistema ( Cap í tulo 2 , Secçã o 1 ), do habitat e nicho ( Cap í tulo 8,
Secção 1 ), de ciclos biogeoqu í micos ( Cap í tulo 4, Secção 1 ), do princ í pio dos factores
limitantes ( Cap í tulo 5, Secçã o 3 ), da comunidade bi ó tica ( Cap í tulo 6, Secçã o 1) e do
desenvolvimento do ecossistema ( Cap í tulo 9, Secção 1 ) como base para as an á lises
constantes da Parte 2.
H á quatro habitats principais na biosfera , a saber, o marinho, o de estu á rio,
o de á gua doce e o terrestre . Uma vez que a maioria dos biologistas sustentam que
a vida come çou nos oceanos, seria l ógico come çar o estudo pelo habitat marinho.
Contudo, na prá tica concreta, é melhor come çar com o habitat de água doce por
v á rias raz ões. Em primeiro lugar , os exemplos de habitats de água doce encontram -se
dispon í veis onde quer que o homem viva. Muitos deles sã o pequenos , e , portanto,
sã o mais facilmente acess í veis com utiliza çã o de equipamento relativamente simples.
Finalmente , h á um n mero mais pequeno de tipos de organismos em pequenas
massas de água doce do que no oceano, pelo que é mais fácil para o principiante
compreender alguma coisa sobre a natureza da comunidade natural sem dispê ndio de
,< «
! uma sobrecarga excessiva na aprendizagem da identificaçã o de organismos de um
( , grande n mero de classes e fila. Por tais razões , esta parte come ça com o ambiente
de água doce .
« 't

*
4

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4
475

Cap í tulo 11 - ECOLOGIA DA ÁGUA DOCE (*)

1. O AMBIENTE DA ÁGUA DOCE : TIPOS E FACTORES LIMITANTES

Uma vez que a água é , simultaneamente , tanto uma subst â ncia essencial
como a mais abundante do protoplasma, poderá afirmar-se que toda a vida é «aqu á ¬

tica ». Todavia, na pr á tica, considera- se um habitat aqu á tico aquele em que a água é
o principal meio externo, tanto como um meio interno. Os habitats de água doce
podem ser classificados adequadamente em duas s é ries, como se segue :

De água parada ou l ê nticos ( lenis, calma ) : lago, lagoa, charco ou pâ ntano.


De água corrente ou l ó ticos ( lotus, lavado ) : nascente, ribeiro ou rio.

Nas Figuras ll - l e 11 - 2, ilustram - se exemplos de cada um daqueles habitats. N ã o


h á limites n í tidos entre as duas s é ries, nem sequer entre categorias no interior
de cada uma. A altera çã o geol ógica tende a produzir um gradiente na direcçã o
indicada , ao passo que os processos biol ógicos muitas vezes agem no sentido de
estabilizar ou de retardar a sedimenta ção dos lagos e a eros ã o dos rios ( Cap í tulo 9,
Secçã o 1 e Cap í tulo 4, Secção 3). O homem tende a acelerar os processos geol ó ¬

gicos a expensas dos biol ógicos; demasiadas vezes em seu pr ó prio preju í zo ( veja -se
o conceito de «O homem , enquanto poderoso agente geol ógico», página 53 ). Deste
modo, os lagos tendem a encher-se , enquanto os rios v ã o erosionando o leito at é
atingirem o n í vel de base , assim se alterando em consequ ê ncia da acçã o da á gua.

( * ) O estudo das águas doces em todos os seus aspectos - Fí sico, qu í mico, geol ógico e biol ógico
designa - se por linnwlogia . A ecologia das á guas doces real ça as rela ções entre os organismos c o
,

meio aqu á tico de á gua doce , no contexto do ecossistema principal .


476

Quando o n í vel de base é alcan çado, a corrente reduz-se , d á-se a deposi çã o dos se¬

dimentos, resultando um rio de n í vel basal , com meandros, que representa mais ou
menos o estado «cl í max». Todavia, como os deltas resultam da deposi çã o de se ¬
dimentos, d ã o-se eventualmente eleva ções de n í vel e então come ça novo ciclo
de erosã o. A interacçã o complexa dos processos « autog é nico» ( de sucessã o) e
«alog é nico» no habitat de água doce foi discutida , com consider á vel detalhe , no
Cap í tulo 9.
Os habitats de água doce ocupam uma pequena por ção da superf í cie da Terra,
quando comparados com os terrestres e marinhos, por é m , a sua import â ncia para
o homem é de longe muito maior do que a respectiva á rea , pelas razões seguintes:
( 1) Sã o a mais apropriada e barata fonte de á gua para as necessidades dom é sticas
e industriais ( pode-se obter e provavelmente obter-se- á mais água do mar, embora
a um custo consideravelmente maior em termos de energia e de polui ção pelo sal
da í resultante . (2 ) Os componentes de água doce constituem o «estrangulamento»
do ciclo hidrol ógico ( veja-se a Figura 4-8fi). (3) Os ecossistemas de água doce
constituem os sistemas mais pr áticos e baratos de tratamento de res í duos. Porque o
homem est á a abusar deste recurso, é evidente que devem ser desenvolvidos rapida ¬
mente os maiores esfor ç os para reduzir esta pressão; de outra forma , a água tor-
nar-se-á o factor limitante para a vida humana e de todos os outros seres vivos.
Os factores limitantes suscept í veis de serem especialmente importantes para as
águas doces, e assim aqueles que se necessitará medir em qualquer estudo eficaz
do ecossistema aqu á tico, são os seguintes:

Temperatura

A água possui diversas propriedades t é rmicas caracter í sticas de tal forma


combinadas que minimizam as variações de temperatura ; por isso as amplitudes t é r ¬

micas s ã o menores e as trocas de calor ocorrem mais lentamente na água do que no


ar. As propriedades t é rmicas mais importantes são : ( 1) Calor especí fico elevado,
isto é, está envolvida uma quantidade relativamente elevada de calor na altera ção
da temperatura da água. É necessá ria uma caloria-grama (gcal ou cal ) para elevar
de um grau um mililitro ( ou um grama) de água ( entre 15 e 16 C ). Apenas o
am ó nio e poucas substâ ncias mais t ê m valores superiores a 1. ( 2 ) Um alto calor
latente de fusã o. Sã o necessá rias 80 calorias para transformar 1 grama de gelo em
á gua ( e vice - versa ) sem mudan ça de temperatura. (3) O calor latente de evapora ção
mais alto que se conhece. Quinhentas e trinta e seis calorias por grama sã o absorvidas
durante a evapora çã o que ocorre mais ou menos continuamente dos vegetais , massas
de água e superf í cies geladas. Como foi mencionado no Cap í tulo 3, Secçã o 1, uma
fracção principal da energia solar recebida é consumida na evapora ção da água dos
477

icossistemas do Globo, sendo este fluxo de energia que modera os climas e torna
poss í vel o desenvolvimento da vida em toda a sua imensa diversidade . ( 4) A água
:em a sua maior densidade a 4 C ; aumenta de volume, e portanto torna-se menos
densa , tanto acima como abaixo dessa temperatura. Esta propriedade nica evita
que os lagos gelem completamente .

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Figura 11- 1. Tr ê s tipos de habitats de águas paradas ( lê nticos) . A . Uma lagoa com plantas aqu á ticas
enraizadas, na zona litoral . B. Uma lagoa de herdade ordenada , sem plantas enraizadas, na zona litoral
ilagoa de margem «limpa» ) ( A e C sã o fotografias do U . S. Forest Service ; B é uma fotografia do USDA
,

Soil Conservation Service. )


478

Ainda que a temperatura seja, portanto, menos variá vel na água do que no
ar, ela é , todavia, o mais importante factor limitante , porque , na maioria dos casos ,
os organismos aqu á ticos t ê m pequena toler â ncia às suas oscilações ( s ão estenot é r -
micos, ver Cap í tulo 5, Secção 2). Assim , mesmo uma polui çã o t é rmica moderada
causada pelo homem pode provocar vastos efeitos ( ver Cap í tulo 17). Por outro lado,
as mudan ças de temperatura produzem padr ões caracter ísticos de circulação e estra ¬
tifica çã o ( a desenvolver mais adiante ), com grande influ ê ncia na vida aqu á tica. As
grandes massas de água t ê m forte influ ê ncia sobre o clima das á reas terrestres
adjacentes ( ver página 196).
A medi çã o da temperatura da água é feita mais có moda e eficientemente
com sensores electr ónicos , como os termistores. Agora, a leitura e o registo directos
dos termistores facilitam ao estudante principiante a tarefa de anotar um « perfil
t é rmico» de habitats aqu á ticos.

Transparência

A penetra ção da luz é muitas - vezes limitada pelas mat é rias em suspens ã o
que reduzem a zona fotossint é tica , onde quer que o habitat aqu á tico tenha profun -
didada apreciá vel . A turva ção, principalmente quando provocada pelas part í culas de
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Figura 11 1. C. Uma sé rie , no Alasca, de lagos oligotr óficos de grande altitude e de origem glaciar .
479

argila e areia , é muitas vezes um factor limitante . Ao contr á rio, quando é provocada
por organismos vivos, as medi ções da transpar ê ncia tornam -se í ndices de produ ¬

tividade . A transpar ê ncia pode ser medida por meio do disco de Secchi ( criado por
A. Secchi , um italiano que o introduziu em 1865 ) , que consiste num disco branco,
com cerca de 20 cm de diâ metro, que se vai mergulhando na água at é desaparecer
da vista . A profundidade a que deixa de ser visto é chamada transparê ncia ao disco
de Secchi e pode ir de alguns cent í metros, em massas de água muito turvas, at é
40 metros num lago improdutivo de grande altitude , como sucede no Crater Lake
do Crater Lake National Park , Oregon . Para os bem estudados lagos de Wisconsin ,
a transpar ê ncia ao disco de Secchi representa a zona na qual ainda penetram 5
por cento da radia çã o solar que chega à superf í cie . Se bem que a fotoss í ntese se
realize a intensidades menores, os 5 por cento limitam a profundidade da zona de
maior actividade fotossint é tica. Embora seja ó bvio que aparelhos foto-sens í veis mo¬
dernos proporcionam dados mais precisos sobre a penetra çã o da luz, o disco de
Secchi é ainda considerado um instrumento ú til pelos limnologistas ( Hutchinson ,
1957, pá gina 399). Os administradores de pisciculturas servem -se , muitas vezes,
daquela t é cnica para ajustar a quantidade de fertilizantes, de modo a obter um bom,
embora n ão excessivo, crescimento do fitopl â ncton . O disco de Secchi e o term ó-
grafo electr ó nico sã o dois aparelhos simples e baratos que o estudante principiante
pode usar para obter uma ideia aproximada das importantes rela ções entre a tem ¬

peratura e a luminosidade em lagos e lagoas.


A absor çã o exponencial da luz pela água foi analisada no Cap í tulo 3 ( pá ¬
gina 60). Para que se visualize como a transpar ê ncia est á relacionada com a eutrofi -
ca ção progressiva e a sua inversão subsequente , veja-se a Figura 16-5 .

Corrente

Dado que a á gua é «densa », a acção directa da corrente é um importante


factor limitante , especialmente em cursos de água. Por outro lado, a corrente deter ¬
mina largamente a distribui çã o de gases vitais, sais e organismos pequenos.

Concentração de Gases Respiratórios

As concentra çõ es de oxig é nio e de di ó xido de carbono na á gua doce s ã o


frequentemente um factor limitante , em n í tido contraste com o que sucede na água
salgada ( ver Cap í tulo 5, Secçã o 5 ). Nesta «era de polui çã o» a concentra çã o de
oxig é nio dissolvido ( O. D . ) e a car ê ncia biol ógica de oxig é nio ( C. B . O . ) sã o os facto-
res f í sicos mais frequentemente medidos e intensamente estudados. A medi çã o
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Figura 11 2. Dois cursos de água mostrando a estreita interdepend ê ncia entre os cursos de água
e as respectivas bacias hidrográficas. A. Um pequeno curso de água em á rea de bosque, cujo biota est á
quase inteiramente dependente da importação de folhas e de outros detritos orgâ nicos provenientes da
floresta. B. Um rio salmoaícolo no Alasca em fase de «fluxo» de salm ão, quando est ão a ser «expor¬
tados» biomassa e nutrientes minerais por predadores de respiração a é rea (ursos e gaivotas) que se v ã o
alimentando de peixe. ( A. Fotografia do Soil Conservation Service ; B. Fotografia do Fish and Wildlife
Service , U. S. Dept. Interior.)
481

do oxigé nio dissolvido foi discutida com algum pormenor no Capí tulo 2 ( página 21),
assim como o seu uso como í ndice de produtividade no Capí tulo 3 ( páginas 87 - 89 ).
Para que se visualize a «quebra de oxigé nio» induzida pela polui ção e suas con ¬

sequê ncias em termos de biota, veja- se a Figura 16 - 6. Uma vez que o O, e


o CO: se comportam como regra reciprocamente, os ecologistas da poluição est ão
cada vez mais interessados com o enriquecimento do que com o efeito limitante
do CO: nas águas doces ( ver páginas 168 e 199) .

Concentração de Sais Biogénicos

Os nitratos e os fosfatos parecem ser, at é certa concentraçã o, os factores


limitantes em quase todos os ecossistemas de água doce ( ver Capí tulo 5, Secção 5,
subdivis ão 6 e Capí tulo 5, Secção 3, exemplo 3 ). Em águas calmas, quer de lagos
quer de cursos de água, o c álcio e outros sais tamb é m podem ser limitantes. Com ex -
cepçã o de algumas nascentes minerais, mesmo a água doce mais pesada tem uma
salinidade menor do que 0,5 partes por mil, em comparação com as 30 a 37 par ¬

tes por mil no caso da água do mar ( ver Figura 12 - 3, página 527).
Duas outras caracterí sticas dos habitats de água doce podem influenciar o
n mero e a distribuição das espé cies presentes ( ou a riqueza qualitativa do biota).
Dado que os habitats de água doce est ão, muitas vezes, isolados uns dos outros
pela terra ou pelo mar, os seres vivos com meios reduzidos para transpor essas
barreiras podem estar ausentes de locais que, de outro modo, lhes seriam favor á ¬

veis. Os peixes est ão particularmente sujeitos a esta limitaçã o; por exemplo, rios
separados por terra apenas algumas milhas uns dos outros, embora isolados quanto
a água, podem ter os seus nichos ocupados por esp é cies diferentes. Por outro lado,
a maior parte dos pequenos seres vivos algas, crust áceos, protozoários e bact é
¬

rias, por exemplo possuem poderes de dispersão surpreendentes ( ver Capí tulo 7,
Secção 11). Assim, pode - se encontrar o mesmo pequeno crust áceo ( Daphnia, por
exemplo) em charcos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Um manual de inverte ¬

brados de água doce escrito para as Ilhas Brit ânicas, por exemplo, quase serve para
os Estados Unidos. Pelo menos no que respeita a famí lias e a géneros, as plantas
inferiores e os invertebrados de água doce apresentam um grande cosmopolitismo.
Os seres vivos de água doce t ê m um problema concreto a «resolver» no que
diz respeito a osrporregulação. Como a concentração de sais é maior nos fluidos inter ¬

nos do corpo ou das c élulas do que no ambiente de água doce (isto é, os fluidos
s ão hipert ónicos), ent ão a água doce tende a entrar no corpo por osmose, se as
membranas forem facilmente perme á veis a este lí quido (Figura 11-3 /1), ou o teor de
sais tem de aumentar, quando as membranas foram relativamente impermeáveis.
Os animais de água doce, como sejam os protozoários com as suas finas membranas

31
482

Sais gua
Á

o
e Sais

Urina hipot ònica A


Figura 11-3. Osmorregula çã o em água doce Água abundante
( A ) , comparada com a do peixe marinho de Sais
espinha ( B ). ( De Florkin e Morgulis, 1949,
segundo Baldwin. )

Água
do mar
o
uu
Sais

Á gua do mar

Urina escassa e
ligeiramente hipot ònica S

celulares e os peixes com as suas guelras, necessitam de mecanismos eficientes de


excretar água ( constitu í dos por vac olos contr ácteis nos protozo ários e pelos rins nos
peixes) ou o seu organismo incharia e rebentaria! Dificuldades de regula çã o osmótica
podem explicar , parcialmente pelo menos, que um grande n mero de animais mari ¬
nhos na realidade grupos sistemá ticos completos nunca tenham sido capazes de
invadir as águas doces. Pelo contrá rio, os peixes tele ósteos ( també m as aves e os
mam íferos marinhos), cujos fluidos do corpo t ê m um conte do salino inferior
ao da á gua do mar ( isto é, são hipot ó nicos), t ê m sido capazes de reinvadir p mar,
mediante desenvolvimento de um tipo de osmorregula çã o metabó lica que implica
excre çã o de sal e reten çã o de á gua, como se ilustra na Figura 11-35.

2. CLASSIFICAÇÃO ECOLÓGICA DOS ORGANISMOS DE ÁGUA DOCE

Como os seres vivos de água doce (ou em qualquer outro habitat ) não estão
dispostos numa ordem taxonó mica ( tal domo sucede em textos taxon ó micos ou em
museus sistem áticos) é ú til uma classifica çã o com base ecol ógica. Em primeiro lugar,
podem ser classificados segundo os nichos principais, com base na sua posi çã o na
cadeia de energia ou de alimentos ( ver Cap í tulo 2, Secçã o 1, Figura 2 -2 e Cap í tulo 3,
Secçõ es 2- 4), como se segue:

Aut ótrofos (Produtores): plantas verdes e microrganismos quimios-


sint é ticos.
483

Fag ótrofos ( Macroconsumidores ) : prim á rios , secund á rios , etc . ; herb í voros ,
predadores, parasitas, etc.

Sapr ótrofos ( Microconsumidores subclassificados de acordo com a natureza


ou Decompositores) : do estrato orgâ nico decomposto.

Dentro destes n í veis tr óficos, é em geral instrutivo reconhecer as espé cies


que actuam como dominantes principais ( ver Cap í tulo 6, Sec çã o 2 ).
Acessoriamente , os organismos aqu á ticos podem ser classificados de acordo
com a sua forma de vida ou há bito de vida, com base no seu modo de vida , como
se segue :
Bentos : Seres vivos fixos assentes sobre o fundo ou vivendo nos
sedimentos do fundo. Os animais bent ó nicos podem ser
subdivididos , de acordo com o seu modo de alimenta çã o,
em fiitradores e comedores de sedimentos ( uma am ê ijoa e um
caracol aqu á tico , respectivamente , serviriam de exemplos ).

Perifiton ou Aufwuchsi*') : Seres vivos ( animais ou plantas ) fixados ou ligados a caules


e folhas de plantas com raiz , ou a outras superf í cies situadas
acima do fundo.

Plâ ncton : Organismos flutuantes cujos movimentos sã o mais ou me ¬

nos dependentes das correntes. Enquanto alguns compo ¬


nentes do zoopl â ncton possuem movimentos natat ó rios
activos, que os ajudam a manter uma posi çã o vertical , o
pl â ncton no seu conjunto é incapaz de se deslocar a centra
corrente . Na á tica o
pr pl â ncton de rede é aquele que é
capturá vel com uma rede fina arrastada lentamente dentro
de á gua ; o nanoplâ ncton é demasiado pequeno para ser
capturado com uma rede e deve ser colhido da á gua por
meio de um frasco ou uma bomba.

N é cton : Seres vivos nadadores que se deslocam à vontade ( e por ¬


tanto são capazes de evitar as redes para pl â ncton , frascos
de colheita, etc.) . Peixes, anf í bios, grandes insectos aqu á ¬

ticos e outros.
Neuston: Seres vivos mantendo-se ou nadando na superf í cie .

( *) A palavra alem Aufwuchs, proposta por Ruttner ( 1953 ), c porventura mais apropriada do que a
inglesa « periphyton » .
484

Finalmente , os organismos podem ser classificados de acordo com a regi ã o


ou sub- habitat . Nas lagoas e lagos , s ão em geral evidentes tr ê s zonas , como se
ilustra no diagrama da Figura 11- 4:

Zona litoral : A zona de águas pouco profundas, em que a luz penetra


at é ao fundo ; tipicamente ocupada por plantas com ra í zes
nos lagos e lagoas naturais, mas n ã o necessariamente em
tanques de terra « de aquicultura ordenada » ( ver Figura 11 - 1 ).

Zona limn é tica : A zona de água profunda at é à profundidade de efectiva


penetra çã o da luz , chamado o í vel de compensa ção que é
a profundidade a que a fotoss í ntese compensa a respira çã o.
Em geral , este n í vel est á situado a uma profundidade em que
a intensidade luminosa é cerca de 1 por cento da intensi ¬

dade da plena luz solar ( compare-se com a profundidade


da « transpar ê ncia do disco de Secchi » examinada na sec¬
çã o anterior ). A comunidade desta zona é composta uni ¬
camente por pl â ncton , n é cton e por vezes neuston . Esta
zona est á ausente nas lagoas pequenas e pouco profundas.
0 termo zona eufótica refere-se ao estrato iluminado total ,
incluindo as partes litoral e limn é tica .
Zona profunda : A á rea do fundo e das águas profundas abaixo do n í vel
de penetra çã o da luz. Esta zona n ã o existe com frequ ê ncia
nas lagoas.
Nos cursos de água s ã o, no geral , evidentes duas zonas principais.

Zona dos rá pidos : águas baixas onde a velocidade da corrente é suficiente-


mente grande para deixar o fundo livre de sedimentos ou
vasa e de materiais soltos , proporcionando assim um fundo
firme. Esta zona é ocupada especialmente por organismos
b ê nticos ou perif í ticos que permanecem aderentes ou fixos
ao substrato firme, assim como nadadores vigorosos como
os peixes r á pidos ( trutas, por exemplo ).
Zona de remanso: constitu í da por água mais profunda, onde a velocidade da
corrente é pequena e a vasa e outros materiais soltos ten ¬
dem a sedimentar no fundo, dando origem a um estrato
brando, desfavor á vel para o bentos de superf í cie, mas favo ¬

r á vel aos organismos escavadores, ao n é cton e, em alguns


casos, ao pl â ncton .
485

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LITORAL \ \

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\ \ ZONA LIMN ÉTICA

ZONA PROFUND Â

Figura 11-4. As trê s zonas principais de um lago.

Devem ser postos em evid ê ncia dois aspectos. Para clarificar a fun ção ecoló¬
gica ou nicho de dada popula ção, deve ser determinada a sua posiçã o nas tr ês
classificações anteriores. Assim, uma diatomá cea, que vive suspensa na zona de
águas livres, deve ser classificada como um produtor planct ó nico da zona limn é tica.
Caso se verificasse , alé m disso, que era muito abundante durante a Primavera é
escassa nas outras estações, poder-se - ia afirmar que era a população dominante prin¬
cipal , entre os produtores da comunidade limn é tica, durante a esta çã o primaveril
ou vernal . O segundo ponto importante a notar é o de que a classificação ecoló¬
gica de uma dada esp é cie pode ser diferente durante as diversas fases do seu ciclo
biol ógico. Assim, um animal pode ser um consumidor prim á rio durante o estado
larvar e secund ário quando adulto ( o cabe ç udo, por exemplo ) , ou ainda, um animal
poderá ser membro da comunidade de profundidade durante o estado de larva
( por exemplo um quironom í deo) e deixar a água quando adulto. A este respeito
a classificação ecol ógica é completamente diferente da sistemática que , naturalmente,
n ã o muda com as diferentes fases do ciclo biol ógico. Outros factores (competi çã o,
tolerâ ncia , etc.) que afectam o- nicho ecol ógico de um organismo foram discutidos
no Cap ítulo 8 .

3. O BIOTA DE ÁGUA DOCE ( FLORA E FAUNA )

As principais divisõ es das plantas e muitos dos principais fila animais est ão
representados por um ou mais g é neros nas comunidades de água doce . Consi-
486

derando o ambiente água doce como um todo, as algas s ão os produtores mais


importantes, vindo em segundo lugar as espermat ó fitas aquáticas. Excepto para as
naiadácias e as lentilhas de água ( lemnácias), a maior parte das plantas aquáticas
superiores s ão membros de diversas famí lias em que a maioria das respectivas esp é ¬

cies é terrestre.
Entre os consumidores animais, há quatro grupos que provavelmente cons ¬

tituem a quase totalidade da biomassa na maioria dos ecossitemas de água doce,


nomeadamente, moluscos, insectos aquáticos, crust áceos e peixes. Anelí deos, rot í -
feros, protozoários e helmintas apresentam, em geral, menor import ância, embora
em casos especiais qualquer destes grupos possa assumir grande relev ância na «eco ¬

nomia» do sistema.
Entre os sapr ó trofos, as bact é rias e os fungos aquáticos parecem ter igual
import ância no desempenho da função vital de reduzirem a mat éria orgânica à
forma inorgânica, que pode ser ent ão novamente utilizada pelos produtores. Como
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foi acentuado no Capí tulo 4, Secção 7, as bact érias e os fungos s ão mais impor-
tantes nas zonas em que há grande quantidade de detritos orgânicos ( e nas águas
*
, poluí das com mat érias orgânicas); s ão menos numerosos em águas limné ticas não
5
poluí das. A distribui ção e as actividades dos microrganismos nos habitats aquá ti-
: ' cos ser ão analisadas no Capí tulo 19.
Resumindo, o aluno principiante deveria familiarizar- se em primeiro lugar
) , com algas, bact érias e fungos, as espermat ó fitas aquáticas, os crust áceos, os insectos
aquáticos, os moluscos e os peixes. Eles s ão os «actores» chave nos ecossistemas
de água doce.

4. COMUNIDADES LÊNTICAS

A zonagem geral caracter í stica das lagoas e dos lagos est á esquematizada
na Figura 11- 4. Os organismos caracterí sticos das diversas zonas v ê m ilustrados nas
Figuras 11- 5, 11-6 e 11-7 . Segue- se uma breve nota dedicada especialmente à organi ¬

zação das comunidades nestes zonas. Para ajudar a identificação e para efeitos de
descrição das biologias, aconselha- se a consulta de tratados sobre a biologia da água
doce, bem como das monografias e manuais para uso local.

A Natureza das Comunidades na Zona Litoral

1. PRODUTORES. Entre os produtores da zona litoral existem dois tipos


principais : plantas com raí zes ou bê nticas, pertencendo a maior parte à divis ão das
Espermat ó fitas ( plantas com sementes), e fitoplâncton ou plantas verdes flutuantes,
487

que sã o principalmente algas ( ver Figura 11-5). Nalguns casos s ã o importantes as len ¬

tilhas, que sã o espermat ó fitas n ã o Fixadas ao fundo pertencentes ao neuston . De


facto, nalgumas lagoas podem , em certas esta çõ es , formar um len çol quase cont í ¬
nuo à superf í cie e «encobrir » as outras plantas verdes . Quando uma lagoa ou lago
é polu í do com um excesso de nutrientes , as algas do tipo filamentoso ( Figura
11 -5, n meros 8 e 9 ) desenvolvem muitas vezes fortes « flora ções» que sã o arrasta ¬

das para a superf í cie pelo oxig é nio nelas retido . Ent ã o o oxig é nio produzido pela
fotoss í ntese escapa-se em grande parte para o ar e quando a flora çã o morre o oxig é ¬
nio da á gua é consumido, muitas vezes dificultando a respira çã o do peixe ou
matando- o. É importante que os leigos compreendam este processo, já que , em
primeira an á lise, julgar-se- ia que o rá pido crescimento das algas iria aumentar o teor
em oxig é nio dissolvido da água; na sequ ê ncia agora descrita o resultado final é
exactamente o oposto.
Tipicamente, as plantas aqu á ticas com ra í zes formam zonas conc ê ntricas no
interior da zona litoral , observando-se a substitui çã o duns grupos por outros, à
medida que a profundidade da água varia ( tanto no espa ço como no tempo). Pode ser
resumidamente descrito um esquema representativo das águas superficiais at é à s mais
fundas, como se segue ( n ã o se deve admitir que em qualquer massa de água estejam
presentes ou dispostas pela ordem apresentada todas as trê s zonas ):
( a ) Zona de vegeta çã o emergente : plantas com ra í zes, com as principais
superf í cies fotossint é ticas projectando-se acima do n í vel da água . Neste caso, o ani-
drido carb ó nico para a forma çã o do alimento é extra í do do ar , mas as outras
mat é rias- primas sã o obtidas sob a superf í cie da água . As plantas aqu á ticas enraiza¬

das muitas vezes « recuperam » nutrientes dos sedimentos anaeró bios do fundo e
assim constituem uma til « bomba de nutrientes» para o ecossistema ( ver página 173).
As tabuas , pertencentes a v á rias espé cies do g é nero Typha , sã o o produtor do ¬

minante , muito difundido, e podem ser consideradas um «tipo» para este nicho.
Ocorrem numa vasta gama de latitudes devido à sua propensão para originar eco-
tipos e variedades ( ver p ágina 149). Outras plantas desta categoria incluem o casta ¬
nho ( Scirpus), sagit á ria ( Sagittaria ) , espadanas ( Sparganium), ciperáceas do g é nero
Eleocharis e ponted é rias ( Pontederia). As plantas emergentes, juntamente com as da
margem h mida , formam um importante elo entre os ambientes aqu ático e terrestre.
Servem de alimento e abrigo a animais anf í bios, como o rato almiscarado por exem ¬

plo, e fornecem o meio adequado para a entrada e a sa í da dos insectos aqu á ticos
que passam uma parte da vida na água e outra parte na terra.
( b ) Zona de plantas enraizadas e com folhas flutuantes. O golf ã o ou nen ú ¬

far ( Nymphaea), cerca de 4 espé cies, representa o «tipo» desta zona na metade leste
dos Estados Unidos, mas outras plantas ( do g é nero Brasenia, por exemplo) t ê m um
tipo fision ó mico semelhante . Esta zona é ecologicamente similar à anterior , embora
as superf í cies fotossint éticas horizontais possam reduzir mais fortemente a penetra-
488

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Figura 11-5. Alguns produtores de comunidades lê nticas, incluindo plantas litorais enraizadas,
emergentes, flutuantes e submersas (1-7), algas filamentosas (8-9) e fitoplâncton (10-20). O fitoplâ ncton
inclui representantes de algas verdes (10-13) , diatom á ceas (14- 17) e algas verde-azuis (18-20). Observe-se
que o fitoplâncton exibe adaptações de «flutuaçã o» que lhe permite manter-se suspenso ou , pelo menos,
reduzir marcadamente a velocidade de imersã o (estes organismos nã o t ê m, naturalmente , capacidade
pró pria de movimento) - por exemplo, redu çã o no material integument á rio, auxiliares de flutuaçã o
e h á bito de vida colonial, que aumentam a á rea da superfí cie, e vac olos de gás , indicados por pontos
negros nas células das algas verde-azuis ( 18-20). Os organismos representados sã o os seguintes: 1, tabua
( Typha ); 2, castanho (Scirpus); 3, sagitá ria (Sagittaria ); 4, golf ão ( Nymphaea); 5 e 6, duas espé cies de
plantas aqu áticas de lagoa do gé nero Potamogeton ( P. diversifolia , P. pectinatus )\ 7, uma esp é cie do gé nero
Chara ; 8, Spirogyra ; 9, Zygnema ; 10, Scenedesmus; 11, Coelastrum; 12 , Richteriella; 13, Closterium ( um des-
mido) ; 14, Navicula ; 15, Fragilaria ; 16 , Asterionella (que flutua na água como um paraquedas ); 17, Nitzs -
chia ; 18, Anabaena ; 19, Microcystis; 20, Gloeotrichia ( 19 e 20 representam partes de colónias encerradas
numa matriz gelatinosa ). (8 a 17 reproduzidos de Needham e Needham, 1941; 18 a 20 reproduzidos de
Ruttner, 1963.)

çã o da luz na água. As superf í cies inferiores das folhas dos nen fares fornecem
bons locais para repouso de animais e para as suas posturas.
( e) Zona de vegeta çã o submersa: plantas enraizadas ou fixadas, completamente
submersas ou quase. As folhas são em geral delgadas e fmamente divididas, adapta-
489

das para a troca de nutrientes com a água. As serraihas ( Potamogeton) constituem


de facto um dos maiores g é neros de plantas aqu á ticas com ra í zes, tendo cerca de
65 espé cies, que ocorrem em todas as zonas temperadas do Globo. Existem outros
g é neros da mesma fam í lia ( Ruppia, Zannichellia) , tamb é m muito espalhados , que
podem ter maior import â ncia local do que as espé cies de Potamogeton . Outras plantas
submersas aqu áticas, importantes nos Estados Unidos, incluem representantes dos g é ¬

neros Ceratophyllam , Myriophyllum, Elodea ou Anacharis, Najas e Vallisneria. O g é nero


Chara e os g é neros relacionados Nitella e Tolypella s ã o em geral classificados como
algas, embora se encontrem fixados ao fundo e tenham um tipo fision ó mico que se
assemelha ao das plantas superiores. O g é nero Chara pode ser assim classificado, do

5
G

2
6

3 í/GrassiG G 7

4 8

-
Figura 11 6. Alguns animais representativos da zona litoral de lagoas e lagos. As sé ries 1 a 4 são
essencialmente formas herbívoras ( consumidores prim á rios) ; as sé ries 5 a 8 são predadores (consumidores
secund á rios). 1 . Caracóis de lagoa (da esquerda para a direita ) : Lymnaea ( pseudosuccinea ) columella ; Physa
gyritui ; Helisoma trivolvis; Campeloma decisum. 2. Pequenos artr ó podes que vivem no fundo ou pr óximo
deste ou associados com plantas ou detritos (da esquerda para a direita ): um hidrácaro, Hydracarina
( Mideopsis); um anfipode ( Gammarus); um isó pode ( Asellus ). 3. Uma larva de tricó ptero de lagoa
( Triaenodes), com o seu casulo leve e port á til. 4. (da esquerda para a direita ): uma larva de mosquito
( Culex pipiens )\ uma ninfa aderente ou perif ítica de efemeróptero ( Cloeon )\ uma larva bê ntica de efeme-
róptero ( Caenis) note-se as capas que protegem do lodo as brânquias. 5. Um cole ó ptero predador
mergulhante, Dytiscus, adulto e (à direita) larva. 6. Dois hem í pteros predadores, um «escorpiã o da água»,
Ranatra (Nepidae ) e (à direita ) um «nadador de costas», Notonecta . 1. Uma ninfa de libelinha, Lestes
(Odonata- Zygoptera); notar as trê s brânquias caudais. 8. Duas ninfas de tira-olhos (Odonata- Anisoptera),
Helocordulia , um tipo saltitante de pernas compridas ( bentos), e (à direita) Aeschna , um tipo esguio
e trepador (perifiton ). (Reproduzido de Robert W. Pennak , « Fresh - water Invertebrates of the United
States», 1953, The Ronald Press Company.)
490

ponto de vista ecol ógico, juntamente com os produtores submersos acima citados .
Muitas vezes marca o limite interno da zona litoral , visto ser capaz de se desenvolver
em águas fundas.
Em todas as espécies de águas pouco profundas ( lagoas, rios -lentos e pâ ntanos)
as plantas aqu á ticas com raiz t ê m tend ê ncia para se tornarem mais importantes nos
climas quentes. A produ çã o primá ria das plantas emergentes é muito elevada, como
referem alguns autores ( Penfound , 1956; Westlake, 1963; ver tamb é m a secçã o sobre
vegeta çã o dos sapais do Cap í tulo 13 ). No sueste dos Estados Unidos da Am é rica

5
3

B
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31 3

«i

Figura 11- 7. A. Exemplos de zooplâ ncton . Rot í feros: 1. Asplanchna ; 2. Notholca (apenas a cara¬
pa ça ). Copé podes: 3. Um copé pode ciclopó ide, Macrocyclops; 4 . Um copé pode calan ó ide, Senecella.
Clad ó ceros ( representantes de cada uma das cinco fam í lias): 5. Diaphanosoma (Sididae ); 6. Daphnia
(Daphnidae); 7. Bosmina ( Bosminidae ); 8. Pleuroxus ( Chydoridae ); 9 . Achantholeberis ( Macrothricidae ).
B. Zooneuston. 1. Um coleó ptero rodopiante, Dineutes (Gyrinidae ); 2. Um alfaiate, que caminha so¬
bre a água, Gerris (Gerridae ); 3. Outro caminhante aqu á tico, de corpo largo, Rhagovelia ( Velliidae ).
C. Alguns tipos caracter ísticos das zonas profundas. 1. Uma larva de quironom ídeo ou verme vermelho,
Tendipes ( notar os pseud ó podes e as brâ nquias abdominais); 2. Uma « larva fantasma», Chaoborus ( notar
dois sacos de ar que aparentemente permitem ao animal efectuar migrações verticais); 3. Um bivalve
'

«casca de ervilha », Musculium (Sphaeriidae), com « pé» e dois sif ões branquiais distendidos; 4. Tubifex,
um anel ídeo vermelho que constró i tubos no fundo e agita vigorosamente a extremidade posterior
-
na água . (Reproduzido de Robert W. Pennak, « Fresh water Invertebrates of the United States», 1953,
The Ronald Press Company.)
491

e nos tr ó picos crescem t ã o bem que sã o muitas vezes consideradas como nocivas,
porque cobrem as passagens aqu áticas dificultando a navega çã o e a pesca . Em tais
casos, a primeira reacçã o do homem é a de utilizar veneno ( herbicidas, etc. ), por é m
será mais prudente em muitos casos tentar cort á- las ou promover a sua apascen -
ta çã o, especialmente quando tenha sido demonstrado que a vegeta çã o aqu á tica
possui valor nutritivo, muitas vezes alto ( Boyd , 1968 ) .
Os produtores desprovidos de ra í zes da zona litoral compreendem numerosas
espécies de algas. Muitas encontram -se flutuando , tanto na zona litoral como na
limn é tica ( pl â ncton ), embora algumas, sobretudo as que se fixam ou se associam
a plantas com raiz , sejam especialmente caracter í sticas da zona litoral . Do mesmo
modo, muitas espé cies t ê m adapta ções especiais para aumentar a flutua çã o e, por ¬
tanto, sã o caracter í sticas da zona limn é tica . Como se ilustra na Figura 11 - 5, os tipos
principais de algas s ã o :
( 1 ) Diatom á cias ( Bacillariaceae ), possuindo inv ó lucros de s í lica com a forma
de caixas e pigmento amarelo ou castanho nos cromat ó foros , que encobre a clo ¬

rofila verde . As diatom áceas sã o bons indicadores da qualidade da água ( ver Fi ¬

guras 6- 6 # e 16-5 ).
( 2 ) Algas verdes ( Chlorophyta ), que incluem formas unicelulares como as
desm í deas. formas filamentosas, tanto flutuantes como fixadas, e v á rias formas colo¬
niais flutuantes. Nestas formas a clorofila n ã o est á encoberta por outro pigmento, e
consequentemente as popula ções t ê m uma cô r verde brilhante.
( 3 ) Algas azuis- verdes ou azuis ( Cyanophyta ), relativamente simples e unicelu ¬
lares ou em col ó nias, com clorofila difusa ( n ã o concentrada em cromatoplast í deos ),
encoberta por pigmento azul esverdeado. Este grupo costuma ter grande import â ncia
ecol ógica por causa da enorme biomassa que pode desenvolver nas lagoas e lagos
polu í dos. Como se indicou no Cap í tulo 4 , muitas das algas azuis sã o capazes de fixar
o azoto gasoso , passando- o a nitratos e desempenhando assim na água a mesma fun çã o
que as bact é rias desempenham no solo. Muitas esp é cies de algas azuis s ã o rejeitadas
pelos comedores de pl â ncton ( o que é uma razã o para a forma çã o de grandes bio-
massas ). Os metabolitos excretados das cé lulas e os produtos de desagrega çã o liber ¬

tados durante a decomposi çã o sã o, muitas vezes, t ó xicos e transmitem mau gosto e


odor à água pot á vel ; por isso, este grupo n ã o é popular para os engenheiros sani ¬

t á rios! Em adi çã o aos g é neros ilustrados na Figura 11 -5, poderã o mencionar -se os
OsciUatoria e Rivularia, que podem cobrir o fundo ou encontrar-se fixos aos caules
e folhas das espermat ó fitas submersas.
As algas verdes filamentosas, como as dos g é neros Spirogvra , Zygnema Oeclo-
gonium, sã o frequentemente estudadas nos cursos elementares de bot â nica . Outras
formas filamentosas assumem o tipo fision ó mico do perifiton , tendo, com frequ ê ncia,
cada esp é cie de planta superior incrusta ções caracter í sticas de algas, parecendo viver
os dois organismos associados numa rela çã o comensal ou mutualista ( ver Cap í tulo 7,
492

Secçã o 16 ) . O g é nero Chara parece constituir um substrato especialmente favor á vel ,


estando estas plantas quase sempre cobertas por uma camada de outras algas. Uma
amostra de fitopl â ncton flutuando livremente na zona litoral reveleria naturalmente
numerosas diatom á ceas , desm í deas e outras algas verdes , protozoá rios contendo
clorofila ( por isso holof í ticos ou « produtores » ) , como a vulgar forma laboratorial
Euglena e os seus numerosos parentes .
2. CONSUMIDORES. A zona litoral alberga maior variedade de animais do
que as outras zonas. Todos os cinco « h á bitos de vida» est ã o bem representados
e todos os fila que t ê m representantes na água doce podem , quase sempre , estar
presentes nesta zona. Alguns animais, especialmente do perifiton , demonstram uma
zonagem paralela à das plantas enraizadas, por é m , muitas esp é cies ocorrem mais ou
menos em toda a zona litoral. A zonagem vertical é mais n í tida nos animais do que
a horizontal. Na Figura 11 -6 ilustram -se alguns dos animais caracter í sticos de regi ões
litorais . Entre as formas do grupo perifiton , pousam ou est ã o agarrados a caules e
• * folhas das plantas grandes, por exemplo, caracó is aqu á ticos, ninfas de libelinhas e de
> * lib é lulas ( Odonata), rot í feros, vermes chatos , briozo á rios, hidras e larvas de mosqui -
. >i tos. Os moluscos alimentam - se de plantas ou de Aufvuchs\ as larvas de mosquitos
são també m grandes consumidores- prim á rios, procurando o alimento sob forma
-1 de detritos. As ninfas de tira- olhos e lib é lulas s ã o exclusivamente carn í voras, em ¬
pregando com sucesso o seu l á bio extens í vel na captura de presas de tamanho
adequado que casualmente passem ao seu alcance . Outro grupo que compreende
consumidores prim á rios e secund á rios pode ser encontrado em repouso ou em movi ¬

mento no fundo, no meio da vasa ou dos detritos das plantas por exemplo, as ninfas
espalmadas de Odonata ( de corpos achatados em vez de cil í ndricos ) , lagostins,
is ó podos e certas ninfas de efemer ó pteros de fundo; no lodo, encontram -se enter ¬
rados odonatas e efemer ó pteros ( alguns, em vez de se manterem completamente
enterrados, colocafn -se de forma a que certos prolongamentos do corpo atinjam a
superf í cie do lodo para respirarem ), bivalves, anel í deos e caracó is, e principalmente
quiron ó midos e outras larvas de d í pteros que vivem em pequenas galerias.
O n é cton da zona litoral é frequentemente rico em esp é cies e em n mero de
indiv í duos. Sã o consp í cuos larvas e adultos de carochas de água e vá rios hem í pteros
adultos; alguns deles, especialmente os ditisc í deos e os notonect í deos, s ã o carn í voros,
enquanto os cole ó pteros hidrofil í deos e halipl í deos, e « corixas » sã o, em parte pelo
menos, herb í voros ou necr ófagos. Diversas larvas e pupas de d í pteros conservam -se
suspensas na água , muitas vezes perto da superf í cie. Muitos animais deste grupo obt ê m
o ar da superf í cie , transportando uma bolha de ar na face ventral do corpo ou debaixo
das asas para utiliza çã o enquanto imersos.
Os vertebrados anf í bios, rã s, salamandras, tartarugas e cobras -de- água , sã o
quase exclusivamente membros da comunidade da zona litoral . Os girinos de r ãs
e de sapos sã o importantes consumidores prim á rios, visto que se alimentam de algas
493

de outros produtos vegetais, enquanto os adultos se situam num ou dois ní veis


tr ó ficos mais altos. Os vertebrados de sangue frio aumentam de import ância à
medida que se caminha para o sul. Por exemplo, nas lagoas da Louisiana e da Florida
a densidade populacional das r ã s, cobras - de - água e tartarugas e, por isso, a sua
import ância ecológica, surpreendem aqueles que est ão habituados apenas a lagos
setentrionais.
Em geral, os peixes das lagoas circulam livremente entre a zona litoral e
a limné tica, por é m, a maioria das espé cies passa uma grande parte do tempo na
zona litoral; muitas espé cies estabelecem territ órios e neles criam ( ver Capí tulo 7,
Sec ção 15). Quase todas as lagoas t êm uma ou mais esp é cies de pequenos peixes da
famí lia Centrarchidae. No sul dos Estados Unidos, pequenos peixes, especialmente
do género Gambusia, s ão abundantes nas zonas de vegetação. Algumas espé cies de
achigã s, l cio ( Esox ) ou do género Lapisosteus representam o Em da cadeia alimen ¬

tar, no que respeita ao ecossistema lagoa ( ver Capí tulo 3 ).


O zooplâncton da zona litoral é bastante caracter í stico e difere do da zona limné¬

tica na predominância de crust áceos mais pesados e menos flutuantes, que por vezes
se prendem à s plantas ou descansam no fundo, quando não agitam activamente os seus
apê ndices. Os grupos importantes do zooplâncton litoral s ão (Figura 11- 7 Á) espé cies
grandes e má s nadadoras de Cladoceras («pulgas da água»), tais como algumas esp é cies
de Daphnia e Simocephalus, algumas esp é cies de copé podos da famí lia Cyclopoidea
e todas as Harpacticoidea, muitas famí lias de ostracodos, e alguns rot í feros.
Finalmente, o neuston litoral (Figura 11- 75) consta de tr ê s esp é cies de insectos
de superfí cie, que s ão familiares a todos aqueles que, mesmo casualmente, tenham
observado uma lagoa: ( 1) giriní deos rodopiantes, os negros «percevejos da sorte » dos
pescadores estes cole ópteros s ã o nicos, pelo facto de terem o olho dividido em
duas partes, uma metade para «ver » acima da água e a outra para vis ã o debaixo da
água; ( 2 ) os grandes alfaiates da famí lia Gerridae que caminham sobre a água;
e (3 ) os mais pequenos caminhantes aquáticos, da famí lia Veliidae. Menos vis í veis
são os numerosos protozoários e outros microrganismos que est ão associados à
pelí cula superficial ( tanto sobre como sob ela).
Uma outra comunidade not ável é a que se encontra nas areias da borda de
água ( muitas vezes designada por habitat psamolitoral). O exame desta área, aparente ¬

mente árida, revela um número not ável de algas, protozoários, tardí grados, nemátodos
e cop é podes harpacticó ides ( ver Pennak, 1940; Neel, 1948).

A Natureza das Comunidades na Zona Limnética

Os produtores de fitoplâncton, da zona de águas abertas, constam de algas dos


tr ê s grupos previamenteapontados e de flagelados verdes, semelhantes a algas, princi-
494

palmente os dinoflagelados, Euglenidae e Volvocidae. As formas limn é ticas sã o, na sua


maioria , microscó picas e da í n ão chamarem a aten ção do observador casual , embora
d ê em muitas vezes um colorido verde à água. Todavia , o fitopl â ncton pode exceder as
plantas superiores em produ çã o alimentar por superf ície unit á ria. Na Figura 11 - 5 est ã o
representados tipos de fitopl â ncton t í pico das águas abertas. Muitas destas formas
possuem apê ndices ou outras adaptações que as ajudam a flutuar . A turbul ê ncia , ou
os movimentos ascensionais da água causados pelas diferen ças de temperatura , ajuda
a manter o fitoplâ ncton perto da superf í cie onde a fotoss í ntese é mais eficiente . Um
aspecto caracter í stico do fitopl â ncton limn é tico nos lagos temperados do norte é a
marcada varia çã o sazonal na densidade das popula ções ( Figura 11 -8) . As densidades
muito altas, que surgem bruscamente e persistem por pouco tempo, s ã o chamadas
«flora ções» ou « pulsações» do fitopl â ncton ( ver páginas 72 , 406 e 534). No norte dos
Estados Unidos, as lagoas e os lagos exibem muitas vezes uma grande «flora ção»
no princ í pio da Primavera e outra, em geral mais pequena, no Outono . A pulsa çã o
primaveril , que os limnologistas algumas vezes chamam «flora çã o de Primavera» ,
» envolve tipicamente as diatomá ceas e parece resultar da seguinte combina çã o de
' circunst â ncias. Durante o Inverno, as baixas temperaturas da á gua e a luz pouco
intensa determinam uma redu çã o da fotoss í ntese , de maneira que os nutrientes
" regenerados se acumulam sem utiliza çã o. Com o aparecimento de condi ções favo ¬
rá veis de temperatura e de luz, os organismos do fitoplâ ncton , que t ê m um alto
potencial bi ótico, multiplicam -se rapidamente visto, na altura , os nutrientes n ã o
. serem limitantes. No entanto, em breve os nutrientes se esgotam e a «floração»
desaparece. Quando os nutrientes come çam de novo a acumular-se , as algas azuis
fixadoras de azoto, como a Anabaena , são muitas vezes responsá veis pelas « flora ções
outonais », porque estes organismos são capazes de continuar a aumentar rapida ¬
mente apesar da redu çã o no azoto dissolvido isto é , at é que o fósforo, a baixa
temperatura , ou qualquer outro factor se torne limitante e detenha o surto de cresci ¬
mento da popula çã o.
O zoopl â ncton limn é tico é composto de poucas espé cies, embora o n mero de
indiv í duos possa ser grande. Copé podos, clad óceros e rot í feros sã o, em geral , os orga-

NUTRIENTES

-
Figura 11 8. Mecanismo prov ável das pul
¬

XJ /\ sa ções do fitoplâ ncton em lagoas e lagos da


TEMP / zona temperada. Ver explicaçã o no texto.

FITOPL Â NCTON

INVERNO 1 PRIMAVERA 1 VER ÃO 1 OUTONO


495

nismos mais importantes, sendo as esp é cies muito diferentes das encontradas na zona
litoral . Os cop é podos de antenas compridas ou calan ó ides ( Diaptomus é um g é nero
comum ) s ão especialmente caracter í sticos, embora as formas com antenas de tama ¬

nho m é dio ( Cyclops ) possam ser mais abundantes em massas de á gua mais pequenas .
Os clad óceros limn é ticos possuem formas flutuantes muito transparentes, como
Diaphanosoma, Sida e Bosmina . Na Figura 11 - 7 A , mostram -se dois g é neros caracter í s ¬

ticos de rot í feros planct ó nicos . Muitos dos crust á ceos zooplanct ó nicos comportam - se
como « filtros » , por filtrarem bact é rias , part í culas de detritos e fitopl â ncton por meio
dos feixes de sedas dos ap ê ndices tor áxicos. Estes organismos « pastam » as plantas ,
por assim dizer , à semelhan ça do que acontece com o gado relativamente à vegeta çã o
terrestre . Outros seres do zoopl â ncton s ã o predadores. Como seria de prever , o
zoopl â ncton pode apresentar «flora çõ es » , ao mesmo tempo que o fitopl â ncton ou
logo a seguir , visto depender grandemente deste ltimo. Alguns organismos do
zoopl â ncton talvez possam utilizar mat é ria org â nica dissolvida , embora se julgue que
a sua principal fonte de energia seja alimento em part í culas.
A migra çã o vertical di á ria constitui um aspecto muito caracter í stico do zoopl â nc¬
ton limn é tico dos lagos, como ficou descrito na Secçã o 7 do Cap í tulo 6; Figura 6-9 .
Os cop é podes e os clad óceros mostram um contraste interessante quanto a bio ¬

logia e m é todo de reprodu çã o. Ambos alcan çaram igual sucesso num nicho onde a
multiplica çã o rá pida se torna necess á ria para a sobreviv ê ncia. Os clad ó ceros reprodu ¬
zem-se partenogeneticamente, desenvolvendo-se os ovos numa «câ mara de incuba ¬
çã o», espa ço entre o corpo e a carapa ça que envolve o corpo da f ê mea . O desenvol ¬
vimento é directo, sem estado larvar. Os machos aparecem muito raramente , em geral ,
quando as condi ções se tornam desfavor á veis. Os ovos fertilizados transformam -se
em ovos ef í pios, ou de « Inverno» , possuindo um inv ólucro resistente e sendo capazes
de sobreviver numa lagoa seca. Os cop é podes, pelo contrá rio, nã o se reproduzem por
partenog é nese , mas a f ê mea é capaz de armazenar o esperma de uma copula çã o em
quantidade suficiente para muitas posturas. Assim , os cop é podes sã o capazes de
competir , quanto à rapidez de multiplica çã o, com outro pl â ncton que possua par ¬
tenog é nese ou reprodu çã o assexuada. Os copé podes passam por um estado larvar
designado « nauplius» , de vida completamente livre . Assim , os copé podes e os cla ¬
d óceros, os «codominantes» dos grupos de consumidores primá rios da zona limn é-
tica, ilustram o facto de adaptações paralelas poderem levar ao mesmo objectivo final .
O n é cton limn é tico da água doce compõe -se quase exclusivamente de peixes.
Nas lagoas , os peixes da zona limn é tica sã o os mesmos da zona litoral , embora em
maiores massas de á gua algumas espé cies possam estar confinadas à zona limn é tica.
A maioria dos peixes de água doce alimenta-se no estado adulto de animais de tamanho
apreci á vel e n ã o de pl â ncton microscó pico. Algumas esp é cies dos g é neros Dorosoma
e Signalosa, por exemplo, possuem «filtros» e alimentam-se de pl â ncton . Nos grandes
reservat ó rios do sistema TVA aqueles peixes constituem um elo importante entre os
496

produtores e as esp é cies de interesse desportivo; a sua presenç a nestes lagos permite
que os peixes desportivos, como o achigã e o l cio, existam numa cadeia alimentar
mais curta e sejam mais independentes da zona litoral, que pode ficar inacessí vel ao
peixe durante as «baixas» sazonais. As espé cies maiores daqueles géneros s ão menos
desej áveis, porque atingem tamanhos excessivos para que sirvam de presa aos peixes
predadores e assim privam aqueles da energia alimentar que continuam a obter num
ní vel tr ó fico inferior.

A Natureza das Comunidades na Zona Profunda

Como não existe luz, os habitantes da zona profunda dependem, quanto às


subst âncias alimentares fundamentais, das zonas limné tica e litoral. Por seu lado, a
.
11 zona profunda fornece nutrientes «rejuvenescidos» que s ão levados pelas correntes e
í animais nadadores para outras zonas ( ver Capí tulo 2, Sec ção 3). A variedade de seres
vivos da zona funda não é grande, como seria de esperar, por ém o que aí existe pode
« ser importante. Os principais constituintes da comunidade s ão bact érias e fungos,
especialmente abundantes na interfase água-lodo, onde se acumula a mat éria orgâ ¬

nica, e trê s grupos de animais consumidores (Figura 11- 7 Q: ( 1) «vermes vermelhos»


ou larvas de Chironomidae possuidores de hemoglobina e anelí deos; ( 2) pequenos
Mj
moluscos da famí lia Sphaeriidae; e ( 3) «larvas fantasmas» ou Chaoborus ( Corethra).
Os dois primeiros grupos s ão formas b ênticas; o ltimo é uma forma de plâncton
que sobe regularmente para a zona limné tica durante a noite e desce para o fundo
durante o dia ( ver Figura 11-9). Os anelí deos vermelhos, muitas vezes, aumentam
nas águas poluí das por esgotos domé sticos; as zonas fortemente s é pticas podem
estar cobertas por camadas destes denominados «vermes de esgotos», que s ão o
único organismo macrosc ópico ent ão presente. As larvas de Chaoborus caracteri-
zam- se por terem quatro sacos de ar, dois em cada extremo do corpo, que parecem
servir de flutuadores e facultar també m uma reserva suplementar de oxigénio. Estas
larvas s ão apenas membros temporários do plâncton, sendo os adultos dí pteros ter ¬

restres. A maioria dos organismos do plâncton de água doce conserva- se durante


toda a sua vida com os mesmos tipos fisionó micos ( isto é, holoplâncton), em ní tido
contraste com os organismos do plâncton marinho, muitos dos quais s ão somente
membros temporários ( isto é, meroplâncton) . Todos os animais da zona profunda est ão
adaptados a suportar periodos de baixa concentração de oxigé nio, enquanto muitas
bact é rias s ão capazes de subsistir sem oxigé nio ( anaer óbias ) . A import ância da zona de
transi ção entre os sedimentos oxidados e reduzidos j á foi referida no Cap í tulo 2
( página41) e ser á novamente considerada no capí tulo sobre ecologia mar í tima.
497

5. LAGOS

Hutchinson ( 1957) na sua monografia Treatise on Limnology afirma: «Os lagos


parecem, à escala de anos ou da duração da vida humana, traç os permanentes da paisa ¬

gem, embora sejam geologicamente transit órios, nascem geralmente de cat á strofes, para
amadurecer e morrer lenta e imperceptivelmente. A origem catastró fica dos lagos, nas
idades glaciares ou em perí odos de intensa actividade tect ónica ou vulc ânica, produziu
uma distribuição localizada das suas bacias nas grandes extens ões terrestres, porque
os acontecimentos que originaram essas bacias, ainda que grandiosos, nunca se veri ¬

ficaram simultaneamente, ou de modo igual, por toda a parte. Os lagos, portanto,


tendem a agrupar - se em regi ões de lagos». A isto poderia acrescentar - se que o
homem constr ói febrilmente por todo o mundo lagos (geralmente chamados albu ¬

feiras), incluindo áreas onde não há lagos naturais. Ainda que não tenham nascido
propriamente de uma cat ástrofe, os lagos artificiais s ã o, tamb ém, provavelmente
transit órios no sentido geológico ( ver també m Capí tulo 9, Sec ção 4).
Como se indicou na Sec ção 1 deste cap í tulo, nã o se pode fazer uma distinçã o
ní tida entre lagos e lagoas. No entanto, existem importantes diferen ç as ecológicas
além do tamanho. Nos lagos, as zonas limné tica e funda s ã o relativamente grandes,
comparadas com a zona litoral. O inverso é verdadeiro para as massas de água geral ¬

mente designadas por lagoas. Assim, a zona limn é tica é a principal regiã o «produ ¬

tora» ( regiã o onde a energia solar é fixada e transformada em alimento) para o lago
como um todo. O fitoplâncton e a natureza do fundo e o respectivo biota s ã o de
interesse basilar no estudo dos lagos. Por outro lado, a zona litoral é a principal
região «produtora» para as lagoas, tendo as comunidades dessa zona interesse prin ¬

cipal. A circulação da água nas lagoas é geralmente tal que a estratificação da tem ¬

peratura ou do oxigé nio é limitada; os lagos na zona temperada, a nã o ser quando


sejam pouco profundos, tendem a tornar - se estratificados em certas esta çõ es. Exa ¬

mine- se este aspecto com maior pormenor.

Estratificação nos Lagos O Padr ão Clá ssico da Zona Temperada

O ciclo sazonal tí pico, representado na Figura 11 -9, pode descrever - se como se


segue . Durante o Ver ão, as águas superficiais tornam- se mais quentes do que as do
fundo; como consequ ência, apenas a camada superior quente circula, não se mistu ¬

rando com a água mais fria e mais viscosa e criando- se entre elas uma zona com forte
gradiente de temperatura designada por termoclino. A camada de água superior mais
quente e circulante é o epilimnion («lago de superfí cie»), sendo a água mais fria e
não circulante o hipolimnion («lago inferior»). Na Figura 11-9 observa- se a forte
quebra de temperatura no termociclo durante os meses quentes de Ver ão. Se o

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Figura 11-9. Estratifica çã o t é rmica num lago temperado do norte ( Linsley Pond , Conn . ). Ilustram - se as condi çõ es de Ver ã o à
direita, e as de Inverno à esquerda . Observe - se que no Ver ã o uma camada circulante de água quente e rica em oxigé nio , o epil í mnio,
est á separada das águas frias e pobres em oxig é nio do hipol í mnio por uma zona larga, denominada termoclino, que é caracterizada por
uma r á pida altera çã o na temperatura e no oxig é nio com o aumento da profundidade . Representam -se dois organismos t í picos do hipol í mnio
( ver tamb é m Figura 11- 7 ). ( Segundo Deevey, 1951. )
499

termociclo se situa abaixo da camada de penetra çã o efectiva da luz ( isto é , do n í vel


de compensa çã o ) , como muitas vezes acontece , a provisã o de oxigé nio esgota-se no
hipolimnion , dado que , tanto as plantas verdes como o abastecimento da superf í cie
ficam isolados. Note - se na Figura 11 -9, como a provisã o de oxig é nio no hipolimnion
do « Linsley Pond » desaparece no Verã o. Isto é muitas vezes designado por per í odo
de estagna çã o estival no hipolimnion .
Com a chegada do tempo mais frio, a temperatura do epilimnion desce at é ser
a mesma do hipolimnion . Ent ã o, toda a água do lago começa a circular e o oxig é nio
volta outra vez à s profundidades durante a « inversã o do Outono». Quando a á gua
superficial arrefece para al é m dos 4 C, dilata -se , tornando- se mais leve , conserva - se
à superf í cie e gela', se a regiã o é d ç clima frio, dando-se a estratificaçã o de Inverno.
,

No Inverno, a provisã o de oxig é nio n ã o é , em geral , t ão fortemente reduzida , porque


a decomposi ção bacteriana e a respira çã o dos organismos n ão sã o t ão grandes a
temperaturas baixas , e a água comporta mais oxig é nio a baixas temperaturas. A es ¬
tagna çã o de Inverno n ã o é , portanto , geralmente t ã o forte ( ver Figura 11-9, grá fico
da esquerda ) . Uma excepçã o a esta regra acontece quando a neve cobre o gelo e
impede a fotoss í ntese , dando -se ent ã o um esgotamento de oxig é nio em todo o lago
e a « mortandade de Inverno» dos peixes.
Na Primavera à medida que o gelo funde e a água vai aquecendo , esta
torna- se mais pesada e desloca-se para o fundo . Assim , quando a temperatura da
superf í cie sobe a 4 C, o lago como que « respira fundo», é o retorno da Primavera .
Este quadro cl ássico de duas inversõ es sazonais é t í pico de muitos lagos na
Am é rica e Eurá sia, mas n ã o é de modo nenhum universal , mesmo na zona temperada .
Observações pormenorizadas sobre a estratifica ção t é rmica foram efectuadas , pela
primeira vez, nos lagos da Sui ça , entre 1850 e 1900, por Simony e Forel , este ú ltimo
muito conhecido como o « pai da limnologia». Em 1904, Birge, que mais tarde se asso ¬

ciou a Juday na famosa equipa de Birge e Juday , foi o primeiro a pô r em evid ê ncia
a estratifica çã o t é rmica nos lagos do Wisconsin . Em geral, quanto mais fundo é o
lago, mais lenta é a estratifica çã o e mais espesso é o hipolimnion .
O grau de esgotamento do oxig é nio no hipolimnion , durante a estratifica ção
de Ver ã o, depende da quantidade de mat é rias em decomposi çã o e da profundidade
do termoclino. Os lagos « ricos», do ponto de vista da produtividade , est ã o em geral
sujeitos a uma perda maior em oxig é nio durante o Verã o do que os lagos « pobres» ,
visto que a « chuva» de mat é ria org â nica das zonas limn ética e litoral para a zona funda
é maior nos primeiros. A eutrofica çã o devida à aquicultura acelera a redu çã o de
oxig é nio na zona profunda , como foi descrito no Cap í tulo 3 ( página 88); ver tamb é m
Figura 16-5, página 442 . Assim , os peixes que sã o estenot é rmicos e tolerantes para
as temperaturas baixas apenas podem sobreviver nos lagos « pobres», onde as águas
frias do fundo n ão se esgotam em oxig é nio. Tais espé cies foram as primeiras a desa ¬
parecer dos Grandes Lagos, nos Estados Unidos, com a eutrofica çã o. Como já se
500

disse, os organismos inferiores est ã o adaptados a suportar a escassez de oxig é nio


durante per í odos apreciá veis, ao contr á rio dos peixes da zbna funda.
Se as águas de um lago forem muito transparentes e permitirem o desenvol ¬

vimento do fitopl â ncton abaixo do termoclino ( na parte superior do hipolimnion ),


o oxig é nio pode estar a í presente at é em maior abund â ncia do que à superf í cie , visto
que , como já se referiu , as águas frias cont ê m mais oxig é nio. V ê -se , por isso, que
a zona euf ótica n ã o coincide necessariamente com o epilimnion . A primeira é deter ¬
minada pela penetra çã o da luz ( é a zona « produtora» ) , a ltima pela temperatura.
No entanto, é frequente coincidirem aproximadamente durante o per í odo de estagna ¬
çã o estival.

Estratificação Térmica nos Tr ópicos

Os lagos subtropicais , com uma temperatura de superf í cie que nunca desce
.:
,
*
'

»
abaixo dos 4 C, apresentam como regra um gradiente t é rmico distinto do cimo para
o fundo, embora apenas tenham um per í odo de circula çã o geral por ano, que ocorre
no Inverno. Os lagos tropicais, com temperaturas elevadas à superf í cie ( 20 a 30 C),
apresentam gradientes fracos e pequenas variaçõ es sazonais de temperatura a qual ¬

quer profundidade . As diferen ças de densidade da água que , mesmo assim, resultam
'
do fraco gradiente t é rmico podem produzir , no entanto, uma estratifica ção est á vel
numa base mais ou menos anual . A circula çã o geral é portanto irregular e ocorre
principalmente nas esta ções mais frescas. Os lagos tropicais muito profundos costu ¬
mam apresentar - se apenas parcialmente misturados. Como ser á descrito adiante ( ver
pá gina 409), a constru çã o de albufeiras grandes e profundas nos tr ó picos est á a
causar importantes «desastres ecol ógicos» , por uma falta de compreens ã o das dife ¬
ren ças existentes entre os ecossistemas terrestre e aqu á tico tropicais e temperados .
Quanto a estes importantes tipos de circula ção da água, os lagos do Globo podem
ser, na sua maioria, convenientemente inclu ídos numa das seguintes categorias
(Hutchinson , 1957) :
1 Dimícticos ( m í ctico = misturado ). Dois per í odos sazonais de circula çã o livre ,
ou inversões, como se descreveu na secção anterior.
2 Monomícticos frios. A temperatura da água nunca sobe acima dos 4 HC
( regi ões polares ); uma inversã o sazonal no Verã o.
3 Monomícticos quentes. A temperatura da água nunca desce abaixo de 4 C
( regi ões temperadas quentes ou subtropicais ); um per í odo de circula çã o no Inverno.
4 Polimícticos. Circulação mais ou menos cont í nua com apenas curtos per í o ¬

dos de estagnaçã o, se os houver ( regiões equatoriais a elevada altitude ) .


5 Oligomí cticos. Raramente ( ou muito lentamente ) misturados ( termicamente
est á veis), como em muitos lagos tropicais.
501

6 Meromí cticos. Permanentemente estratificados, a maior parte das vezes em


resultado de uma diferença quí mica entre as águas do hipolimnion e do epilimnion,
como ser á descrito na página 502.

Distribuição Geográfica dos Lagos

Os lagos naturais s ão mais numerosos nas regiõ es que sofreram alterações


geológicos em épocas relativamente recentes, digamos nos ltimos 20 000 anos. Assim,
os lagos abundam nas regiõ es glaciares do norte da Europa, Canadá e norte dos Estados
Unidos. Tais lagos constituiram- se quando os ltimos glaciares se retiraram há cerca
de uns 10 000 a 12 000 anos. Estes t êm sido os lagos mais estudados pelos limnolo-
gistas europeus e americanos. Os lagos naturais s ão também numerosos nas regiões
de recente elevação acima do ní vel do mar, como na Florida, e em regiões sujeitas
a actividades vulc ânicas recentes, como nas Cascades Ocidentais. Os lagos vulc ânicos,
formados quer em crateras extintas quer em vales obstruí dos pela acçã o vulcânica,
est ão entre os mais belos do mundo. Por outro lado, os lagos naturais s ão raros nas
regiões geologicamente antigas e muito recortadas dos Apalaches e Piedmont do
leste dos Estados Unidos e em vastas zonas das grandes planí cies não glaciares.
Assim, v ê- se que a hist ória geol ógica de uma região determina se a presen ça de
lagos é natural, para al ém de influenciar grandemente o tipo de lago, no que respeita
aos minerais bá sicos que estar ão disponí veis para incorporação no respectivo ecossis -
tema. A precipitaçã o é evidentemente importante, embora mesmo nos desertos
possam existir lagos de certa extensão.

Classificação dos Lagos

A investigação sobre os lagos, realizada por toda a parte, revelou que possuem
uma grande variedade de combinaçõ es de propriedades, tornando dif í cil seleccionar
uma base para uma classificação natural. Hutchinson, na sua monografia de 1957,
refere nada menos do que 75 tipos de lagos baseados na geomorfologia e origem.
No entanto, pode- se conseguir uma boa introdução ao fascinante assunto da ecologia
mundial dos lagos, considerando tr ê s categorias: ( 1) a s érie oligotr ó fica-eutr ó fica
dos vulgares lagos de água lí mpida, baseada na produtividade, (2) tipos especiais de
lagos, e (3 ) albufeiras.
1. S é RIE OLIGOTR ó FICA - EUTR ó FICA. OS lagos podem ser classificados, em
qualquer região, de acordo com a produtividade primária ( ver Capí tulo 3, Secção 3),
como foi proposto pelo limnologista pioneiro alemão Thienemann. A produtividade
ou «fertilidade» de um lago depende dos nutrientes recebidos a partir do escoa-
502

mento local, da idade geol ógica e da profundidade . Segue -se uma classifica çã o sim ¬
plificada, em que o sentido do desenvolvimento geol ógico est á indicado por setas
( a interacção dos processos de desenvolvimento geol ógico e da comunidade foi
pormenorizadamente estudada no Capítulo 9, Secçã o 1 ) :
Concentra çã o Concentra çã o
de Nutrientes de Nutrientes
Baixa Alta

Pouco fundos Eutrofia


Morfom é trica Eutr ó fico

Profundos Oligotrofia
Oligotr ó fico Morfom é trica

Os lagos oligotróficos t í picos ( « pobres em alimento») s ão fundos, com o hipolimnion


maior do que o epilimnion e t ê m uma produtividade prim á ria baixa . As plantas
litorais são escassas e a densidade do pl â ncton é pequena, embora o n mero de
espé cies possa ser grande; os surtos de plâ ncton sã o raros, visto que os nutrientes
raramente se acumulam o suficiente para produzir uma erupção populacional do
fitopl â ncton . Em virtude da baixa produtividade das águas da zona superior, o hipo¬
limnion n ã o est á sujeito a uma forte car ê ncia de oxig é nio e por isso os peixes este-
not é rmicos das águas frias do fundo, como sejam a truta de lago e o coregonus, são
caracter í sticos desse estrato e, muitas vezes, exclusivos do hipolimnion nos lagos
oligotr óficos. H á tamb é m umas tantas formas de plâ ncton caracterí sticas de tais
lagos ( Mysis, por exemplo). Em resumo, os lagos oligotr óficos s ã o ainda «geologi ¬
camente novos» e t ê m-se modificado pouco desde a sua forma çã o. Ao contrá rio, os
lagos eutróficos (« ricos em alimento») sã o menos fundos e t ê m uma produtividade
prim á ria maior. A vegetação litoral é mais abundante, as populações de plâ ncton mais
densas, e as «flora ções» planct ónicas sã o caracterí sticas. Devido ao alto teor de mat é¬
ria org â nica, a estagna ção estival pode ser suficiente para eliminar os peixes de água
fria. O Lago Mendota e a Lagoa Linsley ( ver Figura 11-9) são exemplos de lagos
eutróficos objecto de muito estudo; os Grandes Lagos e os Lagos Finger de Nova
Iorque sã o lagos oligotr óficos t í picos.
A tend ê ncia geral para o aumento da produtividade com a redu çã o da pro ¬

fundidade é ilustrada com os dados do Quadro 11-1. Estes dados també m ilustram
o tempo de renovação curto do fitoplâ ncton dos lagos ( ver Cap í tulo 2, página 23) e
0 facto da biomassa da exist ê ncia permanente poder ser mais influenciada pelo
503

tamanho dos indiv í duos do que pela produtividade ; por outras palavras, um novo
exemplo do princ í pio de que a biomassa n ã o est á necessariamente correlacionada
com a taxa de produ çã o; ver Cap í tulo 3, página 66.
2. TIPOS ESPECIAIS DE LAGOS . Podem ser aqui mencionados sete tipos espe ¬

ciais de lagos :
( a ) Lagos distró ftcos, de água castanha., h micos e turfosos: geralmente t ê m
altas concentra ções de á cido h mico na água ; os lagos turfosos t ê m margens em
que surgem massas de turfa ( onde o pH é em geral baixo ) e acabam por se trans ¬

formar em turfeiras .
( b ) Lagos fundos e antigos, com fauna end émica: o Lago Baikal na R ú ssia
é o mais famoso dos lagos antigos. É o rnais fundo do mundo e foi originado por
movimentos da crosta terrestre durante a era Mesozoica ( idade dos r é pteis ). Noventa
e oito por cento das 384 esp é cies de artr ó podes sã o end é micas ( n ã o se encontram
em qualquer outra parte ), incluindo 291 espé cies de anfipodes. Oitenta e um por
cento das 36 espé cies de peixes s ã o end é micas. Este lago é muitas vezes chamado
«a Austrá lia da água doce », por causa da sua fauna end é mica ( ver Brooks, 1950 ) . b.

Recentemente foi noticiado que este lago est á amea çado por polui çã o industrial .
( c) Lagos salgados dos desertos: encontram -se em á reas sedimentares de dre -
nagem em climas á ridos, onde a evapora çã o excede a precipita çã o ( donde resulta a
concentra çã o de sais ). Exemplo: Lago Great Salt, no Utah . Possuem comunidades
constitu í das por poucas esp é cies ( mas à s vezes abundantes ), capazes de suportar a
alta salinidade . Os « camar ões das salinas » ( Artemia ) sã o caracter í sticos.
( d ) Lagos alcalinos dos desertos: ocorrem em á reas ígneas de drenagem em
climas á ridos : pH e concentra ção de carbonatos elevados. Exemplo: Lago Pyramid ,
Nevada.
( e ) Lagos vulcâ nicos: lagos á cidos ou alcalinos associados a regi õ es vulcâ -
nicas activas ( e recebendo águas do magma ) ; condi ções qu í micas extremas , biota
restrito . Exemplos: alguns lagos japoneses e filipinos .
( 0 Lagos meromícticos ( = parcialmente misturados ), quimicamente estratifi¬
cados: em contraste com a maioria dos lagos, em que as águas do fundo e da
superf í cie se misturam periodicamente ( isto é , lagos holomí cticos ou «totalmente
misturados»), alguns lagos apresentam -se permanentemente estratificados pela intru ¬

são de água salina ou de sais libertados dos sedimentos , que criam uma diferen ça
de densidade permanente entre as á guas de superf í cie e de fundo. Neste caso,
a separa çã o entre as camadas com e sem circula çã o é «quimioclinal » em vez de
termoclinal . Em tais lagos , o oxig é nio livre e os organismos aer ó bios est ã o natural ¬
mente ausentes das águas do fundo . O Big Soda Lake , Nevada, e o Hemmels-
dorfersee , na Alemanha , sã o dois exemplos deste tipo.
( g ) Lagos polares : as temperaturas da superf í cie mant ê m - se abaixo de
4 nC, ou ultrapassam este n í vel apenas durante um breve per í odo estival em que
504

Quadro 11-1
Raz ão Entre a Biomassa da Exist ê ncia Permanente e a Taxa Di á ria
de Produção Primá ria em Sete Lagos da Suíça *
PRODUTIVIDADE BIOMASSA B/P
PROFUNDIDADE ( p) (B ) ( renovação
LAGO ( m) ( kcal / m 2 /dia ) ( kcal / m2 ) em dias )

í 215 5 201 4,0


2 151 4 3 tf 0,75
3 134 4 7 1 ,75
4 84 6 24 f 4 ,0
5 46 8 5 tt 0 ,62
6 36 9 12 1 , 33
7 16 11 10 0 ,91

* De Findenegg, 1966.
t Popula ção dominada por espé cies de algas grandes ( macropl â ncton).
tt Popula ção dominada por espé cies de algas pequenas ( micropl âncton).

n ã o h á gelo e se pode verificar circula çã o . As popula çõ es de pl â ncton crescem


rapidamente durante este per í odo, muitas vezes acumulando gordura para o longo
Inverno.
3 . ALBUFEIRAS. OS lagos artificiais variam , naturalmente , de acordo com
a regi ã o e a natureza da drenagem . Geralmente , sã o caracterizados pelo n í vel vari á ¬

vel da á gua e pela forte turva çã o. A produ çã o de benton é , em geral , menor nas
albufeiras do que nos lagos naturais. A sucess ã o de altera çõ es verificadas na pro ¬

dutividade prim á ria e na produ çã o de peixe , que ocorrem quando grandes cursos de
água sã o represados, foi descrita no Cap í tulo 9, página 420.
O balan ço de calor , nas albufeiras , pode diferir grandemente daquele que
ocorre nos lagos naturais e depende do tipo de barragem . Se a água for descarregada
pelo fundo, o que ser á o caso de barragens destinadas à produ çã o de energia hidro-
el é ctrica, ent ã o transfere- se para jusante a água fria , rica em nutrientes mas pobre em
oxig é nio, ao mesmo tempo que a á gua quente fica retida na albufeira . Esta torna-se
assim numa armadilha de calor e exportador de nutrientes, ao contr á rio dos lagos
naturais cuja descarga é superficial e , portanto, funcionam como armadilhas de nu ¬

trientes e exportadores de calor. Desta maneira, o tipo de descarga influencia forte ¬


mente as condi çõ es verificadas a jusante. A Figura 11-10 compara as temperaturas de
água em duas albufeiras, na mesma bacia de drenagem em Montana, uma com des ¬

carga de superf í cie e a outra com descarga de fundo. Durante o per í odo mais quente
do Ver ã o, as temperaturas nas regi ões do termoclino e do epilimnion ( cerca de 10 metros
abaixo) foram de 5 a 8 C mais baixas no lago com descarga de superf í cie . A des-
505

carga de água fria do fundo torna poss í vel criar a jusante condições ecol ógicas para
a truta, a sul da zona normal desta, por é m, mais para o norte a água pode ser
demasiado fria para o bom crescimento do peixe . Para al é m dos efeitos t é rmicos,
Wright (1967) enumera os seguintes efeitos das barragens com comportas de fundo:

1. A água é descarregada com uma salinidade superior à quela que teria


se o fosse à superfície.
2. O reservat ó rio perde nutrientes essenciais, o que provoca a tend ê ncia para
a redu çã o da capacidade produtiva do reservat ório e ao mesmo tempo para a eutro-
í
f ca ção a jusante.
3. Aumenta a perda por evapora ção, em consequ ê ncia de haver armazena ¬

mento de á gua quente que entra e descarregamento de água fria do hipolimnion.


4. Um baixo teor em oxig é nio dissolvido na água de descarga reduz a capa ¬
cidade do curso de água para receber poluentes org â nicos.
5. A descarga de g ás sulfídrico e outras subst â ncias reduzidas faz baixar a
qualidade da água a jusante e , em casos extremos, provoca mortalidade nos peixes.
Encontram-se analisados algures ( ver páginas 409 e 416- 417) alguns outros pro¬
blemas relacionados com o projecto e o ordenamento das albufeiras face a usos-
- m ltiplos , nem sempre conciliáveis.

A. DESCARGA DE SUPERFÍ CIE B . DESCARGA DE ÁGUA PROFUNDA

iN

o
Figura 11-10. Curvas da variação em pro ¬

fundidade da temperatura de Agosto relativas


o a dois lagos em Montana, um ( A ) com des¬
carga de água superficial e outro ( B ) com
2 A B descarga profunda . O dique do Lago A foi
m 10 - formado por um desmoronamento de terra
Q
provocado por um terramoto. O Lago B é uma
2
Q albufeira com uma barragem feita pelo ho ¬

mem. Ambas as massas de água estã o loca ¬

o
2 lizadas na mesma bacia hidrográ fica, com A a
jusante de B. (Reproduzido de Wright, 1967.)
o.
20 -

0 10
TEMPERATURA DE AGOSTO , ° C
506

6. LAGOAS

Como se disse na secção anterior, as lagoas sã o pequenas massas de água


em que a zona litoral é relativamente grande e as regi ões limn ética e profunda
são pequenas ou n ã o existem. A estratifica ção tem import â ncia m í nima. Existem
lagoas na maioria das regi õ es de queda pluviomé trica suficiente. Est ã o continuamente
a ser formadas, por exemplo, quando um curso de água sofre um desvio, deixando o
primeiro leito isolado como uma massa de água estagnada ou « bra ço morto». Devido a
acumula çã o de mat é rias org â nicas e a inunda ções peri ódicas, as lagoas assim forma ¬
das em plan í cies inund á veis podem ser muito produtivas, como se prova pelo n ¬
mero de pescadores que atraiem . As lagoas naturais são, tamb é m , numerosas em
regi ões calcá rias, quando depressões ou afundamentos ocorrem em virtude da ruptura
dos estratos subjacentes.
As lagoas tempor á rias, isto é, as lagoas que secam durante parte do ano,
são especialmente interessantes e mant ê m uma comunidade nica. Em tais lagoas
os organismos conseguem a sobrevivê ncia , quer num estado de dorm ê ncia durante
o per í odo de seca , quer pela possibilidade de se deslocarem para dentro ou para
, , fora das lagoas , como acontece com os anf í bios e os insectos aqu áticos adultos.
Mostram-se, na Figura 11-11, alguns dos animais das lagoas tempor á rias. Alguns
crust á ceos Eubranquió podes são especialmente not á veis porque est ão bem adaptados
; e quase restritos às lagoas tempor á rias. Os ovos sobrevivem no solo seco durante
muitos meses, ao passo que o desenvolvimento e a reprodu çã o necessitam de pouco
tempo no fim do Inverno e na Primavera , enquanto existe água. Como acontece
com outros habitats marginais, as lagoas tempor á rias constituem lugares favor á veis
para os organismos que lhes est ão adaptados, visto que a competição interespec í fica
e a preda ção são a í muito reduzidas. Embora numa lagoa tempor á ria a água exista
apenas durante umas semanas, é poss í vel o estabelecimento de uma sucess ã o sazonal
bem marcada, o que permite que uma variedade surpreendentemente grande de
organismos utilize uma por çã o t ã o limitada de habitat f ísico ( ver Figura 11-11).
As represas existentes em cursos de água s ã o as mais numerosas e resultam da
constru ção de aç udes pelo homem ou animais como o castor. Nos Estados Unidos da
Am é rica, anteriormente a 1920, essas represas artificiais constru ídas pelo homem
eram na sua maioria «represas de moinho» resultantes da constru çã o de aç udes e
destinavam-se a fornecer energia a moinhos ou a pequenas f á bricas . Presentemente,
est á muito generalizada a constru ção de «lagoas de herdade » que diferem das «repre ¬

sas de moinho» por a água ser desviada dos aç udes, ou at é por serem constru í das em
bacias sem cursos de água permanentes, de m.odo a evitar a perda de nutrientes e
o seu envasamento. Tais lagoas t ê m , geralmente, pouca água corrente a atraves-
s á-las, sendo muitas vezes fertilizadas artificialmente, povoadas com peixes para
desporto e tratadas de modo a evitar a vegeta çã o com raizame . Assim , os organis -
507

MAR ÇO ABRIL MAIO JUNHO


1 & 16 (24 3l|l $ 6 24 30 i i9 2 4 31
Salamandra-
-Tigre

Ciclopes -rfff
A
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V
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Camar ã o- fada

Copé pode
vermelho
3 jno-
Verme plano
de charco
temporá rio c 3
Gafanhoto
jovem
síf
Figura 11-11. Sucessão de animais num charco temporário do Illinois. O comprimento do animal
acrescido do comprimento da seta indica as datas entre as quais se podem encontrar os adultos de
cada uma das cinco espé cies. A secagem do charco e o aparecimento de organismos terrestres são refe ¬

renciados pelo gafanhoto jovem . (De Welch, modificado segundo Shelford, 1919.)

mos produtores sã o na totalidade fitopl â ncton e, de certo modo, as relaçõ es na


cadeia alimentar lembram as dos lagos.. No entanto, é raro que tais lagoas sejam
suficientemente fundas para possu í rem estratificação. O contraste entre uma «represa
de herdade» ordenada ( piscicultura) e uma lagoa com uma zona litoral coberta de
vegetaçã o est á patente na Figura 11-1. Uma piscicultura pode ser muito mais efi ¬
ciente do que uma lagoa ou represa n ã o ordenada, do ponto de vista da produ çã o
de elevada biomassa de peixe, embora apresente menos interesse para o naturalista,
visto que a variedade de organismos é limitada em favor da grande abund â ncia da
espécie desejada. O aspecto energ é tico de uma piscicultura ordenada é ilustrado na
,

Figura 3-11. A produ çã o de peixe em lagoas é analisada nas páginas 107 e 665.
As represas dos castores constitu íam um aspecto caracter ístico das á reas sel ¬
,

vagens da Am é rica do Norte, quando o Europeu a í chegou . As represas assim for ¬


madas t ê m geralmente uma curta hist ó ria ecol ógica, visto que sã o abandonadas
quando nas proximidades se torna acentuada a escassez das á rvores que fornecem
alimento. Assim, nas condiçõ es primitivas, o castor foi um factor muito importante
na abertura de florestas e na manuten ção das etapas serais tanto terrestres como
aqu áticas. Ao longo dos grandes rios e nas plan í cies costeiras, os castores n ão costu ¬
mam construir represas, mas vivem em tocas nas margens dos rios, tornando-se
assim essencialmente animais de águas correntes.
508

À medida que o homem foi « desbravando » o continente , o castor foi pratica-


mente extinto em grandes á reas, embora este mam í fero esteja agora a recuperar , espe ¬
cialmente à medida que as terras agr í colas marginais s ã o abandonadas em favor da
floresta ou do desenvolvimento urbano. As represas dos castores s ã o um componente
muito ú til das á reas naturais, porque actuam como reservat ó rios de á gua e corta fogos ,
e proporcionam habitat aos mam í feros aqu á ticos e peixes . Todavia, o alagamento de
matas e terras de cultura relega , muitas vezes, o pobre do castor para a categoria de
« praga » e provoca aquilo que o autor gosta de chamar « o s í ndroma do dique dos
castores » , com isto querendo significar que o homem quando, numa acçã o precipitada ,
destr ó i os seus diques ou a ç udes provoca uma press ã o maior sobre o ambiente . De
acordo com Wilde e colaboradores ( 1950 ) , drenagens s bitas, que baixam o n í vel
fre á tico e secam o solo, s ã o especialmente nocivas para a vegeta çã o cujo sistema
radicular se tinha adaptado à humidade . Eis outro exemplo de um tipo de. pressã o
de « choque » que é mais prejudicial do que a mudan ça gradual. At é parece que repre ¬
sar os rios e destruir os a ç udes é um previl é gio a ser fru í do pelo homem, embora
n ã o pelos castores .

7. COMUNIDADES LÓTICAS ( ÁGUAS CORRENTES)

Comparação Geral entre os Habitats Lótico e Lêntico

N ã o é necess á rio ser-se um perito, nem é preciso fazer colheitas de todas as


v á rias manifesta ções de vida, para se apreciarem as diferen ças entre os habitats das
águas paradas e das águas correntes. A compara çã o entre um curso de água e uma
lagoa ou um lago constitui um excelente estudo ecol ógico, um estudo que por á em
evid ê ncia princí pios importantes. Uma turma de estudantes de ecologia, por exemplo,
pode muito proveitosamente passar um par de horas a estudar no campo cada tipo de
habitat . Por é m, os resultados serã o provavelmente muito mais satisfat ó rios se a turma
for dividida em «equipas» , cada uma delas incumbida de fazer a amostragem dos aspectos
físico- qu í micos e biol ógicos de uma parte ou zona considerada significativa. Assim , todos
constribuem para o estudo e ningu é m fica inactivo! Se esta amostragem de campo for
seguida de um pequeno trabalho de laborat ório, muitos dos aspectos mais significativos
dos dois meios tornar-se-ã o evidentes atrav é s do m étodo de compara çã o e contraste .
-
Quando se fizer o apuramento dos resultados , ver se -á que a comunidade bi ótica dos
cursos de água é bastante diferente da das lagoas, mesmo que a identifica çã o das plantas
inferiores e dos invertebrados seja levada apenas at é ao g é nero ( ou s ó at é à fam í lia).
A descoberta de diferen ças entre os organismos conduz , naturalmente , à verifica çã o
das diferen ças principais nos factores limitantes f í sicos e qu í micos. Isto, por sua vez,
509

deve sugerir diferen ças fundamentais, quanto aos arranjos das cadeias alimentares e às
vias a seguir no estudo da produtividade, nos dois tipos de ecossistema. Espera- se que
tudo isto possa estimular a vontade de voltar à lagoa e ao curso de água para mais
observações, ou mesmo para fazer explora ções bibliogr áficas!
Ao passo que muitas lagoas e lagos foram bem estudados como ecossistemas
inteiros, o caso é que muito poucos rios foram submetidos a semelhante tratamento,
porventura por serem na sua maioria, e em grande parte , sistemas incompletos , como
mais adiante se verá. Foram efectuados certo n mero de estudos excelentes nos cursos
de água, incidindo sobre as transfer ê ncias de energia nas cadeias alimentares, dando
ê nfase aos peixes, por autores como Allen (1951), Horton ( 1961) e Gerking ( 1962).
O Rio Tamisa em Inglaterra foi bastante bem estudado por um grupo de investigadores
iver Mann , 1964, 1965, 1969). Cummins et al. ( 1966) debru çaram -se sobre as rela ções
tró ficas num pequeno rio de floresta e o seu estudo constitui um bom guia para trabalhos
escolares. Podem construir -se rios experimentais em laborat ório ou ao ar livre, sendo tais
« microecossistemas » instrumentos de trabalho teis ( ver H . T . Odum e Hoskins, 1957;
Mclntire e Phinney, 1965; Davis e Warren , 1965). Dado que muitos rios na vizinhan ça
de á reas urbanas se encontram polu í dos em maior ou menor grau , o pequeno livro
Biology of Polluted Waters de Hynes (1960 ) constitui uma boa refer ê ncia para o
estudante principiante .
Em geral, as diferen ças entre cursos de água e lagoas andam à volta de um
conjunto de tr ê s condi ções: ( 1) a corrente revela - se de muito maior import â ncia como
factor limitante e de controlo nos cursos de água; ( 2 ) a permuta terra-água é relativa ¬
mente mais extensa nos cursos de água, originando um ecossistema mais «aberto» e
um tipo «heterotr ófico» de metabolismo da comunidade (ver Figura 3-10, página 106);
e ( 3) a tensã o de oxig é nio é geralmente mais uniforme nos cursos de água e n ão existe
ou é muito fraca a estratifica çã o t é rmica e qu í mica . Discuta-se , resumidamente, por esta
ordem cada uma delas.
1. Corrente. Embora a exist ê ncia de uma corrente definida e cont í nua seja ,
naturalmente , a caracter í stica marcante dos habitats l óticos, os cursos de água e os
lagos n ã o sã o nitidamente diferenciados quanto a este aspecto. De facto, a velocidade
da corrente varia muito em diferentes partes do mesmo curso de água ( tanto longitu ¬
dinalmente como transversalmente ao eixo da corrente ) e de momento para momento.
Nos grandes cursos de água ou rios a corrente pode ser t ão reduzida que , praticamente ,
se verifiquem as mesmas condi ções das águas paradas. Pelo contrá rio, a acção da ondu ¬

la çã o ao longo das margens rochosas ou arenosas dos lagos (especialmente na ausê ncia
de plantas com raiz suscept í veis de amortecer a acçã o das ondas ) pode. virtualmente ,
reproduzir , tal e qual , as condi çõ es pr ó prias das á guas correntes. Consequentemente ,
os organismos que poderiam ser normalmente considerados pr ó prios de lagoas encon ¬
tram - se , muitas vezes, em zonas estagnadas dos cursos de água e, por outro lado,
os animais pr ó prios dos cursos de água podem encontrar - se nos lagos nas partes batidas
510

pela ondula çã o. N ã o obstante , a corrente é o factor prim á rio mais importante que
( 1 ) estabelece a grande diferen ça entre a vida nos cursos de água e nas lagoas e ( 2 ) con ¬
diciona as diferen ças entre as vá rias partes dum dado curso de água. Por isso, é
certamente um factor digno de medida e da maior aten ção .
A velocidade da corrente é determinada pelo declive do terreno, pela rugosidade
do leito do curso de água e pela profundidade e largura do leito. Tê m sido propostos
vá rios tipos de dispositivos medidores da corrente , por é m , é dif í cil medir a velocidade
por baixo das pedras e nas fendas onde vivem os organismos. Em qualquer ponto consi ¬
derado, verifica -se a exist ê ncia de uma « microestratifica çã o» da corrente . No que diz
respeito aos peixes ou à natureza geral da comunidade do curso de água , ao longo de
uma extensão apreciá vel , o desn í vel da superf í cie fornece, s ó por si , um bom í ndice
das condi ções m é dias da corrente . O declive em metros por quil ó metro ( ou unidades
menores), por exemplo, pode ser determinado facilmente a partir das cartas topogr á ficas,
ou medido no campo com instrumentos simples. Em Ohio, por exemplo, Trautman
( 1942 ) verificou que* a distribui çã o do achig ã e de outros peixes estava nitidamente
correlacionada com a velocidade da corrente. O achig ã de boca pequena ( Micropiterus
salmoides), por exemplo, foi encontrado em abund â ncia nos tro ços do curso de água
com declives de 1,3 a 3,8 metros por quil ó metro; quase nunca foi apanhado onde o
declive era inferior a 0,5 ou superior a 4,7 metros por quil ó metro.
2. Permuta terra-água. Como a profundidade da água e a á rea da secçã o trans¬
versal dos cursos de água s ã o muito menores do que as dos lagos, a zona de contacto
terra-água nos cursos de á gua é relativamente grande em propor çã o com o tamanho
do habitat . Isto quer dizer que os cursos de água est ão mais intimamente associados
com a terra circunvizinha ( Figura 11-2) do que a maioria das massas de água parada.
De facto muitos cursos de água dependem consideravelmente de á reas de terra e de
lagoas, águas represadas e lagos associados, no que respeita à obten ção de grande parte
da respectiva energia b ásica. Os cursos de água t ê m , sem d vida , os seus pr ó prios produ ¬
tores, como as algas verdes filamentosas fixas, diatom á ceas incrustadas e musgos aqu á ¬

ticos, embora estes sejam em geral insuficientes para suportar a grande quantidade
de consumidores existentes. Muitos dos consumidores prim á rios dos cursos de água
alimentam -se de detritos que dependem , em grande parte , dos mat é riais org â nicos da
vegeta çã o terrestre que para eles sã o arrastados ou neles caem ( ver Hynes, 1963; Minshall.
1967). Às vezes, sã o importantes o pl â ncton e os detritos que entram no curso de água
vindos de outras águas mais paradas. Por outro lado, os rios « exportam » energia sob
a forma de insectos emergentes e de seres vivos eliminados por depradadores de respi ¬
ra ção a é rea ( ver Figura 11 -2). Assim , os rios formam um ecossistema aberto que est á
interligado com sistemas terrestres e l ê nticos. Por esta razã o, as determina çõ es da
produtividade devem tomar em considera çã o as margens e massas de água parada
adjacentes. A import â ncia deste conceito de ecossistema de « bacia hidrogr á fica » foi
real çada no Cap í tulo 2. Mann ( 1969 ) calcula que o Rio Tamisa, que é muito produ -
511

tivo e densamente povoado por peixes e moluscos, depende tamb é m, em metade


do seu fluxo de energia, do material «alóctono», isto é de mat é ria orgânica externa
à corrente, como sejam folhas e esgotos urbanos s ólidos, e assim, depende mais dos
detritos do que dos produtores aquáticos (Capítulo 3 ). Num rio da Ge órgia, rece ¬

bendo somente pequenas quantidades de esgotos urbanos e nã o recebendo esgotos


industriais, Nelson e Scott ( 1962) verificaram que os consumidores de primeira
ordem recebiam 66 por cento da sua energia da mat é ria orgânica aló ctona, consti ¬

tuí da principalmente por folhas.

3. Oxigénio. Embora os organismos dos cursos de água tenham de enfrentar


condi ções mais violentas, no que se refere à corrente e à s temperaturas, do que os
organismos das lagoas, o teor em oxigénio não costuma ser, em condiçõ es naturais,
t ã o vari ável nos cursos de água. Em virtude da pouca profundidade, da grande super ¬

fí cie exposta e do movimento constante, os cursos de água apresentam, no geral, abun ¬

dância de oxigénio, mesmo quando não existem plantas verdes. Por esta raz ão, os ani ¬

mais das águas correntes possuem, como regra, uma margem de toler ância pequena,
sendo especialmente sensí veis à car ência de oxigé nio. Assim, as comunidades dos
cursos de água s ão particularmente suscept í veis e rapidamente modificadas por
qualquer tipo de poluição orgânica que reduza a concentração em oxigé nio ( ver Fi ¬

gura 16- 6). Como é do conhecimento p blico, as correntes de água s ã o as primeiras


v í timas da urbanização. A restauração da sua qualidade exigir á uma grande disponi ¬

bilidade financeira e esfor ço humano que ainda nã o é evidente. Voltar - se - á a este


assunto na Parte 3.

Natureza das Comunidades Lóticas

Como se indicou na análise sobre a zonagem aquática, na Sec ção 2 deste capí tulo,
os cursos de água possuem em geral dois habitats principais: os r ápidos e os remansos.
Consequentemente, falando na generalidade, podem- se considerar em primeira aproxi ¬

mação dois tipos de comunidade: as comunidades dos r ápidos e as comunidades dos


remansos. Alguns dos organismos caracter í sticos destes dois tipos de comunidades v êm
apresentados na Figura 11- 12 . Dentro destas categorias gerais o tipo do fundo, seja de
areias, calhaus, argila, laje rochosa, ou cascalho, tem muita import ância na determina¬
ção da natureza das comunidades e na densidade populacional dos respectivos domi ¬

nantes. À medida que os cursos de água se aproximam das condições do n í vel de base,
a distin ção entre r á pidos e remansos torna- se cada vez menor, at é que um habitat
do tipo canal se instala nos grandes rios. O biota de um rio do tipo canal asseme ¬

lha- se ao dos r ápidos, excepto na distribuição populacional que é fortemente do tipo


«agregado», devido à frequente aus ê ncia de substratos firmes.
512

A corrente é o principal factor limitante nos r á pidos, por é m o fundo duro, sobre ¬
tudo se for formado por pedras , pode oferecer superf í cies favorá veis para os organismos
( tanto plantas como animais ) se fixarem . O fundo brando , de superf í cie pouco firme
e vari á vel , das zonas de remanso limita geralmente os organismos b ê nticos mais
pequenos à forma de escavadores de galerias, por é m , a água mais funda , correndo mais
lentamente , é mais favor á vel ao n é cton , neuston e pl â ncton . A composi çã o das comuni ¬

dades dos r á pidos é , provavelmente , 100 por cento diferente da das zonas de águas
calmas das lagoas e dos lagos. Consequentemente , consideram-se os organismos das
comunidades dos rá pidos como organismos « t í picos» dos cursos de água. As comuni ¬

dades dos remansos, por outro lado, podem conter alguns organismos que tamb é m
ocorrem nas lagoas. Por exemplo, os cole ó pteros girin í deos «giram » tanto à superf í cie
de um trecho de águas calmas de um remanso como à superf í cie das zonas litorais
das lagoas, enquanto que o peixe sol , peixe t í pico das lagoas , també m habita os mais
fundos remansos dos cursos de água.
Em igualdade de outras condi ções, a areia ou o lodo sã o geralmente o tipo de
fundo menos favor á vel , suportando o menor n mero de espé cies e de indiv í duos de
plantas e de animais bê nticos. O fundo argiloso é , na generalidade , mais favor á vel
do que a areia ; os calhaus rolados ou achatados apresentam , normalmente, a maior
variedade e a mais alta densidade de organismos de fundo. Em regra , os invertebrados
b ê nticos t ê m uma densidade maior nas comunidades dos r á pidos, enquanto que o n é cton
dos cursos de água e as formas escavadoras de galerias, como sejam os bivalves ,
insectos escavadores de galerias Odonata e Ephemeroptera , s ã o mais abundantes nos
remansos. Os peixes de rio procuram , normalmente , ref gio nos remansos e alimen ¬

tam - se nos rá pidos ou no seu termo, estabelecendo assim uma liga çã o entre as comuni ¬
dades dos remansos e dos rá pidos.
Podia supor - se que o pl â ncton deveria estar ausente dos cursos de água , visto
que tais organismos se encontram à mercê da corrente . Embora seja certo que o pl â ncton
é muito menos importante na economia de um curso de á gua , quando comparado com
a sua posi ção dominante nos ecossistemas dos lagos, os cursos de água possuem de
facto pl â ncton . Nos pequenos cursos de á gua o pl â ncton , quando presente , tem a sua
origem em lagos , lagoas ou águas represadas a eles associados, e é rapidamente destru í do
assim que passa por r á pidos . Apenas nos trechos de corrente fraca dos cursos de água
e nos grandes rios, o pl â ncton é capaz de se multiplicar e assim se tornar parte inte ¬

grante da comunidade . Apesar da natureza transit ó ria da maioria do pl â ncton das corren ¬

tes , ele pode , nalguns rios , constituir uma fonte de alimento de certa import â ncia . No Rio
Illinois , o pl â ncton é continuamente reabastecido em grandes quantidades a partir de
uma s é rie de lagos produtivos de plan í cies inundadas que comunicam com o rio. No Rio
Mississipi e seus grandes afluentes , pelo menos uma espé cie de peixe , o primitivo
e ú nico Polyodon , alimenta - se em grande parte de zoopl â ncton .
Os organismos das comunidades dos r á pidos , e em menor grau os que integram
513

comunidades dos remansos, apresentam adapta ções que lhes permitem manter a sua
posi çã o em á guas r á pidas . Algumas das mais importantes s ã o :

1 . Fixação permanente a um substrato firme, como uma pedra , cepo, monte


de folhas , etc. Nesta categoria devem incluir-se as principais plantas produtoras dos
cursos de água, a saber : ( 1 ) algas verdes fixas, como Cladophora, com os seus longos
filamentos rastejantes; ( 2 ) diatom á ceas incrustantes, cobrindo diversas superf í cies ;
e ( 3 ) musgos aqu á ticos do g é nero Fontinalis e outros, que cobrem as pedras , mesmo nas
correntes mais fortes. Alguns animais tamb é m se fixam , como por exemplo esponjas
de água- doce e larvas de tricó pteros que cimentam os seus casulos às pedras.
2. Ganchos e ventosas. Um grande n mero de animais dos rá pidos possui
ganchos ou ventosas que lhes permitem agarrar-se a superf í cies, mesmo aparentemente
lisas . Repare -se no n mero de animais da Figura 11- 12 que est ã o assim equipados.
As duas larvas de d í pteros, Simulium e Blepharocera, e o tricó ptero, Hydropsyche ( ver
Figura 11 - 12 ), sã o especialmente not á veis quanto a este aspecto e sã o muitas vezes
os ú nicos animais capazes de aguentar a viol ê ncia dos r á pidos fortes e das quedas de
água. O Simulium, n ã o s ó tem uma ventosa na parte posterior do corpo, como també m
disp õ e da possibilidade de se agarrar por meio de um fio de seda . No caso de ser desa ¬
lojada , a larva á pode consegue evitar ser arrastada a grande dist â ncia pela corrente
gra ças a essa «corda de salva çã o» e , por este meio, voltar para lugar seguro. Al é m dos
ganchos, os Hydropsyche constroem uma rede à sua volta que serve de ref ú gio e també m
de armadilha para diversos animais e plantas suspensos na água.
3. Superf ícies ventrais pegajosas. Muitos animais são capazes de aderir à s super ¬
f í cies por meio das suas partes ventrais pegajosas . Constituem exemplos os caracó is
e os vermes chatos.
4. Corpos fusiformes. Quase todos os animais dos cursos de água , desde as
larvas de insectos aos peixes, apresentam um aerodinamismo bem acentuado, que se
caracteriza pela forma mais ou menos ovoide , com o extremo anterior largamente
arredondado e estreitando gradualmente para tr ás, assim oferecendo a menor resist ê ncia
à corrente de água.
5. Corpos achatados. Al é m do tipo fusiforme , muitos animais dos r á pidos
t ê m o corpo extremamente achatado que lhes permite obter ref ú gio debaixo das
pedras, em fendas, etc. Assim , o corpo das ninfas de mosca de pedra e de ef é meras
que vivem em correntes fortes é muito mais achatado do que o corpo das ninfas das
esp é cies afins que vivem nas lagoas.
6. Reotaxia positiva ( rheo, corrente; taxis, desloca ção ). Os animais dos cursos
de água quase sempre se orientam em direcçã o à origem da corrente e , se sã o capazes
de movimentos natat ó rios, movem -se continuamente contra a corrente . Isto é uma
norma de comportamento caracter í stica. Em contraste , muitos animais das lagoas ,
quando colocados num curso de água , deixam -se levar pela corrente n ã o tentando
sequer orientar-se ou mover-se contra ela. Um tipo de comportamento caracter í stico

33
514

m
5
6

B
2

Figura 11- 12. Alguns animais caracteristicos de cursos de água. A. G é neros representativos das
comunidades de r á pidos, ilustrando vá rias adaptações à vida em correntes r á pidas. Este grupo é muitas
vezes chamado, apropriadamente, «fauna torrencial ». 1. Uma larva de pequena mosca de gado, Simulium
(Simuliidae ) e a sua pupa ( à direita ) num casulo fixo à rocha ; repare -se na ventosa existente na extre ¬
midade posterior da larva e nos «leques» existentes na cabe ça, com os quais apanha alimento da água .
2. Uma larva de blefarocer í deo, Bibiocephala ( note-se a fiada de ventosas ventrais). 3. Uma « moeda da
água » , Psephenus, a larva de um cole ó ptero dos r á pidos ( Psephenidae ). 4. Uma larva de tricó ptero,
Hydropsyche e a rede que tece ( a abertura fica voltada para a corrente ), com o respect ívo abrigo. 5. O
casulo de um tricó ptero, Goera , com pedrinhas aderentes, que servem de lastro. 6. Uma ninfa de efeme-
r ó ptero, Iron, e 7, uma ninfa de plecó ptero, lsogenus, ambas com corpos achatados e linhas favor áveis
à corrente , adaptadas para se agarrarem à face inferior das pedras. ( Nota: a maioria das ninfas de ple -
có pteros apresentam duas « caudas» e a maioria das ninfas de efemer ó pteros ff ês, como se v ê em 5- 1.
Iron é at í pica a este respeito). 5. Dois tipos que escavam galerias e vivem nas margens da corrente ou
no fundo dos pegos. 1. Uma ninfa mineira de efemer ó ptero, Hexagenia. 2. Uma ninfa mineira de tira - olhos,
Progomphus ( Reproduzido de Robert W . Pennak , « Fresh - water Invertebrates of the United States» , 1953,
The Ronald Press Company .)
515

da reotaxia positiva é precisamente uma adapta çã o t ã o importante como as caracter í s -


ticas morfol ógicas acima citadas.
7 . Tigmotaxia positiva ( tigmo, toque , contacto ) . Muitos animais dos cursos
de á gua t ê m uma norma de conduta caracter í stica , que consiste em se ajustarem a
uma superf í cie , mantendo o corpo em completo contacto com ela . De facto, quando
se coloca um grupo de ninfas de mosca de pedra de rio num recipiente , as ninfas
procuram contactar com a parte inferior de raminhos , detritos , ou o que lhes for
acess í vel , ou at é mesmo aderir umas à s outras se n ã o encontrarem mais nenhuma
superf í cie dispon í vel .
Thienemann ( 1926 ) , limnologista alem ã o , no seu admir á vel ensaio sobre
'< o regato» , salientou que a adapta çã o à vida dos cursos de á gua , entre os animais,
pode ter sido originada de duas maneiras . Em primeiro lugar , as estruturas especializadas
e as reacções fisiol ógicas podem ter aparecido, atrav é s da selecçã o natural , em ordens
e fam í lias muito diferentes n ã o adaptadas naturalmente à s águas correntes . 0 desen ¬

volvimento filogen é tico nos d í pteros, desde as mais simples pregas de tegumento à s
complicadas ventosas , constituiria um exemplo. Em segundo lugar , é poss í vel que os
animais já possu í ssem uma forma ou fun çã o favorá vel , o que lhes ter á permitido ocupar
á guas de corrente forte , sem necessidade de mais altera ções . Thienemann chamou a esta
pr é-adapta çã o o « princ í pio do aproveitamento das vantagens» ( Ausnutzimgsprinzip ) .
0 grupo dos caracó is possui um « p é » viscoso, independentemente do meio em que
vivam . Deste modo, os caracó is , os vermes chatos, etc. , n ã o t ê m mais do que «aprovei¬

tar a vantagem » do seu atributo bá sico para que possam incluir - se nas comunidades
dos cursos de água.

8. ZONAGEM LONGITUDINAL NOS CURSOS DE ÁGUA

Nos lagos e nas lagoas, a zonagem mais importante é a horizontal , enquanto que
nos cursos de á gua é a longitudinal . Assim , nos lagos as zonas sucessivas , desde o centro
para as margens, representam , de certo modo, etapas geol ógicas cada vez mais antigas
no processo de colmatagem. Do mesmo modo, nos cursos de água encontram -se estados
de desenvolvimento progressivamente mais velhos, desde a nascente at é à foz. As alte ¬

ra ções sã o mais pronunciadas na parte superior dos cursos de água , porque o declive ,
o caudal e a composi çã o qu í mica variam rapidamente . A altera çã o na composi çã o
das comunidades costuma ser mais marcada nas primeiras do que nas ltimas cin ¬

quenta milhas.
Pode - se escolher , como exemplo caracter í stico, a distribui çã o longitudinal de
peixes num curso de á gua. Shelford ( 1911 a ) e Thompson e Hunt ( 1930 ) fizeram estudos
desse tipo em diversos rios de Illinois, onde a varia çã o do caudal n ã o diferia muito
da nascente à foz. As espé cies da parte superior dos cursos de água mostravam , geral -
516
Quadro 11-2
Distribuição Longitudinal de Esp é cies de Peixes em «Little Stony Creek»

Esta ções 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14

PH 5,6 5,6 5,8 5,8 5,9 6,2 6,4 6,6 7,0 7,0 7,1 7,2 7,2 7,4

Temperatura (° C) 15 15 16 16 17 18 18 18 18 19 19 20 20 21

Salvelinus f. fontinalis X X X X X X X X X X
Rhinichthys atratulus obtusus X X X X X X
Catonotus f flabellaris X X X X

Salmo gairdnerii irideus X X X X X X X

Cottus b. bairdii X X X
Campostoma anomalum X X

Notropis albeolus X

Rhinichthys cataractae X

Catostomus c. commersonnii X

* De Burton e Odum ( 1945). A dist ância entre estações consecutivas é de uma milha aproximadamente.

mente, grandes margens de tolerâ ncia e foram encontradas ao longo de todo o curso,
enquanto que outras espécies ocupavam troços sucessivos do mesmo. Thompson e Hunt
observaram que o n mero de indiv í duos diminu í a para jusante, mas que o tamanho
dos peixes aumentava , de maneira que a densidade de biomassa se conservava mais
ou menos constante. O Quadro 11-2 mostra a distribui çã o de peixe num rio das mon ¬
tanhas da Virg í nia. Verifica-se uma n í tida varia çã o longitudinal que est á relacionada
com um forte gradiente de temperatura , a velocidade da corrente ( maior no extremo
superior do curso ) e o pH . As temperaturas baixas e as correntes rá pidas limitam
o peixe, ao longo do troço superior de grande altitude do « Little Stony Creek », a
um n mero relativamente pequeno de esp é cies ( truta das nascentes e outras es¬
p é cies de águas r á pidas constantes do Quadro 11-2 ). A substitui çã o longitudinal de
espé cies n ã o é uma quest ã o de altera çã o uniforme e cont í nua ; podem reaparecer,
a intervalos , condi çõ es e popula çõ es caracter í sticas, como o indica a distribui çã o
descont í nua de algumas esp é cies.
Um estudo muito instrutivo de zonagem longitudinal dos invertebrados de um
rio pode ser feita por uma turma de ecologia . As esta ções de amostragem devem ser
escolhidas, a intervalos, ao longo das margens da parte superior de um pequeno rio
e cada grupo deve colher amostras com t é cnica semelhante . Os resultados devem ser
inscritos num Quadro como o 11-2 e submetidos a diferentes tipos de an á lise de gra ¬
diente, como se descreve no Cap í tulo 6, Secçã o 3.
517

9. NASCENTES

As nascentes sã o os laborat ó rios naturais de temperatura constante dos ecolo ¬

gistas das á guas. Devido à relativa const â ncia da composi çã o qu í mica , da velocidade
da água e da temperatura , em compara çã o com os lagos, rios, ambientes mar í timos
e comunidades terrestres, as nascentes ocupam uma posi çã o importante , como á reas
de estudo, que n ã o tem propor çã o com o seu tamanho e n mero. Um relato sobre o
metabolismo da comunidade existente num grande manancial da Florida foi dado em
cap í tulos anteriores ( ver especialmente páginas 223- 226 e 450). Estes estudos foram
os pioneiros do que se denomina frequentemente por m étodo « tr ó fico- din â mico»
de estudo dos ecossistemas .
Muitas nascentes, como os grandes mananciais calcá rios da Florida, parecem
ter atingido um estado estacion á rio, com r á pido crescimento de organismos, mas com
popula ções constantes ( H . T. Odum , 1957). Na pr ó pria nascente , os organismos n ã o
modificam o seu ambiente , dando origem à sucessão, visto que a água modificada pela
fotoss í ntese e respiração é levada pela corrente e substitu í da por água recente vinda
do subsolo com as mesmas propriedades. Estas circunst â ncias tornam poss í vel estudar
comunidades inteiras em condições constantes e conhecidas. O custo da montagem de
semelhante sistema em laborat ó rio seria proibitivo .
Alguns tipos de nascentes que se conhecem são : ( 1) nascentes termais, em re ¬
gra com alta salinidade , situadas em á reas vulcâ nicas como a Islâ ndia, Nova Zelâ ndia ,
regi ã o ocidental dos Estados Unidos e Norte de Á frica ; ( 2 ) as grandes nascentes de
água dura nas regi ões calcá rias da Florida, Dinamarca e Norte da Alemanha , tendo tem ¬
peraturas m é dias da regi ã o onde ocorrem ; e ( 3 ) pequenas nascentes de água doce
emergindo entre argilas xistosas, arenitos ou rochas cristalinas; devido ao seu pequeno
tamanho, estas nascentes sã o mais afectadas pelo ambiente circundante e a sua
comunidade depende, quase totalmente, das entradas de mat é ria orgâ nica de origem
terrestre ( ver Teal , 1957).
As nascentes termais proporcionam microcosmos est á veis sob condi ções
extremas, que apresentam um interesse especial para o bi ó logo em liga ção com as
teorias acerca da ouigem da vida e da possibilidade da sua ocorr ê ncia em outros pla ¬
netas ( ver Cap í tulo 20). Os estudos sobre as águas termais estabeleceram, para a
sobrevivê ncia e propaga ção de diversos tipos de organismos, as seguintes toler â ncias
ecol ógicas superiores para a temperatura:
Graus F Graus C

Bact é rias 190 88


Algas azuis- verdes 176 80
Protozoá rios 129 54
Insectos 122 50
Peixes 122 50
518

Devem ser feitas duas observa çõ es ao considerar os dados anteriores. ( 1) Muitos


microrganismos podem sobreviver à temperatura de 90 °C por per í odos breves , mas
n ão são conhecidas espé cies que se mantenham indefinidamente acima desta tem ¬

peratura. ( 2 ) O seu ó ptimo é sempre menor ( ver Figuras 5- 1 e 5-3 ). A temperatura


ó ptima para as algas azuis- verdes, també m denominadas azuis , nas nascentes t é r ¬
micas de Yellowstone é de 54 °C. Na zona em que a temperatura varia entre 40 e
57 °C nas nascentes termais de Lower Geyser Basin do Yellowstone National Park,
Wyoming , as algas azuis formam camadas espessas que suportam uma comunidade
nica , agora objecto de estudo intenso por R. J . Wiegert e M . L. e T . D. Brock ( veja
Brock , 1967 a, e Brock , Wiegert e Brock , 1969) e os seus alunos . Neste leito de algas
foram encontradas, at é hoje, sete esp é cies de algas ( Mixof í cea ), oito esp é cies dc
d í pteros ( tr ê s espé cies de Efidr í deos, trê s espé cies de Dolicopod í deos e duas espé cies
de Quironom í deos ), duas espécies de á caros aqu á ticos ( Parasitoga ) e uma esp écie
de himen ó ptero parasita ( Calcid í deos ), segundo informa çã o de R. J . Wiegert n ã o
publicada. As bact é rias est ã o representadas por muitas formas unicelulares , mas
n ão são t ão numerosas como nas zonas mais quentes. A principal cadeia alimentar
tem as algas azuis como produtoras, uma mosca de águas salinas ( Paracoenia t úr ¬

bida ) como herb í voro principal , e outro insecto como principal predador ( Trachy-
trechus angustipetmis ) que se alimenta de larvas e adultos do insecto herb í voro.
Os á caros adultos t ê m como alimento os ovos dos insectos , ao passo que os jovens
ácaros e as larvas das vespas parasitam as larvas das moscas. Assim, este ecossistema
simples de águas quentes tem todos os ingredientes para o equil í brio bi ó tico. De
forma um tanto estranha, os insectos n ã o est ã o particularmente adaptados à s altas
temperaturas ( ó ptimo de 30 a 35 °C); os ovos e as larvas desenvolvem - se em lugares
frescos, onde as algas emergem da água e os adultos escapam à s altas temperaturas ,
deslocando-se sobre a superf í cie das camadas de algas .
Num ambiente de temperatura constante, como é o caso das grandes nascentes,
é poss í vel separar os efeitos da luz e da temperatura . Com efeito, nas nascentes termais
da Isl â ndia, Tuxen ( 1944) observou que a temperatura permanecia constante e favor á vel
ao crescimento de algas durante o longo Inverno, embora a luz fosse escassa para a
fotoss í ntese . Consequentemente, a densidade populacional das algas diminuía no
Inverno e a popula çã o animal via -se reduzida a um baixo n í vel por falta de alimento
e oxig é nio. Verificou -se existir nas nascentes de temperatura constante da Florida
( H . T . Odum , 1957) um ritmo semelhante, embora menos pronunciado, em mat é ria
de varia ções sazonais da luz.
A composi çã o da comunidade da corrente originada por uma nascente varia
à medida que v ã o variando as condi ções corrente abaixo, tal como se verifica em qual ¬

quer curso de água ( ver a secçã o anterior ). No entanto, as condi ções da corrente de
uma grande nascente conservam-se relativamente mais constantes, qualquer que seja
o ponto considerado, produzindo um tipo de sucessão em fases est á veis . As cor-
519

rentes originadas pelas fontes termais proporcionam um gradiente ecol ógico natural
'

que varia , desde condi ções de altas temperaturas e salinidades , at é baixos valores
daqueles dois parâ metros.
A temperatura constante das nascentes permite que os organismos existam em
regi ões onde , de outro modo, n ã o poderiam viver. Assim, em nascentes da Alemanha
existem insectos á rcticos devido à s temperaturas mais baixas que a í se registam no
Verão, e nas nascentes termais da Isl â ndia ocorrem organismos de climas mais quen ¬

tes. Parece n ã o haver d vida de que as nascentes facultaram ref gio a organismos
aqu á ticos durante os per í odos geol ógicos em que se deram altera çõ es de clima .
Na Figura 4-8S, mostram-se as relações quantitativas entre as á guas que circulam
no solo e alimentam nascentes e cursos de água. Embora se calcule que o dep ósito
subterrâ neo seja umas 10 vezes maior do que o depósito das á guas continentais de
superf í cie, ainda assim , é muito menor do que o que se encontra nas camadas de gelo
polar. A taxa de recarga das águas que circulam no solo é bastante mal conhecida e
necessita de investiga çã o ( as oportunidades de estudo proporcionadas pelo tra çador tr í - *
t
tio foram mencionadas na página 98) , mas é certamente muito mais lenta do que para
a maioria das á guas de superf í cie. Como tem sucedido com a maior parte das outras
coisas , o homem est á a explorar este recurso, sem pre ço, como se fosse ilimitado.
Devida às baixas taxas de recarga , a bombagem intensiva em poços profundos faz
baixar rapidamente o len çol fre á tico. N ã o deveria ser permitido por mais tempo o
uso de água subterrâ nea para fins industriais, desde que haja abundante água de
superf í cie suscept í vel de ser usada e reciclada , ou a menos que a á gua seja devolvida
aos aqu í feros subterrâ neos. Al é m disso, como já foi mencionado, o armazenamento
de água no subsolo tem muitas vantagens em rela çã o à constru çã o de grandes albu ¬
feiras, que sofrem grandes perdas de água por evaporação e destroem , al é m do mais,
valiosas terras de agricultura e floresta .

1
521

Capí tulo 12 - ECOLOGIA MARINHA (*)

1 . O MEIO MARINHO

Durante s éculos, o homem viu ó mar como uma superfície sempre agitada
que primeiro impediu e depois auxiliou os seus esfor ços para explorar o mundo.
I Aprendeu , igualmente , que o mar era uma fonte de alimento que podia ser recolhido,
i
|à custa de grande esforço, para complemento dos produtos da terra e da água doce.
Os biologistas cedo ficaram surpreendidos com a extraordiná ria variedade de vida

ique se encontra ao longo das costas e nos recifes de coral. Os estudos no mar tor-
naram -se uma parte tradicional da forma ção profissional avan çada nas ci ê ncias bioló¬
'

gicas. Mesmo assim, o mar continuava a ser, em grande parte e para o conhecimento
geral, um reino misterioso habitado por toda a espé cie de serpentes marinhas. Foi
só em 1872 que o navio Challenger da Marinha Real Inglesa, um dos primeiros barcos
especificamente equipados para estudos no mar, iniciou as suas, hoje famosas, via ¬
gens. Desde esse tempo, o estudo do mar prosseguiu com um ritmo crescente,
auxiliado por numerosos barcos oceanográficos tripulados por cientistas de muitas
nações e també m por laborat órios marinhos na costa. O progresso foi particularmente
rápido a partir de 1930, com o desenvolvimento de material sofisticado, como os
equipamentos electr ó nicos, as câ maras de fotografia e de televisão subaqu áticas e
redes para amostragem rá pida a grandes profundidades.
Os oceanos, enquanto sistemas físicos e qu í micos , v ão sendo compreendidos
cada vez melhor, JQ O conhecimento da vida no mar cresce lentamente. As ideias
sobre a origem e a hist ó ria geológica dos oceanos sa í ram do campo da especulaçã o
!
I* ) A oceanografia trata do estudo dos mares em todos os seus aspectos f í sico , qu í mico , geol ógico
i e biol ógico . . A ecologia marinha destaca a totalidade , ou o padrã o , das rela çõ es entre os organismos
I: e o meio marinho.

í
I
522

para entrar numa teoria de base firme . O papel chave do mar no condicionamento
dos climas mundiais, da atmosfera e do funcionamento dos principais ciclos minerais,
foi destacado nos Cap í tulos 2, 3 e 4. À medida que o homem povoa e explora os
continentes, naturalmente « volta-se para o mar » ( como expressa o conhecido autor
Athelstan Spilhaus) em busca de mais minerais, alimento e mesmo espa ço vitaL
Como foi acentuado no Cap í tulo 3, grande parte do mar é «semi-deserto» e não
produzirá muito alimento sem despendiosos «subs í dios de energia ». De igual modo.
os depósitos minerais utilizá veis est ão largamente concentrados à volta das margens
continentais, devido à maneira como se depositaram as rochas mais ricas em min é rio:
tais depósitos nã o sã o ilimitados, nem se podem explorar sem grave risco de poluição
( como o provam derramamentos de petró leo cada vez mais frequentes, ver Smith.
1968 ). Como disse o ge ó logo Preston Cloud ( 1969) : « uma cornucó pia de minerais
debaixo do mar só existe em hipé rbole » . Conquanto a coopera ção internacional no
estudo e explora ção do mar avance, n ão existem nenhuns esfor ços internacionais
para a regulamenta çã o do uso do mar, sendo urgentes maiores progressos na lei
internacional mar í tima. A crescente evid ê ncia ecol ógica adverte o homem para a
necessidade de considerar os oceanos como uma parte integral do seu sistema global
de suporte de vida, e não como um inerte «depósito de abastecimentos» que está
ali meramente para ser utilizado. Por esta razão, o estudo dos mares devia constituir
um curso exigido aos cidad ãos e estudantes de todas as nações.
Sverdrup , Johnson e Fleming ( 1942 ) e Hedgpeth ( 1957 ) sã o autores de trabalhos
de referê ncia ainda hoje teis, tal como a colecção de artigos t é cnicos editada por
Hill ( 1962-1963 ). Igualmente, os livros mais pequenos de Coker ( 1947 ), Colman ( 19501
e Moore ( 1958 ) continuam a ser introdu ções com utilidade para o principiante. Muitos
textos recentes em oceanografia como, por exemplo, Dietrich ( 1963 ), King ( 1967 ) e Weyl
( 1970 ) acentuam aspectos f í sicos; faz-se sentir a necessidade de um livro actualizado
sobre oceanografia biol ógica. A edi çã o especial da Scientific American ( Setembro de
1969) fornece uma introdu ção semi- popular a «os oceanos». Nesta edi çã o Roger Revelle
fala do fasc í nio da profissã o :
«Os ocean ógrafos disp õ em do melhor de dois mundos o mar e a terra . Muitos
deles, tal como muitos marinheiros, consideram ainda extraordinariamente gratificante encon ¬
trarem-se longe da costa mais pró xima num desses pequenos, oleosos e inconfort á veis navios
da sua actividade, mesmo no meio de uma violenta tempestade , para já n ã o dizer num desses
maravilhosos dias nos Tr ó picos, em que o mar e o ar est ã o sorridentes e calmos. Creio que a
principal razã o é que , a bordo de um navio, tanto o passado como o futuro desaparecem .
Pouco pode ser feito para remediar os erros do passado; nenhum plano se pode acomodar á
imprevisibilidade dos navios e do mar. Viver no presente é a essê ncia de ser um homem
do mar » ( * ) .

( *) De « O Oceano » , por Roger Revelle . Copyright 1969 dc Scientific American . Inc. Todos os direito
reservados .
-
523

As caracter í sticas do mar com maior interesse ecol ógico podem enumerar -se
como se segue:
1. O mar é grande , cobrindo 70 por cento da superf í cie do Globo.
2. O mar é profundo ( ver Figura 12- 4 ) e a vida estende-se a todas as pro¬
fundidades. Embora, aparentemente, não existam zonas abi ó ticas no oceano, a vida
é muito mais densa junto à s margens dos continentes e ilhas.
3. O mar é cont í nuo, n ão separado como o s ão os habitats terrestres e de
água doce . Todos os oceanos est ã o ligados. A temperatura, a salinidade e a profundi ¬

dade sã o as principais barreiras para o movimento livre dos organismos marinhos .


4. O mar encontra- se em cont í nua circula çã o; as diferen ças de temperatura,
entre os polos e o equador , originam ventos fortes como os ventos al í seos ( que sopram
permanentemente na mesma direcçã o durante todo o ano) os quais, juntamente com
a rota ção da Terra, criam correntes definidas. Em acrescento à s correntes geradas à
superf í cie pelos ventos, existem correntes mais profundas , resultantes de varia ções
de temperatura e salinidade , que criam diferen ças de densidade . A interacçã o da for ça
do vento, da for ça de Coriolis, das correntes termo- halinas e da configura çã o f í sica
da bacia é muito complexa e n ã o necessita de ser tratada aqui ( ver Von Arx, 1962,
ou outra refer ê ncia em oceanografia f í sica). A circula çã o é t ão efectiva, que a deple ção
ou «estagna çã o» de oxig é nio, tal como ocorre frequentemente nos lagos de água
doce , é comparativamente rara nas profundidades oceâ nicas.
Na Figura 12- 1, mostram - se as principais correntes de superf í cie do Globo.
Not á veis sã o as correntes equatoriais que correm para leste e oeste e as correntes
costeiras que correm para norte e sul . Bem conhecidas sã o a Corrente do Golfo e o
seu Bra ço do Atl â ntico Norte que transportam água quente e temperam o clima nas
latitudes elevadas na Europa ; e també m a Corrente da Calif ó rnia que transporta á gua
fria para o sul , criando a faixa de nevoeiros caracter í stica desta costa . Em resumo, as
principais correntes actuam como gigantescas rodas dentadas , que rodam no sentido
dos ponteiros do rel ógio no hemisf é rio norte e no sentido contr á rio no hemisf é rio sul .
Um importante processo designado por «upwelling» ( circula çã o ascendente )
ocorre quando os ventos arrastam continuamente a água de superf í cie em direcção
oposta aos declives escarpados da costa, trazendo para a superf í cie água fria rica em
nutrientes que se acumularam nas profundidades. As á reas mar í timas mais produtivas
est ã o, muitas vezes, localizadas em regi ões de circula çã o ascendente , que ocorrem em
grande parte nas costas ocidentais, como é evidenciado pelas grandes pescarias em tais
regi õ es. A circula çã o ascendente produzida pela Corrente do Peru cria um dos mais
ricos pesqueiros do mundo ( ver no Quadro 3-11 uma estimativa da produ çã o deste pes ¬

queiro). Al é m disso, esta circula çã o ascendente suporta grandes popula çõ es de aves


marinhas, que depositam nas ilhas costeiras in meras toneladas de guano rico em
nitratos e fosfatos. Se n ã o fossem estas correntes, as circulaçõ es ascendentes e as
correntes profundas resultantes das diferen ças de temperatura e da salinidade da
524

pr ó pria água, todos os corpos e materiais passariam definitivamente para as profun ¬

dezas, levando os nutrientes para fora do alcance dos organismos « produtores » das
regi õ es f óticas superficiais. Deste modo, os nutrientes « perdem- se » de facto nos
sedimentos fundos por longos per í odos ( ver Cap í tulo 4).
Outro movimento da água que contribui para a fertilidade das costas, e que o
autor ( E. P. Odum, 1968 a ) denominou por « outwelling » ( circulação para fora ), é aquele
que ocorre quando águas de estu á rio, ricas em nutrientes, se deslocam para o mar
( ver o pr óximo cap ítulo).
5. O mar é dominado por ondas de vá rios tipos ( Figura 12-2) e mar é s cau¬
sadas pela atracçã o da Lua e do Sol. As mar é s sã o especialmente importantes nas
zonas costeiras, onde a vida mar í tima costuma ser particularmente variada e densa.
As mar é s sã o a principal causa das marcadas periodicidades que ocorrem nestas
comunidades e ocasionam os rel ógios biol ógicos ligados ao «dia lunar », como foi
examinado no Capí tulo 8. Como o per í odo das mar é s é de cerca de 12 [ h horas, as
mar é s altas ocorrem na maioria das localidades duas vezes por dia, dando- se um
atraso de cerca de 50 minutos em cada dia. Todas as quinzenas, quando o Sol e a
Lua «trabalham em conjunto», a amplitude das mar és é aumentada as chamadas
marés vivas, quando as mar é s altas são muito altas e as mar é s baixas muito baixas
ao passo que a meio desses per í odos quinzenais a diferen ça entre as mar é s baixa

e alta é a mais pequena as chamadas marés mortas , na altura em que as influ ê ncias
do Sol e da Lua tendem a anular -se uma à outra. A amplitude das mar é s varia desde
menos de 30 cm no alto mar , at é 15 m em certas ba í as muito fechadas. São muitos
os factores que modificam as mar é s, pelo que os tipos de mar é s variam entre os
diversos pontos da Terra . A primeira coisa que um ecologista do mar faz quando
trabalha numa zona costeira é consultar a tabela local de mar é s.
6. O mar é salgado. A salinidade ou o teor em sais é em m édia e em peso de
35 partes de sais por 1000 partes de água , ou seja de 3,5 por cento. Isto escreve-se
usualmente : 35 / oo (= partes por mil ; recorde-se que a salinidade da água doce é inferior
a 0,5 .%> < > ) Cerca de 27 %> <> é cloreto de sódio, sendo o restante constitu í do princi¬
palmente por sais de magn é sio, cá lcio e pot ássio. Como os sais se dissociam em i ões.
é prefer í vel apresentar a constitui çã o qu í mica do mar como se segue ( em partes por
mil = gramas por quilograma):

I õ es Positivos I õ es Negativos
( Catiões ) ( Aniões )

Sódio 10, 7 Cloreto 19 ,3


Magn é sio 1 ,3 Sulfato 2,7
C á lcio 0, 4 Bicarbonato 0, 1
Pot á ssio 0,4 Carbonato 0,007
Brometo 0, 07
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Figura 12-1. Principais correntes de superf í cie dos oceanos. Tamb é m se indicam as bacias de drenagem terrestres; quanto mais
escura é a respecliva representa çã o, maior c a corrente ( sa í da ) de á gua doce . As á reas claras (á ridas ) n ã o proporcionam qualquer drenagem
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Figura 12 2. O oceano é um ecossistema muito «fí sico ». A . As trocas entre a superf í cie do mar
e o ar s ã o especialmente importantes na regula çã o dos climas da Terra e da composiçã o da atmosfera .
B. A vida a bordo de um navio oceanográ f í co; descendo um aparelho de amostragem . ( Fotografias do
Woods Hole Oceanographic Institute .)
527

Como a propor ção dos radicais se conserva praticamente constante, a salinidade


lotai pode ser calculada pela determina çã o do teor em cloretos ( o que é mais fá cil
éo que determinar a salinidade total). Assim, 19 °/ oo de cloretião equivalem , aproximada-
mente, a 35 °/ oo de salinidade . A força de dissociação dos catiões excede a dos aniões
tem cerca de 2,4 miliequivalentes) o que explica o cará cter alcalino da água do mar
í normalmente pH = 8,2 ). A água do mar é també m fortemente tamponizada ( resistente
i varia çã o do pH ). Para al é m dos i ões atr ás mencionados, a água do mar cont é m , natu -
ralmente, numerosos outros elementos ( teoricamente todos os conhecidos) incluindo
os i ões biog é nicos, os quais aparecem, como regra, em t ão baixas concentraçõ es que
limitam a produ çã o primá ria ( ver páginas 197 e 202). Todos estes restantes i ões cons¬
tituem menos de 1 7oo da salinidade do oceano. Como seria de esperar, o tempo de
resid ê ncia ( ver página 146 para explicação do termo) dos sais é muito mais longo do
que o da pr ó pria água ( avaliados como sendo da ordem dos 107 e 104 anos, respecti-
vamente; ver Weyl, 1970 ).
Como a temperatura e a safinidade representam dois dos maiores factores limi-
tantes no mar, h á interesse em combin á-los graficamente "sob a forma de hidroclimo-
gramas, como pode ver-se na Figura 12-3. Cada pol ígono representa uma determinada ;;
localidade ; cada ponto, num dado pol ígono, indica o par de valores temperatura m édia

30
MIDWAY ,
OCEANO PAC Í FICO

RIO WILLAPA , BA Í A DE WILLAPA, PORTO ERIN ,


5 - WASHINGTONI ILHA DE MAN
_
OLIGOALINO
yH MESOAUN O POLIALINO MARINHO

O 5 IO 15 20 25 30 35 40
SALINIDADE %o

Figura 12 -3. Hidroclimogramas de temperatura salinidade para locais de estu á rio ( salobres)
e marinhos. Observe-se que a varia çã o sazonal quer na temperatura quer na salinidade é pronunciada
nos habitats de estu á rio, ao passo que a salinidade é virtualmente constante nos verdadeiros habitats
marinhos. (Reproduzido de Hedgpeth , 1951. )
528

mensal e correspondente salinidade ; 1 significa Janeiro e 12 Dezembro. Compa ¬

rem- se estes gr áficos com os climogramas de temperatura e humidade dos habitats


terrestres ( Figura 5- 10, página 199). Na Figura 12-3, observa-se que no mar alto a sali ¬
nidade varia dentro de limites muito estreitos, embora nas águas salobras dos estu á rios
e fozes dos rios se apresente muito variá vel segundo a esta çã o do ano. Os organismos
do mar alto sã o, em geral , estenoalinos ( isto é, t ê m pequenas margens de toler â ncia
quanto à varia çã o de salinidade ; ver Cap í tulo 5, Secçã o 2 ), ao passo que os organismos
das águas salobras do litoral sã o, em geral , eurialinos . A maioria dos organismos mari ¬
nhos cont é m um teor de sal semelhante ao da água em que vivem ( isto é , sã o isot ó-
nicos com a água do mar ) e n ão se põem , por isso, problemas de regula çã o osm ótica ,
excepto quando a salinidade est á sujeita a varia ções. Como já foi descrito ( página 481),
os peixes com esqueleto ósseo t ê m uma concentra çã o de sais mais baixa no sangue
e nos tecidos ( isto é , sã o hipot ó nicos), mas a regula ção faz-se por ingest ã o de água e
excre ção activa de sal atrav é s das guelras.
7. A concentra ção de nutrientes dissolvidos é baixa e constitui um factor limi-
tante sé rio da grandeza das populaçõ es marinhas. Posto que a concentra çã o em cloreto
de s ódio e outros sais mencionados no parágrafo 6 seja medida em partes por mil , os
nitratos, fosfatos e outros nutrientes sãò t ã o dilu í dos que apenas podem ser expressos
em partes por mil milh ões (*). Alé m disso, o seu tempo de resid ê ncia é muito curto, de
tal modo que a concentra çã o destes sais biog é nicos vitais varia grandemente de lugar
para lugar e de estaçã o para esta ção. Apesar de os nutrientes serem continuamente
arrastados para as águas do mar, a sua import â ncia como factores limitantes n ã o é
menor no ambiente marinho do que nos ambientes terrestres e de água doce. Como
foi mencionado no Capí tulo 2 , no mar alto a ra ã o bá sica da falta de fertilidade biol ó¬
gica geral est á na dimens ã o muito pequena da zona autotr ó fica relativamente à zona
de regenera çã o heterotr ófica dos nutrientes. Talvez, como que numa adapta çã o a esta
situa ção, o pl â ncton oce â nico criou um mecanismo de reciclagem dos nutrientes em
«circuito curto», bastante diferente do que se verifica na água pouco profunda ou em
terra, como foi descrito no Cap í tulo 4 ( ver página 164 e Figura 4- 11 ). Portanto, a baixa
concentra çã o dos nutrientes nã o significa necessariamente completa escassez, visto
que estes materiais sã o de tal modo « reclamados» por organismos eficientes no seu
aproveitamento que podem ser retirados da circula ção t ã o rapidamente como sã o
libertados. A descri çã o cl ássica do ciclo de nutrientes no mar , como foi bem apresen ¬

tada por Harvey em 1955, precisa assim de ser algo modificada, à luz de investiga çã o
mais recente ( ver Pomeroy , 1970). Como já se indicou , as correntes evitam a perda
definitiva de muitos nutrientes, embora o carbono e o sil í cio se possam perder devido
à deposi ção de conchas no fundo do oceano. Apenas em poucos lugares, de intensa

(*) Os nutrientes sã o medidos , na pr á tica, em microgramas-á tomos por litro ou cm miligramas-á tomos
por metro c bico .
529

circula çã o ascendente, os nutrientes s ã o t ã o abundantes em certas é pocas que o


fitopl â ncton n ã o consegue esgot á- los ( isto é, os nutrientes n ã o sã o limitantes ).
8. Paradoxalmente, o oceano e alguns grupos de organismos que ali vivem s ã o
mais antigos que o seu fundo , que est á constantemente a ser alterado e renovado por
processos tect ó nicos e sedimentares. Al é m disso, o fundo do oceano est á a estender-se ,
lentamente ao que parece, a partir das crist ã s oce â nicas, afastando os continentes à
medida que progride . Embora a teoria da « deriva dos continentes» seja antiga, apenas
recentemente teve aceita çã o geral por parte dos ge ó logos. De acordo com esta teoria,
por exemplo, o continente americano e a Á frica já estiveram juntos e t ê m -se afastado
ientamente , alargando a bacia do Atl â ntico . Esta teoria tem atra í do bastante os bi ó logos,
pois parece explicar certos aspectos da distribui çã o dos animais. Al é m deste afasta ¬
mento das margens, o n í vel do oceano tem variado consideravelmente à medida
que os glaciares se desenvolveram e definharam . H á cerca de 15 000 anos, o limite
da costa leste dos Estados Unidos da Am é rica encontrava-se cem ou mais milhas
para dentro do mar do que actualmente ; como se viu no Cap í tulo 2, a costa des ¬
locar -se - ia ainda mais para o interior da presente localiza çã o se todas as calotas de
gelo se fundissem .

2. O BIOTA MARINHO

O biota marinho é variado; consequentemente, seria dif í cil organizar uma lista
dos grupos «dominantes» , como se fez no caso da água doce ( ver Cap í tulo 11,
Secçã o 3). Celenterados, esponjas, equinodermes, anel í deos e outros fila menores,
que est ã o ausentes ou pobremente representados na água doce, sã o muito importan ¬
tes na ecologia do mar. As bact é rias, as algas, os crust áceos e os peixes t ê m um
papel dominante nos dois meios aqu áticos, sendo as diatomá ceas, os flagelados verdes
e os copé podes igualmente importantes em ambos . A variedade de algas ( das quais
as castanhas e as vermelhas sã o principalmente marinhas), crust áceos, moluscos e
peixes é maior no mar. Por outro lado, as plantas superiores ( espermat ó fitas) t ê m
pouca import â ncia no mar, exceptuando algumas espécies do g é nero Zostera e algu ¬
mas outras das águas costeiras. Os insectos est ão ausentes, excepto em água salobra,
sendo os crust áceos «os insectos do mar », ecologicamente falando. Pode-se apreciar
bem a grande riqueza do biota marinho comparando uma amostra de pl â ncton ma ¬
rinho com outra semelhante obtida num grande lago.
Alguns dos organismos marinhos mais comuns sã o apresentados na Figura
12-6, dispostos de maneira a ilustrar as relações tr óficas e de profundidade que
ligam todos os biotas num vasto ecossistema. Este diagrama n ã o mostra o micro-
plâ ncton nem o microbenton cuja import â ncia ser á discutida mais adiante .

34
530

3. ZONAGEM NO MAR

Uma classifica ção zonal, semelhante à esboçada para as lagoas e os lagos ( ver
Cap í tulo 11, Secção 2 ), tamb é m se aplica ao mar, embora se costume empregar uma
s é rie diferente de termos relativos aos habitats, como se ilustra na Figura 12- 4.
Tamb é m se representa no diagrama alguma coisa da natureza complexa do leito do
oceano, incluindo as cumeeiras centrais, a partir das quais se presume terem sido
deslocados os continentes ( Secção 1). Os mesmos termos de « modo de vida» que
foram definidos no cap í tulo sobre os ecossistemas de água doce ( ver página 483 )
são tamb é m usados em rela ção ao mar, nomeadamente pl â ncton , n écton e benton .
Um termo adicional , pelágico, é largamente usado, de modo a incluir o pl â ncton
mais o n é cton e o neuston ( o ú ltimo em geral pouco importante), ou todos os
seres vivos do mar alto.
De uma maneira geral , estende-se uma plataforma continental at é certa dis-
. t â ncia da costa, depois da qual o fundo sofre uma queda brusca at é que o talude
I continental se nivela um tanto ( levantamento continental ), antes de descer para

_
uma plan í cie mais profunda, embora mais nivelada. A zona de pequena profundi ¬
dade na plataforma continental é a zona ffcdr /r a._lj<.perLo . da __çosta » ). A zonagem da
1

zona intercotidal ( zona entre praia- mar e baixa- mar; tamb é m chamada zona litoral )
será considerada numa secçã o posterior . A regiã o do mar alto, situada para al é m
da plataforma continental , é designada por regiã o oceâ nica; a regiã o do talude e do
levantamento continentais é a a zona batipelágica , a qual , como se mostra na Figu ¬
ra 12 - 4, pode ser «geologicamente acti-va » , com trincheiras e desfiladeiros sujeitos a
erosão e a avalanches submarinas. A á rea das « profundidades» oceâ nicas, ou região
abissal, pode encontrar-se de 2000 a 5000 metros de profundidade. As trincheiras
podem descer abaixo dos 6000 metros (estas á reas muito profundas sã o algumas
'

vezes conhecidas por zona hadal) . Bruun (1957 a ) referiu -se à zona abissal como
«a maior unidade ecol ógica do mundo». Trata-se, naturalmente , de um ecossistema
incompleto apesar da sua extensã o, visto que a fonte primá ria de energia se en ¬

contra muito mais acima.


A importante zonagem vertical é determinada pela penetra çã o da luz com uma
zona de compensação ( ver página 484) a separar uma camada superior pouco espes¬
sa, a zona eufótica ( isto é, a região « produtora » ), de uma outra muito mais espessa
denominada a zona af ótica. Como se indica na Figura 12 - 4, a zona euf ótica atinge
maiores profundidades nas águas claras da zona oce â nica, baixando talvez at é 10*3
a 200 metros, sendo menos profunda nas águas costeiras mais turvas ( e ricas ),
onde a penetra çã o efectiva raramente excede os 30 metros ( ver Figura 3-3 ). A por ¬
ção oce â nica da zona afótica é por vezes dividida em zonas verticais, como se
ilustra na Figura 12 -6.
531

Intercotidal
Nerítica Oceânica

LU o; ; Encosta
5000
] ( Continental Plan í cie Abissal
t i
6000

7000

Figura 12-4. Zonagem horizontal e vertical no mar. Num corte atrav é s do Atl â ntico ocidental
ilustram-se tamb é m algumas caracter í sticas geol ógicas do fundo do leito do oceano, tais como trincheiras
ique podem ultrapassar em profundidade os 6000 metros ), desfiladeiros, cumeeiras , plan í cie abissal ,
e as cordilheiras m édio- oce â nicas que se erguem à semelhan ça de grandes picos montanhosos. ( Diagrama
baseado em Heezen , Tharp e Ewing , 1959.)

No seio destas zonas prim á rias, que são largamente baseadas em factores
f ísicos, há a considerar uma zonagem secund á ria bem marcada, tanto horizontal como
vertical , que é em geral evidenciada pela distribuiçã o das comunidades. As comuni ¬
dades em cada uma das zonas primárias, exceptuando a eufótica, tê m dois com ¬
ponentes verticais um tanto distintos: os habitantes b ê nticos do fundo .( benton ) e
os pelágicos. Como nos grandes lagos, as plantas produtoras do mar são de pequeno
tamanho, isto é fitoplâncton microscó pico, embora nalgumas á reas costeiras sejam
importantes grandes algas marinhas ( multicelulares). Consequentemente, os principais
consumidores primá rios sã o em grande parte zooplâ ncton . Os animais de tamanho
médio alimentam- se de plâ ncton ( ou dos detritos derivados do plâncton ), ao passo
que os animais maiores sã o principalmente carn í voros. H á poucos animais de grande
porte e estritamente herb í voros que correspondam aos veados, bovinos e cavalos
da terra.
O mar, contrastando quer com a terra quer com a água doce , cont é m um
grupo variado e importante de animais s é sseis ( fixos), muitos dos quais t ê m aspectos
de plantas (como o indicam certos nomes comuns como, por exemplo, «an é mona do
mar», «amor- perfeito do mar», etc.). A zonagem desses animais no fundo do mar é
muitas vezes tão marcada como a zonagem das á rvores numa montanha ( como se
ilustra em secções seguintes), e fornece uma base para a classificação das comunida ¬
des, como acontece com as grandes plantas na terra. Para levar a analogia mais
longe, eles fornecem abrigo a muitos organismos mais pequenos, como tamb é m
acontece com as plantas na terra. O comensalismo e o mutualismo est ão muito
532

difundidos, bem como importantes interacçõ es entre muitas espé cies marinhas ( ver
Cap í tulo 7). Na zona neur í tica, os animais marinhos fixos, e os benton em geral ,
passam normalmente por um estado pel ágico durante parte do seu ciclo de vida.
Por conseguinte, do ponto de vista da comunidade , a vida b ê ntica é mais uma parte
das comunidades zonais do que, em si mesma, um escal ã o principal da comunidade.

4. ESTUDO QUANTITATIVO DO PLÂNCTON

O pl â ncton n ã o só ocupa uma posi çã o- chave no ecossistema dos oceanos,


como també m se presta a uma amostragem quantitativa. Muitos dos trabalhos sobre
ecologia mar í tima t ê m-se concentrado no estudo do pl â ncton . Em 1830, J . Vaughan
Thompson e , em 1845, Johannes Miiller empregaram o que agora se chama rede de
pl â ncton ( o nome « plankton » só foi proposto em 1887). Miiller , ao estudar a biolo¬
gia da estrela do mar , arrastou no mar uma rede de malha fina na inten çã o de
'
capturar as larvas respectivas. Ficou impressionado com a grande riqueza de vida
flutuante que, at é ent ã o, tinha passado mais ou menos despercebida. Miiller trans¬
mitiu o seu entusiasmo a Ernst Haeckel , o qual , juntamente com outros biologistas
contemporâ neos, ficou muito entusiasmado com este novo mundo de organismos
, suscept í vel de ser colhido pela passagem das « redes de Miiller» atravé s da água.
Deste modo, Miiller e Haeckel tornaram -se , inadvertidamente, pioneiros da ecologia
i e foi Haeckel que mais tarde , em 1869, criou a pr ó pria palavra ecologia!
Uma rede de pl â ncton é agora geralmente feita de seda ou nylon para pe ¬
neirar, com os bordos firmemente presos a um aro r í gido. Estas redes variam de
18 e 200 malhas por polegada. Nos estudos quantitativos, utiliza-se agora uma rede
com um dispositivo que permite colher amostras à profundidade desejada, sem risco
de mistura enquahto a rede é descida ou i çada . Uma destas redes de fechar , equi ¬
pada com um aparelho que mede a quantidade de água filtrada, é denominada
um amostrador de Clarke - Bumpus ( do nome de dois bi ólogos do mar). Mesmo
as redes mais finas apanham , apenas, uma parte da biomassa do plâ ncton ( pl â ncton
de rede) ; os pequenos organismos do fitoplâ ncton (nanoplâ ncton nano , an ão),
como sejam as bact é rias e os protozoá rios, passam atrav é s das malhas mais finas ;
note-se que estes termos são os mesmos que se usam na ecologia de água doce
( ver página 483 ). O pl â ncton de rede e o nanoplâ ncton sã o també m chamados
respectivamente ( e talvez mais apropriadamente ) macro e microplâ ncton.
Vá rios estudos sobre o metabolismo e a composi çã o das popula ções de pl â nc¬

ton nas massas de água permitiram verificar o que já de há muito se suspeitava


( ver Atkins, 1945; Knight - Jones, 1951; Wood e Davis, 1956), nomeadamente : os
organismos fotossintéticos mais importantes não são o plâncton de rede, relativa¬
mente grande, mas o nanoplâ ncton, especialmente os pequenos flagelados verdes com
533

dimensões de 2 a 25 microns. Embora isto pare ça ser especialmente verdadeiro para


a zona euf ótica oce â nica , o nanopl â ncton tamb é m pode dominar o metabolismo
das águas costeiras ( Yentsch e Ryther, 1959). Evidentemente, este é outro exemplo
do princ í pio (j á estabelecido no Cap í tulo 2 ) de que o tamanho dos organismos nã o
é um bom indicador da sua import â ncia em sistemas que t ê m curtos tempos de
renovação de biomassa e taxas r á pidas de circulação dos nutrientes. També m se
tem encontrado com abund â ncia flagelados min sculos ( isto é , com cerca de
5 u de dimensão mais ou menos ) nas zonas afóticas, a profundidades de mil ou
mais metros, a maioria deles sem cor , embora alguns contendo clorofila . Presume -se
que vivam heterotroficamente , pelo menos a maior parte do tempo, utilizando
mat é ria org â nica dissolvida proveniente da zona f ótica . Estes flagelados podem ser um
dos elos chave da cadeia alimentar entre a produ çã o prim á ria na zona f ótica e o
zoopl â ncton e o benton da zona af ótica ( o outro elo poderá ser constitu ído por agre ¬

gados formados por mat é rias org â nicas dissolvidas, provenientes das zonas superiores ) .
Os estudos de Pomeroy e Johannes (1966 ) mostraram que o pequeno nanoplâ ncton
pode ser responsá vel por uma grande parte da respira çã o do pl â ncton total ( assim
como da fotoss í ntese na zona oceâ nica ) , e que os organismos flagelados, demasiado
pequenos para serem concentrados numa rede de plâ ncton , eram os responsá veis
por 94 a 99 por cento da respira çã o total do pl â ncton da Corrente do Golfo e das
águas do Mar dos Sarga ços .
Pelo que se acaba de dizer, é evidente que a rede de plâ ncton é um instrumento
de amostragem til para o zooplâ ncton , mas n ã o para o fitopl â ncton . O plâ ncton
concentrado «delicadamente » ( para evitar romper as frá geis cé lulas ) com um filtro
de membrana ( o chamado filtro milipóro ) fornece uma amostra muito melhor ( ver
Dobson e Thomas, 1964). A microscopia de fluorescê ncia é ú til para a distin çã o
entre formas com clorofila e sem cor e entre cé lulas vivas e mortas em amostras
concentradas ( ver Wood , 1955). Como se descreveu no Cap í tulo 3 ( páginas 91 -
- 93), a mediçã o da clorofila e da absorçã o do carbono sã o os principais m é todos
utilizados para avaliar a produ ção prim á ria na popula çã o de plâ ncton .
Entre o equipamento mais especializado pode mencionar-se o engenhoso dis¬
positivo, conhecido por « registador cont í nuo de pl â ncton de Hardy », que pode ser
levado a reboque por um barco ao longo de grandes dist â ncias. O pl â ncton é retido
numa tira de gaze , à medida que a água passa por ela. A gaze rola continuamente
para dentro dum recipiente com material preservativo, devido ao movimento que a
água imprime a um propulsor situado na retaguarda do instrumento, obtendo-se
assim uma amostra permanente da secção. Naturalmente , um tal amostrador colhe
principalmente o zoopl â ncton maior, poré m , os resultados deste tipo de amostragem
seccional t ê m sido ú teis para prever a localiza çã o e a produ çã o dos peixes comer ¬

ciais ( Hardy , 1958). As investiga ções sobre o pl â ncton oceâ nico t ê m mostrado que a
sua distribuição é irregular, por manchas, com as concentrações de fitopl â ncton
534

aparecendo, algumas vezes, em lugares diferentes das do zoopl â ncton . Esta ltima
observa ção conduziu à ideia de que a secreçã o de subst â ncias t óxicas antibi óticas
provoca uma «exclus ã o m ú tua» dos componentes animais e vegetais, embora isto
possa ser parcialmente um produto da amostragem , na medida em que seria de
esperar que o zoopl â ncton mais pequeno ( e por isso menos notado) prosperasse
no meio de uma floração de algas. Parece prov á vel que o zooplâ ncton seja tanto
atra í do como repelido pelos metabólitos excretados, visto que com frequ ê ncia se
concentra à volta das flora ções algais.
Vem a prop ósito mencionar o importante trabalho de Gordon Riley e seus
colaboradores ( resumido numa monografia por Riley , Strommel e Bumpus, 1949,
com trabalho posterior e modelos matem áticos apresentados por Riley , 1963 e 1967 ).
Descobriram que a quantidade e a distribui çã o estacionai tanto do fitopl â ncton como
do zoopl â ncton em qualquer região poderiam ser previstas por meio de uma f ó r ¬
mula baseada em certos factores limitantes importantes do meio ambiente e em coe ¬
ficientes fisiol ógicos determinados por meio de experimenta ção laboratorial. De uma
forma muito simplificada e n ã o matem á tica , a f ó rmula que propuseram para avaliar
a produ çã o de fitopl â ncton é a seguinte :

Taxa de variaçã o da
densidade de fito ¬ taxa de 1 f taxa de j
pl â ncton por unida ¬
de de tempo
é igual à | fotoss í ntese I menos a
oJ
respjra çã menos a

taxa de « pastoreio»
isto é,
. taxa de 1 mais a
taxa de movimento
ascencional devido
menos a
consumo pelos afundamento a refluxos de turbu ¬
herb í voros '
l ê ncia

A respira çã o é em grande parte regulada pela temperatura, e verificou - se que


a fotoss í ntese é muito limitada pela temperatura, luz e concentra ção de fosfatos.
Conhecendo- se a densidade de herbí voros , a « pressão de pastoreio» pode ser deter ¬
minada a partir de dados obtidos em culturas laboratoriais. Embora o cá lculo seja
complexo, a perda , se a houver, resultante do afundamento das cé lulas vegetais
sob a zona euf ótica pode ser determinada a partir de dados f í sicos oceanogr á fi-
cos. O cá lculo te ó rico dos seis principais factores limitantes no fitopl â ncton de um
dado lugar, juntamente com a densidade observada e calculada, sã o ilustrados na
Figura 12-5. Em geral , o valor observado n ã o apresentou um desvio superior a 25 por
cento do calculado, o que constitui uma aproxima çã o not á vel caso se considere a
-
complexidade da situa çã o. O modelo Riley tem um significado mais lato, pois mos ¬
tra que podem ser criados teis modelos de previsão de situa ções ecol ógicas com ¬
plexas, na base de uma selecçã o judiciosa de apenas alguns dos numerosos factores
535

em causa. Isto constitui o in í cio de um ramo da «ecologia de sistemas» em r á pida


como se viu no Capí tulo 10.
expans ã o,

5. COMUNIDADES DO MEIO MARINHO

Alguns dos principais e mais conhecidos grupos de organismos que comp õem
as comunidades do oceano sã o indicadas na Figura 12 - 6. Como se referiu na sec¬
çã o anterior , este quadro n ã o d á o devido relevo aos pequenos seres vivos que s ã o
tã o importantes no funcionamento das comunidades . Nas descri ções seguintes, consi -
derar-se-ã o primeiro as comunidades das zonas intercotidal e ner í tica , seguindo- se-
-lhes um breve exame de alguns aspectos contrastantes da zona oce â nica .

Composi ção das Comunidades da Região da Plataforma Continental

PRODUTORES. AS diatomàceas e os dinoflagelados do Fitopl â ncton sã o os


dominantes do n í vel produtor em quase toda a parte na regi ã o da plataforma , em ¬

bora, como já se indicou , os microflagelados possam ser igualmente importantes .


Constituem , estes, um grupo misto de taxonomia incerta , previamente considerado no
seu conjunto sob a designa çã o « fitomastigina » , isto é , «flagelados vegetais ». Na
Figura 12 - 7 , d ã o-se exemplos dos tr ê s grupos dominantes . As diatom à ceas terã o
tend ê ncia para dominar nas águas setentrionais , ao passo que os dinoflagelados
predominam , com frequ ê ncia , nas águas subtropicais e tropicais. Como grupo, os
ltimos situam -se entre os organismos mais versá teis, já que funcionando a maior
parte deles como autotróficos algumas espé cies sã o saprotr óficos facultativos ou
mesmo fagotr óficos! Algumas espé cies s ão famosas pelas « mar é s vermelhas» que
provocam a morte do peixe, como se encontra descrito na página 573. Em á guas
temperadas ( tanto nos lagos como nos oceanos ) os dinoflagelados seguem , com fre ¬

qu ê ncia , as diatom à ceas na sucessã o estacionai .


Pr óximo da costa , s ã o tamb é m localmente importantes as grandes algas mul -
ticelulares fixas ou sarga ços, principalmente nos fundos rochosos ou noutros fundos
igualmente consistentes, em águas pouco profundas . Fixadas por meio de ó rg ã os
especiais, que n ã o sã o ra í zes , formam com frequ ê ncia extensas « florestas» ou « lei ¬
tos de algas marinhas », imediatamente abaixo do n í vel da baixa - mar . Al é m das
algas verdes ( Chlorophyta), igualmente importantes na água doce , estas esp é cies fixas,
mais ou menos exclusivamente marinhas, pertencem ao Phaeophyta , ou algas casta ¬

nhas, e ao Rhodophyta, ou algas vermelhas. Estes tr ê s grupos apresentam uma dis ¬


tribui çã o, em profundidade, mais ou menos segundo a ordem indicada ( as algas
vermelhas a maior profundidade ). As cores castanha e vermelha sã o devidas a pig -
536

mentos que encobrem a cor verde da clorofda e, conforme se descreveu no Capí tulo 5
( página 189), esses pigmentos auxiliam a absorçã o da luz amarelo.- esverdeada que pe ¬
netra at é maior profundidade . Algumas das algas fixas sã o de import â ncia econ ó mica,
como fontes de ágar e de outros produtos. Nas costas rochosas setentrionais, a
colheita de sargaços é uma ind stria vulgar , e no Japão cultivam-se certas espécies
para alimenta ção.
O fitoplâ ncton ner í tico, pelo menos nas regiões temperadas, segue um ciclo de
densidade sazonal semelhante ao dos lagos eutróficos ( comparar as Figuras 12-5 e
11-8). A produ ção primá ria foi discutida e quantificada no Capí tulo 3.

5
• I
Q
-

8m 10
ir • 3

Figura 12-5. Acçã o te ó rica de seis factores Jimi - O

tantes sobre o fitoplâ ncton ( figura superior ), e den ¬


O 05 y
sidade observada e calculada durante um ciclo anual JJ

nas águas do Banco da Ge ó rgia da costa de Nova Ingla ¬


terra ( figura inferior ). Os factores limitantes são: ( 1 )
luz e temperatura ; ( 2) turbul ê ncia ( que arrasta as Ê 0
O
cé lulas para baixo da zona fó tica ) ; (3) falta de fosfato;
( 4) respira çã o do fitoplâ ncton ; e ( 5 ) apascentaçã o do g
zooplâ ncton . As condições para um rá pido cresci ¬ 5 J N D
mento da populaçã o sã o favor á veis apenas na Prima ¬ 3%
vera e no fim do Verã o. (Segundo Riley, 1952.) CL
o
OBSERVADO

O
20
CALCULADO
55 io
<
2 0
m

CONSUMIDORES : ZOOPLâ NCTON. Apresentam -se na Figura 12-6 exemplos dos


diversos animais do pl âncton . Os organismos que perfazem todo o seu ciclo biol ó¬
gico no plâ ncton sã o denominados h úloplâ ncton ou plâ ncton permanente . Copé podes
( ver Marshall e Orr, 1955, no seu estudo completo do importante g é nero Calanus ) e
outros crust áceos maiores chamados eufausideos ou «krill » t ê m import â ncia como
liga çã o entre o plâ ncton e o n écton. Os protozoá rios planct ó nicos ( que n ã o est ã o
representados na Figura 12-6) incluem os foramin í feros, os radiolá rios e os ciliados
tintin í deos. As conchas dos primeiros dois grupos constituem parte importante dos
vest í gios geol ógicos nos sedimentos marinhos. Outros elementos permanentes do
zooplâ ncton , que se podem ver na Figura 12 -6, compreendem os moluscos de « pé
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LUZ SOLAR

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Figura 12-6. Um exemplo do biota marinho (os organismos não est ão representados à escala respectiva) ordenado de modo a
mostrar as principais relaçõ es da cadeia alimentar e de profundidade que unem uma bacia oceânica completa, formando um vasto ecossis-
tema. O diagrama não faz justiça ao microplâncton e à «infauna» bêntica, cuja importância é descrita no texto. Os pontos e as setas voltadas
paru baixo representam a «chuva <lc detritos orgânicos», que, eomo se necnhia no texto, potle ã o ser o principal modo como o alimento

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538

alado» ( pter ó podos e heter ó podos) , pequenas medusas e cten óforos, tunicados pel á ¬
gicos , vermes poliquetas que flutuam livremente e os vermes predadores em forma de
flecha ou quetognatas. Uma parte consider á vel do pl â ncton costeiro é meroplâ ncton,
ou pl â ncton tempor á rio, o que contrasta bastante com o que se passa nas á guas doces
( ver Cap í tulo 11, página 490). A maioria dos bentos e boa parte do n é cton ( peixes,
por exemplo ) s ã o, no seu estado larvar , formas min sculas que se re ú nem ao pl â nc¬
ton por per í odos variados , antes de se estabelecerem definitivamente no fundo do
mar ou de se transformarem em organismos capazes de nadar livremente . Muitas
destas formas de pl â ncton tempor á rio t ê m nomes especiais, como se indica na Fi ¬
gura 12 -8, que ilustra um certo n mero de exemplos deste componente ú nico das
águas marinhas costeiras. Como seria de esperar , o meropl â ncton varia estacional -
mente de acordo com os h á bitos de postura dos progenitores, embora haja uma
sobreposi çã o suficiente para assegurar uma certa quantidade de meropl â ncton em
todas as esta ções .
Um aspecto muito interessante da ecologia das larvas pel ágicas consiste na
sua capacidade de localizar o tipo de fundo pr ó prio para sobreviv ê ncia dos adultos.
Wilson ( 1952 , 1958) mostrou , por meio de experi ê ncias, que as larvas de certos poli ¬

quetas b ê nticos n ã o se estabelecem ao acaso, antes procuram as condi çõ es qu í micas


espec í ficas do substrato ao qual est ã o adaptadas. Quando est ã o preparadas para a
metamorfose em adultos sedent á rios , as larvas « examinam criticamente » o fundo . Se
a natureza qu í mica for «atractiva», estabelecem -se ; caso contr á rio, podem continuar a
vida planct ó nica por semanas. Os metab ó litos, libertados pelos microrganismos ou
pelos adultos, sã o duas origens poss í veis das « mensagens qu í micas » que podem
orientar as larvas para o tipo certo de fundo. Este é um problema da ecologia
« bioqu í mica » que aguarda solu çã o.
CONSUMIDORES : BENTOS. Como se indicou na Sec çã o 3, o bentos mar í ¬

timo é caracterizado pelo grande n ú mero de animais s é sseis ou relativamente inacti-


vos que apresentam uma zonagem acentuada na regiã o costeira . Os organismos do
fundo sã o geralmente distintos em cada uma das tr ê s zonas ner í ticas prim á rias, a
saber , litoral superior , interm é dio ou intercotidal e litoral inferior , esquematizadas na
Figura 12-9. Num dos extremos, na linha superior das mar é s ou acima dela , os
organismos t ê m de ser capazes de suportar a desseca çã o e as mudan ças de tempera ¬
tura do ar , dado que apenas est ã o brevemente cobertos pela água ou salpicos.
Na regi ão inferioc, por outro lado, os organismos encontram -se continuamente cober ¬

tos. O constante fluxo e refluxo das mar é s, entre os respeítivos n í veis extremos,
provoca uma transi çã o gradual no meio ambiente no que respeita à exposi çã o ao ar
e à água. É importante notar que pode també m existir uma zonagem vertical definida
de bentos. S ã o largamente utilizados dois termos para distinguir as duas componen ¬
tes verticias mais evidentes: a epifauna refere-se a organismos que vivem à super ¬
f í cie , quer nela agarrados quer nela se movendo livremente ; a infauna refere-se a
539

organismos que escavam o substrato ou constroem tubos ou galerias. A epifauna


atinge o m á ximo desenvolvimento na zona intercotidal , embora se estenda atrav é s
do fundo do oceano. A infauna est á melhor representada na zona litoral inferior e
abaixo dela.
Numa dada regi ão, a s é rie de subcomunidades bent ó nicas que v ão sendo
substitu í das untas pelas outras, desde a costa at é ao extremo da plataforma, depende
em grande parte da natureza do fundo, isto é , de se tratar de areia , rocha ou
lodo. Na Figura 12 -9, compara-se um perfil de uma praia t í pica de areia com o de
um substrato rochoso ( os quebra- mares e molhes artificiais sã o semelhantes à s
rochas naturais ) na regi ã o de Beaufort , N .C. Sã o indicados os dominantes principais,
dos quais muito poucos sã o comuns à s duas s é ries. De mistura com os animais
-
maiores e sarga ços encontram se grande n mero de algas unicelulares e Filamento ¬

sas, bact é rias e pequenos invertebrados. Uma praia arenosa poder á parecer à primeira
vista um habitat rigoroso, mas na verdade est á mais povoada do que aparenta ,

i A maior parte dos animais de maior tamanho s ã o escavadores especializados e as


diatom áceas, anf í podes e outra infauna que vive entre os gr ã os de areia tamb é m
escapam à observa çã o. A fauna e a flora intersticiais, ou « psammon » , a que, se ,

(
fez refer ê ncia no cap í tulo sobre a ecologia de água doce ( página 493), ainda sã o
'

! mais desenvolvidas nas costas mar í timas do que nas margens dos lagos ou dos cursos
de água. No Cap í tulo 5, fez-se refer ê ncia a uma das not á veis diatomá ceas m óveis
da areia que tem uma resposta excepcional da fotoss í ntese à luz ( ver Figura 5- 7,
-
páginas 190 191).
Alguns dos animais escavadores mais especializados est ã o representados na
Figura 12 - 10. O caranguejo toupeira Emérita, um dos mais not á veis, é capaz de ,
recuando, se «afundar » na areia em poucos segundos. Estes animais alimentam -se
estendendo as antenas plumosas por cima da areia e recolhendo o pl ncton trazido
pela á gua quando a mar é sobe . Outros animais, como os vermes , alimentam - se inge ¬

rindo a areia e os detritos que entram nas suas galerias, e extraindo depois no intestino
as subst â ncias alimentares.
A selecçã o do habitat pelos moluscos, na transi çã o lodo- areia , é indicada
na Figura 12 -11. Os animais da infauna reagem , como regra marcadamente , à granulo-
metria ou «textura » do fundo. A determina çã o da propor çã o argila - lodo-areia tem
consider á vel valor na previsão dos tipos de organismos presentes. O m é todo de ali ¬
menta çã o do bentos sofre uma varia ção importante ao longo do gradiente lodo- areia ;
a alimenta çã o por filtragem predomina no interior e sobre o substrato arenoso,
enquanto a ingest ã o do dep ósito é mais vulgar em substratos de limo ou lodo.
Embora os diagramas da Figura 12 -9 representem uma determinada localidade,
t m - se encontrado os mesmos esquemas gerais em qualquer costa
ê apenas as
espé cies ser ã o diferentes. Por exemplo, as costas rochosas apresentam , em geral ,
trê s zonas distintas : ( 1 ) uma zona de b zios ( á rea de mar é - alta ), ( 2 ) uma zona
540

m V
ÔQ

*etr*
Oac
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- *fp.- » v.
* *

A O

Figura 12-7. O fitopl â ncton produtor do mar. A . Diatomàceas . Ilustram-se os seguintes g é neros:
a , Corethron; b , Nitzschia closterium ; c, Planktoniella ; d , Nitzschia seriata ; e , Coscinodiscus; f, Fragilaria;
g , Chaetoceros; h , Thalassiosira; i, Asterionella; j, Biddulphia; k , Ditylum; /, Thalassiothrix; m, Navicula:
.
n, o Rhizosolenia semispina , formas de Verã o e Inverno. Observe -se que alguns dos g é neros de diato-
m áceas de água doce apresentados na Figura 11-5 tamb é m ocorrem no mar . I
1

de cracas ou de mexilh ões e (3) uma zona de sarga ços ( á rea da mar é- baixa). Ve ¬
jam -se em Stephenson e Stephenson ( 1949, 1952) descri ções e fotografias destas
zonas nas diferentes partes do mundo. Os nomes mencionados n ã o devem dar lugar
a confusão, levando a pensar que estas zonas são agregações separadas de animais e
plantas; na realidade , existe grande abund â ncia de algas ( pequenas espé cies, pouco
541
§r

I wisíveis) nas zonas de b zios e ae cracas e muitos animais na zona de sarga ços.
|Uma espé cie de « homeostasia funcional », em face de uma marcada mudan ça estru -
I íural no gradiente entre mar é s, intercotidal , é indicada pelo facto da clorofila total
|por metro quadrado n ão ser muito diferente nas tr ê s zonas, como se ilustra no
I Quadro 12-1. A regi ã o intercotidal fornece um bom local para o estudo de uma turma
sobre as rela ções entre a estrutura da comunidade e a sua fun çã o, uma vez que
os organismos são fáceis de inventariar ( são na maioria sé sseis ) e as amostras de
ioda a comunidade podem ser colocadas em frascos escuros ou claros ou levadas
i para o laborat ó rio para medi çõ es de metabolismo. A zona intercotidal rochosa é
tamb é m um bom local para o estudo experimental da interacçã o dos factores f í -
isieos com a competi çã o e a preda çã o, na forma çã o da estrutura da comunidade,
como foi descrito no Cap í tulo 7 ( ver Figura 7- 36, página 361 ).

ji

Dinoflagelados

-
Figura 12 7. B. Dinoflagelados . Representam -se os seguintes gé neros : a , Ceratium ; b , Dinophysis;
c, Ornithocercus; d , e, Triposolenia, de frente e de lado ; f Peridinium; g, Amphisolenia ; h , Goniaulax ;
.
i Ceratium . C. Microflagelados . Ilustram -se os seguintes gé neros ; 1 . Dunaliella ( fitomonada ); 2 . Chlora-
moeba ( xantomonada ); 3. Isochrysis ( crisomonada ); 4 . Protochrvsis (criptomonada ); 5. Dictyocha ( silico-
flagelado); 6. Pontosphaera (cocolit ó foro). ( A e B de Sverdrup , Johnson e Fleming, «The Oceans , Their
Physics, Chemistry, and General Biology », 1946, publicado por Prentice-Hall , Inc. C de Wood , « Marine
Microbial Ecology », 1965, Chapman and Hall , London.)
542

Nas águas mais fundas da zona ner í tica, as populaçõ es n ão est ão geralmente
dispostas em zonas concê ntricas, sendo mais plaus í vel que formem uma « manta de
retalhos» ou mosaico . Um dos estudos cl á ssicos é o de C. G . J . Peterson ( 1914-
-1918), que investigou em pormenor o bentos das águas ner í ticas das importantes
zonas de pesca entre a Dinamarca e a Noruega. Descobriu que existiam oito «asso¬
cia çõ es» prim á rias nesta vasta á rea, cada qual com uma ou mais espé cies dominan ¬

tes. Os estudos das agrega ções bent ó nicas foram continuados à escala mundial por
Thorson (1955) , que deu conta do que denominou por «comunidades de fundo de
n í vel paralelo», habitando o mesmo tipo de fundo a profundidade semelhante em

e 6

Figura 12-8. Larvas que constituem o plâncton temporário ( meroplâncton) do mar. a , larva chaetate
do anelídeo Platynereis; b, zoea do caranguejo da areia, É merita ; c, larva cifonauta de um briozoário:
d , larva girino de um tunicado séssil; e, larva pilidium de um nemertíneo; f larva pluteus de um ouri ço
do mar ; g, ovo de peixe com embrião; h , larva trocófora de um anal ídeo; e, larva veliger de um caracoL
j , larva pluteus de um ofíur ídeo; k , larva nauplius de um percebe ; l, larva cypris de um percebe; m, lana
planula de um celenterado; n, fase de medusa de um hidr óide sé ssil. (Sverdrup, Johnson e Fleming.
«The Oceans, Their Physics, Chemistry, and General Biology», 1946, publicado por Prentice-Hall, lnc.ç
543

Quadro 12-1
Teor em Clorofila da Comunidade de Três Zonas Principais na Região Rochosa
Entre Maré s em Woods Hole, Mass . *
DOMINANTES

ZONA BIOMASSA Plantas Animais ( g / m1 )

Zona Litoral Muito pequena Calothrixt B zios 0,50


Superior ou de B zios ( Littorina)
Zona de Cracas M é dia Gomontia , tt Cracas 0,87
Rivularia f ( Balanus e
e Fucus § Chthamalus )
Zona de Sargaços Grande Chrondris e Numerosas espé ¬ 1,07
outras espé cies cies de moluscos
de sargaços casta¬ e crustáceos
nhos e vermelhos

* Embora as diferen ças no teor de clorofila entre zonas sejam estatisticamente significativas, a variação nas
m é dias, sendo apenas dupla, contrasta acentuadamente com diferen ças na biomassa de muitas vezes, e com
composições em espé cies completamente distintas. (Dados de Gifford e E . P. Odum , 1961.)
-
t Algas azuis verdes,
tt Uma alga verde.
§ Uma alga castanha.

á reas geograficamente muito dispersas. Al é m disso, estas comunidades paralelas


eram muitas vezes dominadas por esp é cies do mesmo g é nero. Por exemplo , as popu ¬
laçõ es bent ó nicas em águas de pouca profundidade com fundo misto de areia e
lodo eram muitas vezes caracterizadas por bivalves do g é nero Macoma, independen ¬
temente de estarem localizadas no B á ltico ou na costa ocidental da Am é rica do
Norte . De maneira semelhante , os fundos de areia em águas pouco profundas podiam
ser dominados por bivalves do g é nero Venus e os fundos lodosos mais profundos
por estrelas do mar do g é nero Amphiura. Este tipo de equival ê ncia ecol ógica foi
discutido , em termos gerais , no Cap í tulo 6 .
A alta densidade de predadores parece ser , à primeira vista , uma caracter ís-
tica incongruente de muitas comunidades do fundo do mar. No entanto, Thorson
verificou que muitos predadores, como certas estrelas do mar , nã o se alimentam
durante longos per í odos nas é pocas de reprodu çã o , permitindo assim que as larvas
pel á gicas dos bivalves e outras presas se fixem e desenvolvam at é atingirem um
tamanho que as tornam menos vulner á veis à preda çã o. Tem - se aqui novamente um
exemplo em que os dados sobre as biomassas seriam , s ó por si , pouco elucidati ¬
vos quanto ao que « se passa » na comunidade.
Com o aperfei çoamento dos aparelhos fotogr áficos submarinos tem aumentado
o conhecimento sobre as comunidades do fundo do mar, n ã o s ó na plataforma
544
Aves. do litoral

Preia - mar m édia

70%* Caranguejo -
I - fantasma
I ( Ocypode )

Anfí podes da praia


-
Baixa mar m é dia ( Talorchestia.
Orchestia )
Caranguejo -
j-Cole ó pteros- tigre
( C hindotea )
Caranguejos azuis
( Callinectes )
- .{ Paz f
Dó lar da areia
--" - toupeira
Anf í podes
escavadores
[ Haustorius )
| e outros insectos
| terrestres

( Medita)
Vermes poliquelas
Dólar da areia Camarã o escavador
pê ni da areia ( Ogyris ) - - - Bact é rias Dialom á ceas Algas unicelulares
( Remlla )
Acidianos
( Thyone) PRAIA INCLINADA PRAIA PLANA

_
Berbig ã o
( Cardium )
i oncn í de azeitona
Concha
( Oliva )
Copé podes da areia
(Terrá queos )

ZONA LITORAL INTERIOR ZONA LITORAL M É DIA ZONA LITORAL SUPERIOR

-
Preia mar m é dia

B zios
( Littorina )

L í quenes pretos
encrustados
( Mixoficias )
Cracas
íi ( Chthamalus, Isó pôdes
i Baia nus, ou ( Lí gia )
Ostras i
( Ostrea ) Tetradita )
Algas verdes }
Mexilh ões ( Enteromorpha 1

Algas vermelhas
( Mytilus ) e Uiva ) *
ou castanhas Algas diversas Craeas
( Laminarias e Fueó ides )
Ané monas do mar
( Aiptasia )
Ouri ços do mar
( Arbacia )

Corais ( Leptogorgia
e Oculina )

ZONA LITORAL INFERIOR ZONA LITORAL M É DIA ZONA LITORAL SUPERIOR


( zona de sarga ços ) ( zona de cracas ) ( zona negra ou
de b zios )

Figura 12-9. Cortes de uma praia arenosa (em cima ) e de uma costa rochosa (em baixo), em
Beaufort, N. C., mostrando as zonas e suas dominantes caracter í sticas. ( Diagrama superior baseado
em dados de Pearse, Humm e Wharton , 1942; e inferior baseado em dados de Stephenson e Stephen-
son , 1952.)

continental, como em águas mais profundas . A Figura 12-12 apresenta tr ê s fotogra¬


fias tiradas a profundidadas cada vez maiores. Tais fotografias revelaram animais ainda
não encontrados e fornecem , igualmente, um meio de avaliar a densidade da epi-
fauna de maiores dimens ões no seu habitat n ão perturbado. No entanto, nem mesmo
as fotografias mais n í tidas podem mostrar a infauna, que muito provavelmente é
545

Ocypode

Arenaeus
Emerlla Ovalipes
: Lysiosquilla Calappa C
Lepidopa '
Ogyris
Callianassa
Callinectes

Figura 12- 10. Crust á ceos escavadores em posi ções de descanso na areia da regi ã o ner í tica.

areia
lodo

Nassarius
Sinum Tereba
Oliva Polinices

areia ~- lodo

Donax \
Dosinia V
Cardium
Venus
Macrocallista
Tagelus

-
Figura 12 11. Gastró podos ( em cima ) e am ê ijoas ( em baixo ) , escavadores caracter í sticos dos
'

baixios arenosos ( à esquerda ) e lodosos ( à direita ) da regi ã o neritica . ( Segundo Pearse, Humm e
Wharton , 1942 . )

nos sedimentos brandos que cobrem a maior parte dos fundos do oceano a mais
importante das duas componentes bent ó nicas.
Como aconteceu com o pl â ncton , os componentes mais pequenos do bentos
marinho ficaram a conhecer-se melhor e a sua import â ncia ficou melhor avaliada
em consequ ê ncia das investiga ções da d é cada de 60. Sanders (1960, 1968) , por exemplo,
verificou que o uso de dragas aperfei çoadas e de crivos mais finos para a separa-
35
;

546 |
çã o permitiam encontrar uma diversidade de pequenos animais da infauna , poliquetas.
1
-I
crust á ceos , bivalves e outros invertebrados , que at é a í tinham passado despercebidos , j
A densidade do bentos nos sedimentos brandos decresce com o aumento de profun - j
didade ( 6000 indiv í duos por m 2 na plataforma continental e apenas 25 a 100 por m; J
na plan í cie abissal ), como seria de esperar devido à diminui ção da produtividade 1
com a profundidade , se bem que a diversidade de esp é cies se tenha apresentado muito j
maior no habitat abissal do que na plataforma ( Sanders e Hessler, 1969 ). Esta im ¬
portante descoberta apoia a teoria de que a diversidade est á relacionada com a esta¬
bilidade e n ã o é dependente da produtividade . Estes resultados est ã o representados j
na Figura 6-6 A .
CONSUMIDORES : N É CTON E NEUSTON ( ver página 483 para explica çã o des- :
tes termos ). Al é m dos peixes , os maiores crust á ceos, tartarugas , mam í feros ( baleias, i
focas , etc. ) e aves marinhas s ã o nadadores activos e habitantes de superf í cie . Os ;
indiv í duos deste grupo costumam distribuir -se , embora nem sempre, por uma á rea :
consider á vel , como é caracter í stico dos consumidores secund á rios e terci á rios em
geral . No entanto, o n é cton ( e at é as aves ) est á limitado pelas mesmas « barreiras
invis í veis » de temperatura , salinidade e nutrientes , e pelo mesmo tipo de fundo, tal \
como acontece com os organisfnos com menor capacidade de movimento. També m ,

por estranho que pare ça, ainda que a distribui çã o individual do n é cton possa ser
grande , a distribui çã o geográ fica de uma espé cie pode ser menor do que a de mui ¬

tos invertebrados .
Como indica a Figura 12 -9, os aterin í deos do g é nero Menidia, os ciprinodont í-
deos do g é nero Fundulus e os peixes chatos s ã o caracter í sticos das águas pr ó ximas
da linha de mar é baixa nas costas do Atl â ntico m é dio. Estas e outras esp é cies do
mesmo habitat deslocam-se com a subida e a descida das mar é s, alimentando-se
dos bentos da respectiva zona quando coberta pela água. Do mesmo modo, as aves
do litoral movem - se com a desloca çã o da linha da mar é , procurando alimento na
zona que vai ficando a descoberto. É not á vel como ainda resta alguma coisa depois
destes ataques alternados vindos da terra e do mar! Os peixes chatos e as raias
s ã o, de entre os peixes do fundo, os mais especializados, confundindo- se facilmente
com a areia e com o lodo, devido à sua forma e cor . Algumas esp é cies dos primei ¬

ros s ã o not á veis pela faculdade de mudar de cor e «confundir-se » com o fundo.
Al é m do peixe que se alimenta no fundo, fazem també m parte das comunida ¬
des ner í ticas outros que se alimentam de pl â ncton . Os membros da fam í lia dos
arenques ( Clupeidae ) , incluindo arenques, sardinhas e anchovas, sã o particularmente
importantes . O pl â ncton é filtrado da água por meio de um « crivo » formado pelas
guelras. Uma vez que at é os dispositivos de filtragem mais finos , à semelhan ça da
rede de seda mais fina , n ã o conseguem reter a maioria do fitopl â ncton , os peixes
adultos subsistem principalmente à custa do zoopl â ncton e s ã o assim consumidores
secund á rios. V á rios estudos demonstraram que o peixe , ao passar por uma determinada
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Figura 12-12. Fotografias (obtidas com uma câmara submarina especial chamada bent ógrafo) do
fundo do oceano, a tr ê s profundidades diferentes, ao largo da Califórnia do Sul (Canal de San Diego).
A , a cerca de 100 metros. Notar a abundância de ouriços do mar ( provavelmente Lytechinus ) que se apresentam
como corpos globulares de cor clara, e os longos e curvos chicotes marinhos ( provavelmente Acanthopti -
.
kim ) Os montí culos cónicos foram construí dos por vermes escavadores à entrada das respectivas galerias.
Emery, 1952). B, a cerca de 1200 metros. Fotografia vertical de cerca de 36 pés quadrados do fundo, que
é composto neste local por lodo verde com um alto teor em mat éria orgânica. Notar as numerosas estre ¬

las do mar (Ophiuroidea) e alguns grandes pepinos do mar (Holothuroidea). Os últimos nunca foram
identificados até à espécie, pois nunca foram apanhados em dragagens e só foram vistos em fotografias
do fundo. (Fotografia da Marinha de Guerra, por cortesia do U. S. Navy Electronics Laboratory, San
Diego). C, a cerca de 1450 metros. Note-se em baixo à direita os dez braços daquilo que é provavel ¬

mente um crinóide comatulí deo (um parente da estrela do mar que se fixa ao fundo do mar por unia
espé cie de ped nculo). Pequenos vermes com tubos e estrelas do mar transparentes repousam na super ¬

fí cie do fundo e dois pepinos do mar podem ser vistos à esquerda. A cont ínua actividade dos animais
escavadores mant ém o fundo com um aspecto «empolado». A margem inferior da fotografia corresponde
i unia dist ância de cerca de dois metros. (Emery, 1952.)
548
massa de água, n ão recolhe amostras an á logas à s que seriam obtidas por uma rede
lan çada na mesma á rea ; sendo assim , o peixe é capaz de rejeitar selectivamente
algumas formas e de procurar activamente outras. As espé cies que se alimentam
de pl â ncton podem , deste modo, evitar a competi çã o, n ã o s ó por serem diferentes
as « malhas» dos respectivos filtros, mas tamb é m por ser diferente a sua actividade
selectiva .
Embora alguns dos peixes do fundo efectuem a desova nesse substrato
e protejam as posturas, como acontece com muitos peixes de á gua doce , a maioria
dos peixes marinhos , incluindo os mais pel ágicos, p õe grande n mero de ovos que
flutuam ( auxiliados por got í culas oleosas ou por outras adapta ções à flutua çã o ) e
n ã o recebem qualquer aten çã o dos progenitores. H á duas outras caracter í sticas impor
¬

tantes dos peixes pel ágicos: ( 1 ) a sua tend ê ncia para se agregarem ou formarem
«cardume », indubitavelmente uma qualidade valiosa nas á guas desabrigadas do mar
alto, e ( 2 ) a tend ê ncia para efectuarem migra ções sazonais bem definidas . Esta l ¬

tima pode ser devida , em parte, ao facto de os ovos, e mais tarde as larvas, an ¬

darem à deriva nas correntes at é que o peixe esteja suficientemente desenvolvido


para voltar à regi ã o de postura .

Os grandes pesqueiros est ã o, quase exclusivamcnte, localizados na plataforma


continental ou pr óximo dela . Como a produtividade mais alta ocorre , como já se
indicou , em regi ões de circula ção ascendente de águas frias, n ã o. é de estranhar
que a í se localizem os melhores pesqueiros comerciais. Embora seja grande o n ú mero
de peixes com import â ncia comercial , sã o relativamente poucas as espécies que cons ¬
tituem a maior parte do contingente mundial do pescado. Na costa atl â ntica , por
exemplo, os peixes de interesse alimentar no norte sã o principalmente arenque,
bacalhau , « haddok» ( Melangrammus aegiefmus ) e « halibut » , enquanto que para o sul
as esp é cies procuradas sã o tainhas, robalos, cian í deos dos g é neros Cynoscion e
Pogonias e cavalas. As estat í sticas da FAO respeitantes a 1967 ( ver Holt , 1969 )
indicam seis espé cies como constituindo metade da captura mundial de peixes mari ¬

nhos , como se segue ( indicados por ordem do total de capturas ) : anchova do Peru .
arenque do Atl â ntico, bacalhau do Atl â ntico, cavala , bacalhau do Alasca e sardinha
da Á frica do Sul . Outros grupos importantes sã o os pleuronect í deos ( incluindo
linguados, solhas e halibut ) , ms salm ões e os atuns ( incluindo os bonitos ). Os grupos
dos bacalhaus do Atl â ntico e do Alasca e dos pleuronect í deos ( linguados ) sã o tipos
de fundo e sã o capturados com redes de arrasto; os peixes dos outros grupos s ã o
capturados nas águas superiores com redes varredoras de v á rios tipos . Note -se que
a maioria destes peixes se alimenta de pl â ncton ( cadeia alimentar relativamente
curta ). As principais á reas de pesca do mundo, as suas produ ções e perspectivas
futuras são analisadas no Cap í tulo 15 ( ver tamb é m os Quadros 3- 105 e 3- 11 ) .
Al é m dos peixes predadores , como por exemplo os tubar ões , as aves marinhas
s ão importantes consumidores terciá rios do mar. Estas Ountamente com as focas e
549

as tartarugas ) constituem, naturalmente, um elo de Liga ção entre a terra e o mar,


visto que t êm de procriar na terra, embora o sfeu alimento venha do mar. Por
conseguinte, estes pulmonados fazem parte das cadeias alimentares marinhas, tais
como os peixes e invertebrados de que se alimentam. O papel das aves, no que
respeita a «completar» os ciclos do azoto e do fó sforo, já foi referido ( ver Capí ¬

tulo 4, Figura 4-2). Como acontece com outros organismos marinhos, as aves est ão
concentradas perto das costas e especialmente em regiões produtivas. As aves costei ¬

ras frequentam as zonas litoral superior e intermé dia; os. corvos marinhos, os patos
do mar e os pelicanos, as áreas litorais inferiores; e os paínhos e pardelas, á zona
nerí tica inferior mais afastada da costa. As aves chegam mesmo a apresentar uma dis ¬

tribuição vertical nas áreas aquáticas em que se alimentam, como ficou ilustrado
na Figura 7- 32.
BACT éRIAS. De acordo com Zobell ( 1963), a densidade das bact érias na água
do mar varia desde menos de uma por litro no mar alto at é ao máximo de 108 por
mililitro junto à costa. Como foi analisado noutro local (página 163), as bact érias
podem não ser importantes na regeneração de nutrientes na coluna de água. Nos
sedimentos, por é m, as bact érias provavelmente desempenham o mesmo papel que
nos solos. A densidade nos sedimentos marinhos vai de menos de 10 a 108 por grama
de sedimento superficial, conforme o teor de mat éria orgânica. Como noutros locais,
os animais detrití voros dos sedimentos devem obter a maioria da sua energia alimen ¬

tar da digest ão de bact érias, protozoários e outros microrganismos que est ão asso ¬

ciados aos detritos ingeridos (Zhukova, 1963). Os fungos e as leveduras não são
importantes no mar, a não ser que haja abundância de detritos macrofí ticos. Alguns
progressos recentes no estudo da microbiologia marinha s ão apresentados no
Capí tulo 19.

Perfil de um Sedimento Marinho

A Figura 12- 13 representa o perfil tí pico de um sedimento mostrando as va ¬

riações químicas e fí sicas que ocorrem na transição entre as camadas superiores


oxidadas e a zona de redução, na qual a reserva de oxigénio gasoso se encontra
esgotada. Esta variação de condições afecta grandemente a distribuição dos orga ¬

nismos cujos metab ólitos t êm, por seu turno, muito a ver com a natureza quí mica das
zonas. O potencial de oxidação-redução, ou redox , é medido numa escala de mili-
volts, denominada escala Eh, sendo análogo ao pH, porquanto aquele é uma me ¬

dida de actividade dos electr ões enquanto o pH mede a actividade dos prot ões
(para mais explicaçõ es sobre o potencial redox veja- se Hewitt, 1950 e Zobell, 1946).
Na zona de descontinuidade do redox, o Eh descresce rapidamente e torna- se
negativo na zona completamente reduzida, ou dos sulfuretos. A import ância da inter -
550

acção das camadas aer óbias e anaer óbias no condicionamento do ciclo do enxofre, da
composição quí mica do mar e do equilíbrio gasoso da atmosfera já foram destacados
(Capí tulos 2 e 4), assim como a «recuperação microbiana» dos nutrientes resultante
da difusão para as zonas superiores dos gases reduzidos (H2 S, NH3, CH4 e H2).
A maior parte dos animais bent ónicos ocorre na camada oxidada; estes incluem
os poliquetas e bivalves previamente mencionados e tamb ém grande quantidade de
animais muito pequenos como cop épodes harpacticoides, platelmintos turbelários,
gastr ótictos, tart ígrados, rot í feros, ciliados e nemátodos. Se houver luz, encontrar -
- se- ão algas. A camada de descontinuidade do redox é a sede das bact érias quimios-
sint é ticas e, se houver luz, das fotossint é ticas. Os nemátodos são, aparentemente,

PERFIL DE SEDIMENTO MARINHO


Eh
ZONA -0 Fe * " co 2 ; COR

v
+ H NO
° 2

, /
yA AJ A
OXIDADA AMARELO
ANOí
DESCONTINUIDADE DE REDOX
-
y / . ... A CINZENTO

"K
REDUZIDA
(SULFURETO )
Fe
\ l
NH j
NEGRO

c <
H2S

Figura 12-13. Perfil de sedimento marinho ilustrando tr ê s zonas que com frequê ncia se distinguem
pela cor. Figuram- se os perfis do Eh (potencial redox) e do pH, bem como a distribui ção vertical de
alguns compostos e iões. O potencial redox é mí nimo na zona reduzida, de 0 a + 200 milivolts na
região de descontinuidade, de transição, e superior a 200 milivolts na zona totalmente oxidada. Note- se
que nos sedimentos reduzidos o oxigé nio, o dióxido de carbono e o nitrato são substituí dos pelo ácido
sulfé drico, o metano e o amoní aco. Est ão descritas no texto a distribuição dos organismos e suas fun ções
no perfil. (Reproduzido de Fenchel, 1969.)

os nicos metazoários nesta região. Apenas as bact é rias anaer ó bias, como sejam as
bact é rias redutoras dos sulfatos e as do metano, os protozo ários anaer óbios ( ciliados
que se alimentam das bact érias) e talvez alguns nemátodos podem viver na zona
de completa redução. S ão evidentemente estes organismos que produzem os gases
que se difundem nas zonas superiores. As galerias da grande macrofauna ( vermes,
bivalves e caranguejos) estendem- se bastante para dentro desta zona, tal como as
raí zes das plantas marinhas e dos sapais em águas costeiras pouco profundas. A
import ância dos ltimos como «bornbas de nutrientes» foi mencionada no Capí ¬

tulo 4 (p áginal49). Uma excelente descrição da ecologia dos sedimentos marinhos


é fornecida por Fenchel (1969; ver especialmente da p ágina 44 à 78).
A zona oxidada pode ser muito delgada em fundos lodosos ou limosos.
Naturalmente, se a água acima dos sedimentos se esgota em oxigé nio, ent ão, a zona
de redução desloca- se para a superfí cie e estende- se para cima nas águas do fundo.
Em anos recentesl a poluição das cidades escandinavas ribeirinhas transformou o
fundo- do Mar Báltico numa vasta zona de sulfuretos. Há poucas baí as oce ânicas
que, como o Mar Negro, sejam permanentemente anaer óbias no fundo.
551

Mangais e Recifes de Coral

Duas comunidades marinhas de águas pouco profundas tropicais e subtropi ¬


cais, distintas e com grande interesse , merecem men çã o especial : sã o os mangais
e os recifes de coral. Ambos são importantes «construtores de terra » que interv ê m
na forma çã o de ilhas e no prolongamento das costas . Os mangais figuram entre as
poucas plantas terrestres emergentes que toleram a forte salinidade do mar. As
diferentes esp é cies formam zonas na regi ã o intercotidal , ou mesmo mais al é m . Na
pr óxima vez que o leitor vá ao sul da Florida ou a « Florida Keys», observe que a zona
mais exterior é constitu í da pela mangue vermelha ( Rhizophora mangle ). Tem longas
ra í zes de suporte que reduzem a acçã o das correntes de mar é, d ã o origem a grande
deposi çã o de lodo e aluvi õ es e fornecem superf í cies de fixa çã o aos organismos
marinhos ( Figura 12-14T ). As sementes germinam quando ainda se encontram na
á rvore, as pl â ntulas caem e flutuam at é encontrar águas menos profundas onde as
ra í zes bem desenvolvidas se possam agarrar, talvez para formar uma nova ilha!
A mangue negra ( Avicennia nítida ) forma uma zona mais pr ó xima da costa; as suas
ra í zes emergem do lodo como um molho de espargos ( veja-sçnà segunda zona da
Figura 12 -14/)). Todavia, para observar o desenvolvimento completo de uma comuni ¬
dade de mangue é .necessá rio prosseguir mais para o sul , onde as formas de cresci ¬
mento sã o maiores e a zonagem mais complexa. A Figura 12- 14 B mostra uma floresta
tropical de mangues no Panam á e a Figura 12 - 14 C 6 um pormenor das ra í zes
de suporte que penetram profundamente nos lodos anaer ó bios ( notar tamb é m as
.

numerosas galerias de caranguejos ). Como atrá s se indicou , pensa-se que esta penetra ¬

çã o é importante na circula çã o mineral necessá ria para manter a elevada produtivi ¬


dade prim á ria exibida pelo mangai ( Golley , Odum e Wilson , 1962 ). A zonagem ao
longo de uma costa de mangai tropical é indicada no diagrama da Figura 12 14/). -
Davis (1940 ) , que estudou a ecologia dos mangais, pensa que eles s ã o importantes,
n ão s ó para ampliar as costas e formar ilhas, mas també m para proteger aquelas da
excessiva erosã o que , de outro modo, se produziria com as violentas tempestades
tropicais. Tem - se demonstrado que os detritos de folhas dos mangais constituem
para os seres aqu á ticos uma das principais fontes de energia ( Heald e W . E . Odum ,
1970 ). Este exemplo foi utilizado no Cap í tulo 3 ( Figura 3-12 ) para ilustrar a « cadeia
alimentar de detritos » .
Os recifes de coral est ã o largamente distribu í dos nas águas pouco fundas dos
mares quentes. Como escreveu Johannes (1970), est ão «entre as comunidades biologica ¬
mente mais produtivas, taxonomicamente mais diversas e esteticamente mais cele ¬
bradas». Nenhum estudante de ecologia, qualquer que seja o seu interesse especial,
se deveria lan çar na vida sem, pelo menos uma vez, pôr a m á scara e o tubo de
mergulhar e explorar um recife de cor ál!
552

Como originalmente os descreveu Darwin , os recifes pertencem a trê s tipos:


(1) recifes de barreira ao longo dos continentes, ( 2 ) recifes anelares à volta das ilhas
e ( 3) at ó is, que s ão cadeias de recifes e ilhas em forma de ferradura com uma
lagoa central. Explora ções geol ógicas e sondagens, feitas nas d é cadas de 40 e 50,
mostraram que os recifes do Pací fico se formaram , na sua maior parte, sobre rocha
basá ltica levantada at é perto da superf í cie do mar pela actividade vulcâ nica submarina
( Ladd e Tracey, 1949). A deposi çã o biol ógica de carbonato de cá lcio é o meio pelo
qual se formam os recifes at é ao n í vel do mar. Sobre o recife podem formar-se
ilhas, quer em resultado da descida do n í vel do mar ( ou eleva ção das infiltra ções
vulcâ nicas), quer em consequ ê ncia da rebenta çã o e da acçã o do vento que acumulam
bocados do recife partido e areia de coral acima do n í vel do mar, de maneira que
as plantas terrestres podem come çar a desenvolver -se.
G. M. Yonge iniciou estudos biológicos na Grande. Barreira de Recifes da
Austr ália na d é cada de 20 e continuou a publicar at é ao presente os seus estudos
de fisiologia e ecologia dos corais; para revisã o deste trabalho de uma vida veja-se
Yonge , 1963, 1968 . Os estudiosos japoneses t ê m dado importantes contribui ções sobre
a fisiologia dos recifes dp coral. Em anos recentes, tem-se dado mais import â ncia
aos estudos de metabolismo da comunidade e da circula ção mineral na comunidade
do recife considerada como um todo ( isto é, ao m é todo holí stico ) e a estudos por ¬
menorizados das not á veis simbioses algas-coral , que são claramente uma das raz õ es
mais importantes para o «sucesso» evolutivo do ecossistema recife . Considerem -se
rapidamente estes dois aspectos.
Embora os corais sejam animais ( filo Coelenterata), um recife de coral n ão
é uma comunidade heterotr ó fica, mas um ecossistema completo, uma estrutura tró-
fica que inclui uma grande biomassa de plantas verdes ( ver Figura 3-155). Como se
descreve adiante, muitos recifes sã o energeticamente auto-suficientes mas est ã o per ¬
feitamente organizados para usar, armazenar ou reciclar (conforme o caso ) o que
recebem das águas circundantes. Al é m disso, embora os corais pé treos ( antozoá rios
da ordem Scler á Ctina, incluindo algumas espécies de outros grupos de celenterados )
sejam dos principais contribuintes para o substrato de calcá rio, as algas vermelhas
calcá rias ( chamadas litotamnias,- especialmente as do g é nero Porolithon ) podem ser de
igual ou maior import â ncia, sobretudo na face mar í tima do recife, uma vez que são
mais aptas a tolerar a acçã o das ondas. Estas algas contribuem , n ã o somente para
a estrutura do recife , como tamb é m para a sua produ ção primá ria ( Marsh , 1968 ).
Desta forma, o chamado recife de coral é na realidade um recife de algas e coral.
A Figura 12-15 mostra a associa çã o í ntima existente entre os componentes
vegetal e animal de uma col ó nia de coral. Um tipo de algas, as chamadas zoo-
xantelas, vive nos tecidos do pólipo do coral ( s ã o «endoz óicas» ), enquanto outras
espécies vivem à volta e por baixo do esqueleto calcá rio do animal . Ainda outras
espé cies de algas, dos tipos calcá rio ou carnudo, podem ser encontradas sobre todo
553

o substrato calcá rio. Durante a noite , os p ó lipos de coral estendem os tent áculos
e capturam o pl â ncton que passa sobre o recife, vindo das águas oce â nicas adjacen ¬
tes. As lagostas e outros invertebrados tamb é m t ê m um per í odo nocturno de acti -
vidade e passam o dia nas reentrâ ncias escuras do recife . Para ter uma vista completa
da vida num recife , é necessá rio « mergulhar » tanto de noite como de dia . Durante o
dia, o tapete praticamente cont í nuo de algas absorve a luz tropical e elabora alimento
( mat é ria org â nica ) num ritmo rá pido. Grandes cardumes de peixes vivamente colo ¬

ridos alimentam-se das algas ou de organismos e detritos transportados na corrente.


Ainda na corrente , em águas mais profundas , espreitam os. grandes predadores, os
tubar ões e as moreias . Como seria de esperar, a zonagem é um aspecto caracter í stico
da distribui çã o das espé cies , tal como o é em outros tipos de litorais « rochosos»
( ver Odum e Odum , 1957 ).
Utilizando o m é todo da curva diurna do oxig é nio ( ver p ágina 89), Sargent
e Austin ( 1949 ), Odum e Odum (1955 ) e Kohn e Helfrich (1957 ) verificaram que a
produtividade prim á ria dos recifes de coral era muito elevada e que a rela çã o P / R
era pró xima da unidade , o que indica que o recife no seu conjunto se aproxima-
de um cl í max metab ó lico ( ver Cap í tulo 9 , especialmente o Quadro 9 - 1 e a Figura
9-1). Supõe- se que os dois principais factores responsá veis pela elevada produtividade são
a corrente de á gua e a eficiente circula ção dos nutrientes. Com base na an á lise
que fizeram da entrada e da sa í da numa dessas « lagoas» coral í feras , um atol do Pac í ¬

fico, que provou ser um oá sis num oceano deserto, Odum e Odum ( 1955) sugeriram
que , como n ã o havia zoopl â ncton suficiente proveniente do oceano ( anteriormente
suposto como a fonte alimentar exclusiva dos corais ) para suportar a popula çã o exis ¬
tente , os corais devem obter muita da sua energia alimentar das algas simbi óticas,
que, por sua vez,.devem ir recebendo nutrientes dos corais e fazer a sua reciclagem .
A controv é rsia levantada por esta teoria estimulou o aparecimento de estudos adi ¬
cionais, que clarificaram a natureza das relações de mutualismo entre os corais e
as algas. Embora os investigadores n ão estejam ainda de acordo em muitos aspectos ,
pode -se apresentar , pelo menos, um « relat ó rio de progressã o», como se segue :
1. As algas endoz ó icas, que consistem em cé lulas amarelas, pequenas e redon ¬
das na endoderme dos p ó lipos, foram identificadas como dinoflagelados e classifi ¬
cadas no g é nero Symbiodinium por Freudenthal ( 1962 ). T ê m um estado flagelado,
de nata çã o livre , que permite a sua livre desloca çã o de um hospedeiro para outro,
e sã o agora cultivadas em laborat ó rio. Algas endoz óicas semelhantes aparecem em
outros animais marinhos, como por exemplo a am ê ijoa gigante Tridacna. McLaughlin
e Zahl (1966 ) resumiram experi ê ncias de cultivo e biologias gerais, enquanto Halldal
( 1968 ) estudou ás rela ções luminosas e a capacidade fotossint é tica.
2. A transfer ê ncia directa de mat é ria org â nica das algas endoz óicas para
os tecidos animais foi demonstrada pelo uso de tra çadores ( Muscatine e Hand ,
1958 ; Muscatine , 1961, 1967; Goreau e Goreau , 1960 ) e pela microscopia electr ó nica
554

( Kawaguti , 1964). Suspeita-se que a depend ê ncia dos corais, relativamente à fotos-
s í ntese das algas como fonte de energia alimentar , é maior nos recifes localizados
em pleno oceano do que nos existentes em águas costeiras, mais ricas, onde o
zoopl â ncton é mais numeroso.
3. Estudos de campo complementares, como por exemplo os de Jonannes et
ai (1970), realizados numa plataforma de recifes da Bermuda, mostraram que a quan ¬
tidade de zoopl â ncton na água envolvente é , muitas vezes, insuficiente para satis ¬

fazer as necessidades de energia do recife .


4. Enquanto Franzisket (1964) relatou que quatro espé cies de corais aumen ¬
taram de peso quando mantidas durante dois meses à luz em água do mar da qual
todas as part í culas alimentares haviam sido eliminadas, a maioria dos experimen ¬
tadores verificaram que os corais crescem mais e vivem melhor quando disp õ em de
alimento vivo que podem capturar e ingerir. Johannes et ai (1970 ) sugerem que as
complicadas adapta çõ es anat ó micas para a captura do zoopl â ncton sã o importantes,
n ão tanto como «ca çadoras de calorias» , mas sim como um meio de obter nutrien ¬
tes escassos, como o f ósforo, de que carecem quer o coral quer o seu parceiro
algal. Uma vez ingeridos pelo pó lipo, tais nutrientes podem ser repetidamente
recirculados entre o coral e a alga. Nos estudos de Pomeroy e Kuenzler ( 1969) foram
obtidas provas adicionais de que a conserva çã o dos nutrientes pode ser refor çada pela
simbiose. Verificaram que os corais perdem muito mais lentamente f ósforo do que
outros animais marinhos de tamanho semelhante que n ão t ê m algas endoz ó icas ; a
hipótese é a de que o f ósforo é reciclado entre os componentes animal e vegetal
dentro da col ó nia. T ã o eficiente reciclagem significa, naturalmente , que pode ser
mantida uma alta produtividade, a despeito do baixo teor em f ósforo na água envol ¬
vente ( ver Capí tulo 4, Secçã o 5).
5. O trabalho de T . F. e N . I. Goreau ( ver o resumo, 1963 ) evidenciou que as
algas endozó icas aumentaram grandemente a capacidade do coral para elaborar o seu
esqueleto ; a cálcifica çã o é , em m é dia , dez vezes maior à luz do que na obscuridade
e diminui muito quando os corais são experimentalmente privados das suas algas
endozó icas. A remoção do C02 pela fotoss í ntese das algas estimula a produ çã o de
carbonato de cá lcio. Goreau pensa que as algas simbi óticas contribuem mais para a
forma ção do esqueleto do que para a nutri ção do p ólipo.
6. As algas filamentosas enredadas no esqueleto dos corais vivos ( ver
Figura 12 - 15 ) est ã o adaptadas à fraca intensidade da luz ( isto é , sã o espé cies de
sombra) , e , como consequ ê ncia , sã o ricas em clorofila ( ver o modelo luz-clorofila.
Figura 3-5 ). Conferem com frequ ê ncia à massa viva do coral uma cor esverdeada. Em
contraste com as algas endoz ó icas, que são dinoflagelados , as algas do esqueleto sã o
membros das Chlorophyta ( algas verdes) da ordem Siphonales. Apesar d ós recentes
estudos de Kanwisher e Wainwright (1967), Halldal (1968) e Franzisket (1968), n ã o
se sabe at é que ponto as algas do esqueleto sã o mutualistas com o hospedeiro
555
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Figura 12- 14. 0 ecossistema mangai . A mangue vermelha da costa oeste da Florida . Observe -se
as ra í zes em escora que proporcionam superfícies de ader ê ncia para as ostras e outros organismos s é sseis .
B . Uma floresta de mangue no Panam á. A biomassa das ra í zes em escora iguala, s ó por si, o tecido
lenhoso total de muitos outros tipos de floresta. (Golley e McGinnis, 1970.)
556

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Figura 12 - 14. C. Imagem pr óxima do sistema radicular em escora da floresta de mangue do


Panam á , mostrando como as escoras penetram profundamente nos lodos anaer ó bios; observe-se o grande
n ú mero de tocas de caranguejos que també m se estendem pela zona reduzida do sedimento. ( Fotografias
do Institute of Ecology, University of Georgia . ) D. Zonagem num pâ ntano tropical de mangue . As cinec
zonas entre as marés baixa e de tempestade sã o as de : Rhizophora, Avicennia , Laguncularia, Hibisaài
e Acrostichum. ( De Dansereau , « Biogeography ; an Ecoíogical Perspective», 1957, Ronald Press, N. Y
557

PÓLIPO ANIMAL

ZONA DE PÓLIPOS, ALGAS ENDOZÓICAS

ALGAS CARNUDAS ESQUELETO


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Figura 12-15. A . Secção longitudinal de uma colónia de corais, ou «cabeça», ilustrando a relação
intima entre o animal coral (pólipo) e diversos tipos de algas. Ver explicação no texto. (Reproduzido
de Odum e Odum, 1955.) B. Fotografia submarina de estruturas de coral ramificadas ao longo da orla
de um recife protegido, onde as correntes são moderadas. Predominam «cabe ças» de coral mais com ¬

pactas nas partes mais expostas ( viradas ao mar) dos recifes de coral. (Fotografia amavelmente cedida
por Amikam Shuv, Tel Aviv University, Israel.)
558

( coral), ou em que medida contribuem para a produção primária da comunidade


dos recifes. Franzisket pensa que a contribui ção proveniente das algas do esqueleto
é baixa, devido à sua reduzida capacidade fotossint é tica.
7. Os corais produzem elevadas quantidades de muco que protegem os deli ¬

cados animais da sedimentação, embora talvez tamb é m proporcionem à comunidade


dos recifes um outro meio de capturar partí culas de nutrientes. Johannes ( 1967)
observou que grandes quantidades de mucosidade escorrem para a água, onde for ¬

mam agregados com outro material orgânico, proporcionando assim uma fonte de
alimento para outros consumidores.
De qualquer forma, o homem tem muito que aprender com os recifes de
coral sobre «reciclagem» e como prosperar num mundo de recursos escassos. Sem
d vida que a «mensagem» é estabelecer melhores «simbioses» com os animais e as
plantas de que depende.
O facto de o recife ser um ecossistema est á vel, de espé cies diversas, bem
adaptado e com alto grau de simbiose interna, não o torna imune à s perturbações
provocadas pelo homem. Esgotos urbanos e industriais, derramamentos de petr óleo,
I sedimentação e estagnação de água provenientes de dragagens ou enchimentos, a
polui ção t é rmica e o lan çamento de águas ' de baixa salinidade ou carregadas de sedi-
tos provenientes do mau uso do solo, est ã o a come ç ar a cobrar o seu tributo.
Inesperadamente, os recifes de coral est ão tamb é m ameaçados por uma explosão
populacional de um predador, o que se supunha não poder acontecer a um ecossis ¬

tema clí max, bem ordenado ! A culpada é a estrela- do - mar - espinhosa ( Acanthaster
planei ). Durante os primeiros estudos no Great Barrier Reef ( 1920 ) apenas foi captu ¬

rado um esp é cimen (Yonge, 1963); actualmente (1970) há numerosos exemplares; elas
ameaçam a integridade de todo o recife e est ão colonizando outras partes do Globo.
A causa desta epidemia é desconhecida, embora se julgue que as origens do problema
est ã o na poluição ou noutro tipo de «stress» provocado pelo homem. Perder - se-ã
outro «paraí so»? Os recifes de coral merecem ser salvos nem que seja pelo seu
valor recreativo; sem eles a ind stria do «mergulho» em águas quentes tamb ém
podia ter de fechar as portas.
1

1
Comunidades da Região Oceânica I

Nesta região, as comunidades são inteiramente compostas por organismos 1


com uma vida pelágica ou b êntica. Algumas esp é cies oce ânicas s ão tamb ém comuns a
à zona nerí tica, mas muitas outras s ão exclusivas da zona oceânica. Como já 1
foi indicado o fitoplâncton oce ânico é predominantemente «microplâncton» e a j
zooplâncton é em grande parte «holoplâncton». Os grandes crust áceos eufausí deos 1

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*
559

su « krill » sã o elos importantes da cadeia alimentar. Quer os peixes quer o zoopl â nc-
i®n sã o extremamente transparentes ou azuis, caracter í stica not á vel que os torna
quase invis í veis. Auxiliares de flutua çã o como espinhas, gotas de gordura, cá psulas
felatinosas e gotas de gases constituem adapta ções ó bvias à vida no mar alto, tal
como as adapta ções de «reciclagem » de nutrientes o são à vida em águas pobres,
como foi analisado na Secçã o 5 do Capí tulo 4. A zona euf ótica estende - se a gran ¬
des profundidades no mar alto, por é m a produ çã o prim á ria total por metro quadra ¬
do é apesar disso pequena. No entanto, como os mares abertos sã o muito extensos,
desempenham um papel muito importante no balan ço global de 02 e C02 .
As aves oce â nicas sã o um agrupamento caracter í stico, cuja f á cil observa çã o
ãienua , muitas vezes, a monotonia de uma longa viagem mar í tima. Procel á rias ,
albatrozes, fragatas, algumas espé cies de andorinhas do mar, aves tropicais e mergu ¬
lhões sã o, excepto na é poca da reprodu çã o, independentes da terra . Poder -se-á
supor que estas aves n ã o deveriam conhecer o significado de «zonagem », por é m
isso est á longe de ser verdadeiro. Este facto foi evidenciado por Murphy (1936)
ao escrever: «As aves oce â nicas est ã o, na sua maioria , ligadas como vassalos ao
seu tipo específico de superf í cie de água ». De forma an á loga , a abund â ncia de aves
oce â nicas depende, indirectamente , da abund â ncia de pl â ncton . O mesmo pode
d ízer-se acerca das baleias, que sã o, talvez, o mais not á vel de todos os animais
marinhos, dado que como agrupamento sistem á tico ( ordem Cetacea) s ã o os princi ¬
pais pulmonados aqu á ticos completamente independentes da terra. As baleias
pertencem a dois tipos, as baleias com barbas, que se alimentam de zoopl â ncton por
meio de grandes filtros de aspira ção e as baleias com dentes, como os cachalotes, j

que se alimentam de n é cton . Ambos os tipos de baleias est ã o representados na


Figura 12-6, assim como os cet á ceos mais pequenos, as toninhas.
Como já foi mencionado, a densidade de seres vivos tende a diminuir com a
profundidade, por é m tem sido agora provado que a diversidade em esp é cies « por
habitat » ( isto é , num dado tipo de massa de água ou fundo) é alta e est á aparentemen ¬
te correlacionada com a estabilidade do ambiente f í sico. Parece agora que interv ê m ,
pelo menos, tr ê s mecanismos diferentes no transporte de alimentos para as grandes
profundidades : ( 1 ) a «chuva de detritos» ( ver Figura 12-6 ) foi inicialmente considerada
como o principal , por é m trabalhos recentes mostraram que o ritmo de queda é
iã o lento , que muitos detritos originados à superf í cie se decomp õem ou dissolvem
antes de atingirem o fundo ; ( 2 ) o transporte pelo pl â ncton saprotr ófico como. por
exemplo, os cocolit óforos ( ver n mero 6 da Figura 12 - 70 , abundantes entre a zona
íótica e o fundo ; ( 3) a forma çã o de part í culas de alimentos, ou agregados org â ¬

nicos, de mat é ria org â nica dissolvida ( os chamados « detritos de bolha » mencionados
no Cap í tulo 2 ; ver Baylor e Sutcliffe , 1963; Riley , 1963) . Uma vez que na á gua do
mar a quantidade de mat é ria org â nica dissolvida excede em cerca de dez vezes a
soma das part í culas de mat é ria, o potencial de conversã o em alimento inger í vel é
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Figura 12-16. Encontra-se esclarecido o misté rio de uma camada dispersora de som ou dispersora
profunda. A fotografia superior é a de um registo de uma sonda ac stica feito num barco sobre as águas
da encosta continental ocidental do Atlâ ntico Norte ; a figura inferior é uma fotografia tirada em simul ¬
tâ neo de um submarino oceanográfico mostrando um cardume de peixes pequenos, Ceratoscopelus
maderensis, que mostrou ser a entidade sonante que produziu o registo de dispersão de som . Os cardu ¬
mes tinham de 5 a 10 metros de espessura, de 10 a 100 metros de diâ metro, e centros distanciados de
100 a 200 metros. Os peixes retirados dos cardumes tinham em m édia 6 cent í metros de comprimento.
A densidade no seio do cardume foi estimada entre 10 a 15 peixes por metro c bico. As sequ ê ncias
hiperb ó licas discretas do eco (fotografia superior) s ã o pouco comuns, já que a maioria das sequ ê ncias
são mais planas, supondo- se que resultam da elevada densidade de indiv íduos no cardume. ( Fotografias
amavelmente cedidas por R . H. Bachus, Woods Hole Oceanographic Institution . Em Bachus et al , 1968.
-
pode ver se uma descriçã o publicada .)
561

consider á vel . Deve ainda considerar-se (4 ) a exporta çã o de mat é ria org â nica das
zonas de costa ( onde a razã o P / R é , muitas vezes, superior a 1 ).
Grandes á reas do fundo do oceano est ã o cobertas de sedimentos finamente
divididos, designados frequentemente por «oozes» ( limo). Carapa ças siliciosas , especial ¬
mente de diatom á ceas, sã o normais nas águas do norte , enquanto carapa ças calcá ¬
rias, especialmente dos protozoá rios Globigerina , predominam em outras regi ões .
Nas á reas muito profundas, algumas conchas alcan çam o fundo, que é mais ou menos
coberto por « argila vermelha ». O epibentOn do mar profundo exibe curiosas espé ¬
cies de crust á ceos, equinodermes e moluscos. Relacionado com este « piso» brando,
muitos dos animais de fundo t ê m longos apê ndices, espinhos abundantes, ped n ¬
culos e outros meios de apoio, como se verifica nos peixes tr í podes, nas am ê ijoas
lamparina (« lamp shells» ) e nos crin ó ides que se apresentam na Figura 12 -6.
A vida pel ágica , especialmente o n é cton das zonas batial e abissal , continua
talvez a ser a menos conhecida de toda a vida oce â nica, pela razã o evidente de que é
dif í cil obter redes suficientemente seguras para capturar formas activas a grandes pro¬
fundidades. Esta é a regi ã o das «serpentes marinhas» , se elas realmente existem .
De facto, a lula gigante , cuja exist ê ncia é realmente um facto e n ã o uma fantasia,
pode facilmente ser confundida com uma serpente marinha que aparece à superf í ¬
cie , uma vez que os seus tent á culos t ê m 10 a 13 metros de comprimento .
Os peixes de profundidade , alguns dos quais se podem ver na Figura 12 -6,
formam um grupo curioso. Mesmo sabendo-se que n ão h á luz bastante para a fotos-
s í ntese na zona batial , alguma luz deve penetrar profundamente , especialmente nos
claros mares tropicais. Por isso, verifica-se que alguns peixes abissais possuem olhos
enormes; outros t ê m - nos pequen í ssimos, aparentemente pouco teis. A outros, todavia ,
faltam completamente os olhos. Muitos animais das profundidades produzem a sua
pr ó pria luz por meio de ó rg ã os luminescentes ( ver o « peixe lanterna » e o « peixe
riscado» na Figura 12 -6) e, ainda , alguns peixes usam uma « fonte luminosa » ( fixada
a uma espinha m ó vel ) como isca para atrair as presas ( ver duas espé cies de « peixe
pescador » na Figura 12 -6). A produ çã o biol ógica de luz no mar foi revista por
Clarke e Denton ( 1962 ). Uma outra caracter ística interessante dos peixes abissais
é a boca enorme e a capacidade de engolir presas maiores do que eles pr ó prios
( ver os peixes tragadores, os peixes engolidores e os peixes v í boras na Figura 12 -6 ).

Nas profundidadas a comida é pouca e dispersa , e ós peixes est ã o adaptados a apro ¬

veitar o melhor poss í vel as suas oportunidades!


A «eco-sonda » , que provou ser ú til na sondagem dos fundos para fins de
navega çã o, é suficientemente sens í vel para registar a concentra çã o de animais
( « falsos fundos » , « fundos fantasmas » ou « camadas dispersoras profundas » ) . A Figura

12 -16 mostra um registo de eco-sonda e uma fotografia simult â nea que revela um
cardume de peixes pequenos ( cada um com o comprimento aproximado de 6 cent í ¬
metros ) responsá vel pela camada dispersora profunda. Os peixes com bexigas natat ó-

36
562

rias d ão origem aparentemente à maioria das camadas de dispersã o, se bem que as


concentra ções de grandes invertebrados sejam capazes de reflectir o som . Durante o
dia , as camadas de dispers ã o profundas sã o localizadas de 600 at é mesmo 1000
metros; de noite , elas deslocam - se para a superf í cie , acompanhando a bem conhecida
migra çã o vertical do zooplâ ncton . A ocorr ê ncia, muito frequente, destas camadas dis-
persoras do som demonstra o facto dos peixes pequenos se distribu í rem em cardumes
muito densos mas muito espa çados ( isto é, a densidade « bruta» do oceano é muito
baixa no seu conjunto, embora a densidade ecol ógica num cardume possa ser muito
alta; ver página 264).
563

Capí tulo 13 - ECOLOGIA DOS ESTU ÁRIOS

1. DEFINI ÇÃO E TIPOS

Um estu á rio ( aestus, mar é ) , de acordo com a defini ção de Pritchard (1967)
modificada, é uma massa de água costeira semi- cercada que tem uma liga çã o livre
com o mar ; deste modo, é fortemente influenciada pela acção das mar é s, e no seu
interior , a água do mar mistura-se ( e geralmente é poss í vel medir o grau de di ¬
lui ção ) com água doce proveniente da drenagem terrestre. São exemplos, as fozes ;
de rios, ba í as costeiras, sapais e massas de água retidas por l í nguas de areia. Os
estuá rios podem ser considerados como zonas de transi çã o ou ecotonos ( ver pá ¬
gina 250) entre os habitats de água doce e marinho, embora muitas das suas mais
importantes caracter í sticas f í sicas e biol ógicas n ã o sejam de transi çã o, mas sim
especí ficas . Al é m disso, os usos e abusos praticados nesta zona pelo homem est ã o
a tornar- se de tal maneira cr í ticos que é importante que se compreendam bem as
caracter í sticas pr ó prias dos estu á rios. Por estas raz õ es, o habitat estu á rio é elevado
à «categoria de cap í tulo» nesta edi çã o. Sobre este assunto recomenda- se a consulta
do volume editado por Lauff (1967).
Como se ilustrou na Figura 12 -3, a água de estu á rio ou salobra pode ser
classificada como oligo, meso ou polialina, conforme a salinidade m é dia. Esta clas ¬
sifica ção apenas tem um valor relativo, pois a salinidade num determinado local
varia durante o dia, o m ê s e o ano. Excepto para alguns estu á rios tropicais, a
variabilidade é uma caracter í stica fundamental, e os organismos que vivem neste
habitat necessitam possuir grandes toler â ncias ( isto é , ser eurialinos e eurit é rmicos ).
Enquanto que as condi ções f í sicas nos estu á rios sã o frequentemente extremas, e a
diversidade em espé cies correspondentemente baixa, as condi çõ es alimentares sã o
t ã o favor á veis que é uma regiã o cheia de vida . Em geral, os estu á rios pertencem à
564

importante classe dos «ecossistemas com n í vel de água flutuante ». Como se expli ¬
cou no Cap í tulo 9, Secção 3, e ser á pormenorizado neste cap í tulo, tais sistemas são
de « pulsa çã o estabilizada » nurna fase «jovem » em rela çã o à produtividade .
A literatura est á cheia de esquemas de classifica çã o para os tipos de estu á rios.
É importante reconhecer que esses esquemas diferem porque os seus autores
escolheram bases diferentes para as suas classifica ções. Para ilustrar este facto, apre-
sentam -se tr ê s classifica ções diferentes baseadas (1) na geomorfologia , ( 2 ) na circula ¬
çã o e estratifica çã o da água e ( 3) na energ é tica dos sistemas.
Do ponto de vista geomorfol ógico, Pritchard (1967 ) achou conveniente consi ¬
derar quatro sub- divis ões dos estu á rios, como se segue :
1 . Vales de rio submersos desenvolvem -se principalmente ao longo de linhas
de costa com plan í cies costeiras relativamente baixas e largas. A Ba ía de Chesapeake ,
a meio da costa atl â ntica dos Estados Unidos, é um bom exemplo.
2. Estu á rios do tipo fiorde sã o reentr â ncias costeiras profundas em forma de U,
cavadas pelos glaciares e geralmente com um patamar pouco profundo na sua foz
formado pelos dep ósitos terminais do glaciar. Os famosos fiordes da Noruega e outros
semelhantes que se encontram ao longo da costa da Col mbia Brit â nica e do Alasca
constituem bons exemplos.
3. Estu ários formados por barreiras são bacias de águas baixas, muitas vezes
parcialmente a descoberto na mar é baixa , cercadas por uma cadeia de bancos de
areia ou conjunto de ilhotas nos quais se abrem algumas entradas ( permitindo assim
« uma liga çã o livre com o mar » ). Algumas vezes os bancos de areia são depositados
fora da costa, embora noutros casos as barreiras possam representar dunas costeiras
primitivas que foram isoladas por subidas recentes e graduais do n í vel do mar. No
primeiro caso, o estu á rio forma-se numa á rea primitivamente mar í tima , ao passo que
no ltimo tem origem numa á rea inundada, primitivamente ocupada por uma plan í ¬
cie costeira ( ver Hoyt , 1967, para uma an á lise destas duas teorias sobre a formação
de barreiras de ilhas e seus estu á rios ). Os «estreitos» por detr ás dos « bancos exte ¬
riores» da Carolina do Norte ( Cape Hatteras National Seashore Park ) e os estu á rios
de sapais junto à costa, por dentro das «ilhas do mar» da Ge órgia, são exemplos
bem estudados deste tipo de estu á rio ( Figura 13-1).
4. Estu á rios criados por processos tect ó nicos são reentrâ ncias costeiras ori¬
ginadas por falhas geol ógicas ou abatimentos locais, muitas vezes recebendo um
grande caudal de água doce . A Ba í a de S . Francisco é um bom exemplo deste tipo
de estu á rio.
Os estuários de deltas de rios que se encontram na embocadura de grandes
rios como o Mississipi ou o Nilo, poder ã o ser considerados suficientemente distintos
dos quatro tipos de Pritchard para justificar a criaçã o de uma quinta categoria
principal . Nestas situações formam -se ba í as semi-fechadas, canais e sapais salobres
em resultado do arrastamento dos depósitos da vasa.
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Figura 13 1. Um t ipo de estu á rio com ilha a servir de barreira , algures na Ge ó rgia . A . Vista que
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se colhe do mar ao olhar da barreira para a praia, observando-se uma sé rie de dunas as mais velhas
cobertas com floresta madura e a faixa larga de estu á rios de sapais localizados entre as barreiras exte
, ¬

riores e a terra firme ( demasiado distante para se poder ver nesta fotografia ) . B . imagem pr ó xima do sapal
de Spartina , mostrando a gram í nea alta, numerosos estreitos e enseadas de mar é e os baixios lodosos
ricos em algas ( v ê -se um pequeno no centro em primeiro plano). Observe -se també m o primeiro est ádio
de forma çã o do detritus de Spartina ( primeiro plano à direita ) , que eventualmente acabar á por fornecer
alimento a muitos quiló metros quadrados de água ( ver texto e Figura 13- 4 ) .
A fotografia superior destaca a sequ ê ncia interdependente do mar, praia, ilha marinha e estu á rio.
,

O estu á rio de sapal é uma ratoeira de sedimentos e nutrientes que constantemente se ajusta .a correntes
e a cargas de sedimentos ; sem ele as belas praias brancas exteriores seriam enlodadas e erosionadas .
As barreiras estã o constantemente a alterar-se , sendo erosionadas aqui ( como no extremo norte da ilha,
lado direito da figura ) e constru í das ali ( como no primeiro plano esquerdo da figura ). Sem a pro-
tecçã o da vegeta çã o nas dunas a taxa de eros ã o pode facilmente exceder a taxa de forma çã o de novas
praias . A ilha marinha apresentada na figura ( Wassaw Jsland ) foi considerada recentemente como á rea
silvestre nacional ( isto é , como á rea a permanacer «sem desenvolvimento» ), aberta a quem quiser visitar,
apreciar, ou estudar os intricados mecanismos f í sicos e biol ógicos que fazem desta paisagem algo de
singular quanto a beleza e fertilidade . ( Fotografia superior , de Floyd Jillson , Atlanta Journal and Cons-
titution Magazine ; fotografia inferior do U . S . Forest Service .)
566

Os tipos de circula ção da água e de estratifica çã o fornecem uma base til para
classifica çã o dos estu á rios, tal como acontece na classifica çã o dos lagos ( ver Cap í ¬
tulo 11, Secçã o 5). Numa base hidrográ fica , os estu á rios podem ser colocados em
tr ê s grandes categorias ( ver Pritchard , 1952, 1955, 1967 u ) :
1. EstU ário fortemente estratificado ou de « cunha de sal » . Quando a corrente
de água do rio domina fortemente a acçã o da maré , como na foz de um grande
rio , a água doce tem tend ê ncia a sobrepor-se à água salgada mais pesada , a qual
nestas condi ções forma uma «cunha » que se estende sobre o fundo , ao longo
de uma dist â ncia considerá vel rio acima. Devido à for ça de Coriolis, no hemisfé rio
norte a água doce tem tend ê ncia a correr com mais intensidade ao longo da margem
direita, para o observador voltado para o mar ( e inversamente, claro est á, no hemis¬
f é rio sul ). Um estu á rio assim estratificado, ou com duas camadas, apresentará um
perfil de salinidade com uma « haloclinal», ou zona de varia çã o brusca da salinidade
da superf ície para o fundo. A foz do Rio Mississipi constitui um exemplo deste tipo.
2. Estuário parcialmente misturado ou moderadamente estratificado . Quando
correntes de entrada de água doce e de mar é sã o aproximadamente iguais, o prin ¬
cipal agente da mistura é a turbul ê ncia, causada pela periodicidade da acçã o da maré.
O perfil vertical da salinidade é menos vari á vel , pois a maior parte da energia é
dissipada na mistura vertical , originando-se assim um conjunto complexo de camadas
e massas de água. A Figura 13- 2 é um diagrama simplificado deste tipo. A Ba ía
de Chesapeake constitui um bom exemplo.
3. Estuá rio completamente misturado ou verticalmente homogé neo . Quando a
acçã o da mar é é fortemente dominante e vigorosa , a água tem tend ê ncia a ficar
bem misturada , da superf í cie para o fundo, e a salinidade relativamente elevada ( pró¬
xima da do oceano). As principais varia ções na salinidade e temperatura , quando
existirem neste tipo, serã o mais horizontais do que verticais. Constituem exemplos
os estu á rios originados por barreiras ou outros estu á rios em costas onde n ã o h á
grandes rios.
O estuá rio hipersalino é um tipo especial que vale a pena mencionar. Quando
a corrente de á gua doce é pequena, fraca a amplitude da maré , e muito alta a eva ¬

pora çã o, a salinidade das ba í as fechadas pode tornar-se mais elevada que a do mar.

MAR
Ic/c/o rejo :?: fu '
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- RIO

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Figura 13 2. Diagrama esquem á tico da circula ção num estu á rio de águas parcialmente misturadas ,

mostrando como a mistura de água doce , mais leve , com água do mar, mais pesada, tende a produzir
uma « ratoeira de nutrientes », que ret é m nutrientes e os põ e novamente a circular no seio do estu á rio
Em muitos estu á rios, os factores biológicos sã o mais importantes do que f sicos na produ çã o de urr.í
os í
ratoeira de nutrientes.
567

pelo menos durante algumas esta ções. Algumas lagoas costeiras do Texas , em particular
Upper Laguna Madra , s ã o exemplos bem estudados ( ver H . T. Odum , 1967) ;
neste caso a salinidade pode elevar-se a 60 %« ( recorde -se que a salinidade do mar é
cerca de 35 %o). Apesar das condições f í sicas severas, n ã o s ó estas ba í as sã o habitadas
por organismos adaptados, como podem ser sistemas biologicamente produtivos.
Torna- se evidente que estes diferentes tipos e gradientes de circula çã o
influenciam grandemente a distribui çã o de cada espé cie, mas uma vez que h á popula ¬
ções adaptadas, a produtividade geral n ão chega a ser afectada por estas diferen ças .
Adiante voltar-se- á mais pormenorizadamente a este assunto.
Dum ponto de vista inteiramente diferente , o da energé tica do ecossistema ,
H. T. Odum e seus colegas (1969) sugeriram a seguinte classifica çã o , que pretende
incluir, n ã o s ó as grandes ba í as e estreitos de estu á rio, mas també m toda a espé ¬

cie de sistemas ecol ógicos costeiros.


1. Os sistemas fisicamente expostos de ampla latitude est ã o sujeitos à rebenta ¬
çã o de ondas de elevada energia, fortes correntes de maré , varia ções severas de
temperatura e salinidade , fraco teor em oxig é nio durante a noite , ou elevados ritmos
de sedimenta ção. As frentes mar í timas rochosas, as rochas das zonas das mar é s ,
as praias arenosas, os canais de mar é s com grandes velocidades, os deltas sedi ¬

mentares e as lagoas hipersalinas deverã o ser inclu í dos nesta categoria . As costas
rochosas e frias do oeste da Am é rica do Norte , cobertas por forte rebenta çã o, e
as ba í as hipersalinas e quentes do Texas constituem bons exemplos de sistemas
naturalmente expostos, em duas zonas clim á ticas bem distintas. Os canais artificiais
que ligam á guas de natureza fisicamente muito diferentes ( tal como o Canal de
Cape Cod ) sã o també m bons exemplos. 0 novo tra çado, ao n í vel do mar , projectado
'

para o Canal do Panam á criaria um grande sistema do tipo exposto, uma vez que as
águas frias de circula çã o ascendente do Pac í fico se alternariam com as á guas quentes
do Mar das Cara í bas atrav é s do canal . Tais sistemas sã o geralmente caracterizados
por baixa diversidade em espé cies qualquer que seja o local , visto que poucas espé ¬

cies possuem a capacidade fisiol ógica necessá ria para se adaptarem às extremas
oscila ções dos factores f ísicos. No entanto, no interior da á rea das mar é s, uma
acentuada zonagem de espé cies e a substitui çã o sazonal de comunidades d ã o muitas
vezes resultado, pois a adapta ção é mais eficazmente conseguida pela substitui çã o
de espé cies ao longo de um gradiente do que pela adapta çã o das pr ó prias esp é cies
( recordem - se as discussões sobre a zonagem e an á lise de gradiente nos Cap í tulos
5, 7 e 12 ). Assim, as listas de espé cies que se encontram em tais sistemas podem
ser muito longas, ainda que a diversidade dos n meros de esp é cies em qualquer
ocasiã o ou em qualquer habitat ( expressa por um dos í ndices de diversidade dis ¬

cutidos no Cap í tulo 6 ) seja admissivelmente muito baixa. Como foi discutido no
Capítulo 3 ( ver página 129), as entradas de energia sob a forma de mar é s, corren ¬

tes ou calor , podem ser , tanto uma pressã o n í tida, como uma contribui çã o real
568

para a comunidade bi ótica , conforme a intensidade e a periodicidade da entrada.


Ao contrá rio dos tipos 3 e 4 indicados adiante , os sistemas organizados em fun çã o
de elevadas pressões de energia sã o aqueles em que a energia acess ó ria é mais
prejudicial do que til , e a adapta çã o é conseguida por um elevado custo metab ó¬
lico para a comunidade . ( Mais uma vez se pergunta : Estará o homem irrevoga-
velmente apostado em cobrir o mundo inteiro com tais sistemas for çados ? ).
2 . Os ecossistemas á rcticos naturais com pressão pelo gelo são exemplificados
com os fiordes glaciá rios, as zonas de mar é sujeitas a gelo no Inverno, e as comuni ¬
dades que vivem sob o gelo nas costas á rcticas. As costas e ba í as do Á rctico ( e do
Ant á rctico) constituem uma classe especial de ecossistemas fisicamente expostos,
nos quais a luz ( na sua maioria dispon í vel apenas durante a curta estação do
Ver ão ) e a baixa temperatura s ão factores fortemente limitantes, assim como o
«aperto» f ísico do pr ó prio gelo.

Deve notar- se que o impacto de certos tipos de polui ção provocada pelo ho¬
mem pode ser muito diferente em sistemas já adaptados a pressão f í sica, quando
comparados com sistemas desprovidos dessa adaptaçã o (tipos 3 e 4 seguintes ). Assim,
uma descarga t é rmica de uma central at ó mica que seria desastrosa para um estu á rio
de água quente, poderia de facto reduzir a pressã o, e assim aumentar a produtivi ¬
dade e a diversidade, num estu á rio á rctico; mas apressamo- nos a perguntar que efeito
teriam as águas quentes sobre as correntes e os climas ?
3. Os ecossistemas costeiros temperados naturais com programação sazonal
incluem muitos dos estu á rios e das costas mais bem estudados das zonas tempera¬
das da Am é rica do Norte , Europa e Japã o. A maioria dos estu á rios do tipo de
vale inundado, de rio de barreiras e de ba í as ( classificação de Pritchard ) que se
encontram nas latitudes temperadas devem ser inclu í dos nesta categoria. Nestes
ecossistemas sã o caracter í sticas as pulsa ções sazonais regulares na produtividade
prim á ria e nas actividades reprodutiva e de comportamento dos animais mui ¬
tas vezes com é poca marcada, ou «sazonalmente programada » pelo fotoper í odo
ou periodicidade lunar , ou por ambos. As mar é s, ondas e correntes mais modera¬
das nas ba í as fechadas proporcionam contribuiçõ es de energia mais do que press ões ,

ao passo que as comunidades dos estreitos mais fundos e águas exteriores beneficiam
muitas vezes de grandes quantidades de mat é ria org â nica e nutrientes arrastados das
zonas baixas fé rteis. Como será discutido mais adiante , os estu á rios temperados
são naturalmente fé rteis, mas muito vulner á veis a estragos devido à poluição, draga ¬

gens , diques, assoreamentos e outras altera ções muito vulgares nas regi ões altamente
industrializadas. Alguns interessantes e importantes habitats ou « subsistemas» dos
estu á rios tempç rados incluem poços de mar é, pâ ntanos salgados , leitos de «erva de
enguia » ( Zostera), fundos de sarga ço, leitos de «soda», recifes de ostras e depósitos
de lodo que albergam densas popula ções de bivalves e vermes marinhos.
569

4. Ecossistemas costeiros tropicais de elevada diversidade. Caracteristicamente ,


as press ões da temperatura, da salinidade e de outros factores f í sicos sã o fracas, de
modo que muita da energia de adaptaçã o especial pode ser transferida para a diver ¬
sidade e o comportamento organizativo, de prefer ê ncia à « manuten çã o antité rmica».
Como outros ecossistemas tropicais, estes cont ê m muitas espé cies e uma grande
diversidade qu í mica no seio das espécies. As cores brilhantes est ã o muitas vezes
associadas a ciclos de vida complexos, tipos de comportamento complicados e elevado
grau de simbiose interespec í fica ( isto é, de « vida conjunta») , Mais uma vez, a tecno ¬

logia da zona temperada, associada à « monocultura», n ã o est á bem adaptada para o uso
e o ordenamento destes tipos, t ão diferentes, de ecossistemas. Subsistemas espec í ficos
incluem : os pâ ntanos de mangais com ra í zes especiais adaptadas à água salgada e às
lamas anaer ó bicas ( ver Figura 12-14 ); as comunidades est á veis de pl â ncton , junto à
costa, dominadas por dinoflagelados ( muitas vezes fosforecentes ) adaptados a forte
intensidade luminosa e elevado teor em nutrientes org â nicos ; e os prados tropicais
submarinos caracterizados por «erva tartaruga» ( Thalassia) e algas bent ó nicas. Nas
águas baixas, onde intensidade da luz é forte e a temperatura e a salinidade unifor ¬

mes, como- por exemplo no Pací fico Sul, os recifes de coral formam com frequ ê ncia
ilhas de barreiras « vivas» que fornecem as «semi-cercaduras» para o desenvolvi ¬
mento dos estu á rios tropicais. A ecologia dos recifes de coral já foi discutida nas
-
páginas 551 559.

5. Aparecimento de novos sistemas associados ao homem. Conquanto seja


urgente reduzir a polui çã o nos estu á rios e os tratamentos secund á rios e terci á rios
dos res í duos ( ver na página 435 as definiçõ es destes termos ) se tornenv praticamente
universais, é prová vel que os estu á rios nas á reas urbanas e industriais fiquem sempre
sujeitos a alguma carga de polui ção. É por isso importante considerar como uma
categoria especial os estu á rios onde se desenvolvam adaptações para os res í duos
produzidos pelo homem . Estes devem ser muito cuidadosamente estudados de modo
a definir os limites de tolerâ ncia e escolher os organismos e mecanismos biol ógi ¬

cos que podem ser favorecidos para auxiliar o homem no tratamento dos res íduos .
Os estu á rios t ê m capacidades variá veis para suportar material « degrad á vel » , conforme
a dimensão do sistema, os tipos de corrente , os tipos de estu á rio e a zona clim á tica .
Materiais, tais como esgotos domé sticos e res í duos da ind ú stria de celulose tratados,
res í duos da preparação de peixe e outros alimentos, res í duos de petr ó leo e restos
de dragagens podem ser decompostos e dispersos desde que ( 1) o sistema n ã o seja
també m pressionado com venenos ( insecticidas, á cidos , etc. ) e ( 2 ) o ritmo da entrada
seja controlado a n í veis baixos ou moderados e n ã o esteja sujeito a «choques»
repentinos produzidos por descargas maci ças peri ódicas. Assim , n í veis baixos de
petr ó leo ou poluiçã o t é rmica podem ser tolerados por um sistema adaptado, mas
um derramamento maci ço de petr ó leo é desastroso ( e indesculpá vel !) especialmente
para organismos grandes como os peixes e as aves. De todas as altera ções provoca-
570

das pelo homem, o represamento das águas de estu á rio ou seja o corte da
« liga çã o livre com o mar» ( um ponto chave da nossa defini çã o de estu á rio) é
talvez aquela que maiores efeitos produz. Deve-se reconhecer que as á guas represa ¬

das constituem um tipo de ecossistema completamente diferente, o qual praticamente


n ã o possui capacidade natural para o tratamento de res í duos. Mesmo o represamento
de águas para a criaçã o de espé cies marinhas deve ser muito cuidadosamente
planeado, pois é necess á rio assegurar artificialmente, por meios mecâ nicos, algum
arejamento, controlo de doen ças e produ çã o de alimento, anteriormente garantidos pelo
sistema de livre circula çã o. A maricultura , como a agricultura, tem os seus custos
escondidos e n ã o é um dom «gratuito» da natureza ( recorde-se a discuss ã o deste
importante ponto no Cap í tulo 3).

2. BIOTA E PRODUTIVIDADE

As comunidades dos estu á rios sã o tipicamente constitu í das por um conjunto


de esp é cies end é micas ( isto é , esp écies exclusivas da zona de estu á rio ) e espé cies
que neles penetram vindas do mar, mais um pequeno n mero de esp é cies com a
capacidade osmorreguladora que lhes permite entrar ou sair do meio de água doce.
Mesmo o biota dos estu á rios hipersalinos é de origem mar í tima e de maneira
nenhuma derivado da comunidade de camar ã o- mosca dos lagos salgados interiores
ou das fontes fortemente salinas. As popula ções de peixe e marisco são bons exem ¬

plos de esp é cies end é micas e marinhas à mistura. Por exemplo, a truta marisca
pintalgada ( Cynoscion nubulosus) est á praticamente limitada aos estu á rios, ao passo
que os s á veis americanos ( Brevoortia , sp . ) se encontram nos estu á rios , principalmente
nas fases juvenis. Paralelamente , a maioria das esp é cies comerciais de ostras e ca¬
ranguejos sã o essencialmente de estu á rio, ao passo que vá rios tipos comercialmente
importantes de camar õ es vivem e desovam no mar enquanto adultos e entram nos
estu á rios como larvas, como se mostra no diagrama do ciclo de vida da Figura
13-3. É muito vulgar , de facto, que o n é cton costeiro use os estu á rios como
locais de viveiro, onde os jovens nas fases de crescimento beneficiam de protecçã o
e alimento abundante. Como o homem geralmente captura tais esp é cies no mar.
as rela ções vitais do ciclo biol ógico e das trocas energ é ticas com o estu á rio nem
sempre foram bem apreciadas. Os peixes an á dromos, como o salm ã o e a enguia,
tamb é m dependem dos estu á rios onde podem permanecer , por tempo consjderá vel.
durante as suas migra ções da água salgada para a doce . A exist ência de tantos
e t ão importantes pesqueiros comerciais e desportivos, dependentes dos estu ários, è
uma das principais raz ões econó micas para a preservação destes habitais. As partes
mais produtivas e por isso mais importantes da zona de viveiro s ã o as zonas inter-
571

mar é s e de águas baixas adjacentes, as quais sã o evidentemente as primeiras a


sofrer com os aproveitamentos artificiais mal planeados ( Figura 13-6 ).
Entre os pequenos organismos que constituem a base da cadeia alimentar ,
a substituiçã o de espé cies em gradientes sazonais permite uma adapta çã o eficaz às
-••ariações estacionais dos factores f í sicos que são caracter í sticos dos estu á rios da zona
íemperada , como foi descrito no Cap í tulo 5 ( página 173). Em geral , o componente
holoplâ ncton compreende relativamente poucas esp é cies, ao passo que o meroplâ ncton
( ver na p ágina 536 a defini çã o destes termos ) tem tend ê ncia a ser mais diversi ¬

ficado, reflectindo a variedade dos habitats b ê nticos. Os consumidores são, em


geral , versá teis quanto ao comportamento alimentar. A ub í qua tainha ( Mugil), da
qual existem vá rias esp écies espalhadas por todo o mundo, pode alimentar - se a
vá rios n í veis tr óficos (W . E. Odum , 1970 a ). O perfil de sedimento marinho descrito
no cap í tulo anterior ( Figura 12 -13 ) encontra-se especialmente bem desenvolvido
nos estu á rios e é de capital import â ncia no metabolismo dos sistemas. Devido ao
elevado teor de mat é ria org â nica nos sedimentos dos estu á rios, o ciclo biogeoqu í -
mico do enxofre, que se descreveu no Cap í tulo 4, desempenha um papel importante .
Como se mostrou no Quadro 3- 7, os estu á rios como classe de habitat colo¬
cam-se , a par das florestas tropicias e dos recifes de coral , como ecossistemas natu ¬
ralmente produtivos. Caracteristicamente, os estuá rios sã o em gerai mais produtivos
do que o mar, por um lado, ou do que as bacias de água doce, por outro. Os subs í dios
de energia que contribuem para esta produtividade foram discutidos no Cap í tulo 3
( ver especialmente a Figura 3-17), ao passo que estes e outros factores já foram
de novo considerados neste cap í tulo. Podemos agora resumir as razõ es da elevada
produtividade como se segue ( ver E. P. Odum , 1961; Schelske e Odum , 1961) :

1. Um estu á rio é uma armadilha de nutrientes que funciona em parte fisica ¬


mente (especialmente nos tipos estratificados , ver Figura 13- 2 ) e em parte biologi ¬
camente. Como sucede nos recifes de coral a reten çã o e a reciclagem rá pida dos
nutrientes pelos bentos, a forma çã o de agregados e detritos org â nicos e a recupera çã o
de nutrientes dos sedimentos profundos pela actividade microbiana e pelas ra í zes das
plantas que penetram mais fundo, ou pelos animais escavadores, criam uma esp é cie
de sistema «auto- enriquecido» ( ver Kuenzler , 1961; Pomeroy et al., 1965, 1969 ) .
Como já foi indicado, esta tend ê ncia natural para a eutrofica ção torna os estu á rios
particularmente vulner á veis à polui çã o, uma vez que os poluentes são «apanhados»
tal como acontece com os nutrientes teis ( ver a discussã o sobre o DDT, páginas
113,115, Quadro 3-12).
2 . Os estu ários beneficiam de uma diversidade de tipos de produtores « progra¬
mados » para fiotossí htese realmente anual. Os estu á rios , em geral , t ê m todos os tr ê s
tipos de produtores que d ã o energia ao nosso mundo, nomeadamente macr ófitos
( sarga ç os , espermat ófitas marinhas e dos pâ ntanos ) , micr ófitos b ê nticos e fitoplâ nc-
572
ZONAS DÉ CRIAÇAO ESTUAR1NA

OCEANO BARREIRA
r ESTREITO BAIA DE AGUAS PANTANO ENSEADA RIO DE
SUPERFICIAIS DE MAR MAR É
v - Éí í)1

--
~ -

f ./ (PASSAGEM) / r T FEEf- F E fF \ fF.(F/E


, '
"F VE -F,'.- ( CAMAR Ã O A50LESCENTE)
M - g / (ETAPAS LARVARES)' t-
/ \
F
E F
*' ( CAMARAO JUVENIL)
/ (OVOS) / '
(CAMAR Ã O X
ADULTO)

Figura 13- 3. Ciclo de vida do camar ão que utiliza os estuários como áreas de criação Os camar ões .
adultos desovam em frente -da costa e as fases larvares jovens ( A , nauplius; B, protozoea; C, misis:
D, posmisis) movem- se da costa para os estuá rios semifechados, onde as fases juvenil ( £) e adolescente
( F ) encontram o alimento e a protec ção de que necessitam para um r ápido crescimento nas baí as, en¬
seadas ou pântanos de águas superficiais. Os camar ões adultos retornam ent ão às águas mais fundas dos
estreitos e do oceano adjacente, onde sã o pescados pelos arrast ões comerciais.

.
ton A zonagem destas tr ê s unidades de produ ção num estuário da Ge órgia é indi ¬

cada na Figura 13-4. Nesta localidade a planta de sapal, Spartina alterniflora, é


o principal produtor; os detritos da - erva, microbianamente enriquecidos, «alimentam»
os consumidores nas correntes e estreitos ( ver a descrição das cadeias alimentares
.
de detritos Capí tulo 3 ). Este papel pode ser desempenhado pela Zostera ou pelos
sargaç os, em águas mais frias, e pela Thalassia e gé neros pr ó ximos, nas águas quen ¬

tes. Estes ltimos fornecem importantes contribui ções para a produtividade das lagoas
subtropicais e tropicais ( ver H. T. Odum, 1957 u, 1967; Wood, Odurn e Zieman.
1969). As ervas marinhas, em geral, suportam popula ções de algas epifí ticas

UNIDADES DE PRODUÇÃ O

ERVA DE SAPAL ALGAS DO LODO FITOPL Â NCTON

-'-fcfML PREIA - MAR

SAPAL DE SALICORNIA BARREIRA DE SAPAL


i
E DISTICHLIS v DE SPARTINA M É DIA /BAIXA - MAR
JUNCAL SAPAL DE SPARTINA CURTA BORDADURA DE SAPAL
DE SPARTINA ALTA

SAPAL ZONAGEM 1
i
Figura 13-4. Zonagem num sapal salgado, num estuário da Ge órgia mostrando os tr s tipos dis- | .
tintos de produtores que contribuem para o metabolismo do sistema lima grande parle do sapal está
,

coberta por uma nica espé cie de plantas, Spartina alterniflora. que, no entanto, apresenta Ibrmas distintas
de vida ou ecótipos de acordo com as condições fisiogr á ficas. As zonas de Spartina sã o precisamente t ão 4
diferentes, nas respectivas produtividades e nas populações animais associadas, como o sã o as zonas 4
compostas por espé cies diferentes. Funcionalmente, todo o sapal é uma unidade, uma vez que a maioria
da erva n ão é consumida antes de ser fraccionada e transformada em detritos, pela ac çà o das marés
e das bact é rias, e transportada para todas as partes do estuário.
.

;
573

iauflvuchsou perifiton , ver p ágina 483) e pequena fauna que fornece alimento im ¬
portante para o peixe de pastoreio e outro n écton. Como se mostra na Figura
13-5, pode-se observar uma « micro-sucessã o» nos limbos da erva marinha com
,

a maior biomassa e diversidade nas folhas mais velhas.


A import â ncia das pequenas algas bê nticas, que crescem n ã o s ó nos macró -
fitos ( Figura 13-5) e animais sé sseis mas també m' sobre o interior de toda a espé ¬
cie de fundos (areia, rocha, lodo), passa muitas vezes despefcebida. Por exemplo,
Pomeroy (1959) calculou que as «algas do lodo» nos estu á rios da Ge ó rgia
representavam um ter ço da produ çã o anual total. No Ver ã o, verificou que a taxa
fotossint é tica era mais elevada durante a mar é alta (os organismos eram como que
« refrescados pela água »), ao passo que no Inverno era mais elevada quando as mar ¬
gens das correntes estavam expostas na mar é baixa e os sedimentos eram aquecidos
rapidamente pelo sol . Em consequ ê ncia, a taxa de produ çã o perman ê ncia relativamente
constante durante o ano, o que é mais um bom exemplo da homeostasia funcional ,
em face das marcadas varia çõ es sazonais da luz e da temperatura. Williams (1968),
ao estudar as diatom áceas bê nticas de estu á rio, verificou que muitas constroem
tubos de sedimento nos quais se movem para cima e para baixo, de acordo com
os regimes de luz e temperatura ( um exemplo de ajustamento conseguido pelo
«comportamento» da planta). Para um diagrama da circula çã o da energia num estu á ¬
rio de sapal, ver Teal (1962 ).
3. A import â ncia da acção das marés na cria ção de um ecossistema «subsidiado»
de n í vel de água flutuante já foi documentada. Em geral , quanto maior a amplitude
das mar é s maior o potencial de produ ção, desde que as correntes resultantes n ã o
sejam demasiado abrasivas. O movim é nto alternativo da água executa uma boa
quantidade de «trabalho», removendo res í duos e transportando alimento e nutrientes,
de modo que os organismos podem manter uma exist ê ncia sé ssil , a qual n ão requer
um grande gasto de energia metabó lica para a excre ção e obten ção de alimento.
N ão se sabe bem a que velocidade as correntes deixam de ser subs í dios para se
converterem em press ões.
Os estu á rios est ã o sujeitos, como outros sistemas eutr óficos, a surtos que
algumas vezes «fogem da m ã o» ou se tornam temporariamente «cancerosos» . As
marés vermelhas, grandes surtos de dinofiagelados com pigmentos vermelhos ( dos gé ¬

neros Gonyaulax e Gymnodinium, entre outros ), sã o exemplos bem conhecidos. Os


surtos vermelhos ocorrem , com frequ ê ncia , em manchas nos estu á rios sem provocar
qualquer inconveniente ( Ragotzkie e Pomeroy, 1957 ) , mas nalgumas á reas formam -se
periodicamente surtos de propor ções .monstruosas que se estendem para as á guas
costeiras, onde podem provocar mortalidade maci ça do peixe e outro n é cton devido
à s toxinas produzidas pelos flagelados. De acordo com Provasoli ( 1963 ), a neuroto-
xina segregada pela Gonyaulax catenella é um dos venenos mais fortes que se
conhece . Tal como na água doce , grandes surtos de algas cianof í cias podem tamb é m
574

produzir toxinas. Por outro lado, muitas mar é s vermelhas n ã o s ã o t ó xicas ; verifi ¬
cou - se que os surtos de algumas esp é cies s ã o rapidamente comidos pelo peixe
( W. E . Odum , 1968 a ) e que sã o nutritivos quando fornecidos a ratos ( Patton e outros.
1967). Ainda que as causas das mar é s vermelhas n ã o sejam bem compreendidas, a

-
Figura 13 5. Uma folha de uma zostera
( Zostera) cortada em quatro fragmentos
para mostrar o desenvolvimento de algas
epifíticas nas por ções mais velhas ( para a
direita da figura). Em acrescento aos cor ¬
d õ es algais multicelulares vis í veis a olho
nu , numerosos protozoá rios e diatomá ceas
unicelulares, juntamente com pequenos
animais metazoá rios, formam uma micro-
comunidade quase completa cuja pro ¬
du çã o bruta iguala ou excede a da parte
jovem ou pr óxima , n ã o colonizada, da
planta de zostera ; ver E. P. Odum ( 1966).
( Fotografia do Dr. E. J. Kuenzler .) A
i
V
? '• •
Ti-
*
I :,X
*,

maioria dos investigadores julgam que se desenvolvem quando condi ções est á veis
da água em á reas f é rteis originam uma concentraçã o de nutrientes orgâ nicos e de
subst â ncias de crescimento ( que se sabe serem necessá rios aos dinoflagelados ) que
foram , talvez, produzidos pelos surtos anteriores de outro fitoplâ ncton . Ao passo
que as mar é s vermelhas sã o fen ó menos « naturais» que podem ocorrer em vastas
á reas costeiras (e algumas vezes no mar alto), suspeita-se que a polui çã o org â nica
possa aumentar a frequê ncia e a intensidade dos surtos t ó xicos . Ryther , 1955, Hutner
e McLaughlin , 1958, e Wood , 1965, apresentam v á rias teorias.
575

Uma ideia corrente sobre os estu á rios é a de que o afluxo de água de rio, con ¬

tendo fertilizantes arrastados da terra, fornece uma importante contribui ção para a
produtividade do estu á rio. Ainda que possa ser assim nos casos em que os terrenos
drenados são muito ricos ( como no Delta do Nilo, antes das grandes barragens
terem bloqueado a corrente de sedimentos) , os rios em geral n ã o «fertilizam » o estu á¬
rio. De facto, os estu á rios de foz sã o, em geral, menos produtivos do que as ba ías ou
lagoas que n ão possuem grandes influxos, mas t ê m uma flora b ê ntica bem desenvol ¬

vida. Riley (1967) resumiu as provas de que os nutrientes concentrados e reciclados


nos estuá rios prov ê m originalmente do mar. Ao mesmo tempo os estu á rios criam ,
em geral , maior fertilidade do que podem utilizar ( P excede R ) , do que resulta uma
exporta çã o ou despejo de nutrientes e detritos orgâ nicos para o mar , como foi men ¬
cionado no capítulo anterior ( página 523). Por exemplo, é produzida tanta mat é ria orgâ ¬
nica nos estuá rios de sapais da Ge ó rgia e combinada com tanto sedimento, que os
nutrientes contidos não podem ser totalmente utilizados no estu ário devido à fraca
penetra çã o da luz. Quando estes nutrientes alcan çam as águas mais l í mpidas do litoral
podem ser utilizados. Como se mostra no Quadro 13-1, as águas costeiras pr ó ximas
destes f é rteis estu á rios podem ser muito mais produtivas do que as águas costeiras
nas fozes de grandes rios. A exportação de meroplâ ncton e de detritos dos estuá rios
pode, particularmente , refor çar a produ çã o secund á ria das á guas costeiras. Em resumo,
pode afirmar-se que todas as águas costeiras capazes de suportar pescas intensivas
beneficiam , provavelmente , de um destes casos: (1) descargas provenientes das
«zonas de produ çã o» de águas baixas, ou ( 2) circula ções ascendentes de águas
de fundo ricas em nutrientes, ou (3) os dois casos anteriores em conjunto ( ver
E. P. Odum , 1968a ).

Quadro 13-1
-
Produtividade Primária em Carbono 14 de Á guas Costeiras de um Estuário Fértil,
Comparada com a das Desembocaduras de Dois Grandes Rios *

PRODU ÇÃ O PRIM Á RIA ORIGEM


ÁREA
g de C / m2 / ano DOS DADOS

Água costeira de sapais cie um grande estuᬠ547 J. P. Thomas, 1966


rio na Ge ó rgia ; sem rio nas vizinhan ças
Água costeira do Rio Mississipi 2881 W. H. Thomas et ai , 1960

Desembocadura do Rio Columbia 88


Esteiros do Rio Columbia 60 Anderson, 1964
Corrente ascendente a norte da desemboca ¬ 152 .
dura do Rio Columbia

* Adaptado de E. P. Odum , 1968 a .


t Calculada a partir da taxa diária medida de 0,8 g de C/ m 2
576

3. POTENCIAL DE PRODUÇÃO DE AUMENTO

A elevada produtividade potencial dos estu á rios n ã o tem sido geralmente apre ¬
ciada pelo homem , que com frequ ê ncia os tem classificado como á reas « sem valor»,
unicamente aproveit á veis como vazadouro de res í duos ou teis quando drenados ou
aterrados e convertidos para uso terrestre . A Figura 13-6 ilustra uma modifica çã o parti ¬
cularmente desafortunada que destró i a zona mais produtiva e cria zonas residenciais
vulnerá veis à s tempestades. Quando se consideram os custos dobrados ( isto é, o custo
original da constru çã o e o custo subsequente de manuten çã o e repara çã o dos danos
provocados pelas tempestades, pagos pelo contribuinte ) de tais transforma çõ es e o
elevado potencial do estu á rio, n ã o modificado, para produ çã o de prote í nas e trata¬
mento de res í duos , é evidente que a utiliza çã o no estado natural é prefer í vel. Muitos
estados est ã o a aprovar legisla çã o para preservar esta « melhor e principal utiliza çã o».
Dois exemplos ilustrar ã o a potencialidade para a produ çã o de alimento nos
estu á rios que sã o conservados mais ou menos no seu estado natural . De acordo com
Hopkins e Andrews ( 1970 ), o bivalve de valor comercia] Rangia cuneata produz anual ¬
mente e por hectare 2900 kg de carne e 13 900 kg de conchas em certos estu á rios
do Texas . Admitindo 2 kcal por gr á ma de peso h mido, esta produ çã o representa cerca
de 580 kcal por m 2 , que se compara bem com a produ çã o de peixe em lagoas arti ¬
ficiais mais intensivamente fertilizadas e ordenadas ( comparar com o Quadro 3-11 ),
se se tiver em conta, naturalmente , que o leito de bivalves requer uma transfer ê ncia
de energia proveniente das á guas adjacentes. A cultura de ostras em jangada , como
se pratica no Japão, pode aumentar as produ ções cinco a dez vezes em rela ção à obtida
em popula çõ es livres. No entanto, este tipo de cultura, no qual as ostras s ã o suspensas
em cordas pendentes das jangadas, requer uma grande quantidade de m ão- de - obra
( isto é , adi çã o de energia humana ). De acordo com Bardach ( 1968 ), uma jangada de
500 metros quadrados, nos melhores estu á rios para a cria ção de ostras , pode produzir
anualmente quatro toneladas ( peso h ú mido ) de carne limpa de ostras . Aparentemente
estas jangadas podem ocupar , em ba í as protegidas, at é um quarto da á rea da superf í cie
aqu á tica sem produzirem auto- polui çã o, podendo- se obter nesse caso 2000 kcal por
m 2 e ano de prote í na alimentar. Furukawa ( 1968 ), numa revisã o da hist ó ria e t é cnicas
de cultura de ostras japonesas, refere que o m é todo das jangadas substituiu pratica-
mente todos os outros m é todos de cultura de bivalves naquele pa í s. A produ çã o de
carne de ostras na Ba í a de Hiroshima cresceu de 20 mil toneladas ( peso h ú mido ) em
1950 , para 240 mil em 1965, constituindo este ú ltimo valor uma produ çã o maior do
que a colheita total de ostras naturais em todo o Japã o.
Antes de se pegar na r égua de cá lculo e se proceder à estimativa , a partir
destes n ú meros, da quantidade de carne de ostra que se poderia produzir em todos
os estu á rios do mundo, recorde - se que essas colheitas intensivas locais dependem
de muitos hectares ( o n ú mero exacto n ã o se pode determinar ) de á guas adjacentes.
577

As aquiculturas de ostras, portanto, devem ser espa çadas e a sua densidade devida ¬
mente regulada para que a capacidade natural de produ çã o, assim como outros usos
necessá rios dos estuá rios, n ão sejam destru í dos por um «excesso de coisa boa».
Desde que se mantenham as perspectivas de produ ção dentro de limites ecol ógicos
razoá veis, a cultura de ostras e de outros bivalves em jangadas representa uma ma ¬
neira apropriada de aproveitar a produtividade natural dos estu á rios. Uma vez que
as ostras são sens í veis à poluição, qualquer investimento econ ó mico nesta cultura
pode ser també m um factor dissuasivo da polui çã o.

( NATURAL )
BOSQUE ARBUSTIVO

|1 0
< PRADO Á REA DE CRIAçAO

SAPAL

% ° MAR É S DE
TEMPESTADE
MAR É ALTA
EXTREMA MAR É ALTA MAR É BAIXA
M É DIA M É DIA
RESIDENCIAL

5
ENCHIMENTO
O MURALHA

I 00 50 0 50 100
DIST Â NCIA À COSTA EM PÉ S

Figura 13-6 . A constru ção de pared õ es destr ó i a parte mais importante da «á rea de cria ção» do estu ário
e estimula os empreendimentos de constru ção de habita çã o que sã o vulnerá veis aos tuf õ es e outras
tempestades. Diagrama reproduzido de Mock ( 1966), o qual relata que uma amostragem intensiva de
10 meses produziu 2,5 vezes mais camar ã o castanho e 14 vezes mais camarã o branco (as duas principais
espé cies comerciais), numa á rea natural n ò estu á rio do Texas ( A no diagrama) do que aquele que podia
ser colhido numa á rea com muralha do mesmo estu á rio ( B no diagrama ). Este é apenas um dos nume¬
rosos tipos de modifica çõ es empreendidas em nome do « progresso» e do «desenvolvimento» que destroem
inadvertidamente recursos naturais muitas vezes com grandes custos para os contribuintes, dado que a
maior parte de tais opera çõ es n ão sã o pagas pelos empres ários « privados » mas sim pelo Estado ou
,

pelos fundos regionais provenientes do « sistema pol í tico dos fundos para propaganda pol ítica destinados
a acçõ es nos rios e enseadas» ( ver Allen , 1964, e W .' E. Odum , 19706).

A cultura de ostras nos Estados Unidos tem tido os seus altos e baixos. Inicial ¬
mente um neg ó cio pr óspero em muitas á reas, a poluição, as dragagens e os aterros,
e a redu ção dos efectivos de «juvenis» conseguiram aTruinar a ind stria. Como a popula¬
ção- humana mundial tem grandes car ê ncias de prote í na, o interesse pelo mé todo japon ês
de cultura de bivalves em jangadas e pela cultura de camar ã o e peixe em lagoas (tam ¬
bé m bastante generalizada no Japão e outros pa í ses do leste ; ver Hickling, 1962) aumen-

3?
578

tar á sem d vida neste pa í s. Com o objectivo de aproveitar o potencial, deve compreen ¬
der-se a urg ê ncia de dois factores : ( 1) a destrui çã o f í sica dos estu á rios deve ser suspensa
e a sua aptid ã o biol ógica restabelecida pela redu çã o da polui çã o e (2) deve ser ampla ¬
mente reconhecido que, n ã o s ó a cultura de estu á rio é baseada em princ í pios intei ¬
ramente diferentes dos de terra firme, mas tamb é m que se devem ter sempre em
considera çã o outros usos com os quais as pr á ticas de maricultura podem colidir.
Assim , em contraste com um campo de milho, um estu á rio deve ter outros usos
al é m da produ çã o de alimentos ( isto é, recreio, navega çã o, etc. ). Recentemente a
National Science Foundation lan çou um programa de «subs í dios destinados ao mao>
para universidades com a esperan ça de que a investiga çã o aplicada orientada fará
pela maricultura o que as faculdades com «subs í dios para terra » fizeram pela agri ¬
cultura durante o ltimo s é culo. Uma coisa é certa : a cultura marinha e de estu á ¬

rio n ã o é algo que uma pessoa ou um grupo inexperiente e sem treino possam ser
encorajados a praticar .

4. RESUMO

O estu á rio é um bom exemplo de um sistema duplo que consegue um bom


equil í brio entre as componentes f í sica e bi ótica e, a partir da í , uma elevada taxa de
produtividade biol ógica. É formado por vá rios subsistemas bá sicos ligados entre si pelo
fluxo e refluxo da água , regulados pelo ciclo hidrol ógico ( o caudal do rio ) e o ciclo de
mar é s, ambos fornecendo «subs í dios de energia» para o sistema tomado como um todo.
Os principais subsistemas sã o : ( 1 ) as zonas de produ ção das águas baixas, nas quais a
taxa de produ çã o prim á ria excede a taxa de respira çã o da comunidade ; estas incluem
recifes , bancos, leitos de sarga ços ou de ervas marinhas, tapetes de algas e sapais ; este
subsistema exporta energia e nutrientes para as águas mais fundas do estu á rio e a
plataforma costeira adjacente ; ( 2 ) o subsistema sedimentos, nos canais mais fundos ,

estreitos e lagoas , nos quais a respira çã o excede a produ çã o e é utilizada a mat é ria
orgâ nica em part í culas e dissolvida proveniente da zona de produ çã o; aqui os nutrien ¬

tes sã o regenerados , reciclados e armazenados e produzidas as vitaminas e os regu ¬

ladores de crescimento; ( 3 ) o pl â ncton e o n é cton , que se movem livremente entre


os dois subsistemas fixos , produzindo, convertendo e transportando nutrientes e
energia , à medida que respondem à s periodicidades diurna , das mar é s e sazonal ; este
subsistema é capaz de reagir rapidamente à abund â ncia ou à escassez dos recursos
dispon í veis.
Do ponto de vista humano, os estu á rios devem ser sempre considerados como
um meio ambiente de m ú ltiplo uso, o que significa que se devem estabelecer com ¬

promissos entre os usos em conflito, em termos de bem -estar do conjunto ( ver pá-
579

gina 431 e Figura 9- 8). Uma vez que num estu á rio «todos» ( homens e organismos )
vivem a jusante dos demais, qualquer modifica çã o ou polui çã o num ponto afecta
pontos distantes em ambas as direc ções da mar é e mesmo no mar adjacente . Conse ¬
quentemente , o ecossistema inteiro do estu ário deve ser estudado , controlado , ordenado
e zonado , e regulados os usos humanos, em termos do conjunto. De outra forma os es ¬

tuá rios não escaparão à «tragédia das coisas comuns» ( ver p ágina 392 e Hardin , 1968 ) .

*
581

Capí tulo 14 - ECOLOGIA TERRESTRE

1. O AMBIENTE TERRESTRE

Chega- se agora à terra , geralmente considerada como o mais vari á vel , tanto
em termos de tempo como de geografia, dos tr ê s ambientes principais. Embora
se n ã o pretenda desenvolver este ponto, o contraste dos ecossistemas de água livre ,
como o oceano com a sua pequena biomassa vegetal , e o ecossistema terrestre, com
a grande biomassa deste tipo que lhe é pr ó pria, constitui um aspecto que se des¬
tacou ao longo da Parte l ( ver especialmente o Cap í tulo 2 ). Por motivo da estrutura
biol ógica consp í cua, fixa, os estudos ecol ógicos tenderam no meio terrestre a des ¬
tacar os princ í pios da organiza ção da popula ção e da comunidade e os processos de
desenvolvimento autog é nico ( isto é , a sucessã o ecol ógica ). Estes princ í pios foram
examinados detalhadamente do Cap í tulo 6 ao 9, e apresentados muitos exemplos
terrestres . No Cap í tulo 3, considerou -se a produtividade dos ecossistemas terrestres,
e as caracter í sticas f í sicas gerais do ambiente terrestre foram tra çadas no Cap í tulo 5,
Secçã o 5. Portanto, este cap í tulo ocupar-se -á, principalmente , com a composi çã o e
a varia çã o geográ fica das comunidades terrestres, com notas sobre alguns aspectos
metab ó licos especialmente caracter í sticos dos ecossistemas terrestres. Ao comparar
os habitats terrestre e aqu á tico dever ã o ter - se presentes os seguintes pontos :
1 . A humidade , em si, torna-se na terra um factor limitante principal . Os
organismos terrestres sã o constantemente confrontados com o problema da desidra ¬
ta çã o. A transpira çã o ou a evapora çã o da água das superf í cies das plantas é um
processo de dissipa çã o de energia exclusivo dos ambientes terrestres ( ver página 27).
2. As varia ções t é rmicas e as temperaturas extremas são mais pronunciadas
no ar do que no meio aqu á tico.
582

3. Por outro lado, a r á pida circula çã o do ar atrav é s do Globo origina uma


mistura fá cil e notavelmente constante dos . teores de oxig é nio e de di óxido de
carbono ( pelo menos at é o homem entrar em cena !) .
4. Embora o solo faculte um suporte s ó lido, o ar n ã o. Desenvolveram -se
esqueletos fortes, tanto nas plantas como nos animais da terra , e nos ltimos tam ¬
b é m meios especiais de locomoçã o .
5. A terra , ao contr á rio do oceano, n ã o é cont í nua ; h á importantes barrei ¬
ras geogr á ficas ao movimento livre .
6. A natureza do substrato, embora importante na á gua ( como se indicou
nos Cap í tulos 11 e 12), é especialmente vital nos ambientes terrestres . O solo.
n ã o o ar, é a fonte de nutrientes altamente vari á veis ( nitratos, fosfatos, e assim
por diante ); constitui um subsistema ecol ógico com elevado desenvolvimento, como
se ver á mais adiante ( ver Cap í tulo 5, Secção 4, subdivisão 8; també m Cap í tulo 20 ).
Em resumo, pode pensar-se no clima ( temperatura , humidade , luz , etc.) e no
substrato ( fisiografia, solo, etc. ) como os dois grupos de factores que , conjuntamente
com as interacçõ es da popula ção, determinam a natureza das comunidades e dos
ecossistemas terrestres.

2. BIOTA TERRESTRE E REGIÕES BIOGEOGR Á FICAS

A evolu ção na terra modelou o desenvolvimento das categorias taxon ó micas


superiores dos reinos tanto vegetal como animal. Assim , os organismos mais com ¬

plexos e mais especializados de todos, ou sejam , as plantas de semente, os insectos


e os vertebrados de sangue quente , dominam hoje na terra . Os referidos em ltimo
lugar incluem , naturalmente, uma popula çã o humana em crescimento que , ano
após ano, exerce um maior impacto sobre toda a biosfera , se bem que muito em
especial sobre os ecossistemas terrestres. Isto n ã o significa que as formas inferiores
( do ponto de vista evolucion á rio), como sejam as bact é rias, os fungos, os proto¬
zoá rios, e assim por diante , estejam ausentes ou n ã o tenham import â ncia ; os micror¬
ganismos desempenham , em todos os ecossistemas, as mesmas fun ções vitais.
Embora o homem e seus associados mais pr óximos ( plantas e animais dom és¬
ticos , ratos, pulgas e bact é rias patog é nicas !) apresentem sobre a terra uma distri¬
bui çã o muito ampla, cada á rea continental tende a ter a sua pr ó pria flora e fauna.
Com frequ ê ncia, as ilhas diferem grandemente dos continentes . A fascinante mat é¬
ria que é a biogeografia tem , deste modo, uma especial relevâ ncia na evolu çã o
das comunidades terrestres. Alfred Russell Wallace, que com Darwin foi autor de
um dos primeiros princ í pios da selecção natural , desde logo se deu conta disto e
estabeleceu um dos primeiros sistemas de regi ões biageográ ficas. Como se ilustra
na Figura 14- 1, os reinos flor í sticos, tal como o ge ógrafo das plantas os considera .
583

são muito semelhantes às regiõ es faun ísticas cartografadas pelo ge ógrafo que se
dedica aos animais. A principal diferen ça consiste no reconhecimento da formação
da região do Cabo na Á frica do Sul como uma região principal distinta. Embora
pequena em á rea, a União da África do Sul tem uma flora excepcionalmente rica
que inclui mais de 1500 g é neros dos quais 500 ( 30 por cento) s ã o end é micos,
isto é, não se encontram em qualquer outra parte . Muitas dessas espécies ú nicas

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Figura 14-1. As regi ões biogeográí f cas do mundo tal como t ê m sido delimitadas por estudiosos das
plantas com flor ( mapa inferior ) e por ge ógrafos especializados na fauna ( mapa inferior ). As regiões
ou «reinos» flor í sticos ( segundo Good , 1953) sã o como se segue ( mapa superior) : I, Boreal ; II, Paleo-
-
tropical com subdivis ões ( A, Africana, B, Indo Malá sica, e C, Polin é sica ); III, Neotropical; IV, Sul Afri¬
cana ; V, Australiana; VI Antá rctica. As regi õ es zoogeográficas (segundo deBeaufort , 1951) sã o as seguin ¬
tes (mapa inferior ): I, Pale á rctica; II, Etió pica (Africana ); III , Oriental ; IV, Australiana; V , Neoá rctica ; VI ,
Neotropical. As regiões I e V são reunidas, com frequ ê ncia, na região Holá rctica, por motivo da conside -
der ável troca de fauna que entre elas ocorreu .
584

t ê m sido largamente cultivadas nos jardins europeus. Quando se consideram tanto


plantas como animais, a regi ã o australiana é, certamente , a mais isolada; segue -se
a Am é rica do Sul . Ambas estas á reas t ê m um grande n mero de esp é cies end é ¬

micas . Madag á scar , que de h á muito est á separada da Á frica , é por vezes considerada
uma regi ão distinta.
Como ficou analisado no Cap í tulo 8, os organismos que ocupam o mesmo
nicho ecol ógico, em comunidades semelhantes de diferentes regi ões biogeogr á ficas,
s ã o conhecidos por equivalentes ecol ó gicos, embora possam nem sequer estar estreita ¬

mente aparentados de um ponto de vista taxon ó mico. Os cactos ( fam í lia Cactaceae ),
por exemplo, que sã o proeminentes nos desertos do Novo Mundo ( especialmente
na regi ão neo- tropical) , est ã o por completo ausentes do Velho Mundo, embora nos
desertos africanos algumas esp é cies da fam í lia Euphorbiaceae tenham uma apar ê n ¬
cia exactamente semelhante à dos cactos , tendo desenvolvido uma forma de vida
espinhosa e suculenta ( armazenadora de á gua ) similar . No reino animal , ocorrem
exemplos igualmente surpreendentes. O aspecto a destacar é o de que a desconti-
nuidade do ambiente terrestre se traduz na exist ê ncia de comunidades semelhantes
constitu í das com esp é cies diferentes . Compare-se a Figura 14- 1 com o mapa das
comunidades, Figura 14 - 7. Veja - se , para efeito de revis õ es gerais, os livros de Newbigin
( 1936 ) e Dansereau ( 1957 ) sobre biogeografia ; Cain ( 1944 ), Polunin ( 1960) e Good
( 1964 ) sobre geografia das plantas ; Hubbs , ed . ( 1958 ) , Hesse et ai ( 1951 ) e
e Udvardy ( 1969 ) sobre geografia animal. O pequeno mas poderoso livro de MacArthur
e Wilson (1967 ), atr ás citado no Capí tulo 9 , constitui uma importante contribui ção
para a biogeografia das ilhas.
Tal como acontece com quase todos os aspectos ecol ógicos, o homem modifica
deliberadamente ou inconscientemente a distribui ção geogr áfica das plantas, animais
e micr ó bios. O homem tenta constantemente levar por diante introdu ções, sem em¬
bargo de muitos « reveses», e sofre perdas econ ó micas enormes por acção de pestes
que , como se salientou no Cap í tulo 7 , n ã o s ã o com frequ ê ncia sen ã o espé cies
deslocadas. As ilhas e os continentes remotos sofreram uma substitui çã o quase
total das suas espé cies end é micas por variedades introduzidas. Por exemplo, das aves
canoras que se vê em nos locais habitados do Hawaii a maior parte é introduzida.
Elton (1958 ) preparou um excelente resumo sobre «a ecologia das invas ões» .

3. ESTRUTURA GERAL DAS COMUNIDADES TERRESTRES

Os organismos terrestres sã o t ão variados que n ão é praticável uma classi ¬


fica ção simplificada das formas e dos h á bitos de vida, à semelhan ça da s é rie bentos-
- pl â ncton - n é cton ( ver Capí tulo 11, Secção 2) geralmente utilizada para os organismos
aqu á ticos. Uma tal classifica ção para a comunidade terrestre seria til , embora seja
585

necess á rio aguardar estudos posteriores. Ao rever a estrutura bi ótica das comunidades
terrestres é, por é m , poss í vel lan çar m ã o da classifica çã o tr ófica b á sica , A classi¬

fica çã o geral dos nichos alimentares principais, isto é , as s é ries aut ótrofos- heter ó-
trofos, é perfeitamente aplicá vel ao habitat terrestre.
AUT óTROFOS. A caracter í stica saliente das comunidades terrestres é , por
por certo, a presen ça e usualmente a predomin â ncia de grandes plantas verdes en ¬

raizadas, que n ã o s ó sã o os principais produtores de alimento como porporcionam


tamb é m o ref gio para outros organismos, para al é m do importante papel que igual ¬
mente desempenham na manuten çã o e na modificaçã o da superf í cie da terra. Se bem
que existam algas do solo com import â ncia , nada h á na terra que se compare com o
fitopl â ncton dos ambientes aquáticos. Ao contrá rio de grande parte deste ltimo,
que requer vitaminas e outros nutrientes org â nicos, os produtores bá sicos da terra
,

são aut ótrofos estritos, ou obrigat ó rios, necessitando apenas de luz e de nutrientes
minerais . As plantas da terra podem , no entanto, depender por outras vias de orga ¬

nismos para a respectiva nutrição, como se viu no exemplo das micorrizas simbi ó¬
ticas ( páginas e ). A vegetação, que é o termo geralmente utilizado para todas
as plantas de uma dada á rea, constitui um aspecto t ã o caracter í stico que geralmente
se classificam e designam as comunidades terrestres mais na sua base do que na do
ambiente f í sico, como conv é m tantas vezes em situa ções aqu áticas.
Encontra-se representado um grande n ú mero de formas de vida que adaptam
as plantas terrestres a quase todas as situaçõ es conceb í veis. Termos como «herbáceo»
e «lenhoso» ou a sequ ê ncia «á rvore », «arbusto», «gram í nea» e «erva» ( incluindo este
ú ltimo termo ervas nã o gram í neas ) sã o, naturalmente , muito utilizados e proporcionam
a base ampla para o reconhecimento das comunidades terrestres principais, descritas
mais adiante no presente cap í tulo. Outros termos referem -se, ainda, a adaptações
ao longo de gradientes ambientais, como, por exemplo, « hidrófito » ( molhado ),
« mes ófito» ( h ú mido ) , «xer ófito» ( seco) e « hal ófito» ( salgado ) . De um ponto de vista
flor ístico mais detalhado, uma das classifica çõ es da forma de vida mais profusa ¬
mente utilizadas é a que foi proposta originalmente por Raunkaier (1934 ) . As formas
de vida de Raunkaier baseiam -se na posi çã o da gema, e a correspondente protecçã o
proporcionada durante periodos frios ou secos desfavorá veis. As seis categorias fun ¬
damentais , ilustradas na Figura 14- 2, são as seguintes:
Epífitas, plantas aé reas; sem ra í zes no solo.
Faneró fitas, plantas aé reas; gemas expostas em rebentos erectos . Cinco sub ¬

grupos incluem á rvores, arbustos, plantas de caule suculento, plantas de caule her ¬

báceo e lianas (trepadoras).


Caméfitas, plantas de superf í cie ; gema à superf í cie do solo .
Hemicriptó fitas, plantas de penacho; gema na superf í cie do solo ou justa ¬
mente sob ela.
586
FLORESTAS CADUCIF ÒLIAS , ALEMANHA FLORESTA TROPICAL H ÚMIDA, GUIANA INGLESA

1. EPlFITAS o 22

2. FANERÔFITAS 27 66

.
3 CAMÊ FITAS g

4 HEMICRIPT ÕFITAS 39 0

5. GE ÕFITAS 0

6. TER Ô FITAS U 0

yjk
W *
PROTEC Ç AO CRESCENTE DO ÕRG Â O DE RENOVACAO •>

Figura 14-2 . As formas de vida das plantas terrestres de Raunkaier. As seis formas de vida est ão
ilustradas no esboç o inferior com os gomos de renovo ( ou sementes no n.° 6), figurados como corpos
ovais pretos. Os gr áficos superiores de barras comparam as florestas temperada e tropical no que respeita
à percentagem das espé cies da flora que pertence a cada uma das seis formas de vida. Note- se que as
formas de vida de floresta tropical h mida ( onde não ocorrem perí odos frios ou secos desfavor á veis)
t ê m todas elas gomos expostos, ao passo que a floresta setentrional cont ém uma grande percentagem
de formas de vida com órgãos de renovo protegidos. ( Gr á fico superior reproduzido de Richards, 1952;
gr á fico inferior reproduzido de Braun-Blanquet, 1932.)

Criptó fitas ou Geó fitas, plantas terrestres; gema sob a superfí cie ou num bol ¬

bo ou rizoma.
Terófitas, anuais; ciclo de vida completo, desde a semente, num nico per í odo
vegetativo; sobrevivem às estações desfavor áveis sob a forma de semente.
Em termos gerais, a s érie representa uma das adaptaçõ es crescentes a condi '
¬

ções adversas de temperatura e humidade. Como se ilustra na Figura 14- 2, a maioria


das espé cies na floresta tropical h mida são faneró fitas e epí fitas, ao passo que as
florestas setentrionais cont ê m uma propor ção mais alta de formas de vida «protegi ¬

das». A flora nos desertos extremos e nas áreas alpinas será provavelmente composta,
na sua maior parte, por plantas anuais. Contudo, no estudo de situações locais ser á
necessário estar precavido contra a suposi ção de que a propor ção das espé cies das
diferentes categorias constitui um indicador do clima, dado que os factores edá-
ficos e a etapa na sucessão influenciam grandemente a composição quanto a forma
de vida (Cain, 1950). O «espectro» da forma de vida de Raunkaier alcança a maior
utilidade como instrumento de descrição ecológica quando as categorias s ão conside ¬

radas numa base quantitativa ou de comunidade, isto é, quando são considerados


tanto números de indiví duos como números de esp é cies (ver Cain, 1945 ; Stern
587

e Buell , 1951 ). Em muitos desertos, por exemplo, a maior parte das espé cies pode
ser anual , embora um pequeno n ú mero de arbustos constitua , com frequ ê ncia ,
a parte mais importante da vegeta çã o dos pontos de vista da exist ê ncia permanente
e da produ çã o anual de mat é ria seca. Por outras palavras, o espectro da forma de
vida da vegeta çã o ( comunidade ) e o espectro da forma de vida da Hora , n o sã o
necessariamente os mesmos. Ser á conveniente destacar , nesta altura, a diferen ça
entre o termo ecol ógico «vegeta çã o», que se refere ao coberto vegetal tal como real ¬

mente ocorre em dada á rea , e o termo « flora » , que se refere à lista de entidades
taxon ó micas a encontrar numa dada á rea. De uma forma bastante curiosa , embora
o termo «fauna » seja para os animais paralelo a flora, n ã o h á uma utiliza çã o para ¬
lela geral para a distribui çã o ecol ógica dos animais, se bem que tenha sido propos¬
to o termo « fauna çã o» ( ver Udvardy , 1969 ).

( MACRO-) CONSUMIDORES FAGOTR Ó FICOS. Em correla çã o com o grande


n mero de nichos proporcionados pela vegeta çã o, as comunidades terrestres t ê m uma
composi çã o extremamente variada de consumidores animais. Os consumidores prim á ¬
rios incluem n ã o só organismos pequenos, como por exemplo insectos, mas igual ¬

mente herb í voros muito grandes, como os mam í feros ungulados. Estes ltimos
constituem um tra ço ú nico da face terrestre apenas com um pequeno n ú mero de J
paralelos nas comunidades aqu á ticas ( por exemplo, as grandes tartarugas comedoras
de plantas). Assim , os «animais de pasto» terrestres est ã o muito distantes quanto
a dimensã o e a estrutura dos «animais de pasto» aqu á ticos, isto é , do zoopl â ncton .
Uma vez que os aut ó trofos terrestres produzem uma por çã o de alimento de utilidade j
nutritiva baixa ( celulose , lenhina , etc. ), os detrit í voros constituem tra ços muito mani
¬

festos das comunidades terrestres ( ver Cap í tulo 3 ; ver tamb é m página ).
A variedade e a abund â ncia de insectos e de outros artr ó podos ( que enchem
todo o nicho concebí vel ) constitui, naturalmente , um outro aspecto importante das
comunidades terrestres. O estudo da ecologia dos insectos tem conhecido algumas
oscilações interessantes. No s é culo XIX e nos princí pios do sé culo XX , deu - se des ¬

taque à hist ória natural e à biologia, com in í cio nos importantes estudos sobre a
biologia da popula çã o, como se viu no Cap í tulo 7. Com a descoberta do DDT ,
os laborat órios de entomologia converteram -se sobretudo em laborat órios qu í micos, e
o estudo ecológico dos insectos foi quase completamente esquecido, excepto por
aqueles que trabalhavam em culturas de laborat ó rio. Agora , naturalmente , com o
reavivar do interesse pelo controlo biol ógico dos insectos, os departamentos de ecolo¬
gia est ão novamente a ficar bem providos de ecologistas, voltando a estar em voga os
estudos de campo. Veja-se o livro de Clark , Geier, Hughes e Morris (1967), para
efeitos de uma excelente revisão em mat é ria de ecologia dos insectos.
Entre os grupos que t ê m sido estudados muito intensivamente no campo
ser á necessá rio mencionar as aves , que se encontram praticamente em qualquer
588

comunidade terrestre e proporcionam material especialmente favorá vel para estudo


ecol ógico.
SAPR óTROFOS OU MICROCONSUMIDORES. OS organismos que levam a cabo
a « mineraliza ção da mat é ria orgâ nica» e realizam outras fun ções valiosas no am¬
biente terrestre são principalmente, como se apontou no Cap í tulo 2, as bact é rias e os
fungos, embora també m compreendam os protozoá rios e outros pequenos animais
As fun ções bá sicas dos micr ó bios especialistas, como sejam as bact é rias fixadoras de
azoto, os fungos micorr ízicos e as bact é rias anaeróbias, foram analisados nos Capí¬
tulos 2 , 4 e 7. Aquilo que se designa com frequ ê ncia por microrganismos decom-
positores pode considerar-se como um grupo funcional ou ecol ógico distinto que
inclui as quatro entidades taxon ó micas seguintes: (1) os fungos, incluindo as leveduras
e os bolores; ( 2) as bact é rias heterotróficas, incluindo as que formam esporos e as
que os n ã o formam ; (3) as actinomicetas, que sã o bact é rias filamentosas, ou de
« fio », bact é rias que t ê m alguns aspectos morfol ógicos dos fungos ; e ( 4 ) os pro¬
tozoá rios do solo, incluindo as amibas, os ciliados e especialmente os flagelados
incolores. Estes decompositores podem ser encontrados em todas as comunidades
terrestres, embora estejam especialmente concentrados nas camadas superiores do
solo ( incluindo a folhada). Aqui, a decomposiçã o dos res í duos das plantas, que em
tantos ecossistemas terrestres contribue para uma t ão grande proporção de respira¬
ção da comunidade, envolve uma sequ ê ncia de organismos que pode ser representada
como se segue ( ver Kononova, 1961, página 134):

Bolores (fungos) Bact é rias


Mixobact é rias
e bact é rias n ã o for ¬ formadoras Actinomicetas
de celulose
madoras de esporos de esporos

Os dois primeiros grupos utilizam as subst â ncias orgâ nicas mais fá ceis de
decompor, como a çú cares, aminoá cidos e prote í nas simples. As bact é rias da celulose
trabalham ent ã o sobre os componentes mais resistentes, ao passo que as actinomice¬
tas estã o especialmente associados ao h mus, o qual, como se descreveu no Cap í ¬
tulo 2 , é o produto final muito resistente , castanho-amarelado, escuro, da segunda
fase da decomposi ção designada por humificação (a primeira fase foi designada por
forma çã o de detritos em part í culas ). Apresenta-se a seguir um modelo poss í vel da
estrutura de uma molé cula de á cido h mico para ilustrar as caracter í sticas b á sicas,
como sejam os an é is de benzeno aromá ticos ou fen ólicos ( simbolizados por 1 ), o
azoto cí clico (2), as cadeias laterais de azoto ( 3 ) e os res í duos de hidratos de car- j
bono ( 4) que tornam as substâ ncias h micas relativamente dif í ceis de decompor: j
A terceira fase na decomposiçã o, isto é, a mineralizaçã o do h mus, ocorre \
muito lentamente nas regi ões frias e mais rapidamente nas quentes ou quando o solo
se encontra exposto ao ar, como acontece quando se lavra . Como se analisou na • ;
I

589

(4 )
c6 Hno5
COOH
o OH
OH çH 2 OH I O
ÇH CH 2 CH-CH,
1
H2
-C (2)
X .
i c i -i (2)
i c-o ,<=o
N H2 H
O OCH3 H O
N /
O OH
i O NH C8 H ]80') N
(3) (4)
I
I -
página 44, conhece se muito pouco sobre os organismos e os processos qu í micos
| envolvidos no colapso do h mus, embora se admita que os micr ó bios e suas enzimas
j são distintos daqueles que est ã o envolvidos nas duas primeiras fases da decompo-
l sição ( para efeitos de um exame adicional, ver Cap í tulo 19).
N ã o se compreende bem o papel dos protozoá rios do solo, embora se saiba
| que desempenham v á rias fun ções importantes, como se analisou no Cap í tulo 2
| fver especialmente Figura 2-105) . At é mesmo aqueles protozoá rios ( como sejam
! os ciliados ) que se alimentam de bact é rias podem acelerar a decomposi çã o, estimu ¬

lando o crescimento e o metabolismo da sua presa ! Ali onde a madeira ( lenhina )


| est á envolvida, pode ter ter lugar uma sequ ê ncia de organismos um tanto diferente
! da que atrás se indicou. Parece que os fungos desempenham um papel mais impor-
tante no colapso da lenhina .
Tal como se destaca ao longo de todo este livro, nem os n meros nem a
biomassa são bons indicadores daquilo que os organismos est ã o a fazer ou do
. ritmo com que o fazem. Os decompositores microbianos podem variar em n ú mero
dentro do intervalo de 1012 a 1015 por m 2 e ter uma biomassa talvez da ordem de
10 a 100 gramas ( peso seco) por m 2 ( ver Quadro 2 - 2) nos ecossistemas terrestres
produtivos ( muito inferior, naturalmente, nos desertos e em outros ambientes limi-
tantes ). N ã o s ó é dif í cil medir a exist ê ncia permanente , como també m tais medi-
| ções proporcionam muito pouca informação com significado ecol ógico; t ê m muito
maior import â ncia as medi ções da fun çã o, como a respira çã o ou as velocidades da
decomposi çã o do substrato, de que se analisam alguns aspectos na secçã o seguinte
deste Cap í tulo e no Cap í tulo 19.
A temperatura e a água sã o especialmente importantes na regula çã o da activi-
dade dos decompositores ; uma vez que estes factores sã o mais vari á veis nos habitats
terrestres do que nos aqu á ticos, é fá cil de ver a razã o pela qual a decomposi çã o
no solo se processa, com frequ ê ncia, de uma forma esporá dica. A maior parte das
bact é rias e dos fungos necessitam de um microambiente com um teor mais elevado
em água do que o requerido pelas ra í zes das plantas superiores, por exemplo.
590

Consequentemente , em regi õ es com per í odos prolongados de seca ( ou per í odos frios
prolongados ), a produ çã o anual no ecossistema excede com muita frequ ê ncia a decom¬
posi çã o anual , mesmo em vegeta çã o «cl í max » . Como se destacou na página 212,
em tais situa ções fogos peri ódicos actuam como «decompositores» , removendo o
'

excesso de acumulaçã o de lenho morto e de folhada . A preven çã o completa do fogo


em ecossistemas como o chaparral da Calif ó rnia, pode n ão corresponder ao melhor
interesse do homem ou do ecossistema ; fogos peri ódicos leves ajudam os decompo¬
sitores microbianos na respectiva tarefa e evitam fogos grandes que fazem recuar
demasiado a sucess ão e destroem a propriedade humana .
Os dois estratos b ásicos ( ver página 11) que todos os ecossistemas completos
cont ê m , o autotrófico e o heterotr ófico, encontram-se bem demarcados no ambiente
terrestre . « Vegeta çã o» e «solo» sã o duas palavras quotidianas, comuns, utilizadas para
estas duas camadas no ecossistema terrestre . Considere - se, resumidamente , cada uma
delas como um subsistema, começando do solo para cima.

4. O SUBSISTEMA SOLO

A fisiografia de um perfil do solo foi descrita e ilustrada no Cap í tulo 5


-
( ver especialmente Figuras 5 11, 5-12 ), pelo que apenas é necessá rio considerar, nesta
altura, a estrutura da comunidade do solo e algo do seu metabolismo . É conveniente
considerar os organismos do solo em termos de classe de dimens ã o, uma vez
que as rela ções dimensão- metabolismo ( ver Cap í tulo 3, Secção 5) determinará a amos¬
tragem e outros m é todos de estudo . Reconhecem -se normalmente tr ê s grupos de
dimensã o ( ver Fenton , 1947 ):
1. O microbiota, que inclui as algas do solo ( essencialmente dos tipos verde
e azul- verde ou azul), as bacté rias, os fungos e os protozoá rios. Este componente
foi revisto na secção precedente , e a sua contribuição para um metabolismo total
do solo será analisada mais adiante . Os microbiotas heterotr óficos sã o, em geral,
os principais traços de uniã o entre os res í duos vegetais e os animais do solo na
cadeia alimentar de detritos.
2. O mesobiota, que inclui os nem á todos, pequenos vermes oliquetas (enqui-
trae í deos ), as larvas mais pequenas de insectos e especialmente aquilo que errada¬
mente se designa por microartr ó podes; destes ltimos, os ácaros do solo ( Acarinai
e os colembolos ( Collembola ) sã o com frequ ê ncia as mais abundantes das formas
que se mant ê m permanentemente no solo. A figura 14-3 representa alguns dos
organismos caracter í sticos, que sã o facilmente extra í dos do solo por interm é dio
de um dispositivo conhecido por funil de Berlese, ou pelo funil de Tullgren , seme ¬

lhante. Nestes instrumentos, os organismos sã o for çados, no sentido descendente ,

atrav é s de uma amostra de solo ( removida do campo sem perturbar a textura nor-
591

mal, as galerias dos animais, e assim por diante) pelo calor e pela luz até que caiam
num frasco com l í quido preservativo. À semelhan ça da rede de pl â ncton , o funil
de Berlese é selectivo no sentido de n ã o amostrar todos os componentes. Os nern á -
todos , que sã o usualmente abundantes, apenas sã o removidos em pequeno n mero
pelo tratamento de luz e calor. Contudo, se o funil estiver cheio de água quente
e o solo que cont é m estiver envolvido numa rede de gase , os nemátodos saem
do solo e caem por gravidade para o fundo do funil . Este tipo de instrumento
designa-se por funil de Baermann . Uma modalidade em que o calor e a água se
aplicam por baixo d á bons resultados no caso dos enquitrae í dcos. No Quadro 14- 1,
apresentam -se os n meros e as biomassas de tr ê s grupos importantes do mesobiota em
dois solos diferentes da Dinamarca . Estes dados foram obtidos utilizando o m é todo
de extracçã o mais eficaz para cada componente .
Retira- se do Quadro 14-1 que os microartr ó podes e os enquitrae í deos se contam
por milhares por m:, enquanto que os nem á todos se contam por milh ões . Nos solos
dinamarqueses, a biomassa dos tr ê s grupos n ã o é , por é m , t ã o diferente , variando
de 1 a 13 gramas por m:. O n ú mero de artró podes do solo extra í dos de um «campo
velho» ( terra agr í cola abandonada) de Michigan rondou os 150 mil por m:, com um
peso vivo estimado em cerca de 1 grama ( Hairston e Byers, 1954 ) . Embora o meso¬
biota seja principalmente constitu í do por comedores de detritos e de bact é rias, uma <
parte , especialmente entre os á caros e os insectos, sã o predadores . Como se ilustra
na Figura 3- 15 E, a razão predador - presa n ão é entre os artr ó podes do solo diferente
da que ocorre na vegetaçã o da comunidade acima do solo.
Overgaard - Nielsen (1949 , 1949 a ) observou nos seus estudos que a densidade
variava desde cerca de 1 a cerca de 20 milh ões por m 2 . Uma grande percentagem
de nem á todos alimentava-se manifestamente de bact é rias, outra grande percentagem

,,

í;

cz
-
Figura 14 3. Artró podes representativos do mesobiota da manta morta e do solo, normalmente
apreendidos pelo m é todo de amostragem do funil de Berlese : 1. dois á caros oribat ídeos (A , Eulohmannia,
B , Pelops); 2. um proturo ( Microentomon ) , 3. um tisanuro (Japyx); 4. um tisan ó ptero ; 5. um sí nfilo
( Scolopendrella ) , 6. um paur ó podo ( Pauropus); 7. um estafilinideo (Staphylinidae ); 8. um colembolo
(,Entomobryá)\ 9 . um pseudoescorpiã o ( ou quelonect ídeo) ; 10. um dipl ó podo ; 11. um quil ó podo; 12. uma
larva de escaravelho. ( 1, reproduzido de Baker e Wharton , 1952; 2, 3 , 4 e 12 reproduzidos de Chu, 1949.)
592

( at é aos 40 por cento) de ra í zes de plantas e de algas do solo, enquanto que n ã o


mais de 2 por cento se alimentava de outros animais. Os nem á todos sã o mais nume ¬

rosos no solo mineral (tipo mull ) onde a sua massa pode igualar a das minhocas:
quando assim for, o seu consumo de oxig é nio ser á , por é m , 10 vezes superior ao das
minhocas mais consp í cuas ( Overgaard - Nielsen , 1949 a). Nos solos agr í colas, certas
espé cies de nem átodos podem tornar-se parasitas s é rios das ra í zes das plantas e sã o
dif í ceis de erradicar do solo infestado. A rota çã o de culturas é o melhor m étodo de
controlo. Em contraste com os nem á todos, os microartr ó podes e os enquitrae í deos
atingem geralmente as maiores biomassas nos solos florestais e org â nicos, como
indicam os dados constantes do Quadro 14- 1 .
3. O macrobiota , que inclui as ra í zes das plantas, os insectos maiores, as mi¬
nhocas ( Lumbricidae ) e outros organismos que podem separar - se facilmente com a
mão. Os vertebrados escavadores como as toupeiras, os esquilos e os geom í deos
( como a Geomys bursarius ) tamb é m podem ser inclu í dos neste grupo. Com grande
frequ ê ncia , as ra í zes das plantas constituem o maior componente da biomassa do solo.
embora possam contribuir para a respira çã o do solo menos do que os decomposito-
res ( ver Quadro 14 - 3 ), uma vez que o respectivo metabolismo por grama será
relativamente baixo. O peso seco das ra í zes é, em pradaria cl í max, da ordem dos
1000 g por m 2 (Weaver, 1954) e nas florestas 3000 g por m 2 ou mais ( ver Figura

Quadro 14-1
N úmeros e Biomassa ( como Peso Vivo ) de Três Componentes Importantes do Mesobiota
em Dois Solos Contrastantes na Dinamarca *
ENQUITRA Í DOS NEMÁTODOS MICROARTR ÓPODOS

HABITAT
N .° / m2 Biomassa N.° / m2 Biomassa N.° / m2 Biomassa
x 1000 g / m2 X 1000 g / m2 x 1000 g / m2

Solos de pastagem 11-45 1-3 10 000 13,5 48 2


(tipo mull)
Solo de charneca 50 7 1500 2 300 4-5
com h mus bruto
(tipo mor )

* Dados de Overgaard - Nielsen, 1955.

3- 3 B ). Estudos utilizando f ósforo radioactivo como traçador indicaram que uma parte
do sistema radicular das ervas pode estar inactivo em qualquer momento ( ver Burton
em Cornar, 1957). Entre os animais maiores do solo, muitos insectos apenas sã o
habitantes tempor á rios durante a hiberna çã o ou a forma çã o da pupa . As minhocas
assemelham - se aos nem á todos quanto a serem mais abundantes nos solos mine¬
rais, especialmente nos solos calcá rios argilosos, onde podem atingir uma densidade
593

de 300 por m 2. Todo o macrobiota é muito importante na acçã o de misturar o solo


e de manter uma consist ê ncia de «esponja viva ».
Os invertebrados macroscó picos, extremamente m ó veis, que vivem na inter ¬
face entre a manta morta e o solo podem ser mostradas colocando t á buas à super ¬
f í cie do solo, onde actuam como «armadilhas» para os animais que buscam abrigo
sob elas. Tais animais t ê m sido designados por criptozoos ( crypto = escondido)
( ver Cole , 1946 o). Tarpley ( 1967 ) , num estudo de dois anos num habitat de terra
agr í cola abandonada , observou que um p é . quadrado de « t á bua de criptozoos »
colheu uma amostra de animais de uma á rea de 0 ,5 a 1 ,0 m 2 , dependendo da den ¬

sidade da vegeta çã o. Registou 144 espé cies que foram atra í das para as t á buas
sendo os mais numerosos os grilos , as baratas, os cole ó pteros carab í deos e tene-
brion í deos e as aranhas. A densidade m é dia foi de 16 por m 2 em 5 campos, e a
estimativa anual da respectiva respira ção de 6 kcal por m 2 em m é dia , 11 por cento da
qual se ficou a dever à s esp é cies predat ó rias. Um outro m é todo que pode ser utili ¬

zado para amostrar este componente consiste em afundar no solo recipientes de metal ,
deixando as bocas ao n í vel da superf í cie .
A demoli çã o mecâ nica da manta morta vegetal , em formas facilmente decom-
pon í veis pelos micr ó bios, é uma das principais « tarefas » realizadas pelos animais do ,,

solo. Estudos realizados nos Pa í ses Baixos ( Van der Drift , 1958) mostraram que o v,
dipl ó pode Glomeris e numerosos outros animais do solo apenas assimilam de 5 f
a 10 por cento da folhada morta que ingerem ( isto é , peso de fezes = 90 a 95
por cento do alimento ingerido). Verificou - se posteriormente que as fezes eram de ¬
compostas mais rapidamente por microrganismos do que as folhas mecanicamente
pulverizadas n ã o previamente ingeridas por animais.
A s é rie de diagramas circulares, constantes da Figura 14- 4, faculta um bom
cen á rio geral quanto à situa çã o da « biomassa » no solo, incluindo tanto os componen ¬
tes vivos como os n ã o vivos. Assim , v ê- se que os componentes vivos do solo apenas
abrangem uma pequena percentagem do seu peso total, se bem que por for ça dos
seus elevados í ndices de actividade estes componentes , aparentemente diminutos,
constituam factores dominantes no funcionamento do ecossistema terrestre tomado
no seu conjunto. Que papel desempenha, ent ã o, o estrato solo no metabolismo to ¬

tal da comunidade ?
RESPIRA çã O DO SOLO. T ê m sido utilizados tr ê s m é todos para determinar
o metabolismo total do solo ( ver MacFadyen , 1970 ) :
1 . O m é todo da diferen ça, isto é , subtraindo a energia consumida pelos
herb í voros acima do solo da produ çã o prim á ria l í quida. Na floresta e nas comunidades
dos campos agr í colas abandonados, raramente mais do que 5 a 10 por cento da
produ çã o prim á ria l í quida anual é objecto de pasto ( ver E. P. Odum , 1963 o; Bray ,
1964) , ficando 90 por cento ou mais para ser metabolizado ou armazenado no sub ¬

sistema folhada- solo. Em contraste , cá lculos de diferen ças indicam que apenas 40

38
594
a 60 por cento pode alcan çar o solo em pradarias ou pastagens fortemente submeti ¬
das a pastoreio ( ver Quadro 15-2, página 668).
2. O m étodo da queda da folhada. Em sistemas em equil í brio, a determina¬
çã o da quantidade e do valor energ é tico da entrada de detritos ( folhada) para o
subsistema solo. constitui uma medida da decomposi ção. Bray e Gorham (1964), ao
/

reverem os dados sobre a queda da folhada nas florestas do Globo, verificaram,


como se ilustra na Figura 14-5, que essa queda aumenta com o decr é scimo da la¬
titude. As estimativas metabólicas baseadas na queda da folhada n ão incluem , natu ¬
ralmente, a respira çã o das ra í zes vivas e da microflora que lhes est á associdada .
.3. A medi ção directa da evolu ção do C02 proveniente de solos em estado
natural deveria proporcionar, naturalmente, um meio de medir a respira çã o total
do solo, incluindo a respira ção de todos os tr ê s grupos do biota. Percebe -se bem que
os m é todos iniciais, que envolviam fazer passar uma corrente de ar através do solo.
davam estimativas demasiado altas, uma vez que o C02 armazenado ou preso nos

-5 %

glOTA DO SOLO
( EXCLUINDO RA Í ZES )

Figura 14-4. Os componentes vivos e n ão vivos de um solo de pradaria em termos de peso seco
da «exist ê ncia» . O edafon inclui todo o biota do solo com exclus ã o das ra í zes das plantas superiores.
Embora os organismos vivos constituam uma parte pequena do peso total do solo , a actividade e as
taxas de renova ção correspondentes podem ser bastante altas e , consequentemente , a sua import â ncia
poderá ser muito maior do que a indicada pelo volume das respectivas exist ê ncias. ( Reproduzido de
Tischler, 1955.)
595

espa ç os do solo se adicionava à emissã o respirat ó ria que ocorria durante o per í odo
da medi çã o. Os m é todos melhorados envolvem a utiliza çã o de caixas ou cilindros
de pl á stico invertidos, que se tapam sumariamente durante a medi çã o efectiva da
absor çã o do C02. Medidas recentes, como as que se ilustram no Quadro 14- 2, con ¬
cordam relativamente bem com os resultados dos m é todos da « diferen ça » e da
«queda da folhada » , quando se considera que a respira çã o das ra í zes pode estar
inclu í da nas primeiras. As medi çõ es de campo da evolu çã o do C02 constituem bons
trabalhos pr á ticos para os estudantes de ecologia , uma vez que tudo o que se requer
é uma caixa ou cilindro de pl á stico, um pouco de KOH para absorver o C02 e
um aparelho simples de titulação.

1200
( 4800 )

1000
( 4000 )

O 800
Z (3200)
3 Figura 14-5. Queda anual de folhada
I 600 nas florestas em relação com a latitude.
<
O
( 2400 ) 1. Florestas equatoriais. 2. Florestas
temperadas moderadamente quentes.
< 400 3 3. Florestas temperadas frias 4. Flores ¬
.
(1600 ) tas alpinas e á rcticas. (Grá fico de barras
5 desenhado a partir de dados compilados
200 por Bray e Gorham , 1964.)
(800)

20 30 40 50
LATITUDE (GRAUS N OU S)

0 Quadro 14- 3 representa uma tentativa preliminar para determinar quanto


da respira çã o total do solo se deve às ra í zes e quanto à restante parte do biota .
Uma vez que muitos microrganismos sã o na realidade uma parte integrante dos sis ¬
temas radiculares , uma tal distin ção nã o é , na prá tica, particularraente significativa .
0 que importa observar é que a maior parte da respira ção do solo é devida ao
componente constitu í do pela combinaçã o raiz - microrganismo; a mesofauna e a ma -
crofauna contribuem muito pouco. Bunt (1954 ), por exemplo, relata que os nemá-
todos contribuem para a respira çã o do solo apenas com 1 por cento. Engelmann
(1968 ) observou que a corrente de energia anual total dos artr ó podes do solo andava
apenas por cerca de 2 kcal por m 2 , menos do que 0,1 por cento da respira çã o
do solo e da manta morta ilustrada no Quadro 14-3. Isto n ã o significa , contudo,
que os animais do solo n ã o tenham import â ncia. Quando são selectivamente envene ¬
nados, a decomposição da folhada e a reciclagem de minerais s ã o reduzidas de uma
596

Quadro 14-2
Evolução do Dióxido de Carbono do Solo da Floresta Medido pelo M étodo
da Caixa Invertida. M édias de Solo Mais Folhada para Três Povoamentos
( Carvalho , Pinheiro , Bordo ) no Tennessee Oriental *
FOLHADAS
CO2 / M2 GRAMAS DE C02 / M 2 KCAL / M 2 f

Taxa diária Verão 3,0 6,0 16,0


Taxa diária Inverno 1,2 2 ,4 6,4
Taxa anual m é dia 766 1532 4 060

* Segundo Witkamp , 1966.


t Calculado na base de 1 litro de C 02 = 5,3 kcal (R. Q. = 0,9).

forma mensurá vel, como se ilustra na Figura 14-6. Consequentemente, o envenena ¬

mento deste grupo por insecticidas reveste -se de grande import â ncia ( ver Edwards.
1969). Enquanto um pequeno n mero de animais do solo que se alimentam de
detritos, como os caracóis, pode digerir a celulose, a maior parte n ã o pode ; estes
obt ê m uma grande parte da sua energia alimentar digerindo microrganismos ou
os produtos das transformaçõ es microbianas, provenientes tanto de coprofagia ( ver
página 46) como de simbiontes internos. Overgaard - Nielsen ( 1962 ) resume a situa ¬
ção como se segue : «conclui- se que a decomposi ção primá ria da celulose é prin ¬

cipalmente realizada pela microflora ( e possivelmente por caracó is , lesmas , e algumas


larvas de d í pteros e protozoá rios ), enquanto que a principal import â ncia dos inverte ¬
brados do solo e da manta morta se deve procurar nos respectivos efeitos sobre a
actividade qu í mica da microflora».
A utiliza çã o de « sacos de folhada» tornou -se o m é todo popular para estudar
a decomposi çã o, a ciclagem mineral e a composi çã o bi ótica do componente folhada
do subsistema solo ( ver Crossley e Hoglund , 1962 ). Colocando amostras de folhada
em sacos de nylon ou de fibra de vidro de malha fina, pode determinar-se por pesagem
peri ódica a taxa de decomposi çã o, e medir - se a liberta çã o de minerais caso a folhada
esteja marcada com um tra çador ( ver Figura 14-6 ); por outro lado, os organismos
podem extrair -se comodamente dos sacos. O saco ou bolsa de folhada é, naturalmente,
uma outra variante da t é cnica geral do «cercado» , como se examinou no Cap í ¬
tulo 2. Como tamb é m se indicou no Cap í tulo 2 , o microcosmo de laborat ó rio ou
de campo proporciona meios de « chegar a » situa ções complexas, pela via da simpli ¬
fica çã o experimental e da amplifica çã o. Patten e Witkamp ( 1967 ) deram not í cias de
um interessante microcosmo terrestre de laborat ó rio, formado por cinco componen ¬
tes : folhada , solo, microflora , dipl ó podes , centopeias e lixiviado ( isto é , material
dissolvido que se move atrav é s do sistema ). Foram medidos os fluxos de um tra ¬
çador radioactivo, e feita a extens ã o do comportamento de transfer ê ncia atrav é s de
597
100

. \\

PESO
Figura 14-6 . Perda em peso e em
nutrientes ( segundo um tra çador de
cé sio - 134 ) pela folhada contida em
bolsa colocada em parcelas de con -
I trolo no ch ã o da floresta ( linhas trace ¬ cc
jadas) e em parcelas tratadas com nafta-
lina, numa concentra çã o que mata os
artr ó podes mas que n ã o afecta de for ¬ £ 20
ma apreciá vel as bact é rias e os fun ¬ LU
\
gos ( linhas a cheio). Tanto a taxa de
decomposi çã o como a de liberta çã o £0.
de minerais foram consideravelmente
afrouxadas pelo tratamento. ( Segundo 0
NUTRIENTES
Crossley e Witkamp, 1964.)

20 30 40 50
SEMANAS

simulação em computador anal ógico. Uma das descobertas significativas foi a de


que o tempo de renovação, no interior dos compartimentos e no sistema tomado
como um todo, tendia a aumentar à medida que se aumentou o n mero de compar ¬
timentos de 2 para 5. Por outras palavras, o aumento de complexidade no subsistema
folhada- solo aumentou a reten ção mineral.
As refer ê ncias que se recomendam em mat é ria de biologia do solo incluem
Jackson e Raw , 1966 ( uma boa refer ê ncia introdut ória ); Gray e Parkinson ( eds. ), 1968
( para o microbiota ); Doeksen e Van der Drift ( eds. ), 1963 ( para os animais do solo);
e Burges e Raw ( eds. ), 1967 ( uma boa refer ê ncia para estudo mais avan çado ) .
GRUTAS. AS grandes grutas proporcionam ambientes naturais de temperatura
constante ( possuindo a temperatura m édia da superf í cie da regi ão em que se encon ¬
tram localizadas ) , como acontece com certos grandes mananciais descritos na Sec¬
çã o 9 do Cap í tulo 11. Excepto nas vizinhan ças da entrada ( com frequ ê ncia designada
a « zona de crep sculo») , a gruta é povoada por heter ótrofos, tanto aqu á ticos como
terrestres, que dependem da mat é ria orgâ nica arrastada para o seu interior pela água
ou trazida por morcegos ou outros animais que , embora alimentando- se no exterior ,
utilizam a gruta como um lugar de descanso ou de ref ú gio. Dado que o alimento
é no geral muito escasso, as densidades das popula ções sã o extremamente baixas.
Como nas ilhas ( ver MacArthur e Wilson , 1967 ), a diversidade em espé cies parece
598

Quadro 14-3
Estimativas da Respiração Anual da Comunidade Fraccionadas
em Componentes Primá rios ( Plantas ) e Secund á rios (Decomposição )
em Dois Ecossistemas Terrestres Contrastantes *
KCAL / M 2 / ANO

Matas de Pastagem
Faia ( pastoreada)

Respiração total das plantas 4 000 470


% do total anterior devida às raí zes 17 % 30 %
Respira ção das raí zes 680 140
Decomposição 1600 2 620
Respiração do solo- folhada
( raízes -l- decomposição) 2280 2 760
Respiração da raiz como %
da respiraçã o anterior 30 % 5%

* Segundo Macfadyen , 1970.

depender da dimens ã o, idade e estabilidade da gruta , tudo isto afectando o equil í ¬


brio entre a velocidade de coloniza çã o e a velocidade de extin çã o . As grutas sã o
assim laborat ó rios naturais para o estudo da evolu çã o, dado que graus vari á veis de
liga çã o e de isolamento no conjunto de uma s é rie de grutas proporcionam oportu ¬

nidades vá rias para a especia çã o.


As cadeias alimentares nas grutas parecem - se com as de um pequeno curso
de á gua ensombrado, de á rea florestada ou do subsistema solo, uma vez que as
tr ê s fontes principais de alimento para os animais da gruta s ã o : (1) detritos orgâ ¬
nicos em part í culas, ( 2 ) mat é ria orgâ nica absorvida em argilas e ( 3 ) bact é rias. As bac¬
-
t é rias das grutas parecem ser de esp é cies n ã o cavern í colas. Encontram - se bact é rias
quimiossint é ticas, embora n ã o se saiba at é que ponto podem aumentar a energia
dispon í vel obtida de materiais importados. Ao contrá rio do que acontece com os
microrganismos, os animais das grutas sã o com frequ ê ncia bastante diferentes dos
seus parentes da superf í cie e podem ter adapta ções especiais ( incluindo as perdas
ó bvias da vista e do pigmento ). Os peixes das grutas, por exemplo, t ê m uma inten ¬
sidade metab ólica muito baixa, crescem muito lentamente , t ê m um ciclo de vida
longo, e p õ em poucos ovos com muita gema e muito grandes tudo adapta ções
para sobreviv ê ncia face a refei çõ es escassas e espa çadas.
Para efeitos de bons resumos do ambiente da gruta e seu biota, veja-se
Barr , 1967, Poulson e White , 1969 e Culver , 1970.
599

5. O SUBSISTEMA VEGETAÇÃO

Pelo motivo da biomassa dos produtores, isto é , da vegeta ção, ser uma
caracter í stica t ã o saliente e est á vel dos ambientes terrestres, a composi çã o da vege
¬

ta çã o foi algo que recebeu muita aten çã o. O estudo quantitativo da estrutura da


vegeta çã o tem sido designado por fitossociologia, cujo principal objectivo é o de
descrever a vegeta çã o, explicar ou prever o seu padrã o, e o de a classificar de uma
maneira l ógica. Esta fase da ecologia descritiva tem sido abordada por um certo
n mero de m é todos diferentes . Um deles baseia-se no princ í pio da sucess ã o e en ¬

tronca no trabalho de Warming , Cowles , Clements e outros. Neste caso, acentuam - se


as rela ções quantitativas daquelas poucas esp é cies que se consideram como do ¬
minantes, com base na teoria de que tais esp é cies controlam em grande parte a
comunidade e , deste modo, a ocorr ê ncia do grande n mero de espé cies mais raras
( ver Cap í tulo 6 ) . Um outro m é todo, que foi mencionado no Cap í tulo 6, envolve o
estudo da vegeta çã o ao longo de um gradiente e o conceito de «cont í nuo». Como
tem sido acentuado ao longo deste texto, um m é todo funcional baseado na produti ¬
« •
-
vidade e na ciclagem de minerais do substrato e de outros componentes est á
agora a ser objecto' de uma aten çã o muito generalizada . Para efeitos de uma reca - ..• >

pitula çã o ampla deste tipo de abordagem , veja- se Ovington ( 1962 ) e Olson ( 1964 ) . '
Uma outra abordagem para a fitossociologia ainda nã o mencionada neste texto í i
é a da escola europeia a que est á ligado o nome de Braun - Blanquet ( ver a tra ¬
du çã o inglesa de 1932 por Fuller e Conard , ou a edi çã o alem ã revista, publicada em
1951, da PJlanzensoziologie de Braun-Blanquet ). O que se segue constitui um breve
resumo dos conceitos b ásicos desta escola de ecologistas da vegeta ção baseado na
revisã o de Becking (1957).
O método de Braun - Blanquet é basicamente flor ístico. É necessá rio um conhe¬
cimento completo da flora, uma vez que se consideram rela ções numé ricas de todas
as esp é cies, das plantas superiores at é aos musgos e aos l í quenes mais pequenos.
O objectivo consiste numa an álise concreta em termos da composi çã o flor ística real
existente na altura do estudo; s ó depois desta composi çã o se encontrar descrita
são as comunidades delimitadas e consideradas as relações de sucess ã o. O m é todo
baseia-se, na essê ncia, em duas convicções: (1) a de que existem diferentes com ¬
binações de espé cies que se repetem na natureza e ( 2) a de que a composiçã o
da vegeta çã o como uma unidade tem um significado maior do que uma lista de
componentes, em virtude da interacçã o complexa entre plantas e habitat . Os m é todos
de estudo seguem duas etapas. Em primeiro lugar vem a análise de campo, que en ¬
volve a selecçã o de parcelas de amostra ou quadr ículas e a enumera çã o de todas
as plantas que nelas se encontram. A curva de espécies-á rea ( ver Oosting, 1956;
Vestal, 1949 ; Goodall , 1952 ) é largamente utilizada para determinar a dimensão ade¬
quada e o n ú mero de parcelas de amostra , e a amostragem é usualmente realizada
600

por estratos ( camada de musgo, estrato herb áceo, estrato arbustivo, estrato arb ó reo,
e assim por diante ). A densidade , o coberto ( projecçã o vertical das partes a é reas),
a frequ ê ncia ( percentagem das parcelas ocupadas) , a sociabilidade ( grau de agrega ¬
çã o) e outros í ndices s ão tabelados para cada espé cie . O segundo passo envolve
a sí ntese dos dados para determinar o grau de associa çã o das popula ções vegetais.
Utilizam-se muitas vezes curvas de frequ ê ncia para determinar a homogeneidade
ou a heterogeneidade de um dado n ú cleo de vegeta ção. Ao formular unidades abstrac-
tas de comunidade ou «associaçõ es», d á- se muito destaque a indicadores segundo
o conceito de const ância isto é , a percentagem de parcelas que cont ê m as espé cies —
e, especialmente , segundo o conceito de fidelidade, que se define como o grau de
limita çã o de uma espé cie a uma situa çã o particular. Uma espé cie com uma alta fide ¬
lidade é aquela que tem uma forte prefer ê ncia por uma dada comunidade, ou a ela
é limitada; at é um certo ponto, pelo menos, podem aplicar- se a este conceito mé todos
estat ísticos concretos (Goodall, 1953 ). Como já se indicou no Cap í tulo 5, os indica ¬
dores ecol ógicos deste tipo n ã o costumam ser as espé cies abundantes ou dominantes.
Em geral , o relevo é dado, deste modo, à s numerosas espé cies pouco frequentes
da comunidade , mais do que ao pequeno n ú mero das espé cies comuns.
RAZã O RAí Z / RENOVO. Um aspecto importante e ú nico da estrutura dos ecos-
sistemas terrestres, em que assentam as fun ções da produtividade e de ciclagem de
minerais, consiste na distribuição cont í nua do tecido da planta, desde o cimo do
estrato autotrófico at é à base do estrato heterotr ófico . A proporçã o da biomassa
dos produtores, da produ ção ou dos nutrientes abaixo e acima do n í vel do solo
reveste- se, portanto, de interesse e pode ser adequadamente expressa em termos de
razões entre ra í zes e renovos. A raz ão entre a biomassa das ra í zes e das vergôn-
teas parece aumentar ao longo da sucess ão. Por exemplo, Monk (1966) deu conta
de raz õ es entre raízes e verg ônteas de 0,10 a 0,20 em plantas anuais de estados
jovens de sucess ão, 0,20 a 0,50 em herbá ceas perenif ólias e árvores de crescimento
rá pido como os pinheiros, e 0,5 a 1,0 ou mais, em á rvores clí max de crescimento

Quadro 14-4
O Efeito da Temperatura sobre as Raz ões Raiz / Renovo em Culturas
Crescendo Sob Condições Ó ptimas Quanto a Minerais e Á gua *
TEMPERATURA
(°C) TRIGO ERVILHA LINHO

10 0,66 0,50 0,28


16 0,33 0,33 0, 16
25 0,24 0,28 0, 14

* Segundo Van Doblen , 1962; os seus valores , dados como razões renovos/ ra í zes, foram convertidos em raz ões
raí zes / renovos.
r
L
601

lento como carvalhos e cá rias. Isto pode constituir uma outra manifesta çã o do aumento
da reten ção mineral e da estabilidade que ocorre no desenvolvimento do ecossistema
( ver Cap ítulo 9). As razões raiz/ renovo tamb é m s ã o afectadas pela temperatura,
como fica ilustrado pelos dados relativos a plantas cultivadas, constantes do Quadro
14- 4. Pode esperar - se que a vegeta çã o setentrional tenha sistemas radiculares propor¬
cionalmente mais amplos (embora menos activos) do que a vegetaçã o meridional .
No Quadro 14-5, apresentam-se razões entre raízes e verg ô nteas para a biomasa,
a produ ção primária líquida e o azoto em á rvores florestais. O contraste entre as
florestas temperadas e tropicais, igualmente examinado na Secção 6 do Capítulo 4
( página 160), é posto em relevo pela compara çã o constante do Quadro 14-5#; como
se ilustra, na floresta tropical encontra-se na biomassa e acima do solo uma propor-

Quadro 14-5
Distribuição de Biomassa ( B), Produção Líquida ( PJ , e Azoto ( N ) em Florestas
A. FLORESTA NOVA (45 ANOS) DE CARVALHO- PINHEIRO. GRAMAS DE PESO SECO DE TECIDO VEGETAL *

Renovação
( B / P{\ em
B Pi Anos

Acima do ch ão 6561 856 7,7


Sob o nível do chão 3631 333 10,0
Razão raiz / renovo 0,55 0,39
Folhas 443 382 1,2
Total de tecido lenhoso 9724 783 12,4
Razão folhas/ lenho •
0,046 0,49

B. TEOR EM AZOTO, EM G / M 2, DE UMA FLORESTA TEMPERADA E DE UMA FLORESTA TROPICAL|

Floresta de Pinheiro Floresta Tropical


de 55 anos, Inglaterra de Galeria

Folhas 12,4 52 ,6
Lenho acima do chão ff 18,5 41,2
Raízes 18,4 28,2
Folhada 40,9 3,9
Solo 730,8 85,3
% de N acima do ch ã o 3,0 44,0
% na biomassa 6,0 57,8
Razão raiz / renovo § 0,60 0,30
Razão folhas/ lenho 0,34 0,76
Renovação (N na biomassa/fluxo anual) II 4,0 ?

* Segundo Whittaker e Woodwell , 1969.


t Segundo Ovington , 1962.
tf N ão incluindo folhas.
§ Incluindo folhas.
II Absorção e libertação anuais, 12 g/ m2.
602

çã o muito maior de azoto. Considere - se tamb é m o Quadro 14- 7 , que indica que na
tundra durante a esta çã o de crescimento a maior parte da respira çã o da comunidade
ocorre sob a superf í cie do solo. Tamb é m se ilustram no Quadro 14- 5 as raz ões
entre o tecido foliar e o tecido lenhoso e os tempos de renova ção. As folhas sã o
compar á veis ao fitopl â ncton dos sistemas aqu á ticos, na medida em que constituem
as unidades fotossint é ticas principais. Nos sistemas aqu á ticos as trocas de nutrientes
e de alimento ocorrem por via do meio aqu á tico, ao passo que nos sistemas terres¬
tres uma grande parte desta troca ocorre via «tubagens directas» de tecidos vivos
( especialmente nas florestas tropicais). No Quadro 14-6, encontram -se resumidos
dados adicionais sobre as rela çõ es entre biomassa e produ çã o, incluindo í ndices de
á rea foliar ( ver pá gina 73) para um conjunto de florestas japonesas.

TRANSPIRA çã O. Como foi atr ás referido no Cap í tulo 2 ( p ágina 28), a trans ¬
pira çã o, ou a evapora çã o da á gua das superf í cies das plantas, é uma caracter í stica
exclusiva dos ecossistemas terrestres, onde tem efeitos importantes na ciclagem
de nutrientes e na produtividade . Uma grande parte ( 50 a 90 por cento) da energia
solar dissipada na evapora çã o da á gua, a partir das comunidades da pradaria e da
floresta, pode ser em forma de transpira çã o. A perda de água na transpira çã o pode ser
um factor limitante , provocando o emurchecimento, especialmente nos climas secos.

Quadro 14-6
Relações Entre Biomassa e Produtividade Primária Líquida ( Expressas Ambas
em kg / m2 / ano ) em Algumas Florestas Japonesas *
BIOMASSA ( B )
Í NDICE
Folhas em PRODU ÇÃ O B /P/ DE ÂREA
Percentagem LÍ QUIDA (RENO - FOLIAR
TIPO DE FLORESTA Folhas Total do Total ( P /) VAÇÃ O ) ( CM 2 / CM 2 )

Con í feras do norte ( Abies e Piceà)


Povoamentos maduros ( 4) f 0,26 26,0 1,0 2,00 13,1 -
Regenera ções novas ( 3) 0,34 8,05 4,2 1,11 7,2 -
Folhosas de folha persistente
(temperada )
Povoamentos maduros (2) 1,22 43,2 2,8 2,16 20,0 10,3
Povoamentos novos (2) 0,72 6,2 11,6 2,80 2,2 13,1
Planta ções de acá cia (3) 0,71 9,33 7,6 2,94 3,2 -
Floresta secund á ria de vidoeiro (2) 0,32 8,77 3,6 1,08 8,1 5,2
Planta ções de faia e choupo ( 2) 0,17 2 ,2 7,7 0,86 2,4 3,0
Povoamento novo de bambú
( Sassa) (1) 0,46 1,3 3,5 1,6 0,71 5,1

* Quadro preparado por Dr. Kinji Hogetsu a partir da literatura japonesa at é 1966. Ver també m Kira e Shidei ( 1967).
t Entre parê ntesis o n ú mero de povoamentos a que a m édia se refere.
603

em á reas de agricultura intensiva ou onde os solos tenham pequena capacidade de


reten çã o para a água. As plantas do deserto t ê m adapta ções especiais para reduzir
a taxa de perda de água (como se analisou na página 194). Por outro lado, a eva ¬
pora çã o arrefece as folhas sendo um dos vá rios processos que contribuem para a
ciclagem dos nutrientes. Outros processos incluem o transporte para as ra í zes de
i ões atravé s do solo, a transfer ê ncia de i ões através das fronteiras das ra ízes ,
o transporte no interior da planta e a lixiviação foliar ( Kozlowski , 1964, 1968);
vá rios destes processos requerem um gasto de energia metab ó lica , que poder á
exercer um controlo limitativo sobre o transporte , tanto da água como dos minerais
( ver Fried e Broeshart , 1967 ). Assim , a transpira çã o n ã o é uma simples fun çã o da
superf í cie f í sica exposta; uma floresta nã o perde necessariamente mais á gua do que
uma pradaria. No Capí tulo 3, a transpira ção foi analisada como um subs í dio de
energia numa floresta h mida . Se o ar est á muito h mido ( pr óximo dos 100 por
cento de humidade relativa ), como nas florestas tropicais de nevoeiro, as á rvores
est ã o desmedradas e uma boa parte da vegeta çã o é epif í tica, presumivelmente por
motivo da falta de «sucção transpirat ó ria» ( ver H . T . Odum e Pigeon , 1970 ).
N ão obstante as muitas complica ções biol ógicas e f ísicas, a evapotranspira çã o
total est á claramente correlacionada com a taxa de produtividade . Por exemplo,
Rosenzweig (1968 ) verificou que a evapotranspira ção constituí a um preditor claramente
significativo da produ ção prim ária lí quida anuai acima do solo em comunidades terres ¬

tres maduras ou clí max de todos os tipos ( desertos, tundras, pradarias e florestas ):
contudo , a relaçã o não era segura em vegetação inst á vel ou em desenvolvimento. Este
autor apresenta a seguinte equaçã o de regressã o ( incluindo um intervalo de confian ça
de 5 por cento para . a inclina çã o e a intersecção ) :

log 10 P„ = ( 1 ,66 ± 0,27) logl AE - (1,66 ±


() 0,07)

onde P„ é a produ çã o l í quida acima do solo em gramas por metro quadrado, e


AE é a evapotranspira çã o anual em mil í metros. Conhecendo a latitude , as preci ¬
pita ções e as temperaturas medias mensais ( registo meteorol ógico bá sico ), pode
estimar - se AE a partir de tabelas meteorol ógicas ( ver Thornthwaite e Mather ,
1957 ) , e deste modo prever com a equa ção anterior o que uma comunidade natural
bem ajustada , madura, estar á em condiçõ es de produzir. Rosenzweig sup õ e que a
rela çã o entre AE e P„ se deve ao facto de AE medir a disponibilidade simult â nea
de á gua e de energia solar, os mais importantes recursos limitantes da intensidade
da fotoss í ntese terrestre . O facto de AE e P„ estarem fracamente relacionados em
comunidades em desenvolvimento tem l ógica , dado que tais comunidades ainda n ã o
alcan çaram condi ções de equil í brio com o seu ambiente de energia e de água.
604

6. OS PERMEANTES DO AMBIENTE TERRESTRE

Correspondendo ao né cton dos ecossistemas aqu áticos existem os permean-


tes ou errantes, termo de V . E. Shelford para designar os animais altamente mó veis
como sejam as aves, os mamí feros e os insectos voadores. Estes movem- se livremeqte
entre estratos e subsistemas e entre est ádios de desenvolvimento e maduros de
vegetação, que formam usualmente um mosaico na maioria das paisagens. Em mui ¬

tos casos, as biologias encontram- se organizadas de tal forma que uma etapa se
passa num estrato ou unidade e uma outra em comunidade ou estrato inteiramente
diferente. Os permeantes exploram com frequ ê ncia, portanto, o melhor de v ários
mundos. Isto inclui o homem, naturalmente, que tanto desfruta como necessita de
uma variedade de habitats, embora mostre, como se salientou ao longo deste texto,
uma lament ável tendê ncia para criar um habitat mon ótono para si pr óprio, em
virtude de um distorcido sistema de valores que coloca um valor econ ó mico muito
mais alto nos ecossistemas «produtivos», quando cotejados com os «protectores»
( ver Sec ção 3 do Cap í tulo 9 ).
A ecologia da população dos vertebrados e dos insectos já foi tratada com
alguma extens ão nos capí tulo anteriores ( 6 a 9). Apenas é preciso considerar, nesta
altura, um par de exemplos que ilustram de que modo os permeantes «encadeiam »
ou «ligam» entre si subsistemas ou comunidades diversas.
Como se destacou previamente, os grandes herbí voros mamí feros constituem
um traç o caracter í stico do ambiente terrestre. Muitos deles s ão ruminantes, possuindo
um not ável «microssistema» regenerador de nutrientes, o r men, no qual microrga ¬

nismos simbi óticos anaer óbios promovem o colapso e enriquecem um material vegetal
originalmente com baixo valor nutritivo ( ver página 783; tamb é m Hungate, 1966 ).
Sob as condi ções naturais, estes grandes herbí voros s ão altamente migrat órios,
movendo- se de uma á rea para outra sazonalmente em resposta a disponibilidades
alimentares ou a press ões de predadores. Para as pradarias e savanas de Á frica traba
¬

lhos recentes ( Talbot e Talbot, 1963; Wagner, 1968) indicam densidades m édias de
ungulados da ordem de 30 a 50 kg por ha = 3 a 5 g ou 6 a 10 kcal por m 2 , com
«exist ê ncias permanentes» at é 50 kcal por m 2 em áreas particularmente favor áveis
( Petrides, 1961). A estimativa da produ ção secund á ria é da ordem dos 25 por cento
da biomassa, ou de 1,5 a 2,5 kcal por m 2. Podem existir densidades altas sem a
ocorr ê ncia de sobrepastoreio, em consequê ncia de comportamento migrat ório, e por ¬

que a diversidade das esp é cies determina uma utilização equilibrada de todas as :
espé cies e etapas que na vegetaçã o ocorrem. Quando estes animais s ão «cercados *- *
( isto é, restringido o respectivo comportamento «permeante ») ou, quando s ão
substitu í dos por gado domé stico sedent á rio, resulta frequentemente um severo sobre
¬

pastoreio. Atrav é s dos tempos, o homem tem sido extremamente lento em reconhecer )
a necessidade de rotação nas «pastagens». O problema rena- caribu mencionado as
605

página 106, e porventura o « problema do alce » nos parques nacionais dos estados
Unidos da Am é rica , são outros exemplos do fracasso do homem no reconhecimento
de padrões de conduta adaptados e da necessidade de os substituir por m é todos de
ordenamento humano compensat ó rio, quando uma tal conduta é restringida, ou é
«exclu í da por selec çã o» no processo de domestica çã o ( ver Cap í tulo 8, Secçã o 5).
As aves migrat ó rias são, naturalmente , os errantes mais espectaculares. As
aves canoras ( Parulidae ) da Am é rica do Norte , por exemplo, ligam literalmente,
pelas suas migraçõ es sazonais, as florestas tropicais e as de con í feras do norte .
Embora intensivamente estudados, ainda se n ão compreendem muitos dos aspectos
da viagem e da adapta ção fisiol ógica. Tem sido demonstrado , pelo menos experi ¬
mentalmente, que as aves migrat ó rias são capazes de realizar navega ção celeste e
a «compasso de luz » ( ver a revisã o de Marler e Hamilton , 1966 ; també m o Cap í ¬

tulo 16 ), embora trabalhos recentes indiquem que os « rel ógios» fisiológicos e factores
menos espectaculares, como o vento e outras condi çõ es meteorol ógicas, podem na
realidade ser mais importantes na determina ção do tempo e da direcção reais dos
voos migrat ó rios em massa, que envolvem com frequ ê ncia um t ão grande n mero
de aves que podem ser seguidas facilmente pelo radar. As aves, que na sua migra ¬
çã o cobrem grandes dist â ncias, exibem uma capacidade not á vel para armazenar
gordura , e para a Utilizar como nico recurso energ é tico para o voo. Recorde- se
que um grama de gordura produz 9 calorias, ao passo que um grama de hidrato
de carbono produz apenas 4 calorias; assim , a utiliza çã o da gordura como combust í ¬
vel de «elevado í ndice de octanas» faz sentido do ponto de vista «adaptativo».
As pequenas aves terrestres que atravessam de um só voo o Golfo do M éxico,
antes da viagem armazenam nos respectivos corpos uma quantidade de gordura
igual a tr ê s vezes o seu peso seco e a seis vezes o valor energ é tico de todos os
tecidos n ã o adiposos. Alé m do mais, a gordura é em grande parte depositada em
cé lulas adiposas pr é-existentes, e utilizada a partir delas, pelo que é necessá rio adqui ¬
rir muito pouco tecido novo e depois catabolizá- lo ( Odum , Hicks e Rogers, 1964).
Assim , a «obesidade » migrat ó ria de adaptaçã o difere da obesidade humana nã o
adaptada ( que envolve crescimento de tecido ), pelo facto de a gordura poder ser
rapidamente utilizada com pouco transtorno dos equil í brios fisiol ógicos em água,
prote í na e outros.
Parece que ningu é m ainda considerou se a migra ção das aves terrestres
desempenha ou n ã o qualquer papel na ciclagem de nutrientes, como se sabe ocor ¬

rer com o transporte pelas aves marinhas de fó sforo para a terra (ver página 141),
ou com o transporte de nutrientes rio acima pelo salm ã o migrat ó rio. Uma coisa é
certa : as aves migrat ó rias transportam precipita çõ es radioactivas e DDT por todo o
mundo . Por esta razã o, as aves migrat órias podem constituir bons monitores do n í ¬
vel geral da contamina çã o da biosfera .
606

7. DISTRIBUI ÇÃO DAS PRINCIPAIS COMUNIDADES TERRESTRES, OS BIOMAS

Os climas regionais interagem com o biota e o substrato regionais para pro¬


duzir unidades de comunidade amplas, facilmente reconhec í veis, designadas biomas
( figura 14- 7 ). O bioma é a unidade de comunidade terrestre mais ampla que conv é m
reconhecer . Num dado bioma , a forma de vida da vegeta çã o do cl í max clim á tico
( ver Cap í tulo 9, Secçã o , 2 ) é uniforme . Assim, a vegeta çã o cl í max de um bioma de
pradaria é a erva, embora as espé cies de ervas dominantes possam variar em partes
diferentes do bioma. Uma vez que a forma de vida da vegeta çã o reflecte , por um
lado, os tra ços principais do clima e, por outro, determina a natureza estrutural
do habitat para os animais , proporciona uma base s ó lida para uma classifica çã o
ecol ógica natural ( Clements e Shelford , 1939 ) . Inversamente , os dados clim á ticos
podem utilizar-se para delimitar as principais forma ções vegetais ( Holdridge , 1947 ).
O bioma inclui n ã o apenas a vegeta çã o do cl í max climá tico, que constitui
a chave para o identificar, mas tamb é m os cl í maxes ed á ficos e as etapas de desenvolvi
¬

mento, que em muitos casos sã o dominados por outras formas de vida ( ver Cap í ¬
tulo 9). Assim , as comunidades de pradaria sã o etapas tempor á rias de desenvolvimento
no bioma da floresta caducif ó lia, onde as folhosas arb ó reas caducif ó lias sã o a forma
de vida cl í max. Muitos organismos necessitam , tanto da fase clim á tica como das
etapas de desenvolvimento da sucessã o ou de ecotonos entre elas; numa dada regiã o
climá tica , todas as comunidades, quer sejam cl í max ou n ã o, constituem deste modo
partes naturais do bioma ( ver Figuras 9- 4 e 9-6 ).
Na acep ção em que o termo é utilizado pelos ecologistas das plantas, o bioma
é id ê ntico à principal «forma çã o de plantas» , excepto pelo facto de o bioma ser
uma unidade de comunidade total e n ão apenas uma unidade de vegeta çã o. Consi ¬

deram - se tanto os animais como as plantas. Em geral , pode dizer - se que o bioma
ocupa uma « zona bi ó tica » principal , quando esta expressã o é utilizada para significar
uma zona de comunidade e n ã o uma unidade de flora ou de fauna . O bioma tem
o mesmo significado que « zona principal de vida » utilizada por ecologistas europeus,
embora n ã o seja o mesmo que « zona de vida », tal como é utilizada na Am é rica
do Norte . Aqui, «zona de vida» refere-se geralmente a uma s é rie de zonas de
temperatura , proposta por C. Hart Merriam em 1894 e largamente utilizada por estu ¬
diosos de aves e mam í feros. O crit é rio original da temperatura tem sido abandonado ,

e as zonas de vida de Merriam baseiam -se correntemente na distribui çã o de organis ¬

mos. Estas zonas t ê m-se tornado, portanto, cada vez mais zonas de comunidades,
e em muitos casos representam o mesmo que divisões ou subdivisões do bioma.
excepto quanto a terminologia . Para efeitos de uma compara çã o entre biomas e zonas
de vida de Merriam , veja-se E . P. Odum ( 1945 ) .
Est ã o representados , na Figura 14- 7, os biomas do mundo numa forma de
semidiagrama . Os biomas e algumas subdivis õ es encontram-se representados, mais
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DEPT . OF GEOGRAPHY & GEOLOGY, UNIVERSITY OF GEORGIA

TUNDRA PRADARIA TEMPERADA IWá FLORESTA TROPICAL HúMIDA [ PRADARIA TROPICAL E SAVANA

FLORESTA DE CONlFERAS DO NORTE { TAIGA ) CHAPARRAL taÉjfl FLORESTA TROPICAL CADUCIFÓLIA [A A j MONTANHAS ( ZONAGEM COMPLEXA )

FLORESTA TEMPERADA CADUCIFÓ LIA E , DESERTO j FLORESTA TROPICAL DE ESPINHOSAS


TEMPERADA HÚMIDA

Figura 14-7. Mapa esquemá tico dos principais biomas mundiais. Observe-se que apenas a tundra e a floresta de con íferas do
norte t ê m uma certa continuidade atrav é s da Terra . Outros biomas do mesmo tipo ( pradaria temperada ou floresta tropical h ú mida, por
exemplo) est ão isolados em regiõ es biogeogr áficas distintas, sendo de esperar , portanto, que tenham espé cies ecologicamente equivalentes, o\
embora muitas vezes sem parentesco taxon ó mico. O padr ã o dos biomas principais assemelha- se , embora n ã o seja id ê ntico, ao dos grupos o
principais do solo, tal como se ilustra na Figura 5- 14. ( Mapa preparado utilizando como base o mapa da vegetaçã o original de Finch
e Trewartha, 1949.)

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608

detalhadamente, para a América do Norte e a Á frica nas Figuras 14- 8 e 14-9.


Seguidamente, serão descritos sumariamente os principais biomas do Globo (em
Riley e Young, 1966, encontra- se um atlas ilustrado síntese com descrições resumidas
das formações de vegetação e do solo mundiais).

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Figura 14-8. Os biomas da América do Norte, com indicação de ecotonos extensos e de certas
sub -regiões (zonas). (Segundo Pitelka, 1941.)
609

A Tundra

H á duas biomassas de turfdra cobrindo á reas do á rctico, uma na regi ã o


Pale á rctica e outra na regiã o Neá rctica. Muitas espé cies ocorrem em ambas, uma vez
que houve uma liga çã o terrestre entre elas ( isto é , t ê m uma distribui çã o circum -
polar ). Em ambos os continentes , a fronteira entre a tundra e a floresta situa-se
mais a norte no ocidente , onde o clima é moderado pelos ventos quentes
soprando do oeste . As temperaturas baixas e uma esta çã o de crescimento curta
( cerca de 60 dias ) s ã o os factores limitantes principais . O terreno permanece gelado,
excepto num reduzido n mero de cent í metros da sua parte superior durante a
esta çã o de crescimento. A camada de solo mais funda permanentemente gelada
designa-se por permafrost. A tundra é essencialmente uma pradaria h mida á rctica
( Figura 14-10); a vegeta çã o consiste em l í quenes ( « musgo da rena» ), gram í neas ,
ciper á ceas e plantas lenhosas an ãs. A « tundra baixa » é caracterizada por um tapete
espesso, esponjoso, de vegeta çã o viva e n ã o deteriorada ( a decomposi çã o micro ¬

biana é muito lenta em virtude das temperaturas baixas ) , com frequ ê ncia saturado
de água, e salpicado com lagoas quando n ã o est á gelado. Especialmente onde h á um
relevo considerá vel, a «tundra alta» pode encontrar-se despida exceptuando um
crescimento escasso de l í quenes e ervas. Um rasgo característico da topografia
consiste na ocorr ê ncia de á reas poligonais levantadas, que se crê devidas a cunhas
de gelo adjacentes. Na Figura 14-10, apresentam -se duas vistas da plan í cie costeira da
tundra baixa. Embora a esta ção de crescimento seja curta , os fotoperí odos longos
de Verão possibilitam uma quantidade apreciável de produ ção primária nos locais
favorá veis, como por exemplo a plan ície costeira perto de Point Barrow, Alasca,
como se ilustra no Quadro 14-7. À semelhan ça do que acontece em outros ecossis-
temas setentrionais, uma por ção grande de nutrientes e da produ ção primá ria encon-
tra-se sob a superfície do solo ( ver Secção 5 deste capí tulo).
Sem embargo dos rigores do ambiente ( ver Figura 5-18) , muitos animais de
sangue quente permanecem activos ao longo do ano. Est ão inclu í dos o caribu (e o
seu equivalente ecológico, a rena da Eur ásia), o boi almiscarado, a lebre e a raposa
do á rctico, o lemingue, o lagó pode branco e outros. S ão muito visíveis, durante o
curto Verão, aves migrat órias e insectos, especialmente ( ou assim parece ao visitante)
os d í pteros picadores ( mosquitos, simuli ídeos).
As cadeias alimentares da tundra já foram analisadas (ver Capítulo 3, Sec¬
ção 4). No Capítulo 7, salientou-se que são caracter ísticas das comunidades da
tundra oscilações violentas, ou «cí clicas», na densidade das populações de alguns
animais. Quando os lemingues culminam em abundâ ncia, o efeito do seu pastoreio
sobre a vegeta ção é pronunciado; na regiã o da Figura 14-10, por exemplo, as par ¬
celas de onde os lemingues foram exclu í dos continham, em Agosto, 36 por cento
mais erva do que aquelas que tinham sido fortemente utilizadas durante a Prima-
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Chaparral ( regiã o de chuvas de inverno ) ||


§|j § Savana Tropical e Pradaria
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Deserto Floresta e Pradaria
Floresta de Montanha de Con í feras (Tamb é m
Pradaria Á rida ou Semideserto
LJ muitas á reas pequenas n ã o indicadas )
,

Figura 14- 9. As regiões bi óticas de Á frica. Os seis biomas principais são indicados pela legenda.
Note-se que apenas uma parte relativamente pequena do continente é «selva» (isto é, floresta tropical
h mida ). A savana tropical e a pradaria, muito extensas, constituem a cé lebre região da «caça grossa».
Algumas das maiores á reas de fauna encontram-se numeradas como se segue : 1. Berbé ria; 2. Saara:
3. Zona á rida do Sudã o; 4. Zona á rida da Somá lia ; 5. Savana setentrional; 6. Terras baixas do Congo:
7. Montanhas de Abiss í nia; 8. Montanhas do Qué nia; 9. Savana meridional; 10. Zona á rida do sudoeste:
11. Região de «chuvas de Inverno» da Cidade do Cabo. Todas estas á reas de fauna fazem parte da região
-
biogeográfica etió pica ou africana (ver Figura 14 1), excepto a Berbéria, que é Paleárctica. ( Mapa baseado
num mapa-esboço de Moreau, 1952.)
611

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Figura 14- 10. Duas imagens de tundra em Julho na plan í cie costeira perto de Arctic Research
Laboratory , Point Barrow , Alasca . A fotografia superior mostra um terreno baixo extenso, no extremo
de um sistema fluvial , a cerca de duas milhas da costa . A gram í nea do á rctico Dupontia flscheri e a ciper á -
cea Carex aquatalis sã o as plantas dominantes; as ra í zes desenvolvem se numa camada turfosa de um -
solo semipantanoso . A á rea é t í pica do que pode ser considerado , de uma forma razoá vel, como o
-
«cl í max » da tundra nas estações baixas perto da costa. Ilustram se na figura parcelas de amostra e um
cercado para evitar os lemingues. Durante o Verã o, quando foi tirada esta fotografia, os lemingues
atingem um « pico» no seu ciclo; no final de Agosto, o cercado continha mais 36 por cento de gra -
m í neas do que as á reas adjacentes, indicando at é que ponto os pequenos roedores quando sã o abun ¬

dantes pastam a vegeta çã o.


A fotografia inferior é de uma estaçã o a cerca de 10 milhas para o interior mostrando o terreno
poligonal caracter í stico. As cunhas de gelo subjacentes à s valas contribuem para a forma çã o dos pol í gonos
elevados. Os frutos brancos que se observam no primeiro plano s ã o da esp é cie Eriophorvm scheuzcheri ,
«gram í nea do algod ã o ». ( Fotografias de Royal E. Shanks, E. E . Clebsch e John Kora d .
612

vera e o Ver ão. Durante os «auges» dos lerningues, as aves predadoras como as
corujas e certas aves da rapina sã o abundantes, ao passo que poucos predadores
criam sequer nos anos em que a presa escasseia ( Pitelka, Tomich e Treichel , 1955).
Veja- se Schultz (1969) para um breve resumo da tundra como um ecossistema.
Nas altas montanhas da zona temperada ocorrem á reas semelhantes à tundra,
usualmente designadas por tundra alpina ou prado alpino. Embora haja com fre ¬
qu ê ncia mais neve na tundra alpina em compara çã o com a á rctica , nã o existe
« permafrost », e o regime do fotoper í odo é diferente em virtude da latitude mais
meridional. A resposta ecot í pica das plantas a ambientes de luz distintos foi exami ¬

nada no Cap ítulo 5 ( página 173).

Biomas de Floresta de Coníferas do Norte

Estendendo-se como cintur ões largos atrav é s de toda a Am é rica do Norte e


da Eur á sia Figuras 14- 7 e 14-8) encontram -se as vastas regi ões setentrionais de flo¬
restas sempreverdes ou perenif ólias. Mesmo nos tr ó picos ocorrem extens ões nas
montanhas. A forma de vida caracter í stica é a á rvore de folha acicular , especialmente
p í ceas, abetos e pinheiros ( Figura 14- 11). Existe assim , ao longo de todo o ano,
uma sombra densa , do que resulta com frequ ê ncia um fraco desenvolvimento das
camadas arbustivas e herb á ceas . Contudo, o coberto cont í nuo de clorofila , presente
ao longo de todo o ano, traduz- se numa intensidade de produ çã o anual relativamente
alta, n ã o obstante a baixa temperatura que ocorre durante metade do ano ( ver

Quadro 14-7
Produção Primária da Tundra na Planície Costeira de Point Barrow , Alasca *
TAXA DE PRODUÇÃO ANUAL

g / m2 kcal / m 2 f

Produ ção bruta ( Pb) 344 1550


Respiração das plantas (R) Renovos 27 122
Raí zes 135 608
Total 162 730
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Produ ção l íquida ( P ) Renovos 82 370
Raí zes 100 450
Total 182 820
Razão raiz / renovo Pb 2,1
Pi 1,2
R 5,0

* Segundo Johnson, 1969, 1970.


t Estimativa na base de 1 grama = 4,5 kcal (ver Quadro 3-1).
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Figura 14- 11. Tr ê s tipos de florestas de con íferas. A . Uma floresta de altitude de Picea engelmannii
e de Abies lasiocarpa no Colorado. Observe -se a grande quantidade de folhada que se acumula em vir ¬
tude das baixas temperaturas e dos longos per í odos sazonais com manto de neve . B . Uma floresta de
picea em Idaho com um dos seus principais estados de desenvolvimento, um choupo, Populus tremuloi-
des, espé cie folhosa cujas folhas se tornam amarelo- douradas na é poca da queda ( povoamento de cor
clara à esquerda e no centro da fotografia ).
614

Capí tulo 3 e Quadro 14-6). As florestas de coní feras encontram- se entre as regiões
do mundo grandes produtoras de madeira. As agulhas das coní feras decompõem- se
.
muito lentamente, e o solo desenvolve um perfil de podzol altamente caracter í s -
tico ( ver Figura 5- 12 ). O solo pode conter uma população consider á vel de organismos
pequenos, embora comparativamente um n mero pequeno de organismos maiores
( quando comparado com os solos das florestas de caducifólias ou de pradaria).
Muitos dos maiores vertebrados herbí voros, como o alce, a lebre - das - neves e o
lagópodo, dependem quanto a alimento, pelo menos em parte, das comunidades
que desenvolvem folha larga ( Figura 14-115). As sementes das con í feras proporcio ¬

nam alimento importante para muitos animais, como sejam esquilos, pintassilgos e
cruza- bicos.
À semelhança da tundra, a periodicidade sazonal é pronunciada e as popula ¬

ções tendem a oscilar. Os ciclos da lebre- das -neves, ou lebre variável, e do lince são
exemplos clássicos ( ver Figura 7-16). As florestas de coní feras est ão també m sujei ¬

tas a ataques por parte dos escolit í deos e de insectos desfolhadores ( tentrediní -
deos, tortric í deos, e assim por diante), especialmente onde os povoamentos apenas
t ê m uma ou duas espécies dominantes; por é m, como se salientou no Capí tulo 7
( página 305), tais ataques fazem parte do ciclo cont ínuo de desenvolvimento a que
o ecossist êma floresta de coní feras est á adaptado. Veja- se Shelford e Olson ( 1935 )
para efeitos de um relato do bioma da floresta de coní feras da América do Norte.

Bioma Temperado Húmido ( Mesotermal) de Floresta de Coní feras

Existem florestas de um tipo distinto ao longo da costa oeste da Amé rica


do Norte, desde o centro da Califórnia at é ao Alasca ( ver Figura 14-11C), onde as
temperaturas são mais altas, a amplitude estacionai é relativamente pequena e a
humidade é muito alta. Embora dominadas pela forma de vida das coní feras, estas
florestas são, dos pontos de vista florí stico e ecológico, completamente diferentes
das florestas de coní feras do norte. A queda pluviomé trica varia de 75 a 375 cm;
nas áreas meridionais o nevoeiro compensa a precipitação mais baixa, de tal forma
que a humidade é alta por toda a parte, e a propor ção entre a precipitação e a
evaporação é extremamente favorá vel. Oberlander ( 1956), por exemplo, observou
que o nevoeiro pode contribuir com 2 a 3 vezes mais água do que a precipita ¬

ção anual e que algumas árvores altas, em posição de interceptar o nevoeiro da


costa à medida que este avança pela terra dentro, podem captar tanto como 125
cm de «chuva» por gotejo das folhas! Como a água nã o é usualmente um factor
limitante severo, as florestas da região costeira do oeste são com frequ ê ncia desig ¬

nadas por « florestas temperadas de chuva».


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14-1 L C. Um belo exemplo da floresta h ú mida de con í


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floresta temperada hum da , na Olympic National Forest , Washington . feras, designada com frequ ência
arvores , a luxuriante manta v > va de fetos e outras plantas herbáceas , e Observe - se a grande dimensã o das
os fustes das á rvores . ( Fotografias do U. S . Forest Service ) os musgos epifiticos que
4 enfeitam

A tsuga oriental ( Tsuga heterophylla ) , a tuia gigante ( Thuja plicara ) , o abeto


da espécie Abies grandis, a pseudotsuga ( Pseudotsuga ), esta nas esta çõ es mais
secas ou como subcl í max nas esta ções h midas, s ã o, das á rvores dominantes, as
quatro maiores na á rea de Puget Sound , onde a floresta atinge os seus maiores
desenvolvimentos . Ao sul , encontram - se as magn í ficas sequ ó ias sempreverdes
( Sequoia), e a norte é proeminente a p í cea de Sitka ( Picea sitchensis ) . Ao contr á rio
do que acontece nas florestas de con í feras mais secas e mais setentrionais, a vege ¬

ta çã o dos andares inferiores desenvolve - se bem onde quer que a luz se filtre
atrav é s dos copados , ao mesmo tempo que s ã o abundantes os musgos e outras
plantas menores apreciadoras de humidade . Os musgos epifiticos s ã o os «equivalentes
ecol ógicos» das bromeli á ceas epif í ticas das florestas tropicais h midas. Neste bioma,
a « biomassa » dos produtores é de facto impressionante , e , como se pode imagi ¬

nar , a produ çã o de madeira por unidade de á rea é potencialmente muito grande ,


caso seja poss í vel manter a regenera ção das á rvores abatidas e os ciclos de nutrien ¬

tes. Como em todos os ecossistemas em que uma t ão grande percentagem de nu ¬

trientes pode estar retida na biomassa , h á um grande perigo de que a explora çã o


excessiva possa reduzir a futura produtividade .
616

Para efeitos de uma revis ã o flor í stica e ecol ógica ampla das florestas de
con í feras do oeste em geral , veja- se a monografia de Krajina ( 1969 ) ; este autor
enumera 11 zonas biogeoclim á ticas no gradiente desde a tundra alpina at é à s ílorestas
costeiras cá lidas e h midas, cada qual suportando tipos distintos de floresta .

Biomas de Floresta Caducif ólia Temperada

As comunidades das florestas caducif ólias ( Figura 14-12 ) ocupam á reas com
quedas pluviom é tricas abundantes ( 75 a 150 cm), regularmente distribu í das, e tem ¬
peraturas moderadas que exibem um padrã o sazonal caracter í stico. As florestas tem ¬
peradas caducif ó lias cobriam originalmente a parte oriental da Am é rica do Norte,
toda a Europa, uma parte do da Jap ã o , Austr á lia e a ponta da Am é rica do Sul
( Figura 14- 7 ). Os biomas das florestas caducif ólias sã o, assim , mais isolados uns
dos outros do que as tundras ou as florestas de con í feras setentrionais, e a compo ¬

si çã o em esp écies reflectir á, naturalmente, o grau de isolamento. Uma vez que


as á rvores e os arbustos n ão tê m folhas durante uma parte do ano, é grande o
contraste entre Inverno e Ver ão. . Os estratos herbáceo e arbustivo tendem a encon-
!. trar -se bem desenvolvidos, assim como o biota do solo. Há um grande n mero de
plantas que produzem frutos polposos e nozes, como as glandes e os frutos das
faias. Os animais da floresta original da Am é rica do Norte inclu íam o veado da
.
Virg í nia , o urso, os esquilos cinzento e raposa, a raposa cinzenta , o lince e o peru
selvagem . As espé cies Vireo olivaceus , Hylocichla mustelina, Parus bicolor, um furnar í -
deo , e diversos picapaus s ão aves pequenas caracter ísticas das etapas de cl í max.
De uma forma bastante interessante, as con í feras, principalmente espécies de pinhei ¬

ros, constituem fases de desenvolvimento ou subclimaxes em muitas á reas de flo¬


'

resta de caducif ó lias ( ver Figura 9- 4, página 419). A vegeta çã o caracter í stica de
pradaria ou de «campo velho» constitui etapas jovens de desenvolvimento, tendo
sido objecto de abundante estudo ecológico.
As regiões das florestas caducif ólias são uma das mais importantes regiões
bi óticas do mundo, dado que a «civilização do homem branco» alcan çou nestas á reas
o seu maior desenvolvimento. Este bioma est á, portanto, grandemente modificado
pelo homem e grande parte dele encontra-se substitu ído por comunidades cultivadas
e bordaduras dé floresta.
O bioma da floresta caducif ólia da Am é rica do Norte tem um grande n ú ¬
mero de subdivisõ es importantes, com tipos diferentes de floresta cl í max. Seguem
alguns deles:
A floresta de faia- bordo da regi ã o central do norte;
A floresta de bordo- t í lia de Wisconsin e Minnesota;
A floresta de carvalho-cá ria das regi ões ocidental e meridional ;
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Figura 14- 12. Cl í maxes clim á tico, ed áfico e de fogo no leste dos Estados Unidos da Am é rica.
A . Povoamento virgem de uma floresta caducifólia no oeste da Carolina do Norte um cl í max clim á tico.
B. Uma floresta pantanosa de Nyssa, um cl í max ed á fico, enfeitada com a ep í fita TiUandsia , o « musgo
espanhol » , na plan í cie inundada do Rio Savannah .
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Figura 14-12. C. Fracção de uma floresta virgem de Pinus palustris, cl ímax de fogo, em Millpona
Plantation perto de Thomasville , Ge ó rgia. A frequente utilização do fogo controlado tem mantido uma
condição aberta, à maneira de parque, e evitado a invasã o de árvores folhosas, de madeira dura, sen ¬

s í veis ao fogo. ( A, fotografia do U. S. Forest Service; B, fotografia de E. I. Du Pont de Nemours & Co.:
C, fotografia de Roy Komarek , Tall Timbers Research Station .)

A floresta de carvalho-castanheiro das montanhas dos Apalaches (agora principal ¬

mente uma floresta de carvalhos com o castanheiro eliminado por doen ças de fungos ver
p ágina 357);
A floresta mesof í tica do planalto dos Apalaches;
A floresta ed á fica de pinheiros da plan í cie costeira do sudeste .

Cada uma delas tem caracter ísticas diferenciais , embora muitos organismos,
especialmente os animais maiores, se estendam por duas ou mais destas subdivis õ es
( isto é, s ão «espé cies de liga ção»). Como tem sido assinalado ( ver páginas 209-213
e 426), a plan í cie costeira do sudeste é peculiar, pelo facto de apenas uma pequena
por çã o da á rea estar ou ter alguma vez realmente estado ocupada por vegeta çã o do
cl í max clim á tico, dada a imaturidade dos solos e a acção dos fogos. Embora grandes
á reas estejam cobertas por pinheiros de cl í max ed áfico ( ou discl í max ), a maior parte
da plan í cie cQsteira do sudeste é claramente mais uma subdivisão particular do
bioma de floresta caducif ólia do que um bioma principal distinto. Existem ecotonos
619

extensos entre a floresta caducifó lia e a região de con íferas do norte ( a região da
Tsuga canadensis Pinus strobus folhosas do norte ), e entre a floresta caducif ó lia
e a pradaria ( ver Figura 14-8).
Foi reunido em forma de livro um excelente sum á rio sobre a vegeta çã o das
comunidades das florestas caducif ólias por E. Lucy Braun (1950).

Biomas de Floresta Subtropical Perenif ólia


de Folha Larga

Onde a humidade se mant é m alta , embora as diferen ças t é rmicas entre o


Inverno e o Ver ão se tornem menos pronunciadas, as florestas caducif ó lias tempera ¬
das d ã o lugar ao cl í max de floresta sempreverde de folha larga . Esta comunidade
est á bem desenvolvida nos climas mar í timos temperados quentes do centro e do
sul do Japã o ( ver Quadro 14-6 ) e pode encontrar -se nos « hammocks » da Florida,
e nas florestas perenif ólias de carvalho ao longo das costas do Golfo e do Atlâ n ¬

tico Sul ( Figura 14-19 ). Um « hammock » consiste numa á rea de solos maduros que
tiveram alguma protecçã o, pelo menos relativamente aos fogos, e onde assim foi
poss í vel o desenvolvimento de uma comunidade de cl í max clim á tico. Uma grande
parte da Florida, em comum com a plan í cie costeira do sudeste em geral, n ã o
suporta o cl í max clim á tico, estando antes coberta com etapas de desenvolvimento
e cl í maxes ed á ficos ( pinhais, florestas de pâ ntano e sapais , especialmente ) por razões
já referidas. Assim, Davis (1943 ) avaliou que na Florida do Sul apenas 140 milhares
de acres, em cerca de 10 milh ões, se encontram ocupados por florestas de « hammock ».
As plantas dominantes da floresta perenif ó lia de folha larga vã o desde o car ¬

valho perenif ó lio mais setentrional ( Quercus virginiana), magn ólias, loureiros e aze ¬
vinhos a espé cies mais tropicais como o «ficus estrangulador» ( Ficus aurea) , tamarinho
silvestre ( Lysiloma) e uma espé cie do g é nero Bursera. Com frequ ê ncia s ã o tamb é m
proeminentes palmeiras do Sabal palmetto. As trepadeiras e as ep í Fitas sã o caracter ís-
ticas. Este ltimo grupo inclui muitos fetos, as bromeliá ceas (fam í lia do anan ás)
e orqu í deas que suportam uma fauna caracter ística de pequenos animais. Como em
geral acontece nas comunidades tropicais e subtropicais, a domin â ncia nos grupos
tr ó Ficos é «compartilhada» por um maior n mero de espé cies distintas do que
no caso das comunidades setentrionais. Veja-se Kimura (1960 ) e Kusumoto (1961)
para efeitos de uma an á lise ecol ógica das florestas sempreverdes de loureiros e de
outras folhosas de folha larga do Japã o, bem como o excelente resumo de Kira
e Shidei (1967 ).
Um belo exemplo de uma floresta cl í max de folha larga tem sido preservado
no Royal Palm Hammock , em Paradise Key , no Parque Nacional de Everglades.
É interessante salientar que embora haja muitas plantas de origem tropical nesta
620

floresta , nem uma s ó esp é cie de ave ou mam í fero terrestre é de origem tropical
( h á aves aqu á ticas tropicais na á rea ), aparentemente porque a Florida nunca esteve
ligada a sul com comunidades tropicias extensas . Isto ilustra novamente a import â n ¬
cia da geografia no estabelecimento da composi çã o das comunidades .

Biomas Temperados de Pradaria

As pradarias ( Figura 14- 13 ) cobrem á reas muito amplas e sã o extremamente


importantes do ponto de vista humano. As pradarias proporcionam pastagens natu ¬
rais para animais de pastoreio, e as principais plantas agr í colas alimentares foram
obtidas das gram í neas naturais por selecçã o artificial. A convers ão de pradarias h ¬

midas em terras de culturas herb áceas produtoras de gr ã os , como no « mid - west »


dos Estados Unidos da Am é rica, envolve uma altera çã o b ásica relativamente pequena
na estrutura e na fun ção do ecossistema (é principalmente uma quest ã o de «recon¬
duzir » a sucessã o a etapas anuais, como se viu no Cap í tulo 9 ), o que poderá
constituir uma razã o do sucesso humano neste tipo de agricultura. A experiê ncia
do homem na utiliza çã o das pradarias como pastagens já nã o é, contudo, t ã o boa.
Muitas das antigas civilizações desenvolveram - se em regi ões de pradaria em associa ¬

çã o com animais de pastoreio domesticados , por é m, é poss í vel que nenhum tipo
de bioma haja sido submetido como este a um tal abuso pelo homem. Mesmo
hoje , a maioria das pessoas nã o compreende que as pastagens naturais devem ser
tratadas com o mesmo cuidado que as cultivadas, continuando a ser convertidas
em desertos in ú teis milhares de hectares por exploração excessiva ( veja-se a dis¬
-
cussã o sobre o ordenamento da pastagem , páginas 417 419 , e o conceito da «tra¬
g é dia dos baldios», página 393).
As pradarias ocorrem onde a queda pluviom é trica é muito baixa para suportar a
forma de vida da floresta, embora mais elevada do que aquela que se traduz em
formas de vida de deserto. Isto significa, geralmente , de 25 a 75 cm de precipi ¬
tação, dependendo da temperatura e da distribuição estacionai. Contudo, as pradarias
tamb é m podem ocorrer em regiõ es de clima de floresta onde os factores ed á ficos.
como por exemplo uma toalha friática alta ou o fogo, favore çam as plantas herbá¬
ceas em competição com as lenhosas. É hoje opinião geral que as pradarias ori ¬

ginais de Ohio, Indiana e Illinois eram «cl í maxes de fogo» ( ver Cap í tulo 9). As
pradarias temperadas ocorrem geralmente no interior dos continentes ( ver Figura
14-7 ). Os solos das pradarias são fortemente caracter í sticos e cont ê m grandes quanti ¬
dades de h ú mus, como foi previamente indicado ( ver Figura 5-12).
Na Am é rica do Norte , o bioma de pradaria encontra-se subdividido em zonas
este - oeste , isto é , pradarias de gram í nea alta, de gram í nea mista, de gram í nea baixa
e de gram í neas em tufos ; estas são estabelecidas pelo gradiente da queda pluvio-
621

m étrica, que é igualmente um gradiente de produtividade prim á ria decrescente.


Seguem-se algumas das esp é cies perenes mais importantes, classificadas de acordo
com a altura das partes a é reas:

Gramí neas altas ( de 1,5 a 2,5 m ) Andropogon gerardi, Panicum virgatum ,


Sorghastrum nutans, e nas terras baixas a esp é cie Spartina pectinata.
Gramí neas médias ( de 0,6 a 1,2 m ) Andropogon scoparius, Stipa spartea,
Sporobolus heterolepis, Agropyron smithii, Koeleria cristata , uma Oryzopsis, e muitas
outras.
Gram í neas baixas (0,15 a 0,45 m ) Buchloe dactyloides, Bouteloua gracilis,
outras Bouteloua, uma Poa introduzida, e espécies do g é nero Bromus.

As ra í zes da maior parte das esp é cies penetram profundamente ( at é 1,8 m ) e o


peso das ra í zes das plantas perenes s ãs do cl í max chega a ser v á rias vezes su ¬

perior ao da parte a é rea . Weaver e Zink (1946 ) observaram que eram precisos
tr ê s anos para que a Andropogon scoparius e uma Bouteloua desenvolvessem ( par ¬
tindo da semente ) a máxima biomassa de ra ízes (a razão raiz / renovo é mais alta
do que na maioria das florestas ); depois disso, não houve acr é scimo posterior,
igualando-se o crescimento e a perda anuais. A forma de crescimento das ra í zes
reveste-se de import â ncia. Algumas das espécies acima citadas por exemplo An¬
dropogon gerardi, Buchloe dactyloides e Agropyron smithii possuem rizomas sub- í
terr â neos e sã o assim formadoras de gramados. Outras esp écies, como por exemplo
Andropogon scoparius, Koeleria cristata e Stipa spartea , afilham , sã o forrageiras,
e crescem em tufos. Estas duas formas de vida podem encontrar-se em todas
as zonas, embora as gram í neas forrageiras predominem nas regi õ es mais secas, onde
a pradaria d á gradualmente lugar ao deserto.
Nas pradarias, assume import â ncia ecológica especial a origem geográ fica das
esp é cies. As esp écies dos g é neros do norte , como sejam os Stipa , Agropyron e Poa,
renovam o crescimento precocemente na Primavera, atingem o m áximo de desenvol ¬
vimento no fim da Primavera ou princ í pios do Verã o (quando as sementes sã o produ ¬
zidas) , tornam-se semidormentes no tempo quente , embora retomem o crescimento
no Outono e se mantenham verdes não obstante as geadas. Por outro lado, as esp é ¬

cies de esta çã o quente dos g é neros do sul, como por exemplo Andropogon, Buchloe e
Bouteloua, renovam o crescimento no fim da Primavera , embora cresçam continua-
mente durante o Ver ão, atingindo a máxima biomassa no fim do Ver ã o ou Outono,
sem que ocorra crescimento posterior durante o ú ltimo per í odo. Do ponto de vista da
produtividade anual do ecossistema tomado no seu conjunto, ao longo de um per íodo
de anos, é favorá vel uma mistura de ervas de esta çã o fria e quente , em especial por ¬
que em certos anos a queda pluviom é trica poderá ser mais abundante na Primavera
ou no Outono e noutros por meados do Verã o. A substitui çã o de tais misturas
622

adaptadas por « monoculturas» conduz à cria çã o de oscila çõ es na produtividade


( um outro facto ecol ógico simples nã o compreendido at é mesmo pelos agricultores '
Outras ervas (compostas, leguminosas, e assim por diante ) apenas formam
nas pradarias cl í max, como regra, uma pequena parte da biomassa produtora, embora
se encontrem firmemente presentes. Certas espé cies t ê m interesse especial como
indicadores ( isto é, t ê m uma alta «fidelidade»; ver Hanson , 1950 ). O aumento do

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Figura 14-13. Pradaria temperada natural no centro da Am é rica do Norte com dois herb ívora
mam íferos ind ígenas e duas das gram íneas indígenas dominantes. A . Pradaria levemente pastorearia
no Red Rock Lakes National Wildlife Refuge, Montana, com uma pequena manada do antílope ano>-
capro. B. Pradaria de gram í nea baixa , no Wainwright National Park , Alberta , Canad á , com manada 2±
bisontes. O animal no centro est á a espojar-se ; as antigas «espojadelas de b ú falo » podem frequentenrerre
ser detectadas na pradaria muitos anos depois do bisonte ter sido exterminado.
623

pastoreio ou a seca , ou ambos, tendem a aumentar a percentagem das n ã o gra-


m í neas, que tamb é m são proeminentes nas etapas serais primitivas. A sucessã o
secund á ria no bioma de pradaria, e as altera çõ es r í tmicas na vegetaçã o durante ci ¬
clos h midos e secos foram descritas em cap í tulos anteriores ( ver páginas 420 e
430). O viajante que atravessa de autom ó vel o centro dos Estados Unidos da Am é ¬

rica do Norte deveria ter presente que as ervas nã o gram í neas proeminentes nas
bermas das estradas, como uma Salsola de origem russa e os girassó is ( Helianthus),
devem o seu aspecto luxuriante à constante interven çã o do homem sobre o solo.
As pradarias de gram í neas altas da Am é rica do Norte est ã o agora substitu í ¬

das pela agricultura de produ çã o de semente , em especial cerealicultura , ou por


pastagens cultivadas, ou foram invadidas por vegeta ção lenhosa. Dificilmente se encon ¬

tra a pradaria original ou virgem de gram í neas altas , e at é onde foi conservada
para estudo ( como no Arboretum da Universidade de Wisconsin ) precisa ser queimada
para preservar o seu cará cter de pradaria.
Uma grande propor çã o dos mam í feros da pradaria sã o de tipo quer corredor
quer escavador . É caracter í stica a agrega çã o em col ó nias ou manadas. Este h á bito de
vida constitui uma certa protecçã o no tipo de habitat aberto. Na página 383 enume-

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Figura 14-13. C. Duas importantes gram í neas cl í max dos biomas de pradaria da Am é rica do Norte.
À esquerda: a esp é cie Andropogon scoparius, a gram í nea ind ígena mais importante da parte leste do bioma
da pradaria . À direita : a esp é cie Bouteloua curtipendula, uma «grama» profusamente distribu ída nas á reas
de gram íneas mistas e baixas no oeste. ( A , fotografia do U. S. Fish and Wildlife Service ; B, por E. P.
Odum ; C, fotografia do U. S. Soil Conservation Service.)
624

ram -se os principais grandes animais de pastoreio nativos das pradarias em vá rias re ¬
gi ões biogeogr áficas, tendo-se referido na secçã o anterior deste cap í tulo a import â ncia
do comportamento migrat ório na preven çã o do sobrepastoreio . S ã o importantes os
roedores escavadores, como por exemplo os esquilos terrestres, os cães da pradaria
e os geom í deos. Resulta frequentemente uma «epidemia de roedores» ali onde o
homem reduziu as popula çõ es dos predadores dos roedores, como sejam os coio-
tes, as raposas ( Vulpes macrotis) e os texugos; de igual modo, os roedores aumentam
quando a pradaria é sujeita a sobrepastoreio pelo gado ou por outros animais un-
gulados. O galo-da- pradaria ( Tympcmuchus cupido), espé cies dos g é neros Sturnella e
Calcarius, a Eremophila alpestris e um b teo comedor de roedores, fazem parte
das aves caracter í sticas das pradarias da Am é rica do Norte ; existem nas outras par ¬
tes do mundo espé cies ecologicamente equivalentes .
Os grandes mam í feros de pastoreio, quer nativos quer domesticados, t ê m
tanta import â ncia na determina çã o da composi çã o florí stica da comunidade como as
condi ções básicas do clima e do solo, uma vez que algumas esp é cies de gram í neas e
de outras plantas sã o mais sensí veis à pressã o do pastoreio do que outras espé cies.
Os administradores das á reas de pastagem utilizam nos E.U.A. o termo «decreasers
para as espé cies de bom paladar sensí veis ao pastoreio; o seu desaparecimento constitui
-
um indicador de pressão de pastoreio. Bradshaw (1957) demonstrou que em prada ¬
rias produzidas pelo homem na Inglaterra, algumas das quais foram submetidas
a sobrepastoreio durante sé culos, certas esp é cies de gram í neas desenvolvem ecoti -
pos com uma baixa produtividade intr í nseca , mesmo quando transplantadas para

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Figura 14- 14 . Imagem da savana tropical da Á frica. Gram í neas, á rvores dispersas, com formas pito¬
rescas, fogos na esta çã o seca, e numerosas espé cies de grandes mam íferos herb í voros , s ã o caracter í sticas
pr ó prias deste bioma. ( Fotografia de Donald I. Ker, Ker & Downey Safaris Ltd . , Nairobi, África Oriem l
625

parques experimentais n ã o pastoreados. Sob uma forte pressã o de pastoreio, o


crescer lentamente tem para a planta valor de sobrevivê ncia ( mesmo quando a
humidade e outras condições favore çam o r á pido crescimento), evitando assim o
total exterm í nio pelo animal de pastoreio! Nas regiões alpinas, onde as condições
extremas tê m o mesmo efeito do pastoreio intenso, foram encontrados ecotipos
de baixa produ çã o semelhantes. Nestas á reas a produtividade intr í nseca das espé ¬
cies, e provavelmente de todo o ecossistema, torna-se tanto uma caracter ística de
adapta ção como qualquer outro aspecto estrutural. De igual modo, os efeitos dos
fogos de pradaria e do homem primitivo devem ser considerados na interpretação
das condiçõ es actuais ( ver Sauer, 1950; Malin , 1953). Para efeitos de exame geral
do bioma de pradaria na Am é rica do Norte, veja-se em Clements e Shelford (1939)
o Cap í tulo 8, Carpenter (1940), Weaver (1954), Weaver e Albertson (1956) e Malin
(1956). O bioma pradaria foi seleccionado para ser o primeiro estudo de fundo
do IBP ( Programa Biol ógico Internacional), que envolver á equipas interdisciplinares
de investigadores e um m é todo de an álise de sistemas ( ver Van Dyne, 1969;
Coupland et al., 1969; e Weigert e Evans, 1967). Para tomar contacto com um
modelo matemático e um modelo de simulação em grande escala de um ecossis¬
tema de pradaria, vejam -se as Figuras 10- 4 e 10-5, páginas 463-464.

Biomas de Savana Tropical

As savanas tropicais ( pradarias com árvores dispersas ou grupos de árvores)


encontram-se nas regi ões quentes com 100 a 150 cm de queda pluviom étrica, mas
com uma estação seca prolongada, durante a qual os fogos constituem uma parte
importante do ambiente. A maior área deste tipo situa-se em África ( ver Figura
14-9) , embora també m existam savanas ou pradarias tropicais de considerável exten ¬
são na Am é rica do Sul e na Austr ália. Uma vez que tanto as á rvores como as
gram í neas t ê m de ser resistentes à seca e ao fogo, o n mero das espé cies que
compõ em a vegeta çã o nã o é grande, em n í tido contraste com as florestas equato ¬

riais adjacentes. As gram í neas pertencem a g é neros como Panicum , Pennisetum,


Andropogon e Imperata, proporcionando o coberto dominante , enquanto que as á r ¬

vores dispersas são de espé cies inteiramente distintas das que se encontram na
floresta tropical h mida. Em África, as acácias, os imbondeiros ( Adansonia), as
euf ó rbias arborescentes e as palmeiras, á rvores pitorescas, salpicam a paisagem.
Com frequ ê ncia, uma só espé cie tanto de gram í nea como de á rvore pode ser domi ¬

nante em extensas á reas.


A população dos mam í feros ungulados da savana africana n ão tem paralelo,
em n ú mero e variedade, em qualquer outra parte do Globo ( relembrar a Secção
6 deste capítulo). Os ant ílopes ( numerosas esp écies), o gnu , a zebra e a girafa

41 )
626
pastam ou comem renovos tenros e s ã o ca çados por le ões e outros predadores
em á reas onde a «caça grossa» n ão foi substitu í da pelo homem e seu gado. Os insectos
são mais abundantes durante a esta ção h ú mida, quando a maior parte das aves
nidifíca, ao passo que os r é pteis podem ser mais activos durante a estação seca.
Assim , as estações sã o reguladas muito mais pela chuva do que pela temperatura,
como acontece nas pradarias temperadas.
As novas nações da á rea das savanas de África devem tomar , sem demora,
decis ões sobre o uso da terra envolvendo as savanas e a sua diversidade de un-
gulados de pastoreio. Muitos ecologistas crê em que ser á exequ í vel explorar os
ant í lopes, os hipopótamos e os gnus numa base de produ ção sustentada, ou porven ¬
tura em semi-domesticação, em vez de os exterminar e substituir por gado (Pe-
trides, 1956; Darling , 1960; Dasman e Mossman , 1962 ; Talbot et ai , 1965), n ão
apenas por motivo do uso diversificado que fazem da produ çã o primária natural,
mas també m pelo facto dos animais selvagens serem imunes a muitas doen ças
e parasitas tropicais, relativamente aos quais o gado é altamente suscept ível. Esta
é outra boa oportunidade para recordar os princí pios discutidos no Capí tulo 3.
As produ ções obtidas de uma fazenda dedicada à exploraçã o intensiva de gado
serão sempre superiores à que poder á ser obtida explorando populações selvagens,
embora o aumento de produ ção tenha os seus custos ocultos e os seus subs í dios
de energia sob a forma de controlo das doen ças, controlo da vegetação, trabalho
humano e combust í vel. As decisões deverão, assim, basear-se em balan ços de custos
totais. N ão h á d ú vida de que se deveria dar à administra ção da vida selvagem uma
oportunidade equitativa.
A Figura 14-14 proporciona um cená rio da região da savana africana, incluindo
os seus tr ê s componentes proeminentes, a saber, gram íneas, á rvores dispersas e
mam íferos herbívoros. Os problemas ecológicos das pradarias tropicais encontram-se
examinados em muitos relat órios da UNESCO, e alguns dos aspectos interessantes
deste bioma est ão descritos por Aubert de la Rue et al. (1957).

Biomas de Deserto

Os desertos (Figura 14-15) encontram-se geralmente em regiões com menos


de 25 cm de queda pluviom é trica, ou por vezes em regiões com mais pluviosidade,
embora muito desigualmente distribu í da. A escassez da pluviosidade pode ser devida
a (1) elevada pressão subtropical , como no Sahara e nos desertos australianos, a
(2) posi çã o geográfica em sombras de chuva ( ver Figura 5-8), como nos desertos
do oeste da Amé rica do Norte, ou a ( 3) elevada altitude, como nos desertos do
Tibete, da Bolí via ou de Gobi. A maior parte dos desertos recebem alguma chuva
durante o ano e tê m pelo menos um coberto esparso de vegetação, a menos que
627

as condições ed áficas do substrato sejam especialmente desfavorá veis. Manifestamente,


os ú nicos desertos absolutos onde pouca ou nenhuma chuva cai são os do centro
do Sahara e do norte do Chile.
Walter (1954) mediu a produ çã o l í quida numa s é rie de comunidades de
desertos e zonas semiá ridas africanas que se encontram ao longo de um gradiente
de pluviosidade . Como se ilustra na Figura 14-16, a produ çã o anual de mat é ria
seca apresentou-se como uma fun ção linear da pluviosidade, pelo menos at é aos
600 mm, ilustrando a severidade com que a humidade actua como um factor
limitante especial («dominante»). Note-se que a produtividade anual prim á ria l íquida
dos verdadeiros desertos é inferior a 2000 kg por hectare, ou a um ritmo diá rio
inferior a 0,5 g ou 2,5 kcal por m 2.
Quando os desertos s ã o irrigados e a água deixa de constituir um factor
limitante, o tipo do solo assume import â ncia principal. Quando a textura e o teor
do solo em nutrientes são favorá veis, os desertos irrigados podem ser extremamen ¬
te produtivos, dada a grande disponibilidade em luz solar ( ver Quadro 3- 4). Contudo,
o custo por unidade de produ ção de alimento pode ser alto, em virtude do elevado
custo do desenvolvimento e da manuten ção dos sistemas de rega. É necessá rio
fazer circular pelo sistema grandes volumes de água; de outro modo, os sais podem
acumular -se no solo ( em consequ ê ncia do rá pido ritmo da evapora ção ) e tornar-se
limitantes. À medida que o ecossistema irrigado « vai envelhecendo», as necessidades
crescentes de água podem provocar uma «espiral de infla ção», obrigando à cons ¬
tru ção de mais condutas e custos mais elevados de produ çã o, e a uma maior
explora ção dos recursos h í dricos do subsolo ou da montanha. Os desertos do Velho
Mundo encontram -se cheios de ru í nas de antigos sistemas de irriga ção. Em muitos
casos, ningu é m sabe a razã o pela qual entraram em colapso e por que motivo
o «Jardim do Eden » se transformou outra vez literalmente num deserto. Pelo menos
estas ru í nas deveriam servir para chamar a aten ção para o facto de que o deserto
irrigado n ã o continuar á a florescer indefinidamente, a menos que se preste a
devida aten çã o à s leis b ásicas do ecossistema.
H á tr ê s formas de vida vegetal que se encontram adaptadas aos desertos:
(1) as plantas anuais, que evitam a seca crescendo apenas quando h á humidade
adequada ( ver páginas 185, 587), ( 2 ) as plantas suculentas, como por exemplo os
cactos, que armazenam água, e (3) os arbustos do deserto, que t ê m numerosos
ramos resultantesxla ramificação de um tronco basal curto e produzem folhas pequenas
c espessas que podem cair durante os per í odos de seca prolongados. O arbusto
do deserto tem muito a mesma apar ê ncia atravé s do Globo, mesmo que as esp é ¬
cies possam pertencer a ordens diversas ( um outro exemplo not á vel de equivalê n ¬
cia ecol ógica). Como já se explanou ( ver página 194), a adapta ção a condi ções
á ridas envolve a capacidade de evitar o emurchecimento e permanecer dormente
durante longos per í odos, muito mais do que um marcado acréscimo na efici ê ncia
628
transpirat ó ria ( isto é, a razã o da mat é ria org â nica produzida para a água transpi¬
rada é nas plantas do deserto um tanto, embora não marcadamente, superior à
que se verifica em muitas plantas que nã o ocorrem nos desertos ).
De um ponto de vista ecol ógico, é conveniente distinguir dois tipos de
desertos com base na temperatura , ou seja , os desertos quentes e os desertos
frios. Toda a vegeta ção de deserto tem uma distribuição «espa çada» altamente ca-
racter ística, na qual as plantas individuais se encontram dispersas em pequeno n mero
com grandes á reas nuas entre elas ( ver Figura 14-15). Nalguns casos, os antibió¬
ticos desempenham um papel na manutençã o do afastamento entre as plantas.
Como quer que seja , o espaçamento reduz a competição por um recurso escasso;
de outra forma, a competi ção intensa pela água poderia traduzir -se na morte ou
no definhamento de todas as plantas (*).
Na Am é rica do Norte, o arbusto Larrea tridentata é um dominante muito
difundido no deserto quente do sudoeste ( Figura 14-15 4 ), e a Artem í sia tridentata
é a planta principal em grandes á reas dos desertos frios mais setentrionais da
Great Basin ( Figura 14-15Q. Uma espé cie do g é nero Franseria tamb é m se encontra
largamente difundida nas á reas meridionais , ao passo que a maiores altitudes, onde
a humidade é um pouco maior , o. cacto gigante saguaro e uma espécie do g é nero
Cercidium são componentes proeminentes ( Figura 14-155). Para nascente uma quan ¬
tidade considerá vel de gram í neas est á misturada com arbustos do deserto formando
um tipo de pradaria de deserto. Infelizmente , a gram í nea sofreu grandemente com
a pressã o do pastoreio excessivo, a protec çã o contra o fogo , ou com ambas as
coisas. Nos desertos frios, especialmente em solos alcalinos das regi ões internas de
drenagem, os arbustos de habitat salino da fam í lia Chenopodiaceae , como sejam a
Atriplex confertifolia e espé cies dos g é neros Grayia, Eurotia e Sarcobatus, ocupam
zonas extensas. Na realidade , as quenopódias també m se encontram largamente dis ¬
tribu ídas nas regiões á ridas de outras partes do mundo. As comunidades de arte ¬
m í sia e de atriplex já foram descritas no Cap í tulo 6. A forma de vida suculenta ,
incluindo os cactos e as i cas e agaves arborescentes , atingem o seu maior de ¬
senvolvimento nos desertos do M é xico ( e na regiã o Neotropical), com algumas
espé cies deste tipo estendendo-se at é aos desertos de arbustos do Arizona e da
Calif ó rnia; esta forma de vida não ter á , por é m , import â ncia nos desertos frios. Em
todos os desertos, as herbáceas anuais, gram í neas e outras, podem proporcionar
um verdadeiro espect áculo durante curtos per í odos h ú midos. Nos desertos , o extenso

( *) Ser á de surpreender se a humanidade n ã o for capaz de aprender uma li çã o vinda do deserto , onde
a rela çã o entre o tamanho da popula çã o e os recursos se encontra estritamente tra çada . Certamente ,
uma cultura humana que permite que a sua densidade exceda os recursos at é ao ponto do defi ¬
nhamento intelectual ou f í sico, ou ambos, de todos os indiv í duos, demonstra uma fraca adapta çã o .
.
No deserto o «controlo da natalidade » é uma coisa perfeitamente natural que permite o m á ximo
desenvolvimento dos indiv í duos.
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Figura 14- 15. Trê s tipos de deserto do oeste da Am é rica do Norte. A. Um deserto «quente » de
baixa altitude no sul de Arizona dominado pelo creosote, arbusto do gé nero Larrea. Observe-se a forma
caracter ística do arbusto do deserto (numerosos ramos inseridos desde o n í vel do solo) e o espaça ¬

mento bastante regular. B . Um deserto do Arizona a uma altitude um pouco maior, com diversos
tipos de cactos e uma maior variedade de pequenas á rvores e arbustos de deserto. Esta é uma das esta¬
ções seleccionadas para estudo interdisciplinar do IBP.
630

«solo nu » n ã o se encontra necessariamente despojado de plantas. Os musgos, as


algas e os l í quenes podem encontrar-se presentes, podendo formar nas areias e
outros solos finamente divididos uma crosta estabilizante ; tamb é m as algas azuis
( com frequ ê ncia associadas a l í quenes ) t ê m import â ncia como fixadoras de azoto
( Shields et al., 1957 ).
Os animais do deserto encontram -se , tal como as plantas, adaptados de
vá rias maneiras à falta de água. Os r é pteis e alguns insectos est ã o « pr é - adaptados»
por motivo dos integumentos imperme áveis e das excre ções secas ( á cido rico e
guanina ). Os insectos do deserto est ã o «impermeabilizados» com subst â ncias que
se mant ê m imperme á veis a temperaturas elevadas ( Edney , 1957). Conquanto a
evapora çã o nas superf í cies de respira çã o n ã o possa ser eliminada , nos insectos c
reduzida ao m í nimo pela invagina çã o interna dos estigmas do sistema respirat ó rio.
Dever á salientar -se que a produ ção de água metab ó lica ( a partir do colapso dos
hidratos de carbono) , com frequ ê ncia a nica água dispon í vel , n ã o constitui em si
mesma uma adaptação; é a conservação desta água que constitui um aspecto de
adapta çã o e , como é o caso dos cole ó pteros tenebrion í deos ( um grupo carac-
ter ístico do deserto ) , a capacidade para aumentar a água metabó lica a humidades

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Figura 14- 15. C. Um deserto «frio » em Washington oriental, dominado por um arbusto do g é nero
Artemí sia. A fotografia foi tirada na Primavera numa altura de produ çã o prim á ria m á xima quando as
gram í neas e outras ervas anuais cobrem os espa ços entre e à volta dos arbustos. Estava em realiza çã o
uma experi ê ncia com tra çador radioactivo destinada a comparar a absor çã o dos arbustos e das plantas
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anuais. ( A fotografia de R . R . Humphrey ; B fotografia de R. H. Chew ; C, fotografia da Hanford Atomic
Products Operation.)
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Figura 14 -16 . A produção anual de mat éria seca ( em quilogramas por hectare e ano) numa s é rie
de zonas de vegetação áridas e semi áridas, localizadas ao longo de um gradiente de queda pluviomé trica
na Á frica Ocidental. (Segundo Walter, 1954. )
-'
baixas (Edney, 1957). Os mam í feros, por outro lado, não estão muito bem adaptados
enquanto grupo (porque excretam ureia, que envolve a perda de muita água), em ¬

bora certas espé cies tenham desenvolvido adaptações secundárias not á veis. Estas
últimas incluem roedores da famí lia Heteromyidae, especialmente o rato-canguru
(.Dipodomys) e um rato do género Perognathus dos desertos do Novo Mundo e
o gerbo (Dipus, famí lia Dipodidae) dos desertos do Velho Mundo. Estes animais
podem viver indefinidamente de sementes secas e não necessitam de beber água.
Permanecem nas madrigueiras durante o dia, e conservam a água excretando urina
muito concentrada e não utilizando água para a regulação t é rmica. Foi observado
pelos Schmidt -Nielsen (1949) no deserto que durante o perí odo diurno a humidade
relativa era na madrigueira de 30 a 50 por cento, em comparação com os 0 a
15 por cento acima do solo. À noite, a humidade relativa no deserto, quando os
animais se encontram à superfí cie, era aproximadamente a mesma do que a verifi ¬

cada durante o dia nas madrigueiras. Assim, a adapta çã o aos desertos por esses
roedores é tanto de conduta como fisiológica. Outros roedores do deserto, como
632

os ratos do bosque ( Neotoma), por exemplo, são incapazes de viver apenas de ali ¬
mento seco, por é m , sobrevivem em partes do deserto comendo cactos suculen ¬
tos ou outras plantas que armazenam á gua . Na revis ã o que fez sobre o me ¬

tabolismo dos animais do deserto , Schmidt - Nielsen ( 1964 ) assinalou que estes
animais s ã o de dois tipos , aqueles que , como o rato - canguru ou o gerbo , n ã o
utilizam água para a regula ção t é rmica, e aqueles que o fazem , como o camelo.
O ltimo precisa de beber, embora possa estar longos per íodos de tempo sem água ,
dado que os tecidos do corpo podem tolerar a elevação da temperatura deste e
um grau de desidratação que seria fatal para a maior parte dos animais (os camelos
não armazenam água na corcova, como popularmente se supõe !). As aves do
deserto parecem pertencer a esta categoria (Bartholomew e Dawson , 1953 ) e precisam
provavelmente pelo menos de uma bebida ocasional , com base no orvalho ou
noutras fontes; assim, as aves são mais abundantes onde se encontram dispon í ¬
veis água ou alimentos suculentos. O homem est á, por certo, fisiologicamente
muito mal adaptado aos desertos.
A vegetação dos desertos da Am é rica do Norte foi bem descrita por Shantz
( 1942 ) , Billings ( 1951) , Shreve ( 1951) e muitos outros . Ao percorrer o grande
volume de literatura resumida nos - relat ó rios da UNESCO , fica-se impressionado
' com o facto de quase toda a informação sobre os desertos do mundo ser de natu ¬
reza puramente descritiva; dispõ em-se de menos conhecimentos sobre os «funcio ¬

namentos» reais dos ecossistemas do deserto. Uma vez que os decompositores


microbianos serão severamente limitados pela secura, existe preocupa ção em saber
se isto é compensado por uma população, que parece grande, de herbí voros roe ¬
dores, os quais, porventura à semelhança do zooplâ ncton do mar, desempenham um
papel importante na ciclagem de nutrientes. Como em todos os ecossistemas adap¬
tados a condições extremas, uma quantidade relativamente grande da produção
l íquida passa para os ó rgã os de armazenamento ou reprodutores , proporcionando as ¬
sim uma fonte de alimento para os consumidores. Entre os estudos recentes sobre
os desertos, que destacam o método funcional, encontram-se os seguintes: Chew
e Chew, 1965; Niering et al., 1963.

Biomas de Chaparral

Nas regiõ es temperadas suaves, com chuva de Inverno abundá nte embora com
Verõ es secos, a vegetação cl í max consiste em á rvores e arbustos com folhas espes ¬
sas, sempreverdes. Sob este t ítulo inclui-se tanto o chaparral propriamente dito
ou o «chaparral costeiro», no qual predomina a forma de vida arbustiva, como os
« bosques de marcada esclerofilia», que cont ê m á rvores dispersas. Na Figura 5-9 , apre ¬
senta-se um « quadro» do clima de chuva de Inverno. As comunidades de chaparral
633

s o extensas na Califórnia e no México, ao longo das costas do Mar Mediterrâ neo


e ao longo da costa meridional da Austrá lia (Figura 14-17). Podem servir como
dominantes muitas espécies vegetais, dependendo da região e das condições locais.
O fogo constitui um importante factor que tende a perpetuar a dominâ ncia arbus ¬
tiva à custa das á rvores. Assim , o chaparral pode ser , pelo menos parcialmente,
um «discl í max de fogo» , à semelhan ça do que acontece na floresta de Pinus
palustris dos estados do sudeste .
Na Califórnia , cerca de dois a dois milh ões e meio de hectares de encostas
e de vales sinuosos e profundos est ão cobertos com chaparral. O «chamiso» ( Ade-
xostoma) e a « manzanita» ( Arctostaphylos) são arbustos comuns que formam com
frequ ê ncia moitas densas , sendo geralmente caracter ístico um certo n ú mero de
carvalhos de folha persistente , assim como outros arbustos e á rvores. A esta ção de
chuvas ou de crescimento estende -se geralmente de Novembro a Maio. O veado-
- mula e muitos pássaros habitam no chaparral nesse per íodo, deslocando-se depois
no Ver ã o quente e seco para norte, para altitudes mais elevadas. Os vertebrados
residentes sã o geralmente pequenos e de um colorido escuro, numa adapta çã o à
floresta anã; sã o caracter ísticos os pequenos coelhos ( Sylvilagus bachmani), ratos do
bosque , Eutamias , lagartos e as aves das espé cies Chamaea fasciata e Pipilo fuscas .
A densidade da popula çã o das aves de cria çã o e dos insectos é grande , à medida
que a esta çã o de crescimento avan ça , decrescendo depois com o secar da vegeta ¬
çã o no fim do Verão. Esta é a esta çã o em que os fogos podem percorrer as encos¬
tas com incr í vel rapidez. A seguir a um fogo, os arbustos do chaparral rebentam
vigorosamente com as primeiras chuvas e podem atingir a maior arborescê ncia ao
fim de 15 a 20 anos. O papel do fogo no chaparral da Calif ó rnia foi revisto por
Sweeney (1956 ), segundo o qual o fogo estimula a germina çã o de algumas sementes
e é essencial para a persist ê ncia na flora de certas espé cies herbáceas . A estrutura
geral da vegeta çã o foi bem descrita por Cooper (1922 ) , enquanto que um exame
breve tanto das plantas como dos animais do bioma chaparral na Calif ó rnia é
facultado por Cogswell ( 1947) ; ver també m Figura 7 - 5. Em virtude de algumas
encostas do chaparral se encontrarem relativamente livres de geada podem ser uti ¬
lizadas para o cultivo de orqu ídeas. O maior valor para o homem reside , poré m ,
na protecção das bacias hidrogr áficas. Caso a comunidade do chaparral n ã o se man ¬
tenha numa condiçã o sã , n ã o só as encostas inclinadas debilmente consolidadas
se erosionam com facilidade , como chegam às terras baixas densamente povoadas
inunda ções desastrosas. Flellmers, Bonner e Kelleher ( 1955 ) observaram que o azoto,
assim como a humidade , era um factor limitante ; estes autores foram de parecer que
a densidade da vegeta ção do chaparral nas encostas sobranceiras às cidades devia
ser incrementada atrav é s de fertiliza ção azotada .
O chaparral nas á reas de chuva de Inverno da regiã o mediterrâ nica é designado
localmente por « maqui », por é m , na Austrá lia a vegeta çã o semelhante designa-se

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634

por « mallee scrub». No chaparral australiano, sã o dominantes á rvores e arbustos


do g é nero Eucalyptus. N ã o é de surpreender que os «eucaliptos» australianos se
d êem bem na regi ã o do chaparral da Calif ó rnia onde t ê m sido profusamente intro ¬

duzidos, substituindo largamente a vegeta çã o lenhosa ind ígena nas á reas urbanas.

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Figura 14- 17. A. Uma vista geral de colinas da Califó rnia cobertas de chaparral. B. Luta coam
um pequeno incê ndio nesta vegeta ção de «tipo fogo». ( Fotografias do U. S. Forest Service.)
635

O Bioma de Pinheiro Produtor de Pinhão e de Zimbro

As áreas de floresta de pinheiro produtor de pinhão e de zimbro, ou de


«coní feras anãs» (Figura 14-18), parecem ocupar uma área suficientemente grande
no interior da Great Basin e das regiõ es do Rio Colorado do Colorado, Utah, Ari ¬

zona, Novo Mé xico, Nevada e da Califórnia centro- ocidental, e possuir um biota


suficientemente distinto, para ser considerado um bioma. Em alternativa, este tipo
de comunidade pode considerar - se como uma subdivisão do bioma de florestas de
coní feras do norte. A humidade é o factor cr í tico, explicando a queda pluviomé -
trica de 25 a 50 cm irregularmente distribuí da o desenvolvimento em forma de par ¬

que dos pequenos pinheiros produtores de pinhão ( Pinus edulis e P. monophylla )


e dos zimbros (diversas esp é cies do gé nero Juniperus ) , como se ilustra na Figura
14-18. Esta comunidade ocupa uma faixa larga entre o deserto ou a pradaria e as
florestas de coní feras mais densas das maiores altitudes. Os «miolos» do pinhão
e as falsas bagas dos zimbros constituem um alimento importante para os animais.
O curví deo Gymnorhinus cyanocephalus, o chapim cinzento e a Psaltriparus minimus
s ão aves caracterí sticas que residem em perman ê ncia, estando as duas primeiras
grandemente confinadas a este bioma. Para efeitos de informação adicional sobre
as coní feras anã s, ver Woodbury (1947) e Hardy (1945).

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Figura 14-18. O bioma de pinheiro produtor de pinhão e zimbro, ou bioma pigmeu de coní feras,
no Arizona. Os pequenos pinheiros «pinon» e zimbros formam um povoamento aberto, semelhante
a parque. (Fotografia do U. S. Forest Service.)
636

Biomas de Floresta Tropical Húmida

A variedade de vida alcan ça porventura o seu ponto culminante nas flores ¬


tas tropicais h ú midas sempreverdes ou perenif ólias de folha larga que ocupam zonas
de altitude baixa junto do equador. A queda pluviom étrica excede 200 a 225 cm
por ano e é distribu í da ao longo deste usualmente com uma ou mais estações
relativamente «secas» (12,5 cm ou menos por m ê s ). As florestas tropicais h ú midas
( ou tropicais de chuva) encontram- se em tr ê s á reas principais : (1) as bacias do Ama¬
zonas e do Orinoco na Am é rica do Sul (a maior massa cont í nua) e o istmo da
Amé rica Central , (2 ) as bacias do Congo, do N íger e do Zambeze da Á frica Central
e Ocidental e Madag áscar, e (3) as regi ões indo- malaias de Born é o e da Nova Guin é .
Diferem umas das outras quanto às esp é cies presentes ( uma vez que ocupam re ¬
gi ões biogeogr áficas distintas ), embora a estrutura da floresta e a ecologia sejam
'

semelhantes em todas as tr ê s á reas. A variaçã o t é rmica entre Inverno e Verão


é inferior à que se verifica entre a noite e o dia. As periodicidades . sazonais na
reprodu çã o e noutras actividades das plantas e animais encontram-se largamente
relacionadas com variações na pluviosidade, ou são reguladas por ritmos intrí nsecos.
Por exemplo, algumas á rvores da famí lia Winteraceae apresentam aparentemente um

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Figura 14-19. Uma floresta de carvalho da esp é cie Quercus virginiana , na Louisiana , com a ep í fita
do g é nero TiUandsia , conhecida por musgo espanhol , um exemplo de uma floresta subtropical pere -
nif ó lia de folha larga. ( Fotografia da Standard Oil Co . )
637

crescimento cont í nuo, ao passo que outras espécies da mesma fam í lia exibem um
crescimento descont í nuo com a formação de ané is (Studhalter , 1955). As aves da
floresta tropical h mida podem també m necessitar de per í odos de « repouso», uma vez
que a reprodu ção exibe com frequ ê ncia periodicidade nã o relacionada com a esta ¬
ção ( Miller , 1955).
A floresta tropical h mida é altamente estratificada. As á rvores formam geral ¬
mente tr ê s estratos: (1) á rvores emergentes muito altas, dispersas, que se projectam
acima do n í vel geral do ( 2 ) estrato das copas, que forma um tapete «sempreverde»
cont í nuo de 24 a 30 metros de altura e (3) um estrato sobcoberto que se torna
denso apenas onde ocorre uma quebra de continuidade no coberto. Como se
ilustra na Figura 14- 20 , os estratos emergente e do copado conferem à floresta
de chuva um aspecto de «abó bada » quando observada do ar . Se durante a esta ¬
ção seca a queda pluviom é trica é inferior a 5 cm por m ê s, as árvores emergentes
( dominantes) podem perder as folhas nessa esta çã o, resultando aquilo que pode
designar -se por uma floresta tropical húmida semiperenifólia. As camadas arbustiva
e herbácea , contendo com frequ ê ncia quantidades de fetos e palmeiras, tendem a
ser menos maci ças por causa da sombra densa , embora respondam rapidamente
...a qualquer abertura nos estratos superiores do coberto, Ã s . á rvores grandes t ê m

ra ízes superficiais ç apresentam com frequ ê ncia bases avantajadas com contrafortes
ou «b otar é us», /Existe uma profusão de plantas trepadoras, especialmente lianas
.

lenhosas e epífitas, que com frequ ê ncia ocultam o perfil das á rvores. Os «ficus
estranguladores» e outras trepadeiras arborescentes são especialmente dignas de
nota / Na Figura 14- 2 , ilustra-se a not á vel diferen ça na distribuição das formas da
vida na floresta tropical h ú mida, quando comparada com as florestas temperadas.
O n ú mero de esp é cies de plantas é muito grande ; com frequ ê ncia, em poucos hecta ¬

res haver á mais esp écies de á rvores do que em toda a flora da Europa.
Como se viu no Cap í tulo 3, parece provável que a produtividade da floresta
tropical h ú mida virgem seja muito grande enquanto ocorre uma ciclagem rá pida
de nutrientes escassos. A teoria da ciclagem e o contraste com as florestas tempe ¬
radas ficaram documentados nas páginas 159-161 e 371 . A floresta tropical h ú mida
é porventura o ú nico tipo principal de vegetaçã o em que o fogo não constitui
um factor; de facto , esta floresta poderá ser definida como «floresta que nunca
arde» na sua condiçã o natural ou virgem. O homem , por certo, «abate e incendeia»
nos seus esforços para converter a floresta tropical h ú mida em á reas de agricultura ,
como se examinou na página 161,
Nas camadas superiores da vegetaçã o vive uma propor çã o muito maior de
animais do que nas florestas temperadas, onde a maior parte da vida se encontra
na vizinhan ça do solo. Na Guiana Brit â nica, por exemplo, 31 de 59 esp é cies de
mam í feros são arbor í colas e 5 sã o anf í bios, restando apenas 23 que sã o principal¬

mente habitantes do solo ( Haviland , 1927 ). Para alé m dos mam í feros arbor í colas,
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Figura 14-20. A floresta tropical h ú mida. A . Vista a é rea de uma floresta h ú mida de terra baixa
no Panamá. As á rvores altas emergentes ( com troncos brancos), que perdem as folhas na esta çã o seca.
destacam -se acima do copado geral das á rvores folhosas e palmeiras perenifólias de folha larga . B. Interior
de uma floresta de montanha h ú mida em Porto Rico mostrando a abund â ncia de epí fitas que caracteriza
a floresta h ú mida nas montanhas dos tró picos h ú midos. C. Vista de perto da base de uma á rvore com
contrafortes nesta mesma floresta de montanha de Porto Rico mostrando a massa sobre o solo de raí zes
pequenas que penetram a folhado ( mais do que o solo como nas florestas temperadas). ( A , fotografia
de George Child , Instituto de Ecologia, Universidade da Ge ó rgia ; B e C, fotografias de E . P. Odum. )
( Ver Frontesp í cio para observaçã o de uma figura a infravermelhos da floresta tropical h ú mida.)
639

abundam os camale ões , as iguanas, as osgas, as cobras arbor í colas, as r s e as aves .


As formigas e os ort ó pteros , assim como as borboletas , s ã o ecologicamente impor ¬

tantes. A simbiose entre os animais c as ep í fitas encontra-se muito generalizada .


Como acontece com a flora , a fauna da floresta tropical h mida é incrivelmente
rica em espé cies. Por exemplo, numa á rea de seis milhas quadradas em Barro
Colorado, uma parcela bem estudada de floresta tropical h mida na zona do Canal
do Panam á, havia 20 000 esp é cies de insectos em compara çã o com apenas poucas
centenas em toda a Fran ça,. Numerosos tipos arcaicos , tanto de animais como de
plantas , sobrevivem em numerosos nichos do ambiente que se n ã o altera . Muitos
cientistas sã o de opiniã o que o ritmo de altera çã o evolucion á ria e de especia çã o
é especialmente alto nas regi õ es de florestas tropicais , que t ê m sido , portanto ,
uma fonte de muitas espé cies que posteriormente invadiram comunidades mais
setentrionais.
Na floresta tropical os frutos e as t é rmitas constituem alimentos principais
para animais . Uma razã o da frequente abund â ncia de aves est á na condi çã o herb í ¬

vora de muitas delas, como acontece com os piriquitos, os tucanos , os b ú ceros,


os cotingas, esp é cies do g é nero Trogon, e as aves-do- para íso. Uma vez que os «andares
superiores» da selva se encontram apinhados, muitos ninhos de p á ssaros e casulos
de insectos são de um tipo suspenso, permitindo- lhes assim escapar de formigas e
de outros predadores. Embora haja algumas aves e insectos espectacularmente vis ¬

tosos ocupando situações mais abertas, a grande massa dos animais da floresta
tropical h ú mida n ã o é consp í cua e muitos deles sã o nocturnos.
p Nas á reas montanhosas dos tró picos, encontra-se uma variante da floresta
h ú mida da terra baixa, a floresta h mida de montanha. que tem algumas caracte-
r ísticas distintivas. Com a eleva çã o de altitude a floresta torna - se progressivamente
menos alta, as ep í fitas ocupam uma propor ção cada vez maior da biomassa auto-
tr ófica, culminando em florestas de nevoeiro an ã sl) Foram examinadas, na pá gina
603, raz ões poss í veis para esta altera çã o na estrutura com a altitude. Uma classifi ¬
ca ção funcional das florestas tropicais h ú midas pode basear -se no d éfice de satura çã o,
dado que este determina a transpira ção, que de sua parte determina a biomassa das
ra í zes e a altura das á rvores. Acima de 1800 a 3000 metros de altitude , a vegeta ção
florestal nos tr ó picos n ã o é muito diferente da floresta temperada de con í feras.
Encontra - se ' ainda uma outra variante na floresta tropical h ú mida ao longo
das margens e das plan í cies inundadas dos rios, designada por f orest a de galênd
ou algumas vezes por floresta ripicota. Golley et al. ( 1969 ) e McGinnis et al. ( 1969 )
completaram recentemente estudos extensos sobre a estrutura da biomassa e os
balan ços minerais e hidrol ógicos de trê s tipos de florestas tropicais h ú midas
panamianas : o tipo de terra baixa ( ver Figura 14- 20 ), o tipo de montanha e o tipo
de galeria ( tamb é m florestas de mangue ; ver Figura 12- 14)
Quando a floresta tropical h ú mida é removida, desenvolve -se com frequ ê ncia
640

uma floresta secund á ria que inclui espé cies de lenho brando, como por exemplo Mu -
sanga ( Á frica), Cecropia ( Am é rica) e Macoranga ( Mal á sia). A floresta secund á ria tem
aspecto luxuriante, embora seja muito diferente da floresta virgem , tanto ecol ógica
como floristicamente. O «clí max» é usualmente de retorno muito lento. Como já
se indicou , a falta de regenera çã o pode estar relacionada com as perdas em nutrien ¬

tes. H á necessidade urgente de preservar estratos de floresta tropical h mida, n ão


s ó para que sirvam de laborat órios para o estudo da ecologia e da evolu ção, mas
tamb é m para que proporcionem uma base em que assentar a melhoria do funesto
cadastro do homem em mat é ria de utiliza ção da terra nas regiões da floresta
tropical h ú mida .
Para efeitos de uma informação adicional sobre a estrutura da floresta tro ¬

pical h ú mida veja- se Richards (1952) e Bunning (1956). O livro de Aubert de la


Rue, Bourliere , e Harroy ( 1957) faculta uma ecologia descritiva belamente ilustrada,
tanto das plantas como dos animais da floresta tropical h ú mida e de outros biomas
tropicais. A monografia compilada por H . T. Odum e Pigeon (1970 ) constitui a
refer ê ncia básica sobre a ecologia funcional da floresta tropical h ú mida.

Biomas de Floresta Tropical Caducifólia e de Arbustos

Onde as condições de humidade são interm édias entre o deserto e a savana,


por um lado, e a floresta tropical h ú mida, por outro, podem encontrar -se florestas
tropicais caducif ólias e florestas tropicais de arbustos ou espinhosas. Como se ilustra
na Figura 14-7, estas florestas cobrem grandes áreas. A imperfeita distribui ção de um
total razoável de pluviosidade é o factor climático chave . As florestas de espinhosas,
que sã o muitas vezes designadas por « matorral » em Á frica ou na Austr ália e por
«Caatinga» no Brasil, cont ê m folhosas de pequena dimensã o, de madeira densa,
com frequ ê ncia bizarramente retorcidas e espinhosas; as folhas sã o pequenas e caem
durante a esta ção seca. Onde a precipita ção é maior ou mais regular surge uma flo- "
resta caducif ólia bem desenvolvida, como por exemplo as florestas de mon ção da
Á sia tropical, muito expandidas. Alternam esta ções h ú midas e secas aproximadamente
de igual dura çã o, pelo que o aspecto estacionai de « Inverno» e «Ver ã o» é t ã o
not á vel como na floresta caducif ólia temperada.

Zonagem nas Montanhas

A distribuição das comunidades bióticas nas regiões montanhosas é compli¬


cada, como seria de esperar tendo em aten çã o a diversidade de condições f ísicas.
As comunidades principais apresentam-se em geral como bandas irregulares, usual-
641

mente com ecotonos muito estreitos (ou nenhum, no sentido de uma comunidade
de transiçã o com características pr ó prias; ver Cap í tulo 6). Os mapas de pequena es ¬
cala, como por exemplo os apresentados nas Figuras 14- 7 a 14-9, são inadequados
para destacar esta característica . Numa dada montanha, podem estar presentes
quatro ou cinco biomas principais com muitas subdivis ões zonais ( Figura 14-21).
Consequentemente, h á um contacto muito mais í ntimo entre biomas e uma maior
troca de biota entre eles do que acontece nas regiões não montanhosas. Por outro
lado, nas montanhas estão mais isoladas comunidades similares, dado que as ca ¬
deias montanhosas raramente sã o contí nuas. Em geral , muitas esp écies que sã o
caracter ísticas de um dado bioma na respectiva fase n ão montanhosa, tamb é m o
são nas suas extensões montanhosas em forma de faixa. Como consequê ncia do
isolamento e das diferenças topográficas , muitas outras espécies são exclusivas das
comunidades de montanha (ver Bliss, 1956, para efeitos de comparação entre a
tundra árctica e a alpina).

Importância da Abordagem Histórica

Deverá destacar-se que a classificação dos biomas, tal como ficou esboçada
e ilustrada nas páginas anteriores, se baseia nas condiçõ es potenciais que resultam
das for ças naturais que presentemente actuam nas diversas partes da Terra. Uma
tal classifica çã o proporciona um ponto de referê ncia para avaliar a influ ê ncia do homem
no ambiente . Apenas é possível determinar o melhor uso conhecendo algo das po ¬
tencialidades naturais e dos factores limitantes. Os novos ecossistemas criados pelo
homem , como sejam a agricultura na pradaria, os desertos irrigados, as albufeiras
e a agricultura tropical , apenas persistirão por longos per íodos de tempo caso se
alcancem equilí brios de materiais e energia entre os componentes físico e biótico.
É , portanto, importante preservar amostras de comunidades naturais em cada bioma
para comparaçã o com á reas modificadas. Alé m disso, como já se destacou na Sec¬
ção 3 do Capítulo 9, uma certa propor ção da paisagem deve permanecer como
«área natural» para salvaguarda das áreas cultivadas e urbanas altamente modifica¬
das. É, por outro lado, geralmente importante que a hist ória passada de uma área
seja cuidadosamente estudada. Malin ( 1953 ) salientou ser de evitar « excurs ões
casuais ou à sorte no material hist órico para encontrar elementos que pareçam
ajustar-se a um quadro de refer ê ncia preconcebido, ou servir uma finalidade parti ¬
cular». Em ecologia , a pesquisa hist órica deve ser conduzida com espírito aberto
e sem um objectivo preconcebido, caso se pretenda compreender as comunidades
bi ó ticas tal como hoje em dia se encontram. Aquilo que frequentemente surge
num exame superficial como vegetação «virgem» intacta, pode na realidade estar
41
642

13,0 OO: BIOMA ZONA


VERTENTE
SUL
TUNDRA ' 1 . Zona de cí perá ceas gram í neas -
11,000

iopoo FLORESTA DE ( 2 Zona de picea abeto -


CON Í FERAS 3 Zona de tuia isuga -
LU 9,000 DO NORTE 4 Zona de pseudotsuga
O- V. 5. Zona de Plnus ponderosa
LU 8,000
FLORESTA DE
CON Í FERAS \ 6. Zona de pinheiro produtor de pinh ã o - zimbro
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6.000 *
7 . Zona de fcsluca Agropyron smithii -
*000 PRADARIA -
8. Zona de Agropyron smithii
- Bouteioua gracilis
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4,000 9. Zona de Stipa spartea

10. Zona de artem í sia


3,000 - DESERTO 1 1 . Zona de arbustos de creosote

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Figura 14-21. A . Zonagem nas montanhas do oeste da Am é rica do Norte . O diagrama n ã o se refere
a uma montanha determinada, ilustra sim condi ções gerais a esperar nas «central Rockies» ( a chamada
regiã o « intermontanhas ») de Utah . A zonagem ao norte , sul , este ou oeste desta regi ã o poder á variar
um tanto. Assim , as zonas do arbusto de creosote ( Larrea) e de pinheiro produtor de pinh ã o ( pinon » -
- zimbro est ã o ausentes nas exposi ções norte e leste . Para leste ocorre uma zona de montanha de carvalho
e Swietenia macrophylla , ou para oeste vá rias zonas no bioma de chaparral, entre a pradaria e a floresta
de con íferas do norte . B . Zonagem nas montanhas Blue Ridge orientais da Carolina do Norte . A zona
escura de picea ao longo da cumeada contrasta com a floresta caducif ólia que se encontra mais abaixe
( A , diagrama modificado com base em Woodbury, 1945; dados da zona de Daubenmire , 1946; B , Foto ¬

grafia do U . S. Forest Service . )


643

altamente modificada por anterior actividade do homem, ou dos animais por ele
domesticados. Por exemplo, o que parece ser «selva» virgem no Panamá, poder á
ser de facto floresta secundá ria cobrindo o que foram um dia á reas inteiramente
cultivadas, densamente povoadas. Como o homem volta a «reivindicar» estas sel¬
vas, importa saber se algum conhecimento foi colhido dos abusos do passado, ou
quantas vezes as civilizações podem levantar-se e afundar-se antes que o ambiente
perca a capacidade de recuperar.
Parte 3

APLICAÇÕES E TECNOLOGIA

Desde a publica ção da segunda edição deste livro de texto, em 1959, deu-se
uma altera çã o impressionante na import â ncia conferida à ecologia aplicada, do n í vel
popula çã o ao n í vel ecossistema ( ou da autoecologia à sinecologia , para utilizar
a terminologia mais antiga; ver p á gina 8). Embora o ecossistema e o ponto
de vista hol í stico tenham sido destacados mesmo na primeira edi çã o (1953), a
maior parte das aplicações de princ í pios ecol ógicos, anteriores a 1960, pertenciam
ao ordenamento pu controlo de recursos ou espé cies determinados, como sejam a
água, o solo, a madeira, a pesca, a caça, as culturas, as pragas de insectos, e assim
por diante. Agora , para al é m desses; as aplica çõ es centram-se à volta do ecossis¬
tema a totalidade dos ciclos da água e do ar, a produtividade , as cadeias alimen ¬
tares, a polui çã o global , a an álise de sistemas, e o controlo e ordenamento do homem
tanto como da natureza. A prática, alcan çou rapidamente , por assim dizer, a teoria!
As razões b ásicas de uma tal alteração de significado foram analisadas no seu con ¬
texto ecol ógico no Capí tulo 9, Secção 3. Pela primeira vez na sua curta hist ória
o homem encontra-se face a limitações muito mais fundamentais do que locais.
A previsã o do Thomas R. Malthus (a primeira edi çã o do seu famoso Essay on Popu-
lation foi publicada em 1798) de que a popula ção aumenta mais depressa do que o
abastecimento alimentar adquire uma forma nova e mais sinistra , quando se observa
que a « popului ção» ( isto é , a popula çã o mais a polui ção) aumenta a ritmo mais rá pido
do que aquele a que pode ser produzida e reciclada a totalidade dos recursos neces¬
sá rios, n ão englobando nestes apenas o alimento. Como consequ ê ncia disto, tanto
o p blico em geral como o especialista, que antes apenas conheciam uma parte
muito pequena do sistema ambiental e dela se ocupavam , passaram a estudantes
atentos dos princ í pios b ásicos do ecossistema , nos termos esquematizados nas
Partes 1 e 2 !
646

A compreensão generalizada de que o «depósito de reserva» e o «espaço


vital », fun çõ es do pr ó prio ambiente humano, sã o inter- relacionados, mutuamente
restritivos e de capacidade n ão ilimitada, correspondeu a uma «atitude revolucion á¬
ria » hist ó rica ( E. P. Odum , 19696 e 1970 a ), que constitui um sinal promissor
de que o homem pode estar em condi ções de «aplicar » os princ í pios do controlo
ecol ógico em larga escala. Como o formulou , muito bem , o cr í tico social Lewis
Mumford , «a qualidade no controlo da quantidade constitui a maior li ção da evolu ¬

ção biol ógica » e «falsos ju í zos ideol ógicos impeliram o homem a promover a ex ¬

pansã o quantitativa do conhecimento, do poder e da produtividade, sem inventar


nenhum sistema adequado de controlo» ( Mumford , 1967). De hoje em diante , ent ão,
o tema da ecologia aplicada é fundamentalmente o do desenvolvimento do controlo
da retroalimenta ção negativa necessá ria, como se analisou na introdu çã o à cibern é ¬
-
tica no Cap í tulo 2, pá ginas 50 51.
Entre a corrente de ret ó rica que assinalou o final dos anos 60 encontram -se
cinco artigos que se estimaria pudessem ser lidos por todo o cidad ã o. Trê s deles
já foram mencionados : The Hist ó rica / Roots of Our Ecological Crisis, de Lynn White
( ver página 54 ), The Tragedy of the Commons, de Garrett Hardin ( ver página 39? )
e The Population Bomb , de Paul Ehrlich ( ver pá gina 86 ). Os outros dois foram es¬
critos por economistas previdentes : The Economics of the Corning Spaceship Earth
por K. E . Boulding (1966 ) e Growth versus the Quality of Life por J . Alan Wagar
( 1970). O consenso encontrado nestes e em outros documentos semelhantes pode
ser enunciado como se segue : A tecnologia , só por si , não pode resolver o dilema
popula ção e poluiçã o ; é também necessário que se tornem efectivas coacçõ es de ordem
moral, económica e legal surgidas da plena e cabal consciencializa ção p blica de que o
homem e o ambiente constituem um só todo. Portanto, a ecologia aplicada do futuro
será baseada parcialmente nas ciê ncias naturais e parcialmente nas ciê ncias sociais.
Por outras palavras, as duas subculturas a comunidade «cient í fica » e a comunidade
« human ística » de C. P. Snow (1959), que permaneceram por demasiado tempo
separadas (especialmente nas academias, onde se encontram por demais prontas a
responsabilizar-se mutuamente pelos males da universidade como pelos da socieda ¬

de ) devem agora ser integradas! ( Poder-se- ia fazer aqui uma analogia com pares
de equa ções diferenciais, tal como se analisou nos Cap í tulos 7 e 10; n ão se pode
fazer nada com elas, isto é , aplicá- las ou usá- las, at é que sejam integradas). Semelhan ¬
temente , o sucesso ou o insucesso na aplica çã o dos princ í pios da ecologia para
benef í cio do homem , pelo menos para a pr óxima d é cada , pode depender n ão tanto
da tecnologia e da ciê ncia do ambiente como tais, como da economia, do direito,
da planifica çã o e de outras á reas do dom í nio das humanidades que at é agora
tiveram um impacto ecológico muito pequeno. Por exemplo, a assimila ção de princ í ¬
pios ambientais e de conceitos no â mbito do direito ambiental é, neste preciso
momento, mais urgente do que a investiga ção em mat é ria de oceanografia , no que
647

se refere à conserva çã o do mar. Ou o planeamento urbano, segundo linhas ecol ó ¬

gicas, como se encontra delineado no belo livro ilustrado Design with Nature, de
McHarg (1969 ) , é muito mais urgente do que a aplica çã o de princ í pios da ecolo¬
gia da popula çã o ao ordenamento da ca ça .
Uma vez que foram frequentemente citadas aplica ções especí ficas em liga ção
com os princ í pios ecol ógicos tra çados na Parte 1 e nos ambientes inventariados
na Parte 2 , na Parte 3 ser á apresentado um resumo amplo da ecologia aplicada,
juntamente com alguns exemplos do tipo da tecnologia avan çada que será necessá ¬
ria no futuro pr óximo. Os aspectos positivos ( isto é , « recursos » ) e negativos ( isto
é, « polui çã o» ) ser ão considerados em primeiro lugar, seguidos por uma sé rie de
cap í tulos que resumem as aquisi ções recentes em tecnologias chave . Estes cap í ¬
tulos, juntamente com o Cap í tulo 10 («Ecologia dos Sistemas» ), introduzem alguns
dos meios por interm é dio dos quais os sistemas tomados no seu conjunto podem
ser estudados e monitorizados de tal forma que possam ser estabelecidas coacções
de retroalimenta çã o negativa. Como já se salientou , a motivação para estas ltimas
cai fora da tecnologia e da ciê ncia , surgindo do comportamento social , da educa¬
ção e da pol í tica. Por esta razão, o ltimo cap í tulo deste livro é intitulado «Para
uma Ecologia Humana Aplicada ». Do ponto de vista do autor , pelo menos, a
«ecologia humana » é mais ou menos aquilo de que trata todo este livro. O que
é novo quanto a conceito, e at é se n ã o encontra ainda desenvolvido em teoria,
é o meio de aplicar os princ í pios ecol ógicos ao ordenamento da popula çã o humana ,
considerada como uma parte do ecossistema que a cont é m , a biosfera .
É porventura conveniente fechar esta introdu çã o com uma palavra acerca da
prepara çã o, uma vez que ser á obviamente- muito grande a procura de ecologistas
aplicados daqui em diante . O crescente interesse do p ú blico pela ecologia solicita
as institui ções de ensino a criar departamentos e curr í culos especiais ( a tomar
o comboio, por assim dizer). A n í vel de escola superior, isto poderá constituir um
erro, a menos que sejam bem planeados programas especiais, pelo facto da maior
parte das universidades já se encontrarem «sobredepartamentizadas» já que t ê m
departamentos em demasia, que com frequ ê ncia ensinam em contradi çã o uns com
os outros ( uma razão da actual insatisfa çã o dos estudantes relativamente à escola
superior ). Criar simplesmente outro departamento ou outro programa de licencia ¬
tura poderá traduzir -se, a longo prazo, mais em preju í zo do que em benef í cio.
A caracter í stica espec í fica e a grande força da ecologia reside no facto de ser uma
ciê ncia de s í ntese que é capaz de integrar , como já se destacou , as ciê ncias e as
humanidades. Por esta razão, a prepara ção deverá ser interdisciplinar; poré m , o eco¬
logista deve igualmente preparar -se bem numa especialidade importante . Consequente¬
mente, são necessários cursos especiais em ecologia e ecologia aplicada a todos os
n í veis, desde a escola de licenciatura à escola de p ós-gradua ção, muito embora o treino
do estudante profissional deva decorrer num sistema aberto , e nunca num sistema
648

fechado. O melhor conselho que o autor poder á dar ao estudante interessado é o


seguinte: (1) Obter uma boa instru çã o bá sica em artes e ci ê ncias com destaque para
os temas quantitativos. (2) Seleccionar uma especialidade principal , em fun ção do
seu pró prio interesse e talento, e em termos da respectiva import â ncia para os pro¬
blemas das rela ções homem- ambiente; uma tal especialidade poderá ser a biolo¬
gia , a qu í mica ou a ci ê ncia polí tica, ou uma das mat é rias mais profissionalizadas,
como sejam a ci ê ncia florestal, a ciê ncia da educaçã o, a engenharia ou o direito.
(3) Inscrever-se num programa de licenciatura interdisciplinar que lhe permita al ¬

can çar um grau ha especialidade da sua escolha e , ao mesmo tempo, lhe confira
a flexibilidade necess á ria para a inscrição em cursos e semin á rios de ecologia e
outras mat é rias que ajudar ã o a aplicar os seus conhecimentos e qualidades ao or¬
denamento ao n í vel do sistema ecológico. Caso a institui ção que frequente n ã o tenha
um mecanismo formal de licenciatura interdisciplinar, organize ent ão o estudante
um, ele pr ó prio, levando vá rios professores de departamentos distintos a formar
um comit é assessor que o ajude a planear, cortando se necessá rio com os forma ¬
lismos departamentais, para atender à s suas necessidades, deficiê ncias e qualidades.
( 4) Seleccionar um assunto para tese ecologicamente orientada que, nã o só o entu ¬
siasme como contribuição para o bem- estar humano, mas que també m proporcione
uma preparação complementar em maté ria de s í ntese. O estudante deve recordar-se
de que aquilo, que o mundo precisa é de mais e melhores especialistas instru í dos
sobre o todo ecol ógico!
649

Cap í tulo 15 - RECURSOS

1. CONSERVAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS EM GERAL

A conserva çã o, no seu sentido amplo, sempre foi uma das aplica ções mais
importantes da ecologia. Infelizmente o termo «conserva çã o» sugere «armazenagem »,
como se a ideia fosse simplesmente a de um racionamento de abastecimentos
est á ticos, de tal forma que possa ficar alguma coisa para o futuro # No entender
do p blico em geral o «conservantista » é visualizado, com demasiada frequ ê ncia ,
como uma pessoa anti-social que se apresenta contra qualquer tipo de «desenvolvi ¬
mento». Aquilo contra o que o aut ê ntico defensor da conserva çã o luta é um de ¬

senvolvimento não planeado que atente contra as leis tanto ecológicas como humanas.
O vexdadeiro objeetivo da conserva çã o é, assim , duplo: (1) o de assegurar a pre ¬
servaçã o de um ambiente de qualidade que garanta tanto as necessidades est é ¬
ticas e de recreio como as de produtos e ( 2 ) o de assegurar uma produ ção
cont í nua de plantas, animais e materiais ú teis, mediante o estabelecimento de um
ciclo equilibrado de colheita e renovqçã ojf Assim , um edital de « n ão pescar» numa
lagoa pode nã o constituir uma conserva çã o t ã o boa como um plano de ordenamento
que permita capturar algumas centenas de quilos de peixe por hectare ano após
ano. Por outro lado, se uma lagoa proporciona o abastecimento de uma cidade
em á gua, ent ão certos condicionalismos em mat é ria de pesca poder ã o constituir
um procedimento de conserva ção desejá vel. No Cap í tulo 9 , Secçã o 3, já foram ana ¬
lisadas com algum detalhe as defici ê ncias da pol ítica largamente defendida de « uso-
- m ltiplo» e as vantagens de um plano de «compartimentos» para alcan çar o equi¬
lí brio desejado entre a produ çã o e a protecçã o (*).
(*) N .T . : A expressã o uso- m ltiplo é utilizada pelo autor no seu sentido restrito. Em termos amplos,
a express ã o significar á a organiza çã o do espa ç o por unidades de ordenamento que integrem a
a consocia çã o de fun çõ es diversas nas mesmas á reas com a compartimenta çà o de á reas por fun çõ es
principais distintas.
650

É usual dividir os recursos naturais em duas categorias : renov á veis e n ã o


renová veis. Embora seja verdade que os dep ósitos de carvão, ferro e petr óleo n ão
são renov á veis no mesmo sentido que as florestas ou os peixes, o caso é que as
fontes de azoto, ferro e energia sã o t ão renov á veis como os recursos vivos. O homem
nunca teria falta de materiais vitais caso se dispusesse a ajustar o tamanho da sua
popula çã o e o volume da sua procura de recursos ao n í vel , ou abaixo do n í vel ,
que permite o funcionamento dos ciclos biogeoqu í micos de uma forma tal que os
materiais, bem como os organismos, sejam « reunidos» t ã o depressa como sã o «dis ¬

persados» ( ver Cap í tulo 4, Secçã o 1).


Embora a «armazenagem » possa nã o ser, a longo prazo, um objectivo de
uma boa, conserva çã o, h á circunst â ncias em que a total restrição do uso constitui
realmente uma conserva çã o adequada. O colocar de parte á reas naturais para estudo
e prazer est é tico constitui disso um exemplo. Com o crescer da popula ção humana,
torna-se mais importante que sejam preservadas intactas, para efeitos de estudo
e de deleite , amostras adequadas de todas as comunidades naturais principais.
Uma vez que o homem constr ói a sua civiliza çã o e as respectivas cadeias alimenta ¬
res modificando os ecossistemas naturais (e não criando sistemas completamente
novos) , é importante que para efeitos de estudo se disponha de amostras de comu ¬

nidades n ão alteradas; apenas com tais «controlos» se pode ajuizar convenientemente


dos efeitos das modifica çõ es provocadas pelo homem , e evitar pr á ticas nocivas.
N ão ocorre a nenhum cientista de laborat ó rio levar por diante uma experiê ncia
sem um controlo adequado, e não obstante o ecologista de campo é chamado,
com frequ ê ncia, a avaliar os efeitos das experiê ncias levadas a cabo pelo homem
sem que haja controlo dispon í vel.
Como já se indicou , o deslocamento da «conserva ção de interesse especial» para
a «conserva ção do ecossistema total» está a contribuir para que seja apreendido
pela mente do p ú blico em geral o facto de que o homem constitui uma parte de
um ambiente complexo que tem de ser estudado, tratado e modificado como um
todo e nã o na base de « projectos» isolados. Para voltar a destacar este aspecto,
nã o é possí vel ao autor fazer melhor do que citar uma passagem dos escritos do
falecido Aldo Leopold. Na Am é rica, ele foi o elemento mais destacado entre aqueles
que iniciaram a ecologia aplicada. A passagem seguinte , escrita há cerca de 30 anos
( Leopold , 1941) , expressa muito bem a necessidade geral de uma filosofia e de
uma compreensão s ãs sobre o princí pio do ecossistema.

O homem mecanizado, depois de ter reconstru ído a paisagem , est á agora a recons¬
truir as águas. O cidad ã o prudente que nunca confiaria o seu relógio ou o seu autom óvel a
um amador remend ã o submete os seus lagos a drenagens, a abastecimentos, a dragagens, a
polui ções, a estabiliza çõ es, a controlo de mosquitos e de algas ou a controlo a favor do na-
f dador , e à introdu çã o de qualquer peixe capaz de nadar. O mesmo acontece com os rios.
São represados pelo homem com a ç udes e barragens, e deixados depois prosseguir com
651

drenagens, canaliza ções e inunda ções e com dep ósitos de sedimentos provenientes de um
mau cultivo.
A disposi çã o do p blico para aceitar e pagar por estas intromissões contradit ó rias
com a ordem natural prové m, pensa o autor, de trê s pensamentos ilusó rios. Em primeiro
lugar, cada uma destas interven ções é considerada como um projecto isolado por motivo de
ser levado a cabo por um departamento ou uma profissã o separada, bem como executada
habilmente, dado o treino dos seus proponentes, cada qual no seu dom í nio restrito de
especializa çã o. O p blico nã o sabe que os departamentos e as profissões se podem anular
mutuamente, e que a especializa ção pode anular o entendimento. Em segundo lugar , qualquer
mecanismo constru í do é considerado como sendo superior a um mecanismo natural. O a ço
e o cimento t ê m proporcionado muito bem- estar e, portanto, qualquer coisa constru í da com
eles ter á de ser boa. Em terceiro lugar, apenas se entende o comportamento orgâ nico daque ¬

les organismos' criados por n ós pr ó prios. Sabemos que as m á quinas e os governos sã o orga ¬

nismos; que intrometer-se com uma parte deles pode afectar o conjunto. Ainda se n ã o tomou
consci ê ncia de que isto é també m verdade quando se trata dos solos e da água.
Assim , o homem que se encontra muito avisado para tolerar um remendo apres¬
sado na sua constitui çã o pol í tica aceita sem pestanejar a emenda mais radical na sua cons¬
titui çã o bi ó tica.

Leopold n ã o teria ficado surpreendido com aquilo que come çou agora a ser
conhecido por reveses ecológicos ou «boomerangs» ecológicos. Pode definir-se o rev é s
ecol ógico como uma consequ ê ncia nefasta imprevista de uma modifica çã o ambiental
que anula o benef ício projectado ou , como acontece com muita frequ ê ncia, que
cria realmente mais problemas do que aqueles que resolve. Quando isto acontece ,
ocorre uma dupla trag é dia, uma vez que não se trata apenas das verbas a despender
na reconstituição da paisagem perdida por um mau investimento, mas ainda dos
encargos adicionais que t ê m de ser gastos para corrigir todos os novos problemas
criados. A razã o pela qual as consequ ê ncias prejudiciais sã o «imprevistas» radica
tanto nas ideias err ó neas do p blico, como a cita çã o anterior expressou com tanta
clareza, como na exist ê ncia de pr é vios e inadequados estudos ou avalia ções sobre
o impacto da tecnologia no ambiente e nas pessoas cujas vidas são sumariamente
desbaratadas. Farvar e Milton (1969 ) e Cahn (1968) descrevem um certo n mero
de reveses ecol ógicos graves a n í vel internacional , e estes e outros casos ser ã o
documentados nurh livro em publicação da autoria de Milton ( no prelo) M\ cons ¬
tru çã o de enormes barragens em países tropicais subdesenvolvidos constitui, por ¬
ventura, um bom exemplo. Uma de tais barragens encontra-se no Rio Zambeze
em Á frica. Constru í da fundamentalmente com o . propósito de produ çã o de energia
hidroelé ctrica, també m foi produzindo toda uma s é rie de problemas «imprevis í veis».
A captura de peixe nã o compensou a pé rda de terras de pastoreio e agr í colas como
tinha sido « previsto» pelos promotores do projecto ( embora n ã o pelos ecologistas en ¬

tendidos em lagos, com melhor conhecimento mas n ã o consultados; ver p ágina 501 ).
A grande margem da albufeira aumentou o habitat das moscas ts é - tsé o que determi-
652

nou um grave surto de doen ça no gado (e també m no homem no caso das barragens
do Nilo). O deslocamento de gente e culturas criou a erosã o do solo e graves
revoltas sociais, à medida que as popula ções eram deslocadas para terras menos
f é rteis ou para cidades que se n ã o encontravam preparadas para as receber. A «cor ¬

rente regulada», rio abaixo a partir da barragem , provou provocar mais preju í zo
do que a inunda çã o normal , que anteriormente enriquecia sem qualquer encargo
as terras marginais de aluviã o ( ver o conceito de «ecossistema de n í vel de água
oscilante», Capítulo 9, página 430). À medida que a fertilidade dessas terras diminui
t ê m de ser importados fertilizantes dispendiosos, que a popula çã o n ã o est á em con ¬
di ções de suportar. Decorrerã o muitos anos antes do impacto total ser conhecido .
Outros tipos de reveses resultantes de pesticidas, e na agricultura industrializada
em geral, serã o assinalados na Secçã o 3 e no Cap ítulo 16.
Embora alguns dos reveses ecol ógicos mais not á veis tenham sido fomentados
nos í ses subdesenvolvidos pelos tecnocratas dos desenvolvidos, també m nos pa íses
pa
ricos se assiste a uma preocupa çã o crescente sobre o que neles acontece. Nos Estados
Unidos da Am é rica , por exemplo, é imperativo que os cidad ãos encontrem uma forma
de quebrar o cí rculo vicioso da « pol í tica de fundos destinados a melhoramentos com
fins de propaganda pol í tica », que fomenta . uma s é rie aparentemente sem fim de dra ¬
gagens, de canaliza çõ es de rios e de diques, muito para al é m de qualquer necessidade
real . Com grande frequ ê ncia, as paisagens que já se encontram em boas condi çõ es e
com utiliza çã o eficiente pelo homem s ã o «reorganizadas» com grandes encargos
para o contribuinte por razõ es obsoletas ; por exemplo, o «controlo da inunda ção»
ali onde n ã o é necessá rio, ou a constru çã o de canais interiores para barcos de
carga , onde os transportes por caminho de ferro ou em camiã o est ã o em regres¬
são por falta de neg ócios. J á é tempo de , mesmo nas nações poderosas, se tomar
consciê ncia de que não é possí vel incorrer no luxo que consiste em despender o
dinheiro dos contribuintes a reconstituir o espa ço rural que já se encontra em boas
condi çõ es, quando um tal dinheiro é desesperadamente necessá rio para reconstruir
cidades e sociedades humanas que se encontram em horr í vel estado. Tudo isto
n ão significa que o homem deverá suspender a modifica ção da natureza; significa
sim que o estudo cuidadoso e o planeamento devem anteceder as modifica ções
projectadas, por forma a que haja garantia de que estas venham a ser ben é ficas
para o homem , e n ã o apenas para uma sociedade de investimento.

2. RECURSOS MINERAIS

Dedicou-se, at é h á pouco tempo, pouca aten çã o à conserva çã o dos recursos


minerais, dado que se admitia que eram suficientes para os pr ó ximos s é culos e que
nada poderia ser feito para de qualquer forma os proteger. É agora manifesto que
653

ambas as suposições são profundamente erradas ! Cloud ( 1968, 1969, 1970) fez o
invent ário das reservas e a an álise das perspectivas. Introduziu dois conceitos ( no
seu documento de 1969) que sã o teis na avalia ção da situa ção. O primeiro é
o quociente demográfico, que ser á representado por «Q » :

total de recursos dispon í veis


densidade da popula ção x consumo per capita

À medida que este quociente decresce, o mesmo vai acontecendo com a qualida ¬
de da vida moderna; est á a baixar a uma velocidade alarmante , uma vez que as
reservas dispon í veis só podem baixar (ou assim acabar á por acontecer) à medida
que o consumo aumenta. Mesmo que os recursos dispon í veis se pudessem manter
a n í vel constante por reciclagem ou outros meios, a situação não poderia dei ¬
xar de se deteriorar enquanto a população, e especialmente o consumo per capita,
aumentar num ritmo rá pido. Assim, nos Estados Unidos da Am é rica, o crescimento
econ ómico e tecnol ógico baseado na exploração dos recursos naturais está a aumen ¬
tar a um ritmo de 10 por cento ao ano ( o tempo de duplica ção é de cerca de
7 anos!), o crescimento urbano está a crescer a 6 por cento ao ano, ao passo

CD

2 B

o-

Q
-
c
\

presente tempo
(1970 )
-
Figura 15 1. Modelos alternativos de esgotamento para os recursos minerais. A . Modelo de
extrac çã o e esgotamento r á pidos de minerais ( ou outras mat é rias- primas n ã o renov á veis ) que ter á lugar
desde que se insista na pr á tica actual de remo çã o, uso e desperd í cio. Alguns metais b á sicos ficarã o
« esgotados » antes do ano 2000, caso se mantenha este modelo. B. O tempo de esgotamento pode ser
prolongado mediante reciclagem parcial e menor esbanjamento na utiliza çã o. C. Uma reciclagem efi ¬
ciente, combinada com conserva çã o e substitui ções apertadas ( utilizando quanto poss í vel material alter¬
nativo mais abundante ), pode estender as curvas de esgotamento indefmidamente . ( Diagrama adaptado
de Cloud , 1969. )
654

que o crescimento da população é de apenas 1 por cento. Se o mundo subdesen ¬


volvido, com a sua enorme popula ção, enveredar pelo aumento da utiliza ção per
capita de minerais ( e dos combust í veis fósseis necessá rios para extrair e utilizar os
recursos minerais) at é um ponto próximo do n í vel dos Estados Unidos da Am é rica,
-
desenvolver -se ão amanh ã severas car ê ncias. Segundo a projecção para o ano 2000,
nos pa í ses desenvolvidos a procura per capita de um metal moderadamente escasso
como o cobre ter á triplicado! O alum í nio é citado por Cloud como um exemplo
da situa ção geral, dado que n ão é, falando do ponto de vista relativo, um metal
escasso. Anteriormente a 1945, os Estados Unidos da Amé rica produziam a maior
parte do min é rio ( bauxita) que utilizavam , por é m , por volta de 1960, este pa ís estava
a importar esse fnin é rio em quantidade tr ês vezes superior à extra í da das minas
do seu pr óprio territ ório. É óbvio n ão ser poss í vel continuar por mais tempo com
o luxo que consiste em utilizar os recipientes de alum í nio de cerveja ou de re ¬
frescos « uma só vez» ( nem usos similares «sem reciclagem ») ; é preciso substituir
ou reciclar , ou ambas as coisas. Os pa í ses industrializados, em geral, já não são
auto-suficientes tanto em minerais como em combust í veis fósseis; dependem mais
ou menos da explora ção destes recursos naturais feita na parte do Globo n ão desen ¬
volvida, onde , naturalmente, a reserva é finita , não pode ser aumentada , e, dc
facto, decrescerá à medida que tais pa í ses comecem a utilizá- los para o seu pró¬
prio bem -estar .
O outro conceito introduzido por Cloud é o modelo gráfico das curvas de
depleção , como se ilustra na Figura 15-1. Com a pr ática corrente de «extrair, utili ¬
zar, desprezar », prevê-se um grande incremento e uma grande quebra, como se
ilustra na curva A . A escala do tempo é incerta por motivo da car ê ncia de dados,
mas a «fal ê ncia » poderá come çar neste mesmo s é culo, dado que certos metais
chave, como sejam o zinco, o estanho, o chumbo ( necessá rio para o automóvel
el é ctrico !) , o cobre e outros poder ão esgotar - se em 20 anos, no que se refere
às reservas prontamente explor á veis. De igual forma , os combust í veis como o «
urâ nio - 235 e o gá s natural poderiam igualmente esgotar - se por essa altura. Como
se ilustra pela curva B, caso fosse iniciado, desde agora, um programa de conser ¬
va ção mineral envolvendo restrições, substituições ( utilizando quanto possí vel meno¬
res quantidades de minerais escassos) e reciclagem parcial, a curva de deple ção
poderia ser adoçada. Como se ilustra na curva C, uma eficiente reciclagem combinada
com uma conserva çã o rigorosa e uma redu ção na utiliza ção per capita ( «travagem »
pelos paí ses desenvolvidos) poderia prolongar a depleção por muito tempo. É pre ¬
ciso observar que mesmo com uma reciclagem perfeita, ainda assim, a deple ção
continuaria a ocorrer. Deste modo, se estivéssemos em condi ções de reciclar 60
milh ões de toneladas de ferro cada ano, seria necessá rio cerca de meio milh ão
de toneladas dc novo ferro para substituir a inevit á vel perda por fricção, oxida ção,
e assim por diante.
655

Os invent á rios e as projecções referentes aos combust í veis minerais t ê m


uma base só lida e na generalidade são concordantes. Como ser á observado no pr ó ¬
ximo cap í tulo, a polui çã o será, mais do que o abastecimennto, o factor limitante
para a energia industrial. Como já ficou indicado, o g á s natural e o ur â nio n ã o
tardar ã o a desaparecer , por é m, o petr óleo e o carv ã o manter-se- ã o por mais tempo.
No entretanto, reactores « regeneradores» e possivelmente o desenvolvimento da
energia at ó mica de fus ã o deverã o preencher a lacuna em mat é ria de energia. Assim,
pelo menos nesta altura, os recursos bi ó ticos e minerais sã o mais cr í ticos do que a
energia; pode esperar-se que estas limita ções venham realmente impedir que o
homem se aventure a aumentar a utiliza ção de energia at é ao ponto de queimar
literalmente o mundo.
Recomenda-se a leitura do pequeno, embora convincente, livro intitulado
Resources and Man, publicado em 1969, bem como do relat ó rio resumo de um comit é
da National Academy of Science ( Presidente, Preston Cloud ). O relat ó rio previne
contra as projecções optimistas de alguns tecnologistas no que respeita : (1) ao mar
como um depósito inesgot á vel de abastecimento e ( 2) à extracção de metais a
partir de minerais pobres mediante a utilizaçã o de grandes quantidades de energia
at ó mica barata. Como já foi observado no Cap í tulo 12 ( ver pá gina 521), a maior
parte da riqueza mineral ( e do alimento explorá vel ) encontra-se localizada pr ó ximo
da costa e n ã o proporciona mais do que um complemento dos abastecimentos con ¬

tinentais por muito que se esforce a imagina çã o. A utiliza çã o de grandes quantida ¬

des de energia at ómica para tratar minerais pobres converteria o mundo numa vasta
mina de esbulho e criaria dispositivos de depura çã o perigosos e caros e problemas
de polui çã o que se espera n ã o venha nunca a ser necessá rio avaliar! O relat ó rio
da National Academy termina com 26 recomenda ções que podem ser condensadas
num princ í pio duplo: Tanto o controlo da população humana, como um melhor orde¬
namento dos recursos que inclua a reciclagem são necessá rios AGORA . Os volumes
editados por Jarrett (1966 ) e Ciriacy - Wantrup e Parsons ( 1967 ) , para n ã o mencionar
o volume clássico pioneiro editado por Thomas (1956), constituem outras refer ê ncias
seguras sobre os recursos naturais. Os livros de Watt (1968), Van Dyne , ed . ( 1969 ),
Patton , ed . ( 1971, vol. 2) e H . T . Odum (1971), constituem a vanguarda daquilo que
será uma importante oferta de livros sobre a aplica ção da an á lise de sistemas ( ver
Cap í tulo 10) ao ordenamento de recursos.

3. AGRICULTURA E SILVICULTURA

Os princí pios envolvendo os factores limitantes (Cap í tulo 5) e a produtivi ¬


dade ( Cap í tulo 3) proporcionaram no passado as principais aplica ções ecol ógicas na
agricultura e na silvicultura embora, por razões já indicadas, os especialistas de
656

agricultura e de silvicultura devam actualmente considerar que as «suas» culturas e


florestas têm outras saídas ( fun ções ) para além do alimento e da fibra em termos
do ecossistema total do homem. A ecologia das culturas foi tratada com um certo
cuidado no Capí tulo 3, Secção 3. No que respeita à zona temperada, os factores
limitantes principais para a produ çã o de alimento t ê m sido superados, gra ças aos
avan ços t é cnicos quanto a fertilizantes, irrigação, controlo de pragas e doen ças e
na arquitectura da colheita atrav é s de selecção gen é tica (Cap í tulo 8, Secção 5) .
Contudo, como se real çou com força no Capí tulo 4, Secção 6 , e novamente no
Capí tulo 14, página 402, a agrotecnologia da zona temperada não pode ser aplicada
nos tró picos ; a prática da agricultura tropical é incrivelmente absurda , sendo neces¬
sário, com grande urg ência, todo um conjunto de novos conceitos baseados em prin¬
cí pios ecológicos ( ver Cap í tulo 7, página 371).
Como se pôs em relevo no Cap í tulo 3 ( ver especialmente páginas 70 72 ), -
o aumento da produ ção agr í cola, isto é a chamada «revolu ção verde», resultou
principalmente da industrializa ção da agricultura, a qual envolve grandes subs í dios de
energia de origem f óssil ( combust í veis), com um controlo qu í mico sofisticado e varie
dades de plantas altamente domesticadas. Os modelos de sistemas que comparam as

I r M n I I I I I I M
500 50--

200 -- 20
JAPÃ O
100 - -I0 IO jg Figura 15-2. Rela çõ es entre a pro ¬
-C du çã o de culturas alimentares ( em qui ¬
O)

1 50
.c
£I / Õ

g
i
logramas de peso seco por hectare ) e
as necessidades em fertilizantes ( F ) ,
pesticidas ( P ) e cavalos - vapor ( H ) uti ¬
co
LU
H
<
o u. s . / /
ÍL

>
lizados no seu cultivo e na colheita
dos produtos. À s regressões baseiam -se
em dados de tr ê s pa í ses ( Estados Uni ¬
N o
8 dos da Am é rica, í ndia, Japã o). Obser-
UJ IO
03
-- i .o !
Q
4 o
ve - se que o duplicar a produ çã o de
alimento requere uma utiliza çã o de
fertilizantes, pesticidas e energia ani ¬
mal ou mecâ nica dez vezes maior.
5 - - 0.5 0.5
H ( Grá fico preparado a partir dos dados
constantes de : The World Food Pro-
blem , Relat ó rio do « Presidenfs Science
/ Advisory Committee» , Panei on World
Food Supply , Casa Branca , 1967 ;
-
Í NDIA «
P
volume III , p á ginas 141, 143 e 180. )
I 0.1 O. l
\

L 0.05 A 1
500 1000 2000
I í
5000 10,000
I . . .. I

PRODUÇÃ O M É DIA em 1963, kg / ha


657

agriculturas industrial e n ã o industrial foram examinados no Cap í tulo 10 ( ver Figu ¬


ra 10- 7 C e D ) . O maximizar a produ ção, sem ter em aten çã o outras consequ ê ncias,
est á a produzir reveses, tanto ambientais como sociais, muito s é rios ( ver Secção 1,
deste cap í tulo). Os primeiros podem ser ilustrados atravé s do modelo constante da
Figura 15- 2, no qual se prova que para duplicar o rendimento da cultura é necessá¬
rio aumentar dez vezes o quantitativo de fertilizantes, de pesticidas e de cavalos-
- vapor. Assim , a agricultura industrializada (com subsídio de energia de origem f óssil,
como por exemplo a praticada no Japã o, tem uma produ ção quatro vezes maior
por hectare do que a agricultura baseada na energia do homem e dos animais
dom é sticos ( como na í ndia ) embora seja 100 vezes mais exigente em recursos e em
energia. Nã o é dif í cil de compreender, assim , a razã o pela qual a agro -ind ú stria é
uma das principais causas da poluição do ar e da água. O engenheiro agr ónomo do
futuro dever á obviamente preocupar- se mais com a qualidade da paisagem rural,
em termos da respectiva capacidade para facultar água e ar puros, tanto como ali ¬

mento, para as cidades ( para n ã o mencionar o recreio e outras necessidades em


«qualidade ») ,
A revolu ção verde também apresenta sementes muito venenosas de revolução
social, especialmente nos pa í ses subdesenvolvidos que se encontram actualmente
superpovoados. Esse rev é s social , como tem sido recentemente observado na impren ¬
sa corrente <*) , é especialmente prová vel quando ocorre muito depressa, e sem ajus ¬
tamentos compensat ó rios nos sistemas sociais e pol íticos, a passagem de pequenas
fazendas para grandes herdades industrializadas. À medida que o trabalho da terra se
vai mecanizando, os pequenos agricultores e os trabalhadores rurais são impeli ¬
dos a trocar o campo pela cidade onde n ão existe , para eles, nem trabalho nem
habita çã o. O fosso entre o rico e o pobre aprofunda-se . Os pa í ses desenvolvidos
não sã o imunes, uma vez que os «guetos » das suas grandes cidades tamb é m se
enchem com gente que anteriormente tinha, pelo menos, uma exist ê ncia humana
digna , trabalhando no campo ou em pequenos neg ócios nas vilas rurais. O aspecto
doloroso de tudo isto consiste no facto de que , enquanto a fusão de pequenas
fazendas em herdades grandes, mecanizadas, aumenta o alimento dispon í vel e a
riqueza daqueles poucos que administram essas herdades e as ind ú strias alimen ¬
tares , um n mero muito maior de pessoas sã o relegadas para barracas de zinco
nas cidades , onde s ão incapazes de comprar alimento. Eis aqui sementes de deses ¬
pero, de v í cio de droga, de viol ê ncia e de colapso social total, uma vez que, como
se observou cuidadosamente no Cap í tulo 8, Secção 9, o homem não difere dos ratos
e dos macacos no que se refere à sua necessidade de um ambiente que permita
um comportamento social estabilizado. As organizações internacionais e as grandes
fundações filantr ó picas que t ê m estado preocupadas com o encher a barriga do homem,
sem acompanhar um tal esfor ço com programas de impacto para o controlo da po-
( *) Ver Time. 13 de Julho de 1970, p á gina 24, e Foreign Affairs , Julho de 1970, página 758.
658
pula çã o e o reajustamento social , est ã o a ter d vidas sobre aquilo mesmo que est ão
fazendo . Em retrospectiva, pelo menos, o melhoramento da qualidade da pequena
herdade e a redu ção no crescimento da popula çã o deveriam anteceder uma mudan ça
maci ça para a agricultura industrializada. É ó bvio que est á na ordem do dia a reava ¬
lia çã o da pol í tica exterior bá sica das na ções ricas no que se refere às nações pobres.
Ao contrá rio da agricultura , uma grande parte da produ çã o florestal tem re ¬
sultado do abate do crescimento acumulado no passado. À medida que esta reserva
natural é , por assim dizer, «extra í da» , a ind ú stria florestal tem de se ajustar à
depend ê ncia do crescimento anual. Nos Estados Unidos da Am é rica o abate nos
estados do oeste ainda excede grandemente o crescimento anual, embora no sul
e no leste , onde as antigas florestas foram todas derrubadas, o crescimento equilibre
aproximadamente a explora çã o.
Encontra-se ilustrado pela Figura 15-3 o dilema da silvicultura , que p õe
em contraste a floresta artificial ( a produ ção de á rvores ou monocultura) e a flo¬
resta que se desenvolve naturalmente . Uma escola de florestais defende que as
florestas deverão ser ordenadas como «cultivos de fibras», da mesma forma como
hoje se faz com os cereais ou outras culturas alimentares. Neste caso a ideia
subjacente é a de que ser ã o «exigidas» produ ções crescentes de produtos florestais
pelo aumento da utiliza çã o per capita de fibras, à medida que aumenta a densidade
da populaçã o humana, e que a ú nica forma de satisfazer tais exig ê ncias consiste
em «cultivar » árvores ou outras plantas fibrosas. Como já se salientou um certo
n ú mero de vezes, maximizar para a produção quantitativa significa : (1) fornecer
subs í dios de energia ( isto é, industrializar a silvicultura) , (2 ) monocultura com abate
de uma só esp écie em revolu ções curtas ( uma vez que uma floresta jovem cresce
mais depressa do que uma mais velha; ver Figura 9- 2 ) , ( 3) selecçã o artificial a
favor de variedades grandes produtoras de fibras , o que depende de elevados graus
de fertiliza ção e de aplica çã o de pesticidas ( que , por sua parte, aumentam a polui ¬
çã o global e o perigo de eclosã o de doen ças) e ( 4) uma prová vel redu ção na
qualidade . Muitos florestais sustentam que a floresta n ã o deverá ser tratada como
uma simples «cultura», dado que tem outras fun ções importantes como o recreio,
a de facultar um habitat para a vida silvestre, a de ser fonte de ar e água, e
assim por diante, funções essas que ficam melhor garantidas por povoamentos cons¬
titu ídos por árvores de v á rias esp é cies e idades, abatidas numa base cont í nua, embora
de baixa produ çã o ( isto é , a «floresta de uso- m ú ltiplo», à semelhan ça do conceito
,

hoje em dia praticado como regra nas Florestas Nacionais dos Estados Unidos
da Am é rica).
O ponto importante, que necessita ser amplamente reconhecido, é que o
cultivo das árvores num extremo, e a floresta de uso- m ú ltiplo desenvolvida natural ¬

mente no outro, são ecossistemas inteiramente diversos em termos de custo de


manuten ção e do respectivo impacto sobre as outras necessidades ambientais do
659

homem . Tal como acontece com outros recursos , a reciclagem do papel e de outros
produtos florestais, juntamente com uma conserva ção rigorosa, poderá reduzir a pro ¬

cura per capita do crescimento anual , sem reduzir necessariamente o consumo in ¬

dividual . Semelhante estrat égia razoá vel ( que é aquela que mais tarde ou mais cedo
terá de seguir -se) tornaria desnecessá rio cobrir a paisagem com cultivos de á rvores
e o grande risco de criar situaçõ es de «floração» e de colapso com reveses severos
dos tipos analisados anteriormente neste cap ítulo. Seria desejá vel restringir as cul ¬

turas de á rvores em terras planas e f é rteis e em tipos de solos favorá veis a uma
boa agricultura em geral ; certamente a floresta, com diversidade naturalmente adap ¬
tada, constitui o melhor e o mais seguro coberto para as terras declivosas e para
grandes extens ões de outras em que as condi çõ es do solo ou de água n ã o suportam
a cultura intensiva de um tipo artificial durante muito tempo.

4. ORDENAMENTO DA VIDA SILVESTRE

Se bem que a expressã o « vida silvestre » pare ça ter um sentido amplo , cobrindo
toda e qualquer vida nã o cultivada e nã o domesticada, tem sido, no passado recente ,
largamente utilizada para referir a ca ça e os vertebrados produtores de peles, bem
como as plantas e os animais menores que interagem directamente com as espé cies
venat ó rias. Mesmo os peixes, que são com frequ ê ncia « silvestres», t ê m sido exclu í dos
da vida silvestre e tratados sob outros t ítulos. A tend ê ncia dos anos 70 e posterio ¬

res será a de voltar ao conceito mais largo de vida silvestre, dado que um n mero
cada vez maior de pessoas est á a ficar interessado nas espé cies n ão venat ó rias
( aves canoras , por exemplo) e uma vez que a preserva çã o do recreio ao ar livre ,
em geral , depende da preserva çã o da totalidade do ecossistema da vida silvestre .
O ordenamento da vida silvestre constitui um campo da ecologia aplicada que
ocupa um alto lugar no interesse p blico. Nos anos recentes tornou - se uma profis ¬

sã o bem enraizada na Am é rica , atraindo muitos jovens que gostam da vida ao ar livre .
Est ã o a ser preparados muitos «t é cnicos da vida silvestre » nas escolas que t ê m con ¬

cessõ es de terras, algumas das quais criaram unidades de investigação e de ensino


especiais em coopera çã o com os governos estatal e federal. Como em outras á reas
da ecologia aplicada, uma tal « segrega çã o» acad é mica da corrente principal das ci ê n ¬
cias e das humanidades tem dado, como consequ ê ncia, uma educa çã o demasiado
estreita , produzindo algumas vezes, como o exprimiu Leopold , uma per í cia que anula
o entendimento ( ver página 651). N ão obstante , o estudo intenso das esp écies indi ¬
viduais de ca ça tem dado uma grande contribuição para a ecologia das popula ções ,
como ficou demonstrado pelo grande n ú mero de exemplos envolvendo esp é cies
cineg é ticas que se encontram citados no Cap í tulo 7 .
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660

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Figura 15-3. O dilema florestal at é onde levar a monocultura ? As duas ilustra ções comparam
uma planta çã o de pinheiro ( A ) e uma floresta de pinheiro de desenvolvimento natural ( B ). Ambos os
povoamentos se encontram em esta ções de «campo velho» ( isto é , terra anteriormente agricultada ) no
sul dos Estados Unidos da Am é rica. ( Fotografias do U . S . Forest Service . )

O ordenamento da vida silvestre respeita, n ã o apenas à produ ção de ca ça


em á reas que n ão s ão prop í cias para mais nada, mas també m aos «cultivos» de ca ça
que podem igualmente ser feitos em terra mais produtiva, anteriormente utilizada
pela agricultura ou pela silvicultura. À medida que a terra vai ficando intensiva ¬
mente cultivada ou urbanizada , a vida silvestre torna-se, uma vez mais, uma fun çã o
de « bordaduras» ( ver Cap í tulo 6, Secçã o 6 para an á lise do conceito de «efeito de
bordadura»). Por exemplo, Hawkins (1940) compara uma paisagem de Wisconsin , tal
como surgiu aos primeiros colonizadores em 1838, com a sua apar ê ncia um s é culo
depois sob cultura intensiva. Os grandes estratos de floresta e de pradaria foram reta ¬
lhados em numerosos pequenos blocos, interceptados com campos de cultura , estra ¬
das e locais de habita çã o. As aves de ca ça originais da terra alta , a galinha de poupa
do bosque e o galo da pradaria foram completamente substitu í dos pelo faisã o vulgar
e pela perdiz cinzenta , espé cies que se tinham adaptado às á reas intensamente culti ¬
vadas da Europa . Assim , à medida que a paisagem se foi tornando mais «domes-
661

ticada», tamb é m o mesmo aconteceu com a vida silvestre . Sob tais condi ções, o
habitat de espa ço vital , a doen ça e a preda çã o substitu í ram o alimento como factores
limitantes principais. Os princ í pios que respeitam à s rela ções predador- presa e os
conceitos da produ çã o ó ptima foram largamente revistos no Cap í tulo 7.
Est á-se , assim , em altura de salientar que os esfor ços feitos para fomentar e
incrementar as popula ções da vida silvestre t ê m sido dirigidos, no geral , segundo
quatro rumos principais : ( 1) preserva çã o do capital reprodutor , por interm é dio de
leis de ca ça que restringem o abate e outras medidas semelhantes, ( 2 ) repovoamento
artificial , ( 3) melhoramento do habitat e ( 4) «cultivo» de ca ça. Quando a ca ça
come ça a ficar escassa , a popula ção pensa e actua geralmente segundo a ordem
atr á s enumerada , que por vezes é inadequada , uma vez que o terceiro ponto é,
com frequ ê ncia, mais importante do que os dois primeiros. Caso se perca um
habitat favor á vel ( como acima se indicou ) , a protecção e o repovoamento n ã o tê m

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Figura 15 3. Continuação.
662

interesse. À medida que a densidade da população humana aumenta, o ordenamento


da caç a e da pesca encontra- se, como tal, face ao mesmo dilema que a silvicul ¬

tura e a exploração da floresta, isto é, at é que ponto pode a procura da caç a e da pesca
ser satisfeita mediante o ordenamento de áreas naturais e at é que ponto será necess á ¬

rio «cultivar» caç a e pesca. A derradeira medida no cultivo da vida silvestre envolve
a propagação artificial de animais, o repovoamento e o abate ao fini de poucos dias
ou semanas de libertação, com o caç ador ou o pescador a pagar um custo elevado
pelo privilé gio de caç ar ou de pescar o que equivale a uma popula çã o domesticada
ou bravia ( ver página 391). À semelhança de todo o negócio agr ário, a produ ção de
caç a e de pesca tem os seus problemas «imprevistos», como a preda çã o, a doenç a,
os problemas de nutrição, a selecção artificial, etc., e requer energia subsidiária em
forma de alimento complementar, trabalho, encargos, e assim por diante.
Pode - se fechar apropriadamente este breve resumo com um coment ário sobre
a introdução de ex ó ticas, isto é, de esp é cies não nativas da região. Uma vez que, com
frequ ê ncia, esp écies introduzidas num novo ambiente ou falham inteiramente ou t ê m
um tal sucesso que se tornam pragas ( coelhos na Austr ália, por exemplo), todas as
introduçõ es merecem ser consideradas com um cuidado extremo. Em geral, caso
haja uma esp é cie conveniente nativa da região, é melhor concentrar a atenção no
ordenamento desta esp é cie do que tentar introduzir outra que a substitua. Se, por
outro lado, o ambiente foi t ão alterado pelo homem que as formas nativas sejam
incapazes de sobreviver ( como no caso da paisagem de Wisconsin descrita anterior -
mente), poder á ser indicado introduzir uma espécie que esteja adaptada ao novo
ambiente. Certamente, as introduçõ es deverão ser antecedidas por estudos e pro ¬

vavelmente controladas por regulamentos federais. ( Ver Kiel, 1968.)


Vejam- se mais detalhes sobre o ordenamento da vida silvestre na obra clá ssica
de Leopold ( 1933 ), no livro de texto de Dasmann ( 1964) e no manual t é cnico da
Wildlife Society editado por Giles ( 1969).

5. AQUACULTURA

A relação entre a produ ção primária e a produ ção de alimento ou de outros


produtos bi ó ticos a partir dos sistemas aquáticos foi passada em revista no Cap í tulo 3
( ver especialmente Quadros 3 - 7 e 3 - 11) e ainda nos Capí tulos 11 ( Sec ções 6 e 7),
12 ( Sec ção 5) e 13 ( Sec ção 3 ). O esfor ç o retardado do homem para se tornar um «pre
¬

dador prudente» e as dificuldades de aplicar um modelo te órico de produ çã o óptima à


colheita das populações silvestres de peixes e mariscos foram analisadas no Capí tulo 7,
Secção 18. À medida que as populaçõ es silvestres v ão sendo exploradas at é ao respec -
tivo limite, e reduzidas por uma pesca excessiva, a aten ção volta- se naturalmente para
a produção de peixe, ou aquacultura, muito em especial, uma vez que uma tal cultura
pode constituir um meio muito eficiente para produzir alimento proteico.
663

A ci ê ncia da pesca nos Estados Unidos da Am é rica tem -se ocupado, fundamen ¬

talmente, com o ordenamento das popula ções naturais que sã o submetidas a pesca
comercial e especialmente com espé cies que proporcionam desporto, uma vez que a
pesca desportiva ocupa o primeiro lugar nos desportos de recreio, em termos de
n mero de pessoas que nela participam activamente . Ora, uma vez que os peixes que
proporcionam a melhor pesca desportiva sã o carn í voros, t ê m de ser produzidos no
termo de uma longa cadeia alimentar que limita grandemente a produ çã o capturá -
vel por unidade de superf í cie ( comparar os n meros para a « exist ê ncia de carn í voros »
versus a «exist ê ncia de herb í voros» constantes do Quadro 3- 11 ) . Como se ilustra na
-
Figura 3 11 e na Figura 3- 12 , são necessá rios pelo menos quatro elos na cadeia ali ¬
mentar : fitopl â ncton , pequenos crust á ceos e insectos consumidores, pequenos carn í ¬
voros ou detrit í voros ( com frequ ê ncia designados peixe de forragem ) e carn í voros
grandes ou peixe de desporto. O ordenamento dos peixes de desporto de á gua doce
em certos habitats, como sejam pequenos rios truteiros, envolve o repovoamento
anual com peixes criados em viveiros, que o pescador n ã o tarda a apanhar; poré m ,
nas lagoas e nos lagos faz-se uma tentativa efectiva para manter uma popula çã o equi ¬

librada que possa proporcionar ao homem uma produ çã o sustentada com entradas
regulares de fertilizantes inorg â nicos , embora n ão com abastecimentos nem de
alimento nem de peixe ( isto é, um sistema auto- reprodutor ). As lagoas de pesca
desportiva s ã o concebidas por forma a simplificar o ecossistema, isto é , os com ¬
ponentes est ã o limitados à queles que se encontram directamente envolvidos numa
cadeia alimentar linear que conduza aos produtos desejados. Isto pode ser feito
regulando a quantidade e a profundidade da massa de água, a intensidade da fer ¬
tiliza çã o, a composi ção quanto a espé cies e a propor ção do volume das populações
de peixe ( ver Bennett , 1962 ). Tem especial import â ncia a propor ção entre os peixes
de forragem ( F) e os peixes carn í voros do topo da cadeia ( C ) . De acordo com
Swingle ( 1950 ), a razã o F/ C em termos de biomassa deverá ser cerca de 4 ( com uma
amplitude de 3 a 6 ). É mais prov á vel que as popula ções de peixes de desporto nas
lagoas ou lagos se tornem « desequilibradas », como consequ ê ncia de um aumento na
razã o F/ C ( o que arrasta consigo uma sobrepopula çã o e uma grande redu çã o na
dimens ã o m é dia do peixe ), mais do que como uma consequ ê ncia da pesca excessiva
com anzol e linha que , ao contr á rio das redes, apenas captura os indiv í duos grandes.
A melhor maneira de manter produ ções altas, tanto de peixes de desporto como de
alimento, consiste em escoar periodicamente, ou baixar, a massa de água, de tal forma
que se mantenha o sistema numa fase de crescimento r á pido, jovem , como se descre ¬
veu no Cap í tulo 9, Secçã o 3. A prá tica de « vazamento» da lagoa é uma arte antiga
praticada na Á sia e na Europa durante sé culos ( ver Neess, 1946; Hickling, 1961) e
constitui uma aplica çã o comprovada dos conceitos ecol ógicos do «ecossistema de
n í vel de água oscilante » e de «estabilidade de pulsa ção» ( ver página 430 ).
664

Como já se salientou , a produtividade dos lagos é inversamente proporcional


à profundidade ( ver Quadro 11- 1 ) , pelo que os lagos fundos, grandes, nã o se podem
comparar com os superficiais, mais pequenos, quanto a produ çã o de peixe por unidade
de á rea ( Rawson , 1952 ). As grandes albufeiras das barragens ( lagos artificiais) propor ¬

cionam uma pesca abundante durante os primeiros anos depois da respectiva cons¬
tru ção ( à medida que a energia acumulada na bacia de alimentação é explorada),
tornando-se por é m geralmente pobres como lagos produtores de peixe , conforme já
foi observado ( ver página 421). Tem -se insistido nas grandes e caras represas nos
rios principais , quando, o casõ é que uma sé rie de barragens mais pequenas servindo
os mesmos fins seria mais eficiente e mais barato. No Quadro 15-1 comparam-se
duas propostas de planos de represas preparadas, independentemente, por diferentes
empresas para a mesma regi ã o. O plano de m ltiplas represas n ão só custaria um
ter ço do correspondente a uma grande barragem , para igual superf í cie e quantidade
de abastecimento de água ou de potencial de controlo de inunda çã o, como també m
a pesca desportiva e a maior parte de outras utilizaçõ es, exceptuando a produ çã o de
energia elé ctrica, ficariam melhor servidos por represas pequenas. Provavelmente ,
no que respeita à produ ção de energia depender-se -á no futuro largamente do com ¬

bust í vel f óssil e da energia at ó mica, com redu çã o consequente da necessidade de


novas barragens hidroel é ctricas.
A aquacultura para produ ção de alimento, como se pratica presentemente no
Japã o, envolve um ecossistema inteiramente diferente quando comparado com o cultivo
de peixe de desporto, baseando-se o primeiro numa cadeia alimentar curta , suportada
por entradas pesadas de fertilizantes, alimento, material vivo produzido em viveiro e
energia de trabalho . Uma das oportunidades mais promissoras para a piscicultura num
pa ís pr óspero consiste em aproveitar o fluido proveniente do tratamento dos res í ¬
duos! A água aquecida proveniente das centrais el é ctricas e de certos tipos de res í duos
org â nicos dom é sticos ou industriais , dilu í dos ou parcialmente tratados atrav é s de uma
s é rie de tanques, podem proporcionar subs í dios de energia para espé cies adaptadas
de peixes, moluscos, crust á ceos e outros organismos que podem proporcionar alimento
para o homem ou o animal , ou outros produtos teis. Isto constitui uma parte do
conceito de « parque de administra çã o de res í duos», a analisar no pr óximo cap í tulo
( ver també m Figura 15- 5 ). A piscicultura, assim organizada , poder á transformar a polui ¬

çã o num recurso.
A captura anual de peixe do mar subiu de 18 milh õ es de toneladas m é tricas
( peso vivo) em 1938 para 55 milh ões de toneladas em 1967 ( ver estat í sticas de pesca da
FAO , 1967). Cerca de quatro quintos deste montante prov é m de tr ê s á reas, a saber, o
Atlâ ntico norte , o Pac í fico oeste e norte , e o Pac í fico frente à costa oeste da Am é rica do
Sul . A recente explora çã o das anchovas peruanas, segundo se admite a pesca mundial
naturalmente mais produtiva ( ver página 108), contribui para uma grande parte do in ¬

cremento na captura verificada nos anos recentes . Apenas um n ú mero relativamente


665

Quadro 15-1
Comparação de um Projecto de uma Grande Barragem no Rio Principal
com um Projecto Alternativo de Barragens Mais Pequenas a Montante,
Propostos para a Mesma Bacia Hidrográfica *
PROJECTO
PROJECTO DE M Ú LTIPLAS
DE BARRAGEM BARRAGENS
NO A
RIO PRINCIPAL MONTANTE

N mero de barragens í 34
Á rea da bacia de alimentação (km 2 ) 505 492
Volume de armazenamento (103 m 3) 64137 72 894
Á rea de superfície aqu ática para recreio ( ha) 789 850
Superf ície de albufeira ( ha) 1477 2 064
V árzeas inundadas (ha) 749 647
V árzeas protegidas (ha) 1364 3 270
Custo total $6 000000 $1 983 000
* Dados de Peterson (1952); em 1970 os custos seriam grandemente inflacionados.

pequeno de espé cies contribui para o grosso da captura ( ver página 548). Se bem que
pare ça estranho, apenas metade da captura é utilizada como alimento para o homem ;
a outra metade destina-se a alimento para as aves de capoeira e gado. Alongar a cadeia
alimentar desta forma n ã o faz muito sentido ecol ógico e apenas será econ ó mico en ¬
quanto o peixe constituir uma d á diva «gratuita » da natureza , capturada sem gastos em
fertilizantes, em controlo de doen ças e predadores , ou cultivo. Deste modo, embora a
produ çã o de alimento por unidade de á rea do oceano seja baixa , quando comparada
com a criaçã o de animais na á rea terrestre, representa uma utiliza çã o eficiente de
recurso natural auto- sustentado. At é que ponto a produ çã o alimentar produzida natu ¬

ralmente a partir do mar pode ser incrementada constitui uma quest ã o controversa.
Alguns cientistas da pesca cr ê em que a produ çã o atingiu um ponto culminante , ao
passo que outros pensam que pode ser incrementada , embora n ã o mais do que tr ê s
ou quatro vezes ( ver Holt , 1969; Ricker , 1969 ). A maricultura ( aquacultura nas á guas
marinhas ou de estu á rio) s ó produziu , at é agora, um importante complemento ali ¬
mentar em poucas á reas, como, por exemplo, o Japã o, a Indon é sia e a Austr á lia
( ver Bardach , 1969).
Foram analisadas no Cap í tulo 13, Secçã o 3, tanto as potencialidades como as
limitações dos estu á rios para o cultivo de camar ões, ostras e peixes. O alimento pro¬
veniente do mar constituir á um complemento de prote í nas à produ çã o de alimento
na parte terrestre com import â ncia crescente , embora a maior parte dos oceanos
se n ã o prestem a um cultivo intensivo por raz ões ecol ógicas já documentadas ( ver
p á ginas 77 e 521) .
666

6. ORDENAMENTO DAS GRANDES Á REAS DE PASTAGEM

Como já ficou assinalado quando da an á lise dos biomas de pradaria ( Cap í ¬

tulo 14, página 620), o homem parece ter uma inclina çã o sinistra para abusar dos
recursos das pradarias . Uma sucessã o dc civiliza ções deterioradas nas regi ões de
pradarias do mundo subsiste como prova muda deste facto . Quando um homem
cria uma pastagem artificial à for ça de trabalho á rduo e calafrios financeiros, n ã o
pensar á em destru í - la por m á utiliza çã o, do mesmo modo que n ã o pensar á em quei ¬

mar a sua casa . N ã o obstante , como Leopold t ã o bem expressou ( ver Secçã o 1
deste cap í tulo ) , o homem tem dificuldade em compreender a causa e o efeito inatos
numa pastagem natural por ele n ã o criada .
Para determinar a capacidade de sustenta çã o de uma pastagem , quanto a animais
de pastoreio, t ê m primordial import â ncia dois aspectos : ( 1 ) a produtividade prim á ria e
( 2 ) a percentagem de produtividade l í quida que pode ser anualmente removida , man ¬

tendo- se as plantas herb áceas com reservas suficientes para permitir que a pastagem
mantenha a futura produtividade, e especialmente para que suporte a pressão que ocorre
nos per í odos ciclicos de condi ções clim á ticas desfavor á veis ( secas , etc. ) . Dado que a
produtividade prim á ria é mais ou menos uma fun çã o linear da queda pluviom é trica
( ver Figura 14- 16 ), e sabendo -se que menos de metade da produ çã o l í quida anual deverá
ser consumida pelo gado , est á-se em condi ções de calcular quantos quilos de carne
poder ã o ser produzidos ( utilizando as efici ê ncias de transfer ê ncia ecol ógica; ver pá ¬
gina 117) para uma dada queda pluviom é trica , e ajustar, em conformidade , o n mero
de animais . Contudo, isto n ã o funciona assim t ã o facilmente , tendo em aten çã o que a
distribui ção sazonal da queda pluviom é trica, a qualidade da forragem (especialmente a
razão prote í na - hidrato de carbono ), a palatabilidade, a esta ção de crescimento, e
assim por diante , complicam em conjunto a quest ã o. Estudos utilizando f í stulas do
es ófago e t é cnicas de microdigest ã o ( ver Cook , 1964; Van Dyne e Meyer, 1964) mos ¬
tram que o gado bovino é selectivo naquilo que come. Por estas raz õ es, os adminis-
radores das pastagens verificaram que os indicadores da comunidade ou do ecossis-
tema ( ver Cap í tulo 5 , Secção 6 ) proporcionam os meios mais pr á ticos de determinar
se uma pastagem est á ou n ã o a ser devidamente utilizada ( Humphrey, 1949 ). Sã o
especialmente ú teis as plantas designadas por « redutoras » cujo desaparecimento da
pastagem ( ver página 624) proporciona «sinais de advert ê ncia temporã» de sobrepas-
toreio. Caso se n ã o atenda a estes sinais ocorre a invasão por «ervas daninhas»
( anuais ) de mau paladar e arbustos de deserto ( artem í sia , « Prosopis», etc.). Caso o
sobrepastoreio continue , o resultado ser á essencialmente um deserto criado pelo
homem . Uma vez estabelecida a vegeta çã o de deserto, pode ser dif í cil substitu í - la.
Os roedores e os gafanhotos aumentam com o sobrepastoreio. Um controlo desne ¬
cessá rio de predadores pode agravar o problema dos roedores. As tentativas para
reabilitar as pradarias apenas atrav és do controlo dos roedores ou dos insectos
667

constituem um bom exemplo daquilo que Leopold designaria por « projecto de orde ¬

namento isolado», que ignora a causa fundamental do problema.


O papel do fogo no ordenamento da pastagem foi analisado no Cap í tulo 5
( página 215); a interacçã o completa do fogo e do pastoreio ainda se encontra longe
de estar compreendida. A possibilidade de aumentar a diversidade dos animais de pas ¬

toreio e as possibilidades de ordenar a ca ça nas pradarias africanas foram analisadas


no Cap í tulo )4 ( página 626).
Os estudos do pastoreio a longo prazo proporcionam o m étodo experimental
mais importante para o ordenamento da pastagem. Infelizmente, a maior parte dos
estudos das estações experimentais n ã o demoraram o tempo suficiente para cobrir os
ciclos naturais nas condiçõ es atmosfé ricas. O Quadro 15-2 apresenta o resumo de um
estudo relativamente prolongado que compara tr ê s intensidades de pastoreio. Os dados
apresentados mostram que enquanto uma carga pesada produz um ganho econ ó mico
a curto prazo ( mais carne ) , a qualidade tanto do gado como da pastagem se degrada.
Portanto, (1) o grau de exist ê ncia m áximo ( popula çã o de bovinos ) n ã o é o ó ptimo
para a manuten çã o da qualidade do gado e da pastagem e ( 2) a vantagem , a curto prazo,
trazida pela carga excessiva obt é m -se a expensas de danos, a longo prazo, para o am ¬
biente . Na realidade , a intensidade de utilizaçã o leve, em que cerca de um ter ço da
produ çã o l í quida é removido pelo pastoreio, constitui a utiliza çã o ó ptima , dado que
a qualidade, tanto da pastagem como do animal , é melhorada e fica grandemente
reduzida a probabilidade de danos severos durante as secas periódicas.
O efeito do pisoteio, devido aos animais de pastoreio, na compacta ção do solo
tamb é m pode ter import â ncia. Quando um n mero excessivo de animais fica confinado
numa dada extensã o por demasiado tempo, o solo pode tornar -se «compactado» e a
produtividade ficar reduzida, mesmo depois de abandonado pelos animais . Funda ¬
mentalmente, a parte regeneradora - consumidora do ecossistema é impedida pelo
deficiente arejamento do solo, e este por seu turno inibe o mecanismo de produ çã o.
Lavrar ou ripar com subsoladoras tem provado ser ú til em pequenas pastagens, se
bem que um tal m é todo ficasse muito dispendioso para grandes extens ões de terras
de pastagem . Como o autor já p ôs em destaque muitas vezes , é preciso considerar
todo o ecossistema , n ã o apenas os produtores. Exp ôs-se no Cap í tulo 14, Secçã o 6, a
rela çã o entre o comportamento migrat ó rio natural dos ungulados selvagens e o
conceito de ordenamento de rota çã o do apascentamento.
Dado que as pradarias evolu í ram ao longo de amplos per í odos de tempo,
durante os quais foram sujeitas a utiliza çã o vari á vel por animais e pelo homem , o
aspecto hist ó rico da pastagem tem grande import â ncia. As condi çõ es desfavorá veis
podem n ã o ser sempre o resultado da hist ó ria recente do pastoreio . É preciso consi ¬

derar a hist ó ria do fogo e outros aspectos ( Malin , 1953; Sauer, 1950 ). Para efeito de
aná lises adicionais sobre os diversos aspectos do ordenamento da pastagem , vejam - se
os livros de Stoddart e Smith ( 1955), Humphrey ( 1962), o simpósio editado por Crisp
668

Quadro 15-2
Modelo de Intensidade de Pastoreio
INTENSIDADE DE PASTOREIO

Leve Moderada Forte


( 1 vaca / ( I vaca / ( / vaca /
/ 8,4 ha ) / 6 ha ) / 3,6 ha )

Exist ê ncia m édia de vacas no final do per íodo


de cria ( kg / ha) 360 454 726
Peso m édio e individual das vacas no final da
estação de cria ( kg ) 455 427 414
Peso m é dio dos bezerros produzido, no mo¬
mento do desmame (kg) 173 165 161
Utilização da forragem; percentagem da vege¬
ta çã o acima do solo pastoreada durante a
estaçã o de cria 37 % 46 % 63 %
Condições da pastagem no termo do per íodo
de 9 anos f Melhorada N ão alterada Deteriorada

* Dados baseados num estudo de 9 anos em Cottonwood , Dakota do Sul , referido por Johnson et ai ( 1951) .
t Baseadas na abund â ncia relativa de plantas « indicadoras de regressã o», isto é, de esp écies procuradas pelo
gado que tendem a decrescer com o aumento da pressã o do pastoreio.

( 1964 ) e as revis ões da autoria de Costello ( 1957 ), Dyksterhuis ( 1958) , Williams


( 1966 ) e Lewis ( 1969 ).
O modelo da intensidade de pastoreio constante do Quadro 15- 2 tem aplica ção
mais ampla caso se escreva « homem » em vez de « boi » e «ambiente » em vez de « pas¬
tagem ». O modelo ilustrar á ent ã o: ( 1) que o grau m á ximo de exist ê ncia ( popula çã o
humana ) n ã o é ó ptimo para a manuten çã o da qualidade do homem e do ambiente
e ( 2 ) que o benef í cio, a curto prazo, obtido atravé s da sobrepopula ção d á-se à custa
de preju í zos , a longo prazo, para o ambiente . Em boa verdade os « verdes pastos » dos
salmos b í blicos simbolizam a responsabilidade moral do homem para com o seu
ambiente .

7. DESSALINIZAÇÃ O E MODIFICAÇÃO METEOROLÓGICA

A produ çã o artificial em grande escala de água a partir do mar e a regula çã o


artificial da produ çã o de água pela atmosfera constituem duas modificações de recursos
propostas, cujas potencialidades tanto para bem como para mal sã o perturbadoras!
É poss í vel prever para a humanidade muitos benef í cios em consequ ê ncia de tais altera ¬
çõ es de recursos , embora també m seja poss í vel antecipar possibilidades muito reais
de terr í veis reveses ecol ógicos! Em face da gravidade das consequ ê ncias de modifica ções
669

ambientais muito menos amplas, como já se observou neste e noutros cap í tulos, o eco ¬

logista propende a concluir que o homem n ã o est á ainda preparado para consertar
o ciclo hidrol ógico global ( tal como se ilustra por grandes linhas na Figura 4-85) dado
que ( 1) ainda nã o tem a capacidade de controlar altera ções à escala global e ( 2) ainda
n ã o alcan çou um conhecimento detalhado sobre a interacçã o entre a corrente de energia
e o ciclo biogeoqu í mico para realizar previsões precisas .
Existe um perigo muito pequeno na dessaliniza çã o em pequena escala da água
do oceano para utiliza çã o como água pot á vel em á reas urbanas costeiras densamente
povoadas, muito embora se disponha com frequ ê ncia de alternativas mais simples
e menos dispendiosas, como por exemplo reciclar a água dos esgotos por um tratamento
terciá rio completo ( ver Cap í tulo 16 ). É coisa um tanto diferente promover a dessalini ¬
za ção em grande escala para utilização industrial e agr í cola . Para come çar outro s é rio
problema de polui çã o é criado pelo grande gasto de energia necessá rio e pela acumula çã o
de sal. Todas as an á lises de benef í cios-custos que o autor viu ( por exemplo, Clawson ,
Landsberg e Alexander, 1969) indicam que o custo de dessalinizar a á gua do mar , mesmo
com a utiliza çã o da chamada energia at ó mica barata, é de uma ordem de grandeza maior
que o valor da água em agricultura . A dessaliniza çã o para o uso agr í cola n ã o ajudaria
o Médio Oriente , por exemplo, pelo menos enquanto a explosã o da popula ção e outros
problemas sociais n ã o forem primeiramente resolvidos. O valor de uma tal água dessa-
linizada para utiliza çã o industrial é tamb é m questioná vel at é que a á gua reciclada
possa reduzir a procura de abastecimento bruto.
Novamente , todos os relat ó rios globais preparados por grupos interdisciplinares
de cientistas e tecnologistas reconhecidos ( ver , por exemplo, o relat ó rio da Ecological
Society, 1966, e Cooper e Jolly , 1969), assim como por numerosos autores competentes
( Waggoner , 1966; Sargent , 1967; MacDonald , 1968) , recomendam, com insist ê ncia ,
uma precau ção extrema na condu çã o de experiê ncias de modifica çã o meteorológica
que neste momento visem qualquer tipo de ganho prático ; é necessá rio dispor primeira ¬
mente de numerosas an á lises de investiga çã o orientada e de experiê ncias. Em muitos
casos, t ê m -se obtido resultados opostos aos que se esperavam. Por exemplo, embora
uma sementeira de part í culas nas nuvens tenha aumentado algumas vezes a queda
pluviom é trica , Lovasich e seus colegas ( 1969) deram not í cia de que numa s é rie de
experi ê ncias a queda pluviom é trica de Verã o diminuiu mais do que aumentou .
Manifestamente , a sementeira de part í culas provocou uma cobertura de neblina ou
dc chuviscos que impediu , durante à tarde , o processo de acumula çã o de energia
necess á ria para provocar tempestades , que constitu í am normalmente a principal
fonte da chuva de Verã o .
Embora , como já foi assinalado nos Capí tulos 2 ( página 50) e 4 ( página 152),
o homem já tenha modificado inadvertidamente o clima , à escala tanto local como
global , as experi ê ncias controladas de modifica çã o das condições do tempo podem
ter uma melhor justificaçã o como um meio de obter o conhecimento necessá rio
670

para evitar os efeitos prejudiciais das modificaçõ es das condições do tempo que já
est ã o em curso !
Dado que a maioria das pessoas vive agora nas cidades, é importante observar
que as cidades não s ó poluem o ar, mas também modificam o clima. De acordo com
Lowry ( 1967), as cidades são «armadilhas de calor» devido à absor ção da radiação solar
pelas superfícies verticais e à produção de calor pelas máquinas. Numa região de latitude
média, as temperaturas do ar nas cidades são de 0,5 a 1,5 C mais elevadas e a humidade
°
6 por cento mais baixa do que no espaço rural circundante. Devido à poluição por
part í culas, na cidade a nebulosidade é 10 por cento maior, o nevoeiro 30 a 100 por cento
mais frequente ( valor mais elevado no Inverno), a precipitação 10 por cento mais elevada,
a insolação 15 por cento menor e a radiação ultra- violeta de 5 a 30% menos intensa.

8. USO DO SOLO

Quando a população humana de uma dada área é pequena, a má utilização do


solo poderá apenas afectar as pessoas que por ela são responsáveis. Porém, à medida
que a população aumenta, todos sofrem quando a terra é utilizada inadequadamente,
dado que todos pagam eventualmente para a sua reabilitação ou, como costuma agora
acontecer, todos sofrem uma perda permanente de recursos. Por exemplo, se as pra ¬

darias em regiões de baixa queda pluviom é trica forem lavradas e semeadas com trigo
(mau uso do solo), mais cedo ou mais tarde o resultado será uma «bacia de pó» ou um
deserto tempor ário. A recuperação é dispendiosa, e todos como contribuintes terão
de pagar. Caso a cobertura herbácea seja mantida e pastoreada moderadamente (bom
uso do solo), n ão dará aso a que se desenvolva uma bacia de formação de poeira.
Semelhantemente, se a falta de restrições locais de zonagem permite a construção de
casas e fábricas em planí cies sujeitas a inundaçõ es ( mau uso do solo), ent ão é inevi¬

t ável a perda de um tal investimento ( ou poder á este ser evitado apenas atrav é s de
estruturas de controlo da inundação muito dispendiosas). Se, pelo contr ário, as pla ¬

ní cies inundáveis s ão utilizadas para recreio, silvicultura ou agricultura (boas utiliza


¬

ções do solo), aos impostos será acrescentado valor e nã o subtraí do. O uso do solo
é assim um empreendimento de toda a gente, e a aplicação de princípios ecológicos
ao planeamento do uso do solo é, no presente, indubitavelmente a aplicação mais im ¬

portante da ciência do ambiente.


At é hoje, a boa planificação da utilização do solo apenas acontece depois do
homem ter primeiro danificado severamente a paisagem. É que, como disse Leopold:
o homem não parece capaz de perceber um sistema que não tenha sido por ele criado e,
portanto, parece ter necessidade de destruir parcialmente e de reconstruir, antes de se ¬

rem compreendidas as limita ções ao uso. Nos Hstados Unidos da Amé rica, por exem ¬

plo, o primeiro planeamento do uso da terra bem sucedido seguiu - se a uma época de
671

destrui ção generalizada do solo resultante de sistemas de monocultura mal concebidos


e de explora çã o do terreno que eram inapropriados para cultivos em linha . Da mis é ria
criada pela eros ã o dos solos e pelas bacias produtoras de poeira, nasceu o movimento
de conserva çã o do solo que no presente constitui um exemplo extraordin á rio de um
programa de conserva çã o, dado que envolve a coopera ção de gente do local, as suas
universidades estaduais e os respectivos governos estadual e federal. Foram criados
ao longo das fronteiras naturais distritos de conserva çã o do solo, como seja uma grande
bacia hidrográ fica, e o programa de planeamento do solo e de educa çã o passou para
a população local com a ajuda t é cnica de universidades, a que foram concedidas terras,
e de um departamento do governo federal ( o U. S . Soil Conservation Service) criado
por acçã o do Congresso. O sucesso do movimento de conserva çã o do solo como um
todo, e o alto prest ígio que goza junto do p blico, deve -se, em grau n ão pequeno,
à import â ncia dada ao todo, isto é, à granja no seu conjunto e a toda a bacia hidro ¬

gr áfica. No desenvolvimento do programa preparam-se mapas de uso do solo, como se


ilustra de uma maneira muito simplificada na Figura 15- 4. A classifica çã o do uso
é baseada em caracter í sticas ecol ógicas naturais, como sejam o solo, o declive e as
comunidades bi ó ticas naturais, e os oito tipos de terras, apresentados na Figura
15-4, são cuidadosamente atribu í dos a utiliza ções determinadas que podem ser man ¬
tidas sem perda de produtividade . Assim , os tipos I e II de terras compreendem
á reas planas com bons solos agr í colas que podem ser cultivados continuamente,
apenas com simples precau ções como a rota çã o de culturas e o cultivo por faixas,
ao passo que os tipos III e IV de solos ( declives mais rá pidos) requerem maiores
restri ções se cultivadas, por exemplo, pousios peri ódicos, culturas perenes ou pas ¬

tagens em rota çã o. Os tipos V a - VII n ã o sã o adequados ao cultivo e deverã o


ser utilizados para pastagens permanentes, culturas arb ó reas, ou mantidas no seu
estado natural ( para floresta desenvolvida naturalmente e vida silvestre, por exemplo ).
O tipo VIII ( inclina ções rá pidas, solo delgado ) apenas é produtivo, no seu estado
natural , como habitat de ca ça , animais produtores de peles , produtos florestais, ou
pelo seu valor de recreio como paisagem , protecçã o da bacia hidrogr á fica , ou outros
usos; estas ltimas utilizações são com frequ ê ncia mais importantes do que qual ¬
quer «cultura » que a terra possa produzir. Na maioria dos casos, os pauis e os pâ n ¬
tanos deverã o provavelmente ser, nos dias de hoje , classificados como terras do
tipo VIII , dado que o respectivo valor como reservas de água e habitats de vida
silvestre excede os que t ê m como terra de cultura recuperada, uma vez que o
aumento das produ ções pode agora ser obtido nas terras de cultura existentes.
Veja - se Graham ( 1944 ) para efeitos de uma revisã o sobre o planeamento do uso do
espa ç o rural .
N ã o obstante os sucessos do passado, a profiss ã o de conservador do solo
tendeu a « adormecer sobre os seus louros» e n ã o est á a acompanhar os tempos.
Por exemplo , est á agora a ser dedicado um demasiado esfor ç o para criar mais terra
672

de cultura, canalizando cursos de água, drenando pauis e pântanos, e assim por


diante , com grandes despesas p ú blicas, enquanto nada está a ser feito para salvar
da destruição por um desenvolvimento urbano mal planeado as excelentes terras
de cultura existentes. A prepara çã o de profissionais de ordenamento do solo nas
universidades estatais est á muito obsoleta e carece de uma considerável expans ão
e p ós-graduação, em termos de ciê ncia quantitativa, ciê ncia social , ecologia da po¬
luição e ecologia humana. Por outras palavras, o movimento de conservação do
solo, em particular , e a ciê ncia do ordenamento do solo, em geral , precisa ir mais
longe do que a sua orienta çã o actual, demasiado retringida à cultura agrícola, à
pastagem, ou à silvicultura, para considerar o complexo da paisagem urbana e rural ,
onde agora se colocam os problemas mais prementes ( ver E. P. Odum, 1969 a).
Como já se viu , o planeamento de utilização da terra para as áreas urbanas
é presentemente uma necessidade crítica; é a qualidade deteriorada do ambiente

Figura 15-4. Classificação do uso do solo. Ver texto para efeitos de explicaçã o. ( Fotografia do
U . S. Soil Conservation Service .)

urbano e suburbano, muito mais do que os campos de algod ão em processo de


erosão, que ameaçam o sistema social e econ ómico tomado no seu conjunto. Pre ¬
parar e executar bons planos de uso do solo é infinitamente mais dif í cil nas á reas
urbanas do que nas á reas cultivadas ou nas bacias hidrográficas rurais , por motivo
dos problemas humanos sociais envolvidos e, especialmente, dada a imensa diferen ça
em mat é ria de valor econ ó mico que agora se atribui a utilizaçõ es distintas . As á reas
de cultivo sã o geralmente avaliadas e compradas ou vendidas como um todo (com
todos os tipos de solos considerados como partes integrantes e valiosas) em contras-
673

te com a terra urbana , onde a propriedade comercial é avaliada por um valor mui ¬

tas vezes superior ao da terra do espa ço livre , mesmo que a prazo ambas sejam
igualmente importantes na manuten ção de uma cidade de qualidade. Assim sendo,
o planeamento bem sucedido do uso da terra urbana ( uma coisa que at é agora
n ão foi conseguida em parte alguma) requerer á bases legais , econ ó micas e pol í ticas
mais fortes do que as necessá rias para levar por diante as reformas relativas à
conservaçã o do solo.
O Quadro 15-3 põe em contraste as consequ ê ncias da utiliza çã o do solo,
planeada e n ã o planeada , numa á rea com 18 000 hectares, pr ó xima de uma grande
cidade do leste que tem no presente aproximadamente 20 000 pessoas, mas que est á
projectada para crescer at é à s 110 000 ou porventura para 150 000, por volta do ano

Quadro 15-3
Compara ção do Desenvolvimento N ão Planeado ( Incontrolado ) e Planeado
( Uso Ó ptimo do Solo ) de uma Á rea Urbano-Suburbana em R á pido Crescimento *

PROJEC ÇÀ O DA POPULAÇÃO
PARA O ANO 2000 : 110 000 HAB .

ANO DE 1970, Desenvolvimento Plano


POPULA ÇÃ O n ão Planeado para o
20 000 HAB . ( Incontrolado ) Uso Ó ptimo

Á rea desenvolvida 13 000 acres 38000 acres 30000 acres


Residencial 7 500 26 000 21300
Comercial 500 700 630
Industrial 70 300 70
Institucional 2 500 5 500 3 000
Estradas 2 500 5 500 5000
Espa ço Livre («á rea n ão desenvolvida » ) 32 000 7000 t 15000
Parques de eliminação de resíduos 0 0 1 000 tf
Parques de recreio 500 2 000 5 000
Agricultura e silvicultura 11500 0 2 000 §
Á reas naturais 20000 5000 7000 1!
Total de acres 45 000 45 000 45000
Percentagem de espaço livre 71 % 16 % 33 %

* Dados adaptados de um plano para a á rea urbana de Maryland preparado por Wallace - McHarg Associates,
2121 Walnut Street , Philadelphia, complementado com novos conceitos de planos de espa ç os livres , por
E . P. Odum .
t O desenvolvimento incontrolado previsto para uma densidade de popula çã o de 150000 reduziria o espaço
livre a zero!
tt Terrenos envolventes ou vizinhos das esta ções de esgotos industriais e municipais onde podem ser loca ¬
lizadas extensas lagoas de tratamento de resíduos, ou outros servi ços de redu ção da polui çã o, para efeitos
de tratamento terci á rio , eficiente e a baixo custo, de todos os res í duos.
§ Poderia incluir n ão s ó hortas mas també m quintas e florestas de demonstra çã o, como laborat ó rios did ácticos
para escolas e universidades.
II Incluindo todas as encostas declivosas, ravinas, áreas de inundação, pauis e lagos existentes em 1963, jun ¬
tamente com amostras das áreas de floresta madura e terras marginais para a agricultura existentes, recupe¬
radas para uso como á rea natural.

43
674

2000. Como se ilustra na coluna 3, o planeamento judicioso do desenvolvimento


residencial e outros pode preservar um ter ço da á rea como espa ço livre , incluindo
espa ço adequado para tratamentos terciários seminaturais n ã o dispendiosos e eficien ¬
tes, tanto para os res íduos industriais como dom é sticos, em lagoas e terraplanagens
bem planeadas localizadas num parque amplo, ao ar livre , com dispositivo de trata¬
mento de res í duos ( o conceito de parques com dispositivo de tratamento de res í ¬
duas será considerado mais detalhadamente no pr óximo cap í tulo). Como se ilustra
na Figura 15-5, um desenvolvimento planeado dessa natureza pode ser alcan çado
mediante (1) desenvolvimento em enxame de habitações residenciais à volta dos
centros das vilas ou cidades, com cada unidade separada por largas faixas verdes
e ( 2) mantendo os vales dos cursos de água, os declives rá pidos, os lagos, pauis
e á reas de recarga aqu í fera, e as á reas de tratamento de res í duos, livres de casas,
constru çõ es e ó utras utiliza ções de elevada densidade . Sem uma tal planifica ção,
poderia muito bem ocorrer que por volta do ano 2000 n ã o existisse qualquer es¬
pa ço livre , caso em que se teria o mesmo tipo de calamidade urbana , polui çã o
cr ó nica e desordem social que hoje se observa nas cidades mais velhas nã o planea ¬

das. Assim, as cidades planeadas sã o agora t ã o necessá rias como as á reas cultivadas
* planeadas, embora a projecçã o dos modelos, do Quadro 15- 3 e da Figura 15-5, para
1
o mundo real da economia haja de requerer alguma coisa de muito mais forte
do que os conceitos de zonagem dos dias de hoje , bem como um novo tipo de
planeador urbano que seja em parte ecologista e em parte tecnocrata. Os lucros a
curto prazo que se podem obter atrav é s da explora çã o da á rea urbana são t ã o
grandes que é dif í cil para as pessoas antever os reveses socioecol ógicos e os exces-
í sos que acompanham o crescimento n ã o controlado ( ver Cap í tulo 9, Secçã o 3).
A sociedade precisa de encontrar, rapidamente, um meio de aplicar os princ í pios
cibern é ticos à m áquina urbana.
Poder á acontecer perfeitamente que o Design with Nature ( McHarg , 1969)
possa vir a constituir o livro mais importante publicado nos anos 60 . Este belo volume
ilustrado mostra como a paisagem natural pode proporcionar as directrizes para o
desenvolvimento urbano de qualidade . Pela primeira vez, num nico livro, de leitura
fá cil , é apresentado um caso documentado de planeamento urbano total de uso do
solo, partindo do princ í pio de que o desenvolvimento incontrolado ( parafraseando
McFIarg ) , alastrando indiscriminadamente , oblitera a paisagem com congestiona ¬
mento e polui çã o e destr ó i irrevogavelmente tudo o que é belo e memor á vel , por
muito bem projectados que estejam os locais de habita çã o e as pr ó prias resid ê n ¬
cias individuais.
Voltando agora à totalidade da paisagem urbana e rural , é evidente que (1)
uma á rea natural de espa ço livre constitui uma parte necessá ria do ambiente total
do homem e ( 2 ) o planeamento do uso da terra pode constituir o meio mais
efectivo de evitar a sobrepopula çã o da pr ó pria esp é cie humana, proporcionando algo
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Figura 15-5. Um desenvolvimento urbano planeado para 110 000 pessoas, em 18 000 ha, que
preserva a qualidade ambiental, a beleza natural, e proporciona espa ç o amplo para recreio e controlo
da poluição. Urna grande parcela do «espa ço livre» ( áreas do diagrama nã o sombreadas) é preservada
( 1) mediante o desenvolvimento de agregados de constru çã o residencial (indicam- se duas densidades)
à volta dos centros, cidades e vilas ( cí rculos negros), separados por largas faixas verdes ou parques,
e (2) deixando livres os vales dos cursos de água, os lagos e áreas de valor paisagí stico. As unidades
industriais est ão situadas num parque muito grande de administração de resí duos (à direita no diagrama)
com espaço para unidades de tratamento de res í duos, lagoas de oxidação, aterros, e outros meios de
degradar, recuperar, conter, ou reciclar resí duos e água. (Reproduzido de Wallace, McHarg, Roberts
e Todd Associates bulletin «Plan for the Valleys», página 59, com adição do parque de administração
de resí duos.)

semelhante ao controlo «territorial» ( ver páginas 335-338), Aqui est á aquilo com que
se vão enfrentar os Estados Unidos da América no pr óximos 50 anos. Em 1970, a densi ¬

dade média da população dos E.U.A. ( e, de uma forma curiosa, també m do mundo) é
de uma pessoa por quatro hectares de á rea terrestre livre de gelo. Mesmo com a espe ¬

rada redução nos indices de natalidade a população dos E.U.A . duplicar á nos pr óximos
30 a 50 anos, deixando os americanos apenas com dois hectares para cada homem,
mulher ou crian ça. Embora seja apenas preciso um oitavo de hectare para produzir
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do solo — boa , m á e desacertada . A. Deficiente utiliza çã o agr í cola do solo ,
Figura 15-6. Utiliza çã o
traduzida por severa eros ã o, casas abandonadas e pobreza . ( Fotografia de U . S. Forest Service . ) B . Boa
utiliza çã o agr í cola do solo : cultura em faixas de milho e forragem , em terra de tipo II ( ver Figura 15- 4 ).
( USDA - Soil Conservation Service . )
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Figura 15-6 . C. Destrui çã o e desperd ício desnecessá rios numa operaçã o de exploraçã o de madeira.
( Fotografia do Soil Conservation Service. ) D. As á rvores do andar inferior , os arbustos, o solo, a beleza
natural e a capacidade de reten çã o de água preservadas ap ós uma opera çã o de extracçã o bem conduzida .
( Fotografia do U. S. Forest Service . )
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Figura 15-6. E. Bermas de estrada semeadas segundo esquema bem concebido de uma comu ¬
nidade «semi- natural» de duas espé cies de gram í nea e uma de trevo, que apenas requere fertiliza çã o
e manuten ção moderadas. ( USDA - Soil Conservation Service.) F. Reabilitação de caminhos de extracção
de madeira e trilhos de arrasto com uma mistura de trevo-gram í nea semelhante à ilustrada em E ; as
vias de extracçã o n ã o protegidas contribuem frequentemente para a maior parte da eros ã o que ocorre
ap ó s a remo ção de madeira. ( Fotografia do U. S. Forest Service .)
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Figura 15-6 . G . Rearboriza çã o dc uma á rea de anliga mina a descoberto neste caso um processo
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lento e dif í cil porque o solo n ã o foi recuperado antes da planta çã o das á rvores; muitos estados obrigam
presentemente os mineiros a recuperar e a plantar logo ap ós a extracçã o , ( Fotografia do U . S. Forest
Service. ) H . Drenagem á cida n ão controlada de uma mina de carv ã o, um problema comum e geralmente
negligenciado nas regi ões de minas de carv ã o. ( Fotografia do U . S. Forest Service . )
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Figura 15-6 . 1. Canaliza çã o de um curso de água para drenar terras h ú midas e conduzir as águas
das tempestades mais rapidamente , embora com o risco de baixar a toalha fre á tica , de reduzir a ca ça
e a pesca , e de sedimenta çã o e inunda çã o para jusante , ao longo do curso. ( Fotografia de Georgia Game
and Fish Commission . ) /. Curso de á gua natural com leito de inunda çã o protegido por vegeta çã o , asse ¬
gurando uma alta qualidade da água para jusante sem qualquer encargo para os contribuintes da regi ã o.
( Fotografia da Georgia Game and Fish Commission . )
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Figura 15-6. K . Albufeira de uma barragem com uma bacia de alimenta çã o n ã o protegida , com ¬
pletamente assoreada em menos de seis anos. ( Fotografia do U. S. Forest Service .) L. Imperdo á vel ( se n ão
mesmo criminosa) negligê ncia pelas condi çõ es do ambiente na constru ção de um complexo industrial.
( USDA - Soil Conservation Service.)
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F/gwra / 5-6. A/. Desenvolvimento urbano sem plano nem controlo, que se estende sem atender
à protecção do curso de água, da terra inundável e do solo, à defesa contra a poluição, às cortinas verdes,
ao recreio, ou à beleza natural ( para um desenvolvimento urbano planeado mantendo valores naturais
e culturais ( ver Figura 15-5). (USDA - Soil Conservation Service.) N. Desenvolvimento indesej ável de
habitações num estuário, que, não só destr ói áreas e viveiros de alimento marinho, como é vulne ¬

r á vel a frequentes danos por acçã o de tempestades ( ver també m Figura 13 -6). (U. S. Fish and Wildlife
Service.)
683

as calorias suficientes para sustentar uma pessoa, o tipo da qualidade da dieta que se
pretende uma dieta que inclua bastante carne , fruta , e legumes implica uns
0,6 hectares por pessoa. É necessá rio, para al é m disso, uma á rea de 0,4 hectares por
pessoa para a produ çã o de fibras ( papel , madeira algod ã o ) e uma á rea complementar
,

de 0,2 hectares para estradas, aeroportos, constru ções, e outros habitais inteiramente
artificiais . Assim sendo apenas ficariam 0,8 hectares, por pessoa , para todos os restantes
usos diversos que fazem do homem algo mais do que uma « m á quina org â nica ».
Aquilo que com frequ ê ncia se n ã o imagina é que uma na çã o pr óspera requer mais
espa ço e recursos por pessoa do que uma na çã o subdesenvolvida , pelo que as den ¬

sidades, tanto ó ptima como de satura çã o, se situam a um n í vel muito baixo . Veja - se
E . P. Odum ( 1970 ) para efeitos de uma an á lise adicional deste m é todo « per capita »
para determina çã o da densidade ó ptima da popula çã o humana.
Pode -se agora apostar fortemente na afirma çã o de que um adequado espa ço
vital livre de polui çã o, e n ã o o alimento, será a chave para determinar a densidade
ó ptima para o homem . Por outras palavras, a dimensã o e a qualidade do « ecos »
ou « casa ambiental » deverá constituir a condi çã o limitante , e n ã o o n mero de calorias
que é poss í vel extorquir implacavelmente da terra . O Globo pode alimentar mais
«corpos quentes» mantidos em lotes alimentados em condi ções polu í das , como acon ¬

tece com tantos animais dom é sticos, do que pode suportar seres humanos de qualidade
que tenham direito a um ambiente livre de polui çã o, uma oportunidade razoá vel
de liberdade individual e uma diversidade de opções para a busca de felicidade .
Um objectivo razoá vel consiste em assegurar que pelo menos uma ter ça parte de
toda a á rea terrestre permane ça no estado de espa ço livre protector . Isto significa que
uma tal por çã o do ambiente total deverá manter-se como patrim ó nio nacional, esta ¬
tal ou municipal , como parques, ref gios, cinturas verdes, á reas silvestres, e assim
por diante, ou caso seja de propriedade privada , dever á ser protegido por condiciona ¬
mentos paisag í sticos , zonagem e outros instrumentos legais concretos . A depend ê n ¬
cia em que se encontra a cidade do espa ço rural , para todos os seus recursos vitais
( alimento, água , ar , e assim por diante ) e a depend ê ncia do campo relativamente à
cidade quanto a recursos econ ó micos devem tornar -se de tal modo reconhecidos que
a actual pol í tica de confronta çã o que existe entre as popula çõ es rurais e urbanas seja
removida . De algum modo, a ecologia e a economia h ã o- de fundir-se ( como foi des ¬
tacado na página 58, estas duas palavras são derivadas de uma raiz comum ). Antes
que possa ocorrer uma integra çã o urbano- rural bem sucedida é necessá rio que tenha
lugar uma evolu çã o para algo semelhante à quilo que Boulding ( 1966 ) chamou a
« economia da nave espacial »; entretanto, os planeadores urbanos e rurais ter ã o de
fazer o melhor que puderem com os seus projectos separados.
As Figuras 15- 6 A a N põem em contraste o bom e o mau uso do solo;
estas fotografias contam as suas pr ó prias hist ó rias.
685

Capítulo 16 - POLUIÇÃO E SA ÚDE AMBIENTAL

A polui çã o consiste numa altera çã o indesejá vel nas caracter í sticas f í sicas, qu í micas
ou biol ógicas do ar, do solo e da água que podem afectar, ou afectar ã o, prejudicialmente
a vida do homem ou a de espé cies desejá veis, os nossos processos industriais, condi ções
de vida e patrim ó nio cultural ; ou que pode , ou poderá , malbaratar ou deteriorar os nossos
recursos em mat é rias- primas. Os poluentes sã o res íduos de coisas que o homem faz, utiliza
e deita fora. A polui çã o aumenta n ã o apenas porque o espa ço dispon í vel por pessoa se torna
mais pequeno à medida que os seres humanos se multiplicam , mas també m porque o uso
por pessoa cresce continuamente , determinando o aumento ano a ano daquilo que cada
um deita fora . À medida que a Terra vai ficando mais povoada, deixa de haver uma «fuga».
O caixote do lixo de uma pessoa é o espaç o vital de outra. ( *)

( Aos poluentes de «desperd í cio» é preciso adicionar os poluentes que cons ¬


tituem os subprodutos inevit á veis do transporte , da ind stria e da agricultura ;
à medida que estas actividades humanas se expandem , o mesmo acontece com
a polui çã o. )
J á se tem insistido com ê nfase na afirma çã o de que a polui çã o é presente ¬

mente o factor limitante mais importante para o homem ( ver especialmente pági ¬

nas 54, 647 e 683). Os esfor ços que seria presentemente necessá rio desenvolver
para reduzir e prevenir a polui çã o poderiam bem proporcionar o retrocontrolo ne ¬
gativo que impedisse o homem de saquear completamente os recursos do planeta,
destruindo-se consequentemente a ele pr ó prio. No mundo profundamente dividido
do homem , o problema apenas difere quanto a um aspecto : nas na çõ es subdesenvol ¬

vidas ( 70 por cento da popula çã o humana mundial ) a escassez de alimento dispo¬


n í vel e de recursos encontra-se associada à polui ção cró nica e a doen ças provocadas

(*) Da Introdu çã o a «Waste Management and Control », um relat ó rio do Contmiuee on Pollution ,
National Acadenty of Sciences, 1966.
686

pelos res í duos do homem e dos animais, ao passo que nas na çõ es ricas ou desen ¬
volvidas (30 por cento da popula ção humana mundial) a poluição qu í mica agro-
- industrial é presentemente mais grave do que a poluição orgâ nica. Al é m disso, a
polui çã o global do ar e da água , proveniente fundamentalmente dos pa íses desen ¬
volvidos, amea ça toda a gente ( ver Singer, 1969). Nos diversos cap í tulos da Parte 1
deste texto, foi assinalada a import â ncia dos princ í pios ecol ógicos no que respeita
tanto à s causas como à resolu çã o de problemas de polui çã o espec í ficos. Uma vez
que para lutar contra a polui çã o, tanto à escala global como local , é necessá rio
recorrer ao m étodo ecossistem á tico ou hol ístico, tentar- se-á facultar neste cap í tulo
uma visão de conjunto, seguida por um sum á rio breve de vá rias das á reas de polui ção
que est ã o a atrair aten çã o muito generalizada do p blico. As reformas e as solu ções
nestas á reas especialmente cr í ticas poder ã o indicar o caminho para a solu çã o total.
Os melhores livros de texto sobre polui çã o s ão os diversos relat ó rios prepa ¬

rados pela National Academy of Sciences ou pelo Presidenfs Science Advisory


Committee, por exemplo, o relat ó rio Tukey ( 1965) « Restoring the Quality of Our
Environment » , o relat ó rio Spilhaus ( 1966 ) «Waste Management and Control », o rela ¬
t ó rio Daddario ( 1966 ) « Environmental Pollution » e o relat ó rio Miller ( 1967 ) « Applied
Science and Technological Progress»; Estes e outros relat ó rios, que sem qualquer
d vida serã o futuramente publicados, podem obter - se a custo muito moderado atra ¬
v é s do «Superintendent of Documents, National Academy of Sciences, Washington ,
D. C.». Benarde ( 1970 ) proporcionou um breve resumo em edi çã o de « livro de
bolso» dos diversos tipos de polui çã o e respectiva redu çã o. Hynes ( 1960 ), Hawkes
( 1963 ) e Warren ( 1971 ) proporcionaram introdu çõ es ao estudo da polui çã o da á gua .
Nas secções seguintes ser ã o destacadas outras refer ê ncias.

1 . O CUSTO DA POLUI ÇÃO

O custo da polui çã o mede - se de tr ê s maneiras, todas elas se adicionando


para real çar a exist ê ncia de uma carga terr í vel e crescentemente intoler á vel para a
sociedade humana: ( 1 ) A perda de recursos atrav é s de uma explora çã o esbanjadora
desnecessá ria , dado que , tal como foca o relat ó rio da National Academy , a « polui çã o
é muitas vezes um recurso fora de s í tio» . ( 2 ) O custo da redu çã o e do controlo da
polui çã o, de que se ilustra na Figura 16- 1 A a projecçã o de um exemplo ; observe-se
que enquanto o tratamento dos esgotos e dos res í duos s ó lidos ( lixo ) é no presente o
mais dispendioso, a projecçã o do custo da redu çã o dos res í duos muito mais t óxicos,
provenientes dos ve í culos a motor e da produ çã o de energia , aponta para um au ¬

mento de 100 vezes nos pr ó ximos 30 anos ( para a hipó tese da continua çã o do tipo
de crescimento urbano n ã o controlado examinado na Secçã o 8 do cap í tulo anterior ).
( 3 ) O custo em sa ú de humana. O reconhecimento deste aspecto do custo da polui çã o
687

200 r
T

2000
100
TB
1000
r O
Esgotos O
y 500
O Neoplasmas
O 120
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1960 1970 1980 1990 2000
A B 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960

-
Figura 16 1. O custo da poluiçã o. A . Projecçã o do custo para o consumidor , em milh õ es de
d ó lares, do controlo dos poluentes prim ários na Bacia do Rio Delaware . Observe-se que os esgotos e os
res í duos s ólidos absorveram a parte principal dos impostos em 1970, mas pelo ano 2000 o custo do
controlo da polui çã o devida ao desenvolvimento industrial dos ve í culos a motor e à produ ção de energia
terá aumentado de 10 a 100 vezes, a menos que a futura expansã o seja planeada e controlada . ( Gr á fico
preparado com dados do «Waste Management and Control », National Academy of Sciences, ver
Spilhaus, 1966. ) B. O decl í nio impressionante na mortalidade provocada por doen ças infecciosas ( tuber ¬
culose , febre tifoide e difteria) , acompanhada pela subida, igualmente impressionante , na mortalidade
por doen ças malignas que se sup õ em relacionadas com a polui çã o. ( Dados de R . D. Grove e A. M . Hetzel:
«Vital Statistics rates in the United States, 1940-1960». National Center for Health Statistics, PHS
Publ . n .° 1677.)

contribuirá, provavelmente, para alarmar o homem , ego í sta e egocê ntrico, quanto ao
perigo crescente , mais do que qualquer outro tipo de custos, escamoteados ali á s
com demasiada facilidade pelos cá lculos de «custos- benef í cios» a curto prazo feitos
a n í vel local. A Figura 16-15 constitui um modelo dramá tico do que est á a acontecer
no sector da sa úde p blica nos Estados Unidos da Amé rica do Norte. À medida
que a mortalidade humana por doenças infecciosas apresenta um declínio abrupto, a
mortalidade e as enfermidades provenientes de doen ças respirat órias e o cancro,
relacionados com o ambiente, t ê m mostrado um progresso igualmente s ú bito. Num
estudo recente sobre o custo da poluiçã o na sa ú de humana, Lave e Seskin (1970)
avaliaram que uma redu çã o de 50 por cento na poluiçã o do ar em á reas urbanas
poderá poupar anualmente , s ó por si, dois bili ões de d ólares no custo acumulado de
688

cuidados m é dicos e de horas de trabalho perdidas por doen ça, n ão incluindo o


« custo» da mis é ria humana e da morte ou invalidez provocadas por acidentes de
autom ó vel e industriais. Estes autores documentam uma forte rela ção entre todas
as doen ças respirat órias e a polui ção do ar; vão mesmo ao ponto de admitir que
h á um elevado grau de prova , relacionando toda a mortalidade pelo cancro com a
polui çã o. A medida que as press ões ambientais sobre o corpo humano aumentam ,
muitos cientistas da á rea da medicina temem um « boomerang » nas doen ças infeccio-
sas, n ão só por motivo de uma redu ção na resist ê ncia do corpo, mas també m
porque viroses ( ligadas com o cancro na opinião de muitos) e outros organismos
patog é nicos se introduzir ã o cada vez mais atrav é s das instala ções de tratamento
de água e de processamento de alimentos, à medida que , à entrada, a qualidade da
água e dos alimentos se vai deteriorando. Tanto o tratamento da água como o trata¬
mento dos res í duos (at é agora considerados como problemas separados) deverão ser
hoje reunidos num sistema de « reciclagem », como será examinado na Secçã o 3
( ver també m página 133). J á se destacaram as consequ ê ncias da aglomera çã o sobre a
conduta e a quebra na estrutura social que acompanha qualquer decl ínio na quali ¬

dade do ambiente ( ver página 402). Maurice Visscher (1967) declara, num outro
relat ó rio da National Academy, que a sa de mental é hoje provavelmente a causa
principal da morbidez e da incapacidade humanas.

2. OS TIPOS DE POLUIÇÃO

Classificar a poluição pode ser t ão dif í cil e confuso como classificar os lagos
ou outros fen ó menos naturais ( ver Cap í tulo 11, página 500). As classificações de
acordo com o ambiente (ar, água, solo, etc.) e os poluentes ( chumbo, di óxido de
carbono, desperd í cios sólidos, etc.) são, naturalmente , m étodos largamente utilizados.
Podem ser escritos, e sê -lo-ã o, extensos livros sobre cada um destes componentes.
Por é m, de um ponto de vista da totalidade da redu çã o da polui ção ( isto é, de um
ponto de vista de ecossistema) é importante que se reconhe çam primeiro dois tipos
básicos de polui çã o.
Em primeiro lugar , est ão os poluentes não degrad á veis , os materiais e os vene¬
nos que ou n ã o se degradam ou apenas o fazem muito lentamente no ambiente
natural, como, por exemplo, as embalagens de alum í nio, os sais de mercú rio, as
subst â ncias qu í micas fen ólicas de cadeia longa e o DDT por outras palavras,
subst â ncias relativamente à s quais n ã o se desenvolveram processos de tratamento
natural que possam compensar a intensidade com que o homem as faz entrar no
ecossistema . Tais poluentes n ão degrad á veis n ão s ó se acumulam como també m
sã o com frequ ê ncia « biologicamente amplificados » , à medida que se deslocam nos
ciclos biogeoqu í micos e ao longo das cadeias alimentares ( ver páginall 2 para efeitos
689

de explica çã o do conceito de «amplificaçã o biológica»). Tamb é m se combinam fre ¬


quentemente no ambiente com outros compostos, com produ çã o de toxinas adi ¬

cionais. Para este tipo de poluentes, o nico «anulamento» poss í vel consiste na sua
remoçã o ou extracção do sistema ambiental que suporta a vida . Se bem que isto
seja possí vel numa çiave espacial tempor á ria, pequena ( ver Capí tulo 20) , a elimina çã o
de muitos desses poluentes da biosfera seria virtualmente impossí vel ( como seria
possí vel anular o chumbo do ar que se respira obrigando 2 mil milh ões de indiv í duos
a usar má scaras anti-gá s ?). A solu çã o ó bvia e razoá vel (embora seja mais fá cil
de definir do que de aplicar ) consiste em proibir o lan çamento de tais mat é rias
no ambiente geral (ou pelo menos controlar a intensidade da entrada, com o objec-
tivo de evitar a acumula çã o t óxica) , ou em suspender completamente a produ ção
dessas subst â ncias ( isto é, encontrar substitutos mais degrad á veis ).
Em segundo lugar, est ão os poluentes biodegradá veis, como por exemplo o
esgoto dom é stico, que podem ser rapidamente decompostos por processos naturais
ou em sistemas de engenharia (como por exemplo uma esta ção municipal de trata ¬

mento de esgotos) que refor çam a grande capacidade da natureza para decompor
e reciclar. Por outras palavras, esta categoria inclui aquelas subst â ncias para as quais
existem mecanismos naturais de tratamento de res í duos. O calor , ou a polui çã o
t é rmica, pode ser considerado nesta categoria, uma vez que é disperso por meios
naturais, pelo menos dentro dos limites impostos pelo equilí brio cal ó rico total da
biosfera ( ver Cap í tulo 3, Secçã o 1).
Surgem problemas com a polui çã o de tipo degrad á vel quando a entrada no
ambiente excede a capacidade de decomposição ou de dispersã o. Os problemas
correntes dos esgotos urbanos prov ê m , fundamentalmente , do facto das cidades
terem crescido mais depressa do que os dispositivos de tratamento. Ao contr á rio
da polui çã o por materiais t óxicos n ã o degrad á veis, a polui çã o por degrad á veis é tecni ¬
camente suscept í vel de solu ção por uma combina ção de tratamentos mecâ nicos e bio ¬

l ógicos em esta ções seminaturais de tratamento, ou depura ção, de residuos (este con ¬
ceito será desenvolvido na Secçã o 4 ). Uma vez mais, h á limites para o quantitativo
total de mat é ria org â nica que pode ser decomposta numa dada á rea, e um limite
global para o montante de C02 libertado para a atmosfera ( ver páginas 49 e 152).
Caso se pretenda evitar exceder os limites totais da biosfera , teremos de preservar
por pessoa qualquer coisa como 1,5 a 2 hectares de espaço terrestre e de água doce
biologicamente produtivos ( mais os oceanos) , como se adiantou na Secçã o 8 do
cap í tulo anterior.
O contraste entre os efeitos dos dois tipos bá sicos de polui çã o sobre a
energ é tica dos sistemas encontra-se ilustrado no modelo gr áfico constante da Fi ¬
gura 16-2. Os poluentes degrad á veis que facultam energia ( mat é ria org â nica) ou
nutrientes ( fosfatos, carbonatos, etc. ) aumentarã o a produtividade do ecossistema
por proporcionarem um subs ídio ( ver páginas 68 e 467) quando a intensidade de
690

entrada é moderada (gr áfico superior, Figura 16- 2). A intensidades elevadas de
entrada atinge-se um intervalo cr ítico que é frequente mente caracterizado por osci ¬

lações severas ( por exemplo, o «auge » e o «decl í nio» das produ ções algais). Para
cima deste n í vel, as entradas convertem-se em pressão, e o sistema fica essencial¬
mente envenenado com « uma quantidade excessiva de uma coisa boa». A rapidez com
que uma situa çã o n ã o controlada se pode alterar de boa para m á contribui para a
dificuldade de reconhecer a poluição e sobre ela actuar ( o que significa dizer que a
curva convexa da taxa tende a apresentar um á pice muito pronunciado ). At é que
ponto este modelo é aplicá vel ( deverá substituir- se « população» por « polui ção»)
será quest ã o a considerar no Capí tulo 21. Como se ilustra no gráfico inferior da
Figura 16-2, os materiais t óxicos pressionam desde o princí pio; diminuem a pro¬
dutividade de uma forma crescente à medida que aumenta a quantidade, se bem
que també m neste caso o efeito possa ser difícil de detectar a n í veis baixos ou
cr ónicos.
A ENERGÉTICA DA POLUIÇÃO

A ENTRADA ACTUA INTERVALO | A ENTRADA CONVERTE-SE


COMO UM SUBSÍ DIO CR ÍTICO- SÃO EM DRENAGEM DE ENERGIA
DE ENERGIA PROV Á VEIS OSCI- OU TENSÃO
LACÕES PERIGOSAS

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ENTRADA DE ENERGIA ou NUTRIENTES UTILIZ Á VEIS

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N Í VEL LETAL
O
ENTRADA DE MATERIAIS TÓ XICOS
->
Figura 16-2. Modelo esquem ático dos efeitos dos dois tipos de polui ção orgâ nica degrad á vel
( grá fico superior) e t óxica n ã o degrad ável (gr áfico inferior). Ver explicação no texto .
691

3. AS FASES DO TRATAMENTO DE RESÍDUOS

É costume considerar o tratamento de resí duos degrad áveis em trê s fases:


( 1) tratamento primário, uma crivagem mecâ nica e sedimenta ção de sólidos ( que
são queimados ou enterrados); (2) tratamento secund ário, uma redu ção biológica da
mat é ria orgâ nica; e ( 3) tratamento terciário ou avançado, a remoção qu í mica de fos-
fatos, nitratos, materiais org â nicos e outros. O processo completo de tratamento
em trê s fases dos efluentes lí quidos encontra-se ilustrado na Figura 16-3. Como já
se referiu ( ver página 41), o tratamento secund ário é levado a cabo por um sistema
de engenharia biol ógicá em que os microrganismos decompõem a mat é ria org â nica,
à semelhan ça do que ocorre naturalmente nos solos e nos sedimentos. O dispositivo
mais comum é cr de lamas activadas, que requer bombas el é ctricas ou outra forma
de energia para o arejamento e a circula çã o do material. Outro sistema é o do «Fil ¬
tro biológico» em que o efluente proveniente do tratamento primá rio corre por
gravidade sobre cascalho ou suportes modulares pl á sticos que criam uma superf í cie
arejada semelhante aos r á pidos num curso de água natural. O papel dos invertebrados
que se alimentam de detritos nos sistemas de decomposi çã o microbiana foi discutido
na página 45. O estudo de uma instalação de tratamento secund á rio faculta um exer¬
cí cio excelente ( e muito revelador) para uma aula de ecologia. Veja-se Hawkes
( 1963) para guia da ecologia do tratamento secund á rio.
Recentemente, t ê m sido combinados os tratamentos primá rio e secund á rio em
instalações moduladas compactas, que sã o especialmente favor á veis para as urbani ¬
zações suburbanas e pequenas cidades. Dever á recordar -se que condensar o tratamento
num espaço mais pequeno requer um aumento de entrada de energia em termos
de pot ê ncia, e tamb é m uma manuten ção mais sofisticada em termos do pessoal
que opera com a maquinaria e a repara; qualquer falha representa uma injecçã o
instant â nea de esgoto bruto no ambiente. Isto ilustra outra vez, naturalmente, o
princí pio de que o aumento de complexidade e de efici ê ncia na utiliza çã o do espa ço
implica um aumento de gasto energ é tico para « bombear a desordem » ( ver página 56).
Em termos de custos de constru ção e de manuten ção, os sistemas mais
baratos são lagoas de oxidação ou de estabilização de desperd í cios, massas pouco
profundas de água ( de 1,2 a 1,5 metros de profundidade) constru í das de tal forma
que exponham ao ar uma á rea de superf í cie m áxima. Os resí duos sã o bombeados
para o fundo da lagoa, e as algas, que crescem vigorosamente na zona superior
iluminada, proporcionam o arejamento. Tais lagoas operam como sistemas aer ó-
bios-anaer ó bios, à semelhan ça do que acontece nas lagoas naturalmente fé rteis ( ver
Figura 12-13). A utiliza çã o de um dispositivo seminatural deste tipo requer uma
por çã o consider á vel de espaço cerca de 1 hectare para o tratamento dos resí duos
das habita ções de 250 pessoas e uma manuten ção adequada. Naturalmente, a
adopçã o de dispositivos para arejamento mecâ nico pode aumentar a capacidade de
vo
ho

TRATAMENTO PRIM Á RIO SECUND Á RIO AVAN ÇADO


(Terci á rio ) Eliminação do azoto
Torre de separação do
Eliminação do fosfato amon í aco - «Stripping»
Á guas i I
Mistura Lagoa de
«pita r á pida
Floculação Sedimenta çã
recarbonata çã o
Residuais
Remoção
de ó leos e Sobrenadante
Lamas qu í micas
gorduras
Lamas I
HMMSH activadas mz Clarificação
( sedimenta ção )
jsf ( arejamento ) concentradas
r | Recirculaçã o Tanque de
Espessamento Forno
decantaçã o Leito de
de lamas
se acao
Lamas
Lamas ,
Incineraçã o Incineração Recupera çã o de cal Elimina çã o
prim á ria? de lamas
(biol ógicas ) K de lamas complementar
secund árias de fosfato e
i
Elimina çã o Ehmina çao clarifica çã o
de cinzas de cinzas
do carv ão

Figura 16-3. As tr ê s fases de tratamento de esgotos e despejos orgâ nicos similares, em 1970. Muitas á reas metropolitanas e peque ¬

nas cidades t ê m ainda de completar as condi ções para o tratamento prim ário, embora a maior parte tenha planos para terminar o tratamento
secund ário nos pr óximos anos. O tratamento terciá rio ter á de seguir- se o mais rapidamente poss í vel, ou as cidades ficarão afogadas nos seus
pró prios resíduos, arruinar ão a qualidade da zona rural , ou ambas as coisas.
693

tratamento por unidade de superf í cie . As lagoas de estabiliza ção são hoje largamente
utilizadas para o tratamento dos esgotos dos aglomerados suburbanos, especialmente
nos climas mais quentes, sendo igualmente eficientes no tratamento parcial dos
esgotos industriais das fá bricas de papel ou de t ê xteis , das instala ções das unidades
de prepara çã o de alimentos , de refinarias de petr ó leo, e assim por diante . Sem qual ¬
quer d vida, estas lagoas ser ão futuramente mais utilizadas para tratamento dos
efluentes provenientes dos locais de cria çã o de animais dom é sticos, dos avi á rios,
e dos est á bulos; hoje, esses res í duos animais n ão sã o em grande parte tratados
e est ão a produzir uma grave polui ção dos cursos de água ( relembre-se que existem
no planeta cerca de 5 vezes mais animais domé sticos do que pessoas, em «equiva ¬
lentes»; ver pá gina 84 ). Dever á destacar-se que a lagoa de estabiliza çã o é na realidade
um sistema de «conversão», e n ã o um sistema completo de tratamento; a mat é ria
orgâ nica insalubre é convertida em mat é ria algal saud á vel e em nutrientes que sã o
exportados para o ambiente natural, onde deve haver uma capacidade de espa ço
e cadeias alimentares apropriadas para os manusear. Explorar as algas para alimento
dos animais ou utilizar os efluentes da lagoa para a agricultura, irriga çã o ou outros
objectivos teis sã o possibilidades ó bvias que carecem de mais investiga çã o.
O efluente proveniente mesmo de um tratamento secund á rio relativamente
completo ainda é , naturalmente, muito poluente cm termos de eutrofica çã o ( ver pá ¬
gina 169) c é impr ó prio para utiliza çã o humana directa. Ao passo que a tecnologia
do tratamento secund á rio est á avan çada, o caso é que o tratamento terciá rio ainda
se encontra em grande parte numa fase de instala çã o experimental . A maior parte
das cidades ainda est ã o a travar uma batalha perdida para proporcionar um trata ¬

mento secund á rio adequado, quando deveriam avan çar para a reciclagem completa
do tratamento terciá rio. Milhares de pequenas cidades e á reas suburbanas n ã o dis ¬
põem de quaisquer servi ços de tratamento, ou apenas dispõem do tratamento pri ¬
má rio incipiente. Como ficou atrá s assinalado, a agricultura industrializada raramente
trata qualquer dos res íduos a que d á origem ( ver Brady, 1967, para efeitos de um
resumo sobre a poluição agr í cola). Espera-se que a natureza efectue o tratamento ter ¬
ci ário, o que pode fazer de uma forma muito efectiva , caso se lhe conceda para
tanto , espa ço suficiente ; os problemas come çam quando todas as á reas de «trata ¬
mento natural» se tornam espaço vital do homem, ocupadas pelo desenvolvimento
adicional, urbano, agr í cola e industrial, produtor de res í duos. Ent ão o homem deve
voltar-se para o tratamento terciá rio artificial , várias vezes mais dispendioso do que
o tratamento secund á rio convencional. Stephens e Weinberger ( 1968) apresentaram
uma estimativa do custo relativo das diferentes fases de tratamento de águas resi ¬
duais com se segue :

Tratamento prim á rio . . $ 0,08 a 0,13 por 10000 litros


Tratamento secund á rio $ 0,21 a 0,29 por 10000 litros
694

Tratamento terci á rio para remoçã o de


nutrientes $ 0,45 a 0,61 por 10 000 litros
Tratamento terci á rio para produ çã o de
água pot á vel $0 ,79 a 1 ,32 por 10000 litros

As cifras mais baixas referem-se ao custo para grandes instala ções que tratam uns
400 milh ões de litros por dia. O custo em capital de uma instala ção desta natureza
para o tratamento terciá rio completo é da ordem dos 25 milh ões de d ólares, em
comparaçã o com os 20 milh ões para a relativa ao tratamento secund á rio e os
10 milh ões no caso do tratamento prim á rio. A produ çã o de água pot á vel pelo tra ¬
tamento terciá rio ( reciclagem completa) é mais barata do que a dessaliniza ção ( cujo
custo se avalia presentemente em pelo menos um quarto de d ólar por nT), e poderá
em breve ser mais barata do que o transporte canalizado de água proveniente de
mananciais distantes. A qualidade da água reciclada poder á tamb é m ser melhor do
que aquela que actualmente bebem milh õ es de habitantes de aglomerados urbanos.

Nas á reas com menor densidade de popula ção verifica-se um interesse cres ¬
cente na utilizaçã o tanto de ecossistemas terrestres como aqu á ticos para efectuar o
tratamento terciá rio . Isto é l ógico, dado que a superf í cie dos ambientes terrestres
é muitas vezes maior do que a dos ambientes de água doce. As experiê ncias em
que se irrigam, por meio de um sistema de rega por aspersã o, áreas de terreno
com águas residuais provenientes das instalações de tratamento secundá rio indicam
que, na parte oriental dos Estados Unidos da Am é rica, ser á poss í vel adicionar à
queda pluviom é trica normal at é uns cinco cent í metros de água por semana, sem
alterar a qualidade da água do solo ( ver Parizek et al., 1967; Kardos, 1967; Sopper ,
1968; Bouwer, 1968). Isto é , os fosfatos, nitratos e outros nutrientes adicionados a
este ritmo foram filtrados pela camada vegeta çã o-solo. O crescimento das culturas,
das pastagens e das planta ções florestais jovens també m foi refor çado por esta «irri ¬
gaçã o por aspersã o» com nutrientes provenientes de efluentes. Como é ó bvio, um
«filtro» terrestre desta natureza tem uma capacidade a longo prazo maior, caso haja
uma remoção de nutrientes por exploração atrav é s de culturas ou do pastoreio.
A experiê ncia passada com todos os tipos de regadio adverte , por é m, que ocorrerá
uma gradual acumulação de nutrientes ou sais em presen ça de elevados ritmos de
abastecimento. As experiê ncias correntes dever ã o provavelmente continuar , por
muitos mais anos, antes que possa ser determinada a verdadeira capacidade de trata¬
mento terciá rio de diferentes tipos de bacias de alimenta ção terrestres. Entretanto,
seria prudente actuar segundo o princ í pio de que a entrada ó ptima será menor do
que a entrada máxima que parece ser tolerá vel numa experiê ncia de 3 a 5 anos ( ver
página 118 para efeitos de aná lise do princ í pio da optimizaçã o).
695

4. ESTRATÉGIA DO ORDENAMENTO E DO CONTROLO DOS RESÍ DUOS

Ao tratar com materiais residuais, o homem tem tr ê s opções b á sicas: ( 1) lan -


çá-los sem tratamento no ambiente apropriado mais pr óximo, seja o ar , um rio,
um lago, o solo, um poço ou o oceano; ( 2 ) deposit á- los e trat á- los num parque de
tratamento de res í duos onde ecossistemas seminaturais constru í dos, como por exemplo
lagoas de oxida çã o, florestas irrigadas por aspersã o ou aterros sanit á rios fazem a maior
parte do trabalho de decomposi çã o e de reciclagem ; (3) trat á - los em sistemas arti ¬

ficiais de regenera ção qu í mico- mecâ nica.


A primeira op çã o baseia-se no princí pio de que «a dilui çã o é a solu çã o para
a polui ção» ; foi e ainda continua a ser o principal processo de eliminar os res í duos,
utilizado quase por toda a parte . Assim , as ind strias e as cidades tenderam a con ¬
centrar -se ao longo das linhas de água , que proporcionam esgotos gratuitos. Esta
opçã o n ã o é , obviamente , sustent á vel por mais tempo, sendo necess á rio p ô- la de
parte t ã o depressa quanto poss í vel , custe o que custar.
A segunda opçã o proporciona o m é todo mais econ ó mico de evitar a polui çã o
ambiental geral , pelo volume relativamente dilu í do, embora grande , de res í duos
que presentemente reduzem de uma forma t ã o desfavorá vel a qualidade do espa ço
vital do homem e põ em em risco a sa de . Deixar de lado grandes á reas para o
tratamento seminatural dos residuos significaria tamb é m preservar um espa ço livre
valioso que , para al é m de proteger a qualidade do ambiente em geral , proporciona
ainda outras utiliza çõ es ( produ çã o de alimento e fibras, trocas de gases atmos ¬

f é ricos , recreio , e assim por diante ). Um parque ou esta ção de depura ção de res í duos,
inclu í do numa á rea urbana planeada , é ilustrado pelos modelos constantes do Qua ¬

dro 15- 2 e da Figura 15-5. Na Figura 16- 4, ilustram -se dois exemplos de planos de
parques de res í duos ; o diagrama superior mostra como os res í duos das refinarias
de petr óleo sã o tratados por meio de uma s é rie de lagoas, e o diagrama inferior
ilustra um projecto hipot é tico para o tratamento da polui çã o t é rmica e radioactiva
de uma nova central nuclear. Em ambos os casos, a água que sai da á rea delimi ¬
tada de tratamento e entra no ambiente p ú blico geral já se n ã o encontra de forma
alguma « polu í da ». Em muitos casos, as lagoas de tratamento de res í duos serã o,
no dizer de H . T. Odum ( 1967 e 1970 ) , «auto-desenhadas» para fazer face à entrada
e assim requerem um m í nimo de constru ção e de manuten çã o pelo homem . Um
grande aterro sanit á rio terraplanado, bem concebido e funcionando eficazmente para
a elimina ção de res í duos só lidos, dever á constituir um outro componente do con ¬

ceito de parque de distribui çã o de res í duos.


Para levar a cabo a opção sensata de deixar a natureza realizar uma boa
parte do trabalho, é preciso pô r de parte á reas grandes de terra e de água com
esta finalidade , á reas essas que , como já se indicou , tamb é m proporcionam uma das
melhores garantias contra o tipo de desenvolvimento excessivo discutido no cap í tulo
696

anterior (Secção 8). Assim , as novas instala ções industriais e municipais de trata ¬
mento n ã o dever ã o continuar a ser colocadas nas margens dos cursos de água ou
no meio de á reas congestionadas onde as pessoas vivem, mas sim ficar «confinadas»
ou «situadas» no meio de á reas naturais, suficientemente grandes para o tratamento
de res í duos degrad á veis e o depósito de res í duos venenosos ( como sejam res í duos
radioactivos, ácidos, etc. ) que n ã o dever ão, em nenhum caso, seguir at é ao ambiente
geral. No passado, os planeadores urbanos consideraram 12 a 25 hectares como um
espa ço adequado para um « parque industrial ». No caso de um grande complexo
industrial ( ver legenda da Figura 16- 4; ver també m página 738) poder ão ser necessá¬
rios de 250 a 2500 hectares para um ordenamento de res í duos auto-sustent á vel.
A água reciclada e a recupera çã o de produtos provenientes de res í duos deveria pagar,
com excedentes, o custo da terra. O isolar a ind stria e os aeroportos do espaço
urbano també m paga dividendos, no que se refere à elimina çã o dos ru í dos, como se
descreve na Secçã o 7 do presente cap í tulo. Os maiores obst áculos para « planear
com a natureza» desta forma são legais, econ ó micos e pol í ticos ( ver Secção 6).
Se a ind stria privada e as municipalidades nã o projectarem antecipadamente, ou o
não puderem fazer ( por motivo de leis inadequadas), ent ão o homem será for çado
cada vez mais a voltar -se para a terceira opçã o, a do tratamento artificial , muito
mais cara e tecnicamente dif í cil .
O tratamento abi ótico e a reciclagem s ão, naturalmente , necessá rios para
alguns tipos de res í duos, especialmente em á reas industriais densamente povoadas .
O tratamento mecâ nico é provavelmente a ú nica opçã o para alguns componentes
da polui çã o do ar que t ê m que ser eliminados ou reduzidos na origem . Se isto n ã o
for tecnicamente poss í vel , haver á que encontrar uma fonte de energia ou um pro ¬

cessamento industrial de substitui çã o, uma vez que, como já foi referido, n ã o é


poss í vel tolerar por muito mais tempo os custos da polui çã o do ar. Caso se esteja
encurralado, e houver que recorrer a tratamento artificial dispendioso de resíduos
biodegrad á veis, bem como de venenos, ent ã o quem pagar á a conta ? Como se descre ¬

verá no Capítulo 20, um sistema muito sofisticado para o tratamento mecâ nico dos
res í duos e para regeneração do ar e da água tem sido desenvolvido para as naves espa¬
ciais, embora o custo per capita seja de causar vertigens.
Deve-se fechar esta secçã o com uma nota positiva. A hist ória do Lago Washin ¬

gton, uma grande massa de água rodeada pela cidade de Seattle e seus sub ú rbios,
proporciona uma boa demonstração de como as áreas urbanas envolventes podem
inverter a tend ê ncia traiçoeira de reduzir a qualidade da água mediante um ataque ao
problema tomado como um todo, através de uma aliança da cidade, do campo e dos
governos de distrito. A sucessã o da deteriora ção da qualidade da água , do protesto
p ú blico, da acçã o política, da emissão de obriga ções, de desvio de esgotos e da re ¬
cuperaçã o da qualidade da água encontra-se detalhadamente descrita por Edmondson
(1968), e é citada na imprensa corrente como modelo para outros centros urbanos
697
30
9
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I 2 4 5 t i 8 9
LAGOAS

PARA O RIO
10 9
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LAGOA DE LAMAS
BACIA DE
BOMBA
SEDIMENTAÇÃ O
DA REFINARIA
ESCALA
A
I- 150 M

Figura 16 -4. Dois exemplos de parques de administra çã o de res í duos que combinam os trata ¬
mentos seminaturais secund á rio e terci á rio dos resíduos com a proteeçã o da hncia hidrográ fica , o recreio ,
a silvicultura , a aquicultura e a agricultura , como opera çõ es secund á rias . . 1. O tratamento de esgotos
de uma refinaria de petr ó leo em Oklahoma realiza- se a baixo custo fu / endo passar lentamente os
efluentes atrav é s de uma sé rie de bacias e lagoas associadas ( diagrama inferior ). Como se ilustra no
grá fico superior , a vigil â ncia da produ çã o de oxig é nio ( P) e sua utiliza çã o ( 10 em cada lagoa demonstram
que as comunidades das lagoas naturais «auto -tra çadas» degradam a mat é ria orgâ nica , e estabelecem
um bom equil í brio entre P e R quando a água alcan ça a d é cima lagoa e é lan çada na rede de á guas
p blicas , ( Grá ficos com base em Copeland e Dorris, 1964. )

( ver, por exemplo, um artigo de Earl Clark em Harper s Magazine, Junho, 1967).
Na Figura 16-5 est ão representados quatro í ndices de qualidade da água no Lago
Washington para o perí odo de 1933 a 1969. Dois dos í ndices representam impor ¬
tantes caracterí sticas fí sicas da água, e dois referem-se à diversidade e à composi çã o
da componente diatomá cias do fitoplâ ncton ( isto é, s ã o í ndices de comunidade).
As linhas verticais numeradas significam acontecimentos importantes na hist ória do
lago, como se enumera na legenda da figura. Na d écada de 50, 11 municipalidades
distintas deitavam para o lago quantidades crescentes de esgotos tratados secundaria-
mente, provocando a progressiva eutrofíca ção cultural (isto é, enriquecimento em nu ¬
trientes, ver página 22 ). Flora ções incómodas de algas e esgotamento de oxig é nio
no hipolí mnio ( ver página 89) facultavam avisos de deterioração e atra í ram fortemente
a aten ção do p blico, o que preparou o terreno para a acção polí tica. Em 1958,
formou - se a federação « Metro» e submeteu -se a votação p blica uma emissão de
obriga ções de 120 milh ões de d ó lares. De in í cio a emiss ão n ão teve sucesso, dado
698

a cidade ter votado «sim» e os subú rbios «não» ( ilustrando um problema polí tico
americano cr ónico, proveniente do facto dos sub ú rbios se não darem conta de que
constituem uma parte de um sistema urbano global), embora numa segunda volta a
emissão de obrigações «Metro» tenha sido aprovada. Em 1963, cerca de um ter ço dos
esgotos foi desviado do lago, e por volta de 1968 a maior parte já o tinha sido. Como
se ilustra na Figura 16-5, a recuperação do lago tem sido espectacular, com inversão
de todos os quatro í ndices. Edmondson ( comunicação pessoal) cr ê que o lago voltar á,
dentro de poucos anos, pelo menos à sua condiçã o de 1930. Embora grandes quan ¬
tidades de fosfatos e de outros nutrientes ainda se encontrem no lago, tendem a
enterrar -se nos sedimentos e são portanto retirados do ciclo biogeoqu í mico anual.
Um importante aspecto desta hist ória bem sucedida de redu çã o de poluição foi o
facto dos limnologistas da Universidade de Washington terem realizado durante
muitos anos estudos básicos do lago, de tal forma que as tend ê ncias e as causas
puderam ser documentadas com segurança ; sem uma tal informação a acção polí tica
poderia ter sido adiada, porventura at é que fosse muito tarde ( observe-se o rá pido
aumento no ritmo de declí nio entre 1960 e 1963, indicando que o lago poder á ter
sido «salvo» mesmo a tempo).
Por ú ltimo, deve salientar -se que a redu ção da poluição no Lago Washington
não proporcionou uma solu ção permanente; o lago foi salvo meramente por desvio
dos efluentes para uma massa de água maior Puget Sound ! O passo seguinte
consiste no tratamento terciá rio, que requererá um outro ciclo de educa çã o p ú blica,
acção pol í tica concertada e emiss ões de t í tulos . Porventura, desta vez n ão será por é m
necess á rio esperar at é à deterioração do oceano! Como referiu Hasler ( 1969) , hist órias
de casos como o do Lago Washington mostram que a eutrofica çã o cultural pode ser
invertida ( ver tamb é m página 408).

5. VIGILÂNCIA DA POLUIÇÃO

A eliminação eficaz da poluição depende , naturalmente , não apenas do trata ¬


mento e do controlo mas tamb é m da vigilância eficiente do ambiente em geral,
de tal forma que se possa saber com seguran ça quando s ã o necessárias medidas
de controlo, ou se as que existem funcionam. A vigil â ncia toma duas formas
básicas : (1) medição directa da concentra çã o de poluentes ou de subst â ncias chave
que s ã o exauridas pela poluiçã o, como seja o oxig é nio, e (2) utiliza çã o de í ndices
biológicos, que vão desde os bioensaios com microrganismos e as medições do
B. O. D. ( ver página 22) at é ao tipo de indicadores da comunidade total examinados
no Capítulo 5, Secção 6 e no Capítulo 6, Secção 4.
Como um exemplo do primeiro tipo de vigilância, refira-se que a polui ção
do ar sobre as grandes cidades da Calif órnia é presentemente vigiada por detectores,
699

V
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V
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6
B

Figura 16-4. B. Desenho esquem ático de um parque de administra ção de res íduos para a central
de energia ató mica ( PP) do futuro localizada numa bacia hidrográ fica (delimitada pela linha tracejada ).
O calor dos res íduos (isto é , a polui çã o t é rmica) na água de refrigeraçã o do reactor ( CW), proveniente
de um grande depósito de armazenamento (R), é completamente dissipado pelo arrefecimento provocado
pela evaporação ocorrida na rede de lagoas pouco profundas e sistemas de rega por aspersã o. As lagoas
aquecidas poderã o ser utilizadas para a piscicultura, a pesca desportiva, ou outros objectivos de recreio.
A irrigação de parte das terras da bacia hidrográ fica aumenta a produ çã o de bens florestais ou agr ícolas
ú teis, enquanto que ao mesmo tempo a água sofre reciclagem atrav és do «filtro vivo» que a terra
constitui, voltando para os cursos de água, lagoas e len çó is fre áticos. Os res íduos nucleares de baixo
ní vel e os resíduos s ólidos ficam contidos numa á rea de aterro cuidadosamente administrada ( W); os
res íduos nucleares de n í vel alto dos elementos do combust í vel utilizado são exportados para um local
especial fora do parque de administraçã o, onde sã o enterrados. A corrente do curso de água, a água
do solo e os gases acumulados são continuamente vigiados recorrendo a represas de água ( HW), a
poços de vigilâ ncia ( MW) e a sistemas de controlo de gás acumulado ( SG ), por forma a ter-se a garan ¬
tia de que nem a polui ção atmosfé rica nem a h ídrica saem da á rea controlada. As principais entradas
e saí das para este ambiente incluem ( ver setas numeradas da margem ): 1. Entrada de luz solar e plu ¬
viosidade; 2. Exportação de resí duos nucleares para os locais do seu enterramento; 3. Energia elé ctrica
para as cidades, etc.; 4. Entrada de combust í veis nucleares e outros; 5. Saída de alimento, fibras, ar puro,
etc.; 6. Corrente de água limpa ao longo do curso de água e para jusante, destinada à agricultura, às in ¬
d ú strias e à s, cidades; 7. Utiliza ção p blica para recreio, educa çã o e investigação do ambiente . A dimensão
de um parque de administração de resí duos tã o completo dependerá do clima e da topografia regionais,
e da quantidade de energia elé ctrica, e outra, desviada para a refrigeração da central; poré m, uma coisa
da ordem dos 4000 hectares para uma central de 2500 megawatts será o m í nimo necessá rio para assegurar
um controlo da polui ção a 100 por cento, e evitar acidentes e avarias mecâ nicas, como se explica no
Cap ítulo 17, página 738, Contudo, um tal espaço de tratamento de resíduos poderia tamb é m suportar
um certo volume de ind ústria ligeira no parque. A ind ústria pesada deverá ser situada no interior do
seu pr ó prio parque de administração de res íduos.
700

montados num aviã o, que medem diariamente e registam as concentra çõ es de S 02,


N 02 , CO e outros poluentes sobre uma á rea regional ampla. Em muitas cidades,
os í ndices de poluiçã o do ar passaram a constituir uma parte das informa çõ es
meteorológicas. J á se referiu a necessidade de uma vigilâ ncia à escala mundial
do dió xido de carbono. Os í ndices biológicos são largamente utilizados na vigilâ ncia
da polui çã o da água. Para alé m dos í ndices de diversidade ( ver Figura 6-5 ) e dos
indicadores especificos gerais, como os que se ilustram na Figura 16-6, h á numerosos
í ndices de funcionamento da comunidade que podem ser ú teis por exemplo :
a razão P/ R (ver Figura 16-4 A ) ; a razão da clorofila para a biomassa bacteriana
( ver p ágina 241); a dimens ã o mé dia dos organismos ( a polui ção favorece os orga ¬
nismos pequenos relativamente aos grandes; ver Oglesby, 1967 e Menhinick , 1964); a
quantidade de hemoglobina na biomassa animal , como um í ndice de baixo n í vel de
oxig é nio; a quantidade de pigmento das algas azul-verdes como um í ndice para a
polui çã o por gl cidos, e muitos outros í ndices que carecem de estudo cuidadoso.
Com grande frequ ê ncia, a comunidade conter á mais «informa ção» sobre os efeitos
totais da polui çã o do que aquela que pode ser deduzida a partir da medi çã o de
factores individuais. O desafio colocado à pesquisa ecol ógica consiste em encontrar
rapidamente vias para « ler » essa informa çã o!
Para efeitos de revis ão do enfoque qu í mico, aconselha-se a leitura do rela ¬
t ório de 1969 da Sociedade Americana de Qu í mica , «Cleaning Our Environment ;
the Chemical Basis for Action », e para revisã o do enfoque biol ógico, a leitura do
livro do Departamento do Interior , «The Practice of Water Pollution Biology » ( edi ¬
tado por Machenthun , 1969).

6. DIREITO AMBIENTAL ( *)

O elo mais fraco da estrat égia da elimina çã o da poluição é, como no planea ¬

mento do uso da terra, a inadequada protecçã o legal da qualidade ambiental e do


consumidor. Como ficou delineado no Capí tulo 9, um dos princí pios fundamentais
relativos ao desenvolvimento dos sistemas ecol ógicos respeita à distribuiçã o da ener ¬
gia do sistema. Quando o sistema ecol ógico é jovem, a corrente principal de energia
é dirigida para a produção, isto é, para o crescimento e constru çã o de uma estrutura
complexa ; por é m , à medida que a densidade da populaçã o se aproxima do n í vel de
satura çã o, o sistema ecol ógico amadurece, no sentido em que uma propor çã o
maior de energia dispon í vel é deslocada para a manuten çã o da estrutura complexa
que foi sendo criada . Existe um paralelismo, naturalmente , no desenvolvimento

( *) Esta secçã o é uma modifica çã o do pref á cio , escrito por E . P. Odum , para o livro intitulado
Environment Law Review 1970, editado por Floyd Sherrod e publicado por Clark Boardman and
Co., New York .
701
Ano 1933 . 1950 1960 1968
i / r-r-
Ocorrê ncias -- I 2 3 4 5 6 7
5
4
O Transparê ncia
3
5
2
I
60 A
50
40
30
1 20
Fosfatos
Fó sforo
I 0

2.5
§
C 2.3 Diversidade
jÇ de Espécies de
co 2.1
_g Diatom á ceas
1.9
o I .7
1.5
80 /
c Composi çã o
p 70 em Espécies de
I< 60 Diatom á ceas:
% de Formas '
50 Eutr óficas
S 40
#

Figura 16-5. Inversão da eutroficação cultural no Lago Washington , Seattle uma histó ria de quali ¬
dade da água deteriorada, acção pol í tica e recuperaçã o parcial. Os eventos numerados foram os seguintes:
1. Onze instalaçõ es de esgotos distintos descarregam esgotos tratados no lago. 2. Primeira floração
observada de algas nocivas ( Oscillatoria ). 3. Primeira informação de esgotamento de oxigé nio na água
do fundo ( hipolimnio) durante o Ver ão. 4. Aprovação da legislaçã o do governo metropolitano (1960) rela-
lativa ao projecto dos esgotos. 5. Primeira fase do desvio dos esgotos (1963). 6. Segunda fase do desvio
dos esgotos ( 1965). 7. Todos os esgotos desviados (1967). Ilustraram-se as tend ê ncias em quatro índices
da qualidade da água. Ver texto para explicações mais detalhadas. (Gráfico baseado em Edmondson ,
1968, e Stockner e Benson, 1967.)

da sociedade humana, paralelismo que é justificado pelo facto de o homem e o


ambiente constitu í rem um sistema ecológico. N ão é apenas por mera coincid ê ncia
que se come ça a nova d é cada de 1970 com uma preocupa çã o crescente pelos direi ¬

tos humanos e a qualidade ambiental, a par da crescente inquietação entre os jovens


OXIG É NIO
DISSOLVIDO ÁGUA PEIXE INVERTEBRADOS PL Â NCTON
NORMAL FISH POPULATION: TRICÔ PTERO EFEMER Ó PTERO OEDOGONIUM
GAME. PAN FOOD. FORAGE FISH NAVICULA
CLARA E FRESCA

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TOLERANT FlSHES: CHIRONOMUS SIMULIUM PARAMECIA STENTOR

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TOLERANT FlSHES: CHIRONOMUS SIMULIUM SPIROGIRA
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NORMAL FISH POPULATION: TRIC Ô PTERO EFEMER Ó PTERO OEDOGONIUM
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p£ O AME, PAN FOOD . FORAGE FISH NAVICULA DINOBRIO

CLARA E FRESCA

Figura 16-6. Polui çã o de um curso de água com esgotos n ã o tratados e a subsequente recupera çã o, tal como
se reflecte em altera çõ es na comunidade bió tica. A medida que o oxigé nio dissolvido na água decresce ( curva à esquerda),
os peixes desaparecem e apenas se encontram na zona de m áxima decomposição organismos capazes de obter oxigé nio
da superfície (como acontece com as larvas do mosquito Culex), ou aqueles que s ão tolerantes à baixa concentra ção
de oxigé nio. Quando as bact é rias tiverem reduzido todo o material descarregado no curso de água, este volta ao estado
normal . (Segundo Eliassen , Scientific American , Vol. 186 , n .° 3, Mar ço, 1952.)

o
-
r~
703

e aqueles que sustentam a nossa sociedade altamente complexa e t é cnica. O ecolo ¬

gista contempla todas estas tend ê ncias como parte de uma expressã o perfeitamente
natural e previs í vel da necessidade bá sica de desenvolver novas estrat égias adaptadas
ao sistema « maduro».
At é agora, as maiores recompensas econ ó micas e a protecçã o legal mais forte
t ê m sido concedidas à queles que produzem , constroem , poluem e exploram as rique ¬
zas da natureza; isto, pode-se sustentar, é perfeitamente justificá vel nas fases pioneiras
da civiliza çã o, uma vez que o homem deve primeiro submeter e modificar em certa
medida o seu ambiente com o objectivo de nele sobreviver. Agora, é óbvio que
devem ser dadas pelo menos iguais recompensas e protecçã o à quelas pessoas, pro¬
fiss ões e ind strias que mant ê m a qualidade da exist ê ncia humana ; no futuro, a
sobreviv ê ncia depende de se encontrar um equil í brio entre o homem e a natureza,
num mundo de recursos limitados. Isto n ã o significa que o homem deva voltar
à natureza , significa por é m que será preciso voltar a algumas das coisas boas,
sensatas e antiquadas, como por exemplo ao vasilhame com tara de retorno, ao
andar a p é e à preocupa çã o humana com os seus vizinhos. Certas coisas, como por
exemplo as garrafas de embalagem perdida, que em determinada altura se pensou
representar « progresso» , revelaram -se, pelo contr á rio, como uma inj ria, tanto para o
homem como para a natureza. À medida que esta transição ocorre, a base para o
desenvolvimento econ ó mico desloca-se da explora ção para a reciclagem , do deitar
fora para o voltar a usar, da quantidade para a qualidade . Os m é todos e a educa-
ca ção legais devem ser adaptados em conformidade , uma vez que a lei, sustentada
por uma opini ã o p ú blica forte, é a principal « retroacçã o negativa » que estabelece os
controlos necessá rios. O direito tradicional, «orientado para o cliente privado» , deve
presentemente ser alargado por forma a conferir maior import â ncia ao direito p ú blico
e ambiental . As escolas universit á rias de direito, que tenderam a ser ultraconser-
vadores e isoladas das outras escolas e departamentos acad é micos , necessitam sair
das suas torres de marfim e estabelecer melhores la ços de comunicaçã o com as
ciê ncias ambientais e sociais, e de estimular os respectivos estudantes a adquirir
uma melhor formação nestas e noutras mat é rias de manifesta import â ncia. Um inven ¬

t á rio do direito ambiental, como é hoje compreendido e praticado ( ver , por exemplo,
Sherrod , 1970 e Baldwin e Page , eds., 1970), revela a necessidade urgente de serem
desenvolvidos procedimentos mais amplos, que contrariem a fragmenta ção excessiva
e ajudem a resolver as contradi çõ es que hoje tornam t ã o dif í cil tratar da polui çã o
(e de muitos outros problemas) numa base legal. N ã o apenas o direito ambiental
é inadequado a n í veis local e nacional como nem sequer existe a n í vel internacio ¬
nal , sem embargo da ó bvia necessidade de proteger a atmosfera e os oceanos.
N ão existe á rea mais importante do que o direito ambiental , um campo que pro ¬

porciona um desafio ilimitado à juventude motivada dos dias de hoje .


Murphy ( 1967) , num interessante livro intitulado Governing Nature, assinala
704

que as restri çõ es e os regulamentos governamentais isolados sã o inadequados para


evitar a polui çã o; deve haver igualmente incentivos econ ó micos e legais . Este autor
examina os custos de descargas de efluentes, a internaliza çã o do custo do desenvol¬
vimento dos produtos, para incluir o tratamento de res í duos, e a reciclagem , assim
como os custos de produ çã o, a redu ção de impostos para as ind ú strias que projectam
introduzir dispositivos para tratamento de res íduos e outros meios de proporcionar
pr é mios pela conduta de grupo com interesse p ú blico ( ver tamb é m Hardin , 1968
e Crowe , 1969).

7. ALGUMAS ÁREAS DE PROBLEMAS

Poluiçã o do Ar

A import â ncia da polui ção do ar num pa ís industrializado, como os Estados


Unidos da Amé rica, é revelada pelos dados constantes do Quadro 16-1. Estes dados
(1966) apenas ilustram a importância relativa dos poluidores e das fontes, uma vez
que a quantidade absoluta aumenta anualmente. Se bem que sejam suficientemente
sé rios aspectos à escala nacional e global ( ver Singer, 1969), são as concentrações
locais que se formam sobre cidades como Tóquio, Los Angeles e Nova Iorque ,
durante as invers ões de temperatura ( isto é , o ar retido sob uma camada superior

Quadro 16-1
Grandeza Relativa da Poluição do Ar nos Estados Unidos da América *
Milhões de Toneladas Métricas / Ano
Por Poluente
Mon óxido de carbono 65 ( 52 %)
Óxidos de enxofre 23 ( 18 % )
Hidrocarbonetos 15 ( 12 % )
Mat é ria em part ículas 12 ( 10 % )
Ó xidos de azoto 8 ( 6 %)
Outros gases e vapores 2 ( 2 %)
Por Origem
Transporte 74, 8 ( 59,9 %)
Ind stria 23,4 ( 18,7 % )
Produ ção de electricidade 15,7 ( 12,5 % )
Aquecimento do espaço 7,8 ( 6,3 %)
Controlo de res íduos 3,3 ( 2,6 % )

Total 125,0

Dados do relató rio da National Academy of Sciences, «Waste Management and Control » (1966). Estã o pre ¬
- -
vistos aumentos pelo menos para 20 anos. A situaçã o agravar se á antes de ( ou se?) melhorar .
705

quente que impede o movimento ascencional de poluentes ) que causam as maiores


preocupa ções imediatas. Como já se sugeriu ( página 685), a polui çã o do ar propor ¬
ciona o sinal de retroacçã o negativa que bem poderá salvar a sociedade industrializada
da extin çã o, uma vez que : ( 1) proporciona um sinal claro de perigo indicativo de que
o homem deverá « meter travão», de alguma maneira e brevemente, ao uso con ¬
centrado de energia industrial, ( 2) todos para ela contribuem (conduzindo um carro,
utilizando electricidade, comprando um produto, e assim por diante ) e com ela
sofrem , pelo que se não pode atribuir a responsabilidade a um qualquer « bode expia¬
t ó rio», e (3 ) uma solu ção tem de surgir de uma reflex ã o hol ística, dado que as ten ¬
tativas para reduzir uma fonte qualquer, ou qualquer poluente, como se se tratasse
de problema isolado, são nã o s ó ineficazes como poder ã o apenas desviar essa polui ¬
ção para uma das outras categorias.
A poluição do ar tamb é m proporciona um excelente exemplo de sinergismo
( ver página 142), na medida em que as combina ções de poluentes reagem no am ¬
biente para produzir polui çã o adicional , que agrava grandemente o problema global.
Por exemplo, dois componentes do escape do autom ó vel combinam -se em presen ça
da luz solar para produzir novas e at é mais t óxicas subst â ncias, conhecidas por
«smog fotoqu í mico», como se segue :

Luz solar
Óxidos de azoto + Hidrocarbonetos Nitrato de peroxiacetilo ( PAN ) + Ozono ( 0.0
Radia ções
ultravioletas

Ambas as subst â ncias secund á rias, n ão só provocam l ágrimas no homem e dificul ¬

tam a sua respiração, como são tamb é m extremamente t óxicas para as plantas; o
ozono aumenta a respiração das folhas, matando a planta por esgotamento de reservas
alimentares, ao passo que o PAN bloqueia a « reacçã o de Hill » na fotossí ntese ,
provocando assim a morte da planta por reduzir a produ çã o de alimento ( ver Taylor
et al., 1961 e Dugger et al., 1966). As variedades delicadas das plantas cultivadas
pelo homem tornam -se v í timas precoces, pelo que certos tipos de agricultura e de
horticultura ficam inviabilizados na vizinhan ça das grandes cidades. Outros poluentes
fotoqu í micos, englobados sob a classificação geral de hidrocarbonetos arom á ticos
polinucleares ( PAH ) , sã o conhecidos cancer ígenos.
Resulta um outro sinergismo perigoso quando o S02, que deveria normal ¬
mente ser arrastado e se oxidaria na atmosfera, é adsorvido em part í culas poluentes
( p ó, cinzas, etc.), contacta com tecidos h ú midos ( como a parte interior dos nossos
pulm ões ) ou com got í culas de humidade , e se transforma em ácido sulf rico ! Uma
tal polui çã o «ácida» n ão s ó constitui um perigo para a sa de, como també m corr ói
o metal e a pedra calcá ria, provocando milh ões de d ólares de preju ízo nas estruturas
constru í das pelo homem. Há tamb é m um outro tipo de sinergismo entre o fumo
45
706

do cigarro e a polui çã o do ar. Numa cidade, a polui çã o do ar pode sujeitar um


n ã o fumador ao mesmo n í vel de envenenamento do sangue pelo mon óxido de
carbono que experimenta aquele que fuma um ma ço de cigarros por dia ( ver
Goldsmith e Landaw, 1968). De acordo com Lave e Seskin ( 1970), o fumador da
cidade corre 10 vezes mais risco de contrair o cancro do pulmão do que o homem
rural n ã o fumador.
Para informa çã o adicional sobre a polui ção do ar, ver o relat ó rio de 1965 da AAAS
( Dixon , presidente) e Stern ( 1968).

Insecticidas

Para se obter uma visão de conjunto objectiva sobre a mat é ria, altamente
controversa, do controlo das pragas, poder á ser til pensar em termos daquilo que
Carroll Williams ( 1967) chama as «tr ê s gerações de pesticidas», a saber, ( 1) os pro¬
dutos de origem vegetal e os sais inorg â nicos (arsenicais, etc.), ( 2) a gera ção do DDT
( organoclorados, organofosforados e outros venenos de «espectro- largo»), e ( 3) as
hormonas ( subst â ncias bioqu í micas de «espectro-estreito ») e os controlos biol ógicos
(parasitas, etc.) , que alcan çam o objectivo com precisão, sem envenenar todo o
ecossistema.
A primeira geração de pesticidas era apropriada para manter o av ô bem
alimentado, quando as explora çõ es agr í colas eram pequenas e diversificadas, o tra ¬
balho do campo abundava, e as prá ticas culturais contribu í am para bloquear os apa
,
¬

recimentos maciços de pragas. O DDT, e os outros insecticidas potentes de espectro-


- largo, n ão s ó introduziram uma era de agricultura industrializada, mas levaram
també m a admitir estarem « resolvidos» , para sempre, todos os problemas relativos à s
pragas. Como se torna hoje por demais evidente, este optimismo é em parte res¬
ponsá vel pelos « reveses» severos que resultaram da saturação quase irracional
do ambiente com venenos persistentes de espectro- largo ( isto é, que se degradam
muito lentamente) , at é ao ponto de ser agora necessá rio suspender a utiliza ção de
muitos deles. Advert ê ncias, a que se n ão deu aten ção, de um revé s entomol ógico
( isto é, surtos de pragas realmente induzidos pela pulverizaçã o ), foram formuladas
nos anos de 1950 ( ver Soloman , 1953 e Ripper, 1956) , e o envenenamento dc cadeias
alimentares completas foi dramaticamente trazido à considera ção p ú blica em 1962
pelo famoso livro de Rachel Carson , Silent Spring. O trabalho detalhado de Ni-
cholson , Grezenda et al. ( 1964) demonstrou como bacias hidrográ ficas inteiras
ficaram contaminadas pelo uso incontrolado de pesticidas na agricultura. Finalmente,
o efeito tra çoeiro do DDT e de outros hidrocarbonetos clorados sobre o sistema
.
nervoso e o. metabolismo da hormonas sexuais dos vertebrados ( incluindo o
homem ) est á presentemente a ser documentado ( ver página 113). Em retrospectiva,
707

torna-se assim vis í vel que os organoclorados n ã o proporcionaram mais do que uma
pausa tempor á ria, uma espé cie de acçã o de suspensã o, na guerra cont í nua do homem
com os insectos e outros competidores, devendo ser , de ora avante, gradualmente
substitu í dos por outros m é todos ecologicamente mais correctos. Entretanto, estas
subst â ncias produziram um dos problemas de polui çã o mais s é rios do Globo; trans ¬

crevendo Wurster ( 1969 ) temos a seguinte avalia çã o do problema:

«Os insecticidas organoclorados, . presentemente dos produtos qu í micos sin ¬


t é ticos mais profusamente distribu í dos pelo Globo, est ã o a contaminar uma parte
substancial da biosfera. Sã o dispersados atrav és do ambiente nas correntes de ar e
da água. O movimento destes insecticidas, e a sua ampla distribui çã o por toda a
parte , resultam das suas caracter ísticas de solubilidade e de estabilidade qu í mica e,
especialmente , da sua tend ê ncia para serem adsorvidos na mat é ria org â nica, serem
transportados no ar em got í culas, e para se tornarem concentrados nas transfer ê ncias
de alimento das plantas para os herbí voros e destes para os carn í voros. As suas
elevadas toxidades indicam uma grande capacidade para produzir efeitos biol ógicos
em muitos tipos de organismos. Os organoclorados est ão a degradar gravemente
comunidades bióticas em muitas partes do Globo. Est á provado que destroem fases
larvares de valiosos organismos aqu á ticos com valor alimentar e que reduzem a fotos-
s í ntese do fitoplâ ncton marinho ( o que poderá ter efeitos graves no equil í brio
gasoso da atmosfera). Muito embora nã o tenham sido ainda demonstrados no
homem efeitos directos no equil í brio hormonal, os n í veis de concentra çã o nos tecidos
humanos sã o agora suficientemente elevados para que tais efeitos, e tamb é m o
cancro e muta ções perniciosas, possam ocorrer no futuro ( uma vez que foi de ¬
monstrado ocorrerem em animais de laborat ó rio), especialmente se nada for feito
para controlar e vigiar a nova utiliza çã o destes produtos qu í micos potencialmente
perigosos».

Como se referiu na página 319, existe uma diferen ça fundamental entre o uso
controlado de venenos n ã o específicos nas culturas, onde as causas e os efeitos
s ão conhecidos, e a dispersão destes mesmos venenos em florestas e outras á reas
naturais ou seminaturais, onde os efeitos totais são desconhecidos e a probabilidade
de reveses é muito grande. A polui çã o por pesticidas tem sido grandemente agra ¬
vada pela pulveriza çã o aé rea desnecessá ria de paisagens inteiras. Levantam-se outros
problemas «imprevistos», dado que os novos insecticidas sã o testados ( com fre ¬
qu ê ncia muito superficialmente) ao n í vel de organiza çã o do organismo e depois
utilizados ao n í vel do ecossistema sem qualquer teste ulterior. Deste modo, mesmo
que um produto qu í mico mate insectos em gaiolas e n ã o mate um rato de labo¬
rat ó rio, isto n ã o significa ser seguro utiliz á- lo na natureza. Volta a estar -se perante
um caso em que ocorrem dificuldades, porque os especialistas da agricultura e do
com é rcio nã o sabem a diferen ça que existe entre uma população e um ecossistema!
708
Os estudos de Barrett ( 1968 ) e de Malone ( 1968 ) constituem exemplos de estudos
ecol ógicos em que o ecossistema é o « porco da í ndia» ou a parcela de ensaio.
Brown ( 1961) apresenta um resumo objectivo de quatro casos de programas
de controlo de insectos em grande escala. Num dos extremos , descreve o controlo
muito bem sucedido das moscas da fruta, baseado numa informa çã o cient í fica deta¬
lhada e no uso judicioso de produtos qu í micos. No outro extremo, aquele autor cita a
campanha para a erradica çã o de uma formiga introduzida do g é nero Solenopsis, como
um exemplo de ( 1 ) um estudo muito rudimentar antes de se haver iniciado uma
pulveriza çã o maci ça e de ( 2 ) uma missã o mal dirigida pelo governo federal , instigada
fundamentalmente por políticos e levada a cabo, contra o parecer dos cientistas
mais entendidos , at é chegar ao n í vel da «matan ça excessiva». Foram gastos vá rios
milh õ es de d ó lares na pulveriza ção aé rea maciça, com fundamento na teoria de que o
« bombardeamento de satura çã o» poderia exterminar o insecto de uma vez para
sempre . Conseguiu -se com essa matança maciça um certo controlo; a exterminaçã o,
poré m , nã o est á à vista e a vida silvestre aqu ática e terrestre sofreu , entretanto,
gravemente . A trag édia de uma tal situa ção é a de que poderia ter sido obtido
um melhor controlo, com uma despesa muito menor de fundos p blicos e um menor
dano ambiental , caso se tivessem proporcionado ao propriet á rio individual da terra,
se o desejasse, os meios para controlar as formigas no seu pr ó prio terreno, ou ,
caso se tivessem empreendido campanhas a nível aut á rquico ou estatal ali onde o
problema, por ser agudo, se punha.
Como a utiliza ção em massa dos venenos persistentes de espectro-amplo est á
afastada, é evidente que a estrat é gia do controlo das pragas irá evolucionando, cada
vez mais, para aquilo que os té cnicos entomologistas designam por luta integrada
( ver Smith e Reynolds, 1966; Smith e R. van den Bosch , 1967; Chant , 1966 e 1969;
Kennedy , 1968; e o Simp ósio da FAO sobre «Controlo Integrado de Pragas») , O con ¬
ceito de controlo integrado envolve a utiliza çã o de uma bagagem mista de meios,
incluindo as pr áticas culturais antigas, mas sensatas, a utiliza çã o judiciosa de pes ¬
ticidas qu í micos degrad áveis, ou de «vida curta», e uma maior utilização e simulação
dos m étodos de controlo pr ó prios da natureza, isto é, o controlo biol ógico ( ver a
revis ão devida a Kilgore e Doutts, eds., 1967 ), e a terceira geração de pesticidas ,
como ficou delineado no in ício desta secção. O arsenal para o controlo integrado
inclui o seguinte :
1. Predadores como por exemplo o uso efectivo de coccinel ídeos e neu-
r ópteros contra as pragas agr í colas, ou de cole ó pteros para o controlo de infestantes
( ver Huffaker, 1958 ).
2 . Parasitas como por exemplo himen ó pteros calcid ídeos, que controlam
com sucesso um certo n ú mero das pragas principais.
3. Doen ças como por exemplo as viroses e as infecçõ es bacterianas que
são específicas para uma dada praga.
709

4. Plantas armadilhas cultivo de plantas de baixo valor que atraem as


pragas desviando-as das culturas de alto valor (Stern et al., 1969) .
5. Rota ção e diversifica ção de culturas.
6. Esteriliza ção qu í mica ou por radia ção ( ver Cap í tulo 17, página 724).
7. Estimulantes hormonais como as hormonas juvenis que impedem os
insectos de completar o seu ciclo de vida ( ver Williams, 1970).
8. Feromonas atractivos sexuais e outros produtos bioquimicos que
regulam o comportamento da praga ( ver página 49 ).
9. Insecticidas qu í micos degrad á veis fosfatos org â nicos e outros.
10. Selecção artificial, tendo em vista a resist ê ncia a doen ças e a pragas ,
mais do que propriamente um rendimento a curto prazo.
Pode dizer - se com propriedade que a vigilâ ncia, o estudo e a preparaçã o
profissional constantes fazem parte da « bombagem da desordem » no agroecossis-
tema. N ã o h á solu çã o de « um só tiro», nem nunca haver á. Para efeitos de revisã o
sobre os problemas dos pesticidas, veja-se Moore (1966) , Rudd ( 1964) e Mrak (1969).

Herbicidas ( * )

À semelhan ça dos modernos insecticidas, os herbicidas come çaram a ser apli ¬


cados em grande escala pouco depois da II Guerra Mundial . Inicialmente , foram utili ¬

zados para limpar as faixas de protecção às linhas de transporte de energia el é ctrica ;


por é m, utiliza ções subsequentes inclu í ram as servid õ es das linhas de caminho de
ferro e auto- estradas, o controlo das infestantes em agricultura e silvicultura e , infe ¬
lizmente, o uso como agentes de guerra na destruição de culturas e no desfolhamento
da floresta. Revelaram-se da maior utilidade quando utilizados, de uma maneira
selectiva, em situa ções ordernadas de agricultura e de silvicultura ; a respectiva utili ¬

za ção torna-se persistentemente questioná vel na aplica çã o por aspersã o n ã o selectiva


de grandes á reas, particularmente quando os efeitos na estrutura do ecossistema
n ão podem ser previstos com seguran ça ( note -se o paralelismo com o mau uso de
pesticidas). Tem sido avaliado que pelo menos 20 milh õ es de hectares de faixas de
servid ã o, nos Estados Unidos da Am é rica , tenham sido pulverizados de 1 a 30 ou
mais vezes ( Eggler, 1968) . Embora uma parte dessa pulveriza çã o seja necessá ria ,
em grande parte é de natureza não selectiva e tão geral que n ão pode ser justificada,
tanto econ ómica como ecologicamente .
Geralmente, os herbicidas dividem -se em dois grupos, segundo o modo como
actuam . Os da primeira categoria, que inclui o monuron e a simazina, interferem
com a fotoss í ntese provocando a morte da planta por falta de energia. O segundo

( *) Esta secçã o foi preparada pelo Dr. William E. Odum .


710

grupo é tipificado pelo 2 ,4 - D ( 2 ,4 á cido diclorofenoxiacé tico ) e pelo 2,4,5 - T



( 2,4,5 á cido triclorofenoxiacé tico), de utiliza çã o corrente. N ã o se conhecem comple ¬
tamente os mecanismos de acção neste segundo grupo. Est ã o envolvidos dois efeitos
associados, embora n ã o id ê nticos: a acçã o de desfolia çã o e a acçã o como herbicida
sistemá tico. De forma bastante singular, estes produtos qu í micos podem provocar, a
baixa concentra çã o, uma maior perman ê ncia na planta de frutos e folhas, sendo
utilizados em agricultura com este objectivo. A concentra ções mais altas, iniciam
uma cadeia de reacçõ es que determinam um enfraquecimento e a eventual ruptura
da camada de abscisã o na base do pec í olo, onde a folha adere ao caule . S ó por si ,
uma simples desfolia çã o deste tipo n ão mata como regra a planta, sendo de esperar
que se verifique depois a recupera çã o. Por é m , em certas plantas h á um efeito
adicional de uma prolifera çã o celular drasticamente acrescida de tecidos como o
floema , que determina o bloqueio do transporte de nutrientes e a forma çã o de
les ões nocivas. Nestas plantas suscept í veis, é pequena a probabilidade de uma re ¬
cupera çã o bem sucedida. As plantas herbá ceas de folha larga sã o particularmente
suscept í veis ao 2 ,4- D , enquanto que o 2,4,5-T e uma mistura de 2,4- D com 2 ,4,5-T
actuam com eficá cia nas plantas lenhosas.
Conhecem-se mal os efeitos do 2,4- D e do 2,4,5-T nos ecossistemas. São
obviamente capazes de modificar as comunidades vegetais e afectam , indirectamente,
os herb í voros e os carn í voros. É escasso o conhecimento dos respectivos efeitos nos
sistemas aqu á ticos e nos micr ó bios do solo. A toxicidade directa para os animais
parece ser baixa . Contudo, a produ çã o de 2 , 4,5-T tem sido muitas vezes caracterizada
pela presen ça , no produto final , do sim é trico 2,3,6,7- tetraclorodibenzeno- p-dioxina,
usualmente designado por «dioxina » . Tem - se provado que este composto é terato-
g é nico, ou deformante do feto, para concentra ções extremamente baixas. Para al é m
disso, tem ficado ligado ao aparecimento de graves altera ções na pele , de tipo
eruptivo, nos trabalhadores das fá bricas que produzem 2,4,5-T. Por estas raz ões , o
2 ,4,5-T é considerado um composto perigoso, a menos que o produto final n ão
contenha «dioxina » . Alé m do mais , a possibilidade de forma çã o de «dioxina » a partir
do 2,4,5-T ou de produtos interm é dios da decomposi çã o por via t é rmica ( queimando
madeira ) ou metabó lica, n ã o tem sido investigada satisfatoriamente.
Pondo de lado quest õ es pol í ticas, a utiliza çã o de herbicidas ( 2 ,4- D, 2 ,4,5-T ,
« picloram » e á cido cacod ílico) no Vietnam do Sul tem particular interesse ecol ógico,
dada a extensa á rea de terreno pulverizado ( pelo menos 10 por cento do pa í s)
e as fortes doses utilizadas ( usualmente uma ordem de grandeza superior à que
é recomendada para uso nos Estados Unidos da Am é rica ). A pulveriza çã o aé rea,
usualmente feita de um avião C-123 especialmente adaptado, foi levada a efeito
entre 1962 e princí pios de 1970; cada aviã o transportava um tanque de 4000 litros,
podendo pulverizar em dois minutos uma faixa com aproximadamente 150 metros
de largura por 9 quil ó metros de comprimento, ou 135 hectares. A investiga çã o
711

feita por Fred Tschirley (1969) das á reas pulverizadas revelou que as associa ções
do mangai eram destru í das por uma nica aplica çã o. As florestas de caducif ólias
eram muito pouco danificadas por um nico tratamento, embora tenham ocorrido
altera ções significativas na floresta, com subsequente invasã o de bambus, em á reas
que sofreram m ú ltiplas pulverizaçõ es. Dois dos compostos utilizados como rotina
no Vietnam est ão grandemente limitados nos Estados Unidos da Am é rica. O « pi-
cloram » foi caracterizado por Galston (1970) como um herbicida aná logo ao DDT,
devido á sua persist ê ncia relativa nos solos. O ácido cacod í lico cont é m para cima
de 50 por cento de arsé nio e a sua utilização repetida pode conduzir à sua acumu ¬
lação nos solos.
Os insecticjdas e os herbicidas juntos sã o «drogas » poderosas no ecossistema,
uma vez que modificam o funcionamento de sistemas vitais os consumidores e os
produtores. Presentemente sugere -se que estas subst â ncias sejam objecto de licen ça,
com controlo por profissionais treinados, tal como acontece coma as drogas utilizadas
no tratamento do corpo humano.

Poluição Sonora

A polui çã o sonora, ou pelo ru í do, constitui també m outra ameaça grave à


qualidade do ambiente humano. Caso se defina ru í do como « um som nã o dese ¬
jado », ent ã o, a polui çã o sonora é um som n ã o desejado «lan çado» na atmosfera ,
sem atender aos efeitos adversos que possa ter. O termo «ru í do» é també m
utilizado em electr ó nica e na ciê ncia da comunica ção para referir as perturba ções
que interferem com a comunicaçã o. Um tal ru í do aumenta com a complexidade e o
conte ú do de informa ção de sistemas de todos os tipos. Assim , o homem enfrenta
um problema crescente com a « polui çã o electr ónica », à medida que se intensifica a
comunica ção por r ádio. Portanto, a poluição sonora constitui, em sentido mais
amplo, outro « rev é s imprevisto» na utilizaçã o concentrada de energia.
É hoje claro que o som de alta intensidade, como o emitido por muitas m á¬
quinas industriais e pelo avi ã o, quando prolongado por longos per í odos de tempo,
nã o s ó perturba o homem ( e provavelmente outros vertebrados), como també m
danifica a audição com carácter permanente. Mesmo um n í vel relativamente baixo
de ru í do, como o ru ído de uma multid ã o, de uma estrada ou de um r á dio, inter ¬

fere com a conversa çã o humana, provoca tensã o emocional e de comportamento,


e amea ça a «tranquilidade dom é stica » garantida pela Constitui çã o dos E . U. A. e de
outros pa íses. Em conformidade, o som deve ser considerado como um poluente
potencialmente sé rio e como uma amea ça grave à sa ú de ambiental . Assim sendo, a
medição, a redu ção, as regulamentaçõ es e as restrições legais em mat é ria de poluiçã o
sonora devem ser consideradas ao mesmo n í vel dos esforços para controlar os com ¬
ponentes « qu í micos » da polui çã o do ar .
712

A unidade de medi çã o para o som é o decibel ( db ). N ã o se trata de uma


unidade absoluta de medi ção, mas sim de uma unidade relativa , baseada no loga ¬
ritmo da razão entre a intensidade do som ( / ) e um n í vel de refer ê ncia ( /„), esta ¬
belecido arbitrariamente como uma press ão de som com 0,0002 microbares ( dines
por cm 2 ou uma energia de cerca de 10 16 watts ), que foi inicialmente considerada
~

como a intensidade m í nima aud í vel pelo homem. Assim ,


l_
bei = logl 0
Io
e
/
decibel = 10 logl 0
Io

Em conformidade , 10, 20 e 100 decibé is representam , respectivamente, 10 vezes,


100 vezes e 1010 vezes o limiar da intensidade. É importante reconhecer a natu ¬
reza logar í tmica desta escala !
A á rea da audi çã o humana estende - se desde cerca de 20 a 20 000 cps
( ciclos por segundo) , quanto a frequ ê ncia , e em intensidade de 0 a mais de 120 db
( ponto em que a intensidade produz desconforto f ísico), o que significa uma varia ¬

ção de 1012 vezes ou superior. A conversa ção corrente , que se situa em frequ ê ncia
num intervalo de 250 a 10 000 cps, inscreve-se entre os 30 e os 60 db, ao passo
que o ru í do sob um avi ã o a jacto, no momento da descolagem , pode subir a mais de
160 db. O efeito no homem varia com a frequ ê ncia ou «altura » do som . Considera-se
que o « n í vel de pressã o do som » tem uma maior «sonoridade» para os sons mais
altos do que para os mais baixos. Por exemplo, um aviã o a jacto produzindo sons a
uma intensidade de 100 db , é considerado duas vezes mais ruidoso e perturbador
do que um avião a h é lice emitindo um som do mesmo n í vel de decibé is, porque
a sua produ çã o de ru í do cont é m mais energia de alta frequ ê ncia .
A sonoridade , tal como as pessoas a apercebem , é expressa em unidades
denominadas sones. Trata-se també m de uma unidade relativa 1 sone iguala a
sonoridade de uma pressão de som de 40 db a 1000 cpm . Um som de 40 db
a 5000 cps é considerado duas vezes mais sonoro do aquele , sendo- lhe , portanto,
atribu í do o valor de 2 sones. Nesta escala, 50 sones e da í para cima constituem uma
sonoridade excessiva para a exist ê ncia de conforto, qualquer que seja a frequ ê ncia
dentro do intervalo de audiçã o. Em geral , pode considerar -se 85 db ( 10 a 50 sones,
dependendo da frequ ê ncia) como o n í vel cr í tico para a agressã o do ouvido. Os n í veis
de ru í do muito abaixo deste n í vel de inj ria f ísica podem ter efeitos subtis e constituir
at é motivo de maior preocupa ção para a popula çã o em geral . As pessoas come çam
a queixar-se quando n í veis de ru í do indesejá veis nas á reas residenciais atingem
de 35 a 40 db, e come çam a amea çar com uma acçã o colectiva quando alcan çam
50 db! Um problema principal no controlo do ru í do reside nas dificuldades de ava-
713

liar o ru í do complexo, que cont é m energia num certo n mero de bandas de oitava
isto é , o tipo de ru í do que , geralmente , é mais irritante. Finalmente , o ru í do
s bito, como por exemplo um estampido, produz «efeito de susto» que pode ser
mais perturbador do que o ru í do cont í nuo . Os estampidos podem també m produzir
danos f í sicos em im ó veis ( vidros partidos, etc. ) .
A amea ça do ru ído constitui outra razã o que compele o homem a preservar
um Lebensraum ( espa ço vital ) maior do que o espa ço m í nimo necessá rio para as suas
necessidades fisiol ógicas e psicol ógicas de todos os dias. Paralelamente, com uma
aten çã o crescente à tecnologia da redu çã o do ru í do, torna- se obviamente necessá rio
incrementar a zonagem e o planeamento que separam o ru í do industrial , as auto- es-
tradas , e assim por diante , do espa ço em que se habita. At é 1970, apenas um pequeno
n ú mero de cidades e de estados tinham promulgado leis para controlo do ru í do,
sendo ainda em menor n ú mero aqueles que tinha feito alguma coisa para o medir
ou reduzir . No sul da Calif ó rnia, segundo se sabe , est ão a ser instalados medido¬
res de intensidade sonora ao longo das estradas , e os cami ões e autom ó veis são
detidos, n ão apenas por excesso de velocidade, mas també m por excederem o limite
de ru í do estabelecido de 82 decib é is ! Mais importante do que isso será for çar códi ¬
gos de constru ção que exijam a edifica ção de casas e de apartamentos à prova de
som . As pessoas n ão podem viver em paz quando se encontram amontoadas nas
cidades e separadas umas das outras por finas paredes de papel !
Nas á reas metropolitanas, a vegeta ção das cinturas verdes, e o espaço aberto em
geral , poder á ser de um valor t ã o grande na melhoria das condi ções referentes ao
ru í do como na purificação do ar. Robinette (1969) assinala que as plantas são absor ¬
ventes eficientes do ru í do, especialmente de ru í dos de frequ ê ncia alta . Uma densa
sebe viva de folha persistente pode reduzir de 10 db o ru í do da recolha do lixo ( isto
é, uma redu ção de dez vezes). As plantações de bordadura , ao longo das estradas
e das ruas , podem ser eficientes , caso as mesmas sejam mais baixas no sentido
da fonte do ru í do e mais altas no sentido daquele que o ouve , n ã o se limitando
assim a absorver o ru í do, mas desviando- o tamb é m para cima. Uma faixa de 15 me ¬
tros de largura com uma banda interior de arbustos densos e uma exterior de á rvo¬
res pode ser bastante eficiente ( uma esp écie de bordadura de floresta que é
igualmente boa para a vida selvagem de pequena dimensã o).
Como acontece com maioria de outros excessos da nossa sociedade , o pro¬
blema de estabelecer divisó rias é dif í cil. O som é necessá rio para a exist ê ncia
humana, e muito do que é produzido pela natureza ( o canto das aves) e pelo homem
( m ú sica) é agrad á vel e importante . De novo, tal como em todos os aspectos da
polui çã o, o problema põe-se quando h á um excesso de uma coisa que de outra
forma seria uma «coisa boa». Deste modo, os dois maiores obst áculos para a solu ¬
ção do problema são (1) a car ê ncia de consciê ncia e de preocupa ção do p ú blico
relativamente aos perigos e ( 2) a press ão econ ó mica para adiar ou nada fazer
714

enquanto o dinheiro est á a entrar . Para resolver realmente um problema, como


por exemplo o ruí do do aeroporto, é necess ário fazer duas coisas simultaneamente
e com continuidade: (1) reduzir o ruí do na sua origem, tanto quanto for tecnica ¬

mente possí vel, e (2) criar uma zona à volta do aeroporto, de tal forma que não seja
permitido a ningué m construir uma casa ou uma fábrica dentro de um raio de
15 quilómetros a partir do aeroporto ( para sua pr ópria protec ção, sob iguais direitos
de protecção do governo, e para evitar futuros processos judiciais que dificultam
o desenvolvimento econó mico !). Um grande «cintur ão verde» de herdades e de flo ¬

restas à volta de um aeroporto para aviões a jacto seria de grande valor, não s ó
para absorver o ruí do mas també m como um purificador de ar, produtor de alimento e
de fibras, e como área de recreio! Um tal ataque duplo do problema é aquilo que
os ecologistas designam por «lógica do ecossistema». Para efeitos de análises adi ¬

cionais sobre poluição sonora, seus efeitos e sua redução, veja- se Glorig ( 1958),
Kryter ( 1970), Rhodda ( 1967) e Burns ( 1969).
A redução do ruí do constituiria uma boa cruzada para a geração dos jovens,
n ão s ó porque eles contribuem inconscientemente para o excesso ( m sica rock
amplificada, por exemplo) mas també m, o que é mais importante, porque é prová ¬

vel que um ambiente livre de ruí do indesejado constitua um ambiente de qualidade


quanto a outros aspectos.

Outras Áreas de Problemas

A poluição radioactiva e a poluição t é rmica são consideradas no cap í tulo


seguinte, enquanto aspectos adicionais da tecnologia da detecção e do controlo de
res í duos se encontram analisados nos Capí tulos 18, 19 e 20. No Capí tulo 21,
volta- se a dar ênfase à poluição como uma força motivadora de reformas sociais,
econó micas e legislativas.
715

Capítulo 17 ECOLOGIA DA RADIA ÇÃ O

A ecologia da radia çã o ocupa-se com as subst â ncias radioactivas , a radia çã o e


o ambiente . H á duas perspectivas bastante distintas da radioecologia que requerem
m é todos diferentes. Interessam, por um lado, os efeitos da radia ção nos indiv í duos,
popula ções, comunidades e ecossistemas. A outra perspectiva importante da ecologia
da radia çã o ocupa-se com o destino das subst â ncias radioactivas libertadas para o
ambiente e com a forma pela qual as populações e as comunidades ecol ógicas con ¬
trolam a distribui çã o da radioactividade. As experi ê ncias com armas nucleares adi ¬
cionaram , a uma escala global, radioactividade produzida pelo homem àquela que
ocorre naturalmente. Muito embora as experiê ncias com armas nucleares tenham
sido grandemente reduzidas desde 1962, mant é m-se a amea ça de uma guerra nuclear.
O desenvolvimento cont í nuo da energia nuclear para utilizações pacíficas, que dever á
acelerar-se à medida que decrescem as disponibilidades em energias f ósseis, implica
a necessidade de prever , vigiar e controlar volumes crescentes de res íduos radioacti-
vos, à semelhan ça do que se dever á fazer com os poluentes perigosos ( ver Capí ¬
tulo 16 ). De um lado mais positivo, os tra çadores radioactivos est ão a proporcionar
instrumentos muito valiosos para a investiga çã o. Tal como os diversos tipos de
microscó pio ampliam a capacidade humana para estudar a estrutura, assim també m
os tra çadores em todas as suas formas ampliam essa capacidade para o estudo da
fun çã o. Na Parte 1 ( ver páginas 60, 93 e 98) referiram -se exemplos da utilidade
dos traçadores.
Os livros de consulta mais ú teis no â mbito da radioecologia sã o os volumes
de simp ósios editados por Schultz e Klement (1963 ), Hungate (1966 ) e Nelson e
Evans ( 1969 ) ; ver tamb é m Polikarpov , 1966.
716

1. RESUMO DOS CONCEITOS E TERMINOLOGIA NUCLEARES


DE IMPORTÂ NCIA ECOLÓGICA

Com o objectivo de facilitar a aná lise subsequente e a apresenta çã o de dados,


examinam-se seguidamente alguns dos mais importantes conceitos e termos utiliza ¬
dos na ecologia da radia çã o. Para informa ção adicional , ver os livros da autoria de
Lapp e Andrews ( 1954), Glasstone ( 1958), Comer ( 1955), Overman e Clark ( 1960)
e Chase e Rabinowitz ( 1967).

Tipos de Radiações lonizantes

As radia çõ es de energia muito alta capazes de remover electr ões dos á tomos e
de os ligar a outros á tomos, produzindo deste modo pares de iões positivos e nega ¬
tivos, sã o conhecidas por radia ções ionizantes, em contraste com a luz e a maior
parte da radia çã o solar que n ã o t ê m acçã o ionizante. Julga -se que a ioniza çã o é
a causa principal da lesão do protoplasma e que o dano é proporcional ao n mero
dos pares de i ões produzidos no material absorvente . As radia ções ionizantes sã o
emitidas na Terra por materiais radioactivos, sendo tamb é m recebidas do espaço.
Os is ó topos dos elementos que emitem radiações ionizantes sã o denominados radio-
nuclidos ou radioisótopos.
Das trê s radiaçõ es ionizantes com impacto ecol ógico importante, duas s ã o cor ¬

pusculares ( alfa e beta) e uma é electromagn é tica ( radia çã o gama e os raios X relacio
¬

nados). A radia ção corpuscular consiste em fluxos de part í culas at ó micas e subat ó-
micas que transferem a sua energia para tudo aquilo em que embatem . As particulas
alfa s ã o partes de á tomos de h é lio, e à escala at ó mica sã o enormes. Apenas viajam
alguns cent í metros no ar e podem ser detidas por uma folha de papel ou pela camada
morta da pele do homem, embora produzam localmente, e ao ser detidas , uma
grande quantidade de ioniza ção. As partí culas beta sã o electr ões de alta velocidade
part í culas muito mais pequenas que podem viajar no ar alguns metros, ou at é
um par de cent í metros atravé s de um tecido, e ceder a sua energia num trajecto
maior . Por outro lado, as radiações ionizantes electromagnéticas s ã o como a luz,
s ó que de um comprimento de onda muito mais curto ( ver Figura 5-6). Viajam
atravé s de grandes dist â ncias e penetram facilmente na mat é ria, libertando a res-
pectiva energia em trajectos longos ( a ioniza ção é dispersada) . Os raios gama , por
exemplo, penetram facilmente nos materiais biol ógicos; um dado « raio» poder á
atravessar facilmente um organismo sem produzir qualquer efeito ou poderá produzir
717

ioniza ção num trajecto longo. Os seus efeitos dependem do n ú mero e da energia dos
raios e da dist â ncia a que o organismo se encontra da fonte , uma vez que a intensi ¬
dade diminui exponencialmente com a dist â ncia. Na Figura 17-1, ilustram-se caracte -
r í sticas importantes dos raios alfa, beta e gama. Nas sé ries alfa, beta e gama o poder
de penetraçã o cresce por essa ordem , embora a concentra çã o da ioniza ção e os danos
locais decresçam . Segue-se que os biologistas classificam com frequê ncia as subs ¬
t â ncias que emitem part í culas alfa e beta como «emissores internos», dado que os
respectivos efeitos tendem a ser os mais elevados quando absorvidas, ingeridas ou
depositadas nos tecidos vivos ou perto deles. Inversamente, as subst â ncias radioacti-
vas que são principalmente emissoras de raios gama classificam -se como «emissores
externos», uma vez que t ê m um elevado poder de penetração e podem produzir
os seus efeitos sem necessidade de serem absorvidas.
H á outros tipos de radia ção que t ê m interesse, pelo menos indirecto, para o
ecologista. Os neutr ões s ã o part í culas sem carga, grandes, que por si mesmas
não provocam ionização, embora, à semelhança de um touro numa loja de lou ça,
provoquem grandes /é stragos localmente por promoverem o deslocamento de á tomos
das suas posições est á veis mediante choque . Os neutr ões induzem deste modo a ra-
dioactividade em materiais n ã o radioactivos ou em tecidos atrav é s dos quais passam .
Para uma dada quantidade de energia absorvida, os neutr ões « rá pidos» poder ão pro¬
vocar dez vezes mais danos locais, e os neutr ões «lentos» cinco vezes mais, do que
os raios gama. Os neutr ões encontram-se confinados na vizinhan ça dos reactores
ou das explosões at ó micas, embora, como atrás se referiu , sejam de primordial
import â ncia na produ çã o de subst â ncias radioactivas que podem e est ã o a ser profu¬

samente distribu ídas na natureza. Os raios X são radiaçõ es electromagn é ticas muito
semelhantes aos raios gama, embora tenham a sua origem na camada, mais exterior,
de electr ões e não no n cleo do á tomo, e nã o sejam emitidos por subst â ncias
radioactivas dispersas no ambiente . Uma vez que estes raios e os raios gama t ê m
efeitos similares, e uma vez que os raios X são facilmente obtidos a partir de um
aparelho especí fico, podem utilizar- se comodamente em estudos experimentais de in ¬

div í duos, populaçõ es, ou mesmo de ecossistemas pequenos. Os raios có smicos são
radia çõ es provenientes do espa ço exterior constitu í das por misturas de componentes
corpusculares e electromagn é ticos. A intensidade dos raios cósmicos na biosfera é
pequena, embora, como se ver á no Cap í tulo 20, esses raios constituam um perigo
importante nas viagens espaciais. Os raios cósmicos e a radiaçã o ionizante proveniente
das subst â ncias naturais radioactivas existentes no solo e na água produzem aquilo
que se conhece por radia ção de fundo , a que o biota actual se encontra adaptado. De
facto, o biota poderá depender desta radia çã o de fundo para a manuten çã o da fluidez
gen é tica. A radia ção de fundo varia de tr ê s a quatro vezes em diversas partes da
biosfera. Este cap í tulo respeita principalmente à radioactividade artificial que é adi ¬
cionada à radia ção de fundo.
718

, ,LFA
1L
LFA
*ê;
BETA
-*8ih BETA
-
/
GAMA GAMA '
pigj

FONTE EXTERNA FONTE INTERNA

-
Figura 17 1. Compara ção esquemá tica dos tr ê s tipos de radia çõ es ionizantes de maior interesse
ecológico , mostrando a penetra çã o relativa e o efeito de ioniza çã o específico. O diagrama n ão pretende
ser quantitativo.

Unidades de Medida

Para lidar com o fenó meno radiação são necessá rios dois tipos de medida :
(1) uma medida de quantidade de uma subst â ncia radioactiva em termos do n mero
de desintegrações que ocorrem e (2 ) uma medida da dose de radiação em termos de
energia absorvida, suscept í vel de causar ioniza çã o e dano.
A unidade básica da quantidade de uma subst â ncia radioactiva é o curie
( Ci), definido como a quantidade de material em que se desintegram 3,7 x 1010
á tomos por segundo, ou em que ocorrem 2 ,2 x 1012 desintegrações por minuto (dpm ).
O peso real do material que origina um curie é muito diferente para um is ótopo
de transmutação lenta, de vida longa, em compara ção com outro de transmutação
rá pida. Por exemplo, um grama de rádio constitui aproximadamente um curie,
ao passo que numa quantidade muito menor (cerca de 10 7 gramas) de sódio ra-
dioactivo recé m -formado ocorrer ã o 3,7 x 1010 desintegrações por segundo ! Uma
vez que um curie representa uma grande quantidade de radioactividade do ponto
de vista biol ógico, são largamente utilizadas unidades mais pequenas: milicurie
( mCi) = 10 3 Ci ; microcurie (/zCi) = 10 6 Ci; nanocurie ( nCi ) (anteriormente designado
'

um milimicrocurie, m /zc) = 10 9 Ci ; picocurie (pCi ) (primeiramente designado um mi-


cromicrocurie , ppc ) = 10 12 Ci . A amplitude poss í vel de actividade é t ão grande que
719

é preciso ter cuidado quanto à posição do ponto decimal! O curie indica quantas
part ículas alfa ou beta ou raios gama, est ã o a ser emitidos por uma fonte radioactiva,
embora esta informação nada diga quanto ao efeito que a radia çã o poder á ter
sobre os organismos que se encontram na linha de fogo.
Outro aspecto importante da radia ção, a dose de radia ção, tem sido medida
com diversas escalas. A unidade mais conveniente para todos os tipos de radia çã o é
o rad, que se define como a dose absorvida de 100 ergs de energia por grama de
tecido. O roentgen (R) é uma unidade mais antiga, que em sentido estrito deverá
apenas ser utilizada para os raios X e gama. Quando se est á a tratar dos efeitos nos
organismos vivos, o rad e o roentgen são, na realidade, aproximadamente a mesma
coisa. Uma unidade 1000 vezes menor, designada milirroentgen ( mR) ou milirrad
( mrad ), é conveniente para o tipo de n íveis de radiação que se encontram frequen ¬
temente no ambiente. É importante destacar que o roentgen ou o rad , é uma
unidade de dose total. A intensidade da dose é a quantidade recebida por unidade
de tempo. Assim , se um organismo est á a receber 10 mR por hora, a dose total
num perí odo de 24 horas deverá ser 240 mR ou 0,240 R. Como se ver á, o tempo
durante o qual uma dada dose é recebida constitui um aspecto muito importante.
Os instrumentos que medem a radiação ionizante constam de duas partes
básicas, ( 1) um detector e (2) um medidor de intensidade ou contador electr ó nico
( escal í metro ). Os detectores gasosos, como os tubos de geiger , sã o utilizados com
frequ ê ncia para medir a radiaçã o beta , enquanto que para medir a radia çã o gama
e outros tipos de radia ção sã o largamente utilizados detectores s ólidos ou l í quidos
de cintila çã o (subst â ncias que convertem a radia çã o invis í vel em luz vis í vel que é
registada por um sistema fotoelé ctrico).

Radionuclidos (Radioisótopos) de Importância Ecológica

Há v á rios tipos de á tomos de cada subst â ncia elementar , cada um com uma
constituição ligeiramente diferente, alguns radioactivos, outros n ão. Estas variedades
de elementos designam-se por isótopos. Deste modo, h á v á rios is ótopos do elemento
oxig é nio, vá rios is ótopos do elemento carbono, e assim por diante . Os is ótopos que
são radioactivos são os inst á veis que se desintegram em outros isótopos , libertando
ao mesmo tempo radiações. Cada is ótopo é identificado por um n mero, o seu peso
at ó mico; cada is ótopo radioactivo, ou radionuclido conforme a designa ção mais fre ¬
quente , tamb é m possui uma velocidade caracter í stica de desintegra çã o que é indi ¬

cada pela sua vida- m é dia. Alguns radionuclidos de import â ncia ecol ógica encontram - se
enumerados no Quadro 17-1. Observar -se- á no Grupo B do Quadro 17-1 que o
cálcio- 45 é o is ótopo radioactivo do cálcio; tem um peso at ó mico de 45 e perde
metade da sua radioactividade todos os 160 dias. A vida- m édia é constante para
um dado nuclido ( isto é , a velocidade da desintegra ção n ão é afectada pelos factores
720

ambientais) e varia desde poucos segundos a muitos anos, dependendo do radio-


nuclido. Em geral, radionuclidos de vida extremamente curta t ê m pouco interesse
do ponto de vista ecológico. Uma variável que afecta o poder de penetração da
radiação é a sua energia. A maior parte dos radionuclidos de interesse ecológico t ê m
energias variá veis entre 0,1 e 5 Mev (milhão de electrão- volts). A energia relativa
de cada isótopo encontra- se indicada no Quadro 17-1 ( ver refer ências padronizadas
para valores exactos). Quanto maior a energia, maior o perigo potencial para o
material biológico dentro do intervalo de um tipo particular de radiação. Os is ótopos
energé ticos s ão, por outro lado, mais fáceis de detectar em quantidades muito pe ¬

quenas e assim d ão melhores «traçadores». Por exemplo, os emissores de energia


gama, como sejam o cobalto-60, o cé sio- 134, o escádio- 46 ou o t ântalo- 182 propor¬

cionam «etiquetas» teis para seguir o movimento de animais sob a casca de uma
árvore ou no solo, fora da vista portanto.
Do ponto de vista ecológico, os radionuclidos distribuem- se por vários grupos
relativamente bem definidos, como se ilustra no Quadro 17-1. Radionuclidos que
ocorrem naturalmente formam um grupo, (A), ao passo que os isótopos de elementos
metabolicamente importantes formam um outro grupo, (B), e s ão especialmente im ¬

portantes como traç adores. Um terceiro grupo importante de radionuclidos, (C), é


constituí do pelos produzidos pela fissão do ur ânio e de alguns outros elementos; en¬

globa a maioria dos elementos que não s ão metabolicamente essenciais ( o 1311 cons ¬

titui uma excepção). Contudo, este grupo é um grupo perigoso dado que os is ó ¬

topos de fissão s ão produzidos em grandes quantidades, tanto nas explosões nuclea ¬

res como nas operações nucleares controladas, que produzem electricidade e outras
formas teis de energia. Embora estes nuclidos não sejam na sua maior parte cons ¬

tituintes essenciais do protoplasma, entram facilmente nos ciclos biogeoquí micos


e muitos deles, especialmente os nuclidos de estr ôncio e cé sio, concentram- se na
cadeia alimentar, como se salientou no Capí tulo 4, Secção 4. Observe- se que certo
número de is ótopos do grupo C t êm um «is ótopo derivado» (um isótopo formado
durante a desintegração de um outro isótopo), que poder á ser mais energé tico
do que o «progenitor».
Est á previsto que o homem venha um dia a ser capaz de utilizar a energia
de fusão da bomba de hidrogénio como alternativa à energia de fissão, que constitui
actualmente a base das utilizações correntes da energia nuclear. Semelhante pro ¬

gresso eliminaria os produtos da desintegração, embora mantendo- se problemas


envolvendo o trítio ( 3 H) e a radioactividade induzida por neutr ões.

2. RADIOSSENSIBILIDADE COMPARADA

Mesmo antes de iniciada a era at ómica com a explosão da primeira bomba


at ómica, já se havia trabalhado suficientemente com os raios X para ver que os orga-
Quadro 17-1 Rádio Nuclidos de Import â ncia Ecoló gica
Grupo A. Isó topos que ocorrem naturalmente, contribuindo para a radiaçã o de fundo.

NUCLIDO VIDA M É DIA RADIAÇÕES EMITIDAS

Urâ nio - 235 ( 233 U) 7 x 10 * anos Alfa 3 Gama 0


Urâ nio - 238 ( 238 U) 4,5 x 109 anos Alfa 3
Rá dio - 226 ( 220 Ra ) 1620 anos Alfa 3 Gama 0
T ó rio - 232 ( 232 Th ) 1,4 x 1010 anos Alfa 3
Potá ssio - 40 ( 40 K ) 1,3 x 109 anos Beta 2 Gama 2
Carbono - 14 ( ver Grupo B . )
0 Energia muito baixa, inferior a 0, 2 Mev; 1 Energia relativamente baixa, 0,2 - 1 Mev;
2 Energia alta, 1 - 3 Mev; 3 Energia muito alta , superior a 3 Mev.

Grupo B . Nuclidos de elementos que são constituintes essenciais dos organismos, e, por ¬
tanto, importantes nos estudos das comunidades como tra çadores, bem como por
motivo da radia ção que produzem.
NUCLIDO VIDA MÉ DIA RADIAÇÕES EMITIDAS

Cálcio - 45 O5 Ca) 160 dias Beta '


Carbono - 14 ( 14 C) 5568 anos Beta 0
Cobalto - 60 ( 00 Co) 5,27 anos Beta 1 Gama 2
Cobre - 64 ( 64 Cu ) 12,8 horas Beta 1 Gama 2
lodo - 131 ( 131 I ) 8 dias Beta 1 Gama 1
Ferro - 59 ( 59 Fe ) 45 dias Beta 1 Gama 2
Hidrogé nio - 3 (Tr ítio) ( 3 H) 12,4 anos Beta 0
Mangan ê s - 54 ( 54 Mn ) 300 dias Beta 2 Gama 2
Fósforo - 32 ( 32 P) 14,5 dias Beta 2
Potássio - 42 ( 42 K) 12,4 horas Beta 3 Gama 2
S ódio - 22 ( 22 Na ) 2,6 anos Beta 1 Gama 2
S ódio - 24 ( 24 Na) 15,1 horas Beta 2 Gama 2
Enxofre - 35 ( 35 S ) 87,1 dias Beta 0
Zinco - 65 ( 65 Zn ) 250 dias Beta 1 Gama 2
Tamb é m bá rio - 140 ( 140 Ba ) , bromo - 82 ( 82 Br ), molibd é nio - 99 ( 99 Mo) e outros elementos
tra çadores.

Grupo C. Nuclidos importantes nos produtos de fissã o que entram no ambiente atravé s
precipita ção radioactiva ou da distribuiçã o dos res íduos.

NUCLIDO VIDA M É DIA RADIAÇÕES EMITIDAS

Grupo do estrô ncio


Estrô ncio - 90 ( 90 Sr ) e 28 anos Beta 1
í trio - 90 ( 90 Y) derivado 2,5 dias Beta 2
-
Estr ô ncio 89 ( 89 Sr) 53 dias Beta 2
Grupo do cé sio
-
C é sio 137 ( 137 Cs) e
bá rio - 137 ( l 37 Ba) derivado
33 anos
2,6 minutos
Beta 2
Beta
Gama
Gama 1
Césio - 134 ( 134 C$) 2,3 anos Beta 1 Gama 2
Grupo do cé rio
Cé rio - 144 (J 44 Ce ) e 285 dias Beta 1 Gama 0
praseod í mio - 144 ( 144 Pr ) derivado 17 minutos Beta 2 Gama 2
C é rio - 141 ( 141 Ce) 33 dias Beta 1 Gama 1
Grupo do ruté nio
-
Rut é nio 106 ( 106 Ru) e 1 ano Beta 0
-
r ódio 106 ( 106 Rh ) derivado
Ruté nio - 103 ( l 03 Ru)
30
40
segundos
dias
Beta 3
Beta 1
Gama 2
Gama 1
Zircó nio - 95 ( 95 Zr) e 65 dias Beta 1 Gama 1
nió bio - 95 ( 95 Nb) derivado 35 dias Beta 0 Gama 1
B ário - 140 ( 140 Ba) e 12,8 dias Beta 1 Gama 1
lantânio - 140 ( 140 La) derivado 40 horas Beta 2 Gama 2
Neod í mio - 147 ( 147 Nd ) e 11,3 dias Beta 1 Gama 1

í trio - 91 ( 9 IY)
-
prom é tio 147 ( 147 Pm ) derivado 2,6
61
anos
dias
Beta 1
Beta 2
Gama
Gama 1
Plut ó nio - 239 ( 239 Pu ) 2, 4 x 104 anos Alfa 3 Gama 1
Iodo - 131 (ver Grupo B )
Urânio ( ver Grupo A)
722

nismos diferiam grandemente na respectiva capacidade de tolerar doses maci ças de


radiação. A sensibilidade comparada de trê s grupos distintos de organismos a doses
individuais de raios X ou gama encontra-se ilustrada na Figura 17- 2. As grandes
doses individuais aplicadas em curtos intervalos de tempo ( minutos ou horas) deno ¬
minam-se doses agudas, em contraste com doses cró nicas de radiação subletal que
podem ser experimentadas continuamente ao longo de todo um ciclo de vida. Os
extremos esquerdos das barras indicam os n í veis a que se podem esperar efeitos
graves na reprodu ção (esterilização tempor ária ou permanente, por exemplo) das
esp é cies mais sens í veis do grupo, e os respectivos extremos direitos indicam os
n íveis a que a maior parte (50 por cento ou mais) das espécies mais resistentes
seria prontamente exterminada. As flechas da esquerda indicam a margem inferior
das doses que produziriam morte ou danos em est á dios sensíveis do ciclo de vida,
como por exemplo o embrion á rio. Assim , uma dose de 200 rads provocará a morte
de alguns embriões de insectos na fase de segmenta çã o. Cinco mil rads esterilizar ão
algumas esp é cies de insectos , embora possam ser necessários cem mil rads para
exterminar todos os indiv íduos adultos das espé cies mais resistentes. Em geral , con ¬
sidera-se que os mam íferos são os organismos mais sens íveis e os microrganismos
os mais resistentes. As plantas com semente e os vertebrados inferiores situar-
-se - iam algures entre os insectos e os mam íferos. A maioria dos estudos revelou
I
MAMÍFEROS
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INSECTOS
4
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BACT ÉRIAS
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I O2 I O3 10 I O5 IO6
DOSE EM RADS

-
Figura 17 2. Radiossensibitidade comparada de trê s grupos de organismos a doses agudas avulsas
de radia çã o X ou gama. Ver explicação no texto.

que as cé lulas em divisão mais rá pida sã o mais sens íveis ( o que explica o decrescer
da sensibilidade com a idade ). Assim , qualquer componente quer seja uma parte
4e organismo, um organismo inteiro, ou uma populaçã o que experimente um
crescimento rá pido é suscept í vel de ser afectado por n í veis de radia ção comparati ¬
vamente baixos, independentemente das suas rela ções taxon ómicas.
Os efeitos de doses cr ó nicas de n í vel baixo sã o mais dif í ceis de medir, uma
vez que poderã o intervir efeitos a longo prazo tanto gen é ticos como somá ticos.
Em termos de resposta de crescimento, Sparrow ( 1962) relatou que uma dose cr ó nica
de 1 R por dia mantida durante dez anos produz aproximadamente a mesma redu ção
723

no crescimento de pinheiros (que são relativamente radiossensí veis) que uma dose
aguda de 60 R. Qualquer acré scimo de radiação ionizante no ambiente acima da
radiação de fundo, ou até uma radiação de fundo elevada, pode aumentar o ritmo
da produ ção de mutações nocivas ( tal como acontece com muitos produtos qu í ¬

micos e aditivos alimentares que o homem hoje impõe a si pró prio).


-
Tem se demonstrado que nas plantas superiores a sensibilidade à radia ção
ionizante é directamente proporcional à dimensão do n ú cleo da célula, mais espe-
cificamente ao volume do cromossoma ou ao teor em DNA (Sparrow e Evans,
1961; Sparrow e Woodwell, 1962; Sparrow et al., 1963). Como se ilustra na Fi ¬

gura 17-3, a sensibilidade à radiação varia quase três ordens de grandeza para um
grupo de espermat ófitas, concó mitantemente com o volume dos cromossomas. As
plantas com grande volume de cromossomas são exterminadas por uma dose aguda
de menos de 1000 rads, enquanto que as plantas com cromossomas pequenos ou
pouco numerosos podem sobreviver a 50000 rads ou mais. Tais relações sugerem
que quanto maior for o «alvo» cromossó mico, tanto mais prová veis serão os «golpes»
directos pelas «balas» at ó micas.
Nos animais superiores n ão se tem encontrado uma relação directa entre a
sensibilidade e a estrutura celular; os efeitos sobre sistemas espec íficos de ó rgãos
são mais cr í ticos. Assim, os mam íferos são muito sens í veis a doses baixas porque

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O. I
O.I 1.0 10.0 IOO 1000
ESTIMATIVA DO VOLUME CROMOSS Ó MICO ENTRE FASES ( p 3)
( VOLUME M É DIO DO N ÚCLEO / N Ú MERO DE CROMOSSOMAS)

Figura 17-3. Rela çã o entre o volume do cromossó mico entre fases de plantas de semente e a
exposi ção aguda letal em quilorroentgens ( 1000 R ). As espé cies representadas são as seguintes: (1) TriUium
grandiflorum, ( 2) Podophyllum peltatum, (3) Hyacinthus h . v. Innocence , ( 4) Lilium logiflorum, (5) Chloro-
phytum elatum , (6) Zea mays, (7 ) Aphanostephus skirrobasis , (8) Crepis capillaris, (9) Sedum ternatum,
( 10) Lycopersicum esculentum, ( 11) Gladiolus h . v. Friendship, ( 12 ) Mentha spicata , ( 13) Sedum oryzifolium,
( 14 ) Sedum tricarpum , ( 15) Sedum alfredi var. nagasakianum , ( 16) Sedum rupifragum. (Segundo Sparrow,
Schairer e Sparrow, 1963.)
724

o tecido hematopo é tico na medula óssea é especialmente vulnerá vel. Um certo


n mero de autores refere que o LD 50 ( = a dose letal para 50 por cento da popula ção)
de certos roedores silvestres é aproximadamente duplo do relativo ao rato e à rata¬
zana brancos de laborat ó rio (Gambino e Lindberg , 1964; Golley et ai , 1965; Dunaway
et ai , 1969) , embora as raz ões para esta diferen ça em esp é cies t ã o intimamente
aparentadas ainda nã o tenham sido adequadamente explicadas.
A sensibilidade diferencial tem interesse ecol ógico considerá vel . Caso um sis¬
tema receba um n í vel de radia ção mais alto do que aquele que presidiu à sua
evolu ção, dever ão ocorrer adaptações e ajustamentos que podem incluir a elimina ção
de estirpes ou de espé cies sens í veis. Na Secçã o 3 d ã o-se exemplos de redu çã o na
diversidade de espé cies e alterações na estrutura da comunidade induzidas pela radia ¬
ção. A pressão da radia çã o pode alterar interacções chave da popula çã o, por exemplo
o equil í brio predador- presa, como ilustram as experiê ncias com ácaros publicadas por
Auerbach ( 1958) , ou provocar surtos de pragas, de que se apresenta um exemplo
na secção seguinte.
Nesta altura deveria tomar -se nota da ordem de grandeza das doses da radia ¬

çã o natural ou de fundo a que os organismos est ã o, por assim dizer , habituados .


A radia çã o de fundo tem tr ê s origens principais: ( 1) raios cósmicos, ( 2 ) pot ássio- 40
« in vivo» ( no interior dos tecidos vivos ) e ( 3) radia çã o externa proveniente do r á dio
e de outros radionuclidos que ocorrem naturalmente nas rochas e nos solos .
Seguem -se estimativas das doses provenientes da cada uma destas tr ê s fontes, em
milirrads por ano, recebidas em cinco localizações ( ver Polikarpov, 1966):

Rocha sedimentar ao n í vel do mar : 35 + 17 + 23 = 75


Rochas gran í ticas ao n í vel do mar : 35 + 17 + 90 = 142
Rochas gran í ticas a 3000 metros de altitude : 100 + 17 + 90 = 207
Superf í cie do mar : 35 + 28 + 1 = 64
100 metros abaixo da superf í cie do mar : 1 + 28 + 1 = 30

Talvez não haja qualquer limiar para os efeitos da radia ção. Os geneticistas
na generalidade concordam em que n ão existe limiar para as mutações gen é ticas.
Presentemente, recorre-se ao expediente de estabelecer «n í veis m í nimos permitidos»,
tanto para a dose como para a quantidade de diferentes radionuclidos no ambiente .
Isto constitui um bom procedimento desde que se reconhe ça que estes n í veis per ¬

mitidos n ã o representam realmente qualquer limiar conhecido. Na realidade, durante


a d é cada passada os « n í veis permitidos» para o homem foram revistos e reduzidos.
Uma vez que o homem parece ser t ão sensí vel à radia ção como qualquer outro
organismo, existe a opiniã o muito generalizada que basta « vigiar » os n í veis de
radia çã o e de os manter baixos no microambiente em que os seres humanos vivem .
Loutit (1956) sumariza este ponto de vista como se segue : «É nossa opinião que,
725

se acautelarmos a humanidade do ponto de vista radiol ógico, o resto da natureza


cuidar á de si mesma, com pequenas excepçõ es ». Isto constitui uma excessiva sim ¬

plifica çã o perigosa. A polui çã o radioactiva do solo, dos oceanos e dc outros ambien ¬


tes onde o homem realmente não vive terá, sem d vida, efeitos sobre o sistema
essencial que suporta a vida do homem. Acima de tudo, como será documentado
nas Secções 4 e 5, qualquer subst â ncia radioactiva com uma vida- m édia longa
introduzida no ambiente em qualquer ponto da biosfera acabar á, cedo ou tarde ,
por encontrar caminho at é ao corpo humano. Caso se pretenda acautelar o homem
do ponto de vista radiobiol ógico é preciso cuidar suficientemente do ecossistema .
As sensibilidades diferenciais à radiaçã o no interior das espé cies t ê m uma
aplica ção pr ática importante no controlo de insectos. Como se assinalou na pá ¬
gina 709 do cap í tulo anterior, a esterilização pela radia çã o é uma das armas de que
o homem dispõe no seu arsenal para o controlo « integrado» das pragas. O macho
de d í ptero da espé cie Cochliomyia americana, por exemplo, pode ser esterilizado
por uma dose concentrada de cerca de 5000 R , com um pequeno efeito sobre a
viabilidade e o comportamento das moscas. Os machos esterilizados libertados na
popula çã o silvestre acasalar ã o normalmente, embora, claro est á , sem que da í venha
a resultar qualquer descend ê ncia . Esta praga principal de animais dom é sticos tem
sido controlada no sul dos Estados Unidos da Am é rica inundando a popula ção natu ¬
ral com um grande n ú mero de machos est é reis ( Baumhover et al., 1955; Knipling,
1960). Para efeitos de uma revis ão das possibilidades deste tipo de controlo da
populaçã o, ver Bushland ( 1960), Knipling ( 1964, 1965, 1967), Cutcomp ( 1967) e
Lawson ( 1967).

3. EFEITOS DA RADIAÇÃO A N ÍVEL DO ECOSSISTEMA

Os efeitos da radia ção gama em comunidades e ecossistemas inteiros t ê m


vindo a ser estudados num certo n mero de «esta çõ es». Fontes de radia çã o gama
de 10 000 Ci ou mais, usualmente cobalto- 60 ou cé sio - 137, t ê m sido colocadas
em campos e florestas no Laborat ó rio Nacional de Brookhaven em Long Island
( ver Woodwell , 1962 e 1965) e numa floresta tropical h ú mida de Porto Rico ( ver
H . T . Odum e Pigeon, 1970), bem como num deserto do Nevada ( ver French , 1965) .
Os efeitos de reactores desprovidos de protecção ( que emitem tanto radia çã o gama
como neutr ões) nos campos e florestas t ê m sido estudados na Ge ó rgia ( ver Platt ,
1965) e no Laborat ó rio Nacional de Oak Ridge no Tennessee ( ver Witherspoon ,
1965 e 1969). Uma fonte port á til de raios gama tem sido utilizada para estudar os
efeitos a curto prazo sobre uma ampla variedade de comunidades no Savannah River
Ecology Laboratory, na Carolina do Sul ( ver McCormick e Golley, 1966; Monk ,
1966 b; McCormick, 1969). Uma comunidade de fundo de um lago submetido a uma
726

radiação cró nica de baixo n ível proveniente de resíduos at ó micos est á em estudo há
muitos anos no Laborat ório de Oak Ridge.
A Figura 17- 4 resume os efeitos da fonte de radia ção gama de Brookhaven
colocada numa floresta de pinheiro e carvalho (a mesma cuja produtividade e
biomassa est ão representadas na Figura 3-3). A fonte esteve sem protecção durante
20 horas por dia, permitindo-se aos investigadores fazer observaçõ es e colher amos¬
tras durante um per íodo de 4 horas por dia quando a fonte se encontrava resguar ¬
dada num fosso de protecçã o. O resultado obtido foi um gradiente de radia ção

COMPOSIÇÃO DE UMA COMUNIDADE VEGETAL AFECTADA POR IRRADIAÇÃO GAMA CR ÓNICA

DIA
POR *V
a>
'
H
20
-v
,
R

EM
GAM
O
J

r/ .
FONTE DE
137 Cs

ÇÃ b
r
EXPOSI m m
*

150 140 130


*
*
J 20 110
AUSÊ NCIA DE INIBI ÇÃ O DO CRESCIMENTO
50 40
IHEIROS FLORESTA DE
CARVALHO
30 20 . 10
¬
URZES C1 PER Á CEAS PL ANTAS
SUPERIORES
DIST ÂNCIA EM METROS À FONTE DE RADIAÇÃ O GAMA MORTAS

FORMAS DOMINANTES NA COMUNIDADE DE INSECTOS DE UMA FLORESTA IRRADIADA

DIVERSIDADE EM ESPÉCIES
MUITAS ESPÉCIES ~<- POUCAS ESPÉCIES

FONTE DE
137 Cs
MUITAS ESP É CIES DE HERB ÍVOROS INSECTOS QUE INSECTOS
+ SEUS PARASITAS + PREDADORES PREFEREM XILÓFAGOS TRANSEUNTES
PLANTAS FUNGUlVOROS + OCASIONAIS
AFECTADAS SAPR Ò FAGOS

I 50 I 40 I 30 .
20 IIO
AUSÊ NCIA DE INIBIÇÃ O DO CRESCIMENTO
I 00 90 80 70 60 50 40
PINHEIROS FLORESTA DE
30 20 IO
URZES CIPER Á CEAS PLANTAS
0

CARVALHO SUPERIORES
DIST ÂNCIA EM METROS À FONTE DE RADIAÇÃO GAMA MORTAS

Figura 17-4. A resposta de uma floresta de carvalho- pinheiro a um gradiente de radiação gama
a partir de uma fonte fixa, de alto n í vel, n ã o resguardada 20 horas por dia durante um período de
dois anos. Ver texto para explicação. ( Utilizado por autorização do Brookhaven National Laboratory,
Long Island , New York.)
727

cr ónica, variando de 1000 rads a 10 metros da fonte at é à aus ê ncia de um aumento


mensur ável da radiação de fundo a 140 metros, como ilustra a curva cô ncava do
diagrama superior constante da Figura 17- 4. As ciperáceas provaram ser as plantas
mais resistentes. Os pinheiros foram consideravelmente mais sens íveis do que os
carvalhos ( os pinheiros t ê m n cleos maiores e n ã o tornam a rebentar quando os
gomos terminais sã o mortos ). A inibi ção do crescimento das plantas e a redu çã o
na diversidade de esp é cies nos animais foram observadas a n í veis t ão baixos como
os de 2 a 5 rads por dia. Muito embora uma floresta de carvalho haja persistido
a doses bastantes mais altas ( de 10 a 40 rads por dia), as á rvores sofreram e em
certas zonas tornaram-se vulner áveis aos insectos. No segundo ano da experiê ncia,
por exemplo, deu -se uma eclosão de af ídios nas folhas de carvalho, na zona que
recebia cerca de 10 rads por dia ; nesta zona os afídios atingiram uma abund â ncia
mais de 200 vezes superior à da verificada na floresta de carvalho normal, n ã o
submetida a radiação. Em resumo, tornaram-se visíveis 5 zonas ao I&ngo do gra ¬
diente de radia çã o: ( 1) uma zona central na qual nã o sobreviveu nenhuma planta
superior , (2) uma zona de ciper á ceas (Carex), (3) uma zona arbustiva de espécies
dos g é neros Vaccinium e Gaylussacia, (4) uma floresta de carvalho sob pressão, e
(5) uma floresta de pinheiro e carvalho intacta onde a inibiçã o do crescimento foi
manifesta, embora sem a ocorr ê ncia de morte imediata de qualquer planta. Resul ¬
tados semelhantes t ê m sido obtidos noutros estudos em que a vegeta ção florestal
tem estado exposta a radiação ionizante . Onde as florestas t ê m sido submetidas a
radiaçã o intensa por per í odos de tempo curtos, como na «estaçã o» do reactor sem
protecção na Ge órgia (ver Platt , 1965), desenvolveu-se uma vegetaçã o de campo
velho constitu í da por gram í neas e outras herbáceas anuais, depois das árvores do
andar dominante aparentemente terem sido mortas, embora nos anos seguintes,
sem radiação adicional, muitas das folhosas hajam recuperado, emitindo densos
crescimentos de raiz e rebentos de toiça ( mostrando que apenas as partes aé reas
foram mortas), com produ ção de um tipo de vegeta ção em talhadia que a breve
trecho ensombrou toda a vegetaçã o de campo velho.
Embora, como se mencionou na secçã o precedente, se possa prever a sensi ¬

bilidade das diversas espé cies das plantas superiores a partir da informa çã o sobre o
volume cromoss ó mico, h á outros factores, como sejam a forma de crescimento
ou as interacções entre esp é cies , que podem modificar grandemente as respectivas
respostas em comunidades intactas. As comunidades herbáceas e os est ádios jovens
da sucessão sã o, em geral , mais resistentes do que as florestas maduras, n ão só
porque muitas esp é cies das primeiras t ê m n cleos pequenos, mas també m por haver
muito menos biomassa «n ão protegida» acima do solo, e as ervas pequenas poderem
recuperar mais rapidamente atrav é s da germinação das sementes ou de rebentos
provenientes das partes subterr â neas ( ver Figura 14- 2). Assim , os atributos da
comunidade , como sejam a biomassa e a diversidade , desempenham um papel na
728

determina ção da vulnerabilidade inteiramente à parte dos volumes dos cromossomas


das espé cies presentes.
Como com todos os tipos de pressã o, a redu ção na diversidade em espé cies
est á associada com a pressão da radia ção. Numa outra experiê ncia realizada em
Brookhaven ( ver Woodwell, 1965) a vegeta çã o de campo velho foi submetida a uma
dose de radia çã o de 1000 rads por dia . A produ çã o de mat é ria seca da comunidade
submetida a radia çã o foi na realidade mais alta do que a das testemunhas a ela
n ão sujeitas, por é m , a diversidade em espé cies foi drasticamente reduzida. Em vez
da mistura normal de muitas espé cies de gram í neas e outras herbá ceas, a á rea de
campo velho submetida a radia çã o transformou - se numa vegeta çã o quase pura de
gram í neas ( o que provavelmente n ã o causar á surpresa ao cidad ã o que luta contra as
gram í neas no seu relvado !); reveja-se a aprecia çã o feita na Secçã o 4 do Cap í tulo 6
em mat é ria de relações entre produtividade , estabilidade e diversidade.

4. O DESTINO DOS RADIONUCLIDOS NO AMBIENTE

Quando os radionuclidos s ã o libertados no ambiente , dispersam - se e di ¬


luem -se com bastante frequ ê ncia , embora tamb é m possam ficar concentrados nos
organismos vivos durante as transfer ê ncias ocorridas na cadeia alimentar por uma
variedade de meios , que previamente se agruparam sob o t í tulo geral de «ampli ¬
fica ção biológica» ( ver páginas 113-117). As subst â ncias radioactivas podem també m
acumular -se simplesmente na água, solos , sedimentos ou ar se a entrada excede
o ritmo da degrada çã o da radioactividade natural . Por outras palavras, poderemos
dar à « natureza» uma quantidade aparentemente inofensiva de radioactividade e dela
receber em troca uma concentra ção letal !
A razã o entre os teores de um radionuclido no organismo e no ambiente
denomina-se com frequ ê ncia factor de concentração. Um isótopo radioactivo com ¬
porta-se do ponto de vista qu í mico essencialmente da mesma maneira que um
isó topo não radioactivo do mesmo elemento. Deste modo, a concentraçã o observada
num organismo n ão é o resultado da radioactividade , mas demonstra apenas, de
uma forma mensurá vel , a diferen ça entre a densidade do elemento no ambiente e
no organismo. Alguns dos primeiros dados sobre as tend ê ncias para a concentra ção
nas cadeias alimentares, tanto aqu á ticas como terrestres , foram obtidos por radiolo¬
gistas na instala çã o AEC Hanford , localizada no Rio Columbia na parte oriental
do Estado de Washington ( ver Foster e Rostenbach , 1954 ; Hanson e Kornberg ,
1956; David e Foster , 1958) . Foram libertados vest ígios de radionuclidos induzidos
,
( 32 P, etc.) e produtos de fissã o ( 90 Sr , 1 7 Cs, 1311, etc. ) no rio, em albufeiras de
recep çã o de res í duos e no ar. A concentra çã o de f ósforo no Rio Columbia é muito
baixa , apenas cerca de 0,000003 miligramas por grama de água ( isto é , 0,003 ppm ) , ao
729

passo qua a concentra çã o nas gemas dos ovos dos patos e dos gansos que obt ê m o
respectivo alimento do rio é cerca de 6 miligramas por grama. Assim, um grama de
ovo cont é m dois milh õ es de vezes mais fósforo do que um grama de água do rio.
N ão seria de esperar um factor de concentra çã o para o fósforo radioactivo t ã o elevado
como este, uma vez que, enquanto o f ósforo se foi deslocando atrav é s da cadeia
alimentar at é aos ovos, deveria ter ocorrido alguma degrada çã o ( este nuclido tem
uma vida- m édia curta ), reduzindo assim a quantidade. Foi registado ocasionalmente
um factor de concentra çã o at é 1 500 000, por é m a m édia ( cerca de 200 000 ) foi mais
baixa ( Hanson e Kornberg , 1956 ). Alguns outros factores de concentra çã o regis ¬

tados foram os seguintes : 250 para o cé sio-137 em m sculos e 500 para o estr ôn -
-
cio 90 em ossos de aves aqu á ticas, tomando para termo de compara çã o a concen ¬
tra çã o destes nuclidos na água de albufeiras de res í duos em que estas aves se
alimentavam . A concentra çã o do iodo radioactivo nas tir ó ides da lebre americana foi
500 vezes a encontrada na vegeta çã o do deserto, que por sua parte tinha concentrado
o nuclido libertado para o ar nos gases de chamin é provenientes da central nuclear .
Os factores de concentra çã o para o estr ô ncio- 90 em v á rias partes de uma teia
alimentar aqu á tica, num cjutro local com uma central nuclear instalada, encontram -se
representados na Figura 17-5.
Embora a radioactividade n ão afecte a absor ção do is ótopo por sistemas vivos,
uma vez absorvida produz, naturalmente , efeitos prejudiciais nos tecidos vivos .
O que importa é que ao estabelecer os « n í veis m áximos permitidos» de liberta çã o
para o ambiente se tenha em conta a «concentra çã o ecol ógica ». Os is ótopos que se
encontram naturalmente concentrados em certos tecidos ( como o iodo na tir ó ide ou
o estr ô ncio nos ossos ) e / ou aqueles que t ê m vidas- m é dias efectivas longas sã o
obviamente os que importa vigiar. É prov á vel, tamb é m, que o factor de concentra ¬
ção seja maior nos ambientes pobres em nutrientes do que nos ricos, como Ficará
documentado na secção seguinte . Pode esperar -se, em geral , que as tend ê ncias
para a concentraçã o sejam maiores nos ecossistemas aqu á ticos do que nos terrestres,
uma vez que os fluxos de nutrientes no «delgado» meio aqu á tico são mais r á pidos
do que no meio «espesso» que o solo constitui . Para efeitos de informa çã o adicional
quanto aos processos de concentra çã o radioecol ógica, veja-se Aberg e Hungate, eds.
( 1967 ) e Polikarpov ( 1966 ).

As oportunidades que o homem tem de aumentar o seu conhecimento sobre


os processos ambientais mediante utilização de tra çadores radioactivos compensa,
at é certo ponto, os transtornos que est á a ter com a contamina çã o ambiental . As
utiliza çõ es de tra çadores radioactivos para o estudo ecol ógico foram revistas por
Odum e Golley ( 1963 ), e encontram-se numerosos exemplos nas Actas de dois Sim ¬
p ósios Internacionais (Schultz e Klements, 1963; Nelson e Evans, 1969 ) . Os tra ça ¬
dores sã o, como é ó bvio, extremamente teis na elabora çã o de diagramas dos ciclos
biogeoqu í micos e na medi çã o das taxas de fluxos nos sistemas em equil í brio, de
730
SR - 90 NA TEIA ALIMENTAR NUM LAGO DE PERCA

OSSOS DE MARTA
y 1, 000 CARNE DE PERCA
5
OSSOS DE PERCA
3, 000 ,
OSSOS DE CASTOR
OSSOS DE RATO ALM Í SCARADO PEIXES PEQUENOS
I , 400
jf 3 , 900
/ 1 ,000
TECIDO DE AMÊIJOA
750

PLANTAS AQUATICAS PLÂNCTON


300

ÁGUA DE LAGO
I
SEDIMENTO DE FUNDO
200

Figura 17-5. Concentração de estr ôncio - 90 em diversas partes da teia alimentar de um pequeno
lago canadiano recebendo resí duos at ómicos de baixo ní vel. Os factores mé dios de concentração apre
¬

sentam- se em termos de água de lago = l. (Segundo Ophel, 1963; utilizada por autorização da Biology
and Health Physics Division, Atomic Energy of Canada Limited, Chalk River, Ont ário.)

estado constante; no Capí tulo 4, foram facultados exemplos dessas utilizações. Há


igualmente estudos importantes em mat éria de metabolismo dd
comunidade; o car ¬

bono- 14, por exemplo, tornou- se uma ferramenta básica para a mensuração da pro ¬

dutividade em ecossistemas aquáticos (ver página 92). Os fraçadores são também


teis no traçado de movimentos de organismos a ní vel da população e na repre ¬

sentação de teias alimentares. Bastará ilustrar algumas destas possibilidades com


dois exemplos.
Num estudo do impacto da predação sobre as populações de uma esp écie de
rato do género Sigmodon em parcelas de terreno protegidas e expostas aos preda ¬

dores, Schnell ( 1968) «marcou» cada animal com um alfinete radioactivo espetado
no dorso sob a pele. A marca não apenas permitiu ao investigador localizar ani ¬

mais vivos que haviam fugido ao sistema de captura em vivo como tamb ém os
animais mortos, ou os restos deixados por um predador, que doutra forma nunca
seriam encontrados pelas observações convencionais. Assim, Schnell foi capaz não
apenas de representar com precisão curvas de sobreviv ência para cada população
( ver página 277 para efeitos de explicação desta forma de análise gr áfica), mas tam ¬

b ém de determinar a causa exacta da mortalidade para a maioria dos animais.


731

Alguns aspectos da utiliza çã o de tra çadores radionuclidos para isolar e repre¬

sentar cadeias alimentares em comunidades naturais intactas encontram -se ilustrados


na Figura 17-6. Num estudo, foram marcadas as duas esp é cies dominantes de plantas
num campo de cultura abandonado h á um ano ( Figura \1-6 A ) , e seguida a transfer ê n ¬
cia do tra çador para artr ó podes durante um per í odo de cerca de seis semanas . Como
se ilustra na Figura 17-65, os sugadores de «seiva», como os af í dios, foram os pri ¬
meiros a tornar-se radioactivos, seguidos pelos animais que pastam as folhas, e depois
pelos predadores. Deste modo, a posi çã o tr ófica de uma dada espé cie poder á ser
determinada em primeira aproxima ção pela forma do gráfico de absor çã o. Mais
importante do que isso, poderá fazer-se uma representação grá fica da rede da teia
alimentar, como se ilustra na Figura 17-6 C. Das cento e tal espécies de insectos
presentes na comunidade apenas umas 15 removeram das plantas dominantes uma
quantidade apreciá vel de traçador , e a maior parte tinha-se alimentado de uma só
das duas esp é cies dominantes. O facto de uma codominante ter sido pastoreada mais
intensamente do que a outra foi uma observação que n ão se teria tornado evidente
sem a utilização do traçador. Para detalhes de outros estudos similares, ver E. P.
Odum e Kuenzler , 1963; Wiegert , Odum e Schnell , 1967; de la Cruz e Wiegert , 1967;
Wiegert e Odum, 1969; Bali, 1963; Crossley, 1963; Reichle e Crossley , 1965. Algumas
das limitações dos estudos com traçadores encontram- se analisadas por Shure ( 1970).

5. O PROBLEMA DA PRECIPITAÇÃO RADIOACTIVA

A poeira radioactiva que cai na Terra depois das explos ões at ómicas é denomi ¬
nada precipita ção radioactiva. Estes materiais misturam-se e interagem na atmosfera
com os materiais naturais em part í culas ( precipita çã o natural, ver Figura 4-3) e
com a quantidade crescente da polui ção do ar produzida pelo homem. O tipo de
precipita çã o radioactiva depende do tipo de bomba. É bom distinguir, em princ í pio,
entre os dois tipos de armas nucleares, a bomba de fissã o, na qual elementos pesa ¬
dos como o ur â nio e o plut ónio são cindidos, com a liberta ção de energia e
« produtos de fissão» radioactivos, e a bomba de fusão, ou arma termonuclear na
qual elementos leves ( deut é rio) se fundem para formar um elemento mais pesado,
com a liberta ção de energia e de neutrões. Uma vez que é necessá rio para a última
uma temperatura extremamente alta ( milh ões de graus) , é utilizada uma reacção
de fiss ão para «disparar» a reacçã o de fus ão. Em geral , a arma termonuclear produz
menos produtos de fissão e mais neutr ões (que induzem radioactividade no am ¬
biente ) por unidade de energia libertada do que uma arma de fissão. De acordo
com Glasstone (1957), cerca de 10 por cento da energia de uma arma nuclear encon -
tra-se na radia ção residual nuclear, uma parte da qual tem uma ampla dispersão na
biosfera. A quantidade de precipita ção radioactiva produzida depende tanto do tipo
732

e do tamanho da bomba, como da quantidade de material ambiental que é mistu ¬


rado pela explosão.
A precipita ção radioactiva proveniente das bombas difere dos materiais dos
res í duos at ó micos pelo facto dos radionuclidos se encontrarem fundidos com
ferro, s í lica, poeira, e com o que quer que se encontre na vizinhan ça , para formar
part í culas relativamente insol veis. Essas part í culas, que ao microscó pio parecem
com frequ ê ncia diminutas bolinhas de diversas cores, variam em dimensão de vá rias
centenas de m í crons at é dimensões quase coloidais. As part í culas mais pequenas
aderem firmemente às folhas das plantas, onde tanto podem produzir radia çã o nociva
para o tecido da folha como ser ingeridas pelos animais de pastoreio, e dissolvidas
pelos sucos no tubo digestivo. Deste modo, este tipo de precipita çã o radioactiva
pode entrar na cadeia alimentar directamente ao n í vel tr ófico dos herb í voros , ou
consumidores primá rios.
A precipita ção radioactiva proveniente de bombas at ó micas pequenas ou de
explos ões nucleares utilizadas para fins pací ficos ( escava çã o de portos, canais , ou
minera çã o de superfí cie ) é na maior parte depositada segundo um molde linear ,
estreito, na direcçã o do vento, embora uma parte das part í culas mais pequenas possa
ficar muito dispersa e ser precipitada pelas chuvas a grandes dist â ncias. Embora
a quantidade total de radioactividade decresça com a dist â ncia ao local do ensaio
nuclear, descobriu -se recentemente que certos nuclidos biologicamente significa ¬
tivos, especialmente o estr ô ncio-90, alcan çam um ponto culminate nas popula ções
animais silvestres de 90 a 150 quil ó metros a partir do «lugar zero» da explos ã o ( ver
Nishita e Larson , 1957). Isto explica- se pelo facto do 90 Sr ter dois percursores
gasosos ( 90 Kr -*• 90 Rb -*• 90 Sr) e ser portanto formado relativamente tarde depois da
detona ção da bomba; isto determina a sua inclusã o em part í culas mais pequenas
( inferiores a 40 microns), que descem a maiores dist â ncias e entram mais facilmente
nas cadeias alimentares. O cé sio- 137 també m tem percursores gasosos e é , infeliz ¬

mente, um componente significativo da precipita çã o radioactiva mais sol vel de


« longa dist â ncia».
As potentes, e grandes, armas de « megat ã o» que foram livremente testadas
nos in í cios da d é cada de 60 lan çaram material na estratosfera, de que resultou uma
contamina çã o global com uma precipita çã o radioactiva a escala mundial que con ¬

tinuar á por muitos anos. A quantidade de precipita çã o radioactiva recebida numa


dada á rea é aproximadamente proporcional à queda pluviom é trica. Nos Estados
Unidos da Am é rica, por exemplo, a deposiçã o acumulada de estr ô ncio-90 era por
volta de 1965 avaliada em cerca de 80 mCi por quil ó metro quadrado nas regi ões
h ú midas ( regiões de florestas caducif ó lias do leste, por exemplo) em cotejo com
30 mCi nas regiões secas ( desertos, pradarias , etc.) ( ver Klement , 1965).
Estudos que se seguiram a ensaios de bombas nucleares nos at ó is do Pac í fico
provaram que os tipos de radionuclidos que entram nas cadeias alimentares marinhas
COMEDORES DE SUBSTÂNCIAS DOCES

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V COMEDORES DE FLORES
COMPLEXO DE
ORT ÓPTEROS-HOMÓPTEROS
COMEDORES DE
FORMIGA - AFÍDIO
TRANSFER ÊNCIA BIOMASSA
32 P RELATIVA RELATIVA
DIVERSIDADE DE TEIA ALIMENTAR
3
HETEROTECA 24
2
ERIGERON 10
I
INTERACÇÃ O 19
CADEIAS ALIMENTARES, TOTAL = 34
c CADEIAS ALIMENTARES, MÁXIMO = 78

Figura 17-6. A utilização de um traçador radionuclido para traçar cadeias alimentares em comuni ¬

dades naturais intactas. A. Marcando as plantas individuais mediante utilização de um pequeno vaso
de caule. B. Padrão de absorção com o tempo em diferentes ní veis tr ó ficos C. A teia alimentar envol . ¬

vendo duas esp é cies dominantes de plantas e seus herbí voros. Ver texto para explicaçõ es mais deta ¬

lhadas. (Fotografia do Institute of Ecology, Universidade da Ge órgia.)


734

são, de uma forma um tanto surpreendente, diferentes dos que entram nas cadeias
alimentares terrestres ( ver Seymour, 1959; Palumbo, 1961). Elementos da precipita ¬
ção radioactiva que formam fortes complexos com mat é ria org â nica, como sejam o
cobalto-60, o ferro-59, o zinco-65 e o mangan é s-54 ( que são todos nuclidos indu ¬
zidos nos bombardeamentos por neutr ões) , e aqueles que est ão presentes em par ¬
t ículas ou em forma coloidal ( 144 Ce , l 44 Pr , 95 Zr e l 06 Rh) , transferem-se nas quanti ¬
dades mais elevadas para os organismos marinhos. Em contraste, são os produtos
de fissã o sol ú veis, como o estr ô ncio-90 e o cé sio-137, que sã o encontrados nas
quantidades mais elevadas nas plantas e nos animais terrestres. Dado serem os
is ótopos induzidos, que constituem complexos com detritos, que foram encontrados
em animais marinhos, embora não em plantas marinhas nem em organismos terres ¬

tres, parece ser o predom í nio dos organismos comedores de depósito e comedores
de filtro nas cadeias alimentares dos ecossistemas marinhos que contribui para esta
diferença. Este é um outro caso em que os poluentes podem ultrapassar o pri ¬
meiro n ível tr ófico e entrar directamente na parte animal das cadeias alimentares.
A quantidade dos radionuclidos das precipitações radioactivas que entram nas
cadeias alimentares , e eventualmente se transferem para o homem, depende quer
do montante recebido do ar ( o qual, como já foi indicado, é uma fun ção directa
da precipitaçã o) quer de estrutura do ecossistema e da natureza dos seus ciclos
biogeoqu í micos. Em geral , uma proporçã o maior da precipita ção radioactiva entrará
nas cadeias alimentares nos ambientes nutritivamente pobres. Nos ambientes ricos
em nutrientes, as elevadas capacidades de troca e de armazenamento dos solos,
ou dos sedimentos, diluem tanto a precipitação radioactiva que qs plantas absorvem
relativamente pouco. Uma vegeta ção semelhante a um tapete soEÍ re solos delgados,
como se encontra por exemplo nos pauis , charnecas, afloramentos de granitos,
prados alpinos e tundras , actua como uma ratoeira para a precipita çã o da radia çã o
(tamb é m as epífitas nos ecossistemas tropicais), refor çando a absorção pelos animais
( ver Russell , 1965), tal como o faz uma via alimentar de detritos activa. Ilustram-se
dois exemplos destas tend ê ncias com os dados constantes dos Quadros 17- 2 e 17-3.
Em Inglaterra, nas pastagens de meia altitude as ovelhas acumulam nos ossos
20 vezes mais estr ô ncio-90 do que aquelas que pastam nos vales, em consequ ê ncia
do baixo teor em cálcio e da vegetação de tipo tapete que caracterizam as pasta ¬
gens de serra (Quadro 17-2). No Quadro 17-3, vê-se que a concentra çã o de cé sio-137
em veados ( medido em pCi por quilograma de peso vivo do animal) é muito mais
alta na plan ície costeira, arenosa , do sudeste dos Estados Unidos da Am é rica do
que na região adjacente de Piedmont , onde os solos sã o bem drenados e t ê m um
elevado teor de argila. A queda pluviométrica nestas duas regiões não difere.
Os radionuclidos da precipita ção radioactiva (especialmente o 90 Sr e o 137 Cs)
t ê m vindo, e est ão, a passar para o homem via cadeia alimentar , embora as con ¬
centrações nos tecidos humanos não sejam geralmente t ão elevadas como nas
735

Quadro 17-2
Comparação da Quantidade de 90Sr ( Resultante de Precipita ção Poluente
Provocada pelo Homem ) em 1956 a Diferentes N í veis Tróficos,
em Dois Ecossistemas Contrastantes nas Ilhas Britâ nicas *

PASTAGEM DE MONTANHA PASTAGEM DE VALE


SOLO Á CIDO DE TURFA , PH 4,3 SOLO PARDO DE MARGA , PH 6 ,8

Quantidade de 90Sr Quantidade de 90Sr

pCi/ g Factor pd / g Factor


de material pd / g de concen ¬ de material pd / g de concen ¬

seco de cálcio tração t seco de cálcio tração t

Solo ( mé dia dos 10 cm


superiores) 0 , 112 800 i 0,038 2,6 1
Gram í nea 2,5 2100 21 0,250 41 6,6
Osso de ovelha 80 160 714 4,4 8,7 115

.
* Dados de Bryant et ai , 1957.
t Razão entre a quantidade por grama no ambiente (solo) e a quantidade por grama de material biológico.

ovelhas e nos veados. O homem é um tanto protegido pela posi çã o que ocupa
na cadeia alimentar e pelo tratamento do alimento e sua transformação pelo cozi¬
nhado, que removem uma parte da contaminação. Contudo, em 1965, nas regiões
árcticas e subárcticas ( Alasca e norte da Finlândia, por exemplo) onde a carne
da rena ou do caribu é consumida, o cé sio-137 atingia no homem 5 a 45 nCi
por quilograma de peso do corpo ( = 5000 a 45 000 pCi / kg ) de acordo com Hanson et al.
(1967) e Miettinen ( 1969); esta concentra ção é na realidade t ão elevada como a que
ocorre nos veados da plan í cie costeira ( compare-se com o Quadro 17-3). A rena e
o caribu tornaram-se, eles pr ó prios, altamente contaminados por se alimentarem da
vegeta çã o de tipo tapete . Assim, as popula ções humanas «expostas», como as dos
esquim ós e lapões, estão sujeitas a doses de radiaçã o interna apreciavelmente
mais altas do que a dose de radia ção de fundo, embora ningu é m saiba quanto
isto é prejudicial. Em 1965, o montante de estr ô ncio-90 nos ossos de crian ças
nos Estados Unidos da Am é rica foi avaliado como variando de 4 a 8 pCi por grama
de cálcio no osso ( ver Cornar, 1965); desde então a maioria dos estudos t ê m
indicado que este n ível não tem subido apreciavelmente. També m neste caso, não
se pode afirmar at é que ponto esta pequena quantidade é nociva, embora, como
uma das muitas «pressões de poluição», não esteja certamente a fazer nenhum
bem a ningu é m!
736

Quadro 17-3
-
Comparação da Concentração de Cèsio 137 ( Resultante da Precipita ção Poluente
Provocada pelo Homem) no Veado, nas Regiões da Planície Costeira
e do Piedmont da Geórgia e da Carolina do Sul *
137 Cs EM pCi / kg DE PESO VIVO
N Ú MERO
DE M édia e
REGI Ã O VEADOS Erro Padrão t Intervalo

Plan ície litoral inferior 25 18039 + 2 359 2076 - 54818


Piedmont 25 3 007 ± 968 250 - 19821

* Dados de Jenkins e Fendley (1968).


f Diferen ça entre regiões altamente significativa ao n í vel de 99 por cento.

6. ARMAZENAMENTO DE RES Í DUOS

Embora os problemas da precipitação radioactiva sejam crí ticos, o armazena ¬


mento dos res íduos provenientes das utiliza ções pacíficas da energia at ómica cons ¬
titui um problema potencialmente muito maior, partindo novamente do princí pio
de que n ã o haverá uma guerra at ómica generalizada. Presentemente, n ã o se d á
atenção suficiente aos aspectos ecol ógicos do armazenamento dos resí duos, que
constitui o factor limitante da utilização plena da energia at ó mica. Como afirmaram
Weinberg e Hammond (1970), a energia dispon í vel em fontes nucleares parece
«essencialmente inesgot á vel», embora a faceta dos efeitos ambientais de uma pro¬
du ção muito grande de tal energia imponha um limite real. Isto constitui uma
outra formula ção do princí pio enunciado no Capítulo 16: n ão é a energia ela pró pria
que é limitante para o homem, mas sim as consequ ê ncias da polui çã o que resulta
da explora çã o das fontes energ é ticas.
Tem sido uso considerar trê s categorias de resí duos radioactivos:
1. Resíduos de nível alto l íquidos ou sólidos que é necessário encerrar dado
serem muito perigosos para que se torne poss í vel libert á-los na biosfera, onde quer
que seja. Cerca de 380 litros destes resí duos de alto n ível sã o produzidos por cada
tonelada de combust ível nuclear consumido. At é 1969 , foram armazenados em 200
tanques subterrâ neos localizados em quatro esta ções da Atomic Energy Commisson
dos Estados Unidos da Am é rica 300 milh ões de litros, necessitando-se actualmente
6 x 104 metros c bicos por ano de novo espa ço de armazenamento, ritmo que aumen ¬
tar á à medida que aumenta a produ ção de energia nuclear. As alternativas que t ê m
sido consideradas ao armazenamento em tanques incluem (1) a conversã o de l í quidos
em sólidos inertes ( cer â micas ) , com enterramento em estratos geol ógicos profundos e
737

(2) armazenamento dos l íquidos em minas de sal profundas. A grande quantidade de


calor produzida pelos res í duos de n ível alto complica o problema; o calor pode
«fundir » as paredes das minas de sal, ou provocar pequenos tremores de terra ,
caso seja injectado em certos tipos de falhas geol ógicas.
2. Resí duos de ní vel baixo l í quidos , s ó lidos e gases que t ê m muito pouca
radioactividade por unidade de volume mas que s ão demasiado volumosos para per ¬

mitir o seu armazenamento; portanto, t ê m de ser de algum modo dispersados no


ambiente de uma forma tal , e em tal ritmo, que a radioactividade de equil í brio
alcan çada n ã o aumente de uma forma apreci á vel a radia çã o de fundo ou fique
concentrada em cadeias alimentares .
3. Resíduos de ní vel intermédio aqueles com radioactividade suficiente ¬
mente alta para impor armazenamento local, embora suficientemente baixa para
que seja poss í vel separar os componentes de n í vel alto, ou de vida longa , e manipular
a maior parte como res íduos de n í vel baixo.
O ciclo do combust í vel urâ nio na produ çã o de energia inclui as seguintes
fases : ( 1) extracção e moagem , (2) refina çã o ( conversã o qu í mica), (3) enriquecimento
(aumento do teor percentual de ur â nio- 235), ( 4) fabrico do combust í vel nuclear ,
( 5) queima do combust í vel nuclear no reactor, (6 ) reprocessamento do combust í vel
consumido e (7) enterramento ou outro processo de armazenamento dos res í duos.
Embora a maior parte dos resí duos radioactivos seja produzida no reactor, os pro¬
blemas mais dif í ceis da administra çã o dos res í duos ocorrem durante o reproces ¬

samento (fase 6), quando os produtos de fissã o ( ver Quadro 17- 1 Q sã o separados
dos elementos do combust í vel consumido. As instalações de reprocessamento e
as á reas de armazenamento sã o localizadas em estações diferentes da da pr ó pria
central de energia nuclear, o que significa que existe um perigo permanente de
acidentes quando os elementos do combust í vel consumido sã o transportados e os
res íduos de n í vel alto sã o deles extra í dos. Alguns res í duos de n í vel baixo ou de n í vel
interm é dio devem ser eliminados na pr ó pria esta çã o do reactor ( especialmente quando
os elementos do combust í vel t ê m escoamento ou fuga ) e durante a extracçã o e a
prepara çã o do combust í vel. Assim , a polui çã o radioactiva do ambiente constitui uma
amea ça permanente durante todo o ciclo. Para minimizar o perigo é preciso reservar
grandes á reas de terreno de protecçã o, especialmente para as fases 5, 6 e 7. Por exem ¬
plo, os terrenos para o armazenamento dos res í duos nucleares t ê m de ser bastante
grandes, uma vez que é necessá rio meio hectare por cada 1500 metros c bicos de
res í duos de n í vel alto e por cada 3000 metros c bicos de materiais de n í vel inter¬
m é dio ou baixo. Tais esta ções t ê m de ser continuamente vigiadas para garantir
que as águas superficiais, as águas subterrâ neas e o ar n ã o sejam contaminados
( ver Figura 17-7). As necessidades em terra e água para as centrais de energia e o
respectivo ambiente de tratamento de res í duos sã o consideradas mais adiante.

47
738

Enquanto se utilizar material fission á vel como combust í vel ( ur â nio, t ório, plu ¬
t ónio, etc.) poder á muito bem acontecer que grandes quantidades de produtos dos
res í duos da fissão (os mesmos radionuclidos envolvidos na precipitação radioactiva )
constituam , juntamente com quantidades residuais de materiais fission á veis, os facto-
res limitantes na explora ção das fontes de energia at ó mica , teoricamente «inesgot á ¬

veis». Haveria que armazenar grandes quantidades de « megacuries» das espé cies de
vida longa ( 90 Sr , 137 Cs , 129 I, 99 Tc, 23íí Pu , 240 Pu , 24 lAm , 243 Am e 244 Cm ). Prev ê-se que
os reactores utilizados correntemente estejam substitu ídos nos pr óximos 15 a 20 anos
por reactores « regeneradores», nos quais uma combust ão catal í tica de ur â nio- 238,
t ó rio-232 , ou talvez l í tio-6, origina uma autorregenera çã o do material fission á vel ( ver
Weinberg e Hammond , 1970, para uma avalia çã o dos reactores reprodutores). Um tal
ciclo de combust í vel reduz grandemente as necessidades em mat é ria- prima, embora
n ã o resolva o problema do controlo dos resí duos . Partindo do princ í pio que alguma
vez ser á possí vel utilizar a energia de fusã o ( ver pá gina 654), os produtos de fissão
seriam ent ão eliminados embora com aumento dos radionuclidos induzidos espe ¬

cialmente o tr í tio, que poder á contaminar todo o ciclo hidrol ógico global . Frank
Parker ( 1968 ), da Oak Ridge, calcula que «a liberta çã o do trí tio produzido por uma

CRIVO
Pu SONDAS DE
VIGIL Â NCIA
RE
Sr
Figura 17-7. Distribui ção no solo de
res í duos l íquidos de alto n í vel na Hanford
Cs
Atomic Produts Operations Plant, mostrando
o movimento relativo de isó topos com impor ¬

t â ncia atrav é s do solo do deserto. ( Brown, [Rui


Parker e Smith, 1956.)

NOi

AGUA SUBTERR âNEA

economia à base de energia determinaria pelo ano 2000, caso a energia nuclear
fosse toda de fus ã o, uma dose mundial inaceit ável ». Para efeitos de uma an álise adi ¬
cional dos resí duos radioactivos, ver Fox (1969).
Caso os res íduos radioactivos n ã o sejam o factor limitante na explora ção
da energia nuclear , ent ã o s ê-lo-á o factor calor residual; ou , como é mais prová vel,
ser á uma combinação dos dois que impor á uma restrição geral de contaminação.
Aquilo que come çou a ser conhecido por poluição t érmica tornar-se -á um problema
739

cada vez mais s é rio, uma vez que o calor de baixa utilidade é um subproduto
de qualquer transferê ncia de energia de uma forma para outra, como o enuncia
a segunda lei da termodinâ mica ( ver Secção 1, Capí tulo 3). At é certo ponto, a pas ¬
sagem do combust í vel f óssil para a energia at ómica reduz a polui ção do ar, embora
aumente a polui ção da água, especialmente a poluição t é rmica. Assim, para produzir
um kilowatt-hora de electricidade o calor residual libertado para a atmosfera e para
a água de arrefecimento é de, respectivamente, 1600 e 5300 Btu (British thermal
unity) para uma central de energia alimentada por combust í vel f óssil , e de 500 e
7600 Btu para uma central actual de energia nuclear ( ver Quadro 3-1 para efeitos
de conversão de Btu em kilocalorias). Assim, uma central de energia nuclear que
que produza 3000 megawatts de electricidade tamb é m produz calor residual a um
ritmo superior a 20 x 109 Btu por hora.
A capacidade de refrigera çã o da superf ície da água varia de aproximadamente
30 a 150 Btu por hora por m2 por grau Celsius de diferen ça entre o ar e a água,
consoante o vento e a temperatura da á gua. Consequentemente, é necessá ria uma
grande superf ície de água para dispersar o calor, alguma coisa como 0,6 ha por me-
gawatt numa localidade temperada, ou como 1800 ha para uma central nuclear de
3000 megawatts. Em 1970, foi recomendado no relat ó rio de uma comissão espe ¬
cial (*) que cada central nuclear de 2400 megawatts incluisse 450 ha para funcio¬
namento da mesma e 2800 ha de superf ície aqu á tica para arrefecimento. Portanto,
caso se tome a opção 2 na estrat égia do armazenamento dos resíduos ( como se
descreveu na página 695), dever á pensar -se em termos de uma á rea m í nima de
4000 ha para cada central nuclear de dimensã o moderada, de acordo com o con ¬
ceito de parque de armazenamento ou eliminação dos resíduos ( ver Figura 16- 4);
isto inclui o aproveitamento do subproduto calor no cultivo de peixe ou noutros
fins teis .
A utiliza çã o de dispositivos de refrigera ção à base de energia, como sejam as
torres de refrigera ção, pode reduzir, naturalmente, o espaço necessá rio, por é m a um
custo considerá vel, uma vez que isto equivaleria a adoptar a dispendiosa opção 3 na
estrat égia global de armazenamento de res íduos. Tal como acontece com os outros
res íduos, é sempre tentador contar com o mar para efeitos de arrefecimento, poré m,
como adverte um outro recente relatório de uma comiss ão especial (**), os oceanos
n ã o podem continuar por mais tempo a ser considerados como o vazadouro para
todos os res íduos do homem. Conquanto seja quase un â nime a previsã o de que a
polui ção t é rmica constituir á um problema local cada vez mais sé rio, n ã o existe

(*) « Nuclear Power in the South ». Relat ó rio do Southern Interstate Nuclear Board , 800 Peachtree
Street , Atlanta , Geó rgia , 30308.
(**) Ver «Ocean Dumping, A National Policy». Um relat ó rio para o Presidente dos E . U. A . preparado
pelo Conselho da Qualidade Ambiental, 1970.
740

acordo quanto ao seu ltimo efeito sobre o equil í brio t é rmico global . Veja-se
Peterson (1970 ) para efeitos de uma aprecia çã o deste ltimo aspecto.
Os efeitos nocivos locais da polui ção t é rmica nos ecossistemas aqu á ticos
podem enumerar - se como se segue : (1) Uma subida na temperatura da água
aumenta com frequ ê ncia a susceptibilidade dos organismos a materiais t ó xicos ( que
estar ã o indubitavelmente presentes na água dos esgotos ). ( 2 ) Poder ã o ser excedidos
os per í odos «estenotermais» cr í ticos nos ciclos vitais ( ver página 171). ( 3 ) As tem
¬

peraturas elevadas tendem a favorecer a substituiçã o das popula çõ es normais de algas


por outras menos desejá veis de algas azuis- verdes ( ver pá gina 491). ( 4 ) À medida
que a temperatura da água sobe, os animais precisam de mais oxigé nio, contudo a
água quente conserva- o menos ( ver pá gina 201).
Para efeitos de mais informa çã o sobre os efeitos biol ógicos da polui çã o
t é rmica , aconselha-se Naylor (1965) , Mann (1965) , Clark ( 1969) e Krenkel e Parker ,
eds., (1969).

7. FUTURA INVESTIGAÇÃO RADIOECOLÓGICA

Neste breve exame tentou -se mostrar que os problemas da radioactividade


no ambiente e as consequ ê ncias t é rmicas da utiliza çã o da energia nuclear se
combinar ã o com os efeitos j á extremamente cr í ticos das coacçõ es da polui çã o
sobre o futuro desenvolvimento do homem industrial . Encarando o lado positivo,
tentou -se indicar algumas das apaixonantes possibilidades de estudo proporcionadas
pelos is ótopos. At é agora o dom í nio interdisciplinar da ecologia da radia çã o tem -se
preocupado principalmente com os aspectos descritivos e tecnol ógicos; torna -se agora
necess á rio caminhar no sentido de produzir contribui çõ es mais importantes para a
teoria dos ecossistemas. Os m étodos da radia çã o facultam meios poderosos para a
resolu ção do duplo problema dos ecossistemas , o de relacionar o fluxo de energia
de um s ó sentido com a ciclagem dos materiais, e o de descobrir como os factores
f ísicos e biol ógicos interagem para controlar o ecossistema em funcionamento.
Apenas pelo conhecimento em profundidade desta mat é ria é poss í vel ao homem
actuar como detector dos seus pr ó prios erros e corrigir as perturba ções causadas
pela sua pr ó pria tecnologia , que a um ritmo crescente dilacera os sistemas de sus ¬

tenta ção da vida da biosfera (E. P. Odum , 1965) . Num futuro n ã o muito distante,
o radioecologista poderá muito bem ser um dos que t ê m de ajudar a decidir
quando ser á de armazenar e quando ser á de dispersar os materiais residuais da idade
at ó mica. Se o ecologista n ã o souber o que h á a esperar no ambiente biol ógico,
quem o saber á ?
1
;

! 741

Cap í tulo 18 - A DETECÇÃ O REMOTA COMO


INSTRUMENTO PARA O ESTUDO E O
ORDENAMENTO DOS ECOSSISTEMAS

Por Philip L . Johnson


Escola de Recursos Florestais e Instituto de Ecologia,
Universidade da Geórgia ( * )

A detecçã o remota consiste na obten çã o de informa ções acerca da biosfera


por m é todos de observa çã o à dist â ncia , geralmente a partir de aviões ou sat é lites,
em qualquer regiã o do espectro electromagn é tico. É uma das á reas da tecnologia,
em desenvolvimento muito rá pido, mencionadas no princ í pio deste livro ( ver pá ¬
gina 8) que tornam poss í vel tratar mais eficazmente ecossistemas de grande dimen ¬
são. A perspectiva apaixonante é que a detecção remota constituirá a ponte l ógica
entre a investiga çã o ecol ógica intensiva cm á reas pequenas e a aplica çã o de prin ¬
c í pios, assim descobertos, para o planeamento e para o ordenamento de grandes
unidades administrativas como cidades, autarquias ou estados, sistemas geográ ficos
do tipo bacias hidrográ ficas, florestas tropicais h midas ou regi ões do oceano .
A fotografia tirada do solo ou de plataformas aé reas é uma t é cnica familiar
e convencional de detecçã o remota largamente utilizada, a partir dos anos 30, pelos
florestais ( Avcry , 1966) , ge ó logos e ge ógrafos ( Avery e Richter , 1965) para fins de
inventariaçã o de povoamentos produtores de madeira , para elabora çã o de cartas
de estruturas geol ógicas e para documentar os tipos de ocupa çã o do solo. Quase
todas as cartas topogr á ficas s ã o hoje em dia produzidas a partir de fotografia
estereoscó pica. A recente introdu ção de um perfiló metro de laser (Remple e Parker,
1965 ), que mede diferen ças em elevação muito pequenas, atrav é s da relação tempo
versus dist â ncia de um impulso luminoso focado com grande precisão, permite
prever vir a ser poss í vel prescindir do trabalho de controlo e verifica çã o no terreno,
hoje necessá rio para efeitos do controlo vertical das cartas obtidas por restitui çã o
fotogram é trica. A mesma tecnologia est á a ser utilizada para medir dist â ncias à Lua ,
com precisã o de ordem das tr ês dezenas de cent í metros.

( *) Endere ço actual: National Science Foundation , Washington , D . C .


742

Na actividade florestal, a altura da á rvore , o diâ metro do tronco, e , conse ¬


quentemente, o volume de madeira podem ser avaliados a partir de fotografias
a é reas pancrom á ticas, com erros n ão superiores a 20 por cento . Uma vez que a
razão dap ( di â metro à altura do peito) do tronco das á rvores para o diâ metro da
copa é consistente ( por exemplo, 2 ,5 cm : 30 cm para as con í feras do Oeste, e
2 ,5 cm : 22 ,5 cm para as folhosas do Leste), o dap total ou a á rea basal dos troncos
das á rvores dominantes pode ser avaliado medindo os diâ metros das copas tal como
se apresentam nas fotografias.
Os avan ços tecnol ógicos estimulados pela investiga ção militar e espacial cria¬

ram uma diversidade de novos detectores aerotransportados ( Holter e Wolfe , 1960 )


que captam energia de vá rias regi ões de espectro e assim t ê m, portanto, contribu í do
para aumentar grandemente a capacidade de obten çã o de informa çõ es recorrendo aos
voos a é reos. Sistemas electr ónicos apropriados analisam e apresentam os dados ,
em forma de imagem ou em banda magn ética para entrada num computador ( Pe-
terson et al., 1968). Alguns destes sistemas são electronicamente sofisticados e
exigem operadores especialmente treinados. Deverá salientar -se que o significado e
a validade dos dados de detecção remota , especialmente os obtidos em regi ões
n ã o vis í veis do espectro, requer que se esteja familiarizado com o ecossistema obser ¬

vado. As medi ções e as observa çõ es correspondentes, a obter no terreno na altura


da realiza çã o das observa ções a é reas, designam-se por « verdade de campo» e s ã o
essenciais para que se possam alcan çar resultados positivos na investiga çã o baseada
em dados obtidos por detecção remota. Uma vez que tenha sido estabelecido o valor
indicativo dos dados de detecçã o remota, poderão deixar de ser necessá rias mais me ¬
di ções de campo. Trata-se pois de uma t é cnica que exige um tratamento multidis-
ciplinar , que inclua o contributo de engenheiros e ecologistas. Quando se trata de
interpretar dados de detecçã o remota relativos a «assinaturas espectrais » correspon ¬

dentes a diversas regi ões do espectro, põem-se novas quest ões acerca dos organismos
e dos respectivos ambientes. Por exemplo, sabemos a cor de um carvalho ; mas
n ão sabemos quais os n í veis de radia ção reflectida ou emitida pelo carvalho para
l á dos comprimentos de onda da radia çã o vis í vel. Um grande esfor ço de investiga ¬

çã o fundamental ter á de ser realizado para se aproveitar, em pleno, as potencialidades


da tecnologia da detecçã o remota ( Parker e Wolff, 1965). Dois simpósios nacionais,
realizados nos Estados Unidos da Am é rica , sobre a detecçã o remota na ecologia '
( BioScience vol. 17, 1967, e Johnson , ed ., 1969) concentraram a aten çã o nas possi ¬
bilidades e nos problemas desta tecnologia na á rea ecol ógica.

1. BASES FÍSICAS PARA A DETECÇÃO REMOTA


'

Para utilizar a informa ção proporcionada pelos sistemas detectores aerotrans ¬

portados é essencial que se compreendam bem as rela ções fundamentais entre


743

energia e mat é ria que est ã o na base da obten çã o das imagens. O espectro electro-
magn é tico foi apresentado em detalhe no Cap í tulo 5, Secçã o 5. As interacções
mat é ria- energia e os detectores apropriados para cada banda do espectro encon ¬

tram-se ilustradas na Figura 5-6, página 188 ( para informa çã o adicional ver Fritz,
1967; Krinov, 1947; Steiner e Gutermann , 1966). H á trê s tipos bá sicos de sistemas
dispon í veis para a detecçã o remota a partir de plataformas em avi ões ou sat é lites :

1. Fotografias no espectro vis ível ou quase vis í vel, de 380 a 1000 m /r ( mili-
m í crons) (3800 - 10000 À ).
2 . Radi ó metros de varrimento operando na região do espectro compreen ¬
dida entre os ultravioletas e os infravermelhos, 300 m /r ( milim í crons ) a 40 /r ( m í-
crons) , e
3. Sistemas de micro- ondas para bandas determinadas, de 1 mm at é 1 metro.
Todos os tr ê s tipos de sistemas são geralmente concebidos por forma a produ ¬
zirem os resultados sob forma de imagens bidimensionais ou em gráfico. O radar,
em contraste com outros sistemas que detectam a energia de comprimentos de
onda semelhantes aos que emanam da Terra, é um sistema activo nas frequ ê ncias
das micro-ondas. A energia utilizada é produzida no aviã o e emitida em direcção à
surperficie. O sinal de retorno do radar ou o sinal reflectido é capturado por uma
antena espec í fica para esse comprimento de onda. A intensidade restitu ída é, em
primeiro lugar , uma fun ção do «aspecto» do terreno em rela çã o à direcçã o do feixe
e, em segundo lugar, das propriedades isoladoras do material reflector ( Moore e
Simonett, 1967). Uma vantagem da imagem do radar é a sua independ ê ncia das
condi ções atmosf é ricas e diurnas.
Todos os objectos emitem radia çã o. Um corpo negro perfeito irradia energia
proporcionalmente à quarta pot ê ncia da sua temperatura absoluta em graus Kelvin .
A energia solar recebida atinge um m áximo a cerca de 480 m /r (comprimentos de
onda do verde ) e é desprezá vel acima de 3 /r , ao passo que a radia ção emitida pela
Terra apresenta um máximo pr ó ximo dos 10 /r e é desprezá vel abaixo de 3 // ( ver
Cap í tulo 3, Secçã o 2 e Figura 5-6, página 188, para uma mais completa compara ção
entre as radia çõ es solar e t é rmica ). Por vezes, é poss í vel delimitar com precisão
popula ções inteiras de animais grandes a partir de avi ões equipados com radi ó ¬
metros t é rmicos de varrimento. Ocorreram grandes avan ços nos ltimos cinco anos
no desenvolvimento de fotocondutores termicamente sens íveis, que permitem presen ¬
temente determinar diferen ças de temperatura da ordem de 0,01 °C. Para uma alta
sensibilidade, os detectores deste tipo, como por exemplo o sulfureto de chumbo,
o germâ nio com pel ícula de ouro ou o antimonieto de í ndio precisam ser arre ¬
fecidos com azoto ou h élio l í quidos. Atrav é s do emprego de um espelho girat ó rio,
um estreito campo de vis ão transversal à linha de voo é concentrado num detector
obtendo-se a imagem de um sinal de tons cinzentos, correspondendo a diferentes
744

temperaturas de superfície do cen á rio. Uma tal escala de cinzentos pode ser calibrada
para temperaturas reais, em vez de relativas. Assim, podem ser produzidos mapas
de isot é rmicas de cores codificadas, correspondendo ao fluxo t é rmico emitido pela
superfície da á rea do alvo no instante de observação.
Com frequ ê ncia, a informa ção de diversas bandas espectrais ultrapassa a soma
das informa ções fornecidas por cada uma delas. Isto conduziu ao desenvolvimento da
detecção « multiespectral», em que vá rias ou muitas energias espectrais são registadas
simultaneamente. Os dados obtidos poder ão ser enviados para centros de armaze ¬

namento, por meio de telé metro, ou ser gravados em filme ou banda magn ética. A in ¬
formação obtida é fun ção do ambiente observado, da cobertura vegetal do solo e
eventual exist ê ncia de animais, ou de uma interacção complexa de ambas as coisas.
As implica çõ es biol ógicas dos sinais registados dever ã o ser analisados e interpre ¬
tados, havendo com frequ ê ncia pouca experi ê ncia anterior para guiar o int é rprete
ou analista. Como acontece com frequ ê ncia, a experi ê ncia antecipa-se ao conhe ¬

cimento, de tal forma que ocorre durante algum tempo um «atraso de realiza ção»,
at é que possam ser reunidas, de um modo eficaz, a verdade de campo e novas ima ¬
gens. S ó ent ã o se saberá o grau de utilidade da detecçã o multiespectral.
Em resumo, a informa ção potencial é uma fun ção das interacções mat é ria-
- energia peculiares à amostra . A absor çã o, a emissã o, a dispersã o e a reflex ã o
de energia por um dado tipo de mat é ria sã o selectivas, relativamente ao compri ¬
mento de onda, e são espec íficas para esse tipo de material , dependendo da respec-
tiva estrutura at ó mica e molecular ( Colwell et al., 1963). Em conformidade , cada
tipo de biomassa ou de substrato í f sico deveriam emitir um espectro de frequ ê ncia
e intensidade caracter ísticas . Contudo, o sinal efectivamente registado é també m ,
infelizmente , uma resultante ( 1) da atenua ção pela atmosfera interposta e ( 2 ) da
fidelidade do sistema electromecâ nico utilizado.

Relações entre Energia e Plantas

A maior parte da superf í cie terrestre do Globo é coberta por algum tipo de
vegeta çã o. O que os detectores remotos captam fundamentalmente é a marca espec¬
tral das superf ícies foliares da vegeta ção. O que acontece com a energia solar qu
incide sobre as folhas ? Nos comprimentos de onda visí veis e infravermelhos pr ó xi ¬
mos, a reflexão ou a emissão a partir da cut í cula e da epiderme das folhas é relati¬
vamente pequena e n ão muito selectiva. Nos extremos vermelho e azul do espectro
vis í vel , 80 por cento ou mais da energia incidente sobre uma folha s ã o absorvidos
pela clorofila , ao passo que talvez uns 40 por cento dos comprimentos de onda
verdes s ã o reflectidos. A energia proveniente do infravermelho próximo é pouco
afectada pelos cloroplast í deos, embora seja grandemente afectada pela altera ção do
745

índice de refracção entre o ar nos espaç os vazios intercelulares e a celulose hidratada


das paredes da cé lula. A energia, que penetra na folha at é ao mes ó filo e por ele
é reflectida, tem maior intensidade no infravermelho pr ó ximo do que nos compri ¬

mentos de onda visí veis (Colwell et al., 1963). As fotografias a infravermelho, como
por exemplo, as que se ilustram no Frontespí cio, s ão com frequência superiores às
fotografias a cores convencionais na revelação de alterações de sucessão ou sazonais
que se traduzem em alteraçõ es subtis nos pigmentos das plantas e na estrutura da
folha. A energia absorvida num certo comprimento de onda e emitida num outro
(por exemplo, fluoresc ência) pode ser importante, tanto para os detectores de ultraviole
¬

tas como de infravermelho pr ó ximo; contudo, a quantidade de quanta perdida pelas


plantas como fluoresc ência é, provavelmente, inferior a uma pequena percentagem da
energia luminosa disponí vel. Uma alteração no vigor de uma planta pode traduzir - se
numa perda de turgesc ência no tecido foliar. Parece que alterações na reflex ão do ver ¬

melho- infravermelho da energia do infravermelho pr ó ximo podem ocorrer muito


antes que qualquer alteração nos comprimentos de onda visí veis seja detectada. Con ¬

tudo, o mecanismo deste decr é scimo de reflex ão no vermelho ou no infravermelho


pr ó ximo, quer se deva a perda de turgesc ência, a doen ça do mic é lio ou a alteração
na geometria da c é lula, ainda não foi comprovada experimentalmente. Um excelente
estudo das bases fí sicas e fisiológicas das propriedades espectrais das plantas foi
publicado por Gates et al. ( 1965) e por Knipling ( 1969). O conhecimento detalhado
destas relações explica o ê xito de algumas experiê ncias recentes com fotografia aé rea
a cores e infravermelhos para detectar doen ç as em culturas, como sejam de laranja,
batata, trigo, e em povoamentos de coní feras (Meyer e French, 1966), os efeitos de
herbicidas, deficientes teores de humidade nas plantas e os efeitos da radiação
ionizante na vegetaçã o (Johnson, 1965). Investigaçõ es em curso sugerem a possi ¬

bilidade de se preverem as produçõ es de culturas e suas quebras, a estrutura do


pigmento dos ecossistemas, e porventura mesmo a diversidade em esp é cies (Odum,
1969) da vegetação dominante . Onde possa ser demonstrado que as concentraçõ es
de clorofila na coluna autotr ó fica se encontram relacionadas com a produtividade
( ver página 95), deverá ser possí vel determinar tais concentraçõ es por detecção
remota.

Relações entre Energia e Animais

Quer os animais quer as plantas est ão associados ao seu ambiente por uma
troca de energia que ocorre nas respectivas superfí cies. Uma vez que os animais,
particularmente os homeot é rmicos, regulam parcialmente as suas temperaturas de
superfí cie atravé s do movimento e da actividade metab ólica, a temperatura exterior da
pele, da pelagem ou das plumagens é um indicador importante da respectiva res-
746

posta aos factores ambientais. Através da medi çã o das temperaturas da superf ície
é possí vel compreender o balanço energ é tico dos diversos organismos (Gates, 1969).
Para fins de censo animal , um radió metro t é rmico de varrimento, com um
campo de visã o instant â nea de tr ê s milirradianos ( 1 metro de diâ metro a 300
metros de altura), pode detectar diferenças de temperatura de aproximadamente 1° C
( McCullough et al. , 1969). Isto constitui um compromisso entre sensibilidade t é rmica
e resolu ção geom é trica. Para aumentar a sensibilidade é necessá rio um campo de
visã o mais amplo, e consequentemente os animais individuais n ão se distinguiriam
provavelmente das temperaturas do solo e da vegeta çã o correspondente . O melhor
comprimento de onda para os censos t é rmicos parece ser de 8 a 14 fx . Com este com ¬
primento de onda, t ê m-se efectuado, com êxito, censos de popula çã o do veado-de-
- cauda- branca e de alguns dos maiores mam íferos de pastoreio. Uma vez que a sensi ¬
bilidade e a resolu çã o dos radi ó metros t é rmicos de varrimento se aproximam do limite
te ó rico, existem poucas perspectivas para detectar animais isolados do tamanho de
uma raposa ou de um cão, ou mais pequenos, ou de separar espé cies entre animais
maiores. Uma vez que o sucesso é favorecido por um diferencial de temperatura
grande entre o animal e a superf í cie do terreno, a condi çã o ideal é a de um manto
de neve . Os voos diurnos provaram ser mais convenientes para o veado ( McCullough
et al., 1969); e embora os voos diurnos tivessem sido preferidos para a interpretaçã o
dos padr ões t é rmicos da vegeta ção das terras altas, as imagens nocturnas tiveram
mais sucesso para distinguir tipos de vegeta çã o das terras baixas ou de pâ ntano em
Michigan ( Weaver et al., 1969).
A detecçã o remota de animais individuais pode ser, por certo, grandemente
facilitada fixando ao animal uma fonte de energia que emita um sinal facilmente
detect á vel. Um tal procedimento, de fixar transmissores aos animais, é conhecido
como biotelemetria. Os «transmissores» são pequenos r ádios que emitem frequ ê ncias
de grande comprimento de onda, se bem que as fontes radioactivas (alta frequ ê ncia ,
comprimentos de onda curtos) també m possam ser teis. A biotelemetria permite
aos investigadores fixar com precisão a localiza çã o e seguir o ritmo card íaco dos
animais individuais seleccionados, que tenham sido capturados e libertados com um
transmissor fixado ou implantado numa cavidade do corpo (Folk , 1967). Os padr ões
de movimento de exemplares de alce, caribu ou veado, por exemplo, proporcionam
dados sobre o comportamento animal , como sejam a dimensã o do territ ório domé s ¬

tico, as horas de alimenta ção e a prefer ê ncia de pastagem, e respostas à pressão


de caça por cães ou pelo homem ( Marchinton, 1969). Por meio da telemetria de
fun çõ es fisiol ógicas, como por exemplo o bater do coração, podem ser avaliados
os efeitos de pressão ambiental sobre os ritmos circadianos de um organismo. Num
projecto de coopera çã o internacional , serão localizados por sat é lites de órbita polar
renas ou caribus e ursos polares, com instrumentos de rádio associados, \ e as suas
posi ções periodicamente transmitidas por tel é metro a laborat ó rios localizàdos em
747

latitudes temperadas. As correntes marinhas podem , de forma semelhante , seguir-se


utilizando b ó ias equipadas com instrumentos.
T ê m sido fixados transmissores de r á dio, pesando apenas 2 ,5 gramas, a
pequenas aves migrat ó rias e os respectivos voos seguidos por meio de receptores
colocados em camiõ es ou em aviõ es ligeiros. Num de tais estudos, os transmissores
foram colocados em tordos, criados nos estados setentrionais dos lagos do Canad á ,
durante a sua paragem primaveril de migra ção na parte central de Illinois. As aves
foram ent ão seguidas durante os voos nocturnos que as levaram at é à parte seten ¬
trional de Wisconsin . Os voos nocturnos come çaram uma a duas horas depois do
pô r- do-sol ( depois das aves terem descansado empoleiradas ), continuando alguns at é
ao amanhecer . As altitudes de voo situaram-se entre os 600 e os 1800 metros , e
a velocidade no ar variou entre 40 e 56 quil ó metros por hora ( ver Cochran , Mont -
gomery e Graber , 1967 ) . A utiliza çã o de pequenos transmissores para vigiar as tem ¬
peraturas do corpo de animais escavadores foi assinalada no Capitulo 8, Secçã o 8.
Tamb é m pode ser utilizado o radar em esta ções terrestres para acompanhar o
movimento dos animais. T ê m sido realizados, por interm é dio da utiliza çã o do radar ,
alguns estudos curiosos sobre o comportamento dos insectos ( Konrad , 1968; Glover
et al. 1966) e a migra çã o das aves ( Lack, 1959, 1962). Por seu lado, aves migrat ó rias,
y

e por vezes insectos, t ê m produzido sinais an ó malos, cuja origem era anteriormente
incerta, em monitores colocados em avi ões. A sensibilidade, at é dos radares das
esta ções meteorol ógicas agora correntemente em uso, é tal que a migra çã o nocturna
em massa das aves pode , n ão s ó ser vigiada, como tamb é m podem ser detectados
o n ú mero, o peso e a direcçã o do voo de aves individuais ( Konrad , Hicks e Dobson ,
1968). Al é m do mais, o reconhecer e o seguir o rasto dos voos em massa de aves
( e tamb é m de morcegos que deixam as caves onde repousam ) é importante para
evitar colis ões perigosas com avi õ es. Embora se saiba bem que a maior parte das
aves migram durante a noite , a natureza e a extens ão destas migrações era pouco
conhecida at é se ter aprendido a interpretar os sinais das «aves» a partir de got í culas
de água e de outros reflectores n ã o bi óticos. As concentraçõ es muito grandes de
aves migrat órias est ão, com frequ ê ncia, associadas ao movimento de superf í cies
frontais entre massas de ar.

2. PROCESSO DE EXTRACÇÃ O DA INFORMAÇÃO

A informaçã o contida nas fotografias ou outras imagens pode ser avaliada


quantitativa e qualitativamente . O m é todo de inferir rela ções pelo exame visual
designa - se por fotointerpretação, ao passo que o procedimento de realizar medi çõ es
fotográficas se denomina fotogrametria.
748

Interpreta ção

São impostas certas limitações ao analista da imagem . Em primeiro lugar,


est á confinado às suas experi ê ncias ou a outra informa ção baseada no terreno ( 1 )
sobre á reas an á logas e ( 2 ) sobre a disciplina do saber a que est á a aplicar a an á lise
( Lueder, 1959). Presumivelmente, ningu é m est á potencialmente em melhor posi çã o
para extrair informa çã o da fotografia a é rea sobre a vegeta çã o do que os ecologis ¬
tas das plantas. Em segundo lugar , o analista da imagem tem de conhecer a es ¬
cala das imagens para proceder à s aná lises, tanto quantitativas, como qualitativas.
A dimensã o e a forma sã o, em parte, uma fun çã o da escala , e o padr ã o é uma fun çã o
da disposi çã o dos componentes; como é ó bvio, ambos ter ã o significados diferentes
na fotografia de sat é lite e nas fotomicrografias. Em terceiro lugar, o int é rprete
tem de depender de observa çõ es de tonalidade, textura , padr ã o e resolu çã o ( Fi ¬
gura 18- 1 ). A tonalidade ou as varia ções de densidade poder ã o ser mensur á veis em
gradua çõ es de um corpo cinzento ou , em caso de corpos n ã o cinzentos, poderá
ser expressa em termos de cor e matiz, de valores de triplo est í mulo, em cores
de Munsell , ou outras nota ções de cor. O fdme pancrom á tico regista cerca de 225
matizes distintos de cinzento, enquanto a fotografia a cores poderá registar em teoria
at é 20 000 combinações separadas de cor e matiz.

GR ÃO RESOLUÇÃO
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DISTÂ NCIA DIST Â NCIA

CONTRASTE ACUIDADE
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DISTANCIA jDISTÀ NCIA;

Figura 18-1. Expressõ es de densidade ó ptica de propriedades de quatro filmes.


749

O padr ão fotográfico da textura e de arranjos especiais são, frequentemente ,


o elemento mais importante para a identifica ção e a averigua çã o da origem ou da
função dos objectos reproduzidos (Stone , 1956). A relação entre o tamanho do
objecto e o tamanho do gr ã o, ou n ível de ru í do , melhoraram enormemente com
o aumento da sensibilidade da emuls ão e com os melhoramentos nos sistemas
ó pticos e nos componentes electr ó nicos associados. Por exemplo, tem-se demons ¬
trado recentemente que uma abelha individual poderia ser seguida pelo radar desde
uma distância de 10 quil ó metros (Glover et al., 1966).
Um padr ã o fotogr áfico pode ser simples ou complexo, dependendo do n ¬
mero de variáveis. Se considerarmos a informação potencial contida numa fotografia
como constituindo uma hierarquia de organização com forma semelhante a uma
pir â mide (Johnson , 1966) , então, a informação mais generalizada encontra-se no
v é rtice, ficando na base um n mero incont ável de detalhes. À medida que a l ógica
dedutiva parte da pedra do topo e progride para os detalhes, o n ú mero de variá-

Quadro 18-1
M étodo Dedutivo para a Interpreta ção da Vegetação no Qual a Amostra
é Examinada em Maior Detalhe em Quatro Passos Sucessivos
e com Maior Ampliação

A. Tipos Gerais de Amostra fotografia de saté lite e mosaicos de pequena escala


Discriminação: Floresta Cultivada
Arbustos Maninho
Gram í neas Misto
B. Características da Amostra mosaicos e imagens de pequena escala
Discriminação : Extensão e distribuição da á rea
Condiçõ es de fronteira
Complexidade
C. Elementos da Amostra pares estereoscó picos
1. Tonalidade e textura Classe espectral (densidade ó ptica)
Disposiçã o
Complexidade e uniformidade
2. Características da estação Paisagem, natural ou cultivada
Solo e tipo de rocha
Tipo de drenagem
Declive e exposição
3. Caracter í sticas estruturais Configuração do coberto
Tipos de copa (diversidade )
Densidade
Altura
D. Componentes da amostra fotografia de grande escala
1. Ajustes e interacções locais agentes causadores e origem
2. Composição - diversidade em espécies
3. Dinâmica interacções, processos, tend ências em maté ria de sucessão.
750

veis aumenta, a tonfian ça das infer ê ncias feitas a partir dos indicadores fotogr áficos
diminui, e a quantidade de verdade básica ou informa çã o exterior requerida é maior.
Por outro lado, a indu ção l ógica come ça com os detalhes e constró i generalizações.
A leitura da foto ou a identificação das esp é cies constitui a primeira etapa no
racioc í nio indutivo. O Quadro 18-1 constitui um exemplo do crit é rio dedutivo apli-
. cado à interpretação da foto da vegetação, em que se procuram detalhes cada vez
mais delicados, em quatro passos sucessivos ( A - D), para examinar um padrão de
terreno. O extrair o conte ú do de informação de imagens aé reas poderia, por analogia,
ser descrito em termos de conceitos da teoria da informação (Johnson , 1966). Isto
é o mesmo que dizer, como se ilustra na Figura 18- 2, que a fotointerpretaçã o
envolve uma tentativa de se passar de um estado de desorganiza ção, da foto nã o
interpretada, para um estado de organiza çã o em termos de informa çã o til acumu ¬
lada a partir da imagem. Uma tal analogia assemelha-se aos la ços de interacção
de informaçã o, examinados em ligaçã o com os sistemas biológicos de controlo ( ver
Figura 10-2, página 459).

A Natureza do Tom e da Textura

A informaçã o fotográfica interpret á vel é, com frequ ê ncia, expressa em termos


e grada ções de tonalidade e categorias de textura. O conte do de informaçã o destas
expressões qualitativas é dif ícil de avaliar ou de automatizar. Contudo, caso o tom e
a textura sejam equivalentes à densidade, ent ão, a densitometria pode servir de base
ao reconhecimento automatizado de um padrão.
A informa çã o fotogr áfica mede-se pela imagem desenvolvida. Esta poderá ser
interpretada ou medida pela sua capacidade para obstruir a luz, isto é, a sua opa ¬
cidade, /„/ /,. A densidade ó ptica, D, é definida como o logaritmo da opacidade:

D = log ( /„/ /,) (D

onde /„ = intensidade incidente e I , = intensidade transmitida. Tê m sido desenvol ¬


vidos densit ó metros com vá rios tipos gerais de sa í das para realizar medi ções densi -
tom é tricas. Os sinais de densidade recolhidos num registador de fita t ê m, como os
outros sinais produzidos electricamente, uma densidade ( n í vel) D, uma amplitude A ,
e uma frequ ê ncia F. Portanto, um tipo de foto caracterizado por um certo registo
densitomé trico pode ser representado como:

Padr ão de Foto = F = A A , F ( bi -dimensional ) (2 )

Sinal de Amostra = P, = { d ± ã ) / ( uni-dimensional ) (3)


751

FOTOGRAFIA:ENTROPIA
L

w
..
I 5 .

I F \] FORMAÇÃO PROGRAMAÇÃO
.
J

PR ÉVIA
V; , tv
í
w

INFORMACAO:ORGANIZACAO
j

Figura 18-2. A interpreta çã o fotogr áfica ( I. F.), por analogia com um modelo da teoria da infor ¬
ma çã o , reduz a entropia de um padr ão complexo à medida que a informa çã o é extra ída. A forma çã o
constitui uma entrada essencial para decifrar um padrã o, e a experiê ncia é uma retroacçã o que ajusta e
favorece ulteriores interpreta ções.

A frequ ê ncia é , em grande parte , uma fun çã o da escala . Uma vez que os
cristais de prata, numa emulsã o de filme , t ê m uma m é dia de 0,5 a 1,0 /z 2 de á rea,
é poss í vel fixar teoricamente o n mero m áximo de permuta ções em menos de
1 x 104. Uma vez que a frequ ê ncia é mais uma fun çã o da dist â ncia entre os
grã os de prata do que dos respectivos di â metros, o n mero potencial de permuta ções
é , provavelmente, mais baixo em vá rias ordens de grandeza. Pode sustentar-se a tese
de que um dado padr ão fotogr áfico no sentido da equa ção (2 ) é equivalente a um
bit de informa ção na teoria da informaçã o, e portanto a má xima informa çã o poss í vel
do filme pancromá tico identificá vel pela densitometria poderia representar- se como
5 x 108 bits. Neste contexto, um bit de informa ção carece de dimensã o, embora as
dimens õ es espaciais de um padrã o sejam importantes para as infer ê ncias que nele
se colocam . Isto é , o tamanho, a forma e o arranjo sã o variá veis adicionais ao
tom e à textura.
A identifica çã o de um alvo poderá tamb é m depender da concorr ê ncia de
v á rios padr ões, como por exemplo o padr ã o iluminado pelo sol e o padr ã o da sombra
de um objecto singular. Padr õ es de terrenos mais complexos poderã o requerer
sí nteses de um certo n ú mero de elementos de padr ões cont í guos ou mutuamente
exclusivos, em que um elemento padrã o se define como um elemento singular
discriminado segundo a equa çã o (2 ). É també m ó bvio que os padr ões sã o reconhe ¬
cí veis, à medida em que h á uma redund ância de bits de informa çã o. Portanto, o
752

fotoint é rprete raras vezes se vê confrontado com alguma coisa que se aproxime dos
limites te ó ricos da complexidade do padrão.
O significado ecol ógico, associado com um padr ão fotográ fico ou de imagens,
é obviamente dependente da escala e, como regra, requerer á confirma ção independente.
A identidade biol ógica de um peda ço de informa çã o poderá ser uma folha individual ,
a uma escala muito ampla, ou porventura um povoamento florestal inteiro, à s escalas
de um sat é lite em órbita á volta da Terra. Uma vez que os ecologistas desejam
com frequ ê ncia informa ção a escalas diversas, isto é , aos n í veis de organismo,
popula ção e ecossistema , o exame de uma sé rie de escalas poderá constituir um
meio til de integrar informa ção a diversos n í veis de resolu ção.

Fotogrametria

A fotointerpreta ção autom á tica encontra-se na sua infâ ncia ( Rosenfield , 1965),
embora tenha sido realizado um grande progresso em maté ria de digita çã o de foto¬
grafias, a partir de impulsos el é ctricos derivados de imagens transmitidas por tel é¬
metro, como no caso de fotografias da superf í cie da Lua. Podem obter -se medi ções
discretas, tanto fotogrametricamente, como a partir de microdensit ó metros . Utili ¬

zando filtros de cor adaptados à curva de resposta da emulsão, podem expressar -se
em termos quantitativos imagens coloridas ou a satura ção do pigmento do filme .
De forma semelhante, tem sido desenvolvida uma expressão do grau de cerramento do
copado da floresta í ndice de coberto do copado por intermédio da macro-
densitometria de fotografias hemisfé ricas ( Figura 18-3) obtidas do solo (Johnson
e Vogel , 1968 ). Um instrumento, como o que se ilustra na Figura 18- 4, mede
com 95 por cento de confian ça a percentagem de vegeta çã o, demarcada contra o cé u ,
num cone de 90° que é projectado numa superf í cie plana. As rela ções de luz no inte ¬
rior de de uma floresta t ê m sido calculadas a partir de uma fotografia de «olho de
peixe » semelhante ( Anderson , 1964 ). Em outras aplica ções, a microtopografia pode
ser registada em isolinhas fotogrametricamente , a partir de fotos estereo obtidas
com um suporte b í pedo ( Figura 18-5). Este suporte tem-se revelado dimensional ¬
mente est á vel , para valores vizinhos de + 1 cm , a partir de câ maras colocadas a
alturas at é 10 metros ( Whittlesey, 1966 ). Em sedimentos do Pleistocé nico da plan í cie
costeira á rctica do Alasca, os lagos e os pol ígonos de cunha de gelo orientados sã o
responsá veis pelo micro- relevo existente. Para avaliar express ões topogr á ficas dimi ¬

nutas da paisagem, a litologia pr óxima da superf í cie e os processos do solo, assim


como o volume do gelo na terra ( Brown e Johnson, 1965 ), foram preparados mapas
topogr áficos a partir de fotografia aé rea com 0,5 metros de intervalo entre isolinhas
( Brown e Johnson , 1966 ).
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Figura 18-3. Fotografias hemisf é ricas . . . de cerramento do copado estimado com o dispositivo
ó ptico apresentado na Figura 18-4. A. Floresta setentrional de folhosas em New Hampshire , 88. B. Povoa ¬
mento boreal de Pinus banksiana em Ont ário , Canad á, 54. C. Floresta tropical h ú mida em Porto Rico, 84.
D. Povoamento sub á rctico de Picea mariana no interior do Alasca, 72.

F. MONTAGEM

| MLOE F0TQTU80

FOT Ô METRO
A.
REGULADOR

\ DF VOLTAGEM
110 V

Qm
Figura 18-4. Aparelho de densidade ó ptica para medir o enfraquecimento da luz dos diapositivos.
Amplia çõ es das fotografias hemisf é ricas ou de «olho de peixe» , como as reproduzidas na Figura 18-3,
são colocadas entre os suportes D e C. A percentagem de cerramento do coberto pode então ser esti¬
mada pelo enfraquecimento da luz.

4S
754

O int é rprete , que é o homem , tem sido o elemento limitativo na extracção


da informa ção a partir de fotografias á reas ou das imagens obtidas por radi ó metros
de varrimento. Realizou -se , ultimamente , um grande progresso com a fabrica ção pela
Universidade de Michigan de um radi ómetro óptico- mecâ nico, de uma só abertura,
com 12 canais ( Polcyn , 1969). Isto foi feito combinando um espectrofot ó metro
com um radió metro de varrimento convencional ( Holter e Wolfe , 1960 ), de tal
forma que a energia penetrando por uma fenda de entrada é dividida em 12 canais,
variando de 400 m/ j. a 1000 m/i. Cada banda espectral é registada separadamente
numa fita magn é tica, e cada canal é calibrado de tal maneira que as unidades
de energia, realmente recebidas do cená rio observado, pod é m ser reproduzidas em
termos de distinta tonalidade . Foram adicionados seis canais, com detectores apro¬
priados, um no ultravioleta e cinco nos infravermelhos t é rmicos.
Uma vez que todos os canais são registados simultaneamente, todas as ima ¬
gens são de registo perfeito. Os dados relativos a cada banda espectral ou para
bandas seleccionadas podem dar entrada num computador para correlação com a
verdade básica, ou podem ser visualizadas como imagens separadas para o estudo.
Pela primeira vez, o ecologista pode obter dados multiespectrais pouco tempo depois
de um voo e utilizá- los de uma forma quantitativa sem recorrer à tarefa morosa
da fotointerpretação.
Os processadores electró nicos e os computadores anal ógicos podem agora
realizar tarefas de reconhecimento e classificação de dados multiespectrais. Os sinais
mais fracos podem ser diminu í dos ou eliminados. A Figura 18-6 é uma forma de
sa ída de computador que identificou e cartografou correctamente espé cies de cul ¬
tura desenvolvendo-se na Purdue University Agronomy Farm , em fins de Junho
( Polcyn , 1969).
A interpreta ção automatizada n ã o pode realizar mais do que o homem tiver
instru í do a m áquina para fazer. Tais m á quinas podem efectuar tarefas repetitivas
mais rapidamente utilizando uma memória not á vel que est á sujeita a imediato cha ¬
mamento. A extracção completa de informa ção requeriria raciocí nio l ógico, infe ¬
rê ncia, julgamento e experi ê ncia para decifrar os aspectos f í sicos, biol ógicos e
culturais de uma paisagem e para determinar como eles se misturam para formar
um padrã o ou se comportam sob press ões clim á ticas ou administrativas variá veis.
A vista e a mente treinadas do homem sã o certamente um computador not á vel
que nenhuma má quina pode substituir. Juntos facultam um potencial tremendo
para o ordenamento da biosfera.

3. O PAPEL DA DETECÇÃO REMOTA NA INVESTIGAÇÃO ECOLÓGICA

Como foi abundantemente documentado, a investiga çã o e o planeamento


ecol ógicos encontram-se entre as poucas alternativas para a sobreviv ê ncia da socie -
755

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Figura 18 5. Suporte b í pede de câ mara utilizado na estereofotografia fotogram é trica para obten çã o
de fotografias estereoscó picas da á rea sombreada. A câ mara est á suspensa verticalmente no triâ ngulo e
oscila-se o bí pede para as posiçõ es precisas indicadas. Um dispositivo portá til deste tipo pode ser mon¬
tado e erguido por dois homens. ( Modificado de Whittlesey , 1966.)

dade econ ó mica e cultural do homem que é crescentemente pressionada pelo n mero
de humanos e pelo poder da sua tecnologia. A ecologia como disciplina cient í fica
tem uma oportunidade mesmo um mandato para colmatar a brecha entre a
academia, a tecnologia e os problemas ambientais , muito reais e extensos , com que
se confronta o homem moderno e a sociedade futura . Rumo a este objectivo, a inves¬
tigaçã o ecol ógica pode ser agrupada em quatro categorias que s ã o suscept í veis de
utilizar as t é cnicas da detecçã o remota:
1. Inventaria çã o e cartografia de recursos,
2. Quantifica çã o do ambiente ,
3. Descri çã o do fluxo de mat é ria e energia no ecossistema, e
4. Avalia çã o de altera ções e de solu ções alternativas para o ordenamento
dos ecossistemas .

A fotografia a é rea e as imagens dos detectores remotos t ê m , em ecologia , as


possibilidades que a espectrofotometria tem demonstrado em fisiologia . De facto, a
fotografia aé rea pode conceber- se a um n í vel de ecossistema , como an á loga ao
microscó pio electr ó nico na biologia molecular ; cada uma delas depende da reflexã o
espectral , da absor çã o, emissã o e transmissã o de caracter í sticas das respectivas
amostras.
756

Inventário e Cartografia

As soluçõ es de muitos problemas de recursos dependem de uma adequada


determinação das caracterí sticas fí sicas e biológicas, integradas num intervalo de
variação que vai de meia d zia de metros quadrados a largos milhares de quiló me ¬

tros quadrados. A cartografia destas caracter í sticas, obtida de fotografias aé reas con ¬
vencionais, é uma forma de comunicaçã o l ógica ( Figura 18- 7). Este m é todo é bem
ilustrado pelos avan ç os na explora çã o geol ógica que incluem levantamentos com
magnet ómetro e invent ários florestais ( Colwell, 1961, 1968). Propriedades biol ógicas
importantes dos ecossistemas potencialmente mensur á veis pelas t é cnicas de detec ção
remota, seja individualmente ou em combinaçõ es multiespectrais, incluem : í ndice
de área foliar; volume do tronco; área e produçã o de culturas; diversidade estrutural
e em esp é cies ( Olson, 1964; Miller, 1960; Wickens, 1966 ); peso e teor de clorofila
da vegetação; certas doen ç as e pragas de insectos (Norman e Fritz, 1965 ); tipo,
densidade e biomassa das populações de animais maiores; polui çã o t é rmica e
quí mica dos sistemas aqu á ticos ( Schneider, 1968; Strandburg, 1966); fluxos de calor,
vapor de água e di ó xido de carbono nas superfí cies da terra; evapotranspiração
e teor de água dos solos e da vegetação; inc ê ndio ( Bjornsen, 1968); e espessura
e densidade da neve.
Um dos muitos exemplos poss í veis da cartografia da vegetaçã o efectuou- se
no sudeste da Á sia, a partir de fotografia pancromática convencional de escala
pequena e sem pr é via experi ê ncia de campo, com tipos de vegetação que crescem
na Tailândia ( Leightly, 1965 ). Estes mapas foram subsequentemente testados no
campo e verificou- se que eram surpreendentemente exactos. A import ância das pro ¬

priedades estruturais da vegetação na Tail â ndia, enquanto obst á culo à mobilidade dos
ve í culos, traduziu - se na selec ção da altura, di âmetro e espaç o como crit é rio principal
de cartografia ( Frost et ai , 1965 ). As numerosas permutações destes par âmetros
de vegetação na Tailândia foram agrupadas em 12 categorias estruturais ( Qua ¬

dro 18- 2). Foi possí vel cartografar estes par âmetros (Quadro 18- 3) para 15 000 qui ¬

lómetros quadrados com escalas fotogr áficas de 1: 20 000 ou menores. É evidente


que a discretização de muitos destes limites (Figura 18- 8 ) é uma função de mani ¬

pulação da paisagem pelo homem. Por exemplo, em extensas áreas de agricultura


mó vel e de bosque arbustivo adjacentes a campos de arroz, o milho tornou se uma -
cultura principal, desde 1958, com a ajuda de equipamento mec ânico (Figura 18-9).
De facto, este cultivo tem t ão grande sucesso na Tailândia que a exportação de
milho para o Japão substituiu uma parte substancial do comé rcio de milho dos Esta ¬

dos Unidos para este paí s. O problema crí tico nestas áreas tropicais h midas con ¬

siste na degradação da fertilidade do solo na ausê ncia de fertilizantes comerciais,


do que resulta o abandono da terra e a sucessão irreversí vel para bambu espinhoso
e capim tropical denso.
757

Quadro 18-2
Tipos de Vegetação Predominante da Tailândia Assentes em Diferenças Estruturais
Observáveis na Fotografia Aérea
A. Culturas Agr ícolas
-
1. Baixas ( < 1 m ) arrozal, terras de pastagem , agricultura
2. Altas ( > 1 m )
a. em linha: milho, cana de a çú car, mandioca, tabaco
b. casual: gram í nea tropical
B. Savana Arbustiva e Pomares
3. Baixos
a. em linha: ananá s, pomares novos
b. casual: savana arbustiva
4. Altos
a . em linha : campos de pimenta, árvores de fruto
b. casual: arbustos espinhosos
C. Savana Arb ó rea e Planta çõ es
5. Copado aberto: savana de gramíneas, zonas verdes urbanas
6. Copado fechado: planta çõ es de coco, borracha e teca
D. Floresta e Á reas Arbonizadas Semiperenif ólias
7. Floresta seca de mon ção, floresta de carvalho e pinheiro
8. Floresta secund á ria de arbustos, agricultura itinerante
9. Floresta de bambus
E. Floresta Sempreverde
10. Floresta tropical h mida
11. Floresta pantanosa de mangue
12. Pântano de palmeira nipa

Quantificação do Ambiente

A maior parte dos problemas de recursos requerem dados quantitativos , para


al é m da identificação dos problemas envolvidos e onde estes se colocam . Em alguns
casos , são at é suficientes estimativas amplas, aplicá veis a grandes á reas, para efeitos
de uma planifica ção com significado (Haefner , 1967). Atravé s de processamentos
mais sofisticados, nomeadamente a detecção remota, e usando sobretudo sistemas
detectores sens í veis em bandas estreitas do espectro electromagn é tico , podem
gerar -se n meros mais correctos. O recente desenvolvimento de um sistema de
laser , como o perfil ó metro aero- transportado, para estudos de microtopografia per ¬

mite reproduzir altera ções na elevação do solo da ordem de alguns cent í metros a
partir das altitudes de voo ( Rempel e Parker , 1965). As t é cnicas de resson â ncia
de r ádio no gelo permitem medi çõ es das interfaces entre o gelo e o leito rochoso,
758
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MAPA REAL DO SOLO


Vista Parcial da Propriedade Agr í cola de Purdue , fins de Junho, 1966.

Chave : W = Trigo A = Luzerna


O = Aveia SmG = Gr ã os pequenos
C = Milho M = Diver. : Hortali ças , Soja ,
S = Soja Sorgo, Culturas de
Oleaginosas, ou Sudan
A

Figura 18-6. Mapa real do solo de uma á rea da Propriedade Agr í cola de Perdue , em fins de
Junho , 1966.

atrav é s de espessuras de gelo da ordem dos 2500 metros ( Rinker et ai , 1966 ).


O recente desenvolvimento de detectores sens í veis à radia çã o t é rmica e de instru ¬
mentos magn é ticos sens í veis é um produto da necessidade militar que est á a encon ¬
trar uma r á pida aplica çã o na economia civil. Neste contexto, um dos problemas tem
consistido no rá pido incremento do desenvolvimento de sistemas « hardware » e o
atraso resultante no conhecimento do homem sobre como e com que grau de con ¬
fian ça tais sistemas podem ser efectivamente utilizados . Considere-se , por exem ¬
plo, o n mero de term ó metros requeridos para delinear a drenagem de ar frio
759

MAPA DE IDENTIFICA ÇÃ O PARA O TRIGO


Possibilidade M áxima de Processamento dos Dados obtidos com um Explorador Digitado de 12 Canais
( A assimetria é devida ao movimento do aviã o e à distor çã o da amostragem )
(6 / 30 / 66 , 1514 Horas , Alt. = 650 m )
WHW HHH UwWHH UWWHHUHWUHWHUHUUHHHHWH UWWH
WHH HHH WUUW kHWWUHWWWHUUUWKMHHW HHWHHUW
WHHH HHH HWHH
HUk HHU UWUW »; HHWHHHHWHHHHHHHWHHHHHKHHWHH
WHHH UWW WMHHh HHHWWHWHUHWKHHHWHWHHHHUW H
HHHHHH WHkHHHUHHWWWWHHHKWHHWHHHWWH
HHUU HHU WHNHW
HWHk HHU k UHH
HHW HW KWHHK
WWW HHKHWHNMH

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SG
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4 HWWHMMMWWMMNWMHMWWW

HUH

S C

O c
Chave : W = Trigo ( Foram identificados todos os campos de trigo)
0= Aveia
S C= Milho
WHWtaWWMNWWMMM * S= Soja
SG = Grã os Pequenos
M= Diversos : Hortali ç as , Sorgo, Sudan , Soja ,
HNHNNHWMM Culturas de Oleaginosas , Luzerna
Infrared and Optical Sensor Laboratory
Willow Run Laboratories
INSTITUTE OF SCIENCE AND TECNOLOGY
UNIVERSITY OF MICHIGAN

Figura 18-6. Mapa de identificação para o trigo (sombreado) e outras culturas, baseado em an álise
de computador de imagens de canal m ú ltiplo, nos comprimentos de onda vis í veis. A manifesta distor ção
angular dos campos tamb é m pode ser corrigida por tratamento com computador.
760

num dado vale , em contraste com uma carta de isot é rmicas obtida por detecçã o
remota ( Figura 18- 10).

Fluxos de Matéria e de Energia

A incapacidade para compreender os processos ecol ógicos é, frequentemente ,


a causa do planeamento defeituoso ou contradit ó rio dos recursos. Nos ecossistemas,
para avaliar a fun çã o face à estrutura é necessá rio o estudo de processos , interacções
e velocidades de transfer ê ncia entre diferentes organismos, bem como entre orga ¬
nismos e o respectivo ambiente. Frequentemente, sã o desejá veis medi ções da acti -
vidade metab ó lica. Estas constituem as respostas mais dif í ceis de obter a partir ,
tanto de detectores remotos, como de sensores na terra. N ã o obstante , a descoberta
por sensores aero- transportados de produtos metab ó licos ou de altera ções f í sicas,
provocadas pelos processos biol ógicos activos , constituem dados importantes para
infer ê ncias e conclus ões acerca da direcçã o e da quantidade dos fluxos de mat é ria

ÍS iv,
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S Salix spp. Fm Picea mariana


Pb Populus balsamifera PmLL Picea mariana / Larex laricina
Pt Populus tremuloides BpPg Bétula papyrijera.,/ Picea glauca
SA Salix spp . / Alnus crispa BnLg B étula glancidulosa / Ledum groenlandicum
Bp papyrifera
Belula paJ C Carex sp
Pg _
Pjcea gl ai _ PmBn Picea mariana / BetuIa glandulosa

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Figura 18 7. Em cima. Mosaico ilustrando um mapa, baseado em fotografia, dos tipos de vegetaçã o
representativos dos tribut ários do Rio Yukon quando entram nas plan ícies do sueste de Yukon Flats,
Alasca. Em baixo. Mosaico das v á rzeas inund á veis do Rio Yukon perto de Circle, Alasca, ilustrando
um mapa, baseado em fotografia, de tipos de vegetação.
761

e de energia nos ecossistemas ( Barringer et ai., 1968; Lohman e Robinove , 1964 ),


ia! como para seleccionar pontos de amostragem para posteriores medi ções.

Quadro 18-3
Parâmetros e Classes Utilizadas para Cartografar a Estrutura da Vegetação
na Tailândia a Partir de Fotografia Aérea Pancromática
S Í MBOLO DO MAPA

SDH
HC

Na fó rmula, o zero indica que o elemento aplicá vel n ão pode ser determinado na fotografia.
Os espa ços em branco indicam que o item aplicá vel n ão o pode ser ou n ã o existe. Assim , a
vegetação do andar superior é caracterizada no numerador e a vegetação dos andares inferiores
no denominador .

s = ESPAçAMENTO ENTRE OS TRONCOS DAS á RVORES D - DI Â METRO DAS PLANTAS LENHOSAS ( DAP)

1. < 1,20 m 1. < 1,25 cm


2. 1,20 - 2,40 m 2. 1 ,25 5,00 cm
3. 2,40 3,60 m 3. 5,00 15,00 cm
4. 3,60 4,80 m 4. 15,00 - 30,00 cm
5. 4,80 6,00 m 5. > 30,00 cm
6. 6,00 9,00 m
7. > 9,00 m
H = ALTURA DAS PLANTAS C = COBERTO ( % DE SOLO COBERTO )
1. < 1,80 m 1. 1 - 10 %
2. 1,80 - 4,80 m 2. 10 - 25 %
3. > 4,80 m 3. 25 - 50 % i
4. 50 - 75 %
5. 75 - 100 %

A previsã o a é rea da resposta vegetativa a um gradiente ambiental foi demons ¬


trada na experi ê ncia que se segue . A vigil â ncia fotográ fica dos efeitos da radia çã o
gama persistente na floresta Brookhaven , representada na Figura 17 - 4 ( p ágina 726),
foi realizada com quatro emulsões de filme (Johnson , 1965) . As zonas concê ntricas
da vegeta çã o que rodeavam a fonte de L 7 Cs num povoamento de pinheiros e
carvalhos foram avaliadas com informa çã o qualitativa e quantitativa proveniente de
fotografia a é rea de suporte manual , de grande escala . A microdensitometria , com uma
abertura eficaz de ADp , proporcionou express ões quantitativas como fun çã o do tipo
do filme, do desenvolvimento da folha, das esp é cies e do gradiente de radia çã o
gama. A resolu ção conseguida, com estas abertura e escala de fotografia, aproxi ¬

mou -se das dimens õ es de uma folha m édia de carvalho. Verificou - se uma boa corre ¬

la çã o ( r = 0,88) entre a expressã o logar í tmica da base diá ria da radia çã o gama em
roentgens e a densidade ó ptica da fotografia pancrom á tica ao longo deste gradiente
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Figura 18-8. Mapa de vegetaçã o e fotografia a é rea da estrutura da vegetação. Chanthaburi, Tai¬
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l â ndia. Ver no Quadro 18 3 a chave para os sí mbolos.

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Figura 18-9. Esquerda. Fotografias a éreas de cultivo m ó vel em Lopburi, Tailâ ndia, tiradas em
1953. Direita. A mesma á rea quase inteiramente convertida em campos de milho, em 1964.
763

;Figura 18-11). Outras fotografias do cerramento do copado, tiradas do solo a dis ¬


â ncias crescentes da fonte , proporcionaram í ndices de desfolha no andar dominante
correlacionados ( r = 0,97) com os dados da densidade resultantes do filme pan -
cromá tico. Assim , as mediçõ es fotogr áficas, quer acima, quer abaixo do copado,
descreveram os efeitos da radiaçã o ionizante . Uma escala cinzenta , em filme infra ¬
vermelho, mostrou a rela çã o exactamente oposta, em contraste com o filme pan -
cromático ; isto é , o filme infravermelho apresentava tons claros ( densidade baixa)
pr óximo da fonte, onde todas as plantas vasculares tinham sido exterminadas,
progredindo com tons mais escuros para a floresta a dist â ncias para al é m da influ ê n ¬

cia da radia ção. O filme colorido pode ser avaliado, de forma semelhante , atravé s
da mediçã o da satura çã o do pigmento de cada uma das tr ê s camadas de emulsã o,
vermelho, verde e azul . Assim , a an á lise quantitativa do filme a é reo convencional ,
em combina ção com os dados de campo, poderá descrever espacialmente uma res ¬
posta complexa no interior de um ecossistema.

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b
a
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-
Figura 18 10. Drenagem de ar frio num vale de montanha (a) na Pensilv â nia, ilustrado de forma
impressionante por imagens da circulaçã o t é rmica à noite . As cumeadas ( b ) est ão cobertas por carvalhais
e as vertentes dos vales por folhosas do norte. Uma clareira (c) para uma torre de comunicação cont é m
arbustos baixos, especialmente espé cies de ericáceas.

Avaliação da Alteração e Soluções Alternativas

A altera çã o de ecossistemas naturais é manifesta, naturalmente , em todos os


problemas de recursos . Sem altera çã o, isto é , sem esgotamento, erosã o, polui çã o,
acré scimo ou epidemia, o problema só raramente se reconhece. Este é , porventura,
764

o tipo mais fá cil de informa çã o a procurar por vigil â ncia a é rea repetitiva, e tem sido
explorado com a fotografia nos comprimentos de onda vis í veis. Assim , a velha
fotografia aé rea convencional poder á adquirir valor com o tempo, como um í ndice
de altera çã o, por é m , at é que o reconhecimento aé reo repetitivo seja extensamente
praticado ( e financiado!), a altera çã o generalizada a longo prazo, natural ou provocada
pelo homem , ser á muitas vezes dif ícil de avaliar. Uma vez avaliadas as tend ê ncias
de altera çã o ou as consequ ê ncias da tecnologia , podem com frequ ê ncia desen -
volver -se alternativas a partir dos mesmos dados. Isto é, porventura , a aplica çã o
mais promissora para a fotografia obtida do ve í culo espacial ( Brock et al., 1965;
Lowman , 1966) .
Uma contribui ção significativa da tecnologia desenvolvida para explorar o
espa ço ser á a de facultar informa çã o sobre as ci ê ncias naturais, a partir dos ve í culos
espaciais em órbita à volta da Terra ( Badgley e Vest , 1966). Os sat é lites já est ã o,
presentemente, a transmitir dados telem é tricos sin ó pticos sobre os padr ões me ¬
teorol ógicos. Uma vez posto em ó rbita o sat é lite , o custo da fotografia repetida é
m í nimo . Algumas transpar ê ncias , em cor , obtidas com aparelhos de m ã o nas
miss ões «Gemini » , mostraram o valor e a qualidade da presente fotografia espacial .

I .90
| "

.70 A DENSIDADE Ó PTICA , FOTOGRAFIA DO COPADO


6 / 15/ 63
S • DENSIDADE Ó PTICA, FOTOGRAFIA DO COPADO
£ 6 / 16 / 63
0 -.
I 50 O DENSIDADE Ó PTICA ( FILME A É REO ) l

DOSAGEM GAMA Log y i Dia


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s
1o § o
o 4C 1.10 - o
s§ s 8
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O
Q § O
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g

100
20 40 60 80 100 140 160
DIST ÂNCIA DA FONTE GAMA, M

-
Figura 18 11. A relação entre o gradiente de radiação, ICC, em duas datas, e a densidade ó ptica
de fotografia aé rea com a dist ância a uma fonte de radiação gama cr ónica , numa floresta de pinheiro-
-carvalho no Brookhaven National Laboratory, Long Island , N . Y. (Veja-se diagrama desta radiação na
Figura 17-4.)
p:

765

Por exemplo, o remoinho do Mar dos Sarga ços nunca tinha sido observado antes
fotografia dos Gemini . À medida que os sistemas de detecçã o sã o melhorados e
concebidos especificamente para plataformas espaciais, poder ã o esperar -se melhora-
f »entos na qualidade . No Quadro 18- 4, apresentam - se alguns parâ metros antecipados
I
Quadro 18-4
Resolução Orbital Antecipada de Alguns Sensores Seleccionados *
Á REA A 200 MILHAS
ESPECTRO SISTEMA RESOLU ÇÃ O NO SOLO
N Á UTICAS

Visual Câ mara FL de 15 cm 766 km 2 6 - 30 m


SENSIBILIDADE À TEMP.
Infravermelho Explorador da alta resolu çã o ± 0,5 °K 60 m
Micro- onda Radar , banda Ka, de 8 mm + 0,5 °K 0,5 - 1 km

jf íi * Extracto da publicação 7219 - 2 - F 13 da University of Michigan , intitulada Peaceful Uses of Earth Observation
|: Spacecraft , vol. 1, 1966.

para detectores remotos colocados em plataforma orbital a uns 370 km . Porventura ,


o benef ício mais valioso e imediato das plataformas espaciais (sat élites) ser á a obten ¬
ção de fotografias sin ó pticas cobrindo á reas extensas e a altera ção de condições mo-
|tivada pelas nossas tecnologias.
A solu çã o da confronta çã o do homem com a natureza envolve muitas
decisões fora do â mbito de um ecologista. Na medida em que muitas dessas deci ¬
sões t ê m raízes em conceitos biol ógicos, vale a pena comparar o ordenamento de
de uso-m ltiplo com a zonagem do ecossistema. É óbvio que n ã o se pode, por mais
tempo, permitir utilizações m ú ltiplas contradit ó rias em algumas á reas ( ver Cap í ¬
tulo 9, Secçã o 3 para efeitos de análise deste importante ponto). Porventura, o
estabelecimento de prioridades e zonas de utilização baseadas na compreensão do
ecossistema, auxiliado por instrumentos de detecção remota, é uma alternativa plau ¬
sível para o abuso m ltiplo e irreversí vel .
767

Capítulo 19 PERSPECTIVAS EM ECOLOGIA


MICROBIANA (*)

Por William J. Wiebe


Departamento de Microbiologia e Instituto de Ecologia,
Universidade da Geórgia.

As contribuições microbianas para os processos de nutrição e de energia foram


postas em relevo nos capí tulos da Parte 1. Os microrganismos, em virtude da sua
pequena dimensão e da capacidade de resistir a condições ambientais adversas du ¬

rante longos perí odos de tempo, encontram- se na biosfera por toda a parte. Possuem,
colectivamente, um enorme número de capacidades metabólicas e são capazes de
um ajustamento r ápido a alteraçõ es ambientais. Uma tal diversidade metabólica
assegura que a maior parte dos substratos orgânicos naturais introduzidos em qual ¬

quer ambiente ser ão transformados, embora a ritmo lento no caso de subst âncias
húmicas ou quando em ambientes anaer óbios (ver Capítulo 2, Secção 3). Porventura,
por motivo da sua versatilidade natural, o homem tem suposto com demasiada fre ¬

quência que todo o tipo de resí duo que possa considerar útil lanç ar para o ambiente
acabar á por ser transformado de uma forma qualquer e «purificado» pelos ubí quos
micr óbicos. Consequentemente, quase ninguém se preocupou em estudar micror ¬

ganismos no seu estado natural; deste modo, at é há bem pouco tempo, a ecolo ¬

gia microbiana permaneceu um assunto desprezado. Tornou- se agora por demais


evidente que muitos dos produtos orgânicos produzidos pelo homem, como sejam
alguns pesticidas, herbicidas, detergentes e subprodutos industriais, s ão «recalcitran ¬

tes», segundo a expressão de Alexander ( 1965), isto é, s ão lentos em mat é ria de


degradação no ambiente natural. Como consequência disso, estas subst âncias recal ¬

citrantes, não apenas se acumulam lentamente at é ní veis t óxicos, mas interferem


também com a reciclagem de nutrientes crí ticos e reduzem fortemente a qualidade

( *) O autor agradece ao Dr. Holgar W. Jannasch, da Woods Hole Oceanographic Institution, a autori ¬

zaçã o para incluir neste capí tulo alguns materiais da sua confer ê ncia em homenagem p ó stuma a
Edgardo Baldi, intitulada «Current Concepts in Aquatic Microbiology» (Jannasch, 1969).
768

do ar , da água e do solo. Payne, Wiebe e Christian ( 1970) salientaram que se encontra


dispon í vel o conhecimento de sistemas enzim á ticos de micr ó bios para prever as
perspectivas da degrada çã o de muitas subst â ncias qu í micas, e sugerem m é todos
para utilizar esta tecnologia com vista a determinar a biodegradibilidade antes de se
permitir a utilizaçã o ampla e geral de agentes ou produtos qu í micos. Contudo, os
maiores desafios actuais que se colocam na ecologia microbiana centram -se , menos
frequentemente , na demonstra çã o de que um processo particular pode ou n ã o ocorrer,
do que na quantifica çã o da resposta microbiana in situ no ecossistema.

1. UMA BREVE NOTA HISTÓRICA

Nos fins do sé culo XIX , os princ í pios básicos e as perspectivações necessá rias7
para o estudo da ecologia microbiana foram desenvolvidos por dois investigadores,
Winogradsky e Beijerinck . Winogradsky ( 1949 ), resumindo mais de 50 anos de inves¬
tiga ções, deu ê nfase à necessidade de estudar os microrganismos no seu ambiente
natural. Bass- Becking ( 1959) confirmou as duas « regras de Beijerinck» : ( 1 ) todas as
coisas est ão em toda a parte e (2) o meio selecciona. Tal como assinalou o pr ó prio
Beijerinck ( 1921), o m é todo ecol ógico aplicado à microbiologia consiste em duas
fases complementares: a investiga ção das condi ções para o desenvolvimento dos
organismos que, porventura , por alguma razã o já despertaram casualmente a aten çã o,
e a descoberta de novos organismos que surgem sob culturas ou condi ções de
campo pr é-determinadas, isto é, aqueles que foram «seleccionados pelo meio», seja
porque só eles se podem desenvolver, seja porque triunfaram dos seus competidores.
Nos ltimos 30 anos, desenvolveu-se um outro ponto de vista sobre a inves ¬

tiga çã o da actividade microbiana ambiental , a aná lise da fun çã o e o ritmo da acti -


vidade sem levar em atençã o os tipos espec í ficos de microrganismos presentes. Este
m é todo, que dá ê nfase ao efeito quantitativo do metabolismo microbiano no seio de
um ambiente , é medido, por exemplo, pelo consumo total de 02, a evolu çã o do
C02, a renova çã o de compostos org â nicos espec í ficos, como por exemplo amino-
á cidos, ou a cin ética de absor ção de substratos. Os avan ços da biologia molecular e
da bioqu í mica facultaram ao ecologista dos micr ó bios muitos instrumentos para
ensaios funcionais.
Muitas das dificuldades associadas com o estudo dos microrganismos nos
respectivos ambientes sã o, em grande parte, como fica impl í cito, de natureza t é cnica .
As quest ões a colocar sã o, em grande medida , conhecidas. O dif í cil é promover a
experimenta çã o para responder a essas quest õ es. Neste cap í tulo ser á dado destaque
aos m é todos e às t é cnicas que t ê m sido desenvolvidos para lhes dar resposta .
769

2. A QUESTÃO DOS N Ú MEROS

À primeira vista, nã o parece haver problema mais simples de resolver do que


o de avaliar o n mero de organismos existentes numa amostra, e no entanto
nenhum problema é tão sedutoramente complexo de solucionar experimentalmente
quando se trata de microrganismos. H á para isso dois m é todos gerais: contagens
directas utilizando o microscópio de luz e as contagens de vi á veis, nas quais o
crescimento macroscópico na superfície de uma placa constitui o crit é rio para indicar
a presença de uma cé lula bacteriana numa amostra.

Contagens de Viá veis

Robert Koch ( 1881 ) criou engenhosamente a t é cnica de contar cé lulas bacte -


rianas como col ó nias desenvolvidas num meio solidificado. A sua ideia baseou-se em
dois pressupostos : as cé lulas a contar devem crescer no meio seleccionado e cada
col ónia deve representar o crescimento a partir de uma só cé lula , a fim de que a
contagem seja reproduzivel e exacta ( isto é , as cé lulas n ã o devem estar inicialmente
amontoadas). A t é cnica de Koch é aplicá vel para avaliar a popula ção de tipos especí ¬
ficos de cé lulas e para efectuar comparações relativas entre populações mistas de
um dado tipo metabó lico específico, embora não possa ser utilizada para determinar
a densidade da população ou «contagens totais de bact érias». A té cnica das placas
faculta dados semi-quantitativos para identificação de um tipo metab ólico particular,
como por exemplo, redutores de sulfato, heterotróficos aeró bios não exigentes e
bact é rias fixadoras de azoto . São correntemente utilizados tr ê s mé todos de contagem
em placas: placas por mistura, espalhamento em superfície e membranas filtrantes.
No m étodo das placas por mistura é misturado agar fundido ( 42 °C) com amostras

Quadro 19 1 -
Sumeros de Microrganismos por Mililitro de Á gua do Mar, Segundo Diferentes Métodos
de Contagem. Erro Percentual Entre Parêntesis *
TEMPERATURA M ÉTODOS DILUI ÇÃ O MACRO- MICRO - CONTAGEM
PROFUNDIDADE DA ÁGUA DE L Â MINA EM S É RIE COLÓNIAS COLÓNIAS DIRECTA
(m) (°C) (5 DIAS ) ( 21 DIAS ) ( 5 DIAS ) ( 21 DIAS ) EM FM| EM FM t EM FM t

Superfície 20,1 6 (10 %) 11 (10 %) 7 7 8 ( 9 %) 68 (3,1 %) 244 ( 1,8 %)


25 20 ,1 14 ( 12 %) 14 ( 12 % ) 5 5 14 ( 7 %) 31 ( 5,2 %) 262 ( 2,1 %)
50 19 ,1 9 ( 19 %) 10 ( 6 %) 7 7 10 ( 12 %) 30 (8,7 %) 166 ( 6,4 %)
100 13,0 4 (14 %) 6 (29 %) 2 2 1 ( 15 %) 29 (6,6 %) 82 ( 11,3 %)

* De Jannasch e Jones , 1959.


* Filtros de membrana .

4)
770

apropriadas , dilu ídas e distribu í das em placas de Petri . Depois de uma incubaçã o
adequada contam- se as col ó nias. Na t é cnica do espalhamento em superf í cie as dilui ¬
ções da amostra são espalhadas directamente na superf í cie de agar arrefecido, incuba¬
das e contadas as col ó nias. As contagens por filtra çã o em membrana realizam-se
fazendo passar uma quantidade medida de água atravé s de um filtro, geralmente
com uma porosidade de 0, 22 a 0, 45 // de diâ metro, colocando o filtro numa placa
de meio l í quido ou s ólido, incubando e contando as col ó nias. Jannasch e Jones
( 1959) compararam vá rios destes m é todos utilizando amostras repetidas de água do
mar. Como se ilustra no Quadro 19-1, as estimativas de bact é rias num mililitro de
água foram mais elevadas utilizando os m é todos de contagem directa ao microscó pio,
mais reduzidas com as membranas filtrantes e mais baixas ainda utilizando contagens
em placas por mistura. Cada mé todo tem vantagens e desvantagens, podendo estas
variar em ambientes distintos. O estudante poder á obter mais informa çã o sobre estas
t écnicas num texto de microbiologia geral (Stanier, Douderoff e Adelberg, 1970).
Pode dizer- se que, geralmente, as contagens de viá veis apenas representam 0,1 ou
menos do n ú mero total de cé lulas em populações aut óctones, isto é, populações num
estado de crescimento reduzido, como acontece usualmente na natureza não polu í da.
Em tais situações, n ão se observa correlação directa entre estimativas resultantes
das contagens de viá veis e das contagens directas ( como se examina subsequente ¬
mente ). Por outras palavras, os meios utilizados no trabalho bacteriol ógico conven ¬
cional est ão muito «enriquecidos» ( « polu í dos» por assim dizer) para muitas popula ¬
ções naturais que est ão adapatadas a ambientes nutritivos dilu í dos.
Na microbiologia da poluiçã o, faz-se a determina ção de rotina do N mero
Mais Prová vel ( NMP ) ( ver APHA, 1966) de coliformes. A presen ça de bact é rias coli-
formes numa amostra é utilizada por muitos departamentos sanit á rios como indi ¬
caçã o do n í vel de contamina ção fecal de um manancial de água. O termo «coliformes»
refere- se a um grupo de bact é rias que reside nos intestinos de muitos vertebrados.
Existem m é todos para detectar as estirpes de origem humana. Embora por si inofen ¬
sivas, a presen ça de coliformes indica que poder ão estar presentes microrganismos
patog é nicos mais dif í ceis de detectar. Embora haja grande contrové rsia acerca da
aplicabilidade desta t é cnica, a contagem de coliformes é presentemente o m é todo
principal para avaliar a potabilidade da água. O m é todo recorre à análise estat í stica
do crescimento, numa s é rie de dilui ções com repetiçõ es , para determinar o n mero
aproximado de coliformes numa amostra de água . Embora a contagem de coliformes
apenas seja um í ndice grosseiro, as contagens muito altas indicam , certamente , uma
forte polui çã o com res íduos humanos ou animais e sã o justificação bastante para
colocar sinais de «contaminada» nas linhas de água.
As estimativas por contagens de viá veis d ão , assim, números relativos de um
grupo particular de microrganismos mas não facultam «contagens totais ou absolutas».
Com esta restrição poder ão constituir um instrumento de an á lise ú til da microbio-
771

íogia de um ecossistema. Os m é todos das placas permitem tamb é m o isolamento de


estirpes de microrganismos para estudos em cultura pura.

Microscopia

O outro m é todo geral para avaliar o n mero de microrganismos numa


amostra consiste no exame microscó pico directo. Tamb é m neste caso se t ê m uti ¬

lizado uma variedade de t é cnicas; com alaranjado de acridina ( Wood , 1967) e uma
diversidade de outros corantes fluorescentes tem sido poss í vel tornar as cé lulas
fluorescentes. Tê m sido utilizadas vá rias colorações, e tentado o exame directo em
microscopia ó ptica. Estas t é cnicas sã o adequadas no caso de muitos protozoá rios e
algas, embora a taxonomia n ã o possa ser , com frequ ê ncia , determinada com tais
mé todos. Quando por é m se fazem estimativas de bact é rias por contagem directa ,
encontram -se tr ê s dificuldades principais : ( 1 ) É frequentemente dif í cil reconhecer as
cé lulas bacterianas individuais, dado que a morfologia «caracter ística» das cé lulas
cultivadas no laborat ó rio se altera muitas vezes sob condi ções in situ. ( 2 ) Os micror ¬
ganismos surgem , com frequ ê ncia, em agregados ou aderentes a part í culas, n ã o
podendo distinguir -se claramente as cé lulas individuais. ( 3 ) É necessá rio dispor de
106 bact é rias por mililitro para ver um organismo por campo, com uma amplia çã o
de 1000 vezes. Em muitos ambientes o n mero de bact é rias é muito inferior a
IO 6 por ml , necessitando-se de concentra çã o dos microrganismos. Em muitas situa ¬

ções apenas é poss í vel realizar uma concentra ção limitada. Acresce , por outro lado,
que se n ã o pode efectuar facilmente uma contagem exacta caso muitas das cé lulas
se encontrem amontoadas ou aderentes a detritos, por motivo do ocultamento das
cé lulas individuais e da distribui ção n ã o casual da popula ção.
O reconhecimento de bact é rias numa amostra natural deve ser considerado
como um processo subjectivo, aconselhando-se o estudante a estabelecer crit é rios
cuidados de avalia ção baseados num exame preliminar. At é ao momento da elabo¬
ra çã o deste texto, n ã o é poss í vel distinguir ao microscó pio com precisão as cé lulas
vivas das mortas.
Os problemas relacionados com as contagens, quer de viá veis, quer directas,
encontram -se bem ilustrados no trabalho de Gorden et al. ( 1969 ). Estes examinam a
sucessã o bacteriana num microecossistema ( ver página 31 e Figura 2-6 III ). No Qua ¬

dro 19- 2, os dados de contagem de viá veis de Bacillus sp. aumentam de in í cio a
ritmo elevado, depois decrescem para um n í vel baixo, embora constante . Contudo,
contagens microscó picas directas mostraram que , depois de trê s dias, o Bacillus sp.
esporolou , tornando-se assim inactivo neste sistema . Nestas condi çõ es, as contagens
de vi á veis nã o deram indicaçã o nenhuma sobre a sequ ê ncia real dos acontecimentos
e conduziram a uma sobreavalia çã o dos n ú meros de cé lulas activas no sistema,
772

dado que os esporos do Bacillus sp. germinaram e cresceram no meio onde se efec-
tuaram as contagens de viá veis.
O microscó pio electr ó nico com poder estereoscó pico constitui um outro ins¬
trumento, potencialmente poderoso para a observa ção de microrganismos no am ¬
biente (Gray, 1967). Os microrganismos podem ser examinados nos respectivos
habitats f ísicos, pelo que se podem observar as rela çõ es espaciais e os padr ões de
crescimento. A Figura 19-1 apresenta fungos decompondo uma agulha de pinheiro
na folhada da floresta. Este m é todo funciona, particularmente bem , com os protistas
superiores, se bem que at é bact é rias possam ser analisadas com sucesso. O micros¬
cópio electr ó nico de varrimento, um m é todo n ã o estritamente quantitativo at é ao
presente, possibilitou observar directamente organismos nos seus micro- habitats.

Quadro 19-2
Sucess ão de Microrganismos num Microcosmo Derivado, de Sistema Fechado
(Semelhante ao Ilustrado nas Figuras 2-6 III e 2-7 A ) f

CONTAGEM BACTERIANA VI Á VEL DE\ SISTEMAS MISTOS / ML


103 109 108 107 106 IQ 5 106 107 106

DIAS

ORGANISMO * 0 1 5 10 20 30 40 50 60 70

Bacillus A A A
(vegetativo)
Bacillus C R R R R R R R
( esporos)
W A A C C C C
Y C A C C C
L C A A A A A A c R
G c C C A A A A R R
C c A A C A A A A
T c A A A
B A A C A A A
0 R R R R R R C C C
P R A R R R R C C C
Chlorella C A A A A A c c c
Schizothrix C C C C A A A A A
Scenedesmus
Cypridopsis R R R C c c c

Convenção: R raro; C comum; A abundante.


* As letras W, Y, L, etc., representam bacté rias isoladas funcionalmente distintas que podem ou n ão ser
«espécies» no sentido taxon ó mico convencional. O dia «0» marca a altura em que foi inoculado novo meio
de cultura a partir 'de uma cultura velha clí max; em 70 dias o microcosmo alcan ça novamente um estado
. -
de equilí brio Ver um gráfico do metabolismo de uma tal sucessão de microcosmo na Figura 9 2.
.
t De Gorden et ai , 1969.
773
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Figura 19-1. «Decompositor » em acção. Electromicrografia de exploração de um micélio de fungo
- uma agulha de pinheiro em decomposição na folhada do solo da floresta . A fotografia superior mostra
uma secçã o das agulhas de pinheiro com uma amplia çã o de 100 vezes,
enquanto que fotografia
a infe ¬
rior mostra uma imagem pró xima do fungo ramificado com uma ampliação de 500 vezes. ( Fotografias do
Dr. Robert Todd , Institute of Ecology, University of Ge órgia.)
774

Medições Totais da Biomassa

As insuficiê ncias das contagens directas ou indirectas de cé lulas conduziram


à pesquisa de indicadores mais precisos da biomassa ou exist ê ncia permanente micro¬
biana. Esses dados são particularmente importantes para o cálculo de rela çõ es tr ó-
ficas. Em culturas de uma s ó espé cie, as densidades das populações, usualmente
elevadas, sã o medidas por turbidimetria , peso seco, teor em prote í na e outros
parâ metros. Todas estas provas sã o demasiado pouco espec í ficas para as condi ções
que se encontram tipicamente na natureza, em virtude de se encontrar geralmente
presente mat é ria orgâ nica n ão viva. O trifosfato de adenosina ( ATP) est á profu ¬
samente distribu í do e é bioquimicamente essencial para o crescimento e a ma ¬
nuten ção da célula, sendo a determina ção de ATP uma medida potencialmente
sens í vel da biomassa viva. Dado que normalmente se encontra apenas no interior
das células vivas ( ver página 15) e é um componente essencial para as transfor ¬
maçõ es de energia e os processos biossint é ticos, o ATP é um í ndice promissor
da biomassa total. A principal dificuldade, na utilizaçã o deste método, reside na
varia çã o intr í nseca num dado quantitativo de ATP por unidade de peso das
cé lulas. Infelizmente , o tempo de renova çã o e a const â ncia de ATP por cé lula
(Harrison e Maitra, 1968) variam com o estado fisiol ógico das cé lulas e o tipo de
microrganismo. A amplitude de variação para o ATP por unidade de peso, publicada
para uma ampla variedade de organismos, é cerca de 50 vezes. Esta amplitude pode
provavelmente ser reduzida para um ambiente particular, uma vez que a hete ¬
rogeneidade de organismos dever á ser menor num dado tipo de ecossistema do que
numa selecção mista de organismos de todo o mundo. Subsiste o problema de
determinar a amplitude dos n í veis de ATP na biomassa dos principais ecossistemas.
De momento, a determina ção completamente precisa dos n ú meros de cé lulas
ou de biomassa nã o se pode efectuar na maioria dos sistemas naturais. Contudo, os
dados de n ú meros e de biomassas relativos são ú teis para fins comparativos . S ã o
necessá rios dados exactos sobre a exist ê ncia permanente para avaliar a biomassa
microbiana dispon í vel como alimento para os consumidores de micr ó bios num
dado volume de solo ou água.

3. A QUESTÃO DA IDENTIFICAÇÃO

Existem duas raz ões principais para investigar os tipos de organismos que
se encontram presentes numa dada amostra. Em primeiro lugar, é necessá rio iden ¬
tificar os microrganismos activos, como um primeiro í ndice da diversidade de tipos
funcionais presentes e para comparação entre amostras e ambientes. Em segundo
775

iugar , o conhecimento de tipos presentes é necessá rio para vigiar flutua ções que
ocorrem num dado sistema . Caso seja de aplicar provas de í ndices de diversidade
( ver p ágina 235) ou de realizar estudos de sucessã o, é necessá ria a identifica çã o
de organismos.
A identifica çã o e a classifica çã o da maior parte dos metazoá rios e das plan ¬
tas multicelulares baseia-se, quase exclusivamente , em caracter í sticas morfol ógicas
grosseiras. Os protistas superiores sã o també m separados em bases morfol ógicas.
Afirma-se, com frequ ê ncia, que a morfologia das bact é rias pouco pode ajudar para
finalidades taxon ó micas, por motivo da pequena dimensã o das células e da sua forma
geralmente uniforme . Este enunciado pode ser aplicado, razoavelmente bem , às duas
ordens principais de bact é rias ( isto é , as mais vulgarmente estudadas, n ão necessa ¬
riamente as mais importantes), a saber, as Pseudomonodales e as Eubacteriales, e em
parte limitada a v á rias outras ordens. O que dever á , por é m , apontar -se é que presen ¬
temente todas as ordens de bact érias são exclusivamante separadas em bases morfo¬
lógicas. Muitas fam í lias, g é neros e esp é cies, sã o tamb é m identificados em bases
morfol ógicas por exemplo, as espé cies do g é nero Beggiatoa e Sorangium ( Breed
et ai , 1957). Assim , a identifica çã o morfol ógica directa é poss í vel para alguns grupos
de bact é rias. Este enunciado aplica-se a muitas das bact é rias fotossint é ticas; é menos
verdadeiro para os quimiolit ó trofos, e a validade mais fraca corresponde aos hete -
-
r ótrofos ( ver páginas 37 39 para efeitos de defini ção ) . Infelizmente , os heteró trofos
constituem a maioria dos micr ó bios em muitos ambientes . Uma dificuldade que
ocorre com estes organismos é a de que a sua morfologia , tanto ao n í vel da estru ¬

tura grosseira como de pormenor, pode variar grandemente , de acordo com as con ¬

di ções ambientais ( Brock , 1966 ) .


O taxonomista das bact é rias tem sido for çado a complementar a observa çã o
directa com provas para actividades bioqu í micas e fisiol ógicas. Os problemas ligados
à distin çã o de g é neros e esp écies de bact é rias sã o muito complexos para que aqui
possam ser considerados, dispondo-se nesta mat é ria de uma excelente revis ã o devida
a Skerman ( 1967). Estudos recentes sobre a classifica çã o microbiana est ã o a atribuir
cada vez menos import â ncia às rela çõ es filogen é ticas deficientemente fundamenta ¬
das e est ão a promover um sistema de identifica çã o de base pr á tica. Esse sistema
tem sido desenvolvido com a ajuda da an á lise num é rica de dados para um modelo
taxon ó mico computarizado ( Sokol e Sneath , 1963) . Por este m étodo sã o determinadas
caracter ísticas morfol ógicas , bioqu í micas e fisiol ógicas de culturas e estabelecida a
taxonomia na base de semelhan ças gerais analisadas matematicamente . A vantagem
deste sistema reside no facto de se obterem , igualmente , dados sobre o funcionamento
bacteriano, isto é , a dissimila ção da glucose , as necessidades de aminoácidos, e assim
por diante , em acrescento a um esquema taxon ó mico. Embora n ã o seja poss í vel
extrapolar directamente capacidades que ocorrem em cultura pura para capacidades
in situ , quer quantitativa quer. qualitativamente , «é justificá vel, e operacionalmente
776

necessá rio, admitir que na maioria das caracter ísticas relativas ao habitat as culturas
puras se assemelham aos seus progenitores na natureza » ( Hungate , 1962 ). Para
exemplo de uma an á lise num é rica aplicada à ecologia , ver Lovelace, Colwell e
Tubiash ( 1968 ).
A desvantagem mais sé ria inerente à utiliza çã o da an á lise taxon ó mica num é ¬

rica na ecologia microbiana consiste no n mero relativamente grande de provas


que t ê m de ser efectuadas e registadas para cada elemento isolado, e no grande
n mero de elementos que usualmente é necessá rio examinar.
Cabe aqui mencionar duas vias taxon ó micas recentes. Baseiam -se ambas na
const â ncia dos pares de bases no á cido deoxirribonucleico ( DNA ) nas cé lulas. No
primeiro m é todo, determina- se a composi ção total nas bases guanina e citosina.
O m é todo baseia-se no facto de tipos semelhantes de organismos conterem DNAs
semelhantes; o seu valor reside em distinguir entre grupos superficial mente seme ¬

lhantes, como por exemplo os dos g é neros Vibrio e Aerobacter, que t ê m valores de
G + C de 40 e 55, respectivamente, uma vez que grupos muito diversos podem ter
as mesmas propor ções G + C. Um resumo de valores G + C publicados ao longo de
1966 , foi compilado por Hill ( 1967 ). O segundo m é todo envolve a compara çã o directa
dos DNAs ou DNA- m - RNA ( á cido ribonucleico mensageiro ) provenientes de duas
esp é cies diferentes e determinar a semelhan ça, por meio do n í vel geral de homologia
( ver Marmur , Falkow e Mandei , 1963, e Mandei , 1969, para efeitos de um exame
mais completo desta mat é ria). O segundo m é todo absorve muito tempo e é dif í cil
de aplicar com precisã o . A sua utiliza çã o corrente espera o desenvolvimento de uma
t é cnica padronizada e simplificada. É , n ã o obstante , ú til , dado comparar directamente
os gen ó tipos de duas estirpes.
Finalmente dever á dizer - se uma palavra sobre a utiliza ção da t é cnica da
imunofluorescê ncia para a identifica çã o de tipos de cé lulas em ecologia . Podem ser
produzidos anticorpos contra os antigenes de superf í cie de esp écies bacterianas sin ¬
gulares , e estes anticorpos podem ser marcados com uma variedade de fluorocromos.
Quando se prepara, desta maneira, um anticorpo e se mistura com uma suspensã o
de cé lulas, estas tornam-se fluorescentes sob luz ultravioleta e podem ser vistas
directamente com o microscó pio de fluorescê ncia ( para detalhes ver Quinn , 1968,
páginas 163 a 165). Esta t é cnica tem sido aplicada à identifica çã o de esp é cies hom ó ¬
logas de cé lulas in situ ( Hill e Gray, 1967) e para detectar agentes patog é nicos dos
alimentos directamente nestes ( Fantasia, 1969); é um instrumento potencialmente
ú til para detectar uma popula çã o espec ífica num determinado ambiente.
Mais importantes do que as determina çõ es de biomassa e de tipos de orga ¬
nismos, especialmente no estudo dos fluxos de energia num dado ecossistema, são
as medi çõ es das actividades levadas a cabo por uma popula ção microbiana e as
suscept í veis de o ser , e as medi çõ es directas das actividades in situ. Estas mat é rias
constituem os temas das duas ú ltimas secçõ es desta revisão.
777

4. A QUESTÃO DA EXECUÇÃO

Culturas Puras e Enriquecimentos

As medições do grau da actividade microbiana, num dado ecossistema, podem


realizar - se tanto com culturas puras como por análise quí mica do ambiente. Para
o caso de estudos de culturas puras, já se expô s a utilização de v árias provas para
classificação e já se assinalou que estes resultados també m servem para esbo çar
algumas das capacidades fisiológicas e bioquí micas das bact érias. As culturas puras
continuam a ser um componente essencial e justificável das investigações ecológicas
microbianas, embora a interpretação directa dos resultados com referência ao am ¬

biente devam ser feitas cautelosamente, dado não haver segurança de que ( 1) as acti-
vidades observadas em culturas puras se realizam in situ, (2) as condiçõ es culturais
não hajam reprimido ou induzido padr ões matabólicos, ou (3) as interac ções de
populações mistas não possam alterar actividades de estirpes individuais. Estes enun¬

ciados são válidos mesmo à luz do enunciado de Hungate ( 1962) (ver página 776).
A t é cnica do enriquecimento selectivo revela, de facto, actividades metabó¬

licas potenciais que podem ter lugar no ambiente. Por exemplo, um recente sim ¬

pósio sobre enriquecimentos e isolamentos microbianos ( Schlegel, 1964) provou


que ainda est ão por descobrir tipos metabólicos inteiramente novos, no âmbito dos
microrganismos, e que compreendendo as condições de enriquecimento para o cresci ¬

mento e o isolamento se ganha conhecimento sobre os tipos de ambiente envolvidos.


Formas de bact érias fotossintéticas, recentemente descritas, ilustram o significado
ecológico da absor ção de luz e da composição de pigmentos (Pfenning, 1967;
Truper e Jannasch, 1968). Eimhjellen et al. ( 1966) descobriram uma nova bacterio-
clorofila que absorve luz no infravermelho longí nquo ( 1020 nm *), demonstrando a
utilização de um comprimento de onda que antes se não considerava apropriado
como fonte de energia luminosa para a fotossíntese.
Os ciclos de nutrientes inorgânicos, particularmente os ciclos do azoto e do
enxofre (ver Brock, 1966), têm sido investigados por intermé dio de processos de
enriquecimento. Virtualmente, todos os tipos de organismos nestes ciclos foram
isolados utilizando enriquecimentos especí ficos (ver Capí tulo 4, Secção 1, para uma
listagem destes microrganismos chave). Este mé todo tem sido e continuar á a ser um
instrumento poderoso para a ecologia nos estudos metab ólicos, embora seja neces ¬

sário desenvolver t é cnicas adicionais para tratar mais directamente com populaçõ es
naturais.
.
( *) Nanometro; 1 nm = 10 9 m
'
778

Análise Química do Produto Final

Uma outra abordagem do problema da mensuração das actividades meta ¬

b ólicas dos microrganismos é a análise quí mica directa do ambiente para averiguar os
«produtos finais» do metabolismo. A determinação de carbono orgânico sol vel ou
em partí culas, as exist ências permanentes de aminoácidos, lí pidos e hidratos de car ¬

bono proporcionam medições quantitativas e qualitativas das exist ências permanentes


para o sistema inteiro. Os dados da exist ência permanente facultam uma medida
instant ânea da quantidade e da qualidade de compostos, e isto tem import ância,
como previamente se indicou, para conhecer que nutrientes se encontram disponí ¬

veis para os organismos vivos em qualquer momento.

Tais dados podem, por ém, ser enganosos, uma vez que não reflectem o ritmo
de renovação dos compostos, isto é, a velocidade a que um composto est á a ser
produzido e utilizado. Por exemplo, Hobbie et al. ( 1968) verificaram que as exist ê ncias
permanentes de treonina e de metionina no estuário de St . John, em Chesapeake
Bay, Virgínia, eram semelhantes 1,50 e 1,31 /ug por litro, respectivamente embora
a metionina fosse regenerada e utilizada 8 vezes mais rapidamente do que a
treonina. Assim, durante um dado perí odo de tempo a metionina representa 8 vezes
a import ância quantitativa da treonina, embora em cada instante as respectivas
quantidades sejam as mesmas. Este ponto ser á examinado mais completamente na
secção seguinte.

Na maior parte dos ecossistemas, apenas se pode avaliar que actividades se


encontram relacionadas entre si. Sabe- se agora que os ciclos dos vários elementos
(ver páginas 136 a 143) se encontram associados para actividades metab ólicas especí ¬

ficas; em alguns sistemas por exemplo, lagoas anaer óbias pouco profundas t êm
sido explicadas com êxito as interacções de heter ótrofos e aut ótrofos no ciclo
do enxofre. A utilização de traçadores radioactivos (ver página 144) t êm tido sucesso
nos anos recentes para elucidar vias ecológicas complexas. Por exemplo, Pome-
roy et al. (1966) traç aram a utilização e a distribuição do fó sforo num ecossistema
de sapal seguindo o movimento do 12 P introduzido. Utilizando esta t é cnica demons ¬

traram, não apenas que organismos eram responsáveis pela absor ção de fó sforo, mas
tamb é m quais eram as relações entre organismos no seio da cadeia alimentar .

Não será possí vel medir as interac ções entre actividades ou vias na maior
parte dos ecossistemas enquanto se não compreenda quantitativa e qualitativamente
a natureza dos vários ciclos individuais. Felizmente, a modelação matemática destas
interacções facilitará grandemente a via experimental.
779

5. A QUESTÃO DO RITMO DA FUN ÇÃO

A medi çã o da natureza quantitativa e do fluxo das actividades in situ é


porventura o problema mais importante na ecologia microbiana . O facto da
'«intensidade » ser nos organismos pequenos mais importante do que a « exist ê ncia

permanente » foi fortemente destacado no Cap í tulo 3 ( página 130). O que pode e
deverá ser medido? As tentativas iniciais para avaliar os ritmos naturais da trans ¬
forma ção microbiana ocupavam - se com ( 1) a respira çã o ou ( 2) a degrada ção de certas
fontes ou substratos de energia org â nica para o crescimento microbiano. A actividade
heterotr ófica total de uma popula çã o mista pode ser medida determinando a pro ¬

du çã o de C02 ou o consumo de 02 utilizando el é ctrodos de oxig é nio ( Kanwisher,


1959), recipientes de Warburg de tamanho maior que o normal ou medindo o
B.O.D. ( biochemical oxygen demand = consumo bioqu í mico de oxig é nio; ver pá-
fina 22). A medi çã o da degrada ção da fonte orgâ nica de energia tem - se efectuado
-adicionando
perda
uma quantidadeconhecida de substrato a uma amostra e calculando
de substrato com o correr do . Tem sido utilizada uma variedade
tempo
de t écnicas semelhantes. Nas secçõ es seguintes serã o analisadas algumas das t é c¬
nicas recentes para a medi çã o de actividades in situ de popula ções microbianas
mistas globais.

Medição « in situ » dos N íveis dos Componentes Orgâ nicos


e seus Tempos de Renovação

Em alguns ambientes , como por exemplo em muitos lagos e rios ou no mar


aberto, as actividades metabó licas totais sã o muito baixas . Tem-se conseguido
o necessá rio aumento de sensibilidade para a medi ção de muitas destas reacções,
aplicando t é cnicas de is ótopos radioactivos ( ver página 729). Seguindo o desenvolvi ¬
mento da t é cnica do l 4 C para medi ção da produtividade fotossint é tica por plantas
verdes ( ver p ágina 92), Kusnetsov ( 1958) e Sorokin ( 1964) procuraram determinar as
velocidades da fotoss í ntese e da quimioss í ntese bacterianas. Embora Kusnetsov
( 1967 ) tenha mostrado que a absor çã o heterotr ó fica do bicarbonato pode ser consi ¬

derá vel, particularmente na obscuridade , provocando assim um descré scimo no mon ¬


tante de C 02 libertado, o m é todo promete ajudar a determinar a contribui çã o
bacteriana in situ para as velocidades da circula çã o de C02.
Em 1962 , Parsons e Strickland sugeriram a adi ção de subtratos org â nicos
marcados com 14 C ( inicialmente glucose e acetato) a amostras de água, medindo a
absor çã o do l 4 C depois de um curto per í odo de incuba çã o. De uma forma sur ¬

preendente , a rela çã o entre a velocidade de absor çã o e a concentra çã o no substrato


780

conduziu a uma curva de saturação que sugere o envolvimento de uma ciné tica estri ¬

tamente de primeira ordem, como ocorre nas actividades de permease de suspensões


de culturas puras de c élulas inteiras (Kepes e Cohen, 1962). Por outras palavras,
as populações naturais mistas da amostra de água comportaram -se como uma cultura
pura, já que a curva de absor ção foi uma linha recta, indicando uma reacção de uma
s ó enzima. A principal crí tica ao trabalho realizado foi o de terem adicionado subs ¬

tratos radioactivos a ní veis v árias vezes superiores aos encontrados no ambiente.


O estudo percursor de Parsons e Strickland encorajou Wright e Hobbie
(1966) a àperfeiç oar esta t é cnica. Utilizando a modificação de Lineweaver -Burke da
equação de Michaelis-Mentent *) procuraram avaliar o montante de glucose e de
acetato originalmente presente nas águas do Lago Erken, Sué cia, adicionando uma
gama de concentrações de substrato radioactivo. Encontraram dois mecanismos se ¬

parados de absor ção, um para algas outro para bact érias. Foram detectados sistemas
especí ficos de transporte activo a ní veis de substrato baixos para bact érias, ao passo
que foi observado para as algas um gradiente de difusão a ní veis de substrato
mais elevados. Este mé todo de marcação foi aperfeiç oado de tal forma que pode ser
calculado o tempo de renovação ou o tempo de substitui ção de um dado substrato.
Hobbie et ai. (1968) relataram tempos de renovação de horas a dias para diversos
aminoácidos no estuário de St. John, Chesapeake Bay. As tentativas iniciais para
aplicar este mé todo ao mar aberto não tiveram êxito ( Vaccaro e Jannasch, 1966),
possivelmente em virtude de uma actividade natural muito baixa. É til observar
que todas as bact érias em crescimento podem considerar - se como aquáticas, quer
estejam no mar, na água que rodeia uma partí cula de solo ou no interior de um
outro organismo vivo.

Relações entre Célula e Energia

Podem tamb ém avaliar- se as produçõ es te óricas de energia e de células de


um dado sistema. Tais valores permitem calcular um limite máximo para a troca
de energia no interior de um ecossistema. Embora este conceito ainde se encontre
actualmente em fases de formação, é muito grande o seu potencial para efeitos
de aplicação ecológica, sendo esta a raz ã o do seu exame, com um certo detalhe,
nesta secção.
f Há
alguns anos, Monod ( 1942) observou ser o crescimento das bact érias
directamente proporcional à quantidade do substrato produtor da energia propor-

define a relaçã o entre o ritmo de absor çã o e a concentraçã o do substrato. Para


( * ) Esta equa çã o
efeitos de uma explica çã o, ver Fruton e Simmons ( 1959 ) ou qualquer texto geral de bioqu í mica,

t Esta sec çã o sobre Ecui e T, v e foi preparada pelo Dr. W . J. Payne, do Departamento de Micro-
~

biologia da Universidade da Ge ó rgia.


781

cionada no meio de cultura. Desde ent ão t ê m - se desenvolvido esfor ços consider á veis
para obter constantes de crescimento para utiliza çã o nos tratamentos matem á ticos
do crescimento. Sabe- se agora que a produção em peso seco de células ( biomassa )
de bactérias anaeróbias se encontra razoavelmente relacionada com a quantidade de
energia disponí vel para fermenta ção como moles de ATP ( trifosfato de adenosina ).
A produ çã o m é dia ( FATP ) é de 10,5 g de cé lulas por mole de ATP produzida por
mole de substrato catabolizado. Apenas em casos em que a via fermcntativa completa
do catabolismo produtor de energia n ã o se conhece , se encontram resultados apa ¬
rentemente discordantes relativamente ao TATP previsto.
O FATP não pode , por é m, ser utilizado para vias aer ó bias pois que o n mero
de moles do ATP produzido pelo catabolismo aer ó bio n ã o pode ser especificado e
varia consideravelmente entre as bact é rias e outros microrganismos. O relacionar as
produ ções de crescimento com (1) moles do substrato utilizado (Tsllbslrau, ), (2) equi ¬

valentes de carbono de substrato utilizado (Tcarbono ) ou (3) moles de oxig é nio con ¬

sumido durante o crescimento ( F02 ) não tem proporcionado valores constantes.


Examinando o crescimento de pseudomonas do solo num grande grupo de
compostos orgâ nicos distintos, Mayberry , Prochazka e Payne ( 1967) verificaram ser
mais ú til considerar substratos, de acordo com o n mero de electrões dispon í veis
~
(av e ) que os constituem, do que com o n ú mero de carbonos. Por exemplo, a glucose
compreende 24 av e , o á cido acé tico 8, o glicerol 14 e o á cido benz óico 30. ( O n ú ¬
mero de av e ~ para qualquer composto orgâ nico pode ser determinado calculando
o 02 requerido para a combust ã o completa de um mole e multiplicando depois os
moles de oxig é nio requeridos por quatro o n ú mero de electr ões requeridos para
reduzir um mole de oxig é nio ) . Quando esses investigadores dividiram os valores de
Substrato obtidos nos seus pr ó prios estudos e nos de muitos outros investigadores
~
pelo av e por mole de substrato especí fico utilizado, obtiveram valores entre 2 ,00
e 3,92 com uma m é dia de KIV e - de 3,14 g de peso seco de cé lulas por av e .
Neste intervalo, 78 por cento dos valores situavam- se entre 2,75 e 3,50.
Mesmo para o crescimento de microrganismos em culturas mistas , o Y a r è
muito próximo de 3, 14. Dados de 33 experiê ncias publicados por quatro investigadores
diferentes, que introduziram subst â ncias bioqu í micas puras em culturas de lamas de
águas residuais e mediram o Tsubslr.ll 0 , facultaram uma m é dia de Xlve de 2,95.
~

Estas condições sugerem fortemente que para os microrganismos heterotr ó-


ficos, que crescem aerobiamente numa diversidade de substratos, consumindo-os
totalmente , e n ã o produzem outros produtos finais para al é m de cé lulas e de C 02,
a produ çã o em meios m í nimos será de aproximadamente 3,14 g de peso seco
por av e , independentemente da espé cie e do substrato org â nico utilizado.
"

Mayberry , Prochazka e Payne (1967) previram , al é m disso, que a produ çã o


de cé lulas a partir de qualquer tipo de crescimento bacteriano estaria constantemente
relacionado com a quantidade de energia obtida do meio de cultura, tanto pela assi -
782

mila çã o como pela desassimila çã o. Examinaram os calores de combust ã o de um


grande n mero de compostos org â nicos como fora determinado por Kharash
( 1929) e aceitaram um n mero m é dio de 26,5 kcal por av e como sendo repre ¬
~

sentativa dos substratos org ânicos que as bact é rias podem utilizar para o crescimento.
Foi formulada a rela çã o simples

3, 14 5g / av e
n cal
Ec 26,5 kcal/ av e
= 0, 118 g / kcal

Para fins experimentais Ec , ou a energia total obtida das culturas, considerou-se


representada por

Ea + Ed = Ec
onde Ea é energia assimilada na estrutura das cé lulas e Ed a energia desassimilada por
metabolismo oxidativo ou fermentativo. Ea é sempre calcul á vel , a partir de dados
experimentais , como Esu 5stral0 multiplicado pelo calor de combust ã o das cé lulas
bacterianas. Estes investigadores verificaram por bomba calorim é trica que o calor
médio de combust ão das células bacterianas é de 5,3 kcal por g. Portanto,

Ea substrato ,3 kcal / g
Para o crescimento fermentativo Ed é igualmente calcul á vel , requerendo-se
apenas dados de equil í brios experimentais de fermenta çã o. Na fermenta çã o do ácido
lá ctico, por exemplo, 1 mole de glucose com um calor de combust ão de 673 kcal por
mole é fermentado para 2 moles de lactato, com um calor combinado de combust ã o
de duas vezes 326 ou seja 652 kcal por mole. A energia desassimilada é assim 673-652,
ou 21 kcal por mole . No trabalho de Bauchop e Elsden ( 1956) sobre a fermentação
da glucose por Streptococcus fecalis, onde Kglucose é de 22 g por mole,

22 g / mole
n cal
117 kcal/ mole + 21 kcal / mole
0, 159 g / kcal

A an álise dos resultados de seis estudos utilizando nove espé cies anaer ó bias
e facultativas diferentes, crescendo anaerobiamente em sete substratos distintos ,
proporcionou uma m édia para Ekcal de 0,130 g por kcal .
A determina ção de Ekca| para o crescimento aer ó bio requer um m é todo
diferente para calcular Ed . Os valores para Esubstrat 0 e Ea obtê m-se da mesma maneira
que para o crescimento anaer ó bio; por é m , para o crescimento aer ó bio toma- se Ed
como o produto dos moles de oxig é nio consumido por mole de substrato utilizado
durante o crescimento (02 por mole ) multiplicado por quatro vezes a energia m é dia
por av e para as mol é culas orgâ nicas ( 4 av e / molex 26,5 kcal/ av e ou 106 kcal /
" "
783

/ mole ). Das experiê ncias de Mayberry, Prochazka e Payne com uma bact é ria do solo
do g é nero Pseudomonas crescendo em ácido benz óico, onde 02 por mole = 3,46,
resulta
86,8 g / mole
Yk cal 460 kcal / mole + 366 kcal / mole
0,105 g / kcal

O exame dos resultados de cinco estudos com sete espé cies distintas de
microrganismos, crescendo aerobiamente em 26 substratos diferentes, proporcionou
uma m é dia para ykca , de 0,116 g por kcal. Em conjunto, obteve - se para Ekai , um
valor mé dio de 0,121 para o crescimento aer ó bio e anaer óbio, valor que se ajusta
bem à previsã o de 0,118 g por kcal.
Obteve - se outro valor vizinho do previsto a partir dos resultados das expe ¬
ri ê ncias anteriormente mencionadas com culturas de lamas de esgotos a que foram
adicionados produtos bioqu í micos puros. Para estes estudos a m é dia de Tkai| foi cal ¬

culada em 0,110 g por kcal.


É assim manifesto que uma média de 0,118 gramas de células é, muito prova ¬

velmente, produzida aeróbia e anaerobiamente a partir de qualquer tipo de cultura


microbiana por cada quilocaloria de energia removida do meio de cultura pelas célu ¬

las em crescimento ( ver Payne, 1970, para efeitos de uma revisã o sobre este assunto).

Mediçã o dos Ritmos das Actividades ( *)

Há duas grandes categorias de ambientes no que se refere a n í veis nutritivos:


(1) aqueles em que os n í veis do substrato são altos (g por litro ou g por kg ) e (2)
aqueles em que são baixos ( mg por litro ou mg por kg ). Com respeito ao fluxo ou abas ¬
tecimento de nutrientes há tamb é m duas dimens ões: (1) cont í nua e (2) descont í nua.
Ocorrem, naturalmente, todos os graus interm édios. Em geral, os ecossistemas com
ní vel de substrato elevado, descont í nuos, são os mais f á ceis de simular e de analisar
em laborat ó rio por exemplo, a decomposi ção e a sucessã o de acontecimentos a
que é sujeita a folhada enterrada. T ê m sido realizados estudos sobre a sucessã o
em diversas prepara çõ es de alimento, como por exemplo as fermentações de chucrute
e conservas á cidas de vegetais. Prestam-se mais a estudo, uma vez que os sistemas de
alta actividade metab ólica e de n í vel de substrato elevado sã o tecnicamente menos
dif í ceis de medir. Tais ambientes representam modelos excelentes para o estudo
da sucessã o.
De todos os ambientes que t ê m sido estudados, a transforma ção microbiana
da celulose no r ú men dos vertebrados é um dos que melhor se conhecem (Hungate,

( * ) Algumas partes desta sec çã o baseiam - se em Jannasch ( 1969 ) .


784

1963 ) . Este sistema representa um ambiente cont í nuo, rico em nutrientes. As activi-
dades podem ser descritas em termos de velocidades, com uma confian ça relativa ¬
mente grande de que a actividade é constante. Hungate e seus colaboradores deram
not í cia dos organismos envolvidos na transformação da celulose, dos produtos for ¬
mados e do equil í brio de energia para o sistema completo. A natureza anaer ó bia
deste sistema n ã o é eficiente para o crescimento bacteriano ( isto é, apenas 10 por
cento da energia é assimilada pelas bact é rias), embora a pr ó pria natureza desta
ineficá cia constitua a razão pela qual os ruminantes podem subsistir face a um
substrato como a celulose . A parte principal da energia residual da acçã o microbiana
consta de ácidos gordos convertidos a partir da celulose , embora n ão sejam poste-
riormente degradados. Esses produtos finais est ão directamente dispon í veis para
assimila çã o pelos ruminantes. Assim , a «efici ê ncia» poderá ser um termo enganador.
Neste exemplo o metabolismo anaer ó bio é ineficiente para as bact é rias, embora
altamente eficiente para o ruminante.
Outro sistema cont í nuo rico em nutrientes extensamente estudado é o de
lamas activadas. Javornichy e Prokesova ( 1963) utilizaram este sistema para demons ¬

trar o papel vital que os protozoá rios desempenham , nutrindo- se de bact é rias, na
manuten ção do metabolismo bacteriano a um n í vel constante. Tais sistemas sã o
excelentes para o estudo dos ritmos metabó licos.
N ão deveria esperar - se que os ambientes descont í nuos, pobres em nutrientes,
estivessem , pela sua pr ó pria natureza, representados nos habitats principais. Contudo,
muitos cursos de água e lagos podem ser classificados nesta categoria de sistemas.
Durante muitas alturas do ano, os n í veis orgâ nicos são bastante baixos, embora
depois das tempestades entrem nas águas quantidades significativas de materiais
provenientes das terras vizinhas. A natureza quantitativa e qualitativa da água
é alterada , embora mesmo com este acr é scimo o sistema seja da categoria pobre
em nutrientes, segundo as definiçõ es aqui utilizadas. Em muitos destes ecossistemas
as bact é rias imobilizadas formam revestimentos nas rochas e nas estruturas de super ¬
f í cie ; assim, o sistema tem uma componente cont í nua, a massa da água da corrente
ou lago, e uma componente descont í nua, os bê nticos. Nos estudos sobre a micro-
biologia de tais sistemas deveriam considerar -se juntamente ambas as componentes.
O tipo de ambiente mais dif ícil de analisar é o sistema de fluxo cont í nuo,
pobre em nutrientes, como alguns rios e fontes e o mar alto. Sem embargo, as res-
pectivas velocidades cin é ticas t ê m import â ncia capital por motivo das á reas grandes
da terra que cobrem . O conhecimento em bacteriologia geral do metabolismo micro ¬
biano baseia- se em estudos feitos na presen ça de concentra çõ es relativamente
grandes de substratos ( como se observou na Secçã o 2 ). Trabalho recente sobre a
regulaçã o metabó lica ( Maaloe e Kjeldgaard , 1966 ) demonstra que não podem efec-
tuar-se extrapolações directas de dados obtidos em concentrações de substrato «ó ptimas»
para condições de crescimento a n í veis de substrato extremamente baixos. As capacida-
785

des biossint é ticas das cé lulas bacterianas, tal como as suas exig ê ncias m í nimas, sã o
íonemente afectadas por altera çõ es no ritmo de crescimento ou pela concentra çã o
do nutriente limitante do crescimento. Por outro lado, a natureza do substrato
limitante a sua fun çã o como fonte de energia ou como nutriente essencial
condiciona a propor ção entre os metabolismos respirat ó rio e biossint é tico (Herbert
et ai , 1956). Estas circunstâ ncias reclamam medições de actividade feitas directamente
no habitat natural e provas experimentais de crescimento em concentrações de substrato
próximas das que se encontram no ambiente natural.
Brock ( 1967) deu um exemplo do primeiro m é todo, determinando a incorpo¬
ração de timidina marcada no DNA de cé lulas individuais de Leucothrix sp. por
auto- radiografia . A vantagem deste m é todo radica na sua especificidade quando com ¬
parado, por exemplo, com a absor çã o relativamente n ã o espec í fica na obscuridade
de bicarbonato marcado. As desvantagens desta t é cnica consistem na aplicaçã o limi ¬

tada a espécies que possam ser cultivadas em cultura pura e reconhecidas morfo ¬
logicamente in situ, bem como nos erros em que se incorre pela necessidade de
incubação num tubo de ensaio descrita mais adiante.
O segundo m é todo, a medi ção do crescimento ou de actividades metab ólicas
a concentrações extremamente baixas do nutriente limitante, confronta-se com outras
dificuldades t é cnicas. No seu trabalho fundamental sobre o crescimento bacteriano,
Monod ( 1942) verificou que a rela çã o entre o ritmo de crescimento e a concentra çã o
do substrato limitante podia ser descrita por uma curva «ajustada aos dados» , que
correspondia à rela çã o de Michaelis- Menten , entre a velocidade da reacçã o enzi-
m á tica e a concentração do substrato. É , poré m , imposs í vel obter dados de cresci ¬
mento para a secçã o mais baixa da curva pr ó ximo da origem aquela parte da
funçã o que é mais interessante para o ecologista. Parte das cé lulas inoculadas auto-
lizam -se na presen ça de n í veis de nutrientes extremamente baixos, libertando assim
substratos adicionais e dando origem ao chamado « crescimento cr í ptico» que esconde
a verdadeira intensidade do crescimento na sua rela ção com o substrato ( Postgate
e Hunder, 1963).
Monod , em 1950, e independentemente Novick e Szilard , desenvolveram o
quimiostato, um instrumento basicamente simples utilizado para cultivar bact é rias
em presen ça de condições ambientais constantes, incluindo a concentra çã o do subs ¬

trato limitante. Em vez de se servirem de um sistema fechado ou parcelar ( « batch »),


como, por exemplo, um frasco de cultura com tampa em que a concentra çã o do
substrato se altera com o crescimento e o tempo, foi utilizado um sistema aberto
simplesmente por adi çã o cont í nua de meio fresco e retirando uma quantidade igual
da cultura , contendo os produtos do crescimento, incluindo c é lulas ( ver um diagrama
de um quimiostato simples na Figura 2 -6 l ).
As t é cnicas de cultura cont í nua já existiam anteriormente a 1950, especial ¬
mente para a manuten ção de culturas microbianas ou , em microbiologia aplicada ,

50
786

para a produ çã o cont í nua de cé lulas ou de produtos metab ó licos. Contudo, s ó


depois de ter sido descoberto que uma cultura cont í nua, homogeneamente mistu ¬
rada, de um microrganismo crescendo exponencialmente, representa um sistema de
auto- regula çã o ( quimiostato), é que esta t é cnica se tornou um instrumento de incal ¬

cul á vel valor nos estudos quantitativos. Passando por um «estado de transi çã o» , em
que o ritmo de crescimento se ajusta à concentra çã o escolhida do substrato limitante,
o sistema atingir á um «estado de equil í brio» traduzido por uma densidade de popu ¬
la çã o contante . Enquanto as condi çõ es externas, incluindo a composi çã o e o fluxo
de meio, se mantiverem sem altera çã o, o ritmo de crescimento permanecer á cons ¬
tante e igual ao ritmo de dilui ção do sistema. Durante este estado constante , os
par â metros importantes para a determina çã o do crescimento e da actividade meta ¬
bó lica podem ser expressos por rela ções matem á ticas simples ( Herbert et a ., 1956).
A passagem do estudo das actividades microbianas em sistemas de cultura
fechados à aplica çã o em sistemas de fluxo cont í nuo abertos marcou um novo e
significativo avan ço para o estudo da ecologia microbiana dos ambientes cont í nuos.
Um ano antes de se descobrir o quimiostato, van Niel ( 1949) produziu o seguinte
enunciado:
O crescimento é a expressã o por excelência da natureza din â mica dos organismos
vivos. Entre os m é todos gerais dispon í veis para a investiga çã o cient í fica de fen ó menos din â ¬
micos , os mais teis foram aqueles que se ocupam de aspectos cin é ticos. ... As investiga ções
cin é ticas em culturas de microrganismos est ã o particularmente indicadas para o estabeleci ¬
mento de rela ções entre o crescimento e os factores ambientais , especialmente a natureza
e a quantidade de nutrientes.

O desenvolvimento do quimiostato tornou poss í vel aplicar este raciocí nio na an á lise
da cin é tica do ecossistema microbiano.
O princ í pio da competi ção pelo substrato limitante , num habitat natural ,
aplica-se igualmente ao quimiostato. Por é m , uma vez que a remoção cont í nua de
cé lulas do quimiostato por dilui çã o se processa de uma forma indiscriminada e ao
mesmo ritmo para todas as espé cies presentes, o sistema é fortemente selectivo:
as esp é cies que atingem a taxa de crescimento mais rá pida, nas condi ções oferecidas,
competir ã o com sucesso e, eventualmente , ultrapassar ã o todas as outras espé cies.
Assim , o quimiostato n ão permite a reprodução das condições naturais. O seu verda ¬

deiro valor reside no facto de que nele se pode estabelecer um estado de equilí brio, que
constitui a base para a maior parte dos estudos cinéticos.
Na literatura ecol ógica a expressã o «estado de equil í brio» é utilizada para
estudos cí clicos , dependentes do tempo, de popula ções mistas. Quando a sua defi ¬
ni çã o original , obtida em estudos de cin é tica qu í mica, se perde , o termo també m
perde o seu valor como instrumento de estudo da din â mica da popula çã o ecol ógica .
Em popula ções naturais, as espé cies individuais podem n ão estar em estado de
787

equilí brio, mas antes em estados transit ó rios, isto é , a aumentar ou a decrescer ao
longo das esta ções ou de outras altera ções ambientais periódicas. Assim, o estado de
equilí brio, definido microbiologicamente, de uma população è uma ferramenta expe¬
rimental útil e é uma situa ção que se observa sob condições naturais apenas nos am ¬

bientes mais estáveis, como, por exemplo, no mar profundo ou no solo sob uma
floresta madura. O conceito de factor limitante relativamente a condições de estado
de equil í brio e de estado transit ório foi analisado no Capítulo 5, Secção 1.
O habitat natural dos microrganismos tem de ser visualizado como composto
de tantos sistemas individuais abertos quantas as espécies presentes, sendo cada
popula çã o controlada pelo seu pr ó prio factor limitante individual e estando todas
elas, mais ou menos, inter - relacionadas pela disponibilidade de energia. As rela ções
principais entre densidade de popula çã o, taxa de crescimento e concentra çã o do
nutriente limitante nos sistemas abertos são nitidamente diferentes das que ocorrem
em sistemas fechados de cultura. Por exemplo, em sistemas abertos, a densidade da
popula çã o está no máximo quando os ritmos de crescimento e as concentra ções
em nutrientes são mínimas. As concentra ções de nutrientes aumentam com o
decr é scimo da densidade da popula ção, e a máxima taxa de crescimento alcan ça-se,
naturalmente, quando os nutrientes sã o abundantes e a densidade baixa (ver conceito
de «produ çã o ó ptima», página 359). Deste ponto de vista torna-se compreensível
que o processo de mera amostragem simples, ou a mudan ça de um sistema aberto
para um outro fechado, conduza a diferen ças ambientais dr ásticas.
Os estudos de culturas cont í nuas t ê m mostrado (Jannasch, 1963 e 1967 b ) que
muitos isolamentos de bacté rias são incapazes de manter o crescimento, em certas
águas naturais, abaixo do limiar de concentra ção do nutriente limitante. A quan ¬
tidade destas concentra ções «excedentes», dispon íveis embora n ã o utilizadas por
microrganismos, depende dos factores ambientais por exemplo, o pH ou o Eh
do sistema .
Ao passo que as t écnicas clá ssicas de enriquecimento est ã o limitadas a espé ¬
cies microbianas com pronunciada especificidade de substrato ( isto é, bacté rias oxi-
dantes do sulfureto, bacté rias redutoras do nitrato, etc.) , as propriedades selectivas
do quimiostato t ê m sido utilizadas para produzir enriquecimentos e isolamentos
daqueles tipos metabólicos menos conspícuos que poderiam, na realidade , ser
responsá veis por uma parte importante da degrada ção da grande variedade de subs ¬
tratos org â nicos existentes na água (Jannasch, 1967 a). Estes estudos reafirmam
que os meios bacteriológicos ricos, como os habitualmente utilizados em placas de
agar, seleccionam tipos de organismos « infestantes» que sã o incapazes de metabolizar
substratos sob condições naturais e que assim seriam raros na natureza não polu ída.
As espécies crescendo activamente em concentra ções naturais de substrato tendem
a ser ultrapassadas por essa espé cie infestante no meio comum de prova. Os microrga ¬
nismos «clí maxes» de ambientes pobres em nutrientes poderiam, assim , passar des-
788

percebidos por motivo do nivel de nutrientes relativamente alto que se encontra,


como regra, no meio bacteriológico.
Esta ideia de comparar partes activas e inactivas da microflora de um habitat
natural pode encontrar-se na definiçã o de Winogradsky (1949) dos microrganismos
«aut óctones» e «zimog é neos», os primeiros exibindo processos de renovaçã o mais
ou menos constantes a concentrações de nutrientes baixas, e os ú ltimos exibindo
necessidades de concentrações elevadas de substrato e mostrando apenas crescimento
vegetativo ou «flora ção» aquando de uma subida ocasional ou sazonal do n í vel de
nutrientes. A consequ ê ncia impl í cita nesta distinçã o é clara : caso se pretenda estudar
as actividades microbianas em ambientes de fluxo constante, pobres em nutrientes,
é preciso considerar os organismos apropriados, isto é, aqueles que se encontram
activos sob condições naturais pobres em nutrientes. Estes poder ão não ser porven ¬
tura os « bichos de laborat ório» que t ê m sido objecto de estudo mais intensivo.
Brock e Brock (1968) estudaram in situ os ritmos de crescimento de algas
b ê nticas, numa tentativa de utilizar um pequeno rio como uma cultura cont í nua.
Eliminando a fonte de energia, por cobertura de uma secção limitada do rio com
chapa negra e medindo o ritmo de desaparecimento das cé lulas algais da á rea
obscurecida, calcularam as velocidades iniciais de crescimento. Foram feitos estudos
semelhantes, embora num sistema de laborat ório, alimentando um quimiostato com
água esterilizada por filtro ou água n ão esterilizada inoculada com o isolamento
bacteriano que se pretendia estudar. A temperatura e outros factores do meio espe ¬
cífico foram reproduzidos experimentalmente. A partir da diferen ça entre o ritmo
de diluição do sistema e a velocidade de arrastamento dos organismos pode cal-
cular-se, com elevado grau de precisão, o seu ritmo de crescimento na ausê ncia ou
na presen ça de microflora competitiva na água natural n ão suplementada ( ver tam ¬
bé m Jannasch , 1969).

6. RESUMO

A ecologia microbiana como um domí nio de estudo não deve ser separada da
ecologia «geral»; embora algumas respostas a quest ões precisas requeiram t é cnicas
anal í ticas especializadas, os fundamentos de ecologia deverão manter-se para as inte -
racções relativas aos microrganismos. Este capítulo pôs em destaque as técnicas
por que, como se enunciou na introdu ção, são conhecidas as grandes quest ões pos¬
tas na ecologia microbiana; é a metodologia para formular respostas o que, na
maior parte das vezes, falta. Foi salientada a necessidade de desenvolver m é todos
789

in situ para o estudo da actividade microbiana nos ecossistemas, uma vez que as
t écnicas de culturas puras enriquecidas dos laborat órios convencionais de micro-
biologia n ão são apropriadas para o ensaio ecol ógico. O estudante dever á recordar -se
que a ecologia microbiana n ão é um aspecto lateral da ecologia, mas antes um
aspecto muito central, especialmente no que respeita à compreensã o da ciclagem
de elementos, à bioenerg é tica de sistemas e ao controlo da poluiçã o provocada
pelo homem.
791

Capí tulo 20 ECOLOGIA DO VOO ESPACIAL

Por G. Dennis Cooke (*)


Universidade Estatal de Kent, Kent, Ohio

Introdução

Uma das novas e mais apaixonantes á reas da ciência é a do desenvolvimento


de ecossistemas com reciclagem total ou parcial de materiais para a sustenta ção da
vida humana durante longos voos espaciais, ou durante a exploração prolongada
de ambientes extraterrestres. Embora já tenham sido aperfeiçoados sistemas ade ¬
quados de sustentaçã o temporária de 1 a 3 astronautas durante voos breves de 1 a
30 dias, orbitais ou de exploração (como sejam as alunagens) , é ainda pequeno o
esfor ço feito ou progresso alcan çado no â mbito do desenvolvimento de um ecossis-
tema de reciclagem, est ável, completamente fechado, capaz de sustentar populações
humanas no espa ço durante longos per íodos de tempo. A constru çã o deste tipo
de sistema de sustentação da vida tem particular relevâ ncia para a ecologia e para
a teoria do ecossistema, dado ser opinião generalizada que tais sistemas h ão-de asse¬
gurar, pelo menos parcialmente, a biorreciclagem dos materiais. Uma outra área com
interesse ecol ógico é a «exobiologia», isto é, a quest ão da exist ê ncia de vida
noutros planetas. A exobiologia admite a possibilidade de vir a ser eventualmente
encontrado um ecossistema primordial, ou pelo menos um estado pr é- bi ótico na evo¬
lu çã o qu í mica, como se sup õe ter existido na Terra em eras passadas ( ver Capítulo 9,
páginas 435- 438).
Para os seus aspectos gerais, os problemas da sobrevivê ncia humana no
veículo espacial artificial são os mesmos que se colocam à sobrevivê ncia continuada
na nave espacial que é a Terra, nave que está a atingir rapidamente n íveis crí ticos

(*) Este cap í tulo foi preparado enquanto o autor auferia de uma bolsa de p ó s- doutoramento no Insti ¬
tuto de Ecologia, Universidade da Ge órgia , com o apoio da NIH Training Grant ES 00074 e do
contrato NsG 706/ 11-003 da NASA.
792

de sobrepopulação. Por exemplo, a detecção e o controlo da polui çã o do ar e da


água, a garantia de uma adequada quantidade e qualidade de alimento, o trata ¬

mento dos resíduos e do lixo acumulados e os problemas sociais criados pela redu ¬
ção do espaço vital , sã o problemas comuns à s cidades e à nave espacial. Em acres¬
cento, o viajante do espaço confronta-se com dois problemas ambientais novos, a
saber: a falta de peso (gravidade zero, ou grandemente reduzida) e um campo de
radiação que inclui raios potencialmente letais, de que na Terra se está protegido
pela atmosfera. O facto de ainda n ã o se ser capaz de criar um ecossistema comple ¬
tamente fechado em que se possa confiar para uma existê ncia prolongada no espaço
( nem se prever quando se estará em condições de o fazer, dado que ainda se não
dedicou a esta quest ão uma atenção profunda), constitui prova manifesta da igno¬
r â ncia e do desprezo do homem pelos equil í brios vitais que mantê m a nossa pr ópria
biosfera operacional, e da falta de interesse pelo estudo de tais equilí brios. Portanto,
a constru ção de um sistema capaz de sustentar a vida, criando uma miniatura da
biosfera e definindo o ecossistema m ínimo para o homem, é um objectivo tão impor ¬
tante para a qualidade de vida do homem na Terra como o é para a exploração com
êxito dos planetas.

1 . TIPOS DE SISTEMAS DE SUSTENTAÇÃO DA VIDA

Na Figura 20-1, apresentam-se modelos de compartimento de tr ê s tipos cor ¬


rentes de sistemas capazes de sustentar a vida. Comparam-se tr ê s est ádios no grau
de regeneração no que respeita ao fluxo de energia, à ciclagem de materiais e ao
tipo de regulação. No tipo de armazenamento, sem reciclagem ou regeneraçã o, o
fluxo de materiais é unidireccional, e a vida do sistema baseia-se na quantidade
de materiais que pode ser armazenada. A regulaçã o é totalmente assegurada por
meios externos. Com uma reciclagem ou uma regeneração parcial, uma parte da
mat é ria é reciclada entre o astronauta e os organismos de suporte, ou dispositivos
mecâ nicos, embora o controlo permaneça quase inteiramente externo e mecâ nico, e
a vida do sistema dependa inteiramente da fiabilidade e da longevidade do equi ¬

pamento. Fechando o sistema de sustentação, excepto para a energia, h á um ciclo de


mat é rias e um fluxo de energia que podem ser controlados ou estabilizados tanto
por meio de dispositivos externos como de mecanismos biol ógicos internos, ou de
ambos. Neste caso, a longevidade é limitada tanto pela fiabilidade do equipa ¬
mento como pela continuidade das interacções homeost áticas entre os compo¬
nentes bióticos.
Em todas as miss õ es espaciais realizadas (at é 1970) tem -se recorrido ao
sistema de armazenamento sem reciclagem, apenas com re - utilização de uma
pequena quantidade de materiais. Neste caso, todos os materiais necessários à vida,
793

1. SISTEMA DE ARMAZENAMENTO OU SEM RECICLAGEM DE MATERIAIS


MATERIAIS
TODOS OS N Ã O UTILIZADOS
MATERIAIS DE Jj ASTRONAUTAS} OU
SUSTENTAÇÃO TÓ XICOS
CONTROLOS armazenados ou lan çados
no espa ço
2. RECICLAGEM DE MATERIAIS PARCIAL ( á gua e / ou gases respirat ó rios )

MATERIAIS CONTROLOS MATERIAIS


-
Figura 20 1. Modelos de compartimento
DE SUSTENTA ÇÃ O
N ÃO UTILIZADOS simplificados para trê s etapas de desenvolvi ¬
( incluindo alimento )
ASTRONAUTAS OU
TÓXICOS mento de sistemas de reciclagem de materiais.
ORGANISMO armazenados ou lan çados
OU no espa ço
MECANISMO
REGENERADOR

3. RECICLAGEM COMPLETA DE MATERIAIS ( sistema fechado)


[CONTROLOS]
ORGANISMOS
DE SUSTENTAÇÃO
CONTROLOS-* | 4 V H O?c >®
L

MEIO DE CULTURA
( CONTROLOS]

incluindo a água, alimentos e oxig é nio, são acondicionados a bordo do ve í culo,


juntamente com o equipamento para depurar e armazenar ( ou descarregar no es ¬
pa ço ) os res íduos metab ólicos . Por é m , à medida que aumenta o n ú mero de astro¬
nautas por ve í culo e a dura çã o do voo espacial, o peso do sistema de armazenamento
aumenta rapidamente at é ao ponto em que as exig ê ncias da propulsão se tornam
cr í ticas. A rela çã o entre o peso e a dura çã o, ou a extensã o, da missã o encontra- se
ilustrada na Figura 20- 2. As ordenadas representam o custo fixo , expresso em peso
do equipamento de sustenta çã o, incluindo a fonte de energia , mas n ã o o combust í vel
consum í vel. O sistema de armazenamento sem reciclagem tem as menores dimens ões

SISTEMA DE ARMAZENAMENTO SISTEMA DE RECICLAGEM


SEM RECICLAGEM DE MATERIAIS DA T 0
TALIDADE DE MATERIAIS ,
( DISPON ÍVEL ) /
|NCLU|NDO ALIMENTO E FEZES

5
LU
Figura 20-2. Relaçã o entre peso, dura ção da 5
O
missão e grau de reciclagem de materiais no X
cr SISTEMA DE RECICLAGEM .
ve ículo espacial. À medida que o tempo de O PARCIAL
CL
perman ê ncia no espaço aumenta, a reciclagem
torna-se cada vez mais importante. Os n ú me ¬
ros 1, 2, e 3, em cí rculos, indicam pontos em
h-
cn)
Z
rGcAs
O
que é compensador reciclar a água, os gases LU
respirat ó rios e o alimento, respectivamente . O '
/ RECICLAGEM
(Reproduzido de Meyers, 1963.) wUJ / DE Á GUA

TEMPO
794

e os menores custos para curtos períodos de tempo, e requer controlos relativamente


simples, embora o custo, expresso em peso por dia de missã o no espaço, aumente muito
rapidamente.
Em teoria, o custo, expresso em peso, para um sistema de armazenamento
pode ser parcial ou completamente evitado reciclando tudo ou parte do que corres¬
ponde às necessidades fisiol ógicas do astronauta ( Figuras 20- 1, 20- 2). Com uma fonte
de energia , quer seja a luz solar ou elé ctrica, ou ambas, e com os resí duos brutos
(C02, urina, águas residuais), é possível regenerar quimicamente o oxig é nio e a á gua .
Al é m disso, associando a mat é ria excretada pelo astronauta e uma fonte de energia
com certos organismos (algas, bacté rias e outros), podem ser reciclados os gases
envolvidos na respiração e a água potável, podendo-se cultivar e colher alimentos.
À medida que se caminha no sentido de assegurar uma mais completa reciclagem
aumenta o custo do peso fixo (Figura 20-2), embora a taxa de aumento por dia
de viagem decresça, em comparação com o equipamento n ã o regenerador. Um
sistema de sustentação de reciclagem total terá de ser grande e dispendioso, embora
o seu custo seja o mesmo independentemente da duração da missão, sendo, assim,
altamente desejável.
Na Figuara 20-2 , os n ú meros dos cí rculos 1, 2 e 3 indicam as durações das
viagens espaciais para alé m das quais se justifica reciclar a água , o oxig é nio e o ali ¬
mento, respectivamente. Por enquanto (1969) n ã o é possí vel ser-se muito explícito
no que se refere à escala do tempo das abcissas. Presume-se que alcan çar o ponto 1
seja quest ã o de algumas semanas, o ponto 2 quest ã o de alguns meses e o ponto 3 de
um ano. Como salientou Hock (1960), a vida de um sistema de armazenamento ou
de reciclagem parcial poderia ser prolongada caso se pudesse induzir a hiberna çã o
no homem!
T ê m sido propostos para o voo espacial v á rios tipos de sistemas de reciclagem
parcial ou completamente fechados. Sã o eles: (1) a quimiorreciclagem mecânica , (2) a
reciclagem fotossint é tica algal, (3) a reciclagem quimiossint é tica bacteriana e (4 ) um
microssistema multitr ófico, com m ú ltiplas espécies, à semelhança dos sistemas de
autocontrolo ou «clí max» da natureza. O crit é rio mais importante para seleccionar
um deles para base de um sistema de manuten çã o de vida sã o as exig ê ncias de
energia e peso, a estabilidade e a longevidade. Do ponto de vista do engenheiro
que tem de colocar em ó rbita uma carga, o sistema total mais pequeno (energia,
peso, á rea e volume ) suscept ível de suportar a vida durante longos per íodos de
tempo, e que ofereça fiabilidade dentro das possibilidades do equipamento, será
o óptimo. Do ponto de vista do astronauta, uma vez que a cá psula deixa a atmosfera
da Terra , a estabilidade e a longevidade do equipamento s ã o mais importantes do que
a eficiê ncia da reciclagem. Em termos da teoria do desenvolvimento do ecossistema,
como se analisou no Capítulo 9 (p ágina 406), o objectivo do engenheiro é alcan çar
uma eficiência P/ B t ã o alta quanto possí vel (onde P = taxa de reciclagem dos gases
795

ou de produ ção de alimentos e B = peso dos equipamentos de reciclagem ), à seme ¬

lhan ça do que na natureza acontece nos sistemas nos in í cios da sucessã o. Infeliz-
mente, uma tal efici ê ncia deverá ser alcan çada a expensas da estabilidade interna e
da dimensã o do espa ço vital para os astronautas, que, portanto, poder ã o eventual ¬

mente preferir a mais baixa efici ê ncia P / B ( ou a razã o B / P mais alta ) caracterí stica dos
sistemas maduros, ou cl í max, da natureza!
A investiga çã o actual em mat é ria de desenvolvimento de sistemas que sus ¬
tentem a vida tem- se orientado em duas direcções: mecâ nica e biol ógica. O complexo
sistema mecâ nico de reciclagem qu í mica , capaz de recuperar gá s e á gua, embora nã o
alimentos, e delineado para eliminar os res í duos, est á quase operacional . Esse sis ¬

tema , relativamente seguro , é capaz de sustentar a vida por per í odos de tempo
bastante longos . Para miss ões muito longas , impõ em -se custos altos devido ao peso
da quimiorreciclagem mecâ nica , uma vez que o material é volumoso e pesado, as
necessidades en é rgicas altas e os alimentos e certos gases precisam ser armazenados
e reabastecidos. També m surgem problemas relacionados com a temperatura elevada
necess á ria para remover o C02 e com a acumulaçã o gradual de toxinas ( como por
exemplo o mon óxido de carbono), que nas miss ões dc curta dura çã o nã o constituem
preocupa çã o. Para os voos espaciais envolvendo longos per í odos de tempo, em que
o reabastecimento e, portanto, o armazenamento e a reciclagem qu í mica n ã o são
poss í veis , ter á de ser utilizada a outra alternativa , um ecossistema que assegure
uma reciclagem total ou parcial.
A investiga çã o no â mbito de sistemas de ess ê ncia biol ógica é, presentemente ,
orientada para a possibilidade de utilizar bact é rias quimiossint é ticas ou pequenos
organismos fotossint é ticos, como a Chlorella ou a lentilha de água , como « produtores»
para o ecossistema , uma vez que, como se referiu anteriormente , limita ções de
engenharia obrigam a prescindir de organismos maiores. Por outras palavras, o pro¬
blema do peso versus efici ê ncia volta a surgir na escolha de um « permutador de
gá s» biol ógico. Como se viu no Cap í tulo 3, o « princí pio metabolismo dimensão»
é tal que quanto mais pequeno é o organismo maior é a sua eficiê ncia de reciclagem ;
por é m , tal efici ê ncia alcan ça-se à custa da longevidade dos organismos ( o que repre ¬

senta uma outra maneira de exprimir o contraste entre P / B e B / P atr ás referido).


Quanto mais curta é a vida de um indiv í duo, mais dif í cil é prevenir ou atenuar
oscila ções no tamanho e nos gen ó tipos da popula ção. Um quilograma de bact é rias
quimiossint é ticas pode remover mais C02 da atmosfera de uma cabine do que um
quilograma de algas Chlorella, se bem que as bact é rias sejam mais dif í ceis de
controlar. Do mesmo modo, as algas Chlorella sã o mais eficientes como permutadores
de gá s , em termos de peso, do que as lentilhas de água ou outras plantas superiores,
embora neste caso a Chlorella seja mais dif í cil de controlar.
At é à data ( 1969), n ã o se dispõe de um sistema de reciclagem fechado , que
sustente a vida numa base biol ógica , assente quer em bact é rias quer em algas , em
796

vias de alcançar uma fase operacional, principalmente por causa do grande volume
e da falta de fiabilidade do equipamento de controlo mecâ nico externo ( ver Fi¬
gura 20-1) concebido at é hoje, e por motivo da tend ê ncia que um ecossistema de
baixa diversidade tem para se reorganizar ( sucessão). Uma alternativa ecologicamente
justificável para o sistema produtor microbiano de uma só espé cie, embora ainda
n ão considerada seriamente, é a de um ecossistema mais pesado de tipo maduro,
de m ú ltiplas esp écies, que possua mecanismos internos de autocontrolo suscept í veis
de substituir, pelo menos em parte, esses controlos externos.
As secções seguintes deste cap í tulo constituem uma apreciação mais deta¬
lhada dos sistemas de sustentação da vida do ponto de vista do ecologista. Adu ¬
zem-se argumentos para apoiar a utilização de sistemas mecânicos de reciclagem
qu í micas para miss ões curtas e para rejeitar o uso, em miss ões longas, de ecossistemas
com base numa só esp é cie de microrganismo produtor. Sugere-se que apenas o
ecossistema maduro de m ltiplas esp écies tem a estabilidade necessá ria para uma
explora ção realmente prolongada do espa ço. A investigaçã o sobre tais sistemas tem,
para alé m disso, um valor de retroacção do mais elevado grau para a compreensã o
dos limites que o homem tem de colocar, aqui na Terra, à sua própria vida.

A Quimiorregeneração Mecâ nica

O nico tipo de equipamento de manuten ção da vida operacional no futuro


pr óximo será baseado na quimiorreciclagem mecâ nica de gases e água e no arma ¬
zenamento dos alimentos e materiais complementares. Este tipo de sistemas parcial¬
mente fechados representa uma economia de peso consider á vel relativamente ao
tipo de sistema sem reciclagem, e é concebível que possa sustentar missões tripuladas
durante centenas de dias. Segundo Foster (1966), a água e o oxig é nio representam
94 por cento do peso de todos os materiais necessá rios para manutenção da vida.
Garantindo um reabastecimento periódico, como será possí vel no caso da exploração
da Lua ou a partir de estações espaciais de reabastecimento, este sistema poderia
utilizar-se por períodos muito longos de tempo para certos tipos de missões. A Fi¬
gura 20-3 representa um «Sistema Integrado de Sustenta ção da Vida» (ILSS), um
dos vários projectos possí veis para uma nave espacial constru ída para operar com
um sistema mecâ nico de reciclagem qu í mica. Este protótipo do sistema qu í mico-
-íf sico foi projectado e testado pela General Dynamics para o Centro de Investigação
de Langley (Armstrong, 1966; NASA CR-614). Uma vez aperfeiçoado será capaz de
manter quatro seres humanos durante um ano em regime de alimentos secos
armazenados e de oxigé nio e água reciclados, embora com reabastecimento de ali ¬
mentos e de certos gases de 90 em 90 dias. Apresenta-se na Figura 20-4 um dia¬
grama esquemá tico do processo de reciclagem qu ímico- mecâ nica.
797

A recupera çã o da água constitui o procedimento de reciclagem mais impor ¬


tante em termos de economia de peso. A água é utilizada na cá psula espacial para
beber , para reconstituir alimentos, para lavagens, e na unidade de electr ó lise de
reciclagem de oxig é nio. Cerca de metade da água que o homem bebe diariamente
reaparece sob a forma de urina, e o resto nas fezes e no vapor de água proveniente
da transpiraçã o e da exala çã o. O teor de água das fezes é muito baixo para justificar
a sua recupera çã o. Devido ao seu odor e ao risco de contamina çã o bacteriana, a
água das fezes será provavelmente descarregada no espa ço.
Para recupera ção da água pot á vel proveniente destas fontes recorre - se ao
m é todo da evapora ção pelo ar quente residual. A urina é tratada com desinfectantes
à medida que passa numa unidade de evapora ção de ar contendo mechas fibrosas
que ficam saturadas de urina. A corrente de ar quente evapora a água, e deixa na
mecha as impurezas que estavam em suspensã o ou dissolvidas. O ar quente hume ¬

decido passa para um condensador de refrigera çã o, sendo a água extra í da e arma ¬

zenada. As águas de lavagem e a humidade do ar da cabine sã o tratadas de forma


semelhante.
A água recuperada é testada quanto a bact é rias, condutibilidade e contami ¬
na ção qu í mica depois de ter passado para tanques de depósito, sendo reprocessada
se os padr ões de qualidade não foram satisfeitos. As dificuldades mais s é rias que
se colocam na recupera çã o da água são a recolha da água condensada na ausê ncia
de gravidade e a preven çã o da sua contamina çã o qu í mica ou bacteriol ógica.
A maior parte do oxig é nio consumido por um homem reaparece sob a forma
de di ó xido de carbono ; o resto reaparece como água. O sistema utilizado para reciclar
o oxig é nio envolve a redu ção de dióxido de carbono a água e carbono, sendo a
água, juntamente com alguma que é produzida metabolicamente , submetida a elec¬
tr ólise , que separa o H , do O , produzindo assim oxig é nio gasoso ( ver unidade de
electr ó lise na Figura 20- 4 ). Faz- se circular o ar da cabine sobre um gel de s í lica
regener á vel ( desumidificador , Figura 20- 4 ) para absor çã o de água , sendo o ar desu ¬
midificado passado atrav é s de um crivo molecular que remove o C02 ( concentrador
de C02 , Figura 20- 4 ). O leito adsorvente é aquecido para remover o C02 da unidade
concentradora para o reactor de redu çã o de C02 , sendo este reduzido por uma reac-
ção de Bosch , de acordo com a equa çã o seguinte :
Cat Fe
CCF + 2 FF > 2 FFO + C
593 UC

A água, obtida sob a forma de vapor, é arrefecida e desviada para o dep ósito de
água, e a electr ólise de uma parte da água produz oxig é nio para atmosfera da cabine
e hidrog é nio para a unidade de redu çã o, como se segue :

2 H,0 2 FF + 02
798

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-
Figura 20-3. Um «Sistema Integrado de Sustenta çã o da Vida» simulado que recicla água e gases
por meios mec â nicos e qu í micos. A . Vista exterior da câ mara de sustentação da vida. A pequena c â mara
lateral , à direita, é a câ mara sob pressã o por onde os astronautas entram e saem . B. Equipamento de
reciclagem atmosfé rica. C. Fotografia das placas catalizadoras de redu çã o do C 02 de Bosch , mostrando
carbono acumulado que deve ser expelido da cá psula. D . Controlos de administraçã o da água com
tanques de armazenamento em cima e em baixo. As imagens B e D ilustram de forma impressionante
quanto material de «engenharia» complicado é preciso para substituir as mais elementares fun çõ es da
natureza! ( Fotografias reproduzidas por cortesia do Langley Research Center, Langley, Virg ínia.)

O metano, o mon óxido de carbono e o carbono elementar s ã o subprodu ¬

tos que t ê m de ser expelidos da nave espacial. A perda de carbono é compensada


com o reabastecimento de alimentos, por é m , o azoto, o oxig é nio e o hidrog é nio t ê m
de ser armazenados para compensar os d é fices provenientes de fugas do sistema e de
perdas por lan çamento de res í duos no espa ço.
A fiabilidade do sistema mecâ nico, at é onde tem sido testada no solo, parece
muito boa para miss õ es at é 100 dias. Como com qualquer outro dispositivo mecâ ¬
nico, poder ã o esperar - se , com o prolongamento do tempo de funcionamento, falhas
ou rendimentos reduzidos provocados por desgaste , que necessitar ã o de repara çã o
r 799
J' CONCENTRATOR c
C 02
° 2

RED

I
:

I Figura 20-4. Diagrama simplificado da teoria de um sistema mecânico - quimico de reciclagem


-se na Figura 20-3 um modelo em funcionamento.
de materiais. Veja

a bordo ou provocar ã o o insucesso da missã o. Finalmente, é dif í cil construir um


sistema que tem de manipular l í quidos e gases, a temperaturas e pressões muito altas,
sem fugas, que poderã o ser fontes s é rias de contamina çã o e de fogos. O procedi ¬
mento de lan çar para o espaç o res í duos e , assim , de contribuir para a sua polui çã o
ou , porventura, para a contamina çã o de sistemas de vida extraterrestres, a existirem ,
é uma quest ã o a nã o ignorar. Embora em teoria o sistema de reciclagem pare ça rela ¬
tivamente simples ( como se ilustra na Figura 20- 4), é impressionante o tamanho e
a complexidade do equipamento ( Figura 20-3) necessá rio para substituir a fun çã o
mais elementar da natureza!
l
Sistemas de Biorreciclagem

Como já se referiu , a investiga ção dos dois tipos de sistemas de reciclagem


biol ógica de sustenta çã o da vida est á a receber apoio corrente da NASA. Baseiam -se
ambos na liga ção do astronauta a uma popula ção de reciclagem uni - espec í fica ou
«produtora ». Com o objectivo de atingir a elevada efici ê ncia P / B exigida por motivos

de engenharia, tem -se preferido estirpes de algas e bact é rias com potenciais de cres ¬

cimento elevados, ainda que ( como tamb é m foi salientado ) tais estirpes sejam em
grande parte « produtores de laborat ó rio», e transit ó rias nos sistemas do mundo
real ( isto é, na biosfera ) . Como se ilustra na Figura 20- 1 , os organismos produtores
poderiam utilizar- se apenas como permutadores de g á s na nave com reciclagem
parcial , ou poderiam tamb é m proporcionar alimento num sistema fechado com reci ¬

clagem completa, como se ilustra no diagrama esquem á tico da Figura 20- 5.

I
800

Um permutador de g ás para as cápsulas espaciais baseado na fotoss í ntese foi,


no in ício dos anos 50, sugerido independentemente por diversos investigadores.
Esta ideia foi mais tarde ampliada, como base fundamentalmente no trabalho do
Dr. Jack Myers, da Universidade do Texas, at é à concep ção de um sistema com
reciclagem total ( Figura 20-5), no qual se proporciona às plantas C02 e nutrientes
provenientes do metabolismo heterotrófico (astronauta), convertendo-os as plantas,
na presen ça da luz, em alimento e oxigé nio, a serem utilizados pelo astronauta.
As experiê ncias de Eley e Myers (1964), investigadores que mantiveram durante
82 dias um sistema algas-rato sem quaisquer trocas com o exterior, representam
uma das uni ões mais prolongadas de um mam ífero e de um organismo de susten ¬

tação. Na base da teoria ecol ógica, pode prever- se que estes sistemas excessivamente
simplificados, muito semelhantes às fases jovens de crescimento explosivo, ou de
«floração», na natureza, serão difí ceis de estabilizar.
HgO
AR RICO EM 02 COMPARTIMENTO DA
TRIPULA ÇÃO ALIMENTO

AR RICO RES ÍDUOS


EM C02

CONTROLO ?
9 -
02
DEPURADOR
DE C02

C 02
TRATAMENTO
DE RES Í DUOS

co 2
Figura 20- 5. Diagrama simplifi ¬
cado de um sistema de bio- reciclagem
vw de materiais baseado em bact é rias
ENERGIA
ELÉ CTRICA
ELECTR Ô LISE
1 H2
SAIS

°
-6 CONTROLOS
quimiossint é ticas ou em plantas fotos-
H2
sint é ticas.
BACT É RIAS DO HIDROG É ¬ PROCESSAMENTO.
NIO PARA A BIOSSlNTESE DE ALIMENTO

ENERGIA SOLAR
OU
r ?- -

(DIRECTA ALGAS OU LENTILHAS DE


OU CONVERTIDA AGUA PARA A FOTOSSí NTESE HgO
EM LUZ ARTIFICIAL)
_
L

A escolha de um organismo fotossint ético para um sistema de sustentação


da vida centrou-se na alga Chlorella, que é pequena, relativamente fácil de cultivar
a densidade elevada em meio enriquecido, tem um teor em celulose muito baixo e
possui uma elevada taxa fotossinté tica por unidade de biomassa. As lentilhas de água
( Spirodela, Lemna) t ê m recebido alguma aten ção principalmente porque, como plan ¬
tas flutuantes, trocam 02 e C02 directamente com o ar, reduzindo assim muitos pro¬
blemas da troca gasosa (Jenkins, 1966). As plantas maiores, embora constituam a
base principal da cadeia alimentar do homem na Terra, n ã o t ê m sido seriamente
consideradas no programa espacial dos Estados Unidos da Amé rica. Segundo infor-
801

maçõ es dispon í veis, embora incompletas , estas plantas est ã o a ser consideradas
no programa russo.
Tê m ocorrido dificuldades durante as experi ê ncias com a união de algas e
mam íferos ; entre elas contam - se a invasã o por competidores ou predadores ( bact é rias
ou zoopl â ncton ) , a acumula ção de toxinas das algas e a presen ça de mutantes algais
que baixam as intensidades do metabolismo. Estes problemas s ã o de esperar num
sistema simplificado que n ã o possui controlos internos adequados . Os problemas
mais s é rios respeitam à nutriçã o das algas e dos mam í feros e aos ritmos das trocas
gasosas, aspectos que ser ã o examinados em maior detalhe .
A nutri çã o da popula çã o de plantas e do astronauta é muito complexa e
representa um dos mais s é rios obst á culos à utilizaçã o de um sistema fotossint é tico
algal nico. O pfoblema básico consiste em evitar a sucessã o num ecossistema de
tipo muito jovem . Uma vez que as algas t ê m de crescer em cultura cont í nua ( e nã o
em cultura descont í nua), com uma remoçã o constante de cé lulas e renovação do
meio de cultura, tem de ser facultado continuamente às plantas um abastecimento
adequado de nutrientes. Caso os nutrientes removidos durante a colheita n ã o sejam
repostos a partir das fezes e da urina, ou de uma reserva de nutrientes , a elevada
taxa fotossint ética inicial declina. Al é m disso, alguns nutrientes poder ão perder-se
nos detritos ou em processos de acumulação do astronauta, limitando assim a vida
de um sistema fechado. Uma fixa çã o progressiva de elementos nutrientes deste tipo
na mat é ria orgâ nica é exactamente o que se verifica ao longo da sucessã o nos ecossis-
temas naturais. Caso as algas se destinem a ser utilizadas como alimento do astro¬
nauta, a manuten ção no meio de uma quantidade e de uma propor ção constantes de
nutrientes para as plantas será uma questã o cr ítica, uma vez que uma defici ê ncia
de azoto, por exemplo, determinar á uma produ çã o de grandes quantidades de l í pidos
nas cé lulas das algas ( Fogg , 1965). Assim , se os n í veis de nutrientes n ão forem
mantidos entre limites apertados por equipamento externo complicado, baixarã o
os pretendidos n í veis da taxa fotossint ética e a qualidade das algas como alimento.
As fezes e a urina humanas , juntamente com um pequeno abastecimento de
micronutrientes, proporcionar ão provavelmemte uma fonte adequada de nutrientes
para o crescimento cont í nuo das algas ( Golueke e Oswald , 1964). Contudo, se algas
forem os nicos regeneradores de nutrientes a partir desta fonte , o sistema n ão fun ¬

cionará , dado que as algas n ã o t ê m a capacidade de degradar rapidamente a mat é ria


org â nica at é um n í vel elementar. Seria necessá rio, ou um dispositivo mecânico para
preparar o meio, ou um sistema de bact é rias- protozoá rios-algas capaz de reciclar
nutrientes , como o que é utilizado para tratar os esgotos humanos ( Oswald e
Golueke, 1964 ).
A fim de fechar o sistema fotossint é tico para o g á s e o alimento, o astronauta
ter á de obter a sua energia das algas. Contudo, os seres humanos n ã o podem apa ¬
rentemente utilizar uma dieta exclusiva de algas . As algas, tal como as bact é rias.
802
são muito ricas em prote í nas e muito pobres em hidratos de carbono. Para al é m de
terem mau odor e mau sabor ( Powell , Nevels e McDowell, 1964) e de produzirem
perturba ções g ástricas ( McDowell e Leveille, 1964 ), as algas s ã o pobres em certos
aminoá cidos essenciais ( Krauss, 1962), e sã o fracamente utilizadas no intestino
sem rompimento mecâ nico das cé lulas (Dam et ai., 1965) . As algas poder ã o provavel ¬
mente ser utilizadas como uma dieta complementar , mas nã o como a nica fonte
de energia , no caso do astronauta e a sua flora intestinal serem os ú nicos heter ó-
trofos no sistema.
Uma pequena altera çã o no quociente respirat ó rio ( QR ) do astronauta ( rela ção
entre o C02 produzido e o 02 consumido) , ou uma altera çã o no quociente de assimi ¬
la çã o ( QA ) da planta ( rela çã o entre o 02 produzido e o CO, consumido) , conduzirá a
uma perda ou a uma acumula ção de oxig é nio ou de di ó xido de carbono no sistema.
O equil í brio QA / QR terá de ser mantido dentro de limites muito estreitos enquanto
durar a missã o, embora seja de esperar que a intensidade do metabolismo do astro ¬

nauta varie consideravelmente , consoante o esfor ço desenvolvido, a dieta , os ritmos


diurnos e outros factores que afectam o metabolismo. De forma semelhante, o
QA da planta sofrerá alterações com as varia çõ es no teor em nutrientes do meio.
Assim , Eley e Myers ( 1964) relataram que o metabolismo do rato foi muito irregular
durante os 82 dias de uni ã o com a popula çã o algal , o que conduziu a problemas no
equil í brio QA / QR. Bowman e Thomae ( 1961) tamb é m relataram uma dificuldade
semelhante . At é à data , nenhuma investiga çã o demonstrou que o ecossistema de
duas espécies possa manter durante longos per í odos de tempo um QA / QR equili ¬
brado, mesmo com o recurso a um grande n mero de controlos externos.
A instabilidade de uma popula çã o algal uni- especí fica é not ó ria, mesmo
quando cresce num sistema de cultura cont í nuo em que todas as necessidades celu ¬
lares ( nutrientes, luz, temperatura, etc.) se mant ê m presumivelmente constantes.
Apesar do recurso a um equipamento bastante engenhoso, tendem a ocorrer grandes
oscila çõ es na densidade da popula çã o. A objecçã o básica à utiliza çã o de um sistema
de sustenta çã o da vida de duas esp é cies ( homem e organismo de sustenta çã o) consiste
na sua falta de fiabilidade. N ã o existem outras fontes de energia, água, ou oxig é nio
( n ã o h á diversidade de teia alimentar ) para o astronauta no caso de redu çã o ou
falha do metabolismo da popula çã o algal uma perspectiva sombria para o astro¬
nauta a vá rias centenas de milhares de quil ó metros da Terra.
Todas as dificuldades aqui descritas para o sistema de manuten çã o da vida
de duas esp é cies sã o exactamente as mesmas que surgem na natureza quando ocorre
uma sucessão desde as comunidades jovens at é às mais maduras, embora estas sejam
mais lentas. Afigura-se baixa a probabilidade do funcionamento est á vel , a longo
prazo, com uma s ó espé cie de «flora çã o» , ou de crescimento explosivo, como pro¬
dutor no sistema, a menos que se possam gastar grandes quantidades de energia
para fins de controlo. Para que um sistema como o representado na Figura 20-5 seja
803

prá tico, os controlos, ilustrados por cí rculos pequenos no diagrama , teriam de ser
desmesuradamente grandes, complexos, e energeticamente dispendiosos.
Um sistema quimiossint é tico de sustenta çã o da vida de bact é rias e astronauta,
em que a bact é ria do hidrog é nio deverá substituir a alga ( ver Figura 20-5), foi pro ¬

posto nos princ í pios da d é cada de 60, e , at é à data , pouco se sabe acerca das proprie¬

dades de um tal sistema. Os m é todos de cultura , as caracter í sticas de crescimento, a


bioqu í mica e a gen é tica da bact é ria t ê m sido as principais preocupa ções da inves ¬

tiga çã o ( Bongers , 1964 o, 19646; Repaske , 1962 , 1966 ) . Recordar -se-á do Cap í tulo 1
que a bact é ria quimiossint é tica oxida um grande n mero de compostos inorgâ nicos
como fontes de energia para a assimila çã o do di óxido de carbono em constituintes
celulares ( da í que sejam quimioaut ótrofos ) . Alguns tipos de bact é rias podem utilizar
hidrog é nio molecular desta forma, entre elas certas Pseudomon á ceas que se encon ¬
tram agrupadas no g é nero Hydrogenomonas. É importante anotar que estas bact é rias ,
que est ã o a ser cultivadas e estudadas como uma possibilidade para sistemas de sus ¬

tenta ção da vida, n ã o sã o fixadoras obrigat ó rias de hidrog é nio, mas antes heter ó-
trofos facultativos que normalmente vivem da mat é ria org â nica no solo. É tamb é m
importante assinalar que quando funcionam como aut ótrofos n ã o libertam oxig é nio,
pelo que este tem de ser fornecido ao astronauta por outras vias.
O ecossistema quimiossint é tico devia combinar caracterí sticas dos sistemas de
reciclagem mecâ nico e fotossint é tico. O oxig é nio e o hidrog é nio sã o obtidos por
electr ólise da água como no sistema de reciclagem mecâ nica ( comparar Figuras 20- 4
e 20-5 ) , embora o hidrog é nio, em vez de ser incorporado na atmosfera, seja utilizado
pela bact é ria do hidrog é nio para reduzir o C02 e formar á gua e protoplasma bacte -
riano. O astronauta devia utilizar o oxig é nio da electr ólise para respirar e , em teoria,
as bact é rias como alimento; o astronauta fornece a água, o dióxido de carbono e
os nutrientes para o metabolismo bacteriano subsequente. Um sistema fechado,
teoricamente equilibrado, podia ser atingido de acordo com as equa ções seguintes:
Electr ólise :
Energia
6 H 20 6 H 2 + 302
el é ctrica

Biossí ntese pela bact é ria do hidrog é nio:


6 H 2 + 202 + C02

Respira çã o humana :
- CH 20 + 5H 20

CH 2 O + o2
- co2 + H 2 O
Este sistema apresentaria as vantagens de ter um peso baixo e baixas necessidades
em energia. De acordo com o estudo realizado por Jenkins ( 1966 ), o sistema electr ó-
804

Wse -Hydrogenomonas teria metade do peso e requereria menos várias ordens de gran ¬

deza em energia por homem do que um sistema biológico de reciclagem com algas
que utilizasse iluminação artificial controlada. Contudo, o sistema apresentaria todos
os inconvenientes culturais e nutricionais descritos para o sistema algal, e mais
alguns. Não há prova de que a bact é ria de hidrogé nio proporcione uma dieta adequada
para o homem, e a bact é ria poder á facilmente «desviar - se» para um comportamento
heterotr ó fico em vez de «trabalhar» na fixação de hidrogé nio. Além do mais, estir ¬

pes de alta produção, seleccionadas em laborat ório, poderiam facilmente sofrer muta ¬

çõ es no espaç o sob influê ncia da radiação, com o aparecimento de estirpes de baixa


produção, e a invasão bem sucedida de um fagótrofo poderia destruir todo o sis ¬

tema. Est á- se em presenç a, novamente, da familiar situação de uma alta eficiência de


produção embora de um baixo ní vel de fiabilidade. De momento, pelo menos, seria
de admitir que a Hydrogenomonas é mais prometedora como «depurador» suple ¬

mentar de C02 num sistema de reciclagem parcial do que como elo crucial num sis ¬

tema fechado.
Resumindo, das muitas exigências que um sistema de sustentação da vida
tem de satisfazer, apenas duas s ão de import ância capital. S ão elas ( 1) a de ser acondi-
cionável numa nave espacial e (2) a de ser est ável e fiável. Os dois ecossistemas
microbianos simples ( fotossint ético e quimiossint é tico) podem ser suficientemente
pequenos e leves, e portanto satisfazer a primeira condição. Por ém, estes sistemas
simples s ão intrinsecamente inst á veis e dependem, para efeitos de controlo, de um
dispê ndio muito grande em energia. É alta a probabilidade de fracasso da associa ¬

ção de duas esp écies ( o homem e o microrganismo) durante uma longa viagem
espacial, devido a processos de sucessão ou a pressão. Parecer á óbvio que estes
ecossistemas simples representam um grave risco para o astronauta, e que deveriam
ser abandonados como base de trabalho para a criação de um sistema de susten ¬

tação da vida. Antes de tudo, não se pode aplicar à reciclagem biológica o crit ério
apertado da engenharia. Os organismos não podem ser «desenhados» e «testados»,
como transí stores ou baterias, para executar «uma função» ou para resolver «um
problema»; evoluí ram com outros organismos como uma unidade, e realizam uma
diversidade de funções que t êm de se ajustar com outras actividades do ecossistema.
O «ecossistema mí nimo» para o homem dever á ser claramente um ecossistema de
m ltiplas espé cies.

Considerações sobre um Sistema de Sustentação da Vida


de Múltiplas Espécies

Embora, como se viu, o homem provavelmente não seja capaz de viver apenas
com uma ou duas esp é cies de microrganismos autotr ó ficos de «tipo floração» para
805

satisfazer as necessidades vitais, subsiste ainda a quest ão de se saber que outros


componentes complementares ou adicionais, bi óticos e f í sicos, serã o indispens á veis.
Por outras palavras, qual é a diversidade m í nima para uma dada exig ê ncia de tempo e
estabilidade ? Nesta altura, nã o se pode dar uma resposta a esta quest ã o, nem se
estar á em condições de o fazer at é que os projectistas de sistemas de reciclagem
biol ógica passem a preocupar-se mais com os princ í pios ecol ógicos bá sicos, como se ¬
jam os que respeitam à s rela ções diversidade - estabilidade, aos ciclos biogeoqu í micos,
às cadeias alimentares e ao desenvolvimento do ecossistema ( sucessã o ) . O conceito
de entrada m á xima para a dimens ã o m í nima tem que ser abandonado em favor da
regra ecol ógica que estabelece que «a eficiê ncia ó ptima é sempre inferior à má xima ».
Por outras palavras , deve- se « planear com a natureza», n ão contrariá- la. Isto obriga
a que a ê nfase recaia sobre ecossistemas numa fase madura ou « cl í max» que t ê m
um elevado grau de autocontrolo e que sã o, portanto, resistentes a perturba çõ es e
menos sujeitos a experimentar alterações no decurso do seu desenvolvimento.
As vantagens de um sistema de sustenta ção da vida maduro, de m ltiplas
esp é cies , t ê m sido repetidamente analisadas na literatura americana (Golueke,
Oswald e McGauhey, 1959 ; Taub, 1963; Patten, 1963o; H. T. Odum, 1963; E. P.
Odum , 1966; Cooke et al., 1968; e outros ), e em revistas peri ódicas russas (She-
pelev, 1965; Ivlev, 1966 ). A objecçã o básica que se levanta à utiliza çã o do ecossistema
maduro consiste, como já foi assinalado, na sua elevada propor ção biomassa / pro-
dutividade e, consequentemente, na sua grande dimensã o. H . T. Odum ( 1963) esti ¬
mou que, com excep çã o de 2 por cento, toda a produ ção fotossint é tica dos ecossis¬
temas maduros é despendida na manuten çã o respirat ó ria dos componentes do
sistema distintos dos grandes consumidores. Baseado nestes cá lculos estimou uma
área de 0,8 hectares por ser humano como o ecossistema m í nimo. A considera çã o das
necessidades psico - sociais do homem, enquanto membro por longo per í odo de
tempo de uma comunidade isolada, pode implicar o alargamento do espa ço m í nimo
para, porventura, quatro hectares. Caso se prove que esta é a dimensão m í nima do
ecossistema, ent ã o, ser á preciso assegurar que na Terra cada homem, mulher e
crian ça tenha pelo menos quatro hectares como parte do seu sistema de sustenta ção
da vida. N ã o é preciso estar- se limitado no planeamento aos limites correntes da
«carga bruta» que pode ser lan çada no espaço, porque seria poss í vel construir uma
grande esta çã o espacial reunindo cá psulas lan çadas individualmente . O lan çamento
de cargas muito grandes será grandemente facilitado pela utiliza çã o de esta ções
espaciais em ó rbita, ou da Lua, onde a for ça de gravidade é muito baixa .
Independentemente de considera ções relativas a peso e a dimensã o, o argu ¬
mento para utiliza çã o de um sistema maduro de m ltiplas espé cies é ecologicamente
justificado, desde que se garanta que todos os ciclos biogeoqu í micos básicos e os
fluxos de energia tenham a possibilidade de evoluir como uma unidade. Estudos
realizados em microssistemas de laborat ó rio ( como foi analisado nos Cap í tulos 2
806

e 10) , conquanto n ão directamente aplicá veis, por serem demasiado pequenos para
incluir o homem, demonstraram a maior estabilidade que adv é m da diversidade .
Assim , Beyers (1962) demonstrou que o metabolismo de culturas mistas é menos
influenciado pelas alterações de temperatura do que o das culturas puras, e que o
estado cl í max é mais resistente à radiaçã o ionizante do que é o estado transit ório
ou juvenil da sucessão ( ver Cooke et ai , 1968). H . T . Odum (1963) resumiu a posição
dos ecologistas como se segue :
Ao ponderar os custos potenciais de diferentes tipos de sistemas fechados, coloca -se a
alternativa entre um ecossistema complexo com manuten çã o, respira çã o e controlos pr ó ¬

prios na forma de espé cies m ltiplas, segundo um modelo de engenharia ecol ógica , e res-
trin çã o da produ çã o a algum sistema reduzido, como um quimiostato algal artificial , com
fornecimento da estrutura , da manuten çã o, dos controlos e do resto das fun ções segundo
um modelo de engenharia metalomecâ nica . Quando as combina ções naturais de circuitos
e de « biomaterial » já foram seleccionados relativamente à energia e à miniaturiza çã o durante
milh ões de anos, provavelmente nos limites termodin â micos, é muit íssimo question á vel que
se possa obter uma mais eficiente utiliza çã o de energia para finalidades de manuten çã o
e controlo, com produtos pesados de engenharia, n ã o reprodutivos e sem capacidade de
automanuten çã o.

2. EXOBIOLOGIA

Ainda nã o se encontrou qualquer prova totalmente convincente da exist ê ncia


de vida para al é m da Terra, ou de uma «exobiologia », como Lederberg (1960) a
expressou , embora a possibilidade nã o esteja posta de parte pelo que se sabe do
ambiente de Marte e de outros planetas com atmosfera. Embora as temperaturas e
outras condições f ísicas da exist ê ncia sejam extremas, n ã o se encontram para al é m
dos limites de toler â ncia de alguns dos nossos habitantes terrestres mais resistentes
( bact é rias, v í rus, l í quenes, etc.), especialmente quando se considera a viabilidade da
exist ê ncia de microclimas mais amenos sob a superf í cie ou em á reas protegidas.
É, por é m, certo que n ã o pode haver grandes «tragadores de oxig é nio», como o
homem ou os dinossauros, nos outros planetas do nosso sistema solar, dado haver
muito pouco ou nenhum oxig é nio nas respectivas atmosferas. É agora certo que as
á reas verdes e os chamados « canais» de Marte n ã o representam vegeta çã o ou o tra ¬
balho de seres inteligentes. Contudo, as observa çõ es espectroscó picas infravermelhas
das á reas marcianas escuras s ão interpret á veis em termos de mat é ria org â nica, e
os modernos ve í culos espaciais não tripulados ( Mariners VI e VII ) em ó rbita à volta
do planeta detectaram amon í aco, que poder á ser de origem biol ógica.
Como se analisou no Cap í tulo 9, uma atmosfera de oxig é nio n ã o é necessá ria
para a exist ê ncia de vida. De facto, de acordo com a teoria geralmente aceite de
807

Oparin ( 1938), a origem, ou a «geração espont ânea», da vida tem mais probabilidade
de ocorrer depois de um per í odo de síntese abi ótica, induzida por radiação, de macro-
mol é culas orgânicas complexas numa atmosfera redutora, como aquela que se cr ê ter
existido na Terra nos primeiros tempos do Pr é câmbrico e se encontra presente em
Marte e Júpiter. As sí nteses bem sucedidas de constituintes bioquí micos essenciais à
vida, sob condições que pretendiam simular as da Terra primitiva, realizadas por
Calvin ( 1951), Miller ( 1953; 1957), Oro ( 1967), Fox ( 1965) e outros, dão cr é dito a esta
teoria. Portanto, os futuros veículos espaciais não tripulados, tal como os tripulados,
que viagem para outros planetas procurar ão anaer óbios primitivos, ou pelo menos os
seus primórdios prebióticos. Há, naturalmente, outra possibilidade, a de que a vida
tenha existido nos planetas nossos vizinhos mas que neles se tenha extinguido, por ¬

ventura porque os ecossistemas nunca se tenham tornado suficientemente organi ¬

zados para que tivessem sido melhorados os fluxos de radiaçõ es letais, ou, ainda,
porque alguns organismos se tornaram excessivamente ambiciosos e destruí ram o
seu pr óprio sistema de sustentação da vida. Neste caso, é bem possí vel que estejamos
a olhar para o futuro da Terra!
Se, e quando, se encontrar vida extraterrestre, o «princípio do patogéneo
instant âneo» (Capí tulo 7, página 358) adverte quanto à necessidade de se ser muito
cuidadoso em mat é ria de contaminação recí proca. Um «bacilo» planet ário poderia
prosperar no ambiente enriquecido da Terra e destruir indiscriminadamente, ou,
inversamente, microrganismos provenientes da Terra poder ão destruir sistemas de
.
vida primitiva de outros planetas Por essas raz ões a investigação sobre a esterilização
da nave espacial est á a ser acelerada. Todos os seres humanos, como cidadãos da
Terra, deveriam insistir para que fossem aplicados a todas as naves espaciais padr ões
rí gidos de descontaminação, mesmo naquelas que retornam da Lua ou de outros
corpos sem vida, uma vez que mesmo aí ainda se podem encontrar esporos. Temos
trabalho que chegue com organismos mal colocados na biosfera para que se possa
correr o risco pesadí ssimo de introduzir organismos desconhecidos !
Para efeitos de um cen ário condensado e apreensí vel em mat éria de ecologia
e biologia do espaç o, veja- se a publicaçã o especial, n mero 92, da National Aero-
nautics and Space Administration, editada por Jenkins (1966). Para encontrar material
básico sobre Marte, veja- se Pittendrich, Vishniac e Pearman ( 1966).

O Ambiente Extrabiosférico

Para alé m da manutenção interna dos ciclos de nutrientes, de uma corrente


de energia regulada e do controlo da temperatura, o ecossistema do veí culo espacial
ter á de fazer face a um ambiente fí sico externo que é diferente, pelo menos em
grau, daquele que se encontra sob os escudos atmosférico e gravitacional protectores
808

da Terra. Colocam-se de imediato tr ê s aspectos: (1) as flutuações na gravidade variam


desde a total falta de peso à acelera çã o da gravidade experimentada durante o lan ça ¬
mento; (2) tr ê s tipos de radia ção, a saber, a radiação cósmica, as Cinturas de Van
Allen e as protuberâ ncias solares com fluxo intenso de prot ões, todos criando n íveis
energ éticos potencialmente muito mais elevados do que os encontrados à superf ície
da Terra; e (3) a ausê ncia de pulsações ambientais regulares para impulsionar os
«rel ógios» biol ógicos, circadiano e outros, que coordenam, quer os sistemas de órg ã os
nos organismos, quer estes nos ecossistemas. Mesmo que exista um rel ógio celular
interno verdadeiramente independente ( ver Capítulo 8, página 394), na ausê ncia
de indu ção periódica pelo ambiente externo os ritmos biol ógicos sairiam de fase.
N ão obstante ser necessário adquirir mais conhecimentos sobre todas estas no¬
vas questões, parece não haver qualquer razão para supor que elas sejam insuperáveis.
Em certa medida, é possível a protecção contra a radiação, a gravidade zero pode ser
suportada (pelo menos o tempo suficiente para que se alcancem os campos de gra¬
vidade de outros planetas), podem conceber-se suced âneos da gravidade, e a nave
espacial pode ser provida de reguladores de tempo. Como em tantas outras situações
envolvendo novas pressões, serão as interacções ou as adições de factores (a falta
de peso mais o fluxo de prot ões, por exemplo) que se revelarão como os elementos
mais crí ticos das viagens espaciais. Será necessá rio realizar na Terra uma grande
dose de simulação, tanto de ordem empírica como teórica, antes que seja possível
dominar completamente o impacto destes factores.

RESUMO

A presente exploração do espaço, e a que está planeada para os pr óximos


20 anos, envolve a utilização de sistemas para a sustentação temporária da vida de
armazenamento ou de reciclagem parcial. Um sistema de sustentação da vida com
reciclagem total , capaz de manter o homem durante longos perí odos de tempo e
requerendo apenas a entrada de energia luminosa, representa um microssistema
fechado que funciona basicamente da mesma forma que a biosfera. A constru ção
bem sucedida de um tal «ecossistema mínimo para o homem no espa ço» ainda nã o
é possível. Deverão, de qualquer maneira, acelerar-se a investiga çã o e o desenvol ¬
vimento de sistemas fechados, uma vez que assumem igualmente uma import â n ¬
cia básica para quest ões mais prementes respeitantes ao ecossistema m í nimo para
o homem na Terra. É cada vez mais evidente que o homem carece aqui na Terra
de um «lebensraum» que n ã o satisfa ça apenas as necessidades fisiol ógicas necessá ¬
rias à vida. O homem necessita de um ambiente complexo e diverso que satisfaça,
n ão s ó as necessidades fisiológicas, mas tamb é m todo um conjunto de interacções
psicol ógicas e sociol ógicas. O ecossistema m í nimo para o homem na biosfera è
809

algo mais do que o estritamente necessá rio para o manter vivo ; os limites ao cres
¬

cimento da popula çã o humana n ã o podem ser simplesmente definidos em termos de


quantidade de alimento, á gua e oxig é nio dispon í veis para o homem . Um conheci ¬
mento mais amplo na defini ção do ecossistema m í nimo é, portanto, t ão importante
para a sobreviv ê ncia do homem na nave espacial Terra como em qualquer sat é lite
que se lance no espaço.
A contribui çã o da teoria ecol ógica, tal como ficou delineada do Cap í tulo 1
ao Cap í tulo 10, para a constru çã o de sistemas fechados é ó bvia, mesmo que uma tal
teoria n ã o tenha sido considerada nas primeiras tentativas de engenharia para cons¬
truir sistemas de reciclagem . Os princ í pios referentes à diversidade e à estabilidade,
n í veis tr ó ficos, ciclos biogeoqu í micos , bem como os relacionados com a sucessão
ecol ógica são especialmente relevantes. O princ í pio determinante «o ó ptimo é menor
do que o máximo» é especialmente importante, uma vez que a selecçã o de compo¬
nentes bi óticos para o sistema n ão pode ser apenas baseada na respectiva efici ê ncia
metab ólica. Considera ções de ordem ecol ógica indicam claramente que um sistema
fechado tem de ter mais componentes biol ógicos do que apenas o homem e uma
ou duas espé cies de micr ó bios amigos. As algas microscó picas ou as bact é rias do
hidrog é nio n ã o proporcionam qualquer vantagem relativamente aos dispositivos
qu í mico- mecâ nicos para efeitos de recuperaçã o dos gases da respira çã o e da água.
Torna- se claro que a aten ção tem de ser focalizada em ecossistemas grandes, diver ¬
sificados, com autocontrolo, contendo organismos que sejam mais fáceis de con ¬
jugar com o homem .
Certos factores ambientais encontrados no espa ço, particularmente a gra ¬
vidade zero e o elevado fluxo de radia çã o, ser ã o novos ou quantitativamente dife ¬
rentes em compara çã o com o ambiente energ é tico na Terra. Presentemente , parece
que estes factores n ã o ser ã o seriamente limitantes, desde que os seus efeitos sobre
os sistemas biol ógicos sejam compreendidos e compensados.
Embora seja certo que n ã o existe em qualquer dos planetas do nosso sistema
solar qualquer ecossistema altamente desenvolvido à base de oxig é nio, como aquele
que agora controla o ambiente da Terra , a probabilidade de vida primitiva, ou pelo
menos dos prim ó rdios org â nicos da vida, n ã o é demasiado remota , uma vez que a
atmosfera redutora e outras condi ções de exist ê ncia em alguns desses planetas se
assemelham à s que se sup õe terem existido na Terra na altura em que nela des ¬
pontou a vida.

J
811

Cap í tulo 21 PARA UMA ECOLOGIA


HUMANA APLICADA

O ó ptimo para a qualidade é sempre inferior à m á xima quantidade que pode ser
mantida ( ver pá ginas 34, 315, 360, 668, 804).

A Terra pode suportar mais «corpos quentes » , sustentados como muitos animais
dom é sticos num comedouro polu í do, do que pode suportar seres humanos de qualidade
disfrutando do direito a um ambiente livre de polui çã o, com uma razoá vel oportunidade de
liberdade pessoal e uma variedade de opções para a busca da felicidade ( ver p áginas 85, 676 ).

N ã o é a energia em si mesma que é limitante , mas sim as consequ ê ncias da polui ¬

çã o resultante da explora çã o da energia (Cap í tulo 17, p ágina 736). A polui çã o é agora o factor
limitante mais importante para o homem ( Cap í tulo 16, p á gina 685).

É o homem como agente geol ógico , e n ã o tanto o homem como animal , que se
encontra demasiado sob a influ ê ncia da retroacçã o positiva e que necessita , portanto, ser
sujeito a retroacçã o negativa ( Cap í tulo 2 , p ágina 56).

Para manter a ordem num ecossistema , tem de ser gasta energia para a bombagem
da desordem ; tanto a polui çã o como a colheita sã o pressões que aumentam o custo de ma ¬
nuten çã o. Quanto mais se exige da natureza , menor é a energia de que a natureza dispõe
para a manuten çã o, e, portanto, mais custa ao homem evitar a desordem ( Cap í tulo 3, pá ¬

ginas 55, 57 , 118).

At é à data, e no geral , o homem actuou no seu ambiente como um parasita , tomando


o que deseja com pouca aten çã o pela sa de do seu hospedeiro, isto é , do sistema de susten ¬

ta çã o da sua vida ( Cap í tulo 7, pá gina 373).

Para resolver conflitos de uso, e manter um espa ç o vital ó ptimo, n ã o polu í do, a pai ¬
sagem precisa ser compartimentada ( isto é, «zonada ») para proporcionar um equil í brio seguro
entre os ecossistemas produtores e protectores. As restri çõ es no uso da terra e da água sã o
812

os nicos meios pr áticos à disposiçã o do homem para evitar a sobrepopulaçã o, ou a exces ¬

siva exploraçã o dos recursos, ou ambas as coisas ( ver p áginas 434, 676).

A diversidade é uma necessidade da vida, nã o apenas o seu condimento ( Capí tulo 9,


p ágina 411).

O conceito de reciclagem tem de tornar - se para a sociedade num objectivo prin ¬

cipal (Capí tulo 4, páginas 135, 162; tamb ém página 655).

O reconhecimento geral de que as funçõ es de dep ó sito de abastecimento e de espa ç o


vital do nosso ambiente est ã o relacionadas entre si, s ã o mutuamente condicionantes e nã o
possuem capacidade ilimitada, representou uma «atitude revolucionária» hist ó rica que cons ¬

titui um sinal promissor de que o homem poder á estar pronto a «aplicar» os princ í pios de
controlo ecol ógico em grande escala ( Parte 3, Introduçã o, p ágina 645).

A tecnologia nã o pode resolver, s ó por si, o dilema da populaçã o e da polui çã o;


ser á igualmente necess ário que se tornem efectivas coac çõ es morais, econ ó micas e legais,
resultantes da total e completa consci ê ncia p blica de que o homem e a paisagem constituem
um s ó todo ( Parte 3, Introduçã o, p ágina 646).

Estes extractos, seleccionados de vários cap í tulos deste livro, integram- se


numa conclusão : Chegou o momento de o homem administrar tanto a sua pr ópria
população como os recursos de que depende, dado que pela primeira vez na sua breve
hist ória se encontra perante limita çõ es definitivas, e não puramente locais. O ordena-
namento do ecossistema e a ecologia humana aplicada tornaram - se assim novos em ¬

preendimentos que requerem a fusão de um conjunto de disciplinas e de missões que


at é agora t êm sido promovidas independentemente umas das outras . Os princ í pios
ecológicos, tal como t ê m sido apresentados neste livro, proporcionam uma base para
um modelo te órico, por assim dizer ; por é m, neste momento da hist ória apenas é
possí vel antever vagamente de que modo a ecologia humana deve concretamente
desenrolar - se e estruturar- se para que possam ser alcan çados , no mundo real da
sociedade, objectivos convenientes .

1. RESUMO HISTÓRICO

Os sociólogos, antropologistas, ge ógrafos e ecologistas do reino animal foram


os primeiros a interessar - se pelo mé todo ecológico no estudo da sociedade humana.
Agora, como se viu, quase todas as disciplinas e profiss õ es , tanto no campo das
ci ências como no das humanidades , est ã o á vidas por encontrar na área da ecologia
humana um campo comum de encontro. Justifica- se um breve resumo das primeiras
813

aproxima çõ es, como base para o delineamento do prová vel desenvolvimento da eco ¬

logia humana aplicada.


O impacto do homem na paisagem constituiu sempre uma preocupa çã o
principal na geografia e na antropologia. Marsh escreveu um tratado cl ássico sobre
este tema em 1864, intitulado Man and Nature: or Physical Geography as Modified by
Human Action ( ver página 17). O livro Mans Role in Changing the Face of the Earth ,
editado por W . L. Thomas , Jr . ( 1956 ), constitui um estudo extenso, mais recente ,
sobre este mesmo tema.
Debatem-se , com frequ ê ncia, dois pontos de vista opostos sobre a rela çã o
entre cultura humana e ambiente : (1) O ambiente f ísico exerce uma influ ê ncia do ¬
minante na cultura e na civiliza çã o ( «determinismo ambiental » ; ver Meggers , 1954 ) ,
como fica evidenciado, por exemplo, pelas diferen ças nos costumes humanos em
regi õ es á ridas e h midas . (2) O ambiente f í sico apenas exerce uma limita çã o menor
no desenvolvimento da cultura humana avan çada, como o demonstra a exist ê ncia de
civilizações urbanas bastante semelhantes desenvolvidas no passado, em é pocas dife ¬

rentes, numa diversidade de ambientes naturais. Hoje em dia a quest ã o poderá ser re ¬
colocada como se segue : At é que ponto a constante dificuldade sentida pelo homem
com a deteriora çã o dos ambientes n ão resulta do facto da sua cultura ter realmente
tendido a ser muito independente do ambiente natural ? Vá rios ge ógrafos t ê m- se
ocupado da reconstru çã o dos ambientes passados e da influ ê ncia sobre eles exercida
pelo homem . Butzer ( 1964 ) escreveu um excelente livro sobre a geografia e a ecologia
do Pleistoceno, dando ê nfase à s rela çõ es entre o homem e a terra na pr é - hist ó ria
do Velho Mundo. Para o Novo Mundo, Sauer ( 1966 ) reconstruiu a ecologia dos
abor ígenes do «Continente Espanhol inicial » ( Cara í bas, Am é rica Central e parte
norte da Am é rica do Sul ). Constitui outro exemplo o trabalho de Bennett ( 1968 )
sobre as influ ê ncias humanas na zoogeografia do Panam á , desde o tempo dos pri ¬
meiros ca çadores e colectores, atrav é s da ascen çã o e do decl í nio do imp é rio agr í cola
densamente povoado, at é aos dias de hoje , quando grandes á reas foram outra vez
convertidas em floresta secund á ria. Tais investiga ções documentaram , com clareza,
o significativo impacto que os povos abor ígenes tiveram no ambiente , e mostraram
que a altera çã o ecol ógica , com frequ ê ncia em detrimento do homem , n ã o se con ¬
finou à s sociedades industriais, nem ao s é culo XX . A utiliza çã o do fogo ( ver n ¬
mero 9 da Secção 5, Cap í tulo 5) e a domestica ção de plantas e animais ( ver Secção 5,
Cap í tulo 8 ) alteraram a face da Terra muito antes da revolu çã o industrial . Como já se
referiu , a domestica ção libertou o homem da depend ê ncia directa da natureza sel ¬
vagem para efeitos de alimento, embora a incapacidade de controlar os seus sim -
biontes ( especialmente os animais dom é sticos e herb í voros ferais, e a agricultura
de grã os ) tenha determinado uma destrui çã o muito generalizada de solo e de vege ¬
ta çã o produtiva ( ver página 392 ) . Muitos destes temas encontram-se tratados em
Land and Life, uma colecçã o de artigos de Cari O . Sauer , editada por Leighly ( 1967),
814

estando os pontos de vista antropol ógicos tratados em Culture and the Evolution of
Man , uma colecção de artigos editada por Ashley Montagu ( 1960 ).
Os livros de Hawley ( 1950 ) e Quinn ( 1950) resumem o desenvolvimento da
ecologia humana no aspecto sociol ógico, que come çou com o trabalho de Galpin
( 1915 ) sobre a sociologia rural e com os estudos sobre a ecologia das cidades rea ¬
lizados por Park , Burgess e McKenzie ( 1925 ) e os seus discipulos. A urbaniza çã o
continua a ser o tema principal da investiga ção sociol ógica, uma vez. que as cidades
est ão a crescer a um ritmo muitas vezes superior ao da popula ção em geral . Poré m,
apenas recentemente os soci ólogos ( Duncan , 1964) adoptaram o tema ecol ógico deste
cap í tulo, a saber, de que é o decl í nio na qualidade do espa ç o vital, e nã o no abasteci ¬
mento de energia ou recursos, que constitui o problema cr í tico; ou pondo a quest ã o de
outra forma : é o como os materiais e a energia são utilizados, e o como o crescimento
e o uso do espa ço são planeados e controlados que determina se os valores huma ¬

nos sã o preservados ou perdidos ( ver Secção 8, Cap í tulo 15) . O arquitecto Eliel
Saarinen , no seu livro The City ( 1943), liga a origem do decl í nio das cidades ( 1 ) à
substituição da arquitectura criativa pela inova ção sem criatividade , falha de «corre ¬
la ção e ordem orgâ nicas» e ( 2 ) ao decl í nio do interesse p blico pelo planeamento
da cidade , resultante da sobrevaloriza ção atribu í da aos valores econ ó micos. O pla ¬
neador Ian McHarg expressa um ponto de vista semelhante ( ver página 674). Neste
sentido, o conceito de indicadores sociais, num paralelismo com os indicadores da
poluição ( ver página 698) , é importante na « vigil â ncia » da qualidade da vida urbana.
Alguns exemplos de í ndices da qualidade de vida dom é stica, como os enumera Bauer
( 1966 ), incluem a percentagem da popula çã o casada , a percentagem de div ó rcios,
a percentagem de fam í lias sem pai , a percentagem de fam í lias que vivem da assis ¬

t ê ncia p blica , a percentagem de desemprego juvenil , a taxa da criminalidade , e assim


por diante . Do mesmo modo, a percentagem da popula çã o que vota e o n ú mero de
anos escolares completados pelos membros da popula ção podem servir como í ndices
da qualidade da vida pol í tica. Smock ( 1969) sugere que se tais indicadores tivessem
sido bem aceites e regularmente medidos no passado ( como o foram , por exemplo, os
indicadores econ ó micos ), possivelmente n ão teria sido permitido que os problemas
urbanos atingissem o actual estado de crise. O mesmo pode dizer-se, por certo,
acerca da polui çã o ( ver Cap í tulo 16, Secção 5) .
O dilema sociol ógico pode porventura ser resumido considerando dois cen á ¬
rios da cidade : ( 1 ) É a suprema cria çã o da civiliza ção humana, onde as lutas e as
car ê ncias são desconhecidas e a vida, o lazer e a cultura podem ser usufru í dos con ¬
fortavelmente pelo homem ao abrigo da dureza dos elementos do ambiente f í sico.
( 2 ) A cidade é uma altera çã o bruta da natureza que proporciona mil maneiras de
destruir e rebaixar as condi ções bá sicas de que dependem a dignidade e a vida
humana. No entender do ecologista, a situa çã o ( 1 ) apenas se produzirá quando a
cidade funcionar como uma parte integrante do ecossistema biosf é rico total , e a
815

situa çã o ( 2 ) é inevit á vel enquanto se permitir que as cidades cres çam à margem de
controlo de retroacçã o negativa, ou sejam «administradas» como alguma coisa à
parte dos seus sistemas de sustenta çã o da vida .
Qualquer que seja o prisma por que se pretenda considerar a interac çã o
entre os atributos « naturais» e «culturais» do homem, a ecologia humana tem de ir
mais al é m dos princ í pios da ecologia geral , uma vez que a flexibilidade do homem
em mat é ria de conduta, a sua capacidade para controlar as respectivas vizinhan ¬
ças imediatas e a sua tend ê ncia para desenvolver cultura independentemente do
.
ambiente , sã o maiores do que as dos outros organismos. Hov ard W . Odum ( 1953)
definiu cultura como «a forma como as pessoas vivem em á reas, tempos e meios
identificados»; é a soma total de processos e produtos acumulados da actividade
da sociedade . Assinala que h á uma componente básica , ou «cultura popular» , relati ¬
vamente constante , e uma «cultura tecnol ógica», que ao longo do tempo pode
sofrer rá pidas alteraçõ es. William F. Ogburn ( 1922) introduziu o conceito de «des ¬
fasamento cultural» para indicar que as atitudes do homem e os costumes sociais
( isto é , a cultura popular ) n ão acompanham , com frequ ê ncia , o desenvolvimento
t é cnico. A menos que a sociedade fa ça um esfor ço consciente , atrav é s da educação
e regulamentações, para reduzir o « desfasamento», ocorrem , em alturas de alte¬
ra çõ es tecnol ógicas r á pidas, desequil í brios e transtornos s é rios no sistema social
( ver página 471 e 657).
Uma contribui ção sociol ógica importante para a integra ção do homem e da na¬
tureza cont é m -se no conceito de regionalismo, especialmente como foi desenvolvido
por Howard W .* Odum e seus disc í pulos ( ver H. W . Odum , 1936 ; Odum e Moore ,
1938; H. W . Odum , 1951) . O regionalismo, como m étodo de estudo da sociedade ,
baseia- se no reconhecimento de diferen ças nos atributos , quer culturais quer natu ¬

rais, de á reas distintas, se bem que interdependentes. Assim , invent á rios cuidados
do homem e dos recursos , a n í vel local, estatal e regional , proporcionam a base
para a coordenaçã o nacional e internacional. Tal como acontece com o planeamento
para a conserva çã o do solo ( ver páginas 670-672), o estudo social regional teve a sua
motivação inicial no desejo de fazer progredir as regiões «atrasadas» (como, por
exemplo, o «Sul » dos anos trinta ) , por forma a que estas pudessem contribuir para
o desenvolvimento econ ó mico total da nação, em vez de o prejudicar. Por é m , «os
objectivos principais do regionalismo encontram-se no produto final da integra çã o de
regi õ es, mais do que no mero estudo e desenvolvimento das regi ões em si mesmas »
(H. W . Odum , 1951). O conceito de que somente unidades culturais diferentes
funcionam como conjuntos é paralelo ao conceito ecol ógico de «ecossistema ». Um
problema pr á tico que se coloca na «integração» de dados culturais e ambientais
prové m do facto das estat í sticas sociol ógicas, em que se baseiam os í ndices culturais,
se referirem a entidades pol í ticas ( municí pios, distritos, estados) que, com frequ ê ncia,
n ã o coincidem com unidades naturais ( zonas clim á ticas , tipos de solos, biomas, re -
816

gi õ es fisiogr áficas). Como se sugeriu no Capítulo 2 ( página 22), a bacia hidrogr áfica
constitui uma unidade de ecossistema prática para ordenamento que combina atri ¬

butos naturais e culturais.


O ensaio Mar í s Place in Nature de Thomas Huxley , escrito h á mais de cem
anos ( reimpresso em 1963), tipifica a atitude do biólogo do s é culo XIX perante o
homem e o seu ambiente . Reflectindo a influ ê ncia do Darwinismo, estes bi ólogos do
passado abordavam o papel do homem na natureza do ponto de vista da sua linhagem
ou parentesco natural com os outros organismos. Depois de mais de 50 anos, a ideia
do parentesco evolutivo com a natureza come çou a ser aceite por uma maioria de
pessoas, e a atençã o voltou -se , ent ã o, para a ideia da liga ção natural do homem, ou
interdependê ncia ecológica, com o biota, um conceito que hoje se encontra longe
de ser universalmente aceite . Charles C. Adams ( 1935) , J . W . Brews ( 1935) , Frazier
Darling ( 1951) e Marsten Bates ( 1952) figuram entre os primeiros ecologistas do
reino animal a escrever sobre «ecologia humana» nessa acep çã o. W. C. Allee ( 1938
e 1951) abordou a ecologia humana do ponto de vista dos paralelismos entre a orga ¬

niza çã o social humana e animal . O « princ í pio de Allee » ( ver página 332), que res ¬

peita à subpopula çã o e à sobrepopula çã o, é especialmente relevante , uma vez que


o homem tem em primeiro lugar de se agrupar , desenvolver uma estrutura social e
modificar o ambiente para poder prosperar ; por é m, como acontece com qualquer
outra espé cie , tamb é m pode sofrer gravemente com a sobrepopula çã o.
A fusão da conduta e da psicologia dos animais para formar a nova ci ê ncia
do «comportamento ou conduta», como se descreveu das Secçõ es 7 a 9 do Capí ¬
tulo 8, constitui um passo importante na integra çã o conceptual do homem e da
natureza. O texto Deserts on the March ( 1935) , de Paul Sears, introduziu uma era de
livros sobre a conservação dos recursos, entre os quais se destacam The Road to
Survival ( 1948), de Vogt , e Plundered Planet ( 1948), de Osborn , profusamente lidos
e que influenciaram a transforma çã o da «é tica da terra» de Leopold ( ver p ágina 17 )
em acção pol í tica e legislativa. A abordagem posterior de Sears ( ver o seu ensaio,
The Ecology of Man, 1957) destinou-se a comparar os padr ões culturais que est ã o
bem adaptados ao ambiente com os que o n ão est ão. Entre os padr õ es bem adapta ¬
dos, citou os sistemas de explora ções agr í colas familiares nos pequenos e pr ósperos
pa íses europeus e a cultura milen ária do arroz nas Filipinas ( que , em qualquer dos
casos, est ão agora a ser substitu í dos por sistemas de firmas agrá rias; páginas 71
e 657). Entre os padr õ es que n ão se encontram bem adaptados, cita muitos exemplos
de fracasso no ajustamento da tecnologia ao ambiente natural por exemplo, a
constru ção de habitações e f bricas
á nas margens planas e inund á veis de rios, fatal ¬
mente destru í das pelas águas que, mais cedo ou mais tarde , não poderiam deixar de
surgir. Sears sustentou que um grande n ú mero de «desastres naturais» resultantes de
inunda çõ es, tempestades de poeira, etc. , de que temos not í cia pelos jornais ( e pelos
quais pagamos, para efeitos de reabilitaçã o ou de dispendiosos mecanismos de «con-
817

trolo»), não são na realidade provocados pela natureza, mas sim pela estupidez com
"

que o homem a trata, o que é certamente um ponto de vista vá lido nos dias de
hoje! Com a publicação de Silent Spring, de Rachel Carson, em 1962, os defensores
da conservação dos recursos e os bi ólogos passaram a sua atenção, da destruição
do ambiente natural provocada pelo homem, para a amea ça, ainda mais perigosa,
da poluiçã o e do «revé s ecológico», como se analisou nos Capítulos 15 e 16. Ilustram
esta tend ê ncia os livros populares de Udall (1963), que d á ê nfase à conservação da
terra; Rienow e Rienow ( 1967), focando a poluição; Whyte (1968), sobre o planea¬
mento; Dasman ( 1968), destacando a necessidade de diversidade; e Marine (1969),
denunciando os inconvenientes do método de engenharia e da polí tica dos «fundos
eleitorais».
Assim, s ó nos anos sessenta é que os pontos de vista dos ge ógrafos, soci ó¬
logos, biólogos e dos especialistas dos recursos começaram a fundir-se num consenso
sobre o que é, ou deverá ser , a ecologia humana. À maneira de prova da busca quase
fren é tica de um denominador comum, podem citar - se os numerosos simp ósios,
muitos deles de â mbito internacional, publicados nos anos sessenta. Permitiram
eles reunir especialistas de todas as ciê ncias e humanidades, e proporcionaram
um terreno de encontro aos especialistas das ciê ncias aplicadas e bá sicas, que nunca
haviam estado em contacto. São tamb é m importantes os relat ó rios governamentais
preparados por «comiss ões interdisciplinares de redacçã o» ( ver E. P. Odum, 1967),
como se citou em capítulos da Parte 3 deste texto. Para o estudante interessado em
diversos (e divergentes) pontos de vista sobre ecologia humana que t ê m sido apresen ¬
tados por numerosos autores, recomendam-se os volumes editados por Darling e
Milton (1966), Bresler (1968) e Shepard e McKinley ( 1969). N ão se espere, por é m,
encontrar em tais livros muito trabalho de sí ntese; é trabalho que est á, na maior
parte, por fazer.

2 . A ECOLOGIA DA POPULAÇÃO HUMANA

Caso se conceba a ecologia da população no seu sentido amplo, como se


analisou no Capítulo 7, então a ecologia humana pode ser considerada a ecologia
da população de uma espécie muito especial a do homem! A ecologia humana é
mais ampla do que a demografia, que constitui o dom í nio da análise da população
humana (ver Thomlinson, 1965, para efeitos de um bom resumo desta maté ria),
uma vez que trata das relações da população com factores externos e unidades
mais amplas, tanto como com dinâ mica interna.- Como se destacou insistentemente, as
populações humanas, à semelhan ça das outras, constituem uma parte de comuni¬
dades bióticas e de ecossistemas.

52
818

Como ficou atrás referido, um dos traços principais que distinguem as popu ¬
lações humanas das outras populações consiste no grau de domin â ncia de que o
homem, como grupo, é capaz ( ver Capí tulo 6, Secção 2, para efeitos de an álise da
domin â ncia ecol ógica). Embora a domin â ncia seja um conceito ó bvio e f ácil de -
abordar em termos gerais, é dif ícil de avaliar quantitativamente. O homem admite,
com frequ ê ncia, que é 100 por cento dominante sobre o ambiente circundante,
quando o caso é que poder á estar muito longe disso. Poder á, por certo, instalar
em sua casa ou no escrit ó rio ar condicionado, e julgar -se independente do clima;
por é m, continuar á a ser muito afectado pelo tempo quente e frio, pelas secas e
outros fenómenos climáticos, a menos que tamb é m submeta a ar condicionado todas
as plantas e animais que lhe servem de alimento. Do mesmo modo, um agricultor
poder á pensar que tem o seu campo de milho sob completo controlo, por é m, o
f ósforo poder á estar a perder-se , encosta abaixo, para o oceano a um ritmo por tal
forma rápido que, do ponto de vista da sua futura prosperidade, não controla de
nenhuma maneira a situação, apenas a compromete! É oportuno referir nesta altura
a discussão te órica da « biosfera» versus a «noosfera» ( página 53) e as cita çõ es de
Hutchinson ( páginas 54 e 161) e de Leopold ( páginas 650 e 651 ) acerca do lugar do
homem nos ecossistemas e do papel por ele desempenhado nos ciclos biogeoqu í micos.
O completo dom í nio da natureza não é provavelmente poss ível, e seria de qualquer
forma muito precário, ou inst ável, uma vez que o homem é um heter ótrofo muito
«dependente » que vive «alto» na cadeia alimentar. Seria muito mais seguro e muito
mais agrad á vel se o homem aceitasse a ideia de que existe um grau desejá vel de
depend ê ncia ecol ógica, o que significaria compartilhar o mundo com muitos outros
organismos, em vez de olhar para cada cent í metro quadrado como uma fonte possível
de alimento e de prosperidade, ou um local para converter em algo artificial. Se o
comportamento humano se baseia realmente, e em ú ltima inst ância, na «razã o»
( ver página 398 ), torna-se claro que o homem tem (1) de estudar e compreender a
forma de crescimento da sua pr ó pria populaçã o ( ver explica çã o sobre a forma de
crescimento da populaçã o no Cap í tulo 7, Secçã o 8), (2) de determinar quantitativa¬
mente quais são a configuração e o volume ó ptimos de uma popula çã o humana
relativamente à capacidade de sustentaçã o de uma dada área , e ent ã o (3) de estar
preparado para aceitar a « regulaçã o cultural » onde a «regula çã o natural» é inoperante
( ou insuficiente ou demasiado tardia).
A forma de crescimento da popula ção humana tem sido um dos assuntos
mais controversos, o que explica a razã o pela qual a sociedade, em conjunto, tenha
vacilado quanto à adopção de iniciativas nesta mat é ria. Ao discutir o « problema da
população» humana, muita gente reporta-se a Thomas R. Malthus, cujo famoso
Essay on the Principie of Population foi objecto de seis edições entre 1798 e 1826.
Malthus p ôs em destaque o facto, que se demonstrou aplicar -se aos organismos em
geral , das populações terem uma capacidade intr í nseca de « retroalimenta çã o positiva»
819

para o crescimento exponencial (ver Secçã o 7 do Capítulo 7). Isto n ã o significa que
as populações ultrapassem necessariamente o seu abastecimento alimentar. Malthus
n ã o se encontrava advertido de que existe uma diferença entre factores dependentes
da densidade e independentes da densidade, ou de que os primeiros podem actuar
como retroacção negativa na preven ção da sobrepopulação ( ver Secção 10 do Capí¬
tulo 7 ). Malthus n ã o podia t ão pouco ter antecipado que a utilizaçã o da energia
total (e n ã o apenas da energia alimentar) e seus produtos secund á rios poluentes
podem ser, hoje em dia, os factores que limitam o n mero de pessoas suscept í veis
de habitar a Terra . Portanto, n ã o é justo condenar Malthus como um «falso profeta »;
dever á antes ficar-se-lhe agradecido por haver clarificado um princí pio importante
do crescimento da populaçã o. O que importa destacar é que o controlo dependente
da densidade n ão é agora evidente no padrão de crescimento da popula ção humana;
retome-se da página 300 um estudo recente em que se mostra que, à escala mundial,
o crescimento da popula çã o apresenta uma correla çã o positiva com a densidade ( isto
é, a populaçã o est á a crescer mais depressa quando a densidade aumenta , num pro ¬

nunciado contraste com as popula ções da maioria dos organismos, nas quais a taxa
de crescimento decresce com o aumento da densidade ). Sem d ú vida , a natalidade
e , em menor grau , a taxa de crescimento, começam a declinar nos pa í ses industria ¬
lizados, embora este fen ó meno aumente , infelizmente , a razão tã o desproporcionada
entre pobres e ricos ( ver página 657).
Uma coisa é certa: a forma de crescimento da população humana não se
ajusta ao modelo sigm óide ou log í stico simples, por raz ões já explanadas na pá ¬
gina 295; o crescimento n ão se deterá «automaticamente » a certo n í vel de estado de
equil í brio, ao contrário do que acontece com o crescimento de cé lulas de levedura
num recipiente confinado, onde os indiv í duos são imediatamente afectados pelos
seus pr ó prios produtos residuais ( ver Figura 7-11, página 297). Uma vez que para o
homem haverá sempre longo atraso temporal nos «efeitos da auto- aglomera çã o»,
e també m nos efeitos do uso em excesso de um recurso, a densidade da população
tender á a «transbordar», a menos que haja factores que reduzam rapidamente a taxa
de crescimento, antes de se começarem a fazer sentir os efeitos perniciosos da aglo ¬

mera çã o. Assim , parece que o homem tem duas « opções» básicas, como se ilustra na
Figura 21-1. Pode deixar- se continuar, sem restrições, o crescimento da popula çã o
at é que a densidade exceda alguma capacidade vital (alimento, recursos, espaço,
polui çã o, etc.), como ilustra o Modelo 1 ( Figura 21-1); ent ã o, grande n mero de
pessoas morrerã o, serã o mortas, ou sofrer ã o duras privações at é que a densidade
seja reduzida ( ou porventura at é que a limita çã o seja levantada , se isso for possí vel) .
Se o controlo n ão for estabelecido a esse ponto , poder ão ocorrer ultrapassagens
adicionais do ponto de equil í brio ( ver Figura 7-20). É evidente que algumas á reas
da Terra já sã o t ã o sobrepovoadas que uma s ó perturbaçã o desfavor á vel , como seja
uma inundação, um furacão, ou a perda da colheita numa estação, determinar á a
820

morte de milhares, se n ão de milh ões, de pessoas. Como se referiu na Secção 1 deste


cap í tulo, são com demasiada frequ ê ncia deitadas as culpas por tais mortes às «causas
naturais», absolvendo- se assim o homem de toda a responsabilidade ( ver Hardin ,
1971). A alternativa para o homem consiste em enfrentar o facto de que essas mortes
são na realidade provocadas pela sobrepopula ção. Uma vez que o homem aceite a
responsabilidade , ser á poss í vel antecipar limites, estabelecer controlos de população
( controlo de nascimento, restrições ao uso do solo e da água, conservação de recursos
e reciclagem , redu ção dos «estimulantes de crescimento» de car ácter econ ó mico,
e assim por diante ), de tal forma que a densidade permane ça francamente abaixo
dos limites cr íticos, como se ilustra no Modelo 2. Para o conseguir, os valores huma¬
nos t ê m de controlar a interacção entre a ci ê ncia ( que se pode identificar com a
«compreensão») e a tecnologia ( que se pode identificar com a « prá tica»), como se
ilustra no Modelo 3.
Em 1959, quando estava a ser preparada a segunda edi ção deste texto, os
livros e os artigos que tratavam da população humana estavam divididos em partes

MODELO 1 MODELO 2
PARA ALÉM DO
LIMITE DE SUSTENTA ÇÃ O
LIMITE \ LIMITE
/
J ' POPULAÇÃO /

MODELO 3

VALORES HUMANOS
(CONTROLO)

CIÊNCIA TECNOLOGIA
(CONHECIMENTO) (CAPACIDADE PR ÁTICA)

-.
Figura 21 1 Duas «op ções» bá sicas para o futuro crescimento da popula çã o humana. É prov á vel
o Modelo 1, pelo menos numa escala parcial ou local , caso se permita que o crescimento continue sem
restriçõ es obrigat órias at é que a densidade «ultrapasse» algum limite ou capacidade vital. O Modelo 2
é poss ível caso se desenvolvam forças que reduzam fortemente a taxa de crescimento antes de se come ¬
çarem a sentir os efeitos perniciosos da aglomeração, da poluição, ou do uso excessivo de recursos.
Para assegurar que prevale ça a «opçã o» ilustrada pelo Modelo 2, ser á necess á rio que valores humanos,
mais do que valores econ ó micos, controlem a interacçã o entre a ci ê ncia e a tecnologia, como se ilustra
no Modelo 3. Ver texto para an álise mais aprofundada .
821

aproximadamente iguais quanto à quest ã o do perigo da sobrepopulação. Nessa época,


pessoas sensatas e preparadas, tanto nas ciências naturais como sociais, advertiram
que o perigo era muito grande, havendo autores igualmente responsáveis ( represen ¬

tando també m muitas disciplinas) que adoptaram o ponto de vista oposto. Em 1970,
os autores s ão quase unânimes em expressar a necessidade de algum tipo de controlo
do crescimento da população humana. Mesmo os «agricultores» mais entusiásticos
admitem que a «revolução verde» ( e outros avanços t é cnicos) apenas adiam a altura
em que o crescimento tem de ser controlado, especialmente em face do alarmante
aumento da propor ção entre gente pobre e rica ( ver página 657). Presentemente, a
controv érsia tomou outra forma, como já se assinalou na Introdução da Parte 3
( ver página 646), que pode, porventura, ser exemplificada pelos dois enunciados
seguintes:
1. A tecnologia pode resolver os problemas da população e da poluição.

2. Não há solução t é cnica para o dilema população e poluição; s ão neces ¬

s ários condicionalismos é ticos, legislativos, polí ticos e econ ómicos.

O ecologista toma a posição de considerar que ambos os enunciados s ão


correctos, embora cada qual por si seja inadequado como uma base para normas,
objectivos ou acção. Se o primeiro enunciado se destinar a ser concretizado, ent ão,
dever á ser aceite o segundo.

3. COMPONENTES PARA UMA ECOLOGIA HUMANA APLICADA

Como se tiestacou neste cap í tulo, não existem presentemente os meios para
aplicar os princípios ecológicos à solução dos problemas da população humana e
da poluição, qualquer que seja a sociedade, se bem que esteja a ser rapidamente
reconhecida por todo o mundo a necessidade de levar a cabo o ordenamento total
do ecossistema. Para o caso do homem ter de administrar o homem, assim como os
recursos de que depende, então, terão de ser realizadas todas ou algumas das se ¬

guintes reformas e actuações ( os n meros das páginas referem- se às secções do texto


em que se examinou o conteúdo ecológico do n mero em quest ão) :
1. Eliminação de todas as restrições sobre planeamento familiar, controlo da
natalidade e aborto, por forma a que seja possí vel restringir o número de descen ¬

dentes aos que podem ser amados, educados e mantidos como indiví duos de qua ¬

lidade, dentro dos limites dos recursos e do espaço locais (tornando assim o ritmo
do crescimento mais ajust ável à capacidade de sustentação, tal como acontece com
muitas populações animais bem reguladas; página 315).
822

2. Planeamento regional do uso do solo ( zonagem total), como um meio


de controlar o volume e a distribui çã o da popula çã o e de assegurar a exist ê ncia
de, pelo menos, um ter ço de espa ço livre nas á reas metropolitanas novas e desen ¬
volvidas; isto requer a cria ção de comiss ões ambientais com autoridade para levar
por diante planos estatais, regionais e nacionais que tenham sido estudados a fundo,
revistos e aprovados por processos democr á ticos ( an á logo ao «controlo territorial»
nas popula ções naturais; pá ginas 335-338).
3. Nova orientação nos m é todos de tributa ção no sentido de reduzir gran ¬
demente os «est í mulos ao crescimento», à medida que cresce a densidade da popula çã o
e a pressão sobre- os recursos (an á logo à inibi ção do crescimento em popula ções natu ¬
-
rais; páginas 51 53).
4. Maior ê nfase nas leis e tratamento do ambiente e da protecção do con ¬
-
sumidor ( páginas 700 704).
5. Um consenso sobre o que constitui a popula çã o ó ptima, no sentido de
proporcionar um « ponto fixo» para aplica çã o dos controlos de retroacçã o negativa ,
de acordo com os n ú meros 1 a 4 atrá s listados ( páginas 87 ,675; ver també m E. P.
Odum, 1970; Taylor , 1970).
6. Internaliza ção do custo para ciclos completos de produtos , com o objec-
tivo de evitar o revé s que ocorre quando a produ çã o, a polui çã o e os custos de
reciclagem sã o considerados separadamente ( página 704). O tomar em considera çã o
os ciclos completos de produtos també m deve aplicar-se ao novo plano dos sistemas
agr ícolas, por forma a reduzir os desperd í cios de recursos e a polui çã o . Isto significa
dar maior import â ncia à qualidade , à diversidade , à resist ê ncia à s doen ças, e assim
por diante , do que à produ çã o como tal ( ver pá ginas 70-75 , 655 ) .
7 . Desenvolvimento de uma «economia de nave espacial », em que se ponha
fnais ê nfase na qualidade da reserva principal e dos recursos humanos do que nas
taxas de produ ção e consumo como tais , e deslocamento dos est í mulos, na pro¬
moção p blica , da quantidade para a qualidade, por forma a evitar o «esbanjamento»
( ver pá ginas 85 e 646).
8. Reciclagem e conserva çã o rigorosas da água e de todos os recursos mine ¬

rais- e biol ógicos ( ver páginas 135, 653-655).


9. M é todo do produto secund á rio na elimina çã o dos res í duos , incluindo a
administra çã o de res í duos que combina o tratamento terciá rio e a sua recupera çã o
-
com o recreio e a protecçã o das bacias hidrogr á ficas e do ar ( ver pá ginas 95 700).
10. Reconhecimento geral de que a cidade depende do espa ço rural verde
para todos os seus recursos vitais ( ar, água , alimentos ), e de que o campo depende
da cidade para a maioria dos seus recursos econ ó micos, por forma a que o actual
confronto pol í tico suicida entre as popula ções urbana e rural d ê lugar a uma preo ¬
cupa çã o pol í tica integrada pelo complexo urbano- rural considerado como um ecos-
sistema ( ver p áginas 43, 676, 814).
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11. Um deslocamento de ê nfase , na ci ê ncia dos sistemas, da f ó rmula de curto


prazo « um problema, uma solu çã o» , ou da «fixa çã o tecnol ógica r á pida», para o
modelo da solu çã o de grandes problemas a longo prazo ( isto é, um deslocamento,
na « inventiva», da preocupa ção pela parte para o exame do todo; ver Pref á cio e
p ágina 495).
12. Uma maior insist ê ncia, em mat é ria de educa ção (da escola prim á ria à
forma çã o t é cnico- profissional ), no princí pio da unidade total do homem e do am ¬
biente, isto é, na ecologia do ecossistema ( pá ginas 646-648).

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