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Arte Românica

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Para os pioneiros da história da arte medieval o estilo supremo fora o Gótico,
desde o século XIII ao século XV.
A tudo quanto ainda não era gótico chamaram "românico".
Ao fazer isto, pensavam sobretudo na arquitetura; as igrejas pré-góticas, observaram,
tinham arcos de volta-perfeita e eram sólidas e pesadas (ao contrário dos arcos
quebrados e da leveza vertical dos edifícios góticos), bastante próximas do estilo romano
antigo; a palavra "românico" exprimiu precisamente tal ideia.

Neste sentido, toda a arte medieval anterior a 1200, na medida em que revele qualquer
laço com a tradição mediterrânica, pode ser designada por "românica".

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O Românico irrompeu por toda a Europa Ocidental quase ao mesmo tempo;
consiste numa ampla variedade de estilos regionais, com numerosos pontos comuns,
mas sem uma fonte central.

Sob esse aspecto, é mais parecido com a arte da Europa bárbara que com os estilos de
corte, embora nele se incluam a tradição carolíngio-otoniana juntamente com muitas
outras, menos evidentes, como os elementos tardo-romanos, paleocristãos e bizantinos,
algumas influências islâmicas e a herança céltico-germânica.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


O que amalgamou todos estes componentes diversos num estilo coerente,
durante a segunda metade do século XI, não foi uma força única, mas uma variedade de
factores que provocaram um novo surto de vitalidade por todo o Ocidente.

• o Cristianismo impusera-se finalmente na Europa;


• os Vikings entraram no redil católico na Normandia e na própria Escandinávia;
• o califado de Córdova desintegra-se em 1031, facilitando a reconquista cristã;
• os Magiares tinham-se fixado na Hungria.

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Havia um crescente entusiasmo religioso, reflectido no enorme incremento das
peregrinações e culminando, a partir de 1095,
nas Cruzadas para libertar a Terra Santa do jugo maometano.

Não menos importante foi a reabertura das vias comerciais do Mediterrâneo pelos barcos
de Veneza, Génova e Pisa: além do reavivamento do comércio e da indústria,
houve o consequente desenvolvimento da vida urbana.

Sob muitos aspectos a Europa Ocidental entre 1050 e 1200 tornou-se muito mais
"românica" do que fora desde o século VI, recuperando algumas das formas do comércio
internacional, a vida urbana e a força militar dos tempos imperiais antigos.

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A Arquitectura

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A arquitetura românica distingue-se em relação aos séculos precedentes pelo
extraordinário aumento do número de edificações.

As igrejas não só eram mais numerosas que as da Alta Idade Média, foram também
maiores, de estrutura mais complexa e mais "romanas" de aspecto,
porque as suas naves tinham agora abóbadas, em vez de vigamentos de madeira,
e as suas fachadas, ao contrário dos templos paleocristãos, bizantinos, carolíngios e
otonianos, ostentavam uma decoração arquitectónica e até esculturas.

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Geograficamente, os melhores edifícios românicos encontram-se distribuídos desde a
Espanha setentrional à Renânia e da fronteira anglo-escocesa até à Itália central.
Todavia, a maior variedade de tipos regionais e as concepções mais audaciosas
pertencem à França.

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A FRANÇA DO SUDOESTE

Começaremos por Saint-Sernin de Toulouse, na França meridional, pertencente a um


grupo de grandes igrejas do "tipo de peregrinação", assim chamada porque foram
erguidas ao longo das estradas que conduziam a Santiago de Compostela.

A planta salta logo à vista, por mais complexa e de maior unidade que a das igrejas
anteriores, como St. Riquier ou S. Miguel de Hildesheim: forma uma acentuada cruz
latina, com o centro de gravidade na cabeceira.
Não foi delineada para servir apenas uma comunidade monástica,
mas para receber grandes multidões de fiéis.

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St.-Sernin de Toulouse, França

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St.-Sernin de Toulouse, França

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St.-Sernin de Toulouse, França

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St.-Sernin de Toulouse, França

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St.-Sernin de Toulouse, França

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St.-Sernin de Toulouse, França

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A BORGONHA E A FRANÇA OCIDENTAL

Os construtores de St.-Sernin seriam os primeiros a admitir que a solução dada ao


problema da abóbada da nave não era a definitiva, por muito notável que fosse.

Os arquitetos da Borgonha resolveram-no de modo mais elegante:


na Catedral de Autun, as tribunas foram substituídas por uma arcada cega
(também chamada trifório porque tem geralmente três aberturas por tramo)
e janelas altas (clerestório).

O que tornou possível este alçado de três andares (arcadas da nave, trifório, clerestório)
foi a utilização da abóbada do berço quebrado que produzia
um empuxo mais para baixo que para fora.

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Catedral de Autun, França

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Catedral de Autun, França

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Catedral de Autun, França

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Catedral de Autun, França

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A BORGONHA E A FRANÇA OCIDENTAL

Uma terceira solução com virtude próprias aparece no Oeste da França,


em igrejas como a de St. Savin-sur-Gartempe.

A abóbada da nave não tem arcos torais (ou de reforço) porque devia oferecer uma
superfície lisa contínua para suporte de pinturas a fresco.
O seu grande peso recai diretamente sobre arcadas de majestosas colunas.
A nave central está muito bem iluminada,
porque as colaterais se erguem quase à sua altura e possuem janelas largas.
A cabeceira é do tipo de peregrinação.

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St. Savin-sur-Gartempe, França

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St. Savin-sur-Gartempe, França

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A BORGONHA E A FRANÇA OCIDENTAL

As três naves — central e colaterais — destas igrejas-salão (se como tal as podemos
classificar) são cobertas por um telhado único, como em St. Savin.

A fachada principal, a Ocidente, geralmente baixa e larga, é enriquecida com relevos e


estátuas, como a de Notre-Dame-la-Grande, de Poitiers com as suas arcaduras
primorosamente orladas, abrigando grandes imagens.

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Notre-Dame-la-Grande, Poitiers, França

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A BORGONHA E A FRANÇA OCIDENTAL

Um largo friso com figuras corre de lado a lado sobre o portal profundo
e emoldurado por arquivoltas e grossas colunas.

Aos lados, os contrafortes-torrinhas, realçados pelos feixes de meias-colunas,


erguem os seus remates cónicos até à altura do frontão.

O programa escultural distribuído por toda a superfície da fachada é uma exposição


plástica da doutrina cristã, festa para os olhos como para o espírito.

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Notre-Dame-la-Grande, Poitiers, França

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A NORMANDIA E A INGLATERRA

Na Normandia, a fachada ocidental evoluiu num sentido inteiramente diferente.


A igreja da abadia de St.-Étienne de Caen, fundada por Guilherme, o Conquistador,
um ou dois anos depois de ter invadido a Inglaterra,
forma um vivo contraste com Notre-Dame-la-Grande.

A decoração foi reduzida ao mínimo; quatro enormes contrafortes dividem a frontaria


em três secções e o impulso vertical prossegue nas duas esplêndidas torres,
cuja altura não deixaria de ser impressionante mesmo sem os altos coruchéus
protogóticos que as rematam.

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St.-Étienne de Caen, França

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A NORMANDIA E A INGLATERRA

Começada em 1093, a Catedral de Durham é a realização mais ambiciosa da arquitetura


anglo-normanda da Grã-Bretanha, no último quartel do século XI.

De planta mais simples, a largura da nave excede a de St.-Sernin num terço


e comprimento total do edifício (122 m) coloca-a entre as maiores igrejas
da Europa medieval.

A abóbada da nave é de grande interesse, porque representa a primeira utilização


sistemática da abóbada de aresta com nervuras em naves de três andares,
um progresso fundamental sobre a solução de Autun.

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Catedral de Durham, Inglaterra

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Catedral de Durham, Inglaterra

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A LOMBARDIA

Na época em que os Normandos e os Anglo-Normandos construíram as suas primeiras


abóbadas de arestas nervadas, procurava-se resolver o mesmo problema na Lombardia,
onde as cidades tinham readquirido grandeza e prosperidade.

Na arquitetura românica lombarda, tanto era alimentada como retardada uma tradição
arquitetural ininterrupta, desde os tempos romanos e paleocristãos,
incluindo a dos monumentos de Ravena.
Isto torna-se evidente num dos seus mais veneráveis e importantes edifícios,
S. Ambrogio de Milão, construído no local ocupado por uma igreja do século IV.

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A LOMBARDIA

As obras foram iniciadas no final do séc. XI,


aproveitando a abside e a torre meridional erguidas no século anterior.
As fachadas de tijolo recordam a simplicidade geométrica das igrejas de Ravena.

Ao entrar no atrium, deparamos com a bela severidade das arcadas profundas da


frontaria; logo atrás aparecem as duas torres sineiras, construções independentes,
apenas adossadas às paredes da igreja.

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S. Ambrogio de Milão, Itália

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S. Ambrogio de Milão, Itália

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A GERMÂNIA

A Arquitetura românico-germânica, cujo centro foi a Renânia,


mostrou-se igualmente conservadora, embora reflita mais a persistência de tradições
carolino-otonianas que de outras mais antigas.

A sua melhor realização, a Catedral Imperial de Espira,


começada c. 1030 e acabada um século depois, tem uma weswerke
(alterada por uma reconstrução moderna) e uma cabeceira igualmente monumental
onde se integram a torre-lanterna, a abside e duas torres.

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A GERMÂNIA

Os pormenores arquitectónicos provêm da Lombardia, durante séculos foco de atracão


das ambições imperiais germânicas (comparar S. Ambrogio),
mas a sua altura é de proporções nórdicas e pela grandeza da escala é superior a
qualquer outra igreja desse período.

A nave, um terço mais alta e mais larga que a de Durham, tem um amplo clerestório,
pois fora planeada para uma cobertura de madeira; no início do século XII, foi dividida
em tramos quadrados e coberta por pesadas abóbadas de aresta simples,
mais aparentadas ao tipo lombardo que ao normando.

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Catedral Imperial de Espira, Alemanha

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Catedral Imperial de Espira, Alemanha

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Catedral Imperial de Espira, Alemanha

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A GERMÂNIA

A imponente cabeceira da Catedral de Espira foi imitada em numerosas igrejas


do Vale do Reno e dos Países Baixos.
Na Catedral de Tournai, aparece em duplicado, nos dois extremos do transepto —
constituindo a mais notável concentração de torres de toda a arquitetura românica.
E a princípio, deveria ter mais quatro: duas na fachada ocidental
(depois reduzidas a torrinhas redondas) e as outras a ladear a abside da cabeceira,
substituída por uma enorme capela-mor gótica.

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Catedral de Tournai, Bélgica

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Catedral de Tournai, Bélgica

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Catedral de Tournai, Bélgica

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A TOSCANA

A mais famosa das torres deve a sua nomeada a um acidente.


É a Torre Inclinada de Pisa (ou, mais corretamente, o campanile da catedral de Pisa)
que começou a ficar inclinada já durante a construção, por defeito do terreno ou por
deficiência dos alicerces.

A torre pertence a um magnifico conjunto, erguido num lugar desafogado ao Norte da


cidade, do qual fazem parte a Catedral e o Baptistério, redondo e de cúpula.
Estes edifícios representam o mais ambicioso conjunto monumental do Românico
toscano, refletindo a riqueza e o orgulho da República de Pisa.

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A TOSCANA

A Catedral de Pisa e os edifícios que a cercam estão revestidos, de alto a baixo,


de mármore branco, com embutidos de mármore verde-escuro, formando bandas
horizontais e motivos decorativos.
Esta prática, corrente desde os tempos do Império Romano, apenas subsistiu (ou
reapareceu) na Itália Central durante a Idade Média.

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Catedral de Pisa, Itália

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Catedral de Pisa, Itália

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Catedral de Pisa, Itália

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A TOSCANA

Em Florença, destinada a ultrapassar Pisa, comercial e artisticamente, a maior realização


do Românico toscano foi o Baptistério, fronteiro à Catedral.

É um imponente prisma octogonal de cúpula em pirâmide,


com as fachadas revestidas de placas de mármore, em severas linhas geométricas e
arcadas cegas extremamente clássicas na proporção e nos pormenores.

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Baptistério de Florença, Itália

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Baptistério de Florença, Itália

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A Escultura

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O ressurgimento da escultura monumental de pedra é ainda mais assombroso que as
realizações arquitectónicas da época românica, porque nem a arte carolíngia, nem a
otoniana, tinham mostrado quaisquer tendências nesse sentido.

As estátuas de vulto redondo desapareceram quase de todo da arte ocidental


desde o século V e os baixos-relevos de pedra perduraram apenas
como ornamentos arquiteturais ou decoração de superfícies,
com a profundidade do talhe reduzida ao mínimo.

A única tradição escultórica contínua da Alta Idade Média foi a da pequena escultura:
além de relevos de tamanho reduzido, encontramos estatuetas de metal ou de marfim.

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Cinquenta anos depois, a situação mudara de todo em todo:
a escultura de pedra ressurgiu, em local ainda hoje ignorado.

Mas se alguma região pode reivindicar a prioridade, essa é a do Sudoeste da França e do


Norte da Espanha, ao longo da estradas de peregrinação para Santiago de Compostela.

A sua relação com o movimento das peregrinações parece assaz lógica, porque a
escultura arquitetural, especialmente quando é inserida na fachada das igrejas, se dirige
mais aos crentes leigos que aos membros das comunidades monásticas.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


O SUDOESTE DE FRANÇA

Cinquenta anos depois, a situação mudara de todo em todo: a escultura de pedra


ressurgiu, em local ainda hoje ignorado.

Mas se alguma região pode reivindicar a prioridade, essa é a do Sudoeste da França e do


Norte da Espanha, ao longo da estradas de peregrinação para Santiago de Compostela.

A sua relação com o movimento das peregrinações parece assaz lógica, porque a
escultura arquitetural, especialmente quando é inserida na fachada das igrejas, se dirige
mais aos crentes leigos que aos membros das comunidades monásticas.

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O SUDOESTE DE FRANÇA

St.-Sernin de Toulouse encerra várias obras importantes,


provavelmente esculpidas c. 1090, incluindo o Apóstolo da imagem seguinte.
Este encontra-se agora no deambulatório,
mas parece que de início pertenceu a um frontal de altar.
De qualquer maneira, a figura (de um pouco mais de metade do tamanho natural) não
foi concebida para ser vista apenas de perto: pela massa e pelo peso afirma-se de longe.

A acentuação do volume revela a ideia que impele este ressurgimento da escultura:


uma imagem talhada a três dimensões é mais "real" que uma figura pintada.
Para um clérigo, enfronhado nas abstrações da teologia,
isso pareceria desatinado ou até perigoso.

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A solidez das formas dá-lhe uma aparência
fortemente clássica, a indicar que o artista deve ter
visto de perto alguma escultura tardo-romana.
Por outro lado, a solene frontalidade da figura,
a sua colocação na moldura arquitetural
inspira-se numa fonte bizantina.
Ao ampliar a miniatura, o escultor deu-lhe também
o volume: o nicho tornou-se uma verdadeira
cavidade, o cabelo parece um gorro semiesférico,
bem ajustado ao crânio, o corpo está rígido como
um bloco. Este Apóstolo tem, de facto,
muito da dignidade e da franqueza da escultura
arcaica grega.

Apóstolo em St.-Sernin de Toulouse, França

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O SUDOESTE DE FRANÇA

Outro centro importante da primeira escultura românica foi a abadia de Moissac,


um pouco ao norte de Toulouse.
O portal Sul da igreja, lavrado algumas décadas depois do Apóstolo de St.-Sernin,
manifesta uma riqueza de invenção que faria estremecer S. Bernardo.

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Na imagem vemos o magnífico mainel
(o parte-luz, ou pilar, que suporta o lintel) e a
ombreira ocidental.
Ambos têm um perfil lobulado parece que de
influência mourisca.
As formas humanas e animais são tratadas com
a mesma incrível flexibilidade, de modo que o
Profeta semelha um aranhiço encaixado a
preceito no seu poiso de incerta segurança.
E conserva ainda a liberdade de cruzar as
pernas, num movimento de dança, e de inclinar
acentuadamente a cabeça para dentro da igreja
enquanto desenrola o seu pergaminho.

porta sul da Igreja de Moissac, França

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porta sul da Igreja de Moissac, França

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porta sul da Igreja de Moissac, França

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porta sul da Igreja de Moissac, França

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Mas qual é a significação dos leões entrecruzados
que formam um ziguezague simétrico na parte frontal do parte-luz?

Parece que estão lá simplesmente para "animar" o fuste, como os bichos entrelaçados
das iluminuras irlandesas animavam os compartimentos onde eram inseridos.

Os leões entrecruzados refletem, contudo, uma outra procedência:


encontramo-los nos trabalhos persas de metal, de onde podemos segui-los até aos
animais afrentados da arte do Próximo Oriente Antigo.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Mas a sua presença em Moissac não pode ser plenamente explicada pelo valor
decorativo. Pertencem a uma ampla família de criaturas selvagens ou monstruosas da
arte românica que mantêm o seu poder demoníaco,
mesmo quando ficam reduzidos a uma função de suporte.

E o seu propósito não é meramente decorativo, mas expressivo;


incarnam as forças tenebrosas que foram domesticadas e reduzidas à condição de
figuras guardiãs, ou relegadas para um lugar onde ficam eternamente presas, por muito
que protestem rosnando...

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


porta sul da Igreja de Moissac, França

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No lado oriental sucedem-se, dentro da
arcadura, a Anunciação e a Visitação, assim
como a Adoração dos Magos.
Outras cenas da infância de Cristo estão
representadas no friso superior.
Aí encontramos os mesmos membros finos,
os mesmos gestos eloquentes que vimos no
Profeta do mainel; apenas as proporções dos
corpos e o tamanho das figuras variam
segundo o contexto arquitectónico.
Importou mais a vivacidade da narrativa do
que a coerência do tratamento.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt
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A BORGONHA

No tímpano (a superfície entre o lintel e as arquivoltas)


do portal nobre das igrejas românicas encontra-se geralmente uma composição que tem
por centro um Cristo em majestade (Cristo entronizado) e ora é a Visão do Apocalipse,
ora o Juízo Final, a cena mais pavorosa da arte cristã.

Na catedral de Autun, o último tema foi tratado com singular força expressiva.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt
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A BORGONHA

O mais belo dos tímpanos românicos talvez seja o de Vézelay,


perto de Autun, na Borgonha.

O seu tema, a Missão dos Apóstolos, tinha uma significação especial nessa época de
cruzadas, visto que proclamava o dever, para todo o cristão,
de levar evangelho até aos confins da Terra.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Ste. Madeleine de Vézelay, França

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A BORGONHA

Das mãos de Cristo que ascende majestosamente ao Céu


emanam os raios luminosos do Espírito Santo, caindo sobre os Apóstolos, todos com
textos da Sagrada Escritura, alusivos à sua missão.

O lintel e o compartimentos em redor do grupo central estão ocupados por


representantes do mundo pagão, uma verdadeira enciclopédia da antropologia
medieval que inclui toda a espécie de raças lendárias.

Na arquivolta (o arco que envolve o tímpano) reconhecemos os signos do Zodíaco e


alguns dos trabalhos próprios de cada mês do ano,
para indicar que a pregação da Fé não tem limites no tempo, nem no espaço.

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Ste. Madeleine de Vézelay, França

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Ste. Madeleine de Vézelay, França

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O ROMÂNICO PLENO NA PROVENÇA E NA ITÁLIA

A escultura dos portais de Moissac, Autun e Vézelay, embora de estilo variado,


possui numerosas qualidades comuns: intensa expressão, fantasia desenfreada, e
uma nervosa agilidade de forma que deve mais às iluminuras e aos trabalhos do metal
que à tradição escultórica da Antiguidade.
O Apóstolo de St.-Sernin, por contraste,
dava-nos uma impressão de acentuado sabor romano.

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O ROMÂNICO PLENO NA PROVENÇA E NA ITÁLIA

A influência dos monumentos clássicos é particularmente forte na Provença


(cheia de esplêndidos restos romanos), assim como na Itália.
Foi talvez esse o motivo da persistência do Românico naquelas regiões.
Perante o portal central da igreja de St. Gilles-du-Gard, uma das obras-primas da arte
românica, ficamos imediatamente impressionados pelo carácter clássico da moldura
arquitetural, com as suas colunas isentas,
as gregas da cornija e os acantos polpudos dos capitéis.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


O ROMÂNICO PLENO NA PROVENÇA E NA ITÁLIA

As duas grandes estátuas, talhadas quase em vulto-redondo,


têm peso e volume como o Apóstolo de St.-Sernin, embora, por serem meio século
mais recentes, também apresentem a mesma riqueza de pormenor que notámos nas
obras desses cinquenta anos.
Estão colocadas em mísulas assentes sobre feras agachadas, cujo maciço carácter
romano contrasta com as pequenas figuras da base (Abel e Caim)
que recordam o estilo de Moissac.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


St. Gilles-du-Gard, França

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


St. Gilles-du-Gard, França

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O ROMÂNICO PLENO NA PROVENÇA E NA ITÁLIA

As duas estátuas de St. Gilles aparentam-se à esplêndida figura do Rei David da


fachada da Catedral de Fidenza, na Lombardia, de Benedetto Antelami, o maior
escultor do Românico italiano.
Este David aproxima-se bastante do ideal da estátua autónoma, mais que qualquer outra
das que vimos até agora, da Idade Média.
O Apóstolo de St.-Sernin é uma figura dessas séries imutavelmente fixadas nos seus
nichos, enquanto o David de Antelami se encontra fisicamente livre e até dá indícios de
uma tentativa para readquirir o contrapposto clássico.

Trata-se de uma realização extraordinária, sobretudo porque pouco mais de cem anos a
separam do início do ressurgimento da escultura.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


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O VALE DO MOSA

O aparecimento de personalidades artísticas bem caracterizadas no século XII


é um facto raramente admitido, talvez porque contradiga a suposição muito espalhada
de que toda a arte medieval é anónima. Sendo invulgar, não pode ter-se por menos
significativo. Antelami não foi um caso isolado, e nem sequer o mais antigo.
O ressurgimento da individualidade artística também não ficou limitado à Itália.

Encontramo-lo numa região do Norte, o vale do Mosa, berço do "estilo de Reims" nos
tempos carolíngios, cuja arte está impregnada da mesma consciência das fontes clássicas
durante o período românico.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


O VALE DO MOSA

É interessante verificar que também aqui o ressurgimento da individualidade


andou associado à influência da arte antiga, apesar de esta não ter dado origem a obras
de escala monumental.

A escultura românica do vale do Mosa ganha a primazia no trabalho do metal, como na


esplêndida pia baptismal de 1107-1118, de Liège, que é a obra-prima do mais antigo
dos artistas conhecidos da região, Rener de Huy.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


pia baptismal, St. -Barthélemy, Liège, França

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O VALE DO MOSA

A bacia repousa sobre doze bois, (símbolos dos doze apóstolos), tal como a fonte de
Salomão no Templo de Jerusalém, descrita na Bíblia.
Os relevos formam um contraste elucidativo com os das Portas de Bernardo ,
quase da mesma altura.
Em vez da rude força expressiva do painel otoniano, encontramo-nos perante um
harmonioso equilíbrio de traçado, um subtil domínio das superfícies esculpidas, e uma
compreensão da estrutura orgânica que, numa linguagem medieval, são
espantosamente clássicos.
A figura vista de costas (atrás da árvore da esquerda), com o seu gracioso movimento de
rotação e o panejamento de aparência grega, podia ser tomada por uma obra da
Antiguidade Clássica.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


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A GERMÂNIA

A única estátua monumental autónoma da arte românica — ou, pelo menos,


a única que existe — é a de um animal e está integrada num ambiente mais secular que
religioso: o leão de bronze, em tamanho natural, que o duque Henrique, o Leão, da
Saxónia, colocou em frente do seu palácio de Brunsvique, em 1166.

A magnífica fera (que naturalmente personifica o duque ou pelo menos o modo de ser
que lhe deu o cognome) lembra-nos de modo curioso a loba arcaica de Roma.
A semelhança talvez não seja inteiramente fortuita, porque a Loba do Capitólio estava
nesse tempo à vista de toda a gente e devia atrair fortemente os escultores românicos.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Leão em bronze, Praça da Catedral, Brunsvique, Alemanha

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


A GERMÂNIA

Mas os parentes mais próximos do Leão de Brunsvique são os incontáveis gomis de


bronze, com a forma de leões, dragões, grifos, etc., que começaram a usar-se no século
XII, para a lavagem ritual das mãos, durante a Missa.
Estes vasos — outro exemplo de monstros prestando serviços humildes ao Senhor —
eram de inspiração próximo-oriental.

O encantador exemplar da imagem seguinte não esconde a sua descendência


dos animais alados da arte persa,
transmitidos ao Ocidente pelo comércio com o mundo islâmico.

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gomil em bronze dourado, região do Mosa

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A Pintura

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Ao contrário do que se deu com a arquitetura e a escultura,
a pintura românica não teve um desenvolvimento súbito e revolucionário que a
distinguisse logo da carolíngia ou da otoniana.

Isso não significa que fosse uma arte menos importante nos séculos XI e XII
que durante a Alta Idade Média.
Houve, sim, maior continuidade na tradição pictural,
sobretudo nas iluminuras de manuscritos.

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A FRANÇA

Pouco depois do ano 1000 surge um estilo de pintura que corresponde (e muitas vezes a
precede) à escultura românica monumental.
A nova concepção afirma-se claramente no S. Marcos de um Evangeliário executado
c. 1050 no mosteiro de Corbie, no Norte de França.

O movimento rodopiante e retorcido das linhas, que atinge não só a figura do


Evangelista, mas também o leão alado, o pergaminho e a cortina, lembram as
iluminuras carolíngias da Escola de Reims, como o Evangeliário de Ebbo, semelhança
que melhor nos fará apreender as diferenças entre as duas obras.

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A FRANÇA

No manuscrito de Corbie, desapareceram todos os vestígios do ilusionismo clássico:


o modelado fluido da Escola de Reims, com a sua sugestão de luz e de espaço,
deu lugar aos contornos firmemente desenhados,
preenchidos de cores densas e brilhantes, pelo que os aspectos tridimensionais da
pintura ficaram reduzidos a uma sobreposição de planos lisos.

A iluminura de Corbie, contrariamente às anteriores, pode ser transferida para uma


parede, um vitral, uma tapeçaria, ou um painel em relevo,
sem perder nenhuma das suas qualidades essenciais.

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S. Mateus de Evangeliário de Corbie, França

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A FRANÇA

Podemos verificá-lo se a compararmos ao tímpano de Vézelay, onde os mesmos


motivos de roupagem plissada foram traduzidos em termos escultóricos, ou à chamada
Tapeçaria de Bayeux, uma guarnição parietal bordada de c. 70 metros de comprimento,
narrando a invasão da Inglaterra por Guilherme o Conquistador.

No pormenor seguinte, que representa a Batalha de Hastings, o parentesco com o


manuscrito de Corbie estende-se até ao estrebuchar dos cavalos derrubados, em
posições flagrantemente semelhantes à do leão na iluminura.

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Tapeçaria de Bayeux, França

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A FRANÇA

Contornos firmes e poderoso sentido das formas


são igualmente característicos da nova pintura mural.
A Construção da Torre de Babel pertence ao mais impressionante ciclo de pinturas
românicas ainda conservadas, o da abóbada da nave de St. Savin-sur-Gartempe.

É uma composição intensamente dramática, plena de vigor: o próprio Senhor,


à esquerda, participa diretamente na ação, dirigindo-se aos construtores do colossal
edifício. À direita opõe-se-lhe a figura do gigante Nimrod, o dirigente das obras, que
entrega freneticamente os blocos de pedra aos pedreiros que trabalham no cimo da
torre: a cena descreve urna prova de força entre Deus e o Homem.

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A Construção da Torre da Babel, St. Savin-sur-Gartempe, França

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A REGIÃO DO CANAL

Embora na pintura românica, como aliás na arquitetura e na escultura,


tivesse florescido uma larga variedade de estilos regionais,
as suas mais belas realizações nasceram nos scriptoria monásticos do norte da França,
da Bélgica e da Inglaterra meridional.
As obras produzidas nesta área têm tal parentesco de estilo que é por vezes impossível
saber se um manuscrito é de um ou outro lado do canal da Mancha.

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A REGIÃO DO CANAL

Assim, a maravilhosa iluminura de S. João tanto se atribui a Cambrai como a Cantuária.


Aqui, o desenho linear abstracto do manuscrito de Corbie foi enriquecido por influência
bizantina sem perder o enérgico ritmo próprio.

É o dinamismo de cada contorno, disciplinado com precisão


(tanto da figura principal como do enquadramento) que une os variados elementos da
composição num todo coerente.

Característica que não oculta a sua fonte celta-germânica; se compararmos esta


iluminura aos Evangelhos de Lindisfarne, logo percebemos quanto contribuíram para
o traçado da página de S. João os motivos entrelaçados da Alta Idade Média bárbara.

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S. João, Evangeliário do Abade Wedricus, França

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A REGIÃO DO CANAL

Volvidos os meados do século XII, teve inicio uma importante mudança de estilo na
pintura românica, num e noutro lado do Canal da Mancha.

O Retrato de um Médico, de um manuscrito de medicina, de c. 1160,


apresenta surpreendentes diferenças em relação à iluminura de S. João,
apesar de pintado na mesma região.

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A REGIÃO DO CANAL

Em vez de motivos abstractos, encontramos linhas que recuperaram de súbito


a capacidade de descrever configurações tridimensionais;
os panejamentos já não possuem uma feição ornamental própria mas sugerem o volume
arredondado do corpo, reaparecendo também o interesse pelo escorço.

Aqui surge enfim o equivalente pictural desse classicismo que vimos na pia baptismal de
Rener de Huy em Liège. De facto, é muito provável que esta iluminura também fosse
executada na mesma cidade e a suas linhas incisivas e firmes dir-se-iam gravadas em
metal, mais que desenhadas à pena e a pincel.

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Retrato de um Médico, Londres

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A REGIÃO DO CANAL

Não é tão estranho como parece à primeira vista admitir que a origem do novo estilo
se encontre no trabalho dos metais, porque tem um cunho essencialmente escultórico,
mais que pictural.
Além disso, as artes do metal (nas quais se incluem, além da escultura fundida e
repuxada, a cinzelagem, os esmaltes e a ourivesaria) estavam altamente desenvolvidas
no vale do Mosa, desde o tempos carolíngios.

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A REGIÃO DO CANAL

O seu principal especialista, depois de Rener de Huy, foi Nicholas de Verdun, em cuja
obra o estilo do desenho classicizante e tridimensional chega à plena maturidade.

As placas gravadas e esmaltadas do altar de Klosterneuburg, que ele acabou em 1181


pertencem claramente à mesma tradição da iluminura de Liège,
mas as figuras, envoltas nas roupagens agitadas e "húmidas" já nossas conhecidas de
inúmeras estátuas clássicas, possuem tal estrutura orgânica e liberdade de movimento
que mais nos parecem autênticas precursoras da Arte Gótica
do que representantes da última fase do Românico.

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A Passagem do Mar Vermelho, Nicholas de Verdun, França

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A REGIÃO DO CANAL

Por toda a Europa do Noroeste despertara um interesse pelo homem e pelo mundo
natural e este aspecto reflete-se especialmente em certa poesia lírica que canta a alegria
de viver, como os bem conhecidos Carmina Burana, compostos ao findar o séc. XII
e conservados num manuscrito iluminado do início do séc. XIII.

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A REGIÃO DO CANAL

Já é bem significativo que uma coleção dedicada largamente — e às vezes com muita
desenvoltura — aos deleites da natureza, do amor e da bebida,
fosse enriquecida com ilustrações.

E ainda mais surpreendidos ficamos quando descobrimos que uma das iluminuras,
ilustrando um poema em louvor da Primavera, representa uma paisagem — a primeira,
tanto quanto sabemos, da arte do Ocidente, desde a época tardo-romana.

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Paisagem de Primavera, Carmina Burana, Munique, Alemanha

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A REGIÃO DO CANAL

As árvores, as trepadeiras e as flores continuam a ser tão abstractas que não podemos
identificar uma só espécie (as aves e os quadrúpedes,
provavelmente copiados de um tratado de zoologia, são muito mais realísticos);
todavia, estão dotadas de uma estranha vitalidade própria que parece fazê-las brotar
e desabrochar, como se o crescimento de uma estação inteira fosse condensado nalguns
instantes frenéticos.

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A REGIÃO DO CANAL

Estas gigantescas plantas traduzem a exuberância da Primavera


— uma energia acumulada de súbito liberta — muito mais intensamente
que qualquer vegetação normal.

O artista criou uma paisagem de conto de fadas; não obstante, o seu mundo encantado
evoca aspectos essenciais da realidade.

Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt


Ricardo Gonçalves · rgoncalves@ese.ipp.pt
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