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O PENSAMENTO DE MAX WEBER. Max Weber inicia sua carreira universitaria em 1893, co- mo professor extraordinario de Direito Mercantil e Romano na Universidade de Berlim, Em 1894 assume a Cadeira de Economia Politica na Universidade de Hamburgo e em 1897 leciona na Universidade de Heidelberg. Em 1903 grave crise nervosa afasta-o da citedra. Em 1918 & convidado para reger a Cadeira de Sociologia na Uni- versidade de Viena. Em 1919 encontra-se em Munique como: professor de Ciéncias do Estado, Em 14 de junho de 1920 morre. Weber iniciou na producdo intelectual defendendo uma tese de doutoramento sobre as “Associagées Mercantis na Ida- de Média”. Em 1891 escreve célebre artigo a respeito da “De- cadéncia agraria de Roma antiga”. Em 11904-1905 elabora sua tese classica a respeito das relacées entre a ética protestante € 0 espirito capitalista. No apés guerra participa da comisséio de juristas encarregada de elaborar a Constituigdéo de Weimar. Max Weber foi fildsofo negando a Filosofia. Para éle bas- tava a Historia para fundamentagao da objetividade do pensa- mento histérico social. Olhava sua época como historiador e a Historia a luz de sua época. Em Weber estamos diante de uma histéria que nfo des- conhece as irregularidades e de uma sociologia que néo eli- mina nem os acidentes nem as idéias sébre as vontades hu- manas. Nao sé tinha paixdo pela descoberta das férgas que configuram a sociedade ocidental, como acreditava na acio como meio de influéncia nela. Nas eleigdes para a Assembléia de Weimar seu nome néo féra inclufdo na lista do Partido Liberal: éle poderia ter rom- pido a disciplina burocratica. Nao querendo fazer concessées aos “nobres” do Partido, retira-se e renuncia a uma politica em alto nivel. Falhou na politica por elevada moral de res- ponsabilidade, nao transigia, era um individualista e asceta. — 170 — Voltava ao estudo, 4 sua posigao ascética e individualis- ta, exortava seus alunos a manterem-se em seu trabalho espe- cializado, restringindo-se as obrigagées quotidianas. Reafirma essa posicéo ao atestar a honestidade politica de Ernst Toller, dramaturgo, pondo em relévo seu idealismo ex- clamando: Deus na sua ira ndo féz o homem politico Aceitou como integrante da Comiss&o que elaborou a Cons- tituigéo de Weimar, a eleicéo plebiscitaria do Presidente da Republica, dando ao mesmo poderes discriciondrios. Embora @le introduzisse o direito de inquérito por meio do qual a opo- sigdo controlaria 0 govérno, no fundo esperava a salvagao ca- rismatica da democracia. © drama politico de Weber, era a preocupacio de criar quadros dirigentes politicos, nao pela via burocrdtica como féz Bismarck, mas pela via parlamentar, e por isso cho- cou-se com a realidade germanica. Apés a unificagdo de 1870 deu-se a vitéria da Prussia sé- bre a Alemanha. Dentro déste quadro movia-se o liberalismo germanico com suas inconsisténcias. Seus dilemas politicos e suas perplexidades foram “vividos” na personalidade de We- ber até 0 paroxismo. Nao representaria sua doenga no plano pessoal, a crise do liberalismo alemao do apés-guerra, cuja debilidade levou 4 vitéria do nazismo? Possuia uma visio desencantada do mundo, de idéias sem elemento magico, geradas por uma coeréncia sistematica, We- ber é um dos ultimos liberais. O nazismo intrigaria a ésse ser- vo da ciéncia. Concebia a politica como uma lutea sem tréguas pelo irite- résse da comunidade. Nessa luta dava-se a antinomia entre a ética de conviegio € a ética de responsabilidade. Existe a’ pri- meira, quando se age com justiga colocando o éxito nas maos de Deus, e a segunda, quando é necessario responder as con- seqiiéncias da propria agao. Em tom profético, cré que os ale- mies seriam responsaveis ante a histéria, se a tirania russa ou 0 convencionalismo anglo-saxéo chegassem a dominar o mundo. Teoria e praxis em Weber. A sua concepgao de politica é inteiramente ligada a sua concepgao de ciéncia, A ciéncia justifica-se nas possibilidades — im — ‘da. ago racional, mas a agio s6 é responsdvel, se iluminada pelo. conhecimento racional: dai a ética da responsabilidade. Max Weber é 0 maior representante do humanismo libe- ral, situando-se mais a esquerda do liberalismo classico. Nes- sd-época elabora a tese do lider carismético, demonstrando a polaridade dialética burocracia-carisma como constante nas es- truturas de poder na civilizacdo ocidental. Por ter elevada moral de responsabilidade, Weber falhou na “praxis” politica, Educado no circulo do liberalismo ale- mao, ante a unido dos industriais e “junkers” em trno do militarismo prussiano, nfo teve campo para desenvolver uma politica em grande estilo, vivendo nos wltimos anos como um profeta desarmado, prenunciando a tragédia do destino ale- mao entregue aos “junkers” e ao irracionalismo. Sua concepgiio de ciéncia esta ligada A tradicdo kantiana. ‘Resigna-se a um conhecimento empirico, 4 ordenacéo da ex- plicagdo conforme relagées causais. Recebe esta heranca por intermédio de Rickert. Para Rickert existe 0 mundo sensivel infinito, dai nenhum .sistema de leis esgotar os fins de uma ciéncia da cultura, o im- portante é criar uma realidade significativa e fundar a objet- ‘vidade do conhecimento histérico. Existe o valor admitido por itéda ciéncia: a verdade; isso justifica a possibilidade do conhe- cimento histérico e cientifico. No entanto, a escdlha do objeto histérico depende das vontades de valor do homem politico, dai deduz Rickert: 1) o fato histérico € singular; 2) a selecdo pe- los valores. Dai decorrer 0 nominalismo de Weber e sua énfase na explicacao estrutural e principios individualizadores de expla- nacGo; isso influiré como veremos depois na construgao do “ti- po ideal” de Weber, representado pelo “cortigiano” do Renas- cimento, pelo “burocrata” ocidental ou pelo “puritano” pro- testante. A preocupagéo de Weber consiste em estruturar uma cién- cia, sem pressupostos, fundando no interior dela a liberdade do homem, sem julgamento de valor. Como Rickert fala em rela- cionar os valores & época estudada, Weber fala de nossos valo- res. Assim, impomos ao passado nossas questées, sem 0 que, no hé ciéncia histérica. Resigna-se Weber dentro da tradicéo kantiana a um co- nhecimento meramente empirico, dai perde-se a £6 no conheci- mento da esséncia das coisas; nao existem definigées verdadei- as ou falsas, mas, definigdes mais ou menos fecundas. — 172 — A grandeza de Weber consiste em separar a ciéncia e 4 po- litica de todo julgamento de valor, une na medida em que a ciéneia proporciona um conhecimento valido para a ago. A ciéncia é imutil como ciéncia-exclusivamente positiva, a politica é honesta na medida em que é fundamentada cientifi~ camente. A ciéncia ou a realidade nao podem impor leis, a ciéneia é incapaz de profecia ou de visdo total: deixa ao homem. inteira liberdade, cada um decide por si. ‘Weber distingue no plano légico entre o que existe e o que deve ser, 0 “sentido” do mundo é dado por nés: eis uma diferenga entre as ciéncias da cultura e as ciéncia da natu- reza. ‘ © nominalismo de Weber e sua tendéncia a individuali zagao de fendmenos, nAo leva a leis, mas A atribuigdo de efei- tos concretos a partir de uma causa concreta. As “leis mar- xistas” para Weber sao uteis como instruments de investiga~ ¢&o, mas sio perniciosas quando consideradas empiricamente validas. Max Weber define como ideal de trabalho do homem oci-- dental, o conhecimento especializado. Assim “a ciéncia hoje em dia é uma profissdo especializada a servico da consciéncia de si mesma e da situagéo de fato e nfo constitui uma graca de visionarios oa profetas,. fornecendo meios de salvagio ou de revelacio, ou cons- tituindo-se em elemento de meditagao de sdbios e filéso- fos sébre o pretenso significado do mundo; ela constitui um dado de fato insepardvel Ja nossa historicidade, a qual devemos permanecer fiéis, sem evasio possivel” (1) Esse respeito A ciéncia como saber especializado e secula~ rizado liga-se ao problema da transmisséo do conhecimento. Nao concebe o significado do ensino ou da ciéncia como “men- sagem” ou profecia, mas como saber secularizado transmit do por individuos com forma especializada. Dai a importancia do professor universitario referir-se aos aspectos empiricamente validos sem a preocupagio escatolé- gica, “porque a cétedra nao esté a disposicéo de profetas ou demagogos. Ao profeta e ao demagogo cabe dizer: si ga pela estrada e fale piiblicamente. Fale onde é possi~ vel a critica” (2). (1). — Max Weber, Wissenschaft als Beruf, pég. 73. (2). — Tide —~ 173 ~ A metodologia de Weber — 0 “tipo ideal”. Assim como Durkheim construiu o tipo social exemplifi- -cado no conceito de solidariedade organica e mecanica, Max Weber construiu o tipo ideal. Sua construgdo decorre da necessidade de Weber compre- ender a singularidade do social com o objetivo de chegar a uma ciéncia da agfio social. O conhecimento do universal serve pa- ra explicar 0 individuo “histérico”, dai os “tipos ideais™ do “capitalismo racional”, “dominacdo patrimonial”, “dominagao burocratica” ou “cristianismo”. Reagindo ao naturalismo da época e influenciado por Dil- they e Simmel, Weber procura situar 0 conhecimento em tér- mos de compreensao, pois os fatos humanos possuem signifi- ‘eados, opondo-se a descricdo' nas ciéncias da natureza. O material histérico que Weber recolhe como objeto des- sa compreensao esta em estrita dependéncia da Escola Histérica alema. Compreenséo e condicionamento histérico, sao dois pila- res do sistema weberiano. A utilidade heuristica dos tipos “puros” ideais como “feu- dal”, “patrimonial” ou “carismatico”, no sentido univoco, es- td ligada ao fato de possuir nfo sé uma adeqiiagdo de sentido mais pleno possivel, tendo tanta precisie e univocidade, que permanecam estranhes ao mundo, para que assim sua impor- tancia terminoldgica, heuristica e classificatéria, seja maior. A univocidade dos conceitos implica em que sejam rela- tivamente vazios diante da realidade concreta do histérico. Os degraus da construcdo tipolégica pela via da compre- nso sao apontados por Weber: a) pela captac&o interpretativa do sentido da agao social pensada no particular — consideragio histérica; b) aco social pensada em térmos de média de modo apro- ximativo na consideracdo sociolégica de massa e c) na construgao cientifica — pelo método tipolégico, pa- ra elaboragao do tipo ideal de um fenémeno recorrente. Da agio social e relacio social em graus cada vez mais complexos de desenvolvimento légico passando pela “ordem legitima”, Weber estrutura os tipos de dominagao. Essa construgao valeu-lhe ‘criticas porque — 1% — “nao elaborou com bastante rigor a estrutura légica: do tipo ideal. Nem tampouco teve em conta a conexao interna entre adeqiiagao de sentido ¢ adeatiado causal” (3). A valorizacéo da agdo social como objeto da Sociologia encarando-a pelo sentido “pensado” pelo sujeito e por outro lado, a historicizagao das tormas de agdo social nos tipos ideais. histéricos, situam Max Weber entre a Psicologia social e a Histéria. ‘A adocao do método compreensivo por Weber leva-o 4 én- fase na explicagdo estrutural do surgimento das peculiarida- des que caracterizam a civilizagdo ocidental, tendo como te- ma central de suas preocupacées tipificadas nos conceitos, ra~ cionalizagao e secularizagiéo e em térno do desenvolvimento: progressivo dos mesmos, como tipicos de nossa civilizacao, é que estrutura o “sentido” do “saber teolégico-dogmatico”, “sa- ber juridico”, “burocracia” e “patrimonialismo” ocidentais. © tipo ideal heuristicamente considerado, atinge sua conere- ¢40 no plano da historicidade e a resposta a esta indagagao en- contramos na obra Gemeinschaft und Geselschaft e Die pro- testantische Ethik und der Geist fiir der Kapitalismus. Na pri- meira, fundamenta uma sociologia da religiao, do direito, da cidade e das formas de dominacdo; e na Ultima, estuda as re- lagSes existentes entre a ética puritana e a criagdo de um cli- ma moral propicio ao desenvolvimento do capitalismo, servin- do como “motivagdo” da acéo humana. O tipo ideal, em lugar do geral, retém 0 que é individual, o que é dnico. Constitui um trabalho de reflexio pessoal. O investigador faz uma idéia esquematica do objeto e procura ver em que medida o esquema aplica-se ao mesmo. O conceito nao corresponde a uma realidade empirica, 6 um instrumento- de trabalho. E’ impossfvel ciéncia sem definicées rigorosas. E” na matemitica, especialmente na geometria, que encontramos definigdes ideais. As definicdes de Weber nao séo do tipo do pensamento francés e americano, que procura encontrar uma verdade fo- ra de nés; caracterizam-se pela subjetividade, sdo imagens mentais por éle elaboradas. Para Weber a defini¢do caracte- Tiza-se pela fecundidade. Assim, a mais fecunda é a melhor na medida em que nos propée novos problemas. J4 mostramos acima a interrelagéo existente entre méto- do compreensivo e andlise estrutural. Acresce notar que ésse’ (2), —F. Kauffman, Metodologia de Jas clencias soctates, pig. 297 — 1% — ponto de vista leva a procura do conhecimento do comporta- mento social dos homens (agéo social) e 4 sua finalidade so- ciolégica. Sua sociologia caracteriza-se pelo finalismo: o presente é determinado pelo futuro, pelos objetivos dos homens; tem um caréter individualista ao situar que é 0 homem que pensa e no o grupo. Elabora uma visao da sociologia da consciéncia postulando que sé compreendemos o que esta no nivel da in- telectualizacao. O que néio quer dizer que Weber caia no psi- cologismo, enquanto a psicologia se ocupa das coisas de um ponto de vista geral, Weber procura o que ha de original: © tipo. A psicologia estuda o homem em geral, Weber estu- da-o em particular, interessa-se pelo homem do século XIX, de uma sociedade determinada. O tipo ideal de Weber nao é uma idéia filosdfica, é cien- tifica, distingue-se do economista, na medida em que é: a) histérico; b) submetido a verificacao respeitando téda hipétese nao produtiva. A procura do estabelecimento de relagées causais entre os fenémenos, leva Max Weber a provar uma hipdtese de traba- Tho. A é Causa de B. Para saber isso elimina A para saber se B continua existindo. Essa eliminagao da-se por intermédio da comparagao entre fatos e idéias. A sociologia religiosa. Max Weber na sua célebre obra Die protestantische Ethik und der Geist fiir Der Kapitalismus, publicada in Gesamtte Aufsiitze zur Religionssoziologie (Tubingen, 1920), estudando a estatistica sébre a composicéo social nos paises onde ha diver- sas confissées religiosas, concluiu que os protestantes sio pro- porcionalmente o mais numerosos entre os possuidores de ca- pital, fornecendo maior contingente de operdrios qualificados na industria. Se éles figuram como empresdrios do desenvolvimento capitalista, deve haver légicamente uma relacdo entre sua re- ligido e sua atividade. Tempo é dinheiro, crédito é dinheiro, sé o dinheiro é pro~ lifico, a preocupagdo de ser pontual nos pagamentos, a pro- cura de bens constituindo um dever, sfio as normas da ética puritana. : — 176 — Predominio da moral da acumulagio de riqueza e do de- -ver profissional influindo em consideraveis massas (der kapi- ttalistisehe Geist als Massenerscheinung) . Entre os operdrios que se adaptam A revolugdo tecnolé- gica, figuram em primeiro plano os pietistas, considerando 0 ‘trabalho como um dever essencial. No século XVII, os me- ’todistas suscitam a oposigéo de seus companheiros de traba- Tho devido a sua atitude perante a produciio, considerando a in- tensificagdo do ritmo de trabalho como uma espécie de obe- -diéncia a um mandamento divino. Contrariamente a Sombart, defensor da tese que atribui ‘ao espirito racional a formacio da emprésa capitalista, Weber mostra que a Franga e a Itdlia, bergo da filosofia das “luzes”, ndo assistiram a tal desenvolvimento, tal papel coube a Ingla- terra, onde predominavam como dominantes, valores irracio- nais, a procura do lucro por um sentimento de dever. A etiologia do espirito capitalista esta ligada ‘para Weber ao térmo vocagio. Mostra éle que antes da Reforma o mesmo m&o designava nenhuma atividade profissional no sentido pro- fano. Coube a Lutero traduzir trabalho e profissio por Beruf, utilizado nas tradugdes da Biblia do século XVI. A palavra vocation penetrou na literatura protestante apés essas. pri- meiras tradugées, nada disso encontra-se entre 0s povos ca- ‘télicos. Coube ao pensamento da Reforma atribuir ao trabalho um -valor ético e religioso, o cumprimento minucioso das tarefas profanas, designadas por vocagao. O calvinismo e as seitas puritanas derivadas empregaram a acepgio vocagao profissio- nal a tédas as atividades lucrativas. Corresponde ao desenvolvimento do capitalismo e da cul- tura na Holanda, Inglaterra e Franca dos séculos XVI e XVII, o dogma da predestinagao nas igrejas calvinistas, é 0 Hogma “basico mediante o qual o homem vive pela honra de Deus, em comunho individual com 0 mesmo. Dai o individualismo cal- vinista. Tudo que o homem empreende por Deus ou seu prdéxi- mo, tem um carter utilitario, util A gléria de Deus, cumprida mediante o ascetismo. Todos atos do individuo possuem valor religioso, contro- lados metédicamente, da{ certos puritanos chamarem-se “me- todistas”. O moralismo calvinista 6 estimulado pela certeza que esté salvo pelo soberano decreto de Deus. Se o homem é reprova- «do — introdugao do ideal ascético nas atividades mais profa- — m7 ‘nas — 1sto aparece no seu comportamento, nas tarefas — e se € eleito. Tédas suas atividades tém as béncdos de Deus. E’ uma santificagao controlada com o deve e o haver da conta- bilidade comercial . Qual é a relag&o entre a ascese profissional calvinista e 0 espirito capitalista? ‘A esta indagacdo responde Max Weber que a relacdo en- tre a ética puritana e a génese do capitalismo féra definida por Baxter, para quem a gléria de Deus é incompativel com a ociosidade dos eleitos, ou o gézo tranqiiilo das riquezas, s6 a ago importa: perder tempo é€ 0 mais grave dos pecados. Pontualidade, retidao, ao lado da realizagao intensa da von- tade divina nas tarefas profissionais, dai a tese de Sao Paulo, “quem nao trabalha nao come”. Deus indica a cada um sua voeagéo, A qual deve consagrar-se como imperativo divino e pela sua maior gléria de Deus. Segundo Weber, a concepeao puritana, mediante a qual ‘os interésses profissionais se interpenetram dentro de uma ot- dem providencial, devida ao trabalho (an thren Friichten) con- -duz a melhora qualitativa e quantitativa da produgéo: é um dos pilares da emprésa capitalista moderna. Deus abengoa os homens conforme seus empreendimen- ‘tos. O ascetismo voluntario determina um alto nivel de pro- dutividade, engendrando o entesouramento. O- puritanismo sconsiste na economia pessoal; ela serve a gléria de Deus. Sua moral do trabalho e ativismo politico estimula a producéo e eleva a riqueza, o ascetismo oposto ao luxo conduz a acumu- lagio do capital. Segundo Weber outra alavanca moral 4 acumulagaéo deu- ‘se quando da exigéncia de produzir muito e consumir menos (Kapitalbildung durch asketischer Sparzwang), levando o ri- co protestante uma existéncia austera. A racionalizagio e secularizagio désse espirito puritano -eriam os homens de negécios frios e lucidos, téenicos sem al- ma e jogadores sem coracdo (Fachmenschen ohne Geist, Ge- musameneschen obne Herz), nota Weber. A posicao calvinista permitindo 0 empréstimo a juros, considerando. 0 trabalho como sacramento vai criar um clima moral necessdrio A acumulagio do capital. E’ nesse sentido que Weber responde a respeito das relagdes e entre a ética puritana e o espirito capitalista. 6 numa Inglaterra puritana onde o trabalho é conside- ‘rado sacramento, é que podem vigir as “Leis dos Pobres” sob — 17% — Elizabeth e Jaime I que marcava a ferro 0 ocioso desempre- ado. Bae eber tinha consciéncia da complexidade da etiologia, do. capitalismo moderno, e isso impedia-o de apresentar uma tese fundamentada na causalidade “idealista”, oposta a “materia- lista”, mas sim, levava-o a estabelecer as relagdes concomitan- tes entre determinada ética religiosa e suas repercussdes no desenvolvimento econémico, considerado como fato social to- tal no sentido de Maass. A grande contribuigao de Max Weber a sociologia reli giosa consiste em ter demonstrado pela via empirico-histér ca, como cada religiio 6 portadora de uma ética econémica: como no seu desenvolvimento de “seita” para “Igreja” ocor- re.a transformagao do “séquito” em “fiel”, do “carisma? em “sacerdécio hierocratico”, da-se a formagdo de uma “dogm4- tica” para explicar a nova situagao. Quais sfo as relagdes entre o confucionismo e o capitalis- mo? Sabendo ser 0 capitalismo um fenémeno essencialmente urbano, que ligacdo haveria entre as cidades chinesas e 0 ca~ pitalismo? ' ‘A essa indagacdo Weber responde que as cidades chine~ sas se desenvolveram em térno de castelos de senhores,' siio feudos dos mesmos. As cidades ocidentais desenvolveram-se contra os senhores, lutando pela liberdade de auto-govérno. (franquias). As cidades chinesas sio governadas por senhores ou funciondrios de senhores. Falta o elemento burgués que permitiu a separacdo entre o espirito leigo e religioso. Fora do 4mbito urbano a China é um imenso pais tural! dai inexistirem as condigdes politicas necessdrias ao desenvol- vimento do capitalismo. O que caracteriza a religiao chinesa é seu animismo, com um Deus Supremo, o Sol. O Céu é o supremo criador,: pois envia as chuvas e determina a fecundidade dos homens e: ani- mais. A solidariedade familiar est4 em funco do culto aos antepassados. O Imperador é Filho do Céu, intermediario en- tre Deus e o humano (sacerdote supremo) . Apés uma luta entre o Imperador e os senhores, feudais sob.a forma de luta religiosa do Deus supremo contra, os genos locais, vence o Imperador que constitui um corpo administra- tivo onde a selecdo 6 baseada nos méritos intelectuais {man-, darins). Cria-se uma burocracia.com cultura humanista,.. .O.poder dos mandarins é fundado no.conhecimento formal dos regulamentos e da leitura. Seu idedlogo é Conftcia,.a sua — 179 ideologia baseia-se no fato da ordem'ser'a base da sociedade manifestada pela tradigao, cultofamiliar-e culto religioso do céu. A ética é uma ética imanentista no ‘plano das relagdes hu- manas. A ordem do mundo para permanecer necessita da or- dem moral e social. Nota Weber ‘que; enquanto a moral pro- testante define deveres para com: todos ‘os homens sem distin- a0, a moral confuciana define deveres'limitados ao plano ci- vico, familiar, restrito a pequenos ‘deveres qiiotidianos. Apesar de raciondlista o confucionismo nao criou clima moral propicio ao surgimento do capitalismo pelo fato de: a) ser tradicionalista, nio destruir a estrutura familiar patriarcal em beneffcio de uma estrutura familiar in- dividualista; b) para o protestantismo o homem’’é"um pecador, para © confucionismo o pecade deve-se & ignorancia, 0 que o classifica como religido: de letrados, petrificou-se nos concursos de saber e-de nieméria, eristalizado na‘casta dos mandarins. A indagagSo por que o capitalismo no se desenvolveu sob regime feudal Weber responde que isso-se deveu aos seguin- tes fatores: : a) a politica de unificagao do Imperador ¢ o fato dos senhores no empréstarem, mais dinheiro de usurarios; b) a grande importancia da classe camponesa com pouca terra cultivavel tornou a China umi-pais de “jardinei- ros” inimigos do capitalismo; c) a familia patriarcal onde cada um existe “ém’ fungdo dela, é a proprietaria da terra: . Enquanto isso, observa Weber queo capitalismo-esta li- gado a um tipo diferente de solidariedade, fundada entre indi- viduos ¢ nao entre membros;da familia, ‘permitindo a rela- cdo empregado-empregador. ves Outro dbice ao desenvolvimento do capitalismo, consistitx ho fato de estar ligado ao direito contratual, enquanto o di- reito chinés é um direito religioso Enquanto o protestante’ vé"iio hic¥o’ umm sinal de favor de Deus ‘que nio pode’ ser ‘matbaratado‘ho'luxo, para o chinés inexiste o lucro, 0 dinheiro serve! para ‘8 ‘aurtiénito da capaci- dade de consumo ostensivo. " -"* — 180 — Diferentemente do protestantismo 0 confucionismo é an- ti-ascético, a vida deve ser vivida com agrado; ordem, mais tranqiiilidade e felicidade sao as trés metas do homem. Enquanto o protestantismo é individual, vendo no homem uma alma que pelo trabalho chega a Deus, para o confucio- nismo o homem esta na dependéncia do grupo familiar e local. Para o protestantismo, dominar as paixées e seguir a ra- 240 é um imperativo ético-religioso, para o confucionismo cons- titui um imperativo estético, devem-se dominar as paixdes para nao ser ridiculo. O taoismo e¢ a ética econdmica. Junto a religido burocratica confuciana surgiu o taocismo - eo budismo na China. Weber define 0 taoismo pelo conformismo e adaptacéo ao mundo tal qual é. O caminho que leva a Deus — Tao — é a despersonalizacao absoluta. A contemplagao leva a destruiga0 do Eu, fonte de todo o sofrimento, 4 uma ordem divina na natureza, nossas agées trazem desorganizagao, dai a necessi- dade da inag&o, condenando téda a atividade social e politica. Max Weber situa 0 taoismo como religido de artesdos, cam- poneses e mulheres. As mulheres cultivam o éxtase no que tem de violento (orgias), 0 povo mistura-o com animismo trans- formando-o em politeista. A oposi¢o dos comerciantes ¢ man- darins 6 vencida pelos primeiros, dai a introdugéo do deus da riqueza. © taoismo devido ao seu cardter apolitico foi perseguido pe- los Imperadores, apoiados nos mandarins, findando na vitéria do confucionismo. Quais serao as diferengas entre a ética econémica taoista e a capitalista? ‘Weber responde mostrando que o taoismo vé no dinhei- ro um meio de luxo e de ostentacdo. O mesmo serve ao con- sumo, contrariamente 4 ética capitalista onde o dinheiro deve ser gasto nao no.consumo, mas, investido e reinvestido em atividades produtivas. Enquanto para 0 protestantismo o livro serve para o en- riquecimento da vida religiosa, para o taoista é um fim em si mesmo, serve 4 elevacio social do individuo. O capitalismo industrial na China nao chegou a criar um estamento préprio; introduzindo pelos ingléses, desenvolveu-se como arvore exdtica nas maos de estrangeiros. — 181 — A india e a ética econémica. Max Weber estudando as cidades hindus nota que a fn- dia nao possui grandes cidades, porém algumas poucas de co- merciantes, devido ao comércio exterior, contrariamente a Chi- na que s6 possuia comércio interno e fluvial Apesar de conhecer guerras incessantes entre os peque- nos Estados, financiadas por comerciantes ricos, 0 capitalismo ocidental ali ndo se desenvolveu. Para Weber um dos fatéres que impedia isso foi a ética religiosa hindu. No quadro das religides da fndia, Weber da prioridade ao hinduismo que tinha os Vedas como livro sagrado, onde ine- xiste 0 conceito de casta, constituindo-se numa religiao maj co-animista que se desenvolve em térno do sacrifio. Para Weber o regime de castas como base de estratifica- cdo social fundamenta-se no seguinte: a) causa étnica — fundamenta-se nos diferentes grupos sociais, no conseguindo explicar a mestigagem; b) causa econdmica — a corporacdo profissional é secre- ta e o segrédo das profissoes é transmitido heredit’- riamente; “ ©) causa religiosa — tddas as castas se escalam de acdr- do com os bramanes que constituiam a classe mais al- ta, portanto, a mais préxima de Deus. Paralelamente as causas apresentadas, Weber define a existéncia das seguintes castas: a) bramanes — so os intelectuais de hoje; b) cavaleiros (kachatraya) — sub-castas que formam uma espécie de cla feudal. Esse feudalismo se baseia sdbre impostos e pagamentos em viveres e colheitas; c) homens livres (vaieya) — compreendia antigamente os . agricultores e hoje inclui comerciantes e pessoas ri- cas. Devido a ética feudal, o comércio era desprezado Do seu seio sairam duas seitas heréticas: 0 budismo e o jainismo; d) sudras — artesdios — compdem-se de muitas sub-castas conforme as profissdes. Os parias estao fora do regime de castas. A religiosidade hindu atual funda-se em dois dogmas ba- sicos — samsara e o karma. O samsara’ é igual ao processo da metempsicose e migracdo das almas. O karma é a lei da — 182-— reincarnagéo e a responsabilidade moral. Nossas boas agdes neste mundo terdo uma recompensa na hora do ajuste final . Qual a influéncia dessa estruturagio de casias e precei- tos éticos sébre a vida econdmica? Weber responde a essa questdo, argumentando que 0 ca: pitalismo necessita da ‘liberdade individual de consciéncia. Na India nao pode haver mobilidade social vertical devido ao re- gime de castas. $6 existe a mobilidade apds a morte, para consegui-la é necessario ser “puro” Para que 0 capitalismo exista é necessério que os homens se encarem uns aos outros como iguais. Na India nado ha con- ceito de moral e dever valido para todos indistintamente, ca- da casta tem sua moral e nog&o de dever. Enquanto a preocupagao do puritano é santificar-se pelo trabalho para maior gl6ria de Deus (vejam-se os célebres ser- mées do Rev. Baxter), 0 hindu pensa em saivar-se saindo do circulo das reincarnagies, dai delinearem-se duas vias para a salvagdo: a) pelo pensamento (budismo) ou b) por meios me- cénicos (jainismo) . Weber ressalta duas atitudes importantes no que se refe- re a ética religiosa influenciando o homem em sua atividade econdmica. Enquanto o ocidental’é homem de agdo, preocupando-se em modificar suas condigées de existéncta, a ética da religiao hindu e chinesa é uma ética de contemplagio, a preocupagao maior é 0 cultivo do espfrito. Enquanto na India diferenciam-se os homens em castas, constituindo-se em sociedades “fechadas”, 0 capitalismo oci- dental democratiza os processos de ascengio social impedindo a formacao de castas petrificadas. Os judeus.e a ética capitalista. Nota inicialmente Weber que a apologia da acio e do tra- balho apareceu com o judaismo: o judeu sofre a maldade dos homens; acredita-se escolhido por Deus. Daf a necessidade de transformar o mundo considerado iniquo. ,, Como na China confuciana, entre os judeus predomina- va'o culto aos antepassados definido pela famflia patriateal Com Moisés da-se a transigado do politeismo ao monoteismo dos mistérios egipcios. Chegando a Palestina encontraram éles uma religiao agri- cola. Nesse periodo de sujeig&o do conquistado, estabeleceu-se o contrato entre Jeovaé:e os judeus: “Ndés te entregaremos sa- — 183 — crificios e tu nos dard a vitéria e a terra”. Surgem os primei- ros profetas, os Nabir, os profetas da felicidade No segundo periodo, aparecem os profetas das desgracas, surge a escravidao por dividas e a grande propriedade rural, luxo e a imoralidade. Os profetas anunciam que 0 povo seré punido pelo rompimento do contrato com Jeova. Os individuos devem encaminhar sua vida na trilha do bem, é o primeiro chamado a ética da acéo, ainda no plano moral apenas. Da-se a oposigao entre o sacerdécio tradicional, os levitas e 0s novos “carismas”, os profetas. Segundo Weber, os tiltimos nfo representavam 0 povo, alguns foram lapidados por éle, eram representantes de uma -camada intelectual que ensinavam a ética dirigida a tédas as classes, representavam tragos misticos opostos ao intelectualis- mo levitico. Vem o castigo e o povo vai para o exilio, confirmando a visio profética da violacao do contrato. Os sacerdotes quando voltam escrevem o Velho Testamento, as leis e téda a histé- ria judia, e 0 mito da criagdo, transformado em histéria e assimilado dos assirios, é integrado nos quadros do judaismo. O dildvio passa a ser uma punigdo. Os profetas messianicos apresentam uma novidade — o sofrimento 6 um meio de subir na escala das virtudes, dai sur- gira psicologia do ressentimento — 0 povo judeu é desgraga- do, como Deus ama seu povo, 0 seu sofrimento tem um va- lor: 0 povo paria merece mais porque sofre mais Nota-se, segundo Max Weber, a influéncia de idéias orien- tais: entre elas a crenca do Deus da vegetacio que deve ser ritualmente morto, antes que perca o mand ‘com a velhice. Escolhe-se um névo deus (ressurreigéo) que é méco, forte e fara a vegetacdo florescer. O sofrimento (morte ritual) é 0 prego da ressurreicao. Nota Max Weber que nos profetas o sofrimento tem um sentido moral e nao maégico como na religiosidade oriental antecedente. Surge finalmente o Messias que vem para reno- var 0 contrato de Israel. Apés o exilio os profetas tornam-se mais misticos e os sacerdotes racionalistas. Surge a seita dos “peruschim” (fariseus), espécie de puri- tanismo e pragmatismo religioso. Devido a inexisténcia do templo para sacriffcios religiosos, a seita tem cardter morali- zante. Os camponeses e artesdos foram fariseus na sub-seita dos -essénios, a comunidade dos “chaverim” (companheiros. ow — 184 — iguais). Caracterizam-se pelo puritanismo distinguindo a pu~ reza do coracio e a pureza da ag&o objetiva. Qual é a relacdo entre a emergéncia das seitas racionalis- tas e 0 desenvolvimento de um estamento capitalista? Weber apresenta como elementos favoraveis ao desenvol- vimento do capitalismo, a raciomalidade das seitas religiosas surgidas do judaismo tradicional, agregando-se ao gosto dos. rabinos pela discussao das leis ¢ pela reflexfio. As seitas constituiam-se de elementos recrutados entre a classe média urbana, onde a paixdo profética motiva o homem. ae%o para mudar o mundo. “Estamos aqui e aqui devemos viver™, a decorréncia é ag&o sébre éste mundo, Como elemento desfavoravel ao desenvolvimento de uma ética religiosa entre os judeus que propiciasse o desenvolvi- mento do capitalismo, situa-se 0 fato dos mesmos terem sofri- do perseguigées por todos, inclusive pelos romanos que teriam: perseguido os eristios na qualidade de seita judaica. Nao existe entre os judeus um dos caracteres basicos para a emergéncia do capitalismo: a igualdade entre os homens. Na Idade Média devido a interdigdes legais sé se desenvol- veu um capitalismo comercial, fizeram fortuna no comércio, atividade detestada até o século XI no Ocidente. O judeu em-- presta o dinheiro como uma “revanche” ao ndo-judeu. Max Weber mostra que a religifio judaica condena o tra- balho como sofrimento: Addo e Eva nada faziam no paraiso e eram felizes. Sé com o surgimento do puritanismo protes- tante é que a concepgao sébre o trabalho mudou. Concluindo, Weber nota que o capitalismo moderno sé se desenvolveu nos paises calvinistas. Houve germes de capita- lismo em outros paises, a falta de um clima favordvel impe- diu seu desenvolvimento. O protestantismo calvinista nfo é condicéo suficiente, mas necessdria ao aparecimento do capi- talismo. Sociologia da cidade. Segundo Weber o conceito de burguesia no sentido eco- némico é tipico do Ocidente. Conforme tal categoria, a “bur- guesia” nfo é um todo homogéneo: hA grandes e pequenos burgueses, empresdrios, banqueiros, artesfios, comerciantes. No sentido estamental Weber considera burgués todos os individuos de “posicéo” e cultura, empresarios, arrendatarios, - tédas as pessoas com determinado nivel académico e presti- gio social. — 185 — © conceito de burgués como egitivalente a cidadio, ji existe no mundo antigo e medieval. Weber aponta como exem- plo, o patriciado babilénico, os cavaleiros romanos. Tal tipo é€ desconhecido na China, india ou no Islao. A cidade ocidenta! criou os partidos e os demagogos, ine- xistentes no mundo oriental. Assim também, a cidade cria seu estilo artistico, A arte helénica e gética é uma arte ur- bana, em oposigdo ao micénico e ao romAnico. A matematica entre os helenos, e a astronomia entre os babilénios, o cristia- nismo primitivo, 0 pensamento teoldgico, as associagdes co- munais, s4o produtos urbanos. As “arti maggiori”, as “arti minori”, 0 surgimento do “po- desta”, dos “capitani dei popolo” como demagogo urbano, sao produtos da cidade ocidental. Max Weber apliea as eategorins gerais de racionalizagio: e secularizacdo, 20 desenvolvimento histérico do Ocidente. O direito racional do Estado moderno emerge ligado a burocra~ cia especializada, procede formalmente do Direito Romano_ Nos tribunais gregos e nos processos politicos em Roma, as partes tentavam influir sdbre os juizes mediante uma con- duta emocional. A burocracia bizantina de Justiniano ordenou o Direito- Romano como um direito sistematizado, conforme regras im- pessoais. Os notérios italianos, apés a queda do Império Romano, trataram, nas Universidades, da sistematizagao de uma teoria juridica. Weber aponta como passo decisivo nessa diregao, a racionalizagio do processo, quando o formalismo juridico do- Direito Romano incorporou em seu seio o formalismo magico- do direito germanico juntamente com a instituigéo pela mo~ narquia francesa da classe dos advogados. Alia-se & raciona- lizacéo maior do direito canénico a Igreja, rejeitando como pagao o duelo e as ordalias do direito germanico A importancia para 0 Ocidente da recepeao do direito ro- mano consistiu na criagao de um pensamento juridico formal. Enquanto a teocracia e o absolutismo orientam-se por uma justiga material, a burocracia ocidental atém-se ao formalismo. juridico. A criag&o indireta de condigées necessdrias A emer- géncia do capitalismo, deu-se para Weber, também pela alian- ¢a do estamento de juristas e 6 Estado moderno. — 186 — Os tipos de. dominacio. Fiel ao seu método, o tipo ideal, Weber estrutura trés ti- pos de dominagéo através da histéria: a) dominagfo tradicional; b) dominagao burocratico-legal e c) dominagao carismatica. A caracteristica da dominagao tradicional, consiste em ba- sear-se na santidade de tradigdes imemoriais, na inexisténcia de Area de competéncia objetivamente vilidas. Temos a par- ticipagéo na “mesa” do senhor, a distribuigdo de “beneficios”, “prebendas” ou “feudos”. A dominagao tradicional pode ter um fundamento patri- monialista, quando h4 um senhor que protege militarmente ‘os “servos”, quando a terra pertence ao rei ou a comunida- des religiosas, ficando 0 Senhor na qualidade de “gerente”. O regime patrimonialista, fundamento da legitimidade tra- dicional, é incompativel com o capitalismo industrial, mas co- existe com o capital comercial ou bancdrio, segundo Weber. O estamento de comerciantes sempre deu apdio a estrutura- eo de uma burocracia patrimonialista. Para Max Weber, estamos diante de uma ordenagdo esta- tal-patrimonial quando o soberano organiza em forma analo- ga ao seu poder doméstico o poder politico e, portanto, o do- minio sébre os homens e as coisas. A dominag&o patrimonial fundamenta-se no fato do Se- nhor “dever” algo ao submisso nfo por férga de lei, mas pe- lo costume. Daf protege-o contra perigos externos, trata-o “humanamente”. Reciprocamente, 0 submisso deve ajudar 0 Senhor, sendo ésse dever ilimitado em situagéo de guerra. Is- so se deu nos exércitos feudais da Idade Média, nos hospitais; igual funcéio tinham os clientes romanos, os coloni do: perfodo das Guerras Civis valendo 0 mesmo para os tributarios dos senhores de terra e para os mosteiros medievais. No antigo Egito, isso se dA com os colonos recrutados pa- trimonialmente no exército do faraé. Para Weber, 0 modélo de Estado patrimonial encontra-se na civilizagdo incaica e na reptblica dos jesuitas do Paraguai. Weber acentua como principal dever dos dominados numa estrutura patrimonial, abastecer 0 senhor materialmente. As necessidades de armamento e roupas sao satisfeitas mediante — 187 — entrega de viveres; por sua vez 0 soberano exige nova pres- ta¢do de servicos dos stditos ‘As tropas do Senhor, segundo Weber, podem ser consti- tuidas de arrendatarios e colonos. No ultimo caso, encontram- se os farads e os reis mesopotamicos, como os grandes senho- Tes patrimoniais da Antigiiidade, a nobreza romana e os “se- niores” da Idade Média. O perigo da transformagao do patri- monialismo em feudalismo consiste em incrementar a trans- formagio dos soldados em proprietarios de terras. A parali- sagéo do comércio no Oriente, desde a época dos seléucidas, deu-se por essa razio. As tropas de jenichai (janizaros) ser- viam, aos senhores na qualidade de mercen4rios, os signori das cidades italianas desde David até a Guarda Suica dos Bourbons, os soberanos patrimoniais recrutam sua guarda en- tre os estrangeiros. O principe patrimonial pode apoiar-se em tropas que re- cebem um lote de terra para prestar servico militar, no caso da casta guerreira do Egito, os kleruchi helenisticos ou os cos- sacos. Daf notar Weber que o patrimonialismo e a monarquia militar andam paralelamente, devendo-se isso, nao sé a razdes -de carater politico — o engrandecimento do territério e a neces- sidade de proteger as fronteiras como no Império Romano — mas, devido a crescente racionalizagao da economia aliada a uma especializacéo profissional e a separacdo dos suditos en- tre “civis” e “militares”. © patrimonialismo é incompativel com o saber burocra- tico especializado. ~ A maxima confuciana, que o homem nfo deve ser um meio, ideal ético do auto-aperfeigoamento universal, opée- $e a idéia ocidental objetiva de profissio, nao conduz ao saber -especializado, fundamento do Estado burocratico atual. Dai o patrimonialismo desenvolver a formacao de tipos sociais co- mo: comes stabuli (marechal condestavel), 0 mordomo, o in- tendente, o tesoureiro. Esses cargos existem como direito pes- soal do funcionario, situando-se como no Estado burocritico, A exigéncias objetivas. Dominagie burocratico-legal. : Max Weber conceitua a dominagéio burocrdtico-legal, como aquela que se atém a normas abstratas, gerais e impessoais, on- de a obediéncia ndo deriva de uma relacio “pessoal”, mas é devida ao “cargo”, O que importa é a ordem legal nfo a pessoa. — 188 — As categorias basicas da dominacao legal fundamentam-se num exercicio continuado, sujeito a lei de funcées, num Ambi- to que significa: a) um Aambito de deveres e servigos objetivamente limi- tados em virtude de uma distribuigao de funcées e b) com atribuigdo de poderes necessarios para sua rea- lizagdo e fixagao estrita de meios coativos para sua aplicagao. Liga-se a éste processo o principio da hierarquia adminis- trativa que funciona mediante técnicas. A formacao especia- lizada é inseparavel da condigdo de funciondrio, com a sepa- ragio entre quadro administrative e meios de administracao e produgao, atendo-se a um expediente rigido. O dominio da dominagao burocratica da-se quando vigo- ra © principio universal da nomeagao de funcionarios. O de- senvolvimento do Estado, Igreja, Exército, Partido, coincide com 0 incremento da administragao burocratica; é 0 germe do Estado Ocidental. Nota Max Weber que cabe a nés optar entre e a burocra- tizagéio (que se funda no saber especializado condicionado pe- la técnica e economia da producéo de bens em forma capita- lista ou socialista), e o diletantismo administrativo. (Adver- te Weber que uma administragdo capitalista ou socialista ou estatista, que quiser alcancar iguais resultados técnicos aos da administragio capitalista classica, deverd incrementar ne- cessariamente a burocratizacio) . A forma de dominacdo burocratico-legal caracteriza, em seu estado “puro”, os Estados Ocidentais, assumindo as vézes. formas mistas, como a forma burocratico-carismatica sob Na- poleao, burocratico-patrimonial na Turquia de Kemal Pacha ou a forma burocratico-carismatica no Estado Russo atual. Dominagio earismética. Carisma é.uma palavra de origem grega, correspondente a “graca”. O portador de um carisma tanto pode ser um “cha- man” de tribo primitiva, um caudilho militar ou um portador de uma missio religiosa de salvagiio. Se-lo-A na medida em que incorporar virtudes extra-qiictidianas e inacessiveis a outrem. A validade do carisma depende do reconhecimento por parte de seu séquito, que se dé por “corroboracdo” das supos- tas qualidades carisméticas, constituindo um “dever” dos cha- mados e uma entrega pessoal, cheia de fé e esperanca. — 189° — Se o lider carismatico nao satisfaz os seguidores, se 0 ca- risma parece “abandonado” por seu Deus ou protetor, sua au- toridade pode se dissipar. Max Weber exemplifica com 0 caso chinés, onde os monarcas em situagéo de guerras, sécas ou inundagées, estavam obrigados & expiacéo publica ou abdi- cago. © quadro administrativo carismatico é composto de “fiéis”, “jrmaos”, “companheiros” ou homens “de confianga”. Nao ha direito abstrato: voga o juizo de Deus e as revelacdes. “Estava escrito, mas em verdade vos digo”, constitui o mandamento de qualquer lider carismatico portador de uma missio de salvagao. O conceito de “missaéo” é inerente aos grupos carismati- cos, sejam os essénios, grupos monacais regidos por um cole- tivismo econémico, ou alheios 4 economia qiiotidiana como os budistas. . No entanto, a apropriagéo dos poderes de mando pelo sé- quito carismatico leva-o & burocratizacéo. Isso produz o que Weber chama a “rotinizacio” do carisma, que, de portador de uma missao extra-qiiotidiana ingressa no qiiotidiano. Isso se da, quando em seu status nascendi, o carisma é revolucionario, dirigindo-se contra todos os poderes “déste mundo”, e posteriormente transforma-se em burocratico, en- trando em connubium com as férgas déste mundo. A Reforma féra uma reacao contra esta atitude e pela ampliagdo da area do dominio hierocratico sébre a vida leiga e secular. ‘A rotinizagao do séquito se dé quando os “revolucionarios” se transformam em “funcionarios; dai o lider carismatico ten- der a procurar um tipo tradicional de legitimidade. A seita transforma-se entdo em Igreja, os “principios” em “dogmas” -disciplinando o misticismo numa teologia sistematica. Esse é 0 sentido da construgao de Sio Tomas e de Al Farhabi no qua- dro islamico. A morte do lider carismatico pode ocasionar a crise do “sistema”, pois 0 problema de sua sucessao liga-se, em geral, .ao interésse material dos prosélitos do quadro administrati- vo. Veja-se a importancia do testamento politico de Lenine e .a oposig&o Stalin-Trotsky nos quadros da sucesso carismé- “tico-burocratica no bolchevismo russo. A crise da sucessao carismatica pode ocorrer: a) por busca do sucessor segundo determinados sinais de que, como portador do carisma estd qualificado pa- — 199 — ra ser lider. Assim é a busca de um novo Dalai ma, crianga eleita por sinais de incarnag&o do divino. b): ‘por revelagao, ordculo, sorteio, jufzo de Deus. E’ 0 caso dos “shofetim” (arautos) israelitas. O velho ord~ culo de guerra havia assinalado a Saul. c) por designagao do sucessor pelo portador atual do ca- *risma e reconhecimento pela comunidade. Designa- Gao dos ditadores em Roma, corongio pelo clero e pe- los principes, de bispos e reis no Ocidente As normas carismaticas podem transformar-se facilmen- te em dotamentais ou iradicionais, Domina entdo o carisma heredit4rio tipificado no Estado de Linhagens (Gesehlechter- staat), gerontocratas e patriarcas legitimados pela tradicio FB’ 0 caso do Japao antes da burocratizagdo do seu Estado. o dominio das “velhas familias” na China e na fndia. A transformagio do carisma em movimento prebendario feudalizante, de apropriagao carismatica hereditaria de bens e cargos, produzem situagées iniciais de carater patrimonial e burocratico influindo s6bre a economia. ‘Tal € © caso da monarquia hereditaria, ligada 4 nogao da santidade de heranga de trono, como condig3o de manutengao da propriedade herdada e legitimamente adquirida. E’.o di- reito divino dos reis definido no Velho Testamento e reinter- pretado a luz das necessidades da monarquia absoluta na Fu- ropa, estruturada com rigor ldgico por Justo Lipsio e Otho- manus, juristas.protestantes a servigo do regalismo. O carisma de “revolucionario” apés a burecratizacao pas- sa a defender os “direitos adquiridos” gerando inevitavelmen- te cisdes ou heresias, definidas por aquéles que procuram man- ter a misao de salvagio da seita, Igreja ou Partido. fiste é 0, sentido ltimo das heresias nestorianas, cdtaras, albigenses protestantes, da oposicao de Robespierre ao Diretério, e na época atual, de Trotsky a Stalin e de Strasser a Hitler. Quando Joseph de Maistre doutrinava que téda revolugao tem’seu 18 Brumério, queria dizer, que a burocratizagao é a. consegiiéncia inevitavel dos portadores de uma “missao de- salvagdo” . : — igi — BIBLIOGRAFIA. Max Weber — Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalis- mus, in “Gesamte Aufsiitze zur Religionssoziologie”. Tibingen, 1920. ——— Gesamte Aufsitze zur Religionsoziologie. Tiibingen, 1920. —— Wirtschaft und Gesselschaft. Tiibingen, 1920. ——_ Histéria econémica general. Fundo de Cultura Econémica. México. Hans Gerth — From Max Weber. Ed. Kegan Paul. Londres, 1958 R. Aron — La sociologia alemana eontemporanea. Ed. Paidos. Bue- nos Aires, 1952. Ernst Troeltsch — Die Soziallehren der cristlichen Kirchen und Gruppen in Gesamte Sehrifften. 1 volume, Tiibingen, 1912. W. F. Van Gusteren — Kalvinismus und Kapitalismus. Amsterdio.. 1954. ‘Wener Sombart — Die Juden und das Wirtschaftsleben. Leipzig, 1911. Felix Kaufman — Metodologia de las ciencias sociales. Fundo de Cultura Econémica. México, 1946. André Bieler — La pensée économique et sociale de Calvin. Ed. George & Cie. S. A. Geneve, 1959. MAURICIO TRAGTENBERG Licenciado em Histéria pela Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras da Universidade de Sio Paulo.

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