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Romãnico
Romãnico
Neste sentido, toda a arte medieval anterior a 1200, na medida em que revele qualquer
laço com a tradição mediterrânica, pode ser designada por "românica".
Sob esse aspecto, é mais parecido com a arte da Europa bárbara que com os estilos de
corte, embora nele se incluam a tradição carolíngio-otoniana juntamente com muitas
outras, menos evidentes, como os elementos tardo-romanos, paleocristãos e bizantinos,
algumas influências islâmicas e a herança céltico-germânica.
Não menos importante foi a reabertura das vias comerciais do Mediterrâneo pelos barcos
de Veneza, Génova e Pisa: além do reavivamento do comércio e da indústria,
houve o consequente desenvolvimento da vida urbana.
Sob muitos aspectos a Europa Ocidental entre 1050 e 1200 tornou-se muito mais
"românica" do que fora desde o século VI, recuperando algumas das formas do comércio
internacional, a vida urbana e a força militar dos tempos imperiais antigos.
As igrejas não só eram mais numerosas que as da Alta Idade Média, foram também
maiores, de estrutura mais complexa e mais "romanas" de aspecto,
porque as suas naves tinham agora abóbadas, em vez de vigamentos de madeira,
e as suas fachadas, ao contrário dos templos paleocristãos, bizantinos, carolíngios e
otonianos, ostentavam uma decoração arquitectónica e até esculturas.
A planta salta logo à vista, por mais complexa e de maior unidade que a das igrejas
anteriores, como St. Riquier ou S. Miguel de Hildesheim: forma uma acentuada cruz
latina, com o centro de gravidade na cabeceira.
Não foi delineada para servir apenas uma comunidade monástica,
mas para receber grandes multidões de fiéis.
O que tornou possível este alçado de três andares (arcadas da nave, trifório, clerestório)
foi a utilização da abóbada do berço quebrado que produzia
um empuxo mais para baixo que para fora.
A abóbada da nave não tem arcos torais (ou de reforço) porque devia oferecer uma
superfície lisa contínua para suporte de pinturas a fresco.
O seu grande peso recai diretamente sobre arcadas de majestosas colunas.
A nave central está muito bem iluminada,
porque as colaterais se erguem quase à sua altura e possuem janelas largas.
A cabeceira é do tipo de peregrinação.
As três naves — central e colaterais — destas igrejas-salão (se como tal as podemos
classificar) são cobertas por um telhado único, como em St. Savin.
Um largo friso com figuras corre de lado a lado sobre o portal profundo
e emoldurado por arquivoltas e grossas colunas.
Na arquitetura românica lombarda, tanto era alimentada como retardada uma tradição
arquitetural ininterrupta, desde os tempos romanos e paleocristãos,
incluindo a dos monumentos de Ravena.
Isto torna-se evidente num dos seus mais veneráveis e importantes edifícios,
S. Ambrogio de Milão, construído no local ocupado por uma igreja do século IV.
A nave, um terço mais alta e mais larga que a de Durham, tem um amplo clerestório,
pois fora planeada para uma cobertura de madeira; no início do século XII, foi dividida
em tramos quadrados e coberta por pesadas abóbadas de aresta simples,
mais aparentadas ao tipo lombardo que ao normando.
A única tradição escultórica contínua da Alta Idade Média foi a da pequena escultura:
além de relevos de tamanho reduzido, encontramos estatuetas de metal ou de marfim.
A sua relação com o movimento das peregrinações parece assaz lógica, porque a
escultura arquitetural, especialmente quando é inserida na fachada das igrejas, se dirige
mais aos crentes leigos que aos membros das comunidades monásticas.
A sua relação com o movimento das peregrinações parece assaz lógica, porque a
escultura arquitetural, especialmente quando é inserida na fachada das igrejas, se dirige
mais aos crentes leigos que aos membros das comunidades monásticas.
Parece que estão lá simplesmente para "animar" o fuste, como os bichos entrelaçados
das iluminuras irlandesas animavam os compartimentos onde eram inseridos.
Na catedral de Autun, o último tema foi tratado com singular força expressiva.
O seu tema, a Missão dos Apóstolos, tinha uma significação especial nessa época de
cruzadas, visto que proclamava o dever, para todo o cristão,
de levar evangelho até aos confins da Terra.
Trata-se de uma realização extraordinária, sobretudo porque pouco mais de cem anos a
separam do início do ressurgimento da escultura.
Encontramo-lo numa região do Norte, o vale do Mosa, berço do "estilo de Reims" nos
tempos carolíngios, cuja arte está impregnada da mesma consciência das fontes clássicas
durante o período românico.
A bacia repousa sobre doze bois, (símbolos dos doze apóstolos), tal como a fonte de
Salomão no Templo de Jerusalém, descrita na Bíblia.
Os relevos formam um contraste elucidativo com os das Portas de Bernardo ,
quase da mesma altura.
Em vez da rude força expressiva do painel otoniano, encontramo-nos perante um
harmonioso equilíbrio de traçado, um subtil domínio das superfícies esculpidas, e uma
compreensão da estrutura orgânica que, numa linguagem medieval, são
espantosamente clássicos.
A figura vista de costas (atrás da árvore da esquerda), com o seu gracioso movimento de
rotação e o panejamento de aparência grega, podia ser tomada por uma obra da
Antiguidade Clássica.
A magnífica fera (que naturalmente personifica o duque ou pelo menos o modo de ser
que lhe deu o cognome) lembra-nos de modo curioso a loba arcaica de Roma.
A semelhança talvez não seja inteiramente fortuita, porque a Loba do Capitólio estava
nesse tempo à vista de toda a gente e devia atrair fortemente os escultores românicos.
Isso não significa que fosse uma arte menos importante nos séculos XI e XII
que durante a Alta Idade Média.
Houve, sim, maior continuidade na tradição pictural,
sobretudo nas iluminuras de manuscritos.
Pouco depois do ano 1000 surge um estilo de pintura que corresponde (e muitas vezes a
precede) à escultura românica monumental.
A nova concepção afirma-se claramente no S. Marcos de um Evangeliário executado
c. 1050 no mosteiro de Corbie, no Norte de França.
Volvidos os meados do século XII, teve inicio uma importante mudança de estilo na
pintura românica, num e noutro lado do Canal da Mancha.
Aqui surge enfim o equivalente pictural desse classicismo que vimos na pia baptismal de
Rener de Huy em Liège. De facto, é muito provável que esta iluminura também fosse
executada na mesma cidade e a suas linhas incisivas e firmes dir-se-iam gravadas em
metal, mais que desenhadas à pena e a pincel.
Não é tão estranho como parece à primeira vista admitir que a origem do novo estilo
se encontre no trabalho dos metais, porque tem um cunho essencialmente escultórico,
mais que pictural.
Além disso, as artes do metal (nas quais se incluem, além da escultura fundida e
repuxada, a cinzelagem, os esmaltes e a ourivesaria) estavam altamente desenvolvidas
no vale do Mosa, desde o tempos carolíngios.
O seu principal especialista, depois de Rener de Huy, foi Nicholas de Verdun, em cuja
obra o estilo do desenho classicizante e tridimensional chega à plena maturidade.
Por toda a Europa do Noroeste despertara um interesse pelo homem e pelo mundo
natural e este aspecto reflete-se especialmente em certa poesia lírica que canta a alegria
de viver, como os bem conhecidos Carmina Burana, compostos ao findar o séc. XII
e conservados num manuscrito iluminado do início do séc. XIII.
Já é bem significativo que uma coleção dedicada largamente — e às vezes com muita
desenvoltura — aos deleites da natureza, do amor e da bebida,
fosse enriquecida com ilustrações.
E ainda mais surpreendidos ficamos quando descobrimos que uma das iluminuras,
ilustrando um poema em louvor da Primavera, representa uma paisagem — a primeira,
tanto quanto sabemos, da arte do Ocidente, desde a época tardo-romana.
As árvores, as trepadeiras e as flores continuam a ser tão abstractas que não podemos
identificar uma só espécie (as aves e os quadrúpedes,
provavelmente copiados de um tratado de zoologia, são muito mais realísticos);
todavia, estão dotadas de uma estranha vitalidade própria que parece fazê-las brotar
e desabrochar, como se o crescimento de uma estação inteira fosse condensado nalguns
instantes frenéticos.
O artista criou uma paisagem de conto de fadas; não obstante, o seu mundo encantado
evoca aspectos essenciais da realidade.